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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
89/1996, de 12.12.1996
Data do Parecer: 
12-12-1996
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DIREITO INTERNACIONAL
ESTATUTO ORGÂNICO DE MACAU
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA
ACORDO INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA POLÍTICA
TRATADO
POLÍTICA EXTERNA
RESERVA A TRATADO
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DECLARAÇÃO
RESIDENTE DO TERRITÓRIO DE MACAU
VIGÊNCIA
DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
NEGOCIAÇÃO DE TRATADO
DENÚNCIA DE TRATADO
TERRITÓRIO DE MACAU
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
PORTUGAL
REPÚBLICA POPULAR DA CHINA
TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
RESOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS
Conclusões: 
1- Macau não faz parte do território nacional, tal como este se encontra definido no artigo 5, n 1, da Constituição da República portuguesa - é território chinês transitoriamente sob administração portuguesa, regendo-se, no entretanto, por estatuto adequado à sua situação especial;
2- A administração portuguesa findará em 20 de Dezembro de 1999, nos termos da Declaração Conjunta do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau (DCLC) (ratificada pelo Decreto do Presidente da República n 38-A/87, de 14 de Dezembro, publicada no Boletim Oficial de Macau, 3 Suplemento, n 23, de 7 de Junho de 1988, e entrada em vigor a 15 de Janeiro de 1988);
3- A DCLC constitui um verdadeiro instrumento de direito internacional, de que decorrem compromissos cuja quebra faz incorrer em responsabilidade internacional;
4- Ao voltar a assumir o exercício da soberania, a RPC estabelecerá, de acordo com o disposto no artigo 31 da sua Constituição, a Região Administrativa Especial de Macau (RAFEM); após o estabelecimento, as leis, os decretos-leis, previamente vigentes em Macau manter-se-ão, salvo no que contrair o disposto na Lei Básica (aprovada pela Assembleia Popular Nacional em 31 de Março de 1993 e que entrará em vigor em 20 de Dezembro de 1999) ou no que for sujeito a emendas pelo órgão legislativo da RAEM (artigos 2, n (4), da DCLC e III do Anexo I a esta Declaração);
5- A aplicação à RAEM dos acordos internacionais em que a RPC é parte, será decidida pelo Governo Popular Central, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades da RAEM; aqueles em que a RPC não é parte, mas que são aplicados em Macau, poderão continuar a vigorar (artigos VIII do Anexo I à DCLC, e 138 da Lei Básica);
6- Enquanto a matéria de aplicação de acordos internacionais à RAEM foi objecto de regulamentação expressa e específica, nos termos referidos na conclusão anterior, para o período de transição (compreendido entre a data de entrada em vigor da DCLC, e 19 de Dezembro de 1999) a DCLC nada providencia sobre a aplicação ao território de Macau de tratados e acordos internacionais celebrados por Portugal, sendo certo que estes se não aplicam automaticamente a Macau, carecendo, para tanto, de ser publicados no respectivo Boletim Oficial;
7- Decorre, actualmente, um processo negocial entre a parte portuguesa e a parte chinesa que visa interpretar os termos em que instrumentos de direito internacional são aplicáveis a Macau e, do mesmo passo, estabelecer o compromisso da RPC em assegurar a continuidade de aplicação desses instrumentos à RAEM, nos termos acordados;
8- Não obstante o disposto na conclusão 6, o processo negocial referido na conclusão anterior deve obervar, e inspirar-se, nas "políticas fundamentais", e respectivos esclarecimentos, consignados na Declaração Conjunta e seu Anexo I;
9- Entre as políticas fundamentais a obervar releva a definida na segunda parte do n (4) do artigo 2 da DCLC, e respectivo "esclarecimento" (artigo V do AnexoI), pelos quais a RPC se obrigou a assegurar aos "habitantes e outros indivíduos em Macau" todos os direitos e liberdades estipulados nas leis previamente vigentes, designadamente os que aí são enunciados a título exemplificativo;
10- A "política fundamental" e "esclarecimento" referidos na conclusão anterior consubstanciam princípios estruturantes da própria Declaração Conjunta, que a RPC, independentemente de a fonte dos direitos e liberdades ser ou não convencional, está obrigada a respeitar e fazer valer, sob pena de subverter a esssência da própria Declaração;
11- Sem embargo de se aceitarem as especificidades da Questão de Macau, impor-se-á reconhecer que a tutela dos interesses em jogo há-de prosseguir-se e assegurar-se no âmbito negocial, onde, por definição, impera o acordo de vontades.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,

Excelência:





1

O Senhor Presidente da Comissão Inter-Ministerial sobre Macau dirigiu a Vossa Excelência ofício do teor seguinte:

"Uma das questões que tem vindo a ser objecto de negociações no seio do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês (GLC) refere-se à continuação da aplicação em Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999 de instrumentos de Direito Internacional.

Na XXV Reunião do GLC, que teve lugar em Lisboa em Março de 1996, foi alcançado com a Parte chinesa um acordo de princípio abrangendo um conjunto importante de convenções internacionais, com relevo para um núcleo de convenções em matéria de Direitos Fundamentais: Direitos da Criança e das Mulheres, Discriminação Racial, Tortura e Estatuto dos Refugiados, e ainda para as matérias do Tráfico de Estupefacientes, Propriedade Intelectual e Ambiente. Anteriormente, e tendo em conta a premência ditada pela entrada em funcionamento do Aeroporto de Macau, fora já acordada a aplicação dos principais instrumentos concernentes à Aviação Civil Internacional.

Para além destes domínios, há outros ainda em apreciação no GLC ou que deverão oportunamente ser-lhe submetidos.

O entendimento alcançado na XXV Reunião deixou todavia em aberto a questão específica das "modalidades de aplicação" das convenções. Este problema decorre de em muitos casos haver divergência entre as reservas e declarações apresentadas por Portugal e pela República Popular da China.

De um modo geral, estão sobretudo em causa as reservas e declarações chinesas que sistematicamente afastam ou restringem os dispositivos jurisdicionais de resolução de conflitos, uma vez que a RPC não reconhece a competência do Tribunal Internacional de Justiça, ou os mecanismos de controlo de aplicação estabelecidos pelas próprias.

No caso das Convenções sobre a Aviação Civil Internacional, foi adoptada uma solução específica, no sentido de a aplicação em Macau se fazer até 19 de Dezembro de 1999 nos termos em que Portugal é parte e a partir dessa data nos termos em que a China é parte.

Embora aceitável nesta matéria em concreto, esta solução não deve ser entendida como precedente, pois abstrai-se da especificidade de Macau conforme é reconhecida e garantida pela Declaração Conjunta e que implica que reservas e declarações apresentadas pela RPC e consequentes do seu próprio sistema jurídico, político e económico não devam necessariamente ser aplicadas no caso de Macau. Aliás, a própria Declaração Conjunta reconhece as repercussões dessa especificidade neste plano ao admitir a continuação da aplicação na futura Região Administrativa Especial de Macau de instrumentos de Direito Internacional dos quais a própria China não é parte e a possibilidade de a Região celebrar por si própria acordos internacionais em algumas matérias.

A Parte chinesa tem insistido na sua necessidade de fazer uma análise genérica da questão em face da globalidade dos acordos e convenções que devam permanecer em vigor em Macau após o termo do período de transição, antes de poder estabelecer negociações sobre a mesma. Nesse pressuposto, e no sentido de não bloquear o decurso dos procedimentos ainda a desenvolver por Portugal para tornar aplicáveis em Macau a maioria das convenções em causa, a delegação chinesa no GLC propôs a inclusão nos textos das "actas de conversa" que consubstanciarão o entendimento alcançado em relação a cada "pacote" de convenções de um parágrafo especificando que "as duas Partes procederão oportunamente a consultas sobre as modalidades de aplicação das convenções".

Para a Parte portuguesa, importa antes de mais ter uma noção tão exacta quanto possível das implicações que este problema tem nos vários casos que, para já, se encontram na mesa ou em perspectiva de apresentação, a fim de, por um lado, avaliar a importância real da questão e, por outro lado, definir a posição concreta que irá defender nessas mesmas negociações.

É nestes termos que tenho a honra de me dirigir a V. Exa para solicitar o parecer da Procuradoria-Geral da República sobre a questão genérica do tratamento a dar à eventual divergência entre reservas e declarações portuguesas e chinesas e sobre as implicações de que a mesma se reveste em cada uma das convenções da lista que se anexa".

Face à natureza e amplitude das questões, entendeu Vossa Excelência determinar a emissão de parecer, com a urgência possível, termos em que cumpre, assim, prestá-lo.



2

Em anexo ao ofício transcrito são referidas trinta e cinco Convenções (1), agrupadas por ordem temática: Direitos de autor (3), Propriedade industrial (3), Prevenção de práticas discriminatórias (3), Direitos da Criança (3), Refugiados (2), Combate à droga (3), Ambiente (3), Organização Internacional do Trabalho (12) e Escravatura (3).

O desenvolvimento do parecer permitirá compreender melhor que entendamos dispensável, à sua economia, uma análise detalhada do articulado - e respectivas reservas (declarações) da República Portuguesa e da República Popular da China - de cada um desses instrumentos convencionais (o que seria, além do mais, inconciliável com a urgência conferida ao parecer).

Não prosseguiremos, porém, sem tecer breves considerações sobre esse conjunto de Convenções.



2.1. Desde logo, sistematizando-as em obediência a outros critérios, que não exclusivamente temáticos (2). Assim:

A) CONVENÇÕES EM QUE NÃO SÃO PARTE NEM PORTUGAL NEM A CHINA (3):

Convenção para a protecção dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, Produtores de Fonogramas e Organismos de Radiodifusão (Roma, 26/10/1961) (4).

B) CONVENÇÕES EM QUE A CHINA NÃO É PARTE (sendo-o Portugal (5)):

- Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas de 9/9/1886 (completada em Paris a 4/5/1896, revista em Berlim a 13/11/1908, completada em Berna a 20/3/1914 e revista em Roma a 2/6/1928, em Bruxelas a 26/6/1948, em Estocolmo a 14/7/1967 e em Paris a 24/7/1971);

- Convenção Universal sobre Direitos de Autor (concluída no âmbito da Unesco em 6/9/1953, e revista em Paris em 24/7/1971);

- Convenção para a Protecção da Propriedade Industrial (Paris, 20/3/1883);

- Acordo de Madrid relativo ao Registo Internacional de Marcas (adoptado em 14/4/1891, revisto em Bruxelas a 14/12/1900, em Washington a 2/6/1911, em Haia a 6/11/1925, em Londres, a 2/6/1934, em Nice a 15/6/1957 e em Estocolmo a 14/7/1967, e modificado em 2/10/1979);

- Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (Estrasburgo, 26/11/1987);

- Convenção para a Abolição do Tráfico de Pessoas e Exploração da Prostituição de Outrem (Nova Iorque, 21/3/1950).

C) CONVENÇÕES RATIFICADAS POR PORTUGAL E PELA CHINA:

- Acordo de Nice relativo à classificação Internacional dos Produtos e Serviços aos quais se aplica a Marca de Fábrica ou de Comércio (adoptado em 15/6/1957, revisto em Estocolmo a 14/7/1967);

- Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino (adoptada em Paris a 14/12/1960);

- Convenção de Basileia sobre o Controlo de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação (Basileia, 22/3/1989);

- Convenção sobre a Diversidade Biológica (Rio de Janeiro, 5/6/1992);

- Convenção-quadro sobre Alterações Climáticas (Nova Iorque, 9/5/1992);

- Convenção relativa à Escravatura (Genebra, 25/9/1926);

- Convenção Suplementar relativa à Abolição da Escravatura e Tráfico de Escravos (Genebra, 7/9/1956) (6);

- Convenção sobre a Idade Mínima - Trabalho Marítimo (Génova, 15/6/1920);

- Convenção sobre os Métodos de Fixação dos Salários Mínimos (concluída em 1928);

- Convenção sobre a Igualdade de Remuneração (concluída em 29/6/1951).

D) CONVENÇÕES RATIFICADAS (mas em relação às quais a China não efectuou, até ao momento, o registo de ratificação)

- Convenção sobre o Trabalho Forçado (Genebra, 10/6/1930) (7);

- Convenção sobre a Inspecção do Trabalho (concluída em 11/7/1947);

- Convenção sobre o Serviço de Emprego (S. Francisco, 9/7/1948);

- Convenção sobre o Trabalho Nocturno (Mulheres) (Genebra, 31/8/1948) (8);

- Convenção sobre o Direito de Organização e de Negociação Colectiva (Genebra, 1/7/1949);

- Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado (Genebra, 21/6/1957);

- Convenção sobre o Descanso Semanal (Comércio e Serviços) (Genebra, 26/6/1957);

- Convenção relativa à Discriminação (Emprego e Profissão) (concluída em 25/6/1958);

- Convenção sobre a Política de Emprego (Genebra, 9/7/1964) (9).

E) CONVENÇÕES EM QUE FORAM FORMULADAS RESERVAS (DECLARAÇÕES) (10):

- Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Nova Iorque, 7/3/1966) (11);

- Convenção Internacional para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres (Nova Iorque, 18/12/1979) (12):

- Convenção relativa aos Direitos da Criança (Nova Iorque, 20/11/1989) (13);

- Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Crueis, Desumanos ou Degradantes (concluída em 10/12/1984) (14);

- Convenção relativa ao Estatuto do Refugiado (Genebra, 28/7/1951) (15);

- Protocolo Adicional (Nova Iorque, 31/1/1967) (16);

- Convenção Única sobre Estupefacientes (Nova Iorque, 30/3/1961) (17);

- Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (Viena, 21/2/1971) (18);

- Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Viena, 20/12/1988) (19).



2.2. Atendendo à data de conclusão - e, bem assim, da ratificação - de alguns dos instrumentos convencionais importará registar o seguinte.

A China é Membro originário das Nações Unidas, tendo a Carta sido assinada e ratificada em seu nome - a 26 de Junho e 28 de Setembro de 1945, respectivamente -, pelo Governo da República da China, que continuadamente representou a China nas Nações Unidas até 25 de Outubro de 1971.

A 1 de Outubro de 1949 foi, porém, constituído o Governo Popular Central da República Popular da China, constituição notificada às Nações Unidas a 18 de Novembro de 1949.

A partir desta data foram apresentadas, sem êxito, diversas propostas visando modificar a representação da China nas Nações Unidas, mas só em 25 de Outubro de 1971 a Assembleia Geral adoptou a Resolução 2785 (XXVI), com o conteúdo seguinte:

"L’Assemblée générale,

"Rappelant les principes de la Charte des Nations Unies.

"Considérant que le rétablissement des droits légitimes de la République populaire de Chine est indispensable à la sauvegarde de la Charte des Nations Unies et à la cause que l’Organisation doit servir conformément à la Charte,

"Reconnaissant que les représentants du Gouvernement de la République populaire de Chine sont les seuls représentants légitimes de la Chine à l’Organisation des Natons Unies et que la Republique populaire de Chine est un des cinq membres permanents du Conseil de sécurité.

"Décide le rétablissement de la République populaire de Chine dans tous ses droits et la reconnaissance des représentants de son gouvernement comme les seuls représentants légitimes de la Chine à l’Organisation des Nations Unies, ainsi que l’expulsion inmédiate des représentants de Tchang Kaï--chek du siège qu’ils occupent illégalement à l’Organisation des Nations Unies et dans tous les organismes qui s’y rattachent" (20).

Posteriormente (29 de Setembro de 1972), o Secretário Geral das Nações Unidas recebeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China, a seguinte comunicação:

"1. En ce qui concerne les traités multilatéraux que le défunt Gouvernement chinois a signés ou ratifiés ou auxquels il a adhéré avant l’établissement du Gouvernement de la République populaire de Chine, mon gouvernement en examinera la teneur avant de décider, à la lumière des circonstances, s’ils devraient ou non être reconnus.

2. À compter du 1er octobre 1949, jour de la fondation de la République populaire de Chine, la clique de Tchang Kaï-chec n’a aucun droit de représenter la Chine. Ses signature et ratification de tout traité multilatéral, ou son adhésion à tout traité multilatéral, en usurpant le nom de la "Chine", sont toutes illégales et dénuées le tout effet. Mon gouvernement étudiera ces traités multilatéraux avant de décider à la lumière des circonstances s’il conviendrait ou non d’y adhérer" (21).



2.3. No ofício da Comissão Inter-Ministerial sobre Macau diz-se que estão sobretudo em causa "as reservas e declarações chinesas que sistematicamente afastam ou restringem os dispositivos jurisdicionais de resolução de conflitos, uma vez que a RPC não reconhece a competência do Tribunal Internacional de Justiça, ou os mecanismos de controlo de aplicação estabelecidos pelas próprias".

Dispõe o artigo 36º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça:

"1. A competência do Tribunal abrange todas as questões que as partes lhe submetem, bem como todos os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou em tratados e convenções em vigor.

2. Os Estados partes do presente Estatuto poderão, em qualquer momento, declarar que reconhecem como obrigatória ipso facto e sem acordo especial, em relação a qualquer outro Estado que aceite a mesma obrigação, a jurisdição do Tribunal em todas as controvérsias jurídicas que tenham por objecto:

a) A interpretação de um tratado;

b) Qualquer questão de direito internacional;

c) A existência de qualquer facto que, se verificado, constituiria violação de um compromisso internacional;

d) A natureza ou a extensão da reparação devida pela ruptura de um compromisso internacional.

3. As declarações acima mencionadas poderão ser feitas pura e simplesmente ou sob condição de reciprocidade da parte de vários ou de certos Estados, ou por prazo determinado.

4. Tais declarações serão depositadas junto do Secretário-Geral das Nações Unidas, que as transmitirá, por cópia, às partes contratantes do presente Estatuto e ao escrivão do Tribunal.

5. Nas relações entre as partes contratantes do presente Estatuto, as declarações feitas de acordo com o artigo 36º do Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional e que ainda estejam em vigor serão consideradas como importando a aceitação da jurisdição obrigatória do Tribunal Internacional de Justiça, pelo período em que ainda devem vigorar e em conformidade com os seus termos.

6. Qualquer controvérsia sobre a jusrisdição do Tribunal será resolvida por decisão do próprio Tribunal".



2.3.1. Ao abrigo do disposto no nº 2 deste artigo 36º, Portugal produziu a seguinte declaração:

"En vertu du paragraphe 2 de l’article 36 du Statut de la Cour Internationale de Justice, je déclare, au nom du Gouvernement portugais, que le Portugal reconnait comme obligatoire de plein droit et sans convention spéciale la juridiction de la Cour, conformément audit paragraphe 2 de l’article 36 et dans les conditions énoncées ci-après:

1) La présente déclaration s’applique aux différends nés d’événements survenus avant ou après la déclaration d’acceptation de la "disposition facultative" que le Portugal a faite le 16 décembre 1920, en tant que partie au Statut de la Cour Permanente de Justice Internationale.

2) La présente déclaration entre en vigueur à la date de son dépôt auprès du Secrétaire général de l’Organisation des Nations Unies; elle demeurera en vigueur pendant un an et, par la suite, jusqu’à ce qu’une notification de dénonciation soit adressée au Secrétaire général.

3) Le Gouvernement portugais se réserve le droit d’exclure du champ d’application de la présente déclaration à tout moment au cours de sa validité, une ou plusieurs catégories déterminées de différends, en adressant au Secrétaire géneral de l’Organisation des Nations Unies une notification qui prendra effet à la date ou elle aura été donnée". (22).



2.3.2. No tocante à China, uma declaração reconhecendo como obrigatória a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça foi depositada a 26 de Outubro de 1946 junto do Secretário Geral, em nome da República da China (23).

Porém, nos termos de uma comunicação recebida pelo Secretário Geral a 5 de Dezembro de 1972, o Governo da República Popular da China declarou que não reconhecia a declaração feita a 26 de Outubro de 1946 pelo antigo Governo chinês (24).



3

3.1. A descolonização subsequente à Revolução de 25 de Abril não tornou Macau um Estado independente - permaneceu transitoriamente sob administração portuguesa, aguardando a sua reintegração (reassumpção/reversão) na soberania da China (25).

Macau não faz parte do território nacional, tal como este se encontra definido no artigo 5º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) - é território chinês transitoriamente sob administração portuguesa, regendo-se, entretanto, por estatuto adequado à sua situação especial (artigo 292º, nº 1) (26).

A prática de actos relativos ao território de Macau está sujeita a "reserva de estatuto" - a competência do Presidente da República é concretamente delimitada pelo estatuto de Macau (artigo 137º, alínea i), da CRP).



3.2. O estatuto do território de Macau constante da Lei nº 1/76, de 17 de Fevereiro, sofreu alterações introduzidas pelas Leis nº 53/79, nº 13/90 e nº 23-A/96, de 14 de Setembro, 10 de Maio e 29 de Julho, respectivamente.

O território de Macau constitui uma pessoa colectiva de direito público e goza, com ressalva dos princípios e no respeito dos direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição e no presente Estatuto, de autonomia administrativa, económica, financeira, legislativa e judiciária (artigo 2º do Estatuto Orgânico de Macau - EOM -, na redacção da Lei nº 23-A/96).



3.2.1. Nas relações com países estrangeiros e na celebração de acordos ou convenções internacionais, a representação de Macau compete ao Presidente da República (27), que a pode delegar no Governador quanto a matérias de interesse exclusivo do território; a aplicação no território de acordos ou convenções internacionais para cuja celebração não tenha sido concedida a referida delegação, será precedida da audição dos órgãos de governo próprio do território (artigo 3º, nºs 2 e 3).

Os acordos e convenções internacionais e os diplomas legais entrarão em vigor no território de Macau, salvo declaração especial, no prazo de cinco dias contados a partir da publicação no Boletim Oficial (artigo 70º) (28).

Dispõe, por seu turno, o artigo 69º:

"1. Os diplomas legais emanados dos órgãos de soberania da República que devam ter aplicação no território de Macau conterão a menção de que devem ser publicados no Boletim Oficial e serão aí obrigatoriamente publicados, mantendo a data da publicação no Diário da República.

2. Só entrarão, porém, em vigor no território de Macau depois de transcritos no respectivo Boletim Oficial, salvo se deverem aplicar-se imediatamente por declaração inserta nos próprios diplomas; a transcrição será, em qualquer caso, obrigatoriamente feita num dos primeiros números do Boletim Oficial que forem publicados depois da chegada do Diário da República.

3. .........................................................................................." (29).



4

Ressalta claro do inciso normativo contido no nº 1 do artigo 292º da CRP - «enquanto se mantiver sob administração portuguesa»-, que esta é uma situação transitória.

Na verdade, a administração portuguesa findará em 20 de Dezembro de 1999 (30) nos termos da Declaração Conjunta (DCLC) do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau (31), instituindo-se um período de transição (compreendido entre a data de entrada em vigor da DCLC e 19 de Dezembro de 1999) durante o qual o Governo da República Portuguesa (R.P.) será responsável pela administração de Macau, sem embargo da cooperação amigável do Governo da República Popular da China (RPC) nesse sentido.

Por comodidade de exposição ensaiaremos recensear desde já os princípios fundamentais da DCLC, e seus Anexos, recolhendo os passos julgados mais significativos para a economia e desenvolvimento do presente parecer.



4.1. A região de Macau (incluindo a Península de Macau, a Ilha da Taipa e a Ilha de Coloane) faz parte do território chinês e o Governo da RPC voltará a assumir o exercício da soberania sobre Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999) (32).

A partir desta data, e em conformidade com o princípio «um país, dois sistemas» não se aplicam em Macau o sistema e as políticas socialistas, e a RPC aplicará em relação a Macau, entre outras, as seguintes políticas fundamentais:


a) Ao voltar a assumir o exercício da soberania estabelecerá, de acordo com o disposto no artigo 31º da Constituição da RPC, a Região Administrativa Especial de Macau da RPC (RAEM), que ficará directamente subordinada ao Governo Popular Central da RPC e à qual serão atribuídos poderes executivo, legislativo e judicial independente;

b) Após o estabelecimento da RAEM as leis vigentes manter-se-ão basicamente inalteradas (artigo 2º, nº (4)), da DCLC) - «as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau manter-se-ão, salvo no que contrariar o disposto na Lei Básica ou no que for sujeito a emendas pelo órgão legislativo da RAEM» (artigo III do Anexo I) (33); estes «diplomas», bem como a Lei Básica e as leis criadas pela RAEM constituirão o seu ordenamento jurídico;

c) A RAEM assegurará, em conformidade com a lei, todos os direitos e liberdades dos habitantes e outros indivíduos em Macau, designadamente as liberdades pessoais, a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, de deslocação e migração, de greve. de escolha de profissão, de investigação académica, de religião e de crença, de comunicações e o direito à propriedade privada (segunda parte do nº (4) do citado artigo 2. da DCLC);

d) Em estreita conexão com a "política fundamental" que acabamos de enunciar, o artigo V do Anexo I "esclarece" o seguinte:

"A Região Administrativa Especial de Macau assegurará, em conformidade com a lei, todos os direitos e liberdades dos habitantes e outros indivíduos em Macau, estipulados pelas leis previamente vigentes em Macau, designadamente as liberdades pessoais, a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de manifestação, de associação (nomeadamente de constituir e de participar em associações cívicas), de organização e de participação em sindicatos, de deslocação e de migração, de escolha de profissão e de emprego, de greve, de praticar a sua religião e de crença, de ensino e de investigação académica; o direito à inviolabilidade do domicílio, das comunicações e de acesso ao direito e à justiça; o direito à propriedade privada, nomeadamente de empresas, à sua transmissão e à sua sucessão por herança e ao pagamento sem demora injustificada de uma indemnização apropriada em caso de expropriação legal; a liberdade de contrair casamento e o direito de constituir família e de livre procriação.

Os habitantes da Região Administrativa Especial de Macau e os outros indivíduos que aí se encontrem são iguais perante a lei, sem discriminações em razão da nacionalidade, ascendência, sexo, raça, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social".



e) Com a denominação "Macau, China», a RAEM poderá manter e desenvolver, por si própria, relações económicas e culturais e nesse âmbito celebrar acordos com os países, regiões e organizações internacionais interessados (artigo 2º, nº (7), da DCLC); e o Governo Popular Central apoiará ou autorizará o Governo da RAEM a negociar e celebrar acordos de abolição de vistos (artigo IX, in fine, do Anexo I);

f) As políticas fundamentais mencionadas (no artigo 2º) e os respectivos esclarecimentos no Anexo I (da RPC) serão estipulados numa Lei Básica da RAEM pela Assembleia Popular Nacional da RPC e permanecerão inalterados durante cinquenta anos (34).


4.2. Permita-se que, embora sucintamente, se destaquem desde já, conferindo-lhes a ênfase devida, a "política fundamental" e o "esclarecimento" que deixámos consignados, respectivamente, nas anteriores alíneas c) e d).

Na verdade, aí se proclama e dispõe que a RAEM assegurará todos os direitos e liberdades estipulados pelas leis previamente vigentes em Macau, enunciando, de seguida, a título meramente exemplificativo, um conjunto valioso e significativo de direitos e liberdades fundamentais; do mesmo passo, também se estabelece o princípio da igualdade perante a lei.

Dir-se-á que, assim, se constituiu um repositório de princípios estruturantes da própria DCLC, que a RPC se obrigou (está obrigada) a respeitar e fazer valer, os quais não poderão ser postos em causa, sob pena de subversão do conteúdo essencial da própria Declaração Conjunta.

Definiu-se, pois, um núcleo fundamental de direitos, liberdades e garantias, que a RPC aceitou, obrigando-se a assegurá-los em relação aos "habitantes e outros indivíduos em Macau".

Acrescente-se, ademais, que muitos desses direitos e liberdades se inscrevem em normas de direito internacional, que, por isso, primam sobre as normas de direito ordinário interno.



4.3. Atenta a consulta, a matéria das relações externas - e dos acordos internacionais - justificará particular atenção.

Após o artigo 2º, nº (2), da DCLC proclamar que a RAEM gozará de um alto grau de autonomia, excepto nas relações externas (e na defesa), que são da competência do Governo Popular Central - segmento textualmente reproduzido no artigo I do Anexo I -, a parte final deste artigo I «esclarece» que o Governo Popular Central autorizará a RAEM a tratar, por si própria, dos assuntos relativos às relações externas especificados no artigo VIII (do Anexo I), do seguinte teor:

«Sujeita ao princípio de que as relações externas são da competência do Governo Popular Central, a RAEM poderá, com a denominação de "Macau, China», manter e desenvolver por si própria relações, celebrar e executar acordos com países, regiões e organizações internacionais ou regionais interessadas nos domínios apropriados, designadamente os da economia, comércio, finanças, transportes marítimos, comunicações, turismo, cultura, ciência, tecnologia e desporto. Representantes do Governo da RAEM poderão participar, como membros de delegações governamentais da RPC, nas organizações e conferências internacionais nos domínios apropriados, limitadas aos Estados e relacionadas com a RAEM, ou fazê-lo na qualidade que for permitida pelo Governo Popular Central ou pelas organizações e conferências internacionais interessadas acima mencionadas, podendo ainda nelas exprimir pareceres com a denominação de "Macau, China". A RAEM poderá participar, com a denominação de "Macau, China", nas organizações e conferências internaci
onais não limitadas aos Estados. Representantes do Governo da RAEM poderão participar, como membros de delegações governamentais da RPC, em negociações diplomáticas conduzidas pelo Governo Popular Central que estejam directamente relacionadas com a RAEM.

A aplicação à RAEM dos acordos internacionais em que a RPC é parte, será decidida pelo Governo Popular Central, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades da RAEM e após ouvir o parecer do Governo da RAEM. Os acordos internacionais em que a RPC não é parte, mas que são aplicados em Macau, poderão continuar a vigorar. O Governo Popular Central autorizará ou apoiará, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades, o Governo da RAEM a fazer arranjos apropriados à aplicação na RAEM de outros acordos internacionais com ela relacionados.

Conforme as circunstâncias e segundo as necessidades da RAEM, o Governo Popular Central adoptará medidas para que a RAEM possa continuar a manter, de forma apropriada, o seu estatuto nas organizações internacionais em que é parte a RPC e Macau também participa numa forma ou noutra. Quanto às organizações internacionais em que a RPC não é parte, mas nas quais Macau participa numa forma ou noutra, o Governo Popular Central facilitará, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades, a continuada participação da RAEM, de forma apropriada, nessas organizações.

................................................................................................».



4.4. Dir-se-á, por último, que o Governo da RP e o Governo da RPC, tendo acordado em executar a DCLC e seus Anexos, instituiram um Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês (GLC), a fim de assegurar a aplicação efectiva da DCLC, e criar as condições apropriadas para a transferência de poderes em 1999.

O GLC será um órgão de ligação, consulta e troca de informações entre os dois Governos, que não interferirá na administração de Macau nem desempenhará qualquer papel de supervisão sobre a mesma administração, e cujas funções serão:

«a) efectuar consultas sobre a aplicação da DCLC e seus anexos;

b) trocar informações e efectuar consultas sobre os assuntos relacionados com a transferência de poderes em Macau em 1999;

c) efectuar consultas sobre as acções dos dois Governos necessárias à manutenção e ao desenvolvimento das relações económicas, culturais e outras da RAEM com o exterior;

d) trocar informações e efectuar consultas sobre outros assuntos que venham a ser acordados pelas duas partes.

Os assuntos em que exista desacordo no GLC serão remetidos aos dois Governos para resolução mediante consultas» (artigo 2º, do nº I do Anexo II).



5

Na sequência da DCLC, a Assembleia Popular Nacional decidiu, em 31 de Março de 1993, que se estabelecerá , em 20 de Dezembro de 1999, a RAEM; naquela mesma data também aprovou a Lei Básica (e seus Anexos I, II, e III) da RAEM, que entrará em vigor em 20 de Dezembro de 1999.

Esta Lei Básica compreende 9 capítulos:

Capítulo I - Princípios gerais

Capítulos II - Relacionamento entre as Autoridades Centrais e a RAEM

Capítulo III - Direitos e deveres fundamentais dos residentes

Capítulo IV - Estrutura política

Capítulo V - Economia

Capítulo VI - Cultura e assuntos sociais

Capítulo VII - Assuntos externos

Capítulo VIII- Interpretação e revisão desta Lei

Capítulo IX - Disposições complementares.

Poder-se-á afirmar que o essencial da DCLC, e seu Anexo I, se encontra vertido com grande fidelidade, por vezes textualmente, na Lei Básica (35).

Assim, e no que aqui nos importa, o artigo 1º proclama que a RAEM é parte inalienável da RPC, que goza de um alto grau de autonomia e fica directamente subordinada ao Governo Popular Central.



5.1. No tocante ao ordenamento jurídico, os artigo 8º e 18º recolhem, no fundamental, o que, a tal propósito, se dispõe na DCLC e Anexo I; apenas interessará referir que, nos termos deste artigo 18º, as leis nacionais não se aplicam na RAEM, salvo as indicadas no Anexo III - que serão aplicadas localmente, com efeito a partir de 20 de Dezembro de 1999, mediante publicação ou acto legislativo da RAEM:

«1. Resolução sobre a Capital, o Calendário, o Hino Nacional e a Bandeira Nacional da RPC;

2. Resolução sobre o Dia Nacional da RPC;

3. Lei da Nacionalidade da RPC;

4. Regulamentos da RPC relativos a Privilégios e Imunidades Diplomáticas;

5. Regulamentos da RPC relativos a Privilégios e Imunidades Consulares;

6. Lei da Bandeira Nacional da RPC;

7. Lei do Emblema Nacional da RPC;

8. Lei sobre as Águas Territoriais e Zonas Adjacentes».

Neste domínio, o artigo 145º prescreve que, «ao estabelecer-se a RAEM, as leis anteriormente vigentes em Macau são adoptadas como leis da Região, salvo no que seja declarado pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional como contrário a esta. Se alguma lei for posteriormente descoberta como contrária a esta Lei, pode ser alterada ou deixar de vigorar, em conformidade com as disposições desta Lei e com os procedimentos legais».



5.2. Aos "assuntos externos» é dedicado todo o capítulo VII (artigos 135º a 142º), mas já antes o artigo 13º estabelece que o Governo Popular Central é responsável pelos «assuntos das relações externas» relativos à RAEM, para o que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da RPC estabelecerá em Macau uma representação.

Os artigos 135º (participação em negociações diplomáticas), 136º (celebração e execução de acordos) e 137º (participação em organizações e conferências internacionais) reproduzem quase literalmente o que já se dispõe no artigo VIII do Anexo I; o mesmo se diga do artigo 140º (acordos de abolição de vistos) em relação à parte final do artigo IX do mesmo Anexo.



5.3. Mas é ao artigo 138º (36) - reprodução textual do artigo VIII do Anexo I (apenas alguns tempos de verbo passaram do futuro para o presente do indicativo) - que cumpre conferir especial destaque e atenção, tendo em conta o tema da consulta.

Nele se dispõe:

"A aplicação à RAEM dos acordos internacionais em que a RPC é parte, é decidida pelo Governo Popular Central, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades da RAEM e após ouvir o parecer do Governo da RAEM.

Os acordos internacionais em que a RPC não é parte, mas que são aplicados em Macau, podem continuar a vigorar. O Governo Popular Central autoriza ou apoia, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades, o Governo da RAEM a fazer arranjos apropriados à aplicação na RAEM de outros acordos internacionais com ela relacionados".



5.3.1. Esta disposição- em plena sintonia com a DCLC e Anexo I, repete-se - contém a disciplina que há-de reger a aplicação à RAEM (portanto, a partir de 20 de Dezembro de 1999) de acordos internacionais (37).

Para tanto, distingue três "tipos" de acordos:

- acordos internacionais em que a RPC é parte;

- acordos internacionais em que a RPC não é parte, mas que são aplicados em Macau;

- outros acordos internacionais relacionados com a RAEM.

E consoante os "acordos", assim os regimes (diferenciados):

- quanto aos primeiros, a sua aplicação é decidida pelo Governo Popular Central, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades da RAEM;

- no tocante aos acordos em que a RPC não é parte, mas que são aplicados em Macau, admite-se a possibilidade de continuarem a vigorar (e aqui, note-se, não se manda atender às circunstâncias e necessidades da RAEM);

- finalmente, no respeitante aos outros acordos internacionais relacionados com a RAEM, é o Governo Popular Central que autoriza o Governo da RAEM, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades, a fazer "arranjos" apropriados à sua aplicação.



5.4. Embora se nos afigure, face aos termos da "declaração" (artigo VIII do Anexo I) e do transcrito artigo 138º da LB, que se estabelece uma diferenciação, tal como deixámos assinalado, diferente parece ser o entendimento - ou, porventura, a perspectiva - de Jorge Costa Oliveira (38) ao escrever: "Da ratio da norma [ refere-se ao d 2 do artigo 138º] parece decorrer que esta não se aplica apenas aos acordos internacionais em que a RPC não é parte, mas sim a todos os que sejam aplicáveis em Macau em 19 de Dezembro de 1999, seja ou não a RPC parte neles".

E no tocante à possibilidade de os acordos internacionais aplicáveis em Macau continuarem a vigorar, este mesmo Autor, após ponderar que essa possibilidade parece não implicar a necessidade de qualquer acto das autoridades competentes da RAEM ou da RPC, prossegue:

"Aquelas podem, contudo, a qualquer momento, de acordo com o que em cada instrumento de Direito Internacional se disponha, denunciar o acordo. Em nossa opinião, deve entender-se ... que os tratados ou acordos internacionais em causa continuam a vigorar, salvo se forem denunciados ou se por qualquer outra razão de Direito Internacional deixarem de dever aplicar-se a Macau. Seria, contudo, preferível que ficasse claro, também neste domínio, o princípio da continuidade do ordenamento jurídico".



5.5. Retenha-se, assim, que nesta matéria de aplicação de acordos internacionais à RAEM, a partir de 20 de Dezembro de 1999, não se prevê qualquer "actuação" por parte do Governo da República Portuguesa - voltando a RPC a assumir o exercício da soberania sobre Macau (que já hoje faz parte do território chinês) , essa actuação seria, na verdade, inaceitável à luz do direito internacional, atentando contra uma ordem jurídica soberana.

E para o período de transição, sublinhe-se, a DCLC limita-se a estabelecer que o Governo da RP será responsável pela administração de Macau, nada providenciando sobre este ponto específico (39).

Assim, interessará tão-só recordar que a aplicação no território de Macau de acordos ou convenções internacionais, para cuja celebração não tenha sido concedida delegação no Governador, será precedida de audição dos órgãos do governo próprio do território (artigo 3º, n ºs 2 e3, do EOM), havendo ainda que atender, quanto a essa aplicação e entrada em vigor, ao disposto nos artigos 69º e 70º do mesmo Estatuto (40).



6

6.1. A problemática da sucessão de Estados tem sido debatida - com razoável imprecisão, sublinhou-se no parecer nº 157/77 (41) - em torno dos interesses públicos ou privados susceptíveis de serem afectados quando a ordem jurídica de um novo Estado competente em determinado território se substitui à ordem jurídica do Estado anteriormente competente; com efeito, a criação de um novo Estado implica, em princípio, a substituição da ordem jurídica anterior pela sua própria ordem jurídica.

Os interesses susceptíveis de serem postos em causa na sucessão de Estados são múltiplos e variados; reconhece-se, porém, que a tutela desses interesses se assegura em geral através de acordos, realizados caso a caso - quando muito, os tratadistas falam de certas tendências extraídas da prática, relativamente à sorte dos tratados concluídos pelo Estado antecessor.



6.2. Em termos mais amplos, mas porventura mais próximos da temática que aqui mais interessa relevar, escreveu-se no parecer nº 20/84 (42) que a substituição quanto a um dado território da competência territorial de um Estado à de outro é fenómeno bem conhecido em direito internacional, podendo resultar de fusão - surge um Estado novo constituído por vários Estados antigos que desaparecem -, desmembramento - vários novos Estados surgem no lugar de um Estado que desaparece -, anexação total - um Estado antigo incorpora totalmente o território de outros Estados antigos que deixam de existir -, anexação parcial - modificação da fronteira comum de dois Estados antigos -, ou cisão - um Estado antigo perde parte do seu território, nele nascendo um novo Estado.

Em todas estas hipóteses de sucessão (43) são numerosas as dificuldades jurídicas a superar, podendo, todavia, estender-se uma regra comum a todas elas: a ordem jurídica do Estado predecessor tende a ser substituída pela do Estado sucessor (44).

Regra que, porém, exprime apenas uma tendência, já que não interessa, em geral, nem à comunidade internacional no seu conjunto nem aos Estados terceiros, nem sequer ao Estado sucessor, negligenciar interesses que dizem respeito quer aos habitantes do território em questão, no âmbito das suas relações privadas, quer aos compromissos internacionais que interessam ao mesmo território e às situações jurídicas com ele conexas e que estabelecem ligação com Estados terceiros ou estrangeiros.

"Daí que - prossegue o parecer que estamos a acompanhar - o grau de continuidade da ordem jurídica antiga e da ordem júridica nova varie, em larga medida, em função de cada uma das hipóteses de sucessão concretamente consideradas: será, em regra, elevado no caso de Estados antigos que se fundem livremente e convencionalmente para a constituição de um Estado novo, diminuirá perante a necessidade de libertação em relação à ordem jurídica do Estado predecessor nas hipóteses de descolonização ou de libertação nacional (figura da cisão ...).

"Na falta de convenção que no momento da ‘mutação territorial’ regule o conjunto das questões por ela suscitadas, não é fácil encontrar regras de direito internacional público susceptíveis de fornecerem orientações precisas ; como refere Paul Reuter, o que se pode dizer é que existe na matéria um certo número de directrizes que permitem ... , em certos casos concretos, criar as bases de uma decisão judiciária, mas seria imprudente afirmar que isto é possível de uma maneira geral (x) ".



6.3. Tendo a Comissão de Direito Internacional empreendido a codificação do Direito Internacional neste domínio, distinguiu a "sucessão nos tratados" e a "sucessão nos direitos e obrigações resultantes de outras fontes que não os tratados".



6.3.1. Assim, o conceito de sucessão de Estados veio a obter consagração na Convenção de Viena de 1978 sobre sucessão de Estados em matéria de Tratados (45), significando a substituição de um Estado por outro na responsabilidade das relações internacionais de um território (artigo 2º, nº 1, alínea b)) (46).

O artigo 16º (integrado na Parte III - Estados de recente independência) desta Convenção perfilha, de algum modo, o princípio da tábua rasa (47) em matéria de tratados, por ele se devendo entender a livre opção (faculdade) reconhecida aos Estados ora independentes, que são livres de decidir, por eles próprios, se querem continuar ou não a aplicar os tratados concluídos pelo seu predecessor e aplicáveis ao seu território (48).



6.3.2. Interessará conhecer ainda algumas normas compreendidas na secção II (Tratados multilaterais) da referida parte III, a começar pelo artigo 17º("Participação em tratados em vigor na data da sucessão de Estados "):

"1. Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3, um Estado de recente independência (49) poderá, mediante uma notificação de sucessão, fazer constar a sua qualidade de parte em qualquer tratado multilateral que, na data da sucessão de Estados, estivesse em vigor relativamente ao território a que se refere a sucessão de Estados.

2. O nº 1 não se aplicará se se depreender do tratado ou constar de outro modo que a aplicação do tratado relativamente ao Estado de recente independência seria incompatível com o objecto e o fim do tratado ou alteraria radicalmente as condições da sua execução.

3. ............................................................................................."

Por seu turno, dispõe o artigo 18º ("Participação em tratados que não estejam em vigor na data da sucessão de Estados"):

"1 Sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4, um Estado de recente independência poderá, mediante uma notificação de sucessão, fazer constar a sua qualidade de Estado contratante num tratado multilateral, que não estivesse em vigor, se, na data da sucessão de Estados, o Estado predecessor fosse um Estado contratante relativamente ao território a que se refere tal sucessão de Estados.

2. ..............................................................................................".

Atente-se, por último, no que se estipula no artigo 20º, epigrafado de "Reservas":

"1. Quando um Estado de recente independência faça constar, mediante uma notificação de sucessão, a sua qualidade de parte ou Estado contratante num tratado multilateral em virtude dos artigos 17º e 18º, entender-se-à que mantém qualquer reserva a esse tratado que fosse aplicável na data da sucessão realtivamente ao território a que se refere a sucessão de Estados, a menos que, ao fazer a notificação de sucessão, expresse intenção contrária ou formule uma reserva respeitante à mesma matéria que aquela reserva.

2. Ao fazer uma notificação de sucessão pela qual faça constar a sua qualidade de parte ou Estado contratante num tratado multilateral em virtude dos artigos 17º ou 18º, um Estado de recente independência poderá formular uma reserva, a menos que esta seja uma daquelas cuja formulação ficaria excluída em virtude do disposto nas alíneas a), b) ou c) do artigo 19º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

3. Quando um Estado de recente independência formula uma reserva em conformidade com o número 2, aplicar-se-ão, relativamente a essa reserva, as normas enunciadas nos artigos 20º a 23º da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados".



6.3.3. Uma precisão e clarificação de ordem geral importa aqui fazer, já que é indispensável distinguir, neste domínio, consoante sublinha a Comissão de Direito Internacional, dois problemas diferentes e independentes um do outro, assim equacionados:

- tem o Estado sucessor a obrigação de continuar a aplicar os tratados ao seu território após a sucessão?

- tem o Estado sucessor o direito de se considerar ele próprio parte nesses tratados em seu próprio nome, após a sucessão?

Em princípio deve ser negativa a resposta para a primeira questão, e positiva para a segunda (50) .



7

7.1. Reserva é a declaração feita por um Estado no momento da aceitação (lato sensu) de uma convenção, da sua vontade de se eximir de certas obrigações dela resultantes ou de definir o entendimento que dá a certas, ou a todas, dessas obrigações (51).

Por outras palavras: reserva é uma declaração unilateral visando limitar ou restringir o conteúdo ou o valor das obrigações derivadas de um tratado (52).
7.2. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (53), de 23 de Maio de 1969, contém a seguinte definição de reserva:

"declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua designação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a este Estado" (artigo 2º, nº 1, alínea d)) (54).



7.3. Partindo deste conceito, entende-se que a reserva é "um elemento de particularismo da situação do Estado perante a convenção, e por isso só se põe quanto às convenções multilaterais. Na verdade, se o tratado é bilateral, a reserva formulada por um dos Estados ou equivale à recusa de ratificação, ou à proposta de novo texto para o tratado. Se a outra parte aceita a reserva, modifica-se o texto do tratado; se a não aceita, não se forma o acordo de vontades e não existe tratado" (55).



7.4. Por seu turno, a Comissão de Direito Internacional ponderou (56):

"La necessité de cette définition (des reserves) vient de ce qu’il n’est pas rare que les États lorsqu’ils signent, ratifient, acceptent ou aprouvent um traité, ou y adhèrent, fassent des déclarations sur la maniére dont ils comprennent telle ou telle question ou sur leur interprétation d’une disposition particulière. Ces déclarations peuvent se borner à preciser la position d’un État ou,au contraire, avoir la valeur d’une réserve, selon qu’elles ont ou non pour effet de modifier ou exclure l’application des clauses du traité, telles qu’elles ressortent du texte adopté".

E, a tal propósito, no parecer nº 29/93 considerou-se que "a declaração pela qual o Estado manifesta que o tratado tem, para si, esta ou aquela interpretação, dá pela designação doutrinária de . Mas, observa-se, a essência é a mesma da reserva, uma vez que o Estado fica obrigado apenas nos limites da sua interpretação (x). Esta, aliás, a posição de larga maioria da doutrina, que aceita que a declaração interpretativa pode constituir uma verdadeira reserva, tal como é definida no artigo 2º, nº 1, da Convenção de Viena (xx)".



7.5. Neste contexo, permita-se ainda uma referência ao disposto no nº 5 do artigo 20º da referida Convenção de Viena, do seguinte teor:

"Para os fins dos parágrafos 2 e 4, e a menos que o tratado disponha diversamente, uma reserva é tida como aceite por um Estado se este último não formulou qualquer objecção à reserva, quer até ao decurso dos doze meses que seguem à data em que recebeu a notificação, quer no momento em que exprimiu o seu consentimento a vincular-se pelo tratado, se o fez posteriormente" (57).

Se bem pensamos, o mecanismo previsto nesta norma traduzir-se-á, ou poderá traduzir-se, numa diminuição de casos de divergências de reservas entre os Estados; porventura melhor - significará que, na prática, poderá haver um número mais reduzido de reservas divergentes, ajudando também, e sobretudo, a clarificar os entendimentos de cada Estado em relação a reservas/declarações por outros formuladas.



8

Sem embargo de alguns aspectos divergentes na doutrina, que oportunamente registámos - por ex., Jorge Miranda entende que a República Portuguesa não exerce em Macau poderes de soberania, mas apenas de supremacia territorial, cujo conteúdo seria a "administração portuguesa", ao passo que Afonso Queiró afirma tratar-se de território estranho sobre o qual o Estado Português exerce, desde fora, soberania plena, enquanto Francisco Gonçalves Pereira prefere falar do carácter limitado da soberania portuguesa, porque dela ausente a noção de territorialidade, e do reconhecimento implícito de uma soberania residual da República Popular da China -, pensamos ter carreado para o processo elementos que ilustram e demonstram, com a suficiência aqui necessária, as especificidades da "questão" de Macau, nos seus múltiplos aspectos, nomeadamente sob o prisma da transferência de soberania para a RPC em 20 de Dezembro de 1999.



8.1. Embora essas especificidades permitissem, porventura, duvidar sobre se estaríamos, no caso, perante uma verdadeira situação de sucessão de Estados (58), tal como era tradicionalmente entendida pela doutrina, pensa-se que as dúvidas já não terão (tanta) razão de ser face à noção consagrada pela Convenção de Viena de 1978 - substituição de um Estado por outro na responsabilidade das relações internacionais de um território.

Se a teoria da sucessão de Estados respeita à situação que se apresenta quando um Estado se substitui, a título permanente, a um outro Estado num certo território e relativamente à população deste, não parece demasiado ousado afirmar-se que a "questão" de Macau se poderá compreender nessa situação, num contexto de transferência de soberanias (ou, se se preferir, transferência do exercício de poderes de soberania).



8.2. Como quer que seja, o que importa reter e salientar é que os Estados interessados (RP e RPC) regularam expressa e especificamente a questão.

Sendo múltiplos e complexos os interesses a acautelar, é sempre desejável, como em geral se deixou assinalado, que a tutela desses interesses seja assegurada através de acordos que previnam e disciplinem, tão pormenorizadamente quanto possível, as diversas situações que se podem suscitar com a "sucessão".

Não pode, na verdade, esquecer-se que uma solução (unilateral) não pode ser imposta a uma (outra) ordem jurídica soberana, sem o acordo desta.



8.3. Mas se isto é assim para a generalidade das situações, mais se compreendia e justificava no tocante a Macau.

Consoante se pondera no preâmbulo da DCLC:

"O Governo da República Portuguesa e o Governo da República Popular da China, recordando com satisfação o desenvolvimento das relações amistosas entre os dois Governos e os dois povos existentes desde o estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, acordaram em que uma solução apropriada da questão de Macau legada pelo passado, resultante de negociações entre os dois Governos, seria propícia ao desenvolvimento económico e estabilidade social de Macau e a um maior fortalecimento das relações de amizade e de cooperação entre os dois países. Para esse efeito, os dois Governos concordaram, no termo das conversações entre as duas delegações, em fazer a seguinte declaração".

Nesta Declaração, e seu Anexo I, define-se e estrutura-se, com algum pormenor - já o dissemos - o "edifício" jurídico que se instalará em Macau, ou melhor, o ordenamento jurídico que irá vigorar na RAEM a partir de 20 de Dezembro de 1999.



9

Nos termos da parte final do artigo III do Anexo I à DCLC:

"O ordenamento jurídico da RAEM será constituído pela Lei Básica, pelas leis previamente vigentes em Macau acima mencionadas (59) e pelas criadas pela RAEM".



9.1. A matéria de aplicação à RAEM dos acordos internacionais foi, porém, objecto de regulamentação expressa e específica.

Desde logo, no artigo VIII do Anexo I (60) e, posteriormente, em plena sintonia, no artigo 138º da Lei Básica (reprodução textual daquele artigo VIII), cujo conteúdo interessará recordar de novo:

"A aplicação à RAEM dos acordos internacionais em que a RPC é parte, é decidida pelo Governo Popular Central, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades da RAEM... (61).

Os acordos internacionais em que a RPC não é parte, mas que são aplicados em Macau, podem continuar a vigorar".



9.2. Se bem pensamos, acolhe-se aqui uma (qualquer) diferenciação de regimes, consoante a RPC seja ou não parte nos acordos.

Se for parte, a sua aplicação à RAEM é decidida pelo Governo Popular Central, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades da RAEM.

Competindo, embora, a decisão ao Governo Popular Central, ela não pode deixar de atender a estes dois factores: circunstâncias e necessidades da RAEM.

Se não for parte, a norma limita-se a prescrever que os acordos que são aplicados em Macau podem continuar a vigorar.

Esta expressão, na sua linearidade, não pode ser interpretada, se bem pensamos, como significando um consentimento (permissão) livre para uma aplicação irrestrita desses acordos à futura RAEM.

Afigura-se, na verdade, que a RPC terá sempre a faculdade de pôr termo a essa vigência, nomeadamente pela "denúncia", não permitindo que os acordos continuem a aplicar-se (sem prejuízo, porém, de eventual responsabilidade internacional).

E, para tanto, não repugnará que a RPC possa (ou deva) atender aos referidos factores - necessidades e circunstâncias -, não obstante estarem previstos expressamente apenas para a aplicação dos acordos em que a China é parte.



9.3. Como já dissemos - cfr. ponto 5.4. - afigura-se que se estabelecem diferentes soluções, consoante a RPC seja ou não parte nos acordos (62).

Como quer que seja, parece poder afirmar-se que a aplicação (ou continuação de aplicação) à RAEM de acordos internacionais ficará sempre na disponibilidade, maior ou menor, da RPC, que será (mais ou menos) livre de decidir sobre essa aplicação.

Solução que não deve, aliás, apodar-se de estranha, já que ela se conjuga e vai de par com a doutrina mais representativa em matéria de sucessão de Estados e, bem assim, com as soluções plasmadas na Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em matéria de Tratados (cfr. ponto 6.).



10

10.1. O artigo VIII do Anexo I à DCLC, e o artigo 138º da Lei Básica, contêm a disciplina legal que rege a aplicação dos acordos internacionais à RAEM - portanto, a partir de 20 de Dezembro de 1999.

Numa primeira aproximação aos termos do ofício da Comissão Inter-Ministerial sobre Macau, parecia ser esta a (única) questão que estava na base do pedido de consulta.

É o que se poderia depreender de algumas das expressões nele utilizadas: "continuação da aplicação em Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999 de instrumentos de Direito Internacional", "acordos e convenções que devam permanecer em vigor em Macau após o termo do período de transição".



10.2. Reflexão mais atenta conduz-nos, porém, a concluir que em causa está o processo negocial a desenvolver (63) com o confessado objectivo, por parte de Portugal, de "tornar aplicáveis em Macau a maioria das convenções em causa".

Aplicabilidade, pois, a Macau, desde logo e ainda no período de transição, com o compromisso, por parte da RPC, de aceitar e respeitar essa aplicação para além daquele período.

Justificar-se-á recordar, aqui, o que escreveu Jorge Costa Oliveira (cfr. nota 40):

"Actualmente, a aplicação ou extensão a Macau de instrumentos de direito internacional é usualmente precedida de consultas e negociações prévias entre a parte portuguesa e a parte chinesa, sob a égide da DCLC, culminando na celebração de acordos, sob a forma de , nos quais se estabelecem os termos em que tais instrumentos de direito internacional são aplicáveis a Macau e o compromisso da RPC em assegurar a continuidade, nos termos acordados, desses instrumentos".

Também no referido ofício da Comissão se refere ter a delegação chinesa no GLC proposto a inclusão nos textos das "actas de conversas" (que consubstanciarão o entendimento alcançado em relação a cada "pacote" de convenções) de um parágrafo especificando que:

"as duas Partes procederão oportunamente a consultas sobre as modalidades de aplicação das convenções" (64).



10.3. Segundo o ofício em apreço, este problema - "modalidades de aplicação" - decorre de, em muitos casos, haver divergência entre as reservas e declarações apresentadas por Portugal e pela RPC, acrescentando-se que "de um modo geral, estão sobretudo em causa as reservas e declarações chinesas que sistematicamente afastam ou restringem os dispositivos jurisdicionais de resolução de conflitos, uma vez que a RPC não reconhece a competência do Tribunal Internacional de Justiça, ou os mecanismos de controlo de aplicação estabelecidos pelas próprias".



10.3.1. Na verdade, diferentemente de Portugal, a RPC não reconhece como obrigatória a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça (cfr. pontos 2.3.1. e 2.3.2.).

E, por outro lado, declarou não aceitar, em relação a certas convenções (65), a aplicação de disposições que prevêem a submissão de diferendos ao Tribunal Internacional de Justiça.

Sendo esta a situação que mais dificuldades parece suscitar no desenrolar das negociações, importará recordar, todavia, que a China também formulou reservas, de natureza diferente, quanto a outras convenções (66).

Mas sejam de uma ou outra natureza, a questão estará a ganhar, na mesa negocial, a sua verdadeira razão de ser e a assumir maior acuidade e alcance prático, quando haja divergência de reservas/declarações.

E compreende-se que assim seja.

Com efeito, entre as 35 Convenções referenciadas, nenhuma se detectou em que a China seja parte e não o seja Portugal (67).

No tocante àquelas em que Portugal é parte, não o sendo a China, valerão as considerações já antes desenvolvidas, não sendo esta, segundo se deduz, a situação que configura e suscita maiores dificuldades à mesa das negociações.

Parece, assim, que as posições negociais estarão, sobremaneira, a confrontar-se com sérios obstáculos quando ambos os Estados sejam partes num dado instrumento convencional - obstáculos e dificuldades que se agudizarão quando houver reservas (declarações) divergentes.



10.3.2. Segundo se demonstrou, o regime legal que disciplina a aplicação de acordos internacionais, constante do Anexo I à DCLC e da Lei Básica, reporta-se à sua aplicação à (futura) RAEM.

Para o período de transição nada se providencia sobre esta matéria.

Decorre, porém, como vimos, um processo negocial em que se visa a obtenção de consensos sobre os termos da aplicação de um certo número de Convenções - para já, a Macau e, posteriormente, à RAEM.

Face a tudo quanto se deixou dito, compreender-se-á que esse processo negocial em curso observe e seja inspirado pelos princípios («políticas fundamentais») consignados na DCLC, seu Anexo I e Lei Básica, e a que já várias vezes aludimos.

Entre estas políticas fundamentais cumpre sublinhar as referidas nas alíneas c) e d) do ponto 4.1., e recordar o que, a tal propósito, se deixou consignado no ponto 4.2. - obrigação de assegurar aos "habitantes e outros indivíduos em Macau" todos os direitos e garantias estipulados pelas leis previamente vigentes, designadamente os que são enunciados nos artigos 2., nº (4), da DCLC e V do Anexo I.

Assim sendo, perante convenções em que tanto Portugal como a China sejam partes, com reservas divergentes, e se apliquem em Macau, devem os negociadores portugueses procurar garantir, no processo negocial, o incondicional respeito por parte da RPC do disposto nos citados artigos 2. nº (4), da DCLC e V do Anexo I.

A favor da posição negocial portuguesa poderá, porventura, argumentar-se com as especificidades da situação de Macau (nomeadamente concretizada na possibilidade de continuarem a vigorar acordos internacionais em que a China não é parte, e no reconhecimento de a RAEM poder celebrar acordos em determinadas áreas).

Mas, ao cabo e ao resto, não pode deixar de se reconhecer que tudo tem de decorrer num âmbito negocial, onde, por definição, impera o acordo de vontades.

Sem este acordo, não se vê como, de um ponto de vista jurídico, apontar uma qualquer outra solução.

A tutela dos interesses em jogo só pode, pois, prosseguir-se e assegurar-se através de acordos realizados caso a caso.

Conclusão:

11

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª Macau não faz parte do território nacional, tal como este se encontra definido no artigo 5º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa - é território chinês transitoriamente sob administração portuguesa, regendo-se, no entretanto, por estatuto adequado à sua situação especial;

2ª A administração portuguesa findará em 20 de Dezembro de 1999, nos termos da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau (DCLC) (ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº nº 38-A/87, de 14 de Dezembro, publicada no Boletim Oficial de Macau, 3º Suplemento, nº 23, de 7 de Junho de 1988, e entrada em vigor a 15 de Janeiro de 1988);

3ª A DCLC constitui um verdadeiro instrumento de direito internacional, de que decorrem compromissos cuja quebra faz incorrer em responsabilidade internacional;

4ª Ao voltar a assumir o exercício da soberania, a RPC estabelecerá, de acordo com o disposto no artigo 31º da sua Constituição, a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM); após esse estabelecimento, as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau manter-se-ão, salvo no que contrariar o disposto na Lei Básica (aprovada pela Assembleia Popular Nacional em 31 de Março de 1993 e que entrará em vigor em 20 de Dezembro de 1999) ou no que for sujeito a emendas pelo órgão legislativo da RAEM (artigos 2º, nº (4), da DCLC e III do Anexo I a esta Declaração);

5ª A aplicação à RAEM dos acordos internacionais em que a RPC é parte, será decidida pelo Governo Popular Central, conforme as circunstâncias e segundo as necessidades da RAEM; aqueles em que a RPC não é parte, mas que são aplicados em Macau, poderão continuar a vigorar (artigos VIII do Anexo I à DCLC, e 138º da Lei Básica);

6ª Enquanto a matéria de aplicação de acordos internacionais à RAEM foi objecto de regulamentação expressa e específica, nos termos referidos na conclusão anterior, para o período de transição (compreendido entre a data de entrada em vigor da DCLC, e 19 de Dezembro de 1999) a DCLC nada providencia sobre a aplicação ao território de Macau de tratados e acordos internacionais celebrados por Portugal, sendo certo que estes se não aplicam automaticamente a Macau, carecendo, para tanto, de ser publicados no respectivo Boletim Oficial;

7ª Decorre, actualmente, um processo negocial entre a parte portuguesa e a parte chinesa que visa interpretar os termos em que instrumentos de direito internacional são aplicáveis a Macau e, do mesmo passo, estabelecer o compromisso da RPC em assegurar a continuidade de aplicação desses instrumentos à RAEM, nos termos acordados;

8ª Não obstante o disposto na conclusão 6ª, o processo negocial referido na conclusão anterior deve observar, e inspirar-se, nas «políticas fundamentais», e respectivos esclarecimentos, consignados na Declaração Conjunta e seu Anexo I;

9ª Entre as "políticas fundamentais" a observar releva a definida na segunda parte do nº (4) do artigo 2. da DCLC, e respectivo "esclarecimento" (artigo V do Anexo I"), pelos quais a RPC se obrigou a assegurar aos "habitantes e outros indivíduos em Macau" todos os direitos e liberdades estipulados nas leis previamente vigentes, designadamente os que aí são enunciados a título exemplificativo;

10ª A "política fundamental" e "esclarecimento" referidos na conclusão anterior consubstanciam princípios estruturantes da própria Declaração Conjunta, que a RPC, independentemente de a fonte dos direitos e liberdades ser ou não convencional, está obrigada a respeitar e fazer valer, sob pena de subverter a essência da própria Declaração;

11ª Sem embargo de se aceitarem as especificidades da Questão de Macau, impor-se-á reconhecer que a tutela dos interesses em jogo há-de prosseguir-se e assegurar-se no âmbito negocial, onde, por definição, impera o acordo de vontades.



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1) Quinze das quais (12 da OIT e 3 da Escravatura) estão "em apreciação no GLC", enquanto as outras foram já objecto de "acordo de princípio" na XXV reunião do GLC.

2) O desenvolvimento que vai seguir-se tem por base elementos recolhidos pela Senhora Assessora junto do Gabinete de Documentação e Direito Comparado.

3) Por isso, não se entende o alcance da sua expressa referência no citado anexo.

4) Em Macau, a Lei nº 4/85/M, de 25 de Novembro, assegura a protecção contra a reprodução ilícita de fonogramas e de videogramas.

5) O que não significa, necessariamente, como adiante melhor se verá, que sejam aplicáveis a Macau.
Aproveite-se o ensejo para referir, desde já, que a Constituição da República Portuguesa estabelece um regime de recepção automática, embora condicionada, das normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas (artigo 8º, nº 2); por outro lado, a doutrina e jurisprudência mais autorizadas afirmam o princípio da primazia do direito internacional sobre o direito ordinário interno.

6) Publicada no Boletim Oficial de Macau nº 32, de 8/8/1959.

7) Publicada no Boletim Oficial de Macau nº 42, de 20/10/56.

8) Portugal já denunciou esta Convenção (denúncia recebida pelo Bureau International du Travail, em 27/2/1992).

9) Convenção programática - face à sua natureza e ao seu objectivo não há possibilidade de serem apresentadas declarações ou comunicações.

10) Segundo informa o Gabinete de Documentação e Direito Comparado, as convenções concluídas pela Organização Internacional do Trabalho, tendo em conta os objectivos a atingir, não admitem a formulação de reservas. No entanto, os textos são, em geral, suficientemente flexíveis para permitir aos Estados a possibilidade de aceitarem a sua aplicabilidade global ou apenas parcial, consoante as matérias.
Neste domínio específico cumpre, ainda, referir o artigo 40º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, segundo o qual, "as disposições que sejam aplicáveis a Macau, do ......, bem como das convenções internacionais do trabalho, continuam a vigorar e são aplicadas mediante leis da Região Administrativa Especial de Macau".

11) A China formulou uma reserva, declarando não se considerar vinculada pelo artigo 22º da Convenção (resolução de litígios pelo T.I.J.).

12) A China declarou não se vincular ao disposto no parágrafo 1 do artigo 29º (submissão de diferendos a arbitragem e/ou ao T.I.J.) da Convenção.

13) Reserva da China sobre o artigo 6º da Convenção, que assim prescreve: "1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito inerente à vida.
2. Os Estados Partes asseguram na máxima medida possível a sobrevivência e o desenvolvimento da criança".
A China declarou cumprir as suas obrigações (decorrentes do artigo 6º da Convenção), na medida em que a Convenção for compatível com as disposições do artigo 25º da Constituição da RPC e com as disposições do artigo 2º da lei nacional sobre menores.

14) Portugal e a China formularam reservas.
O instrumento de ratificação foi acompanhado de duas declarações, pelas quais o Governo Português reconhece a competência do Comité contra a Tortura em virtude dos artigos 21º e 22º da Convenção, e de uma objecção relativa a uma declaração feita pelo Governo da República Democrática Alemã (cfr. D.R., I Série, nº 128, de 5/6/89, pág. 2176).
Neste mesmo jornal oficial indica-se a China como um dos países que ratificou "com reservas ou declarações" a Convenção: por um lado, não é reconhecida a competência do Comité contra a Tortura (artigo 20º) e, por outro, o Governo Chinês não se considera vinculado pelo disposto no artigo 30º da Convenção.

15) O Decreto-Lei nº 43201, de 1/10/60, que aprovou a Convenção, foi publicado no Boletim Oficial de Macau nº 44, de 29/10/60. Portugal e a China formularam reservas.
As declarações de Portugal referentes a esta Convenção e seu Protocolo Adicional, podem ver-se no D.R., I Série, nº 228, de 28/9/76, pág. 2233 (cfr., também, Diário do Governo, I Série, nº 17, de 20/1/61, pág. 66).
As reservas da China incidiram sobre os artigos 14º e 16º, § 3º.
O artigo 14º refere-se à "propriedade intelectual e industrial", e o artigo 16º, § 3, ao acesso aos tribunais.

16) Cfr. nota 15.

17) Reserva da China sobre o artigo 48º, § 2 (submissão de diferendos ao Tribunal Internacional de Justiça) da Convenção.

18) Reserva da China sobre o artigo 31º, § 2 (submissão de diferendos ao Tribunal Internacional de Justiça), da Convenção.

19) A China declarou não se considerar vinculada pelo disposto nos §§ 2 e 3 do artigo 32º (submissão de diferendos e solicitação do parecer do Tribunal Internacional de Justiça) da Convenção; Portugal formulou uma objecção.
Em Macau, o regime do combate ao tráfico e consumo ilícito de estupefacientes foi definido pelo Decreto-Lei nº 5/91/M, de 28 de Janeiro.

20) Recolhida da publicação "Traités Multilatéraux", Chapitre I. Charte des Nations Unies et Statut de la cour Internationale de Justice", pág. 3.

21) In publicação citada na nota 17, pág. 4.

22) Recolhido da publicação "Traités Multilateraux 1.4. Statut de la C.I.J. Déclarations en application du paragraphe 2 de l’article 36", pág. 23.

23) O texto desta declaração pode ver-se em "Recueil des Traités des Nations Unies", vol. 1, pág. 35.

24) Cfr. "Traités Multilatéraux, I. 4: Statur de la C.I.J. - Déclarations en application du paragraphe 2 de l’ Article 36", pág. 12.

25) Sobre os antecedentes históricos de Macau (desde a chegada dos portugueses - em meados de 1556?) podem ver-se, entre outros, Arnaldo Gonçalves, "Macau, no triângulo das relações externas da China com o Ocidente após 1999 - o estatuto político constitucional", in Revista da Administração Pública de Macau, nº 21 (3º de 1993), vol. VI, Setembro de 1993, págs. 569-593 (este mesmo estudo encontra-se publicado na "Revue internationale de droit comparé", ano 45, nº 4, Out./Dez. 1993, págs 817-839); António da Silva Rego, "A Presença de Portugal em Macau", Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1946; Lourenço Maria da Conceição, "1862-1887 Macau entre dois tratados com a China", Instituto Cultural de Macau, 1988; Giovanni Vagli, "La Questione di Macao" in Diritto e Società, 1996, Ed. Cedam Padova, págs. 283-288.

26) Para maiores desenvolvimentos sobre este ponto - conceito de "território" - vejam-se os pareceres nº 79/76, Liv. R.I., in DR, II Série, de 7/10/77 e B.M.J., nº 276, págs. 62 e segs.; nº 193/80, in D.R., II Série, nº 282, Sup., de 6/12/80; nº 165/83, in D.R., II Série, de 26/10/84 e B.M.J., nº 335, págs 62 e segs..

27) Segundo Jorge Miranda, "Direito Internacional Público -I", Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Apontamentos das lições ao 2º ano jurídico, Lisboa 1995, pág. 139, esta competência "implica que tanto a aplicação de tratados ao território, como a celebração de tratados só para Macau dependem de decisão do Presidente", autor que já antes (pág. 138) sublinhara que os tratados e os acordos celebrados por Portugal não se aplicam automaticamente ao território - para o serem têm de ser publicados no Boletim Oficial.

28) Sobre a aplicação (extensão) a Macau de diplomas legais, e respectiva vigência, cfr., entre outros, os pareceres nº 126/79, de 24/10/80, e nº 152/82, de 21/12/82.

29) Como vimos, o território de Macau goza de autonomia legislativa, sendo as respectivas competências exercidas pela Assembleia Legislativa e pelo Governador, abrangendo todas as matérias não reservadas pelo EOM aos órgãos de soberania da República (artigos 5º, 13º, 30º e 31º).

30) O enquadramento jurídico da chamada «questão de Macau» já havia sido definido pelo Acordo Luso-Chinês de 1979.

31) Ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 38-A/87, de 14 de Dezembro, e publicada no Boletim Oficial de Macau, 3º Suplemento, nº 23, de 7/6/1988. Feita em Beijing a 13 de Abril de 1987, a DCLC, e seus Anexos - que terão igual força vinculativa - «entrarão em vigor a partir da data da troca dos instrumentos de ratificação, que terá lugar em Beijing» (a entrada em vigor verificou-se a 15 de Janeiro de 1988).

32) Segundo Vitalino Canas, «Relações entre os ordenamentos constitucional português e o ordenamento jurídico do Território de Macau», in Revista Jurídica de Macau, vol. I, 1988, pág. 52, «todos os ordenamentos jurídicos de algum modo envolvidos na definição do Estatuto Jurídico de Macau confluem hoje na ideia de que se trata de parte do Território chinês em relação ao qual Portugal exerce a soberania, embora a titularidade desta não lhe pertença».
No mesmo sentido, Francisco Gonçalves Pereira, «Declaração Conjunta, Modelo de Transição e Reforma da Administração», in Revista da Administração Pública de Macau, nº 11, vol. IV, 1991, págs. 71-75.

33) Consigna-se, assim, em relação às leis, um princípio de inalterabilidade fundamental (Alberto Costa, «Continuidade e mudança no desenvolvimento jurídico de Macau à luz da Declaração Conjunta Luso-Chinês», in Revista Jurídica de Macau, vol. XI, I988, pág. 53).
O nº (4) do mesmo artigo 2º da DCLC também estipula que «os actuais sistemas social e económico em Macau permanecerão inalterados, bem como a respectiva maneira de viver».

34) Para este período de 50 anos diz-se, por vezes, valer o princípio da diferenciação.

35) Sobre as relações (de subordinação) da LB com a DCLC podem ver-se Jorge Costa Oliveira, "A Continuidade do Ordenamento Jurídico de Macau na Lei Básica da Futura Região Administrativas Especial», in Revista de Administração Pública de Macau, nº 19/20, 1993, vol. VI, págs. 21 a 61; Paulo Cardinal, »O Sistema Político de Macau na Lei Básica - Separação e supremacia do executivo face ao legislativo», in Revista da Administração Pública de Macau, nº 19/20, 1993, vol. VI, págs. 79/101.
Sublinhe-se que, apesar da terminologia perfilhada (cfr. infra nota 38), há unanimidade entre os autores em considerar a DCLC como um verdadeiro instrumento de direito internacional (tratado/convenção/acordo), de que decorrem compromissos cuja quebra faz incorrer em responsabilidade internacional.

36) Cuja fonte é o artigo 153º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Hong Kong. Aliás, pode dizer-se que a DCLC é análoga à declaração sobre Hong Kong, assinada a 19/12/84 (Lazar Focsaneanu, "La declaration Conjointe du Gouvernement de la R.P.C. et du Gouvernement de la RP sur la Question de Macaos", in Revue Générale de Droit International Public, tomo 91, nº 4 (1987), págs. 1279-1303, que entende que as perspectivas optimistas de Portugal devem ser "temperadas" em razão de determinadas circunstâncias que enuncia a fls. 1302-1303).

37) A terminologia, neste domínio, está longe de ser uniforme, tanto na doutrina como nos textos de direito internacional.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, 1993, págs. 84-85-, a Constituição (artigo 8º) abrange, sob a designação genérica de convenções internacionais, dois tipos diferentes de instrumentos - os tratados e os acordos - , que correspondem, respectivamente, às figuras de "tratados solenes" e "tratados em forma simplificada", correntes na literatura de DIP; e prosseguem: "Correntemente, o termo tratado é a designação genérica, havendo depois uma série de designações específicas de tratados: "acordos" , "convenções " (tratados multilaterais de conteúdo normativo), "pactos" e cartas" (tratados instituidores de organizações internacionais, entre outros), "protocolos" (tratados subsidiários de tratados principais), etc.. A Constituição não define ela mesma a distinção entre as duas referidas modalidades ..., e também não é de grande valia o recurso ao DIP para saber em que casos é que as convenções devem assumir a forma de tratado solene e aqueles em
que basta a forma de acordo ou tratado em forma simplificada, porquanto rege aí um princípio geral de autonomia das partes na eleição da forma convencional".
Cfr., para maiores desenvolvimentos sobre o tema, o Acórdão do Tribunal Constitucional (Plenário) n.º 168/88, de 13/7/88 (sobretudo os pontos VI e VIII do sumário), no BMJ, n.º 379, págs. 273 e segts..

38) Loc. cit., págs. 46-47.
O Autor está a referir-se , ainda, ao artigo 138º do Projecto da Lei Básica, mas o texto final não veio a sofrer qualquer alteração.

39) Segundo refere Jorge Costa Oliveira, loc. cit. , pág. 46, nota 48, "Actualmente a aplicação ou extensão a Macau de instrumentos de Direito Internacional é usualmente precedida de consultas e negociações prévias entre a parte portuguesa e a parte chinesa, sob a égide da DCLC, culminando na celebração de acordos, sob a forma de "actas de conversas", nos quais se estabelecem os termos em que tais instrumentos de Direitos Internacional são aplicáveis a Macau e o compromisso da RPC em assegurar a continuidade, nos termos acordados, desses instrumentos".

40) Cfr., também, nota 27.

41) De 21/12/77; cfr., também, o parecer nº 187/77, no BMJ., nº 281, pags. 77 e segs..
Na doutrina podem consultar-se, entre outros: Silva Cunha , Revista "O Direito", ano 94, págs 81 e segts; André Gonçalves Pereira, "Da sucessão de Estados quanto a Tratados", no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. 45, págs 245 e sgts; Afonso Queiró, Revista "O Direito", ano 104, págs 3 e sgts.; Albino de Azevedo Soares, Lições de Direito Internacional Público, 4ª ed., Coimbra Editora, 1988, págs. 335 -355; Michael Akehurst, Introdução ao Direito Internacional (tradução de Fernando Ruivo), Livraria Almedina, Coimbra, 1985, págs 197-201; Santiago Torres Bernardez, "Droit International - Bilan et perspectives", tome 1, éditions A. Pedone, Paris, págs. 405-421; Jean Fouscoz, Direito Internacional, Publicações Europa - América, págs. 153-156.

42) Publicado no BMJ, nº 344, págs 121 e segts.

43) Segundo Jean Fouscoz, ob. cit. pág. 154 - que afirma haver dois tipos principais de sucessão de Estados -, "no plano político, as sucessões de Estados podem decorrer pacificamente sendo reguladas por convenções, ou pelo contrário, envolvidas em violência e conflito".

44) Paul Reuter, Direito Internacional Público, Ed. Presença, 1981, págs. 120 e segts.

X) Obra cit. pág. 122.

45) A compatibilidade desta Convenção com a ordem jurídica portuguesa foi apreciada no parecer nº 215/78, Lº 61, de 21 de Novembro de 1978.
Jean Fouscoz, ob. cit., pág. 155, refere que "a tentativa de codificação nesta matéria não chegou a bom termo, pois o Tratado de Viena de 1978 não forneceu as soluções do Direito positivo".

46) Por "notificação de sucessão", entende-se, em relação a um tratado multilateral, toda a notificação, qualquer que seja o seu enunciado ou denominação, feita por um Estado sucessor na qual manifesta o seu consentimento em considerar-se obrigado pelo tratado (artigo 2º, nº 1, alínea g)).
As definições, constantes neste artigo, dos termos tratado (alínea a), ratificação, aceitação e aprovação (alínea i)) e (reserva alínea j)) coincidem,no essencial, com as do artigo 2º, nº 1 (alíneas a), b) e d), respectivamente) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados (de 23 de Maio de 1969).

47) No citado parecer nº 153/77 já se referia que a doutrina tem ensaiado um certo número de "atenuações" ao princípio segundo o qual o novo Estado é competente para fazer tábua rasa de regras e situações criadas, constituídas ou consolidadas sob a soberania do Estado precedente, mas não desconhece as dificuldades do empreendimento.
O precedente artigo 15º, integrado na Parte II, rege sobre "sucessão relativa a uma parte do território" - "Quando uma parte do território de um Estado, ou quando qualquer território de cujas relações internacionais seja responsável um Estado e que não seja parte do território desse Estado".

48) Annie Gruber, Le Droit International de la Sucession d’États, Faculté de Droit - Paris V, Bruylant, Bruxelles, 1986, págs. 75, 85 e 171 e segs.
Com uma diferente perspectiva, cfr. Jean Fouscoz, ob. cit., pág. 156.

49) Por "Estado de recente independência" entende-se um Estado sucessor cujo território, imediatamente antes da data da sucessão de Estados, era um território dependente de cuja relações internacionais era responsável o Estado predecessor (artigo 2º, n.º 1, alínea f)).

50) Para maiores desenvolvimentos, nomeadamente sobre a necessidade de uma (qualquer) manifestação de vontade, e interpretação (valor) do "silêncio" cfr. Annie Gruber, loc. cit. pags. 172 -198.

51) Pareceres nº 176/80, de 9/7/81, nº 11/87,. de 10/11/88, nº 50/89, de 12/7/89, nº 29/93, de 22/10/93, e Informação-parecer nº 34/91, de 10/3/92.
Na doutrina: André Gonçalves Pereira, Curso de Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, 1970, pág. 177; Paul Reuter, Droit International Public, PUF, 1973, pág. 94; Louis Delbez, Les principes généraux du Droit International Public, Paris, 1964, pág. 329; Manuel Diez de Velasco Vallejo-Gallo, "El sexto dictamen del Tribunal Internacional de Justiça: las reservas à la Convención sobre el Genocidio", in Revista Espanhola de Derecho Internacional, vol. IV. nº 3, 1951, págs. 103 e segs.

52) Pierre-Henri Imbert, "Les réserves aux traités multilatéraux", Paris, 1979, pág. 105.

53) A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados foi objecto de análise na Informação-parecer nº 115/84, de 6 de Março de 1984.
Embora Portugal não seja parte nessa Convenção, vem-se entendendo que as suas normas se encontram "em vigor em Portugal como normas consuetudinárias" - neste sentido os parecers nº 11/87-Comp., de 10/11/88, nº 50/89, nº 29/93, e Informação-parecer nº 34/91, podendo também ver-se Albino de Azevedo Soares, Lições de Direito Internacional Público, 4ª ed., 1988, pág. 115.

54) Outras definições constam deste artigo 2º, nº 2:
a) "A expressão "tratados" designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou vários instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular;
b) As expressões "ratificação", "aceitação", "aprovação" e "adesão" designam, conforme o caso, o acto internacional assim denominado pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento a ficar vinculado por um tratado".

55) André Gonçalves Pereira, ob. cit., pág. 177; Silva Cunha, Direito Internacional Público, I, Introdução e Fontes, 4ª ed., 1987, pág. 227.

56) Passo recolhido da Informação-parecer nº 115/84.

X) César Sepulveda, Curso de Derecho Internacional Público, 6ª ed., México, 1974, pág. 128; Alfred Von Verdross, Derecho Internacional Publico, tradução espanhola anotada da 3ª edição alemã, com bibliografia adicional de Truyol Serra, Madrid, 1961, pág. 138 - ambos os autores apud Informação-parecer nº 34/91, nota 29.

XX) Informação-parecer nº 115/84, ponto 5; no mesmo sentido, a Informação-parecer nº 111/85, ponto 7.

57) Sobre este ponto cfr. Pierre-Henri Imbert, loc. cit., págs. 105 e segs.; Paul Reuter, Introduction au Droit des Traités, Paris, 1972, pág. 82; Valérie Goesel, "Codification du Droit International Privé et Droit des Traités", Annuaire Français de Droit International, 1992, págs 366-372.

58) Inclinam-se os historiadores a considerar que a China nunca reconheceu expressamente a existência da soberania portuguesa, limitando-se, pragmaticamente, a tolerar a presença dos portugueses, situação que se manteria até meados do século XIX.
Situação que só viria a modificar-se após a derrota da China na Guerra do ópio, culminando com a assinatura, em Pequim, a 1 de Dezembro de 1887, de um Tratado de Amizade e Comércio entre Portugal e a China.
Modificações de sinal contrário começaram a registar-se com a queda da dinastia Ching e a proclamação da República da China (para maiores desenvolvimentos, Arnaldo Gonçalves, loc. cit.,).

59) No parágrafo 2º deste mesmo artigo III faz-se a seguinte ressalva: "salvo no que contrariar o disposto na Lei Básica ou no que for sujeito a emendas pelo órgão legislativo da RAEM" (recorde-se que a DCLC atribui à RAEM poder legislativo).

60) Recorde-se que a Declaração Conjunta e os seus Anexos "terão igual força vinculativa" (artigo 7. da DCLC).

61) Abstraímos, aqui, da necessidade de parecer prévio do Governo da RAEM.

62) Se assim não fosse, ter-se-iam aglutinado na mesma previsão todos os acordos, independentemente de a China ser ou não parte.
Diferenciação que, todavia, não assumirá grande alcance prático, face ao que acaba de expender-se.

63) Não resulta suficientemente claro se se trata de "processo negocial" a decorrer ainda no seio do GLC, ou se já se passou à fase de consultas entre os Governos, face a desacordo que tenha existido no GLC (conforme previsto na parte final do nº 2. do artigo I do Anexo II à DCLC - cfr. ponto 4.3.).

64) Cfr. nota 64.

65) São elas: Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (cfr. nota 11), Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (cfr. nota 12) Convenção Única sobre Estupefacientes (cfr. nota 17), Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (cfr. nota 18), Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (cfr. nota 19) e Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Crueis, Desumanos ou Degradantes (cfr. nota 14).

66) Convenção relativa aos Direitos da Criança (cfr. nota 13), Convenção relativa ao Estatuto do Refugiado e seu Protocolo Adicional (cfr. notas 15 e 16).
Recorde-se, ainda, que há todo um conjunto de convenções ratificadas, mas em relação às quais a China não efectuou, até ao momento, o registo de ratificação (cfr. ponto 2.1., alínea D)).

67) Cfr., porém, nota 8.
Por outro lado, como vimos, o facto de uma convenção vigorar em Portugal não significa, necessariamente, que ela seja aplicável em Macau.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART5 ART292 N1.
L 1/76 ART2 ART3 N2 N3 ART69 ART70.
DPR 38-A/87 DE 1987/12/14.
Referências Complementares: 
DIR INT PUBL * DIR TRAT * DIR HOMEM / DIR CONST * ORG PODER POL.*****
ESTATUTO DO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA ART36
DECLARAÇÃO CONJUNTA DO GOVERNO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E DO GOVERNO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA SOBRE A QUESTÃO DE MACAU PEQUIM 1989/04/13 ART2 N4 N7 ANEXO I ARTIII ARTVIII*****
LEI BÁSICA DA REGIÃO AUTÓNOMA ESPECIAL DE MACAU 1993/03/31 ART1 ART8 ART13 ART18 ART135 ART136 ART137 ART138 ART140 ART145.
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