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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
94/1989, de 14.09.1992
Data do Parecer: 
14-09-1992
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer complementar
Votação: 
Não Aplicável
Relator: 
LOURENÇO MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
INFRACÇÃO CONTRA PESSOA GOZANDO DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL
PREVENÇÃO
REPRESSÃO
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
RESERVA
DECLARAÇÃO INTERPRETATIVA
EXTRADIÇÃO
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
Conclusões: 
Ao proceder a adesão a Convenção sobre Prevenção e Repressão de Infracções contra Pessoas Gozando de Protecção Internacional, incluindo os Agentes Diplomaticos, Portugal deve formular a reserva indicada em 4.1.2.
Texto Integral
Texto Integral: 
A propósito da "Convenção sobre Prevenção e Repressão de Infracções Contra Pessoas Gozando de Protecção Internacional, Incluindo os Agentes Diplomáticos", a Procuradoria-Geral da República emitiu o Parecer nº 1/77, de 30 de Junho de 1977, onde se concluiu que tal convenção "interessa(va) juridicamente a Portugal, nada se vendo que, nos seus preceitos, colid(isse) com o direito interno português", parecer enviado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).

Posteriormente, em 16 de Novembro de 1983, foi efectuada a tradução daquele texto e, após revisão por um Exmº Colega, remetida igualmente ao MNE.

Em 26.09.89, considerando o MNE que "há todo o interesse do ponto de vista político em que Portugal venha a aderir à mencionada Convenção", mas atendendo a que haviam decorrido alguns anos sobre o anterior parecer, podendo ter sido introduzida nova legislação nacional, solicitou a reapreciação da matéria.

Através de parecer complementar analisou-se a evolução legislativa pertinente tendo-se repetido, em 28 de Fevereiro de 1990, a conclusão alcançada pelo parecer nº 1/77.

Não se sugeriu a formulação de qualquer reserva.

Em 7.03.91 (1), o MNE, referenciando a recepção do último parecer, solicita informação sobre a necessidade de ser ou não introduzida uma reserva ou declaração interpretativa, nos termos do artigo 8º daquela Convenção cujo texto, a concluir-se pela afirmativa, poderia ser do seguinte teor:

"O Estado português declara, tendo em conta o disposto no artigo 8º da Convenção sobre a Prevenção e Repressão de Infracções Contra Pessoas Gozando de Protecção Internacional, incluindo os Agentes Diplomáticos, que a adesão de Portugal a esta Convenção produzirá os seus efeitos sem prejuízo do preceito da Constituição da República Portuguesa que faz sempre depender a extradição de sentença judicial, e que não permite extradição por crimes a que, no Estado requisitante, corresponda pena de morte".

Cumpre prestar a informação solicitada, após redistribuição da consulta.

2.

Começaremos por relembrar os textos em que se pode fundamentar a formulação da reserva ou declaração interpretativa; veremos, de seguida, se tais reservas ou declarações são admissíveis e, no caso afirmativo, qual o seu teor, designadamente se o sugerido pelo MNE.

2.1. Dispõe o artigo 33º da Constituição da República:

1.......................................................

2.......................................................

3. Não há extradição por crimes a que corresponda pena de morte segundo o direito do Estado requisitante.

4. A extradição e a expulsão só podem ser decididas por autoridade judicial.

5..........................................................

6........................................................”.

Por seu lado, no artigo 8º da Convenção ora em análise, segundo a tradução revista nesta Procuradoria-Geral da República, diz-se:

“1. Mesmo que as infracções previstas no artigo 2º não figurem na lista dos casos passíveis de extradição num tratado de extradição em vigor entre os Estados partes, elas são consideradas como aí incluídas. Os Estados partes comprometem-se a incluir estas infracções como casos passíveis de extradição em todos os tratados de extradição a concluir entre si.

2. Caso um Estado parte, que subordina a extradição à existência de um tratado, receba um pedido de extradição de um outro Estado parte com o qual não tem um tratado de extradição, pode, se se decidir a extraditar, considerar a presente Convenção como constituindo a base jurídica da extradição relativamente a essas infracções. A extradição é submetida às regras de processo e outras condições previstas pela legislação do Estado requerido.

3. Os Estados partes que não subordinam a extradição à existência de um tratado reconhecem estas infracções como constituindo casos de extradição submetidos às regras de processo e a outras condições "previstas pela legislação do Estado requerido.

4......................................................

2.2. Portugal firmou vários tratados de extradição com outros países (2).

Mas para além disso, e de acordo com o disposto no artigo 233º do Código de Processo Penal "a extradição (rectius, o processo de extradição) é regulada em lei especial".

Substituindo o Decreto-Lei nº 437/75, de 16 de Agosto, a denominada Lei de Cooperação Internacional, constante do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, emitido sob autorização legislativa, integrou a disciplina interna da extradição no Título II.

Este diploma põe em relevo o seu carácter subsidiário em relação aos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado português, aplicando-se na falta ou insuficiência de formas de cooperação judiciária internacional, nomeadamente no que toca à extradição - artigos 1º, alínea a), e 3º, nº1.

Importa atentar, nesta óptica de supletividade, no disposto nos artigos 6º e 7º.

Nos termos do artigo 6º o pedido de cooperação - repete-se, a extradição é uma das formas de cooperação - é recusado por Portugal em várias situações aí mencionadas, nomeadamente quando (nº1):

“e) O facto a que respeita for punível com pena de morte ou com pena de prisão perpétua;

f) Respeitar a infracção a que corresponda medida de segurança com carácter perpétuo".

Todavia, a recusa de cooperação pode ser levantada se o Estado requerente tiver comutado as penas (de morte ou prisão perpétua), aceitar a sua conversão por um tribunal português ou o auxílio solicitado possa relevar para a não aplicação presumível dessas penas ou medidas – nº2 daquele artigo 6º.

O artigo 7º refere-se à recusa relativa à natureza da infracção - de natureza política ou por infracção conexa, de natureza militar que não seja simultaneamente prevista na lei penal comum. No nº2 desse preceito enumeram-se infracções que não são consideradas de natureza política, v g., o genocídio, os crimes contra a humanidade, infracções de terrorismo.

Quando, no aludido Título II, o diploma se debruça sobre a extradição passiva, logo no artigo 31º se repete a exclusão de extradição nos casos já mencionados, e ainda se o crime tiver sido cometido em território português ou se a pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa.

O processo de extradição passiva encontra-se minuciosamente regulado nos artigos 45º a 70º do diploma a que nos estamos a referir.

Compõe-se de uma fase administrativa, da competência do Governo, guiada por razões de ordem política, de oportunidade ou conveniência, a qual se destina a apreciar se o pedido de extradição tem seguimento ou deve ser liminarmente indeferido, e de uma fase judicial, da competência de um tribunal de Relação, obedecendo a critérios de estrita legalidade (artigo 49º). Da decisão administrativa de indeferimento do Governo não existe, porém, recurso.

Repare-se que a extradição pode ocorrer segundo uma forma simplificada, no caso de consentimento do extraditando (artigo 39º).

No entanto, a renúncia ao processo judicial de extradição é rodeada de especiais cautelas.

Primeiramente, porque o extraditando é advertido do seu direito ao processo judicial; em segundo lugar, porque a sua declaração de renúncia é assinada não apenas por si como também pelo seu defensor ou advogado constituído; em terceiro lugar, pela intervenção da autoridade judicial na verificação da recolha fidedigna da sua vontade de renunciar ao processo antes de proceder à homologação.

Ainda aqui, poderá dizer-se, fica cumprido o preceito constitucional atrás citado que obriga à decisão por autoridade judicial (3).

O processo judicial propriamente dito decorre pela secção criminal do tribunal da Relação da área de residência ou onde se encontre a pessoa reclamada, terminando por uma decisão final (um acórdão) precedida da instrução do processo, com garantia de contraditório, decisão impugnável pela via do recurso.

Só após o trânsito em julgado do acórdão se procede à entrega do extraditado.

Por conseguinte, o direito interno português, aplicável subsidiariamente nada se dizendo no tratado ou convenção, ou na ausência destes, assegura pela forma descrita que a extradição seja precedida de uma decisão proferida por autoridade judicial, tal como a Constituição da República exige.

Estaria ferida de inconstitucionalidade a norma de um tratado ou convenção que dispensasse a decisão de autoridade judicial no processo de extradição.

3

3.1. A reserva é definida como "o acto unilateral através do qual um Estado, participe de um acordo colectivo, declara a vontade de não aceitar uma determinada disposição do próprio acordo ou de lhe atribuir uma interpretação particular" (4).

No artigo 2º, nº1, alínea d), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969, a que Portugal até ao momento não se vinculou (5), ao precisar o conteúdo da expressão "reserva", esta é definida como "uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua designação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a este Estado" (sublinhado agora).

A reserva cumpre a função prática de tomar possível a participação no tratado do Estado que a formula, alargando-se o escopo geral da cooperação internacional.

Corresponde-lhe, ao invés, o inconveniente de tomar mais débil ou menos consistente o valor do acordo, na medida em que perturba a uniformidade das suas normas, o equilíbrio do próprio tratado, enfim, o seu valor jurídico considerado como um todo dotado de unidade.

3.2. A doutrina classifica as reservas, quanto ao seu alcance, em três categorias:

1ª riserva di esclusione, in quanto tende a rendere inoperante, rispetto allo Stato che procede alla riserva stessa, una determinata clausola dell'acordo;

2ª riserva di applicazione, se é rivolta a sottoporre l'attuazione della clausola stessa a particolari modalità;

3ª riserva di i flÊ, in quanto mira a stabilire in quale senso lo Stato riservante intende l'impegno previsto a uma determinate clausola dell'accordo" (6).

Segundo tal classificação doutrinal, a declaração interpretativa é equiparável a uma verdadeira reserva.

Embora possa distinguir-se entre uma "declaração interpretativa simples" e uma "declaração interpretativa qualificada". Através desta, quando o Estado formula a declaração interpretativa apresenta-a em termos de condição do seu consentimento em se vincular à Convenção, e como tendo por fim excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições (7).

3.3. Um outro aspecto, porventura mais importante, merece atenção, qual seja o de saber se é admissível uma reserva ou declaração interpretativa sobre o mencionado artigo 8º da Convenção agora em causa, uma vez que nem nesse preceito nem em qualquer outro se prevê a formulação de tal reserva ou declaração.

Diferentemente, no nº2 do artigo 13º - modo de resolução de diferendos entre dois ou vários Estados - se prevê de modo expresso que um Estado declare que não se considera vinculado ao disposto no nº1, isto é, à submissão do litígio a arbitragem ou, no caso de não se chegar a acordo, à intervenção do Tribunal Internacional de Justiça.

A questão não é nova e tem hoje uma resposta que parece estabilizada.

Considera-se de formação consentudinária a regra que admite como legítima a formulação de reservas de relevo menor sempre que uma vontade em sentido contrário não resulte do acordo internacional respectivo, de modo explícito ou implícito. De acordo com a terminologia atrás referida, mover-nos-íamos no campo da "declaração interpretativa simples".

Todavia, no que toca a reservas de natureza substancial, sem cláusula expressa permissiva, até 1952 a praxe das Nações Unidas ia no sentido de as não admitir sem que houvesse a certeza de que os outros Estados contraentes não levantavam objecções.

A propósito da Convenção para a prevenção e a repressão do delito de genocídio, a Assembleia Geral das Nações Unidas reputou oportuno consultar o Tribunal Internacional de Justiça sobre a questão de princípio da admissibilidade de reservas não previstas na própria convenção.

O Tribunal emitiu o parecer de 28.05.51 no sentido seguinte (para o que ora nos interessa):

a) apesar da oposição de um ou mais Estados contraentes, as reservas são admissíveis, e o Estado que as formula é partícipe do acordo, desde que tais reservas sejam compatíveis com o objecto e o fim do acordo;

b) o Estado que se oponha às reservas, por não reconhecer tal compatibilidade, pode não considerar o Estado reservante como parte nas relações intra-acordo (8).

Este parecer foi adoptado pela Resolução nº 598, de 12.01.52, da Assembleia-Geral das Nações Unidas não se aplicando, no entanto, às convenções concluídas anteriormente.

No artigo 19º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados consignou-se o seguinte:

"Um Estado pode, no momento da assinatura, ratificação, aceitação ou aprovação de um tratado ou de adesão a um tratado, formular uma reserva, a menos que:

a) a reserva seja proibida pelo tratado;

b) o tratado apenas autorize determinadas reservas entre as quais não figure a reserva em questão, ou

c) nos casos não previstos nas alíneas a) e b), a reserva seja incompatível com o objecto e fim do tratado".

As dificuldades desde logo anotadas pela doutrina residem na determinação do critério ou critérios que permitam aferir daquela compatibilidade.

Citando MANFRED LACHS (9), disse-se no aludido Parecer nº 176/80, sobre critérios orientadores:

“a) A notificação de uma reserva a um tratado que confirma e precisa os princípios jurídicos universalmente reconhecidos significa não só uma tentativa de limitação do campo de aplicação desse tratado, mas antes e sobretudo um atentado contra os princípios de direito que vinculam os Estados, independentemente do tratado. Desta maneira em semelhantes casos, qualquer reserva sobre o fundo das disposições é inadmissível.

A conclusão de um tal tratado constituiria para o estado que fizesse a reserva, uma ocasião de se subtrair às obrigações a que não poderia subtrair-se de outra maneira.

b) São admissíveis em princípio reservas relativamente a tratados que criam novas normas jurídicas. Trata-se de um novo conjunto de obrigações que os diferentes Estados podem achar demasiado onerosas, particularmente prejudiciais ou insuficientemente progressivas.

O que não significa de maneira nenhuma que seja admissível qualquer reserva.

Se vemos nela uma instituição formada no decurso do processo de aproximação internacional e servindo a esse processo, tem de se rejeitar aquele tipo de reservas que são susceptíveis de prejudicar a cooperação internacional.

O limite da admissibilidade das reservas assim definido só aparentemente pode parecer vago ou susceptível de apreciações subjectivas e arbitrárias. Na realidade a qualificação está estreitamente ligada ao objecto e ao fim do próprio tratado. Só ele determina os limites lógicos e jurídicos das reservas. Elas não podem atingir o conteúdo do tratado nem aniquilar o fim essencial perseguido pelas partes ao conclui-lo.

Tornando possível a participação formal sem os efeitos quanto ao fundo que tal participação comporta, as reservas abririam o caminho à participação fictícia nos tratados internacionais. Ora, a sua função é outra, devem facilitar o acordo sobre os problemas essenciais e permitir aos Estados manterem-se nas suas posições individuais quando forem partes contratantes num tratado multilateral" (...).

3.3.1 Do que vem de dizer-se, e fazendo a sua projecção sobre o caso concreto, pode concluir-se que não existindo no tratado ou convenção uma disposição expressa que proíba a reserva ou que apenas a autoriza em determinados casos, a formulação de reservas apenas tem como limite a sua incompatibilidade com o objecto e o fim do tratado.

Esse limite será excedido se o Estado reservante atinge o conteúdo do tratado, aniquilando ou limitando o seu fim essencial. O "tónus" da essencialidade resulta igualmente do nº2 do artigo 20º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, ao referir-se à aceitação das reservas e às objecções às reservas (cfr. ainda os artigos 41º, 1, b), II) e 58º, 1, b), II).

4

Aproximemo-nos então da resposta à consulta, esclarecendo, desde logo, que se trata de duas situações, que convém encarar separadamente, a da extradição por crimes a que, segundo o Estado requisitante, corresponda pena de morte, e a da necessidade de decisão de autoridade judicial (mais rigoroso do que sentença judicial) sobre o pedido de extradição.

No ordenamento jurídico português não existe preceito que imperativamente obrigue a que a extradição seja regulada por tratado ou convenção, o que significa enquadrar-se o nosso país no grupo de Estados "que não subordinam a extradição à existência de um tratado" (nº3 do artigo 8º da Convenção em apreço).

Por outro lado, da economia geral desta Convenção bem como dos preceitos que a compõem não resulta qualquer proibição de reserva sobre a matéria do citado artigo 8º (10).

Sendo assim, só estão vedadas as reservas que atinjam o objecto ou fim da Convenção, isto é, as suas condições essenciais de funcionamento. Não serão admissíveis aquelas reservas que inviabilizem os marcos fundamentais da cooperação que com a mesma se deseja instituir.

4.1. Comecemos pela "reserva" relativa à pena de morte.

Disposições nucleares desta Convenção são as que se reportam ao estabelecimento de competência de cada Estado Parte com vista à punição das infracções nele previstas contra as pessoas gozando de protecção internacional, incluindo os agentes diplomáticos; a comunicação de informação com vista à prevenção dessas infracções; e a própria extradição dos presumíveis autores ou condenados por tais infracções.

Se o Estado Português, ao aderir à Convenção, declarar que não procederá à extradição de presumíveis autores ou de condenados pela prática de infracções a que couber pena de morte no Estado requerente estamos, a nosso ver, perante uma verdadeira reserva de exclusão, na medida em que toma inoperante quanto a esse Estado uma cláusula do acordo.

Será admissível, ou seja, não é incompatível com o objecto e o fim da Convenção?

A recusa de extradição, em tal caso, resulta da própria Constituição da República Portuguesa.

Coerentemente, a nossa lei interna de extradição - artigo 6º do Decreto-lei nº 43/91 - impede a extradição se o facto a que respeita é punível com pena de morte ou com pena de prisão perpétua ou respeitar a infracção a que corresponda medida de segurança com carácter perpétuo.

Aliás, se não existir tratado com o Estado requisitante esse será o regime aplicável – nºs 2 e 3 do artigo 8º da Convenção.

Da formulação de uma reserva do tipo que vem sugerido não se mostra atingido o objecto e o fim essencial da Convenção. Na verdade, resta um amplo leque de situações em que a extradição será concedida pelas infracções nela previstas.

Sendo, por outro lado, perfeitamente compreensível a posição do Estado que a formula, respeitando a sua Constituição e não inviabilizando, de forma sensível, a cooperação internacional na generalidade dos casos (11).

Sendo admissível tal reserva não valerá a pena questionar, neste momento, sobre a sua necessidade, face ao direito interno já citado.

Com efeito, os exemplos que se indicarão de seguida serão precedentes a ter em conta não só nessa perspectiva como também quanto à formulação concreta da reserva.

4.1.1. Através da Lei nº 19/81, de 18 de Agosto, foi aprovada, para ratificação, a Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo (12).

Nos termos do artigo 2º daquela Lei nº 19/81, Portugal formulou a reserva de que "não aceitará a extradição como Estado requisitado quando as infracções sejam punidas com a pena de morte ou com penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo no Estado requisitante".

Note-se que, de acordo com o artigo 1º dessa Convenção, para efeitos de extradição, não se consideram como infracção política, conexa a infracção política ou inspirada por móbil político "as infracções graves constituídas por um ataque contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas que gozem de protecção internacional, inclusive os agentes diplomáticos", aspecto directamente relacionado com a matéria do pacto ora em apreço.

Também aquela reserva foi formulada por Portugal apesar de não haver nessa Convenção qualquer cláusula permissiva expressa da mesma.

4.1.2. Pela Resolução da Assembleia da República nº 23/89, de 8 de Novembro, foi aprovada, para ratificação, a Convenção Europeia de Extradição e os seus dois Protocolos Adicionais, tendo o Presidente da República procedido à sua ratificação através de Decreto do PR nº 57/89, de 21 de Agosto, e Decreto do PR nº 23/90, de 20 de Junho.

Segundo aquela Resolução da AR, e invocando o artigo 26º dessa Convenção, Portugal não concederá a extradição de pessoas "reclamadas por infracção a que corresponda pena ou medida de segurança com carácter perpétuo" (com referência ao artigo 1º); não haverá extradição por crimes a que corresponda pena de morte segundo a lei do Estado requerente (com referência ao artigo 11º (13); Portugal só autoriza o trânsito por território nacional de pessoa que se encontre em condições de a sua extradição poder ser concedida (com referência ao artigo 21º).

Ao depositar o instrumento de ratificação - Aviso publicado no DR, 1ª Série, nº 76, de 31.03.90 - Portugal transmitiu as reservas descritas ao Secretário-Geral do Conselho da Europa.

A República Federal da Alemanha levantou objecção à reserva (14) de Portugal referida em primeiro lugar, esclarecendo que a entenderá no sentido de que a extradição não será recusada senão quando, segundo o direito do Estado requerente, a pessoa condenada a uma pena perpétua privativa da liberdade não dispuser de qualquer meio que lhe permita obter, após ter cumprido uma parte determinada da pena ou da medida de segurança, o exame por um tribunal de uma eventual aplicação de regime de prova ao resto da sanção (sublinhado agora).

De outro modo seria incompatível com o sentido e o objecto da Convenção - afirma a RFA.

Poderá suceder que a Alemanha levante objecção idêntica face a uma reserva que Portugal venha a formular quanto à Convenção ora em apreço.

No entanto, não parece que o teor dessa reserva de Portugal deva ser diferente para futuro, pois que, na interpretação alemã, bastaria para que houvesse extradição que, segundo o direito do Estado requerente, o extraditando tivesse a possibilidade de obter uma pena ou medida de segurança de carácter não perpétuo.

Ora, se atentarmos na lei interna de extradição – nºs 2 e 3 do artigo 6º, e artigo 31º, já citados - para que haja extradição em situações de aplicabilidade da pena de morte ou de pena ou medida de segurança com carácter perpétuo, é necessária uma garantia efectiva, e não uma mera possibilidade, de que essa perpetuidade não se verificará (15).

Na sequência do exposto, e em conformidade com as posições mais recentes, sugerir-se-ia a seguinte formulação da reserva:

Com referência ao artigo 8º da Convenção sobre Prevenção e Repressão de Infracções contra Pessoas Gozando de Protecção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos, Portugal formula a seguinte reserva: não extradita por facto punível com pena de morte ou com pena de prisão perpétua segundo a lei do Estado requerente nem por infracção a que corresponda medida de segurança com carácter perpétuo.

4.2. O MNE sugere ainda que Portugal faça depender a extradição da existência de sentença judicial prévia, formulando tal reserva.

Afigura-se-nos, porém, que essa reserva se mostra desnecessária.

Com efeito, vimos atrás que, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 8º da Convenção em análise, quer o Estado subordine a extradição à existência de um tratado quer não, o seu processo é regulado pela legislação do Estado requerido.

Por outro lado, certificámo-nos que a lei interna portuguesa aplicável, em conformidade com o texto constitucional, faz depender a extradição de uma decisão de autoridade judicial, ainda que esta se limite a homologar a renúncia do extraditando ao processo com todas as formalidades.

Sendo assim, o imperativo constitucional fica respeitado, tornando-se desnecessária aquela reserva.

Aliás, nos tratados ou convenções que consultámos não se encontra semelhante posição do Estado Português.

5

De harmonia com o exposto conclui-se:

- Ao proceder à adesão à Convenção sobre Prevenção e Repressão de Infracções contra Pessoas Gozando de Protecção Internacional, incluindo os Agentes Diplomáticos, Portugal deve formular a reserva indicada em 4.1.2.





Lisboa, 14 de Setembro de 1992




___________________________
(1) Ofício SAM 1287-Proc. 1.8.7, da Direcção-Geral dos Negócios Político-Económicos.

(2) V. uma enumeração desses tratados (sempre de sinal crescente) in MAIA GONÇALVES, "Código de Processo Penal, anotado", 1990, 34 edição, Coimbra, pág. 355.

(3) Diz-se no nº5 do artigo 35º do Decreto-lei nº 43/91: "O acto judicial de homologação equivale, para todos os efeitos, à decisão final do processo de extradição".

(4) ADOLFO MARESCA, in "Novissimo Digesto Italiano", XVI, pág. 101, sobre "Riserva Internazionale". Cfr. outros autores, citados na nota (1) do Parecer nº 176/80, de 9.07.81, inédito.

(5) Cfr. a Informação-Parecer nº 111/85, de 8.11.85, onde se analisou essa Convenção.

(6) ADOLFO MARESCA, loc. cit., pág. 103.

(7) Cfr. lugares citados na Informação-Parecer nº 115/84, de 6.12.84.
V. também CESAR SEPULVEDA "Curso de Derecho Internacional Publico", 6ª edição, México, 1974, pág. 128; MANFRED LACHS, "Le Développement et les Fonctions des Traités Multilatéraux", in Récueil des Cours, 1957, II, págs. 294 e segs..

(8) Recolhido in ADOLFO MARESCA, loc. cit., pág. 102.
Para mais pormenores, cfr. o Parecer nº 176/80, de 9.07.8 1, e bibliografia aí citada.

(9) In "Le développement el les fonctions des traités multilatéraux", op. cit, págs. 304 e 305.

(10) Na Convenção sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18.04.61, embora não exista qualquer preceito que expressamente preveja a formulação de reservas, vários Estados as fizeram. O mesmo sucedeu com Portugal, ao aderir à mesma - cfr. o Decreto-lei nº 48295, de 27 de Março de 1968, bem como a lista anexa ao Aviso publicado no Diário do Governo, I Série, nº 253, de 26 de Outubro de 1968.

(11) Posto que relevando já da política legislativa ou da pedagogia legislativa, não é descabido recordar o papel pioneiro de Portugal na abolição da pena de morte.

(12) Depositado o instrumento de ratificação conforme se vê do Aviso publicado no Diário da República, I Série, nº 59, de 12-03.82 (v. rectificação no DR, I Série, nº 246, de 23.10.82).

(13) Dispõe o artigo 11º da Convenção Europeia de Extradição: "se o facto pelo qual é pedida a extradição for punido com pena capital pela lei da Parte requerente e se essa pena não estiver prevista pela lei da Parte requerida, ou aí não for geralmente executada, a extradição poderá ser recusada, excepto se a Parte requerente prestar garantias, consideradas suficientes pela Parte requerida, de que a pena capital não será executada".
Portugal afirma, na sua reserva, a recusa de extradição.

(14) Cfr. Aviso nº 58/91, publicado no Diário da República, 1ª Série-A, nº 96, de 26.04.91.

(15) Releva de motivações de política legislativa o facto de o nosso País ser mais exigente, em termos de cooperação internacional, do que o imperativo constitucional, que não alude a prisão ou medida de segurança de carácter perpétuo mas apenas à sanção capital.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART33.
CPP87 ART233.
DL 43/91 DE 1991/01/22 ART1 A ART3 N1 ART6 ART7 ART31 ART45-ART70.
DL 48295 DE 1968/03/27.
L 19/81 DE 1981/08/18 ART2.
RAR 23/89 DE 1989/11/08.
DPR 57/89 DE 1989/08/21
DPR 23/90 DE 1990/06/20.
Referências Complementares: 
DIR INT PUBL * TRATADOS.*****
CONV SOBRE PREVENÇÃO E REPRESSÃO DE INFRACÇÕES CONTRA PESSOAS GOZANDO DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL INCLUINDO AGENTES DIPLOMATICOS ART8 ART13 CONV DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS DE 1969/05/23 ART2 N1 D ART19 ART20 N2
CONV PARA A PREVENÇÃO E A REPRESSÃO DO DELITO DE GENOCIDIO
CONV SOBRE RELAÇÕES DIPLOMATICAS VIENA 1961/04/18
CONV EUR PARA A REPRESSÃO DO TERRORISMO * CONT REF/COMP*****
* CONT REFINT
CONV EUR DE EXTRADIÇÃO ART1 ART11 ART26
Divulgação
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