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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
9/1996, de 25.03.1999
Data do Parecer: 
25-03-1999
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer Complementar
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Administração Interna
Relator: 
LUCAS COELHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
GOVERNADOR CIVIL
MAGISTRADO ADMINISTRATIVO
COMPETÊNCIA REGULAMENTAR
REGULAMENTO
REGULAMENTO POLICIAL
CADUCIDADE
REVOGAÇÃO
LEI HABILITANTE
VIGÊNCIA
LICENÇA POLICIAL
LICENÇA DE PORTA ABERTA
POLÍCIA ADMINISTRATIVA
ORDEM PÚBLICA
MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA
MEDIDAS DE POLÍCIA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE EXCESSO
Conclusões: 
1. Em virtude da alteração introduzida no artigo 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Dezembro, pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 316/95, de 28 de Novembro, com início de vigência em 1 de Outubro de 1995, os governadores civis perderam as competências regulamentares em matéria policial que lhes assistiam com fundamento na redacção originária da alínea c) do citado artigo 4º, nº 3, transferindo-se estas para o Ministro da Administração Interna;

2. Os regulamentos policiais emanados dos governadores civis no exercício dessas competências regulamentares não cessaram a sua vigência pelo simples facto da aludida transferência de competências, operada em 1 de Outubro de 1995, apenas ficando revogados se e na medida em que o novo titular as exerça no mesmo domínio normativo, ou este domínio seja disciplinado mediante actos de adequado nível e valor formal;

3. Sem prejuízo desta ressalva, as licenças policiais denominadas «de porta aberta» previstas nesses regulamentos (cfr., v.g., os artigos 10º e segs. do “Regulamento Policial do Distrito de Beja”) e, bem assim, as taxas associadas à sua emissão continuaram, consequentemente, a ser exigíveis após 1 de Outubro de 1995;

4. Todavia, a partir de 1 de Julho de 1997, com a entrada em vigor dos Decretos-Leis nºs 167/97 e 168/97, de 4 do mesmo mês, foram abolidas as licenças de porta aberta, assim como as taxas inerentes, suprimindo-se do mundo jurídico as competências tendentes à sua emissão;

5. Mercê dos Decretos-Leis nºs 167/97 e 168/97 os regulamentos policiais aludidos nas conclusões 2. e 3. cessaram, por conseguinte, a sua vigência, em 1 de Julho de 1997, no tocante às denominadas licenças de porta aberta e respectivas taxas;

6. O regime descrito nas conclusões 1. a 5. é igualmente aplicável às licenças de abertura também previstas nos regulamentos policiais dos distritos (v.g., artigos 10º e segs. do “Regulamento” aludido na conclusão 3.) e nos artigos 36º e segs. do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, revogado pelo Decreto-lei nº 167/97;

7. A polícia administrativa traduz uma forma de actuação da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, com o objectivo de evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir;

8. Interessa essencialmente à polícia administrativa a prevenção de danos sociais, visando os actos e medidas de polícia a tutela contra os perigos que ameacem a segurança pública e as turbações que prejudiquem a ordem pública numa perspectiva preventiva, não sancionatória;

9. A ordem pública compreende o conjunto de condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos individuais, nuclearmente segundo a triologia funcional da defesa da tranquilidade, segurança e salubridade;

10. As concretas questões submetidas à apreciação do Conselho Consultivo – na enunciação vertida no ponto I, do presente parecer – devem ser solucionadas à luz dos princípios explanados nos pontos IV, 1. a 7.:

10.1. O governador civil tem o poder de adoptar medidas de polícia administrativa para defesa da ordem pública, da segurança e tranquilidade dos cidadãos, nos termos do artigo 4º, nº 3, alínea a), do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, e, bem assim, as providências excepcionais e urgentes circunscritas no artigo 8º do mesmo diploma (IV, 1.1);

10.2. Tais poderes estão subordinados aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de polícia administrativa, com relevo para o princípio da proibição de excesso (IV, 1.2.);

10.3. Constatada a inexistência de licença de abertura, o governador civil não tem o poder de ordenar a medida de polícia de encerramento do estabelecimento respectivo (IV, 2);

10.4. Tendo em atenção as anteriores conclusões 3.,4.,5. e 6., o despacho nº 9/97, de 24 de Janeiro de 1997, do Ministro da Administração Interna veiculara uma correcta interpretação da lei em vigor, carecendo essa interpretação das correcções impostas pelas alterações legislativas vigentes desde 1 de Julho seguinte (IV, 3.1);

10.5 Em conformidade com a doutrina das conclusões 3., 4. e 5., as denominadas “licenças de porta aberta” deveriam ter deixado de ser emitidas desde 1 de Julho de 1997 (IV, 3.2);

10.6. As taxas pagas por licenças de porta aberta emitidas no período posterior a 1 de Julho de 1997 devem, em princípio, ser restituídas, sob pena de locupletamento injusto dos entes beneficiários da cobrança (IV, 3.3);

10.7. O parecer do governador civil aludido no artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei 168/87, de 4 de Julho, não pode deixar de examinar as condições em que os sons e ruídos produzidos pelos estabelecimentos se projectam no ambiente circundante de modo a afectarem a tranquilidade pública (IV, 4.).

10.8. O nº 1 do artigo 48º do Decreto-Lei 316/85, de 28 de Novembro, não foi tacitamente revogado pelo artigo 39º do Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho (IV, 5.);

10.9. A competência conferida ao governador civil pelo nº 1 do artigo 48º do Decreto-Lei nº 316/95, para aplicar a medida de redução do horário de funcionamento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas, não conflitua com a atribuição das competências de licenciamento dos aludidos estabelecimentos a entidades diversas (IV, 6.);

10.10. Nos processos pendentes em 1 de Julho de 1997 nos governos civis para emissão de alvarás de abertura, relativos a situações que, nos termos do artigo 74º, nº 1, do Decreto-Lei nº 167/97, continuam a regular-se pelo Decreto-Lei 328/86, devem os aludidos alvarás ser emitidos (IV, 7.).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Administração Interna,
Excelência:




I

Em 19 de Agosto de 1996 expediu este corpo consultivo o parecer nº 9/96 acerca de aspectos relacionados com as competências regulamentares dos governadores civis em matéria policial.

Homologado por despacho de 17 de Outubro e publicado no “Diário da República”, II Série, nº 277, de 29 de Novembro de 1996 (págs. 16731 e segs.), dignou-se Vossa Excelência solicitar um novo parecer urgente visando o esclarecimento de dúvidas que em alguns governos civis suscitara aquele parecer nº 9/96.

Foi consequentemente proferido em 2 de Dezembro de 1998 o parecer nº 9/96-A/Complementar ([1]).

A Auditoria Jurídica representou entretanto um conjunto de questões formuladas pelos governadores civis de Lisboa, Porto e Leiria adentro da mesma temática, e Vossa Excelência entendeu por bem submetê-las igualmente a parecer urgente do Conselho Consultivo.


Transcrevam-se essas questões tal como foram enunciadas:

1. “Mantém-se em vigor o princípio de que o Governador Civil possui competência para tomar medidas excepcionais, desde que esteja em causa a ordem pública, a segurança, ou a tranquilidade dos cidadãos?

2. “Em caso negativo – decerto se quer dizer “afirmativo” - em que condições é exercida tal competência e quais os seus limites e pressupostos?

3. “Prevalece ou não esse princípio sobre as restrições impostas à actuação do Governador Civil pelos Decretos–Leis nºs 167/97 e 168/97, de 4 de Julho?

4. “Possuirá o Governador Civil competência para, através das Forças de Segurança, indagar da existência de licenças de abertura e, em caso negativo, pode determinar o encerramento dos estabelecimentos, sendo certo que, nestes casos, a inexistência de licenças põe em causa a ordem pública?

5. “Tendo em conta a revogação do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, pelo Decreto-Lei nº 167/97, retirando aos Governadores Civis a competência para licenciar a abertura dos estabelecimentos, o regime do Decreto-Lei nº 48/96, de 15 de Maio, que redefiniu o regime dos horários de funcionamento, e a publicação do Decreto-Lei nº 168/97, terá deixado de ter aplicação o despacho 9/97, elaborado na sequência do Parecer 9/96, da Procuradoria-Geral da República?

6. “Em conformidade, deverão deixar de ser emitidas as licenças de porta aberta (licença de funcionamento), cobradas as respectivas taxas, e desde quando?

7. “Devem ser restituídas as taxas e licenças pagas, no decurso de 1997, à luz do regime fixado pelo Despacho nº 9/97?

8. “A intervenção dos Governos Civis no licenciamento dos estabelecimentos hoteleiros e similares parece confinar-se à emissão do parecer para os estabelecimentos de bebidas e restauração que disponham de salas ou espaços destinados a dança. O Governo Civil do Distrito, nos termos do artº 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 168/97, deve pronunciar--se quanto “à localização e aspectos de segurança e ordem pública que o funcionamento do estabelecimento possa implicar”. Convindo esclarecer qual o âmbito do conceito vago de “segurança” e “ordem pública”, coloca-se a questão de saber se o governador civil pode ir além das questões de natureza policial, como, por exemplo, avaliar as condições acústicas dos estabelecimentos.

9. “Tendo em atenção o disposto nos artºs 62º do Decreto–Lei nº 167/97 e 39º do Decreto–Lei nº 168/97, que atribui às Câmaras Municipais a competência para aplicar a sanção acessória de encerramento dos estabelecimentos, terá sido revogado tacitamente o artigo 48º do Decreto–Lei nº 316/95, de 28 de Novembro, que possibilitava, ao Governador Civil, aplicar a medida de polícia de encerramento das salas de dança e estabelecimentos de bebidas, quando o seu funcionamento se revelasse susceptível de violar a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas?

10. “Estará inviabilizado o poder de o Governador Civil reduzir o horário de funcionamento dos referidos estabelecimentos, uma vez que aquele deixa de conceder qualquer licenciamento?

11. “Face ao estatuído no artigo 72º do Decreto–Lei nº 167/97 e no artigo 51º do Decreto–Lei nº 168/97 devem deixar de ser emitidos alvarás de abertura, relativamente aos processos pendentes?”

Cumpre, nos termos expostos, emitir parecer.







II

1. O Código Administrativo regulava os governos civis no Título VII da Parte I (artigos 404º a 415º).

Três rasgos de regime importa a propósito recortar.


1.1. O artigo 404º dispunha no proémio: “em cada distrito haverá um magistrado administrativo, imediato representante do Governo, com a designação de governador civil, e um substituto deste, ambos nomeados pelo Ministro do Interior, ao qual ficam imediatamente subordinados, podendo ser por ele livremente exonerados ou demitidos”.

Mercê de alterações introduzidas pelo Decreto–Lei nº 394-B/84, de 28 de Dezembro, assumiu o mesmo artigo uma feição diferente - “Em cada distrito haverá um governador civil, nomeado e exonerado pelo Governo, em Conselho de Ministros, por proposta do Ministério da Administração Interna, de quem orgânica e hierarquicamente depende” (nº 1); “O governador civil representa o Governo na área do distrito” (nº 3) -, em que sobressai a eliminação da qualificação do governador civil como “magistrado administrativo”.

No entanto a doutrina continuou a titulá-lo como tal.

Considerando-se neste sentido magistrados administrativos “os órgãos locais do Estado que nas respectivas circunscrições administrativas desempenham a função de representantes do Governo para fins de administração geral e de segurança pública”, concebe-se o perfil do governador civil justamente como o do “magistrado administrativo que representa o Governo na circunscrição distrital” ([2]).


1.2. Além do artigo 404º interessa ademais rememorar que os artigos 407º e 408º do Código Administrativo definiam, por seu turno, as competências do governador civil como representante do Governo e como autoridade policial, respectivamente.

No tocante ao segundo tipo de competências previa o § 1º do artigo 408º - na redacção ultimamente do Decreto–Lei nº 103/84, de 30 de Março - a possibilidade de os governadores civis elaborarem “regulamentos genéricos obrigatórios em todo o distrito, sobre as matérias das suas atribuições policiais que não sejam objecto de lei ou regulamento geral da Administração Pública”.

E nos termos do § 4º do mesmo artigo - aditado pelo artigo 2º do referido Decreto–Lei -, esses regulamentos poderiam “ainda prever que possa ser ordenado, até que sejam removidas as causas, o encerramento do estabelecimento que funcione sem as licenças ou as condições exigidas por lei ou regulamento” ([3]).


1.3. Em terceiro lugar, o artigo 409º providenciava acerca da adopção excepcional pelos governadores civis de medidas não incluídas na sua normal competência, dispondo o seguinte:

“Artigo 409º
(Ratificação governamental)

Nos casos de extrema urgência e necessidade pública pode o governador civil tomar todas as providências administrativas indispensáveis, solicitando, logo que lhe seja possível, a ratificação pelo Governo dos actos que tiver praticado fora da sua competência normal.”

2. Os artigos 404º, 407º, 408º e 409º do Código Administrativo - assim como as demais normas ainda vigentes da Parte I do seu Título VII - foram revogados pelo Decreto–Lei nº 252/92, de 19 de Novembro (artigo 29º) ([4]), que veio definir um novo estatuto e competência dos governadores civis, aprovando do mesmo passo o regime dos órgãos e serviços deles dependentes (cfr. o artigo 1º).


2.1. Ponderava-se na nota preambular que “o actual estatuto do governador civil não está claramente definido, havendo todas as vantagens em homogeneizar, tanto quanto possível, o conjunto variado e difuso de diplomas em que se traduz a moldura legal da sua actuação e das suas competências”.

A sistemática do diploma estrutura-se em nove capítulos: “Disposições gerais” (Capítulo I; artigos 1º a 3º); “Das competências” (Capítulo II; artigos 4º e 5º); “Dos actos praticados pelo governador civil” (Capítulo III; artigos 6º a 8º); “Da secretaria” (Capítulo IV; artigos 9º a 12º); “Conselho consultivo” (Capítulo V; artigos 13º e 14º); “Do gabinete de apoio pessoal” (Capítulo VI; artigo 15º); “Estatuto pessoal e remuneratório” (Capítulo VII; artigos 16º a 22º); “Regime financeiro dos governadores civis” (Capítulo VIII; artigos 23º a 25º); “Disposições finais e transitórias” (Capítulo IX; artigos 26º a 30º).


2.2. Aos fins da consulta interessam poucos preceitos dos três primeiros capítulos.

Nos termos dos artigos 2º e 3º, “o governador civil é o órgão que representa o Governo na área do distrito (...)” (artigo 2º), sendo por este “nomeado e exonerado” em Conselho de Ministros, sob “proposta do Ministério da Administração Interna, de quem depende hierárquica e organicamente”(artigo 3º, nº 1).

O artigo 4º contém o elenco das competências do governador civil, respeitando especialmente às funções de polícia o seu nº 3:

"Artigo 4.º
Competências do governador civil

1 - Compete ao governador civil, como representante do Governo:
(...)
(...)

2 - Compete ao governador civil, no exercício de poderes de tutela:
(...)
(...)

3 - Compete ao governador civil, no exercício de funções de polícia:

a) Tomar as providências necessárias para manter a ordem e a segurança públicas, requisitando, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandantes da PSP e da GNR, instaladas no distrito;

b) Conceder, nos termos da lei, autorizações ou licenças para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos, a prevenção de riscos ou de perigos vários que àquelas sejam inerentes;

c) Elaborar regulamentos obrigatórios em todo o distrito sobre matérias da sua competência policial que não sejam objecto de lei ou regulamento geral, a publicar no Diário da República, após aprovação do Governo, que pode ser efectuada por despacho do Ministro da Administração Interna.

4 - Compete ao governador civil, no exercício de funções de protecção civil (...)

5 - Além de outros poderes que lhe sejam atribuídos por lei, regulamento ou delegação do Ministro da Administração Interna, compete ao governador civil:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
e) (...)
f) Aplicar as coimas e sanções acessórias a que haja lugar por violações dos regulamentos a que se refere a alínea c) do nº 3.”

Aluda-se ainda a dois aspectos de regime.

Dos actos do governador civil cabe recurso contencioso, nos termos da lei geral, e recurso hierárquico facultativo para o Ministro da Administração Interna (artigo 6º).

Quanto a providências urgentes, o artigo 8º é norma simétrica do revogado artigo 409º do Código Administrativo, dispondo o seguinte:

“Artigo 8º
Urgência

Sempre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes de interesse público, o governador civil pode praticar todos os actos ou tomar todas as providências administrativas indispensáveis, solicitando, logo que lhe seja possível, a ratificação pelo órgão normalmente competente.”


2.3. Permita-se um breve balanço intercalar.

De um modo geral - ponderou-se em parecer desta instância consultiva historicamente datado ([5]) - “as normas do novo diploma não representam ruptura com as soluções que se achavam vertidas na legislação precedentemente em vigor, muito em especial no que se refere às normas do artigo 408º do CA, alteradas ou aditadas pelo Decreto–Lei nº 103/84”, antes pelo contrário sendo “possível divisar uma clara linha de continuidade”.

Isto não significa, porém, que não se registassem diferenças.

Assim, entre outras, no tocante à possibilidade, prevista, como se disse, no § 4º do referido artigo, e não contemplada expressamente pelo Decreto–Lei nº 252/92, de ser ordenado o encerramento de estabelecimentos desprovidos das licenças ou condições exigidas por lei ou regulamento.

Mas essa omissão não equivalia, em derradeiro termo, ao abandono da mesma linha de rumo, consoante procurou mostrar o mencionado parecer, ponderando:

“Importa, porém, reconhecer que tal possibilidade de “dar ordens” decorre logicamente da competência constante da alínea b) do nº 3 do artigo 4º do Decreto–Lei nº 252/92. Competindo ao governador civil conceder, nos termos da lei, autorizações ou licenças para o exercício de actividades, mal se compreenderia que não pudesse ser ordenado o encerramento de estabelecimento que funcione sem as licenças ou condições exigidas por lei. Pressuposto de tal faculdade consistirá, ao menos para alguns, na previsão de tal medida no quadro das medidas típicas de polícia elencadas nos referidos regulamentos obrigatórios em todo o distrito sobre matérias da competência policial do governador civil - cfr. a alínea c) do nº 3 do artigo 4º do Decreto–Lei nº 252/92.

“Acresce que a competência dos governadores civis em matéria de encerramento e de fixação de horários de encerramento de estabelecimentos é expressamente estabelecida em previsões constantes de vários diplomas legais, anotando-se, a título meramente exemplificativo, diversas normas, a que se voltará, do Decreto–Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, e do Decreto–Lei nº 21/85, de 17 de Janeiro.

“Ou seja, a alteração legislativa, operada pelo diploma de 92, terá sido, quanto a este ponto, inócua, posto que a determinação de encerramento de estabelecimentos, pelas causas e nas circunstâncias indicadas, continuou, naturalmente, a estar prevista nos diplomas legais e nos regulamentos dos governadores civis, editados sobre “matérias da sua competência policial”. O que representa, aliás, afloramento de uma lógica intrínseca no complexo de competências do governador civil (x)”

3. No entanto, os governadores civis foram despojados das competências regulamentares que pelo seu estatuto lhes assistiam em matéria policial.

Com efeito, o artigo 4º do Decreto–Lei nº 252/92 sofreu alterações introduzidas pelo artigo 2º do Decreto–Lei nº 316/95, de 28 de Novembro - com início de vigência em 1 de Outubro de 1995 (artigo 5º) -, ficando como segue, com destaque para as alíneas c) e d) do º 3:


"Artigo 4.º
[...]

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)

a) Tomar as providências necessárias para manter ou repor a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, requisitando, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandantes da PSP e da GNR, instaladas no distrito;
b) Conceder as autorizações ou licenças previstas na lei para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos, a prevenção de riscos ou de perigos vários que àquelas sejam inerentes;
c) Assegurar a observância das leis e regulamentos e garantir a execução dos actos administrativos e das decisões judiciais;
d) Propor ao Ministro da Administração Interna a elaboração dos regulamentos necessários à execução das leis que estabelecem o modo de exercício das suas competências.

4 - (...)
5 - (...)

a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) (...)
f) Aplicar as medidas de polícia e as sanções contra–ordenacionais previstas na lei.
6 - (...)”

Mercê destas alterações de redacção, a alínea c) do nº 3 deixou de fazer menção à competência regulamentar aludida na redacção originária.

E acrescentou-se uma nova alínea d) configurando a mesma competência em moldes formalmente diferentes.

Antes, competia ao governador civil “elaborar regulamentos” sujeitos a “aprovação do Governo”, nomeadamente mediante “despacho do Ministro da Administração Interna” (alínea c)); agora compete-lhe “propor ao Ministro da Administração Interna a elaboração dos regulamentos” (alínea d)).

Por outro lado, a competência regulamentar prevista na alínea c) era “sobre matérias da sua competência policial que não sejam objecto de lei ou regulamento geral”; enquanto a competência ora definida na actual alínea d) é para a elaboração dos regulamentos “necessários à execução das leis que estabelecem o modo de exercício das suas competências”, quaisquer que estas sejam.

No sentido de que os governadores civis foram despojados das competências regulamentares em apreço, era de resto intencional o preâmbulo do Decreto-Lei nº 316/95, ao ponderar que “os governadores civis ficam com o exercício das suas competências sujeito a um diploma com força de lei ([6]), como acontece com todos os órgãos administrativos, retirando-se-lhes competências regulamentares em matérias não suficientemente densificadas por lei, obstando com o ensejo à subsistência de regulamentos independentes”.

Os pareceres nºs. 9/96 e 9/96-A/Complementar vieram a concluir, em suma, pela aludida exautoração ([7]).
4. Colocava-se, porém, o problema da caducidade dos regulamentos emitidos ao abrigo das pretéritas competências regulamentares.

Com o Decreto-Lei nº 316/95 os governadores civis haviam perdido a competência regulamentar em matéria policial que lhes assistia na versão original do seu estatuto, e daí que os regulamentos emanados à sombra dessa competência tivessem também perdido “força vinculativa”, devendo ser “desaplicados” a partir do início de vigência daquele diploma - 1 de Outubro de 1995.

O Conselho não perfilhou esta orientação.

Reflectindo em sede de sucessão de habilitações regulamentares - numa palavra, “a revogação da lei a que o regulamento sirva de complemento acarreta também a revogação deste”, mas “se essa lei é substituída por outra lei nova ainda não regulamentada, entendem as nossas doutrina e jurisprudência que ela continua a ser regulamentada pelo regulamento antigo em tudo aquilo em que este a não contrariar” -, ponderava, por último, o parecer nº 9/96-A/Complementar:

“Compreende-se - escreveu-se no parecer nº 9/96 à luz dos tópicos explanados - que caduque ou fique revogado, por exemplo, um regulamento de execução se a lei executada for pura e simplesmente revogada ou substituída por outra com ela incompatível.

“O regulamento careceria, em qualquer dos casos, de justificação plausível. No primeiro, por falta de objecto; no segundo por radical contraditoriedade normativa com a nova lei sobre o seu objecto.

“Não é isso, porém, o que se passa com os denominados “regulamentos independentes” emanados pelos governadores civis ao abrigo da competência regulamentar conferida por lei, quando esta lei foi alterada em termos de se retirar àqueles essa competência para conferi-la a outro diferente órgão da Administração.

“Pelo simples facto dessa exautoração, nem os regulamentos passaram a carecer de objecto, nem surgiu nenhuma concreta incompatibilidade normativa entre os regulamentos existentes e a nova lei de competência.”

E mais adiante:

“Em suma (...) não se divisam materialmente razões para que os regulamentos deixem de vigorar pelo simples facto da transferência de competências regulamentares.

“De contrário criar-se-ia subitamente um vazio normativo de consequências imprevisíveis nas relações da vida social.
“Posto o que (...) continuamos a entender que os regulamentos dos governadores civis em matéria policial não deixaram de vigorar em 1 de Outubro de 1995, por mero efeito da aludida transferência de competência regulamentar operada pelo Decreto–Lei nº 316/95.

“A sua revogação apenas se verifica se e na medida em que o novo titular exerça a sua competência no mesmo domínio normativo, ou se a matéria dos regulamentos for disciplinada mediante actos normativos de adequado nível e valor formal (-).”

Estavam em causa as denominadas “licenças de porta aberta” previstas em regulamentos policiais dos distritos, editados precisamente ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artigo 4º do Decreto–Lei nº 252/92, de 19 de Novembro ([8]).

Em resumo, licenças de funcionamento de estabelecimentos ([9]), outorgadas em várias modalidades horárias pelos governos civis, segundo determinados procedimentos, consubstanciando medidas de polícia enquadráveis nos poderes regulamentares conferidos aos governadores pelo seu estatuto de 92.

Concluiu-se, pois, que as licenças policiais denominadas “de porta aberta” previstas nos aludidos regulamentos policiais, bem como as taxas associadas à sua emissão, continuaram a ser exigíveis após 1 de Outubro de 1995 (conclusão 3. do parecer nº 9/96–A/Complementar).

Mas isso, de todo o modo, sem prejuízo do exercício das competências regulamentares do novo titular, e da prática de actos de adequado nível e valor formal no mesmo domínio normativo (conclusão 2. do citado parecer).

5. Foi justamente esta hipótese que se verificou com a publicação dos Decretos–Leis nºs 167/97 e 168/97, de 4 de Julho, os quais, aprovando entretanto um novo regime jurídico da instalação e funcionamento dos “empreendimentos turísticos”, o primeiro, e dos “estabelecimentos de restauração e de bebidas”, o segundo, modificaram substancialmente a situação descrita.

No preâmbulo do Decreto–Lei nº 167/97, lê-se, efectivamente, a determinado passo:

“Do mesmo modo, e no sentido da simplificação e clarificação das relações entre promotores e Administração institui-se uma licença única para a abertura dos empreendimentos turísticos -, a licença de utilização turística -, emitida pela respectiva câmara municipal, a qual substitui todas as licenças actualmente exigíveis.

“Extingue-se assim a licença policial dos governos civis”.

Em consonância com a intenção legislativa enunciada, o artigo 24º, nº 1, dispõe, efectivamente, que o “funcionamento dos empreendimentos turísticos ([10]) depende apenas de licença de utilização turística (...)”, emitida, de acordo com o nº 1 do artigo 27º, “pelo presidente da câmara municipal.”

Nestes termos, o Decreto–Lei nº 167/97 não confia directamente nenhuma competência de licenciamento aos governadores civis, seja mesmo no plano consultivo.

O relatório preambular do Decreto–Lei nº 168/97 pondera, por seu turno, paralelamente:

“Com o objectivo de simplificar as relações entre os interessados e as câmaras municipais responsáveis pelo licenciamento dos estabelecimentos, prevê-se que exista apenas uma licença para a abertura dos mesmos, emitida pela câmara municipal competente, a qual substitui todas as actualmente exigidas.

“Assim, extingue-se a licença policial dos governos civis, cuja intervenção, nos casos considerados justificados, passa a processar-se ao nível da apreciação do pedido de licenciamento, tornando mais simples a relação entre os interessados e a Administração.”

Com efeito, o artigo 10º, nº 1, estabelece que o “funcionamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas ([11]) depende apenas de licença de utilização para serviços de restauração ou de bebidas (...)”, emitida, dispõe o artigo 13º, nº 1, pelo presidente da câmara municipal.

Ao governador civil incumbe tão-somente a intervenção consultiva aludida no preâmbulo e prevista, por exemplo, nos artigos 4º e 7º, mostrando-se excluída qualquer outra.

E rematava o parecer nº 9/96-A/Complementar as considera-ções antecedentes:

“Em resumo. Anteriormente aos Decretos–Leis nº 167/97 e 168/97 verificara-se uma simples transferência das competências regulamentares dos governadores civis em matéria policial, insusceptível, só por si, de atingir a vigência dos regulamentos emanados no seu exercício e a exigência das licenças de porta aberta neles previstas.

“A partir de 1 de Julho de 1997, com a entrada em vigor dos citados diplomas, as aludidas licenças e, bem assim, as taxas associadas à sua emissão deixaram de ser exigíveis como condição de início das actividades dos empreendimentos, suprimindo-se, consequentemente, do mundo jurídico as competências tendentes à sua concessão.

“Os regulamentos policiais que as previam tornaram-se, por conseguinte, inúteis e carecidos de todo o sentido normativo no tocante às mesmas licenças, caducando ou resultando logicamente revogados nessa parte” ([12]).


III

Flui do exposto que a problemática colocada à apreciação do Conselho se inscreve num quadro comum de competências e funções policiais dos governadores civis.

Interessa por isso complementar o estofo argumentativo recortando da teoria da polícia administrativa tópicos essenciais ao esclarecimento das questões a resolver.


1. A formulação de um conceito de polícia em direito administrativo parece dever partir da distinção entre os destinatários dos comandos legais ([13]).

Umas vezes “os preceitos normativos dirigem-se imediatamente aos agentes administrativos” - v.g., para instituir pessoas colectivas de direito público, organizar serviços ou regular as prestações destes, definir o próprio estatuto do funcionalismo - e “só mediatamente afectam os indivíduos que venham a estar em contacto com os agentes ou os serviços”.

Outras vezes, “regulam directamente condutas individuais” dos administrados, seja ao facultarem a constituição de relações jurídicas por sua iniciativa e conforme os seus interesses, seja ao imporem-lhes deveres de acção ou abstenção.

No segundo caso a intervenção dos órgãos e serviços administrativos assume natureza “meramente de garantia” - assegurar a eficácia dos direitos, o efectivo cumprimento de obrigações - ou “simplesmente instrumental” - receber prestações devidas aos entes públicos, facultar o uso de bens ou direitos -, podendo dizer-se das normas respectivas que seus “destinatários directos são os indivíduos, pois só indirectamente interessam os agentes da autoridade pública”.

Está-se, portanto, em face de um tipo de normas correspondentes “à liberdade de conduta dos indivíduos de acordo com os preceitos jurídicos”, sem prejuízo da efectivação da responsabilidade pela sua violação mediante os procedimentos repressivos judiciais competentes.

No entanto, a violação das normas jurídicas pode constituir “um grave perigo social”, uma vez que da sua observância depende “a paz, a segurança, a ordem, o desenvolvimento harmónico da sociedade”. E a repressão “reintegra a ordem jurídica” violada, mas já não pode eliminar os graves danos que as infracções causaram, maxime em caso de violações frequentes e generalizadas.

Daí que as sociedades organizadas não possam confiar a execução das leis ao arbítrio dos indivíduos, quando o comportamento destes “possa projectar-se nos interesses da vida em colectividade.”

Surge assim “uma nova forma de intervenção dos órgãos e agentes da autoridade nas actividades individuais” que é da essência da polícia administrativa.

Neste sentido, já se definiu doutrinariamente a polícia administrativa “como o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir” ([14]).

Trata-se, por conseguinte, em primeiro lugar, de um modo de actividade administrativa, distinto materialmente das decisões judiciais que decretem, por exemplo, providências cautelares, mas também da actividade legislativa mediante a qual se elaborem normas, nomeadamente, conferindo poderes de polícia ou predispondo meios necessários ao seu exercício.

Por outro lado, a polícia é actuação da autoridade, o que pressupõe o exercício de um “poder condicionante de actividades alheias, garantido pela coacção, isto é, por execução prévia”.

A polícia administrativa representa, em segundo lugar, uma forma de intervenção no exercício de actividades individuais, implicando, por consequência, a existência de normas de conduta dos particulares e a eventualidade da sua violação por estes.

Mesmo a denominada polícia do domínio público não se dirige imediatamente à conservação das coisas, antes se traduzindo em regras a observar pelas pessoas tendentes a prevenir a danificação de bens públicos. São, pois, “sempre as pessoas que estão sob a acção policial”, mesmo quando actuem em grupo ou associação.

Acresce um terceiro elemento caracterizador do tipo definitório. As actividades individuais em que a polícia intervém circunscrevem-se àquelas que sejam susceptíveis de fazer perigar interesses gerais.

Só aquilo que constitui “perigo susceptível de projectar-se na vida pública interessa à polícia”; não o que “apenas afecte interesses privados ou a intimidade das existências pessoais”, “enquanto não crie o risco de uma perturbação da ordem, da segurança, da moralidade, da saúde públicas”.

Quarto: o objecto próprio da polícia administrativa é a prevenção dos danos sociais, consistindo esta primordialmente em impedir as acções aptas à sua produção, ou, verificada esta, em restringir e evitar a ampliação do dano.

Por último, os danos sociais a prevenir devem constar da lei.

Sublinha-se, aliás, ser este “o elemento jurídico fundamental do instituto da polícia”.

No entanto, já se deixou entrever (cfr. supra, nota (x)) que a “multiplicidade proteiforme das actividades individuais perigosas não permite que as leis prevejam todas as oportunidades em que as autoridades policiais hajam de actuar e os modos pelos quais devem fazê-lo”.

Por isso o “carácter normalmente discricionário dos poderes de polícia”.

Mas num “regime de legalidade tais poderes têm de ser jurídicos”, e este carácter é-lhes assegurado por duas vias: os poderes de polícia devem estar adstritos por lei à “competência” do titular, e visar a realização de “fins” legalmente fixados ([15]).


2. Vejamos mais de perto este segundo aspecto.

A lei por vezes discrimina minuciosamente os modos e os limites do exercício da competência administrativa; outras vezes confere ao titular poderes discricionários, o que sucede assaz frequentemente no domínio da competência policial.

Mas os poderes discricionários de polícia devem ser entendidos com referência ao fim legal que presidiu à sua atribuição, de forma que a competência não pode ser exercitada para a realização de um fim diferente, ainda que igualmente de interesse público ([16]).

Neste sentido se afirma que “a determinação do fim do poder discricionário é uma vinculação legal” no seu exercício. Que o fim do acto é “a vinculação característica da discricionaridade”.

Dito de outro modo, “não há discricionaridade administrativa pelo que respeita ao fim a prosseguir” mediante o exercício do poder discricionário, sob pena de invalidade do acto por desvio do poder.

Ora, o fim da polícia é, como se disse, a prevenção dos “danos sociais”.

Entende-se por danos sociais os “prejuízos causados à vida em sociedade política” - aquela que, “sob o domínio de um poder político”, “reúne os indivíduos e as suas sociedades primárias“ -, não “a ofensa a interesses meramente individuais ou de grupos restritos, na medida em que não atente contra princípios basilares da organização da sociedade”.

Se o comportamento dos indivíduos não tem “repercussão directa na vida da colectividade, se as relações entre eles decorrem, bem ou mal, de modo a não afectarem o decurso normal da vida colectiva, não se produz dano social”.

Mas “o dano social existe, ou cria-se o risco dele, uma vez que tais repercussões se verifiquem”.

Por isso os autores e as leis insistem no carácter “público” dos danos - por oposição a privados, particulares ou íntimos -, “falando em ordem pública, tranquilidade pública, saúde pública, abastecimento público...” ([17]).


3. Permita-se, no ensejo em que a permeabilidade e a interpenetração de conceitos podiam desmotivar o intérprete apostado em aceder à clarificação teórica, permita-se nesse ensejo adverso evidenciar a enunciada conexão de estreita identidade entre as ideias de dano social e de lesão da ordem pública.

Não faltam, efectivamente, ensaios de densificação da noção de polícia que privilegiam teleologicamente o segundo termo da equação.

A doutrina transalpina afirma, numa monografia que se tornou clássica ([18]), que “a polícia administrativa se propõe um fim de tutela contra os perigos que ameaçam a segurança pública e contra as turbações que prejudicam a ordem pública, independentemente da circunstância de ter havido violação da lei” (traduzido e frisado agora).

E circunscreve neste conspecto a ordem pública desde logo ao “complexo de princípios éticos e políticos, cuja observância é consi-derada essencial para a manutenção da ordem (“assetto”) social ([19]).

Adentro do perímetro deste modo delimitado, determinadas precisões emergem na literatura de especialidade.

Assim, a propósito da denominada “polícia de segurança”, uma das modalidades da polícia administrativa - conforme classificações sempre necessariamente “convencionais e aproximativas” -, considera--se que a ordem pública, cuja prevenção aquela tem por escopo garantir, é a “ordem social tal como resulta estabelecida pelo direito” (contra qualquer transgressão e turbação realizada mediante formas colectivas de violência) ([20]).

Outros autores aludem à ordem pública “nas suas mais variadas manifestações, que vão desde a segurança das pessoas à da propriedade, e da tranquilidade do agregado humano até à moralidade dos que pertencem à comunidade estadual” ([21]).

E há quem defina ordem pública como “aquele estado geral da sociedade, em que o todo social e os seus membros singulares, no exercício de poderes reconhecidos e tutelados pelo direito, estão garantidos contra qualquer lesão ou ameaça de lesão que a lei entende qualificar de delito ou contravenção” ([22]).

Na doutrina portuguesa, por seu turno, concebe-se a ordem pública como “conjunto das condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos individuais” ([23]).

Assegura a sua defesa preventiva, em especial a polícia de segurança ([24]) - o ramo da polícia administrativa, já o vimos, que visa “a manutenção da ordem e da tranquilidade públicas”, vigiando “pela segurança das pessoas e da propriedade” ([25]).

A qual processa a defesa preventiva da ordem pública à luz dos princípios da “relevância pública das actividades objecto de intervenção policial” e da “sujeição dessa intervenção, ainda quando discricionária, à lei” ([26]).

A Constituição, definindo os parâmetros normativos superiores da polícia em geral e, por isso, da polícia administrativa, não alude, no entanto, explicitamente à ordem pública.

Segundo o artigo 272º, nº 1, a “polícia tem por função defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”.

Sustenta-se inclusivamente que a “defesa da legalidade democrática” não coincide, no contexto desse normativo, com a função tradicional da ordem pública de “defesa da tranquilidade (manutenção da ordem na rua, lugares públicos, etc.), da segurança (prevenção de acidentes, defesa contra catástrofes, prevenção de crimes) e da salubridade (águas, alimentos etc.)” ([27]).

Seria, de todo o modo, impensável, a nosso ver, a pretensão de interpretar o referido inciso constitucional como excluindo a ordem pública, nessa sua tradicional trilogia, dos escopos da actividade policial administrativa.

Considerou recentemente este corpo consultivo a propósito ([28]):

“Numa fórmula breve, pode de facto dizer-se que a polícia administrativa representa o “conjunto das intervenções da Administração que tendem a impor à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade (X1), orientando-se pelo escopo referencial de “prevenir os atentados à ordem pública”.

“E a ordem pública que a polícia tem funcionalmente por fim assegurar caracteriza-se em regra por três vectores:

“a) pelo seu carácter principalmente material, posto que se trata de evitar desordens visíveis;
b) pelo seu carácter público, já que a polícia não tutela matérias do foro privado nem o próprio domicílio pessoal, salvo na medida em que as actividades que aí se desenrolem tenham reflexos no exterior (regulamentação do barulho causado por aparelhagens sonoras, higiene de imóveis);

c) pelo seu carácter limitado, são três os itens tradicionais da ordem pública: tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, luta contra o ruído); segurança (prevenção de acidentes e flagelos, humanos ou naturais); salubridade (salvaguarda da higiene pública).”


4. Do conteúdo positivo da polícia administrativa, tendo no seu cerne a defesa da ordem pública, segundo a tríade tranquilidade, segurança e salubridade, fluem com naturalidade os seus limites ([29]).

Por um lado, se a polícia só diz respeito a danos sociais de carácter público, está por isso em regra excluída a sua intervenção “no âmbito da vida privada dos indivíduos”.

Por outro lado, os fins da actividade policial implicam que a polícia deve, em princípio, “actuar sobre o perturbador da ordem e não sobre aquele que legitimamente use o seu direito” - qui suo iure utitur, neminem laedit.

Mais. É função da polícia, nos termos do nº 1 do artigo 272º da Constituição, defender os direitos dos cidadãos.

Trata-se aqui “de uma das vertentes da obrigação de protecção pública dos direitos fundamentais - que deve ser articulada com o direito à segurança (artigo 27º-1) -, constituindo o Estado na obrigação de proteger os cidadãos contra a agressão de terceiros aos seus direitos. Deste modo, os direitos dos cidadãos não são apenas um limite da actividade de polícia”, mas “um dos próprios fins dessa função” ([30]).

Em terceiro lugar - retome-se o autor que vínhamos seguindo ([31]) -, “os poderes de polícia não devem ser exercidos de modo a impor restrições e a usar de coacção além do estritamente necessário”.

A acção da polícia “deve medir a sua intensidade e extensão pela gravidade dos actos que ponham em risco a ordem social”, segundo “formas de exercício diversas e graduadas numa escala de rigor”.

“O emprego imediato de meios extremos contra ameaças hipotéticas ou mal desenhadas constitui abuso de autoridade.”

“Tem de existir proporcionalidade entre os males a evitar e os meios a empregar para a sua prevenção.”

Assim o dispõe, na verdade, o nº 2 do artigo 272º da Constituição:
“Artigo 272º
(Polícia)

1. A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.

2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.

3. A prevenção dos crimes (...).

4. A lei fixa o regime das forças de segurança (...).”

É o denominado “princípio da proibição do excesso”, traduzindo neste domínio a subordinação das medidas de polícia aos “requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade”.

Princípio constitucional essencial “em matéria de actos públicos potencialmente lesivos de direitos fundamentais”, diz-nos que esses actos “só devem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público em causa, sacrificando no mínimo os direitos dos cidadãos” ([32]).

Isto é, “o emprego de medidas de polícia deve ser sempre justificado pela estrita necessidade” e “não devem nunca utilizar-se medidas gravosas quando medidas mais brandas seriam suficientes para cumprir a tarefa”.


5. O que tudo aconselha ainda breve menção às formas de exercício dos poderes de polícia, tais, fundamentalmente – além dos regulamentos policiais a que se dedicou a explanação do capítulo antecedente -, a vigilância e os actos de polícia, com destaque, dentro destes, precisamente para as medidas de polícia ([33]).

A vigilância é a actividade tendente à recolha de “informação destinada a habilitar as autoridades de polícia ([34]) a prevenir quaisquer possíveis perturbações e a adoptar as necessárias providências para atalhá-las quando se produzam, ou para identificar os seus autores”.

Os actos de polícia, actos de natureza preventiva, “podem decorrer da vigilância ou ser independentes dela”.

Umas vezes configuram-se como actos genéricos, dirigindo-se a uma pluralidade de pessoas; outras vezes como actos individuais.

Os actos de polícia com carácter unilateral e imperativo constituem “comandos dirigidos aos indivíduos pelas autoridades, cuja eficácia não depende da aceitação dos destinatários e a que estes devem obediência”.

Manifesta-se então com especial vigor nos actos de polícia “o privilégio da execução prévia da Administração”.

Do ponto de vista do seu conteúdo, os actos de polícia, ora impõem uma conduta aos indivíduos (ordem), ora uma abstenção (proibição).

E as proibições podem ser absolutas, “quando vedam o exercício de uma actividade a quaisquer pessoas e em quaisquer casos; ou relativas “quando apenas se referem a certas pessoas, ou a certos casos, ou se limitam a fazer depender o exercício da actividade proibida da apreciação de caso por caso a que corresponderá a concessão ou negação de licença para a exercer”.

Justamente, assumem neste domínio particular relevo as autorizações e licenças policiais.

A autorização equivale “a verificar que do exercício de um direito ou de uma actividade lícita não resulta prejuízo para o interesse público”, enquanto a licença permite “o exercício de uma actividade relativamente proibida”.

Nem sempre, porém, as autorizações e licenças são actos de polícia (v.g., as autorizações tutelares, as licenças do superior hierárquico aos funcionários subalternos).

A autorização e a licença só têm natureza policial quando emitidas “por uma autoridade com poderes de polícia no exercício desses poderes” ([35]).

Saliente-se por fim que a concessão de licenças policiais pode ser facultativa ou obrigatória. É facultativa “se a lei confere à autoridade um poder discricionário para apreciar caso por caso e conceder a licença ou não, como em seu critério entender que melhor é preenchido o fim legal”. Será obrigatória “se a autoridade está vinculada por lei e tem de passar a licença a todo aquele que a requeira e mostre reunir as condições exigidas na mesma lei”.

Em qualquer caso, a concessão da licença tem como sobressaliente efeito “colocar aquele que dela beneficia ou o local licenciado sob a vigilância especial da polícia”.

Entre os actos policiais merecem ainda especial menção “os que têm por objecto a aplicação de medidas de polícia”.

E as medidas de polícia podem definir-se como “providências limitativas da liberdade de certa pessoa ou do direito de propriedade de determinada entidade, aplicadas pelas autoridades administrativas (…) com o fim de evitar a produção de danos sociais cuja prevenção caiba no âmbito das atribuições da polícia” ([36]).
Basta, portanto, “que o perigo assuma proporções graves para, independentemente da produção de facto delituoso, a polícia poder tornar as precauções permitidas por lei a título de defesa da segurança pública”.

As medidas de polícia, como resulta de todo o exposto, têm natureza essencialmente preventiva.

Mesmo “quando assumam natureza repressiva (v.g., dispersão pela força de uma assuada), não revestem natureza sancionatória ou punitiva”. A “aplicação de sanções exige um procedimento justo, de acordo com as pertinentes regras constitucionais, e um juízo sancionatório que não cabe nas funções constitucionais da polícia” ([37]).

Elas “não devem exceder “a mera prevenção” de comportamentos ilícitos e, portanto, nunca sancioná-los”. Têm sempre apenas uma “função de garantia”: “ou da legalidade democrática, ou da segurança interna, ou dos direitos dos cidadãos, pelo que “previnem” apenas em geral”. Continua a existir, assim, um “denominador comum entre todas as suas funções: o carácter preventivo e o da natureza de garantia”. “São medidas preventivas e não sancionatórias” ([38]).

Todavia, as autoridades de polícia “só têm competência para aplicar as medidas de polícia que a lei tiver instituído”, segundo o princípio de tipicidade inscrito no nº 2 do artigo 272º da Constituição, na acepção de razoabilidade para que o Conselho propendeu: os órgãos e agentes que empregam tais medidas devem ter competência para o efeito nos termos da lei (cfr., supra, nota x).

Vem justamente a propósito a reflexão de um administrativista italiano ([39]):
“Alla potestà di polizia inerisce una discrezionalità più ampia di quella di regola consentita nell’exercizio delle altre potestà amministrative, giacchè, per la estrema varietà delle situazioni cui le autorità di polizia debbono provvedere, non è possibile predeterminare attraverso una dettagliata casistica i provvedimenti che l’autorità deve adottare nei singoli casi.”

IV

O material disponível já nos habilita a encarar as interrogações formuladas, reservando-se para o momento próprio elementos adjuvantes eventualmente requeridos por uma ou outra questão.


1. As três primeiras estão estreitamente conexionadas:

“Mantém-se em vigor o princípio de que o Governador Civil possui competência para tomar medidas excepcionais, desde que esteja em causa a ordem pública, a segurança ou a tranquilidade dos cidadãos?

“Em caso afirmativo, em que condições é exercida tal competência e quais os seus limites e pressupostos?

“Prevalece ou não esse princípio sobre as restrições impostas à actuação do Governador Civil pelos Decretos-Leis nºs 167/97 e 168/97, de 4 de Julho?”


1.1. Face à primeira questão vêm imediatamente ao espírito os preceitos dos artigos 4º, nº 3, alínea a), e 8º, do Decreto-Lei nº 252/92 -aquele na redacção do artigo 2º do Decreto-Lei nº 316/95 (supra, II, 3. e 2.2.) -, que convém recordar:

“Artigo 4º
Competências do governador civil

(…)
3. Compete ao governador civil, no exercício de funções de polícia:
a) Tomar as providências necessárias para manter ou repor a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, requisitando, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandantes da PSP e da GNR, instaladas no distrito;
(…).”

“Artigo 8º
Urgência

Sempre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes de interesse público, o governador civil pode praticar todos os actos ou tomar todas as providências administrativas indispensáveis, solicitando, logo que lhe seja possível, a ratificação pelo órgão normalmente competente.”

Não tendo os dois preceitos sido revogados, tanto quanto se sabe, afigura-se à luz de qualquer deles justificada uma resposta afirmativa à interrogação em apreço.

Estando efectivamente em causa a ordem pública, a segurança ou tranquilidade dos cidadãos, o artigo 4º, nº 3, alínea a), confere ao governador civil o poder discricionário de tomar as providências de polícia administrativa adequadas à sua manutenção ou reposição, requisitando, se for caso disso, a intervenção da PSP e da GNR.

E o artigo 8º permite-lhe, mais ainda, dentro do pressuposto condicionalismo de excepcionalidade, quiçá de urgência, adoptar as providências e praticar os actos requeridos pela situação, ainda que da específica competência policial de outros órgãos, com sujeição à ratificação destes.


1.2. Interessa, porém, à consulta saber em que condições é exercida tal competência do governador civil, seus limites e pressupostos.

Vimos oportunamente os princípios rectores do seu exercício (supra), III, 2., 3. e 4.).

Sublinhe-se de entre eles a vinculação do titular de poderes de polícia discricionários ao fim legal que presidiu à sua concessão.

Por outro lado, o fim legal da polícia consiste, em suma, na prevenção dos danos sociais, maxime na tutela da ordem pública segundo a trilogia referencial da defesa da tranquilidade, segurança e salubridade.

Em terceiro lugar, avulta a subordinação dos actos de polícia administrativa ao princípio da proibição de excesso e aos requisitos, por conseguinte, da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade, nos termos precedentemente expostos.

Em quanto concerne aos actos de polícia praticados à sombra do artigo 8º do Decreto–Lei nº 252/92 há, no entanto, que considerar determinadas especialidades.

Está-se, na verdade, perante actos para cuja prática é competente uma autoridade diferente do governador civil (v.g., um Ministro, ou o próprio Governo, quiçá uma autoridade municipal). Todavia, a lei permite a este o exercício dessas competências alheias atendendo a que, pela urgência e excepcionalidade das circunstâncias, o órgão normalmente competente não está em condições de providenciar a necessária preservação do interesse público.

Compreende-se, por isso, a necessidade a posteriori da ratificação dos actos praticados pelo governador.

Não importando sobremaneira à inteligência do parecer um compromisso sobre a construção jurídica preferível da fatispécie em análise, sempre se observará em todo o caso o seguinte.

Pode entender-se a figura da ratificação como “o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia” ([40]).
Mas na lei aparecem por vezes designadas com essa denominação “figuras que não se incluem neste conceito, já porque se trata de aprovações, homologações ou simples confirmação de actos anteriores”.

Precisamente, esta “ratificação-confirmação”, por exemplo, não se confunde com a “ratificação-sanação” que acaba de se definir, posto representar uma mera “confirmação de actos ou procedimentos anteriores, resolvida em atenção apenas à sua oportunidade e conveniência”.

A ratificação prevista no artigo 8º constituirá porventura “um instituto de carácter intermédio entre a mera confirmação e a sanação” ([41]).

Pode entender-se ter estado presente no espírito do legislador a ideia de que os governadores civis “exerciam, em tais casos, poderes que lhes não pertenciam, produzindo actos feridos de incompetência que só a posterior ratificação sanava”.

Noutra óptica, é admissível o entendimento segundo o qual, “ocorrendo as circunstâncias previstas”, a lei lhes confere “ocasionalmente competência” para a prática dos actos respectivos. E a ratificação pelos órgãos normalmente competentes “destina-se a permitir a verificação do fundamento do exercício dos poderes: ocorriam na verdade as razões invocadas? impunha-se a conduta adoptada? ou apenas se aproveitou um pretexto para invadir atribuições ou competências alheias?”

A ratificação corresponderia, nestes casos, a “um controlo da regularidade do exercício da competência ocasional: se for concedida quer dizer que o acto era legal, e só se for recusada é que o acto passa a ser ilegal” ([42]).
O sentido do parecer dispensa, como se referiu, uma tomada de posição compromissória acerca do problema teórico em questão.


1.3. A terceira das questões enunciadas pode suscitar alguma hesitação, posto que os Decretos–Leis nºs 167/97 e 168/97, de 4 de Julho, não impõem propriamente restrições à actuação do governador civil.

O que nomeadamente resultou dos aludidos diplomas (cfr. supra, II, 5.) foi a supressão das competências dos governadores civis para a emissão das denominadas licenças de “porta aberta”, caducando ou resultando consequentemente revogados nessa parte os regulamentos policiais dos distritos que previam a competência para a sua emissão.

Ora, não está decerto no espírito da consulta discutir se pela porta do artigo 8º se podem fazer reentrar no mundo jurídico elementos assim dele tão rotundamente expurgados em 1997.

Não se exclui é a possibilidade de as alterações da ordem jurídica introduzidas pelos citados diplomas apontarem para a impossibilidade da prática de actos de polícia administrativa pelo governador civil que o artigo 8º, por seu turno, nas suas estreitas condicionantes, virtualmente se prestasse a admitir.

Haveria nesse caso que resolver o eventual concurso de normas.

Mas para isso era indispensável que a questão não viesse formulada em tal nível de generalidade.

Certas das preocupações que lhe subjazem podem, aliás, obter mais precisa afloração noutras perguntas do elenco.

E o desenvolvimento ulterior do parecer vai contribuir de algum modo para as dissipar.


2. A quarta questão é do seguinte teor:

”Possuirá o Governador Civil competência para, através das Forças de Segurança, indagar da existência de licenças de abertura e, em caso negativo - na falta destas, assim se interpreta -, pode determinar o encerramento dos estabeleci-mentos, sendo certo que, nestes casos, a inexistência de licenças põe em causa a ordem pública?”


2.1. A questão posta aconselha que nos debrucemos em primeiro lugar sobre as mencionadas licenças de abertura.

Trata-se de licenças previstas no âmbito do Decreto–Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, que veio disciplinar o “aproveitamento dos recursos turísticos do País” e o “exercício da indústria hoteleira e similar e do alojamento turístico em geral”, “em ordem a preservar e valorizar as características sócio-económicas locais e o meio ambiente e a garantir a qualidade da oferta turística nacional” (artigo 1º) ([43]).

Dispensando a economia do parecer uma análise extensa do diploma, basta que se detenha a atenção nalgumas das suas normas.

Nos termos do artigo 36º, nº 1, alínea b), nenhum dos estabelecimentos abrangidos pelo Decreto–Lei nº 328/86 ([44]) “poderá iniciar a sua exploração sem prévia autorização, precedida de vistoria, dos governos civis” - além das autorizações de outras entidades, exigíveis consoante os casos ([45]).

Por sua vez, o artigo 37º dispõe que a “autorização de abertura dos estabelecimentos (...) constará de alvará a emitir pelo governo civil do distrito onde se situar(em), em termos a definir em regulamento” (nº 1), o qual “substitui todas as licenças e alvarás que eram exigidos para efeitos da exploração destes estabelecimentos até à entrada e vigor do presente diploma” (nº 2) - mas “não substitui a licença municipal de utilização dos edifícios onde se encontra instalado o estabelecimento” (nº 3).

Compete, para o efeito, “aos governos civis a organização dos processos de autorização de abertura dos estabelecimentos, ainda que haja lugar à intervenção de outras entidades ou serviços, nos termos, prazos e condições a estabelecer em regulamento” (artigo 38º, nº 1).

Essa tramitação vinha regulada nos diferentes números dos artigos 38º a 41º quanto a diversos aspectos relacionados com a emissão do “alvará de abertura” - prazos de pronúncia das entidades a consultar, taxas devidas ao governo civil e a outras entidades, consequências da não emissão do alvará dentro do prazo, excepções à necessidade de alvará de abertura, etc.
Anote-se apenas que as decisões das entidades consultadas têm carácter vinculativo e “podem sujeitar a respectiva autorização ou licença à satisfação de determinados condicionamentos não impeditivos da emissão do alvará de abertura, fixando o prazo para o seu cumprimento” (artigo 38º, nº 3). Nessa hipótese “o alvará terá carácter provisório enquanto a entidade que fixou os condicionamentos não comunicar ao governo civil que os mesmos foram cumpridos” (artigo 39º, nº 5).

O regime descrito encontra no preâmbulo do Decreto–Lei nº 328/96 a seguinte justificação:

“8. Dentro do princípio de desburocratização da Administração, centralizou-se o processo de abertura dos estabelecimentos nos governos civis, evitando-se, assim, a necessidade de recorrer a vários serviços distintos, como acontece neste momento.”

Regulamentando o Decreto–Lei nº 328/86 foi publicado o Decreto Regulamentar nº 8/89, de 21 de Março, que aprovou o denominado “Regulamento dos Empreendimentos Turísticos” em anexo, respeitante, segundo o seu artigo 1º, “à construção, instalação e funcionamento dos estabelecimentos hoteleiros, dos meios complementares de alojamento turístico, dos conjuntos turísticos, dos empreendimentos de animação, culturais e desportivos de interesse para o turismo, bem como dos estabelecimentos similares dos hoteleiros”.

Não se tornando indispensável aos fins da consulta a sua análise em pormenor, refira-se, todavia, que as normas dos artigos 36º e segs. do Decreto–Lei nº 328/86, relativas as licenças de abertura, obtêm nos artigos 315º e segs. nomeadamente, o seu desenvolvimento e execução.

Mas as mesmas licenças foram também disciplinadas pelos regulamentos policiais dos distritos ao lado das licenças de porta aberta.

Sirva de paradigma o aludido “Regulamento Policial do Distrito de Beja” (cfr. supra, nota 8), editado, registe-se desde já, ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artigo 4º do Decreto–Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, na sua versão original ([46]).

O artigo 9º, nº 1, em flagrante sintonia com o artigo 36º, nº 1, alínea b), do Decreto–Lei nº 328/86, declara peremptoriamente que “nenhum dos estabelecimentos referidos no capítulo anterior ([47]), mesmo quando situados em casas de espectáculos, casinos, associações, clubes e semelhantes, poderá ser explorado sem estar licenciado pelo Governo Civil”.

O artigo 10º refere-se nestas condições às licenças da sua alçada: “De abertura definitiva ou provisória ([48]); b) De funcionamento dito de “porta aberta”.

Ainda que o regime esboçado no “Regulamento” seja em parte comum aos dois tipos de licenças, como se afigura, interessam-nos agora primacialmente as de abertura.

Os requerimentos visando a sua outorga são apresentados “nas câmaras municipais da área do estabelecimento ou no Governo Civil” (artigo 14º, nº 1).

A instrução dos requerimentos inclui o parecer e informações de entidades previstas na lei, referindo em especial as “garantias que os requerentes e os estabelecimentos ofereçam quanto à ordem, descanso e tranquilidade dos vizinhos, à decência, e ainda à posse de outras licença ou requisitos legais” (nº 4).

A concessão das licenças está sujeita a restrições de que se ocupam os artigos 16º e 17º.

Em primeiro lugar, pode a concessão depender de prévia vistoria ou exame pericial a efectuar pelas entidades que o governo civil designar (artigo 16º).

Em segundo lugar, nenhum estabelecimento do grupo das salas de dança pode abrir em prédios destinados a habitação ou destinados a habitação e a qualquer outro fim simultaneamente (artigo 17º, nº 1).

Admite-se, no entanto, que os estabelecimentos de dança abram em urbanizações destinadas fundamentalmente à habitação, desde que verificadas determinadas garantias de preservação da habitabilidade (artigo 17º, nº 2): “a) O estabelecimento ficar localizado a mais de 100 metros da habitação mais próxima; b) Possuir parque privativo para os seus frequentadores; c) Os acessos ao estabelecimento não provoquem incómodo aos habitantes residentes nas imediações”.

Dentro de semelhantes condicionalismos, são as licenças de abertura por fim expedidas pela secretaria do governo civil no concelho sede do distrito e pelas câmaras municipais nos restantes concelhos após despacho favorável do governador (artigo 15º), dando lugar ao pagamento das taxas constantes da tabela anexa ao Regulamento (artigo 87º).


2.2. Eis nos seus traços essenciais o regime das licenças de abertura emitidas pelos governadores civis.

Recorde-se então como estes perderam as competências regulamentares em matéria de polícia que lhes conferia o artigo 4º, nº 3, alínea c), do Decreto–Lei nº 252/92, transferindo-se as mesmas para a titularidade do Ministro da Administração Interna mercê das alterações introduzidas naquele preceito pelo artigo 2º do Decreto–Lei nº 316/95, de 28 de Novembro, com início de vigência em 1 de Outubro de 1995 (supra, II, 3.).

Concluiu-se, não obstante, que os regulamentos policiais dos distritos anteriormente emanados à sombra dessas competências nem por isso deixaram de vigorar nessa data. A sua revogação ou caducidade apenas se operava pelo exercício das competências do novo titular ou pela prática de actos de adequado nível e valor formal no mesmo domínio normativo. E em tal medida, as denominadas licenças de “porta aberta” configuradas nos mencionados regulamentos continuaram a ser exigíveis após 1 de Outubro de 1995 (supra, II, 4.).

A situação modificou-se substancialmente com os Decretos-–Leis nºs. 167/97 e 168/97, de 4 de Julho, mediante os quais se definiu um novo regime jurídico de instalação e funcionamento dos “empreendimentos turísticos“ e dos “estabelecimentos de restauração e bebidas” ([49]), sujeitando-os a uma única licença municipal e abolindo quaisquer outras, maxime as licenças outorgadas pelos governadores civis.

Por isso é que, a partir da entrada em vigor daqueles diplomas, em 1 de Julho de 1997, deixaram de ser exigíveis as licenças “de porta aberta” e respectivas taxas, suprimindo-se da ordem jurídica as competências colimadas à sua concessão, com a consequente caducidade ou revogação, nessa parte, dos regulamentos policiais que as previam (supra, II, 5.).


2.3. Pois bem. Parece que as mesmas consequências são de preceito em quanto concerne, por seu turno, às licenças de abertura.

Não pode efectivamente duvidar-se de que estas licenças consubstanciam medidas de polícia enquadráveis nos poderes regula-mentares conferidos aos governadores civis pelo artigo 4º, nº 3, alínea c), do Decreto–Lei nº 252/92.

Continuaram, por conseguinte, a ser exigíveis após 1 de Outubro de 1995, uma vez que os regulamentos policiais que as previam não deixaram de vigorar nessa data pelo simples facto de aquelas competências regulamentares dos governadores civis passarem para a titularidade do Ministro.

Tornando-se inexigíveis, tal como as licenças de “porta aberta”, em 1 de Julho de 1997, por virtude do novo regime introduzido pelos Decretos–Leis nºs 167/97 e 168/97, resultaram consequentemente inutilizadas as competências tendentes à sua concessão e revogados ou feridos de caducidade, nessa parte, os regulamentos que as previam.

Tais, de resto, as soluções que identicamente se imporiam se pretendesse privilegiar-se uma habilitação desses regulamentos nos artigos 36º e segs. do Decreto–Lei nº 328/86, posto que revogado este pelo Decreto–Lei nº 167/97 (supra, nota 43), o qual, em conjugação com o Decreto–Lei nº 168/97, lhe substituiu uma disciplina legal incompatível de plano com o regime de licenças de abertura da competência dos governadores civis ([50]).


2.4. Revertendo, em presença do quadro esboçado, à interrogação formulada na consulta, põe-se nuclearmente o problema de saber se na falta de licença de abertura pode o governador civil determinar o encerramento do estabelecimento respectivo.

Observe-se que a falta dessa licença constituía, nos termos do artigo 74º, nº 1, do Decreto–Lei nº 328/86, infracção punível com coima e passível da sanção acessória de encerramento do estabelecimento (artigo 74º, nº 2, alínea c)), sendo a aplicação de ambos os tipos de sanções da “competência do director-geral do Turismo ou da câmara municipal respectiva, consoante o tipo de empreendimento” relativamente ao qual se verificassem aquela e as demais infracções previstas e punidas da mesma forma pelos artigos 74º e 75º (artigo 77º) ([51]).

A este propósito, o artigo 4º, nº 1, alínea m), atribuía à Direcção-Geral do Turismo o poder de “determinar o encerramento dos estabelecimentos abrangidos pelo presente diploma, nos casos nele expressamente previstos” - poder extensivo às câmaras, se bem se interpreta, nos termos do nº 2 do artigo 5º (cfr. também a alínea f) do nº 1 deste artigo e o artigo 7º, nº 1).

O certo, porém, é que o diploma em apreço apenas previa o encerramento de estabelecimentos como sanção acessória pelas infracções tipificadas e punidas nos termos dos aludidos artigos, e não propriamente como medida de polícia administrativa de carácter preventivo.

E neste circunstancialismo normativo se articulava, por conseguinte, ao que parece, a intervenção dos governadores civis delineada no artigo 55º:

“Artigo 55º - 1 - O encerramento dos estabelecimentos abrangidos pelo presente diploma, ou de partes individualizadas deles, será ordenado pelos governos civis dos distritos onde se situarem, mediante comunicação fundamentada da Direcção-Geral do Turismo ou da câmara municipal respectiva.

2 - Quando se trate de estabelecimentos, ou de partes individualizadas, cujo licenciamento seja também da competência da Direcção-Geral dos Espectáculos e do Direito de Autor, o seu encerramento poderá ser realizado ainda mediante comunicação fundamentada desta Direcção-Geral.

3 - O encerramento do estabelecimento determinará a cassação do respectivo alvará de abertura.”

Aliás, o “Regulamento Policial do Distrito de Beja”, tomado como protótipo dos demais regulamentos policiais - cuja harmoni-zação com as normas do Decreto–Lei nº 328/86 e respectivas disposições regulamentares o artigo 82º deste instrumento legal prescrevia aos governos civis –, limitava-se a prevenir o encerramento preventivo de estabelecimentos, hoteleiros e similares, por falta de condições higiénicas (artigo 20º, nº 3) e, em geral, dos requisitos exigidos por lei ou regulamento enunciados a título exemplificativo no artigo 71º.

A falta de licença de abertura constituía contra-ordenação punível, também no âmbito do “Regulamento”, com sanção principal e acessória, nos termos do artigo 75º:


“Artigo 75º

A abertura ou funcionamento de qualquer estabelecimento sem licenças será punida:

1) Sendo estabelecimento onde se explore como actividade principal alguma das referidas no capítulo I, sem qualquer licença, coima de 40.000$00 a 300.000$00, e ordem de encerramento até que sejam concedidas as licenças;

2) Sendo estabelecimento abrangido pelos nºs 6 ou 7 do artigo 10º, sem qualquer licença, com coima de 20.000$00 a 200.000$00 e ordem de encerramento até que sejam concedidas as licenças;

3) (...)”

Os Decretos–Leis nºs 167/97 e 168/97 vão, contudo, ainda mais longe, abolindo a medida de encerramento do empreendimento ou estabelecimento, mesmo como sanção acessória, para a falta de licença de abertura.

Na verdade, o artigo 61º, nº 1, alínea f), do Decreto–Lei nº 167/97 tipifica como contra-ordenação:

“Artigo 61º
Contra-ordenações

1 - Para além das previstas (...) constituem contra-ordenações:
a) (...)
(...)
f) A utilização directa ou indirecta, de edifício ou parte de edifício para a exploração de serviços de alojamento, sem licença de utilização turística emitida nos termos do presente diploma ou autorização de abertura emitida nos termos do artigo 36º do Decreto–Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, ou de legislação anterior;
(...)
cc) (...)
2 - (...)
(...)

5 - As contra-ordenações previstas nas alíneas c), f), i) e l) do nº 1 são puníveis com coima de 100.000$00 a 750.000$00, no caso de se tratar de pessoa singular, e de 500.000$00 a 6.000.000$00, no caso de se tratar de pessoa colectiva.
(...)
8 - (...)”

A contra-ordenação prevista na alínea f) do nº 1 é apenas punível com as coimas cominadas no nº 5.

Não é que a sanção acessória de encerramento do empreendimento não seja possível no caso de outras contra-ordena- ções. O que sucede é não ter a mesma aplicação à falta de licença de abertura.

Dispõe, com efeito, o artigo 62º:

“Artigo 62º
Sanções acessórias

1 - Em função da gravidade e da reiteração das contra-ordena-ções previstas no artigo anterior e nos regulamentos nele referidos, bem como da culpa do agente e do tipo e classificação do empreendimento, podem ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:

a) Apreensão do material (...)
b) Interdição (...)
c) Encerramento do empreendimento.

2 - O encerramento do empreendimento só pode, porém, ser determinado, para além dos casos expressamente previstos na alínea c) do nº 2 do artigo 5º do Decreto–Lei nº 336/93, de 29 de Setembro ([52]) e nos regulamentos a que se refere o nº 3 do artigo 1º ([53]) com base nos comportamentos referidos nas alíneas a), b) r), t) u) e cc) do nº 1 do artigo anterior.
3 - (...)
4 - Quando for aplicada a sanção acessória de encerramento do empreendimento, o presidente da câmara municipal, oficiosamente ou a solicitação da Direcção-Geral do Turismo, deve apreender o respectivo alvará de licença de utilização turística pelo período de duração daquela sanção:
5 - (...)
6 - (...)”

Ademais, a aplicação das coimas e sanções acessórias e, assim, da medida de encerramento do empreendimento, quando admissível a esse título, compete, segundo o artigo 64º, ao director–geral do Turismo ou às câmaras municipais, consoante os empreendimentos em causa.

Isto no tocante aos empreendimentos turísticos.

Quanto aos estabelecimentos de restauração e bebidas, o Decreto–Lei nº 168/97 contém respectivamente os preceitos homólogos dos artigos 38º, nºs. 1, alínea e), e 5, 39º, nºs. 1, alínea c), 2 e 4, e 41º, definido um paralelo regime, cuja análise se torna por isso dispensável ([54]).


2.5. Sintetizando do excurso precedente.

Com a entrada em vigor dos Decretos–Leis nºs 167/97 e 168/97, a 1 de Julho de 1997, os governadores civis perderam todas as competências de licenciamento de empreendimentos turísticos e estabelecimentos de restauração e bebidas - licenças de “porta aberta”, e de abertura - que lhes assistiam em face do revogado Decreto–Lei nº 328/86 e dos regulamentos policiais dos distritos que assim, por seu turno, caducaram ou resultaram revogados na parte em que disciplinavam aquelas licenças.

Os citados diplomas de 1997 suprimiram a medida de encerramento dos empreendimentos ou estabelecimentos como sanção acessória aplicável à contra-ordenação de falta de licença de abertura - regime, aliás, incompatível com a sanção acessória de “encerramento até que sejam concedidas as licenças”, configurada nos regulamentos policiais dos distritos, que só por isso se tornaria mister considerar igualmente revogada.

Nos casos, inclusivamente, em que a mesma medida é cominada como sanção acessória por outras contra-ordenações, a competência para a sua aplicação não pertence aos governadores civis mas ao director-geral do Turismo e às câmaras municipais.

Escusado seria, de resto, aditar que a medida de encerramento por falta de licença de abertura não se encontra prevista nos referidos Decretos–Leis, assim como nos Decretos Regulamentares nºs 36/97 e 38/97, como medida de polícia administrativa, repugnando nesta qualidade, dir-se-ia, à filosofia do sistema que expurgou da ordem jurídica as licenças de abertura.

No quadro exposto se afigura que nenhuma margem de actuação repressiva ou sancionatória, e mesmo no plano preventivo, foi deixada ao governador civil para a eventualidade da falta das referidas licenças.

Nem mesmo, por conseguinte, por apelo ao artigo 48º, nº 1, do regime anexo ao Decreto-Lei nº 316/95, que dentro em pouco se analisará no âmbito da questão nona.

Constatada, pois, a inexistência de licença de abertura, entendemos não estar nos actuais poderes do governador civil determinar como quer que seja o encerramento do estabelecimento respectivo.


3. As três questões seguintes podem, pelas suas afinidades, ser agregadas:

“Tendo em conta a revogação do Decreto–Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, pelo Decreto–Lei nº 167/97, retirando aos Governadores Civis a competência para licenciar a abertura dos estabelecimentos, o regime do Decreto–Lei nº 48/96, de 15 de Maio, que redefiniu o regime dos horários de funcionamento, e a publicação do Decreto–Lei nº 168/97, terá deixado de ter aplicação o despacho 9/97, elaborado na sequência do parecer nº 9/96, da Procuradoria-Geral da República?

“Em conformidade, deverão deixar de ser emitidas as licenças de porta aberta (licença de funcionamento), cobradas as respectivas taxas, e desde quando?

“Devem ser restituídas as taxas e licenças pagas, no decurso de 1997, à luz do regime fixado pelo Despacho nº 9/97?”


3.1. O mencionado Despacho do Ministro da Administração Interna nº 9/97, de 24 de Janeiro de 1997, tal como consta do processo, é do seguinte teor:

“Na sequência da homologação do Parecer nº 9/96 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 29/11/96, alguns governos civis colocaram um conjunto de questões que justificou que se solicitasse àquela instância consultiva uma aclaração respeitante à emissão de licenças de funcionamento relativamente aos estabelecimentos hoteleiros e similares e à cobrança pelas mesmas das taxas previstas nos Regulamentos Policiais.
“Nestas condições, o pagamento das referidas taxas deve ser admitido até ao termo do prazo a fixar após o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República se ter pronunciado sobre a questão.”

Estando o governador civil hierarquicamente dependente do Ministro da Administração Interna (artigo 3º, nº 1, do Decreto–Lei nº 252/92), compreende-se o despacho transcrito como emanação do poder de direcção típico da superioridade hierárquica.

Consubstanciando um acto cujos efeitos se produzem apenas nas relações interorgânicas, e por isso de natureza interna, o despacho em apreço traduz a competência do superior para emitir ordens e instruções tendentes a impor aos subordinados a prática dos actos necessários ao bom funcionamento dos serviços conforme a mais conveniente interpretação da lei ([55]).

O seu conteúdo relaciona-se com a emissão das licenças de “porta aberta” e o pagamento das respectivas taxas após 1 de Outubro de 1995, determinando-se aos governadores civis a sua subsistência e cobrança até esclarecimento das dúvidas suscitadas pelo parecer nº 9/96.

Os esclarecimentos foram prestados mediante o parecer nº 9/96-A/Complementar, cuja doutrina se resumiu supra, ponto II, 4. e 5.

Em suma, as licenças policiais denominadas de “porta aberta” e, bem assim, as taxas associadas à sua emissão, consoante as previsões dos regulamentos policiais dos distritos, continuaram a ser exigíveis após 1 de Outubro de 1995.

No entanto, a partir de 1 de Julho de 1997, com a entrada em vigor dos Decretos–Leis nºs 167/97 e 168/97, e a revogação do Decreto–Lei nº 328/86, foram abolidas as aludidas licenças e as inerentes taxas, suprimindo-se da ordem jurídica as competências tendentes à sua emissão - regime extensivo, vimo-lo há instantes (supra, 2.3.), às licenças de abertura.

Consequentemente, o despacho nº 9/97, do Ministro da Administração Interna veiculara uma correcta interpretação da lei em vigor, carec endo, porém, essa interpretação das correcções impostas pelas alterações legislativas vigentes desde 1 de Julho seguinte.

Tal a solução pertinente à quinta questão do elenco, tendo em consideração os parâmetros normativos invocados ([56]).


3.2. A resposta à sexta questão é, em face de todo o exposto, apodíctica.

As licenças de “porta aberta” deveriam ter deixado de ser emitidas desde 1 de Julho de 1997, o mesmo valendo quanto à cobrança das taxas respectivas, apenas devidas pelo período de validade legal das licenças.

Estes, pelo menos, os princípios que os termos de generalidade em que o problema se apresenta ainda permitem enunciar.

3.3. A mesma reserva deve, aliás, ser formulada quanto à questão de saber se as taxas pagas no decurso de 1997 devem ser restituídas.

Em princípio, não há razões que justifiquem a restituição de taxas pagas com respeito ao período, anterior a 1 de Julho de 1997, de validade legal das licenças, enquanto, ao invés, a não restituição das relativas a licenças emitidas no período posterior representaria um injusto locupletamento dos entes beneficiários da cobrança.

Trata-se, em todo o caso, de questão a que é impossível dar uma resposta unitária conglobando todas as situações juridicamente hipotizáveis, e que, na base de elementos de facto para nós desconhecidos, não fosse meramente conjectural.

Basta recordar que as licenças de “porta aberta”, conquanto anuais ou semestrais, com termo as primeiras em 31 de Dezembro qualquer que fosse o seu início, e as segundas em 30 de Junho ou 31 de Dezembro, podiam, todavia, ser concedidas por períodos menores (artigo 12º do “Regulamento Policial do Distrito de Beja”).


4. A oitava questão vem concebida nos seguintes termos:

“A intervenção dos Governos Civis no licenciamento dos estabelecimentos hoteleiros e similares parece confinar-se à emissão do parecer para os estabelecimentos de bebidas e restauração que dispunham de salas de dança ou espaços destinados a dança. O Governo Civil do Distrito, nos termos do artigo 4º, nº 1, do Decreto–Lei nº 168/87, deve pronunciar-se quanto “à localização e aspectos de segurança e ordem pública que o funcionamento do estabelecimento possa implicar”. Convindo esclarecer qual o âmbito do conceito vago de “segurança” e “ordem pública”, coloca-se a questão de saber se o governador civil pode ir além das questões de natureza policial, como, por exemplo, avaliar as condições acústicas dos estabelecimentos.”

Sabemos que em sede de empreendimentos turísticos o Decreto–Lei nº 167/97 não adstringe directamente aos governadores civis nenhuma competência de licenciamento, seja mesmo no plano consultivo (cfr. supra, II, 5.).

No que concerne aos estabelecimentos de restauração e de bebidas incumbe-lhes tão-somente a intervenção consultiva prevista, por exemplo, nos artigos 4º e 7º, do Decreto–Lei nº 168/97, excluindo qualquer outra.
Com efeito, os processos respeitantes à instalação destes estabelecimentos são organizados pelas câmaras e regulam-se pelo regime jurídico de licenciamento municipal de obras particulares, com as especificidades estabelecidas no diploma (artigo 3º, nº 1).

Ora, o artigo 4º, nº 1, citado na consulta, consubstanciando especialidades relativamente ao denominado “pedido de informação prévia”, típico daquele regime de licenciamento, dispõe o seguinte:

“Artigo 4º
Consulta ao governador civil

1 - Nos casos dos estabelecimentos de bebidas e dos estabelecimentos de restauração que disponham de salas ou espaços destinados a dança, a câmara municipal, no âmbito da apreciação do pedido de informação prévia, deve consultar o governador civil do distrito em que o estabelecimento se localiza, a fim de este se pronunciar quanto à sua localização e aspectos de segurança e ordem pública que o funcionamento do estabelecimento possa implicar, remetendo-lhe para o efeito os elementos necessários, nomeadamente a identificação da entidade requerente e a localização do estabelecimento.

2 - O governador civil deve pronunciar-se no prazo (...)

3 - O parecer emitido (...)

4 - A não emissão (...)”

Já em momento oportuno nos debruçámos sobre os conceitos de segurança e ordem pública relevantes para a polícia administrativa (supra, ponto III).

Observámos então que interessa, na verdade, à polícia administrativa tudo aquilo que constitui perigo susceptível de se projectar na vida pública, criando o risco de uma perturbação da ordem, da segurança, da moralidade, da saúde públicas.

Mas a multiplicidade das actividades individuais perigosas e a pluralidade ilimitada de circunstâncias em que perigos para os interesses públicos exigem acções preventivas por parte da Administração não se concilia com a exigência de uma tipificação estreita de todas as possíveis condutas da Administração e seus pressupostos.

Daí, numa lógica intrínseca à matéria em causa, o carácter muitas vezes discricionário dos poderes de polícia, sob as garantias da adstrição à competência legal do titular e da consecução de fins legalmente fixados.

Neste sentido, a polícia administrativa propõe-se nuclearmente um fim de tutela contra os perigos que ameacem a segurança pública e contra as turbações que prejudicam a ordem pública.

E a ordem pública, na sua função tradicional, coliga-se à defesa tripartida da tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, luta contra o ruído, etc.), da segurança (prevenção de acidentes, flagelos humanos ou naturais, defesa contra catástrofes, prevenção de crimes) e da salubridade (salvaguarda da higiene pública, das águas, alimentos, etc.).

Alcançado o nível de densificação dos conceitos de segurança e ordem pública proporcional à economia da questão colocada, resta saber se o parecer do governador civil previsto no artigo 4º do Decreto–Lei nº 168/97 - exigível precisamente pela sua posição de autoridade com competências em matéria de polícia - pode ir além das questões de natureza policial, até chegar a avaliar, por exemplo, as condições acústicas dos estabelecimentos, ou, mais precisamente, os termos em que os sons e ruídos produzidos pela actividade dos estabelecimentos se projectam no ambiente circundante de modo a afectarem a tranquilidade pública.

Entendida a questão neste sentido, a resposta é seguramente afirmativa.

A acústica dos estabelecimentos nesta acepção, influindo no nível da emissão de ruídos, interfere com o interesse social da tranquilidade pública, como acabámos de notar, aspecto não despiciendo da ordem pública com manifestas implicações policiais (cfr., v.g., os artigos 17º e 30º e segs. do “Regulamento Policial do Distrito de Beja”, o artigo 7º do Decreto Regulamentar nº 38/97 e os artigos 28º e segs. do regime de licenciamento aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 316/95, de 28 de Setembro).

Por isso que o parecer do governador civil aludido no artigo 4º não possa demitir-se dessa avaliação, exigência que o índice da “localização“, submetido de modo expresso à sua apreciação, outrossim teleologicamente inculca.


5. A nona questão configura-se, por seu lado, como segue:

“Tendo em atenção o disposto nos artigos 62º do Decreto–Lei nº 167/97 e 39º do Decreto–Lei nº 168/97, que atribui às Câmaras Municipais a competência para aplicar a sanção acessória de encerramento dos estabelecimentos, terá sido revogado tacitamente o artigo 48º do Decreto–Lei nº 316/95, de 28 de Novembro, que possibilitava, ao Governador Civil, aplicar a medida de polícia de encerramento das salas de dança e estabelecimentos de bebidas, quando o seu funcionamento se revelasse susceptível de violar a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas?”

Houve há momentos o ensejo de perscrutar o sentido dos artigos 62º do Decreto–Lei nº 167/97 e 39º do Decreto–Lei nº 168/97 (supra, ponto 2.4).

Cabe agora sondar o Decreto–Lei nº 316/95, de 28 de Novembro - já ponderado a propósito das alterações introduzidas no Decreto–Lei nº 252/92 -, na perspectiva do artigo 48º do regime jurídico de licenciamento de certas actividades aprovado em anexo.

De facto, aprovando esse regime jurídico, o mencionado Decreto–Lei sujeitou a licenciamento as actividades enunciadas nas alíneas a) a f) do seu artigo 1º ([57]), atribuindo a competência para a outorga das licenças ao governador civil do respectivo distrito (artigos 2º, 11º, 15º, 20º, 27º, 33º, 37º, 38º e 39º, do anexo).

No Capítulo III, os artigos 45º e 46º tipificam e punem com coimas diversas contra-ordenações ao estatuído no diploma, prevendo o artigo 47º a aplicação das “sanções acessórias previstas na lei geral”.

Por fim, a despeito de o regime jurídico em causa nada disciplinar especificamente acerca de estabelecimentos de bebidas e salas de dança, o certo é que o seu artigo 48º, nº 1, prevê a adopção discricionária pelo governador civil das medidas de encerramento e de redução do horário de funcionamento dos aludidos estabelecimentos:

“Artigo 48º
Medidas de polícia

1 - O governador civil pode aplicar a medida de polícia de encerramento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas, bem como a de redução do seu horário de funcionamento, quando esse funcionamento se revele susceptível de violar a ordem, a segurança ou a tranquilidade públicas.

2 - O despacho que ordenar o encerramento deve conter, para além da sua fundamentação concreta, a indicação dos condicionamentos a satisfazer para que a reabertura seja permitida.

3 - As licenças concedidas nos termos do presente diploma podem ser revogadas (...)

4 - O governador civil pode delegar no todo ou em parte a competência para aplicar as medidas de polícia previstas (...).”

Pergunta-se, portanto, se o artigo 48º, nº 1, foi tacitamente revogado pelo artigo 62º do Decreto–Lei nº 167/97 e, porventura mais pertinentemente, pelo artigo 39º do Decreto–Lei nº 168/97.

Propende-se para uma resposta negativa.

Na verdade, crê-se que no espírito da consulta estará a ideia de revogação tácita por incompatibilidade deste preceito com aquele (artigo 7º, nº 2, do Código Civil), mas não se vê, tudo ponderado, que tal incompatibilidade deva ter-se como líquida.

Basta notar que o artigo 39º - em estreito paralelismo com o citado artigo 62º - prevê a medida de encerramento do estabelecimento como sanção acessória de certas contra-ordenações tipificadas no artigo 38º do Decreto–Lei nº 168/97, enquanto o artigo 48º, nº 1, a configura como medida de polícia em vocacional plano de prevenção.

Sabemos, todavia, que as medidas de polícia se encontram sujeitas à observância de certos pressupostos e limites – com relevo para o princípio da proibição de excesso, balizado pelos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade – os quais não podem deixar de nortear a aplicação do artigo 48º, nº 1.


6. Encare-se, posto isto, a décima interrogação do elenco:

“Estará inviabilizado o poder de o Governador Civil reduzir o horário de funcionamento dos referidos estabelecimentos, uma vez que aquele deixa de conceder qualquer licenciamento?”

A inversa é que teria mais lógica, permita-se a observação relembrando as reflexões do parecer nº 52/93 inicialmente extractadas (supra, ponto II, 2.3).

Figurada, em todo o caso, a medida de redução do horário de funcionamento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas pelo artigo 48º como providência de polícia administrativa convocada pela estrita necessidade de prevenir violações da ordem, segurança e tranquilidade públicas, não parece que a competência do governador civil para a decretar conflitue, como quer que seja, com a atribuição das competências de licenciamento a entidades diversas.

Tanto mais que o exercício destas competências necessariamente se deve harmonizar com a preservação daqueles mesmos valores.

Não se vislumbram, por conseguinte, convincentes razões de banimento dos aludidos poderes do governador civil.


7. Resta uma derradeira questão:

“Face ao estatuído no artigo 72º do Decreto-Lei nº 167/97 e no artigo 51º do Decreto-Lei nº 168/97 devem deixar de ser emitidos alvarás de abertura, relativamente aos processos pendentes?”

Transcreva-se apenas o artigo 72º, incluído no Capítulo das “Disposições finais e transitórias” do Decreto-Lei nº 167/97, respeitante aos empreendimentos turísticos, uma vez que o artigo 51º é preceito homólogo para os estabelecimentos de restauração e bebidas:


“Artigo 72º
Autorização de abertura

1- A autorização de abertura dos empreendimentos turísticos existentes à data da entrada em vigor do presente diploma, concedida pela Direcção-Geral do Turismo ou pelas câmaras municipais nos termos do artigo 36º do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, ou de legislação anterior, só é substituída por licença de utilização turística na sequência dos casos previstos no artigo anterior ([58]).

2- À autorização de abertura referida no número anterior aplica--se o disposto no artigo 33º, com as necessárias adaptações ([59]).”

Na hipótese configurada no nº 1 do artigo 72º, os empreendimentos turísticos existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 167/97 dispõem de autorização de abertura emitida nos termos do artigo 36º do Decreto-Lei nº 328/86, a qual, em princípio, não é substituída pela licença de utilização turística agora prevista como licença única tendente ao funcionamento, a menos que o empreendimento seja sujeito a obras de ampliação, reconstrução ou alteração de harmonia com o disposto no artigo 71º.

Neste caso, o empreendimento fica sujeito a emissão de licença de utilização turística, mesmo na parte não abrangida pelas obras.

A questão é a de saber se devem ou não ser emitidos alvarás de abertura relativamente aos processos pendentes.

Torna-se, porém, muito difícil precisar a fase de pendência que está na mente da consulta e, bem assim, o serviço em que o processo se encontra pendente.

Considere-se apenas que os artigos 74º e 75º, entre outros, prevêem diversas situações de processos pendentes - tal como os artigos 53º e 54º do Decreto-Lei nº 168/97 – e essa precisão é indispensável para a subsunção da questão posta a uma delas.

Podemos admitir que se tenham em vista na consulta processos pendentes no governo civil de emissão de alvará de abertura.

Hipótese explicitamente não contemplada nos aludidos normativos, o procedimento de emissão do alvará, porém, na sua vocação instrumental da autorização de abertura, comporta, como sabemos, a intervenção das entidades competentes para a autorização – nomeadamente, a Direcção-Greral do Turismo e a câmara municipal -, circunstância susceptível então de reconduzir a situação a uma das hipóteses previstas na lei (cfr. os artigos 35º e 38º e segs. do Decreto-Lei nº 328/86, e os artigos 320º e segs. do Decreto Regulamentar nº8/89).

Dispõe, efectivamente, o nº 1 do artigo 74º:

“Artigo 74º
Processos pendentes respeitantes
à autorização de abertura de
empreendimentos turísticos

1 – Os processos pendentes na Direcção-Geral do Turismo à data da entrada em vigor do presente diploma respeitantes à autorização de abertura a que se refere o artigo 36º do Decreto–Lei 328/86, de 30 de Setembro, continuam a regular-se pelo disposto naquele diploma, com as alterações que lhe foram introduzidas, e respectivos regulamentos, sendo a respectiva classificação regulada nos termos dos referidos diplomas.
2 – Na situação prevista no número anterior, o requerente e a Direcção-Geral do Turismo podem, de comum acordo, optar pela aplicação do regime previsto no presente diploma para a emissão de licença de utilização turística e para a classificação do empreendimento, devendo, nesse caso, aquela Direcção–Geral comunicar o acordo à câmara municipal respectiva.
3 – Aos processos pendentes nas câmaras municipais à data da entrada em vigor do presente diploma respeitantes à autorização de abertura de parques de campismo públicos aplica-se o disposto no presente diploma para a emissão de licença de utilização turística.
4 – No caso dos empreendimentos turísticos que estiverem em construção à data da entrada em vigor do presente diploma, o início do seu funcionamento depende de licença de utilização turística (…)”

Poderia, pois, na situação hipotizada responder-se de algum modo à questão posta no sentido de que, em se tratando, nuclearmente, de processos pendentes que continuam a regular-se pelo Decreto-Lei 328/86, tal como previsto no nº 1 do artigo 74º, os alvarás de abertura devem continuar a ser emitidos.


V

Do exposto se conclui:

1. Em virtude da alteração introduzida no artigo 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Dezembro, pelo artigo 2º do Decreto--Lei nº 316/95, de 28 de Novembro, com início de vigência em 1 de Outubro de 1995, os governadores civis perderam as competências regulamentares em matéria policial que lhes assistiam com fundamento na redacção originária da alínea c) do citado artigo 4º, nº 3, transferindo-se estas para o Ministro da Administração Interna;
2. Os regulamentos policiais emanados dos governadores civis no exercício dessas competências regulamentares não cessaram a sua vigência pelo simples facto da aludida transferência de competências, operada em 1 de Outubro de 1995, apenas ficando revogados se e na medida em que o novo titular as exerça no mesmo domínio normativo, ou este domínio seja disciplinado mediante actos de adequado nível e valor formal;
3. Sem prejuízo desta ressalva, as licenças policiais denominadas «de porta aberta» previstas nesses regulamentos (cfr., v.g., os artigos 10º e segs. do “Regulamento Policial do Distrito de Beja”) e, bem assim, as taxas associadas à sua emissão continuaram, consequentemente, a ser exigíveis após 1 de Outubro de 1995;
4. Todavia, a partir de 1 de Julho de 1997, com a entrada em vigor dos Decretos-Leis nºs 167/97 e 168/97, de 4 do mesmo mês, foram abolidas as licenças de porta aberta, assim como as taxas inerentes, suprimindo-se do mundo jurídico as competências tendentes à sua emissão;
5. Mercê dos Decretos-Leis nºs 167/97 e 168/97 os regulamentos policiais aludidos nas conclusões 2. e 3. cessaram, por conseguinte, a sua vigência, em 1 de Julho de 1997, no tocante às denominadas licenças de porta aberta e respectivas taxas;
6. O regime descrito nas conclusões 1. a 5. é igualmente aplicável às licenças de abertura também previstas nos regulamentos policiais dos distritos (v.g., artigos 10º e segs. do “Regulamento” aludido na conclusão 3.) e nos artigos 36º e segs. do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, revogado pelo Decreto-lei nº 167/97;
7. A polícia administrativa traduz uma forma de actuação da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, com o objectivo de evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir;
8. Interessa essencialmente à polícia administrativa a prevenção de danos sociais, visando os actos e medidas de polícia a tutela contra os perigos que ameacem a segurança pública e as turbações que prejudiquem a ordem pública numa perspectiva preventiva, não sancionatória;
9. A ordem pública compreende o conjunto de condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos individuais, nuclearmente segundo a triologia funcional da defesa da tranquilidade, segurança e salubridade;
10. As concretas questões submetidas à apreciação do Conselho Consultivo – na enunciação vertida no ponto I, do presente parecer – devem ser solucionadas à luz dos princípios explanados nos pontos IV, 1. a 7.:
10.1. O governador civil tem o poder de adoptar medidas de polícia administrativa para defesa da ordem pública, da segurança e tranquilidade dos cidadãos, nos termos do artigo 4º, nº 3, alínea a), do Decreto–Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, e, bem assim, as providências excepcionais e urgentes circunscritas no artigo 8º do mesmo diploma (IV, 1.1);
10.2. Tais poderes estão subordinados aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de polícia administrativa, com relevo para o princípio da proibição de excesso (IV, 1.2.);
10.3. Constatada a inexistência de licença de abertura, o governador civil não tem o poder de ordenar a medida de polícia de encerramento do estabelecimento respectivo (IV, 2);
10.4. Tendo em atenção as anteriores conclusões 3.,4.,5. e 6., o despacho nº 9/97, de 24 de Janeiro de 1997, do Ministro da Administração Interna veiculara uma correcta interpretação da lei em vigor, carecendo essa interpretação das correcções impostas pelas alterações legislativas vigentes desde 1 de Julho seguinte (IV, 3.1);
10.5 Em conformidade com a doutrina das conclusões 3., 4. e 5., as denominadas “licenças de porta aberta” deveriam ter deixado de ser emitidas desde 1 de Julho de 1997 (IV, 3.2);
10.6. As taxas pagas por licenças de porta aberta emitidas no período posterior a 1 de Julho de 1997 devem, em princípio, ser restituídas, sob pena de locupletamento injusto dos entes beneficiários da cobrança (IV, 3.3);
10.7. O parecer do governador civil aludido no artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei 168/87, de 4 de Julho, não pode deixar de examinar as condições em que os sons e ruídos produzidos pelos estabelecimentos se projectam no ambiente circundante de modo a afectarem a tranquilidade pública (IV, 4.).
10.8. O nº 1 do artigo 48º do Decreto-Lei 316/85, de 28 de Novembro, não foi tacitamente revogado pelo artigo 39º do Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho (IV, 5.);
10.9. A competência conferida ao governador civil pelo nº 1 do artigo 48º do Decreto-Lei nº 316/95, para aplicar a medida de redução do horário de funcionamento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas, não conflitua com a atribuição das competências de licenciamento dos aludidos estabelecimentos a entidades diversas (IV, 6.);
10.10. Nos processos pendentes em 1 de Julho de 1997 nos governos civis para emissão de alvarás de abertura, relativos a situações que, nos termos do artigo 74º, nº 1, do Decreto-Lei nº 167/97, continuam a regular-se pelo Decreto-Lei 328/86, devem os aludidos alvarás ser emitidos (IV, 7.).



[1]) Pendente de homologação.
[2]) FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, I, 2ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1994, págs. 317 e 319; cfr. também o parecer do Conselho Consultivo nº 52/93, de 2 de Dezembro de 1993, “Diário da República”, II Série, nº 116, de 19 de Maio de 1994, págs. 4994 e seguintes.
[3]) Acerca das modificações legislativas operadas neste Título do Código, veja-se SILVA PAIXÃO/ARAGÃO SEIA/FERNANDES CADILHA, Código Administrativo Actualizado e Anotado, 1ª e 5ª edições, Almedina, Coimbra, 1979 e 1989, respectivamente, págs. 201 e seguintes.
[4]) Cfr. SILVA PAIXÃO/ARAGÃO SEIA/FERNANDES CADILHA, op. cit., 6ª edição, Almedina, Coimbra, págs. 204 e seguintes.
[5]) Parecer nº 52/93, de 2 de Dezembro de 1993, “Diário da República”, II Série, nº 116, de 19 de Maio de 1994, págs. 4994 e segs., que por instantes se acompanha.
x) “Nem se diga que o que se deixou sinteticamente expresso no texto poderia representar violação do princípio da tipicidade das medidas de polícia, extraído do nº 2 do artigo 272º da CRP. Sem se desconhecerem as dúvidas que a interpretação da expressão “as medidas de polícia são as previstas na lei” tem levantado, em face da inexistência de um texto legal que, de forma geral, tipifique as medidas de polícia possíveis, parece-nos defensável a posição de autores que, como SÉRVULO CORREIA - o parecer recorre aqui às Noções de Direito Administrativo, I, pág. 247, e à Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, “Colecção Teses”, Coimbra, 1987, pág. 258, nota 432 -, sustentam que aquela expressão constitucional “deve ser entendida na acepção de que os órgãos e agentes que empregam tais medidas devem ter competência para o efeito nos termos da lei. Um outro entendimento seria o de que tais medidas deveriam ser apenas as taxativamente enunciadas na lei. Mas tal sentido iria contra a realidade das coisas, visto que a pluralidade ilimitada de circunstâncias em que perigos para os interesses públicos exigem acções preventivas por parte da Administração não se compadece com a exigência de uma tipificação normativa de todas as possíveis condutas da Administração ou dos seus pressupostos.”
[6]) Com efeito, pelo citado diploma era aprovado em anexo o regime jurídico do licenciamento, pelos governadores civis, do exercício de determinadas actividades carecendo de medidas de polícia.
[7]) Basta recordar o teor da primeira conclusão do parecer nº 9/96, reproduzida praticamente à letra no parecer nº 9/96-A/Complementar:
“1. Mercê da alteração introduzida no artigo 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 316/95, de 28 de Novembro, com início de vigência em 1 de Outubro de 1995, os governadores civis perderam as competências regulamentares em matéria policial que lhes assistiam em virtude da alínea c) do citado artigo 4º, nº 3, na sua redacção originária, transferindo-se estas para o Ministro da Administração Interna.”
[8]) Caracterizadas no parecer nº 9/96-A/Complementar, que continuamos a seguir (cfr. agora o ponto III, 7.), com base nos artigos 10º e segs. do “Regulamento Policial do Distrito de Beja”, “Diário da República”, II Série, Suplemento, nº 127, de 1 de Junho de 1993, págs. 5736 - (3) e segs., prototipicamente disponível no respectivo processo.
[9]) Fundamentalmente os “estabelecimentos hoteleiros” - tais como, hotéis, pensões, pousadas, estalagens, motéis, hotéis-apartamentos, aldeamentos turísticos, hospedarias ou casas de hóspedes - e “similares de hoteleiros” - v.g., restaurantes, estabelecimentos de bebidas e salas de dança -, regulados pelo Decreto–Lei nº 328/86, de 30 de Setembro.
[10]) Que o artigo 1º, nº 1, define como “os estabelecimentos que se destinam a prestar serviços de alojamento temporário, restauração ou animação de turistas, dispondo para o seu funcionamento de um adequado conjunto de estruturas, equipamentos e serviços complementares”.
Podem, segundo as alíneas a) a d) do nº 2 do mesmo artigo, ser integrados num dos seguintes tipos: estabelecimentos hoteleiros; meios complementares de alojamento turístico; parques de campismo públicos; conjuntos turísticos.
O artigo 2º define, por sua vez, os estabelecimentos hoteleiros de modo idêntico ao artigo 11º, nº 1, do Decreto–Lei nº 328/86.
[11]) Correspondentes grosso modo aos “estabelecimentos similares dos hoteleiros” definidos no artigo 13º, nº 1, do Decreto–Lei nº 328/86 (cfr. supra, nota 9), atenta a análoga noção que flui dos nºs. 1, 2 e 3 do artigo 1º, do Decreto–Lei nº 168/97.
[12]) Os dois últimos parágrafos acabados de transcrever constituíram a base substancial das conclusões 4. e 5. do parecer nº 9/96-A/Complementar.
[13]) MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª edição (Reimpressão), revista e actualizada pelo Prof. Doutor FREITAS DO AMARAL, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, págs. 1149 e segs., que se segue muito de perto; cfr. também os seus Princípios do Direito Administrativo, Reimpressão da edição brasileira de 1977, 1ª reimpressão portuguesa, Livraria Almedina, Coimbra, 1996, págs. 267 e seguintes.
[14]) MARCELLO CAETANO, Manual, pág. 1150, que continuamos a acompanhar; cfr. também Princípios, pág. 269.
[15]) MARCELLO CAETANO, Manual, pág. 1153; Princípios, pág. 272.
[16]) MARCELLO CAETANO, Manual, vol. I, 10ª edição (Reimpressão), revista e actualizada pelo Prof. Doutor DIOGO FREITAS DO AMARAL, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, págs. 486 e segs., 509/510.
[17]) MARCELLO CAETANO, Manual, vol. II, págs. 1155/1156.
[18]) PIETRO VIRGA, La Potestà di Polizia, Giuffrè Editore, Milano, 1954, págs. 32 e 35.
[19]) VIRGA, Diritto Amministrativo, vol.4, Attività e prestazioni, 2ª edição, Giuffrè Editore, Milano, 1996, págs. 321/322.
[20]) ALDO M. SANDULLI, Manuale di Diritto Amministrativo, 10ª edição, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli, 1969, pág. 582.
[21]) GIUSEPPE CONTI, Polizia, «Novissimo Digesto Italiano», XIII, pág. 176, apud parecer deste Conselho nº 79/86, de 4 de Dezembro de 1986, parcialmente homologado, inédito (ponto 7).
[22]) GUIDO LORSI, L’ordine pubblico, pág. 137, apud parecer nº 79/86 (ibidem).
[23]) JORGE MIRANDA, “Enciclopédia Verbo”, vol. 14, apud parecer nº 79/86 (ibidem).
[24]) JORGE MIRANDA, ibidem.
[25]) MARCELLO CAETANO, Manual, vol. II, pág. 1176.
[26]) JORGE MIRANDA, ibidem.
[27]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 595, acrescentando que “o sentido mais consentâneo com o contexto global do preceito estará, porventura, ligado à ideia de garantia de respeito e cumprimento das leis em geral, naquilo que concerne à vida da colectividade”.
[28]) Parecer nº 9/96-A/Complementar.
X1) JEAN RIVERO, Direito Administrativo, pág. 478, apud parecer nº 52/93 (ponto 6.1).
[29]) MARCELLO CAETANO, Manual, vol. II, págs. 1156 e seguintes.
[30]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, op cit., págs. 955/956.
[31]) MARCELLO CAETANO, Manual, vol. II, pág. 1159.
[32]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, op.cit., pág. 956, a cuja lição revertemos.
[33]) Cfr. sobre o tema MARCELLO CAETANO, Manual, vol. II, págs. 1164 e segs., que tornamos basicamente a acompanhar.
[34]) Entre as quais indubitavelmente o governador civil, que o parecer nº 52/93, aliás, qualificou mais rigorosamente como “autoridade administrativa com funções de polícia”, reservando a categoria de “autoridade policial” ou de “autoridade de polícia” para “aquelas autoridades às quais são legalmente atribuídos poderes de direcção e/ou comando das forças policiais” (em especial ponto 5.3.).
[35]) Para outros desenvolvimentos acerca das figuras da autorização, da licença e também da denominada autorização-licença, cfr., v.g., o parecer do Conselho nº 112/90, de 25 de Janeiro de 1991, inédito (ponto III, 4.).
[36]) MARCELLO CAETANO, Manual, vol. II, pág. 1170.
Em Princípios, págs. 279/280, o autor precisa que os actos de polícia compreendem actos administrativos – as autorizações, licenças e medidas de polícia – e meras “operações de polícia”.
Operações de polícia, a maioria dos actos de polícia, não qualificáveis, portanto, como actos jurídico-administrativos, são as “intervenções dos agentes policiais exigidas pelas circunstâncias de momento, sob a forma de ordens e de proibições”, tais como o encerramento temporário do trânsito numa rua, a suspensão de uma reunião ilegal ou de um espectáculo, a dissolução de um ajuntamento, etc.
[37]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 956.
[38]) Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 489/89, proc. nº 305/88, de 13 de Julho de 1989, e nº 160/91, proc. nº 303/89, de 24 de Abril de 1991, “Diário da República”, II Série, respectivamente, nº 27, de 1 de Fevereiro de 1990, págs. 1131 e segs., e nº 203, de 4 de Setembro de 1991, págs. 8953 e seguintes.
[39]) VIRGA, La Potestà, pág. 41.
[40]) Parecer nº 53/87, de 22 de Outubro de 1987, “Diário da República”, II Série, nº 100, de 30 de Abril de 1988, e “Boletim do Ministério da Justiça”, nº 377, págs. 311 e segs. (ponto III, 1.), citando MARCELLO CAETANO, M. ESTEVES DE OLIVEIRA e doutrina italiana, que pontualmente se segue.
[41]) MARCELLO CAETANO, Manual, vol. I, págs. 557 - a que de novo nos acolhemos por momentos -, reflectindo sobre o predecessor artigo 409º do Código Administrativo.
[42]) M. ESTEVES DE OLIVEIRA/P.COSTA GONÇALVES/J.PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, págs. 94 e 663, propendem a considerar, por um lado, que a prática dos actos ao abrigo do artigo 8º do Decreto–Lei nº 252/92 se legitima por recurso ao instituto do estado de necessidade administrativa (artigo 3º, nº 2, do Código); por outro lado, a ratificação prevista naquele normativo deixa de ser qualificada como ratificação-sanação (artigo 137º do mesmo Código) para ser incluída na categoria das ratificações-confirmações.
[43]) Em vigor a 1 de Janeiro de 1987 (artigo 94º), o Decreto–Lei nº 328/86 deixou de vigorar apenas em 1 de Julho de 1997, revogado - com excepção do seu artigo 34º, de interesse despiciendo nos temas da consulta - pelo Decreto–Lei nº 167/97, de 4 de Julho (artigo 81º, nº 1, alínea e)). Continua, porém, a aplicar-se pontualmente em determinadas situações transitórias, tais as previstas nos artigos 73º, 74º e 75º deste último diploma legal.
Ressalva-se um curto período de vigência do Decreto–Lei nº 327/95, de 5 de Dezembro - que, por seu turno o revogara (artigo 16º, nº 1, alínea g)) -, de 1 de Janeiro a 16 de Fevereiro de 1987, véspera da publicação na folha oficial da Resolução da Assembleia da República nº 10/96, de 1 de Fevereiro, que lhe recusou ratificação, operando a consequente repristinação, entre outros, do Decreto–Lei nº 328/86. Cfr. sobre o ponto, por último, a nota 10 do parecer nº 9/96-A/Complementar.
[44]) Isto é - além dos denominados “meios complementares de alojamento turístico” e dos “conjuntos turísticos” (artigos 16º e segs.) -, fundamentalmente os “estabelecimentos hoteleiros” e os “estabelecimentos similares dos hoteleiros”, como já se referiu.
“Estabelecimentos hoteleiros” são os “destinados a proporcionar alojamento, mediante remuneração, com ou sem fornecimento de refeições, e outros serviços acessórios ou de apoio”, tais como os das espécies enunciadas supra, nota 9 (artigos 11º, nº 1, e 12º, nº 1).
“Estabelecimentos similares dos hoteleiros” consideram-se, por sua vez, “qualquer que seja a sua denominação, os destinados a proporcionar ao público, mediante remuneração, alimentos ou bebidas para serem consumidos no próprio estabelecimento” (artigo 13º, nº 1), ou sejam, os restaurantes, estabelecimentos de bebidas e salas de dança, grupos enunciados no nº 1 do artigo 14º, abrangendo as modalidades detalhadas nos nºs. 2, 3 e 4 do mesmo artigo.
[45]) Assim, da Direcção-Geral do Turismo, das câmaras municipais e da Direcção-Geral dos Espectáculos e do Direito de Autor - alíneas a), c) e d) do mesmo normativo.
O artigo 1º do Decreto–Lei nº 149/88, de 17 de Abril, deu nova redacção às alíneas a) e c), sem reflexos na problemática em estudo. O mesmo se diga no tocante a outras alterações que o Decreto–Lei nº 328/86 sofreu através desse diploma e, bem assim, dos Decretos–Leis nºs 434/88, de 21 de Novembro, e 235/91, de 27 de Junho.
[46]) “Nestes termos - remata, com efeito, a breve nota preambular -, ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artigo 4º do Decreto–Lei nº 252/92, de 14 de Novembro, o governador do distrito de Beja elaborou e o Governo aprovou, por despacho ministerial de 23 de Abril de 1993, o seguinte Regulamento para o distrito.”
[47]) A saber - para além dos “salões e casas de jogos lícitos” -, fundamentalmente os “estabelecimentos hoteleiros” e “similares dos hoteleiros”, de que os artigos 1º e 2º dão noções e classificações idênticas às vigentes matrizes do Decreto–Lei nº 328/86 (cfr. supra, nota 44).
[48]) A licença de abertura provisória relaciona-se decerto com a possibilidade de condicionamentos a que acabámos de aludir (artigos 38º, nº 3, e 39º, nº 5, do Decreto–Lei nº 328/86).
[49]) Cfr. supra, notas 10 e 11.
[50]) Cfr. sobre o tema, por último os pareceres nºs. 9/96 (ponto II, 4.2) e 9/96-A/Com-plementar (ponto IV, 1.2).
[51]) Para esses efeitos, todas as autoridades e seus agentes que tomassem conhecimento de quaisquer infracções ao diploma e suas disposições regulamentares deveriam participá–las à Direcção-Geral do Turismo ou à câmara municipal do local (artigo 80º).
[52]) O Decreto–Lei nº 336/93, de 29 de Setembro, “estabelece - conforme o “Sumário” da folha oficial - o regime jurídico da nomeação e das competências das autoridades de saúde”. E, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 5º, compete a estas, em especial, “ordenar a suspensão de actividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais referidos na alínea anterior - aglomerados populacionais, serviços, estabelecimentos e locais de utilização pública -, quando funcionem em condições de grave risco para a saúde pública”.
[53]) O nº 3 do artigo 1º do Decreto–Lei nº 167/97 estatui que os “grupos e as categorias dos empreendimentos turísticos, bem como os requisitos das respectivas instalações, classificações e funcionamento, são definidos através de decreto regulamentar”.
Foi adrede publicado o Decreto Regulamentar nº 36/97, de 25 de Setembro, tipificando e punindo com coima, no artigo 46º, diversas contra-ordenações ao regime nele estabelecido, absolutamente alheias, no entanto, à falta de licença de abertura dos estabelecimentos.
O artigo 47º, nº 1, prevê, por seu lado, a aplicação das sanções acessórias de encerramento do estabelecimento e suspensão do respectivo alvará de licença de utilização turística relativamente a certas daquelas contra-ordenações, sanções acessórias, por consequência, igualmente estranhas à falta das mencionadas licenças de abertura. Acresce, inclusivamente, que a efectivação das aludidas sanções acessórias “fica dependente do não cumprimento da norma violada”, dentro de determinados “prazos a contar da decisão condenatória definitiva” (alíneas a) a j) do nº 2 do mesmo artigo).
Para além dos casos assim definidos, o Decreto Regulamentar nº 36/97 apenas alude ao encerramento do estabelecimento e apreensão do respectivo alvará no artigo 48º, nº 3, do capítulo das “disposições finais e transitórias”, com respeito a situações que nada têm a ver, do mesmo modo, com a inexistência de licenças de abertura.
[54]) O Decreto–Lei nº 168/97 foi, por sua vez, regulamentado, de acordo com a previsão do nº 5 do artigo 1º, relativamente aos “requisitos das implantações, classificações e funcionamento de cada um dos tipos de estabelecimentos”, pelo Decreto Regulamentar nº 38/97, de 25 de Setembro.
E também este diploma contém nos seus artigos 33º, 34º, nºs. 1 e 2, e 35º, nº 3, um regime simétrico dos preceitos do Decreto Regulamentar nº 36/97 passados em revista na nota antecedente, que se tornaria ocioso reanalisar.
[55]) Cfr. sobre o tema, recentemente, o parecer nº 57/96, de 25 de Junho de 1998 (ponto III, 2.2 e 2.3), pendente de homologação, e bibliografia nele citada.
[56]) Inclusive o Decreto–Lei nº 48/96, de 15 de Maio, na medida em que, estabelecendo um novo regime dos horários de funcionamento de certos estabelecimentos comerciais, nenhuns poderes confere ao governador civil. As restrições e alargamentos aos limites horários admissíveis nos termos do artigo 3º - recordando de certo modo a disciplina das licenças de “porta aberta” - são da competência das câmaras municipais.
[57]) A saber: guarda nocturno; venda ambulante de lotarias; arrumador de automóveis; realização de acampamentos ocasionais; exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão; realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre; venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos públicos em agências ou postos de venda; realização de fogueiras e queimadas; realização de leilões.
[58]) Dispõe o artigo 71º, com paralelo, para os estabelecimentos de restauração e bebidas, no artigo 50º do Decreto-Lei nº 168/97:
“Artigo 71º
Licença de utilização turística para empreendimentos turísticos existentes

A licença de utilização turística, emitida na sequência das obras de ampliação, reconstrução ou alteração a realizar em empreendimentos turísticos existentes e em funcionamento à data da entrada em vigor do presente diploma, respeita a todo o empreendimento turístico, incluindo as partes não abrangidas pelas obras.”
[59]) O artigo 33º - e o seu homólogo artigo 19º do Decreto-Lei nº 168/97 – enuncia os casos de caducidade da licença de utilização turística nos termos seguintes:
“Artigo 33º
Caducidade da licença de utilização turística

1- A licença de utilização turística caduca:
a) Se o empreendimento turístico não iniciar o seu funcionamento no prazo de um ano a contar da data da emissão do alvará da licença de utilização turística ou do termo do prazo para a sua emissão;
b) Se o empreendimento turístico se mantiver encerrado por período superior a um ano, salvo por motivo de obras;
c) Quando seja dada ao empreendimento uma utilização diferente da prevista no respectivo alvará;
d) Se não for requerida a aprovação da classificação do empreendimento nos termos previstos no artigo seguinte;
e) Quando, por qualquer motivo, o empreendimento não puder ser classificado ou manter a classificação de empreendimento turístico.
2- Caducada a licença de utilização turística, o alvará é apreendido pela câmara municipal, por iniciativa própria, no caso dos parques de campismo públicos, ou a pedido da Direcção-Geral do Turismo, nos restantes casos.
3- A apreensão do alvará tem lugar na sequência de notificação ao respectivo titular, sendo em seguida encerrado o empreendimento.”
Anotações
Legislação: 
CADM36 ART404 N1 N3 ART407 ART408 ART409.
DL 394-B/84 DE 1984/12/28.
DL 103/84 DE 1984/03/30.
DL 252/92 DE 1992/11/19 ART1 ART2 ART3 ART4 N1 N2 N3 A B C D N4 N5 F ART6 ART8 ART29.
DL 316/95 DE 1995/11/28 ART1 A F ART2 ART5 ART11 ART15 ART20ART27 ART33 ART37 ART38 ART39 ART45 ART46 ART47.
DL 167/97 DE 1997/07/04 ART24 N1 ART61 N1 F ART62 ART64 ART71 ART72 ART74 ART75.
DL 168/97 DE 1997/07/04 ART3 N1 ART4 N1 ART7 ART10 N1 ART13 N1 ART38 N1 N5 ART39 N1 C N2 N4 ART41 ART51 ART53 ART54.
CONST92 ART27 N1 ART272 N1 N2.
DL 328/86 DE 1986/09/30 ART1 ART4 N1 M ART5 N1 F N2 ART7 N1 ART9 N1 ART14 N1 N4 ART16 ART15 ART17 N1 N2 ART35 ART36 N1 B ART37 ART38 N1 N2 ART39 N5 ART41 ART55 ART74 N1 N2 C ART75 ART77 ART87.
DEC REG 8/89 DE 1989/03/21 ART1 ART320.
CCIV66 ART7 N2.
Referências Complementares: 
DIR CONST * ORG PODER POL / DIR ADM.
Divulgação
Data: 
29-01-2000
Página: 
1960
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