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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
119/1990, de 10.01.1991
Data do Parecer: 
10-01-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Educação
Relator: 
GARCIA MARQUES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
LIBERDADE DE RELIGIÃO
ENSINO PUBLICO
ENSINO DA RELIGIÃO
ESTADO
IGREJA
CONFISSÃO RELIGIOSA
LIBERDADE DE APRENDER
RELIGIÃO
ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA
DIREITO DE ASSOCIAÇÃO
PERSONALIDADE JURIDICA
RECONHECIMENTO
REGISTO
Conclusões: 
1 - Como corolarios do regime de separação entre o Estado e as Igrejas apresentam-se os principios da não confessionalidade do Estado e da liberdade de organização e independencia das igrejas e confissões religiosas, e, bem assim, as regras da liberdade de ensino de qualquer religião e da não confessionalidade do ensino publico (artigo 41, ns 4 e 5, e 43, ns 2 e 3 da Constituição);
2 - Uma vez que a Constituição garante não so a liberdade de aprender e ensinar (artigo 43, n 1), mas tambem a liberdade de ser ensinada qualquer religião praticada no ambito da respectiva confissão religiosa (artigo 41, n 5), cabe ao Estado facultar a todas as igrejas, em pe de igualdade, a possibilidade de estas ministrarem ensino da religião nas escolas publicas;
3 - Atraves do Despacho Normativo 104/89, de 7 de Setembro, publicado no "Diario da Republica", de 16 de Novembro, pretendeu-se dar cumprimento aos normativos constitucionais referidos na conclusão anterior, por forma a que o sistema publico de ensino proporcione as condições para que as diversas confissões religiosas com implantação no Pais possam usufruir de igualdade de oportunidade de ensinar os principios fundamentais da sua religião nas escolas oficiais dos 2 e 3 ciclos do ensino basico e do ensino secundario;
4 - Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n 594/74, de 27 de Junho, deixou de se poder distinguir, tal como o fazia a Lei n 4/71, de 21 de Agosto, para efeitos de atribuição de personalidade juridica, entre "confissões religiosas" e "associações religiosas", visto que so as associações corresponde tal personalidade;
5 - As associações religiosas adquirem personalidade juridica nos termos do artigo 158, n 1, do Codigo Civil, na redacção do Decreto-Lei n 496/77, de 25 de Novembro, continuando o Ministerio da Justiça a organizar o respectivo registo;
6 - As associações religiosas, como as associações em geral, gozam da faculdade, constitucionalmente reconhecida, de prosseguirem os seus fins, sem interferencia das autoridades publicas - artigo 46 n 2 da Constituição;
7 - A Aliança Evangelica Portuguesa (AEP) e o Conselho Portugues de Igrejas Cristãs (COPIC) são associações religiosas de cupula, que reunem diferentes denominações ou igrejas evangelicas, todas comungando de principios fundamentais de fe;
8 - No exercicio dos seus direitos de liberdade religiosa e de liberdade de associação, a AEP e o COPIC reuniram-se para fins de ensino da disciplina de formação religiosa (evengelica), tendo, para o efeito, constituido a Comissão para a acção educativa evangelica nas escolas publicas (COMACEP), entidade assim mandatada para o estabelecimento das necessarias diligencias;
9 - Para os objectivos indicados na conclusão anterior, a AEP e o COPIC, atraves da COMACEP, são as associações representativas da confissão cristã evangelica em Portugal;
10- A expressão "confissão religiosa", constante do Despacho Normativo n 104/89, deve ser interpretada por forma a permitir a leccionação de aulas de formação religiosa da responsabilidade conjunta da AEP e do COPIC, passiveis de serem frequentadas por alunos pertencentes a qualquer das denominações, congregações ou igrejas associadas nos referidos organismos de cupula.
Texto Integral
Texto Integral: 
 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO
 DA REFORMA EDUCATIVA,
EXCELÊNCIA:
 
                                                1.
 
1.1. A Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário, através de proposta de 7 de Setembro findo, colocou a Vossa Excelência a seguinte questão:
 
"A COMACEP - Comissão para a Acção Educativa Evangélica nas Escolas Públicas – com sede na Av. Conselheiro Barjona de Freitas, nº 16, r/chão, 1500 Lisboa - requereu, nos termos do nº 2 do Despacho Normativo nº 104/89, publicado no diário da República, I série, de 16 de Novembro, autorização  para o funcionamento de aulas de "formação religiosa evangélica", nas escolas secundárias de Loures. Nos requerimentos, aquela Comissão intitula-se autoridade mandatada pela Aliança Evangélica Portuguesa e pelo Conselho Português de Igrejas Cristãs.
 
Os alunos, nos requerimentos formulados em cumprimento do disposto no nº 3 do mesmo diploma, utilizam, para referenciar a respectiva confissão religiosa, uma das denominações constantes do documento em anexo, o que suscita dúvidas sobre a legitimidade da concessão da autorização requerida, face ao que dispõe o citado número 3 ("o funcionamento das aulas de formação religiosa depende, para cada confissão religiosa, de em cada escola ... existir um número não inferior a 15 alunos . . . ") .
 
Com efeito, podem aquelas denominações ser consideradas como pertencentes a uma única confissão religiosa, o que poderia permitir, desde que observadas as demais condições, o deferimento dos pedidos apresentados pela COMACEP, ou, pelo contrário, deve entender-se que a cada uma das denominações corresponde, para efeitos do Despacho Normativo nº 104/89, uma confissão religiosa? ".
 
Em remate, propunha-se a audição deste corpo consultivo. 
1.2.  Em anexo à proposta transcrita, encontra-se uma relação de denominações que integram a Aliança Evangélica Portuguesa – AEP – e o Conselho Português das Igrejas Cristãs – COPIC.
Justifica-se a sua transcrição.
Assim:
a) Quanto à Aliança Evangélica Portuguesa enunciam-se as denominações seguintes:
 
-          Acção Bíblica
-          Assembleias de Deus
-          Comunidade Cristã internacional
-          Congregação Cristã em Portugal
-          Exército de Salvação
-          Igreja Apostólica
-          Igrejas Baptistas
-          Igreja Cigana
-          Igreja Congregacional
-          Igreja de Deus
-          Igreja de Deus Pentecostal
-          Igreja do Deus Vivo
-          Igreja Evangélica Pentecostal
-          Igreja dos Irmãos
-          Igreja do Livramento
-          Igreja Metodista Wesliana
-          Igreja do Nazareno
-          Igreja do Príncipe da Paz
-          Igreja Reformada de Portugal
-          Missão Aliança Evangélica (TEAM)
-          Igrejas Indenominacionais ou Igrejas Independentes
-          Missão Evangélica de Portugal
 
b) Relativamente ao Conselho Português das Igrejas Cristãs, enumeram-se, por sua vez, as seguintes denominações:
-          Igreja Lusitana
-          Igreja Metodista
-          Igreja Presbiteriana 
1.3  Ainda em anexo a proposta extractada em 1.1. encontram-se dois ofícios dirigidos pela COMACEP, que se apresenta como autoridade mandatada pela AEP, e pelo COPIC, à Direcção Regional de Educação de Lisboa.
 
Em ambos, datados, respectivamente, de 23 e de 27  de Julho de 1990, a COMACEP, vem requerer, nos termos dos números 2, 3 e 5 do Despacho Normativo nº 104/89, de 16 de Novembro, a constituição de uma turma de formação religiosa evangélica em duas Escolas Secundárias de Loures (1).
 
Refira-se, a título meramente lateral, que no ofício de 27 de Julho, se refere a constituição da turma, apesar de se terem apenas 14 alunos, pelas razões que se extractam:
 
“- trata-se de uma nova matéria a leccionar este ano lectivo pela primeira vez, experimentalmente;
“- não se ter dado a devida publicitação a esta disciplina, cujos impressos de inscrição chegaram muito tarde, nalguns casos depois das matrículas;
“- não ter ficado claro para todas as escolas que metade do impresso (o recibo) deveria ser entregue ao aluno, o que, na prática, impossibilitará a formação de turmas em diversos estabelecimentos".
 
Informa-se, em conformidade, que se  juntam  “catorze Impressos de matricula/recibo”.
 
Desde já se deixa consignado que, atenta a formulação da consulta e a natureza da questão submetida a apreciação desta instância consultiva, não se cuidará da circunstância de a constituição da turma de formação religiosa evangélica na Escola Dr. António Carvalho  de Figueiredo ter sido requerida por apenas catorze alunos. Trata-se de matéria que não é questionada.
 
Com efeito, no ofício subscrito pela Chefe do Gabinete de Vossa Excelência, sumariando-se o objecto da consulta, escreve-se o seguinte:
 
"A questão põe-se relativamente ao que deve entender-se por "confissão religiosa" para efeitos de requerimento e autorização de aulas de formação religiosa, nos termos dos nºs 2 e 3 do Despacho Normativo nº 104/89, de 16 de Novembro, e uma vez que, quer a Aliança Evangélica Portuguesa, quer o Conselho Português das igrejas Cristãs integram várias "denominações" que são as referenciadas pelos alunos ao requererem que lhes sejam ministradas as respectivas aulas" (2)
 
Tendo-se Vossa Excelência dignado exarar despacho, solicitando a emissão de parecer por este órgão consultivo, cumpre prestá-lo com carácter de urgência que foi imprimido ao pedido.

2.
Polarizado na exploração do âmbito e dos limites dos conceitos de liberdade religiosa e de confissão para fins de ministração de formação religiosa, o parecer percorrerá a legislação fundamental aplicável (cfr. infra, ponto 3), detendo-se, em seguida, na análise dos contornos teóricos dos referidos conceitos, tendo presentes os princípios congregadores, subjacentes às "denominações" (para se utilizar a expressão usada na consulta) integrantes da Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) e do Conselho Português das Igrejas Cristãs (COPIC) - cfr., infra, pontos 4 a 6.
 
Finalmente, em face dos elementos doutrinais e legislativos trazidos ao parecer, e perante a natureza e os objectivos visados pela ministração conjunta de aulas de formação religiosa, nos termos pretendidos, extrair-se-ão as conclusões tidas como correctas, susceptíveis de, no respeito pela lei, salvaguardarem o adequado exercício dos direitos fundamentais de liberdade associativa e religiosa (cfr., infra, ponto 7).
 
3.
3.1. Em Portugal, o catolicismo foi religião oficial do reino até 1910, tendo vigorado até então o princípio da união entre a Igreja católica e o Estado português.
 
É, todavia, no artigo 25º da Constituição de 1822 "que se encontra a primeira fresta aberta na muralha legislativa e costumeira que durante séculos tentara preservar, com o escudo da intolerância, a unidade religiosa, a pureza da fé, e, com elas, a unidade moral e política da Nação” (3).
 
Depois de se afirmar que "a religião da Nação Portuguesa é a católica apostólica romana", essa disposição acrescentava, num segundo período, ser permitido aos estrangeiros o exercício particular dos seus respectivos cultos.
 
Como se escreve em parecer da Câmara Corporativa, a respeito da evolução legislativa do princípio da liberdade religiosa, o facto de o preceito se referir somente aos estrangeiros e de, mesmo quanto a estes, a liberdade concedida se restringir ao culto particular, privado ou doméstico, deixa desde logo antever qual fosse a situação de nacionais e estrangeiros no período anterior ao liberalismo e qual continuaria a ser, no plano legal, o regime mantido com relação aos cidadãos portugueses (4) .
 
Justificar-se-á salientar também a norma do § 4º do artigo 145º da Carta Constitucional (5) , segundo a qual "ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a Moral Pública".
 
Talvez por serem consideradas menos conformes com o citado § 4º do artigo 145º da Carta, certas prescrições da lei penal que puniam diversos crimes contra a religião do Estado e por abuso de funções religiosas (6) não passaram de letra morta.
 
Como escreve António LEITE, “fundadas naquela prescrição constitucional especialmente na segunda metade do século XIX puderam entrar e desenvolver-se em Portugal diversas Igrejas protestantes e outras confissões religiosas, primeiramente entre os estrangeiros, e depois já com portugueses, sendo mesmo nacional alguma dessas confissões" (7) . "Era assim que no final da Monarquia existia em Portugal mais de uma dúzia de igrejas protestantes, ainda que com reduzido número, de adeptos. Só careciam de reconhecimento oficial, pelo que tinham de recorrer aos princípios gerais relativos ao direito de associação, reunião, etc." (8) .
 
3.2. Após a proclamação da República, o Governo provisório apressou-se a decretar diversas medidas laicizantes da sociedade portuguesa e do Estado, tendo  publicado o decreto com força de  lei de 20 de Abril de 1911, conhecido vulgarmente pela designação de Lei da Separação, em cujo artigo 2º se preceituava que "a religião católica apostólica romana deixa de ser a religião do Estado e todas as religiões são igualmente autorizadas, como legítimas agremiações particulares, desde que não ofendam, a moral pública nem os princípios do direito político português". Por seu turno, dispunha o artigo 3º (da Lei da Separação) que ninguém poderia ser perseguido por motivos religiosos, nem perguntado pelas autoridades acerca  da religião que professasse.
 
Entre as demais medidas adoptadas, proibia-se o ensino religioso nas escolas, mesmo particulares,
 
Como se escreveu no já citado parecer da Câmara Corporativa [cfr. nota (4)], "pela primeira vez, não só o Estado e a Igreja aparecem dissociados, na medida em que é eliminada a religião oficial do Estado, como a confissão católica surge em pé de igualdade com as demais confissões, seja no que toca ao culto particular, seja no que respeita ao próprio culto público, agora franqueado dentro de certos termos uniformes a nacionais e estrangeiros" (9) .
 
A Constituição de 1911 consagrava diversos números do seu artigo 3º a assuntos relativos à liberdade religiosa, estabelecendo, designadamente, na sequência da Lei da Separação, a não confessionalidade do Estado, a plena liberdade de consciência e de crença de todos os cidadãos e o carácter neutral de todo o ensino ministrado em estabelecimentos públicos ou particulares fiscalizados pelo Estado (10) .
 
3.3. A Constituição de 1933, no seu artigo 8º, nº 3, entre os direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses, mencionava "a liberdade e inviolabilidade de crenças e práticas religiosas, não podendo ninguém por causa delas ser perseguido, privado de um direito ou isento de qualquer obrigação ou dever cívico", acrescentando ainda que "ninguém será obrigado a responder acerca da religião que professa, a não ser em inquérito estatístico ordenado por lei".
 
No título X da Parte I especificavam-se as relações do Estado com as diversas confissões religiosas e consagrava-se a não confessionalidade do Estado. Aí se inscreviam os artigos 45º e 46º, nos quais se, dispunha, além do mais, ser "livre o culto público ou particular de todas as religiões, podendo as mesmas organizar-se livremente, de harmonia com as normas da sua hierarquia e disciplina" e ainda que, "sem prejuízo do preceituado pelas concordatas na esfera do Padroado, o Estado mantém o regime de separação em relação à Igreja Católica e a qualquer outra religião ou culto praticados dentro do território português".
 
No domínio da educação, ensino e cultura, o § 3º do artigo 43º preceituava que “o ensino ministrado pelo Estado é independente de qualquer culto religioso, não o devendo, porém, hostilizar [...]”. 
 
Este acervo de princípios, reveladores de um regime de separação entre o Estado e a igreja, permitiu que, no já referido parecer da Câmara Corporativa, se consignasse, a dado passo, que no texto constitucional em apreço "não se encontra ainda nenhum sinal expressivo, nem da importância fundamental que os princípios do cristianismo exerceram e continuam a revestir na formação dos Portugueses, nem do relevo especial que, por circunstâncias de vária ordem, assume a religião católica no contexto das relações do Estado com as diversas confissões religiosas".
 
Todavia, em 7 de Maio de 1940, foi assinada a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de cujas disposições mais significativas "é possível verificar que houve, por um lado, o visível propósito de não regressar ao sistema da religião oficial do Estado, mas não se hesitou, por outro, em reconhecer e garantir a Posição especial que para a religião católica advém (sobretudo em matéria de casamento e no capitulo da educação) da importância capital que os princípios da doutrina e moral cristãs tiveram, desde os alvores da nacionalidade, na formação do carácter dos Portugueses, nos quadros da sua vida familiar e social, bem como na expressão territorial da comunidade nacional" (11) . Em consonância com este discurso, o artigo XXI da concordata estabelecia, na sua primeira parte, o seguinte:
 
"O ensino ministrado pelo Estado nas escolas públicas será orientado pelos princípios da doutrina e  moral cristãs, tradicionais do País. Consequentemente ministrar-se-á o ensino da religião e moral católicas nas escolas elementares,  complementares e médias aos alunos cujos pais, ou quem suas vezes fizer, não tiverem feito pedido de isenção”.
 
Como se assinala no já indicado Acórdão do tribunal Constitucional nº 423/87, não existia contradição entre esta norma concordatária e o artigo 43º, § 3º da Constituição de 33, que assegurava a neutralidade do ensino ministrado pelo Estado, uma vez que a Lei nº 1910, de 23 de Maio de 1935, lhe concedera entretanto nova redacção abolindo aquela neutralidade e substituindo-a pela afirmação expressa de que entre os fins essenciais visados pelo ensino oficial se conta a formação de todas "as virtudes morais e cívicas, orientadas aquelas pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País".
 
Mais tarde, o Decreto-Lei nº 36508, de 17 de Setembro de 1947 (Estatuto do ensino liceal), em consonância com a norma concordatária, prescreveria, no artigo 343º, nº 2, que serão dispensados, pelo Ministro da Educação, das sessões de religião e moral os alunos do ensino liceal cujos pais declarem pretender que eles não sejam educados segundo a religião católica.
 
Com a entrada em vigor da Lei nº 2048, de 11 de Junho de 1951, a Constituição (de 33) passou a reproduzir alguns preceitos da Concordata, tendo passado a considerar expressamente, no artigo 46º, a religião católica apostólica romana como religião tradicional da Nação, sem prejuízo de se continuar a afirmar a separação como o regime das relações do Estado com as confissões religiosas.
 
 
3.4.  Entretanto, em 1971, para além da revisão constitucional que, nesta problemática não Introduziu alterações substanciais, foi publicada a Lei nº 4/71, de Agosto, sobre a liberdade religiosa, cujas 21 bases se distribuíram pelos quatro capítulos seguintes:
 
- Princípios fundamentais - Bases I e II;
 
- Conteúdo e extensão da liberdade religiosa - Bases III a VIII;
 
- Do regime das confissões religiosas
 
A) Das confissões religiosas em geral - Bases IX a XVII;
B) Do regime especial da Igreja Católica - Base XVIII;

- Do sigilo religioso - Bases XIX a XXI.

Deixando para momento posterior a consideração de algumas disposições, relativas ao regime das confissões religiosas, mormente no que se refere à sua constituição e reconhecimento (12) justifica-se a transcrição, para já, das Bases I, II e VII.
Assim:
Base I
 
O Estado reconhece e garante a liberdade religiosa das pessoas e assegura às confissões religiosas a protecção jurídica adequada.
 
 
Base II
 
1. O Estado não professa qualquer religião e as relações com as confissões religiosas assentam regime de separação.
 
2. As confissões religiosas têm direito a igual tratamento, ressalvadas as diferenças impostas pela sua diversa representatividade.
 
Base VII
 
1.  O ensino ministrado pelo Estado será orientado pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País.
 
2. O ensino da religião e moral nos estabelecimentos de ensino será ministrado aos alunos cujos pais ou quem suas vezes fizer não tiverem pedido isenção.
 
3. Os alunos maiores de 18 anos poderão fazer eles próprios o pedido de isenção.
 
4. Para o efeito, no acto de inscrição em qualquer estabelecimento em que se ministre o ensino de religião e moral aquele a quem competir declarará se o quer ou não.
 
5. A inscrição em estabelecimentos de ensino mantidos por entidades religiosas implica aceitação do ensino da religião e respectiva confissão, salvo declaração pública em contrário dos seus dirigentes.
 
Posteriormente, a Lei nº 5/73, de 25 de Julho (bases do sistema educativo), reafirma o princípio de que o ensino deve ser orientado pelos princípios da moral e doutrina cristãs tradicionais no País, devendo obedecer ao estabelecido na Constituição e na lei da liberdade  religiosa (cfr. base III, nº 2, alínea a), e nº 3) (13) .
 
3.5. Justifica-se, pois, que, antes de se prosseguir  na análise da legislação ordinária  definidora do conteúdo e extensão do princípio da liberdade religiosa, atente na formulação do quadro essencial de referências que à matéria é dedicado pela Constituição de 1976.
 
Sob a epígrafe "Liberdade de consciência, de religião e de culto", o artigo 41º do texto constitucional dispõe o seguinte, na redacção resultante da segunda revisão, operada pela Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho (14) :
 
“1.  A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
 
 2.  Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa.
 
 3.  Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.
 
 4.  As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.
 
 5.  É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.
 
 6.  É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei".
 
 Como se escreve no Acórdão do Tribunal Constitucional Nº 423/87, já algumas vezes mencionado, "este preceito, em especial os seus nºs 1, 2 e 5, coincide com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a cuja luz, em conformidade com o disposto no seu artigo 16º, devem ser Interpretados e integrados os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais.
 
"A liberdade de religião traduz-se na liberdade de adoptar ou não uma religião, de escolher uma determinada religião, de fazer proselitismo num sentido ou noutro, de não ser prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou anti-religiosa.
 
"O preceito do nº 4 dá expressão ao princípio da separação entre o Estado e as igrejas, principio que as leis de revisão constitucional terão de respeitar, por força do disposto no artigo 290º, alínea c), da Constituição".
 
No âmbito da matéria de ensino, que importa considerar especialmente, o artigo 43º do texto constitucional, sob a epígrafe "Liberdade de aprender e ensinar", preceitua assim:
 
“1. É garantida a liberdade de aprender e ensinar.
 
  2. Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, Políticas, ideológicas ou religiosas.
 
  3. O ensino público não será confessional.
 
  4. É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas" (15) .
 
No nº 2 deste artigo proíbe-se o dirigismo, pelo Estado, da educação segundo quaisquer directrizes, nomeadamente  de ordem religiosa.
 
Por seu turno o nº 3 consagra o princípio da não confessionalidade do ensino público (16).
 
Continuando a acompanhar-se o citado Acórdão do Tribunal Constitucional, aí se refere que a Constituição de 76 "afirma não só o princípio da separação entre o Estado e a Igreja, como também, e contrariamente ao texto constitucional de 1933, não concede qualquer referência particular à religião católica, então considerada, não obstante o regime de separação instituído, como "religião tradicional da Nação Portuguesa".
 
"Para além de um esquema de separação aparentemente rígido, a Constituição consagra também a garantia da igualdade da capacidade jurídica, civil e política, independentemente das convicções ou prática religiosa (artigos 13º, nº 2, e 41º, nº 2).
 
"Como corolário do regime de separação apresentam-se os princípios da não confessionalidade do Estado e da liberdade de organização e independência das igrejas e confissões religiosas. E em matéria de ensino, aquela que especialmente importa ter presente, afirma-se a não confessionalidade do ensino publico.
 
"Mas, apesar dos princípios assim consagrados no texto constitucional de 1976, não parece poder afirmar-se que se haja dado acolhida ao regime estatuído na Lei da Separação e na Constituição de 1911, instituindo-se um sistema radical de escola laica  idêntico ao ali estabelecido e proibindo todo e qualquer ensino religioso nas escolas públicas.
 
"Com efeito, como desde logo se colhe dos debates da Assembleia Constituinte a que anteriormente se fez menção, ali se entendeu que "a não confessionalidade do ensino oficial abrange os programas oficiais, mas não impede que as diferentes confissões ministrem ensino confessional nos estabelecimentos de ensino oficial aos alunos que, por decisão sua ou de seus pais, assim o pretenderem (cf. proposta de substituição do nº 3 do futuro artigo 43º apresentada pelo Grupo Parlamentar do então Partido Popular Democrático na sessão de 14 de Outubro de 1975).
 
"Por outro lado, um entendimento dos princípios da separação do Estado e das igrejas e da não confessionalidade do ensino público que conduzisse, pura a simplesmente, ao banimento do ensino religioso nas escolas públicas (diz-se nas escolas públicas e não das escolas públicas, o que, como é manifesto, traduz realidade inteiramente distinta), tendo em atenção os especiais enquadramentos históricos e culturais da sociedade portuguesa, haveria de redundar em afrontamento ao principio da liberdade religiosa na sua componente positiva.
 
"Com efeito, concepção da liberdade religiosa com um mero conteúdo formal, entendida como esfera de autonomia frente ao Estado e reduzida ao livre jogo de espontaneidade social, parece não satisfazer, por insuficiência, as consciências dos nossos dias".
 
E, mais adiante, pondera-se o seguinte:
 
"A não confessionalidade do ensino público apresenta-se como corolário dos princípios da separação e da não confessionalidade do Estado.
 
"Todavia, a neutralidade do Estado não impede que este deixe de criar as condições adequadas à facilitação do exercício de liberdade religiosa a população estudantil que, inscrevendo-se num contexto tradutor de uma certa realidade, não pode ser ignorada como fenómeno social.
"Não se trata de proteger ou Privilegiar uma qualquer confissão religiosa, mas sim de garantir o efectivo exercício da liberdade religiosa, como consequência de uma situação e de uma exigência social".
 
 
3.6. Como observam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, se e certo que a Constituição veda toda e qualquer orientação religiosa do ensino público, proibindo também Que as escolas públicas possam funcionar como agentes do ensino religioso, é, em contrapartida, seguro Que não impede que o Estado possa facultar às diversas igrejas,
condições de igualdade, a possibilidade de certas ministrarem o ensino da religião nas escolas publicas (17).
 
3.6.1. Os princípios constitucionais serão afrontados reflecte-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 423/87 - "quando o Estado, quebrando a neutralidade que deve guardar nesta matéria, autoriza que as suas escolas ministrem o ensino de uma qualquer religião, outro tanto não sucedendo já quando o mesmo Estado, enquanto dinamizador dos valores e interesses socialmente legítimos que deve garantir e desenvolver, permite Que nas escolas públicas esse ensino seja ministrado pelas confissões religiosas".
 
Vêm estas considerações a propósito da declaração de inconstitucionalidade, com torça obrigatória geral, decidida pelo aludido Acórdão, da norma do artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 323/83, de 5 de Julho, na parte em que exigia daqueles que não desejem receber o ensino da religião e moral católicas uma declaração expressa em tal sentido, por violação do disposto nos artigos 168º, nº 1, alínea b), e 41º, nºs 1 e  3, da Constituição. Mais foi decidido declarar também a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos nºs 2 e 3 do mesmo artigo 2º (18), enquanto representam mera consequência da parte da norma que anteriormente fora havida por inconstitucional (19).
 
3.6.2. Considerando a necessidade de dar cumprimento ao nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 323/83, a Portaria nº 333/86, de 2 de Julho, procedeu à regulamentação da leccionação da disciplina de Religião e Moral Católicas no ensino primário (20).
 
Posteriormente, a Portaria nº 831/87, de 16 de Outubro, estabeleceu para as escolas superiores de educação e para os centros integrados de formação de professores das universidades as condições que permitem assegurar o ensino de educação Moral e Religiosa Católica nestes estabelecimentos de ensino, na formação de educadores de infância e de professores do 1º ciclo do ensino básico.
 
Por seu turno, através da Portaria nº 344-A/88, de 31 de Maio, foram definidas regras a observar, nos processos de matrícula, para a inscrição específica na disciplina de Religião e Moral Católicas. Neste diploma foram tomadas em atenção as consequências resultantes do Acórdão nº 423/87 do Tribunal Constitucional, no que se refere à "necessidade de adequar, no acto de matricula, os impressos por que se efectua a inscrição específica na referida disciplina".
 
Assim, para o efeito da declaração de vontade de frequência da referida disciplina, os impressos de matricula nos diversos anos dos 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário passaram a incluir espaço próprio, conforme modelo anexo, nos termos do qual se passou a tornar necessário inscrever sim no local indicado, declaração que compete aos encarregados de educação dos alunos, ou, no caso de estes serem maiores de 16 anos, aos próprios alunos (pontos 1º e 2º). Como se estabelece no ponto 3º, "só é vinculativa para o efeito da frequência da disciplina de Religião e Moral Católicas a declaração positiva feita nesse sentido".
 
Outros diplomas merecem ainda breve referência, em alguns dos seus normativos.
 
Assim, v.g. Decreto-Lei nº 286/89, de 29 de Agosto, que aprovou os planos curriculares dos ensinos básico e secundário (21) dispõe, no nº 4 do artigo 7º, que "em alternativa à disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, os alunos poderão optar pela disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica ou que outras confissões" (sublinhado agora).
 
3.7. Chega-se, enfim, ao Despacho Normativo nº 104189, de 7 de Setembro, publicado no Diário da República, I Série, de 16 de Novembro, nos termos de cujo nº 2 a COMACEP requereu o funcionamento de aulas de "formação religiosa evangélica".
 
Atenta a especial relevância do seu conteúdo, justifica-se que se proceda à transcrição de parte do referido diploma.
Discorre-se assim na parte preambular:
 
"A Constituição da República Portuguesa consagra a liberdade de consciência e de religião, a inviolabilidade do culto, bem como a separação entre o Estado e as diversas comunidades religiosas.
 
"Por outro lado, e com incidência preponderante no Ministério da Educação, também a nossa lei fundamental garante não só a liberdade de aprender e ensinar, como também a liberdade de ser ensinada qualquer religião praticada no âmbito da respectiva confissão.
 
"A salvaguarda desses direitos exige, nomeadamente, que o sistema público de ensino proporcione as condições para que as diversas confissões religiosas possam usufruir de igualdade de oportunidades de ensinar os princípios fundamentais da sua religião durante o tempo lectivo dos alunos, no respeito da respectiva expressão social.
 
"Os princípios, constitucionais atrás invocados hão-de orientar a parcela da actividade que ao Ministério da Educação desenvolver no âmbito do ensino dos princípios fundamentais das confissões religiosas que assim o desejem e, para tanto, o proponham.
 
"A Igreja Católica, dada a sua representatividade junto da população portuguesa, viu há muito consagrada a eficácia de tais direitos através da Concordata, assinada entre o Estado Português e a Santa Sé em 7 de Maio de 1940 e confirmada pelo Protocolo Adicional de 15 de Fevereiro de 1975. E, em conformidade com a Concordata, foi publicado o Decreto-Lei nº 323/83, de 5 de Julho, que, já expurgado da única inconstitucionalidade nele detectada pelo Tribunal Constitucional, mais modernamente desenvolve os princípios nela contidos sobre tão importante matéria.
 
"Importa ainda, contudo, que sejam propiciadas às demais confissões religiosas condições que permitam considerá-las, todas elas, em manifesta situação de igualdade de oportunidades e de tratamento perante a lei.
 
"Esta orientação está inequivocamente subordinada à garantia que pertence aos pais e às mães na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, e concretiza-se nos princípios gerais que ordenam, a reestruturação curricular estabelecidos no Decreto-Lei, nº 286/89, de 29 de Agosto.
 
"Visando dar cumprimento aos normativos constitucionais invocados e ao disposto no artigo 7º do mencionado Decreto-Lei nº 286/89, fixam-se pelo presente despacho, com clareza, as regras que hão-de orientar, no curto e médio prazo as condições em que ser ministrado nas escolas oficiais dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e, do ensino secundário o ensino dos princípios morais e religiosos das confissões religiosas que, para além da Igreja Católica, se encontram implantadas em Portugal.
"Inicia-se, nesta conformidade, o desenvolvimento de adequado normativo legal, em regime de experiência pedagógica, através do qual se irão obter os elementos informadores que, no futuro, permitirão uma melhor e mais real concretização dos objectivos que o orientam".
 
Determina-se, em sequência, sob os números 1 a 3 da parte dispositiva, o seguinte (22):
 
“1. Nas escolas oficiais dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário poderão ser ministradas, em regime de frequência facultativa, aulas de formação religiosa das diversas confissões religiosas com implantação em Portugal.
 
 2. Para efeitos do disposto no número anterior, cada uma das confissões religiosas, através da autoridade própria para tanto mandatada, requererá ao Ministro da Educação autorização para que em identificada escola oficial dos 2º e 3º ciclos do ensino básico ou do ensino secundário sejam ministradas as respectivas aulas.
 
3. O funcionamento das aulas de formação religiosa depende, para cada confissão religiosa, de em cada escola oficial do 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário existir um número não inferior a 15 alunos que no competente acto de inscrição hajam voluntariamente requerido que lhes seja ministrada a respectiva aula”.
 
3.8. Refiram-se, por fim, nesta resenha da legislação relevante, mais dois diplomas. O primeiro é o Decreto-Lei nº 407/89, de 16 de Novembro, que criou nas escolas dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e nas escolas do ensino secundário, lugares do quadro para professores das disciplinas de Educação Moral e Religiosa Católica. Refira-se, designadamente, por dizer respeito à problemática que nos ocupa, a seguinte passagem do respectivo preâmbulo:
"Os princípios de liberdade de consciência e de religião, da inviolabilidade de culto e de separação entre o Estado e as diversas comunidades religiosas, que a Constituição da República Portuguesa consagra, determinam, até como salvaguarda da liberdade de aprender e de ensinar, que o normativo estabelecido pelo presente diploma seja tornado extensivo às demais confissões religiosas.
"Pelo Despacho Normativo nº 104/85, de 16 de Novembro, o Governo lançou, em regime de experiência pedagógica, já para o ano de 1990-1991, a possibilidade de nas escolas de ensino não superior serem ministradas aulas de formação religiosa das diversas confissões religiosas com implantação em Portugal".
O segundo dos diplomas a mencionar é o Despacho Normativo nº 6-A/90, de 31 de Janeiro, o qual, na sequência de proposta apresentada pela Conferência Episcopal Portuguesa, e nos termos do estabelecido no artigo 2º do Decreto-Lei nº 407/89, define as habilitações próprias e suficientes para a leccionação da disciplina de Educação Moral e religiosa Católica.
 
4.
4.1. Pode dizer-se que, num sentido amplo e descomprometido, “religião" é todo um sistema ideológico que busca uma, explicação transcendental, metafísica, para a razão de ser do universo e da vida exteriorizando-se em actos que traduzem uma relação do homem para com um ser seu superior - Deus. Será, assim, religiosa toda a atitude, individual ou colectiva, exteriorizável em actos, pela qual os homens manifestem a sua fidelidade aos princípios em que crêem, formando uma Comunidade ou Igreja (23).
 
4.1.1. A Lei nº 4/71, cuja sistematização delineamos supra, no ponto 3.4., estabelecia, nas bases IX e seguintes., a distinção entre religiosas" (cfr. v.g., bases IX a XI) e "associações (ou institutos) religiosas" (cfr. v.g., base XII), estabelecendo entre estes conceitos lima relação que podemos considerar de generalidade/especialidade - cfr., v.g., base XIII, para além da base XII, nº 2, onde também se pode recolher uma concretização do que se deixa reflectido.
 
Adoptando noções já perfilhadas por este órgão consultivo, poder-se-ia dizer que a "confissão religiosa" constituía “um todo complexo institucionalizado, comportando um núcleo de fiéis, corpo de doutrina, bem como a exteriorização princípios ou prática confessional, integrando os chamados actos de culto, a tudo acrescendo, segundo certos autores, um elemento histórico consubstanciável na tradição" (24).
 
Mais simplesmente poderá dizer-se que "confissão religiosa" é uma comunidade assente num corpo de doutrina, exprimindo-se num culto, ordenada por um regime normativo e uma certa organização hierarquizada - cfr. bases IX, nº 3, XI, nºs 1 e 2, e XII, nº 2, da Lei nº 4/71.
 
Já a ".associação religiosa", no sistema da Lei nº 4/71, tem por substrato um conjunto de pessoas que põem em "comum" os seus esforços para um objectivo, representando a emanação de um grupo religioso (de uma "confissão") (25).
 
Ou, adoptando a teorização acolhida pela citada informação parecer nº 116/75, poderá dizer-se que a "associação ou instituto religioso" pressupõe “uma confissão professada e destina-se, fundamentalmente, à prossecução dos fins religiosos da comunidade em causa, quer de natureza marcadamente cultual, quer de índole mais alargada mas qualquer modo, visando fomentar o respectivo credo religioso" (26).
 
A referida distinção encontra-se em diversos autores, nomeadamente no âmbito da doutrina italiana (27).
 
Veremos, no entanto, que a referida distinção, sustentável, embora, no plano dos conceitos, não tem hoje relevância jurídica no nosso ordenamento normativo, no que se refere ao regime de atribuição de personalidade jurídica as "instituições religiosas" (28) .
 
Concluiu-se, de facto, na informação-parecer já referida, o seguinte:
 
"As disposições da Lei nº 4/71, de 21 de Agosto, e do Decreto nº 216/72, de 27 de Junho, foram revogadas pelo Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, na medida que condicionavam a atribuição de personalidade jurídica das confissões religiosas e das associações e institutos religiosos não católicos a um reconhecimento especifico sujeito à verificação dos requisitos nesses textos exigidos” e que, “após a entrada em vigor daquele Decreto-Lei nº 594/74, não há que distinguir, para efeitos de atribuição de personalidade jurídica entre "confissões religiosas" e "associações religiosas", pois só às associações compete tal personalidade" (29).
 
Fundamentando esta conclusão, pode ler-se na aludida informação-parecer que era certo ter o enquadramento normativo resultante da Lei nº 4/71 mantido a distinção entre confissões e associações religiosas e, simultaneamente, a subordinação destas àquelas.
 
Ponderava-se que a situação se podia explicar, uma vez que, "exigindo-se o reconhecimento específico por parte da Administração para as confissões (base IX da Lei nº 4/71 e artigo 1º do Decreto nº 216/72), proporcionava-se, quanto às associações, um sistema de fiscalização ditada casuisticamente por critérios de oportunidade, de que é paradigma o âmbito por demasia vago e indefinido da base VIII, (lesse modo se instituindo o controle do movimento associativo".
 
Mas logo se acrescentava que é diferente o sistema hoje vigente. Com efeito, a análise do novo texto constitucional de 76 revela a preocupação de instituir um regime que anule todo o sintoma de intolerância religiosa, o que, aliás, se integra no espirito do Concilio Vaticano II.
 
E acrescentava-se:
 
“Na verdade, desaparecendo o reconhecimento por concessão, nada impede que um grupo de cidadãos recorra ao mecanismo previsto no diploma de 1974 (o Decreto-Lei nº 594/741 para que a crença por si professada adquira estatuto legal e uma situação de direito na ordem jurídica portuguesa.
"A esta luz cessa a razão de ser da distinção - no plano legal, que não no conceitual. - entre “confissões religiosas" e, “associações religiosas", pois ao regime vigente a partir do Decreto-Lei nº 594/74 é irrelevante tal distinção, nessa medida se encontrando revogados os anteriores diplomas.
"Instituir uma religião não é, certamente, a mesma coisa que redigir os estatutos de uma associação de caridade ou de um clube desportivo, mas impedir os seus fiéis de lhe proporcionarem um "status" de direito é discricionário e inconstitucional. E não devem admitir-se hoje argumentos do tipo utilizado no parecer da Câmara Corporativa nº 25/X sobre o Projecto da Proposta de Lei nº 6/X, (futura lei nº 4/71): "correr-se-ia ... o risco sério de deixar passar, embuçados sob a capa mística da inviolabilidade das crenças religiosas, os desígnios mais perigosos para a paz e tranquilidade públicas"".
 
Estas considerações e as já reproduzidas conclusões da informação-parecer nº 116/75 viriam a ser "confirmadas " no âmbito do parecer nº 166/81.
 
4.1.2. O Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, ao reconhecer e regulamentar o direito de associação, representa um marco normativo do mais saliente alcance na modificação de um regime relativo à aquisição da personalidade jurídica das associações ou institutos religiosos não católicos, cujo formalismo, após a sua entrada em vigor passou a ser o constante do referido diploma (30).
 
Antes dessa data, e salvaguardando o regime especial de Igreja Católica, a aquisição de personalidade jurídica das associações ou institutos religiosos dependia do reconhecimento prévio das correspondentes confissões religiosas, outorgado pelo Governo, nos termos da base IX da Lei nº 4/71, de 21 de Agosto (reconhecimento por concessão ou especifico) (31).
 
Justifica-se, assim, aprofundar um pouco o conhecimento do regime constante da Lei nº 4/71 e do Decreto nº 216/72, de 27 de Junho, que a veio regulamentar.
 
4.2. Antes, porém, convirá proceder a uma breve explanação sobre o desenvolvimento no nosso ordenamento normativo do direito de associação (32).
 
4.2.1. Colocados na perspectiva do exercício de um direito através da constituição de associações, questão fundamental é a de saber até que ponto se admite a intervenção do Estado ou, em contrapartida, até onde se exerce ou pode exercer a liberdade dos indivíduos. É na dilucidação dessa temática que CARBONNIER fala de degraus de liberdade" (33) , distinguindo particularmente três:
 
Em regimes autoritários o Estado não permite sequer que os indivíduos constituam um agrupamento com uma certa permanência sem autorização prévia - é a própria liberdade elementar de associação que não existe. É, simultaneamente, o grau mais intenso de intervenção do Estado na constituição de associações pelos indivíduos ( ... ).
 
Em regimes liberais é reconhecido o direito de os indivíduos se agruparem, mas o Estado pode limitar ou condicionar a aquisição de personalidade jurídica pelos agrupamentos formados, em maior ou menor grau. A intervenção do Estado surge agora num segundo momento ( ... ) - já não no que concerne à constituição do agrupamento, mas no que se refere à aquisição por este de personalidade jurídica. É livre a existência de agrupamentos, mas limitada a pessoas jurídicas daí decorrentes, as quais não existem, ou só existem em termos limitados, antes do reconhecimento a cargo de entidades públicas.
 
Um terceiro "degrau", e as associações adquirem personalidade jurídica sem qualquer intervenção do Estado, unicamente mediante o preenchimento de certos requisitos formais ou até sem exigência deste tipo, existindo apenas, neste último caso, um regime repressivo dos abusos.
 
Justifica-se, assim, uma sucinta abordagem da evolução das grandes linhas a que tem obedecido a regulamentação do direito de associações em Portugal na vigência das Constituições de 1933 e de 1976. Para o efeito, seguir-se-á de perto um estudo de LEONOR BELEZA e de TEIXEIRA DE SOUSA (34).
 
4.2.2. A Constituição de 1933 referia-se no artigo 8º, nº 14, à liberdade de associação, contudo, no § 2º desse preceito que a mesma ficava dependente de lei especial, que regularia o modo estipulando, do seu exercício, o que viria a acontecer com a publicação do Decreto-Lei nº 39660, de 20 de Maio de 1954 (35).
 
Eram os seguintes os tópicos essenciais do regime instituído por este diploma, no que se refere à regulamentação da aquisição e extinção da personalidade das associações:
 
a) Condicionamento da formação e existência jurídica das associações à aprovação dos respectivos estatutos pelo governador civil do distrito da sua sede ou pelo Ministro do Interior, quando o âmbito da respectiva actividade excedesse o do distrito (artigo 2º);
 
b) Controlo administrativo para a extinção da associação, com a inventariação de um largo quadro de circunstâncias em que permitida a intervenção administrativa para esse efeito (artigo 4º);
 
c) Aplicação às associações que funcionassem em contravenção ao regime fixado do estipulado para as associações secretas (que se encontravam regulamentadas pela Lei nº 1901, de 21 de Maio de 1935), salvo se a sua actuação caísse dentro das "actividades subversivas", do Decreto-Lei nº 37447, de 13 de Junho de 1949 (artigo 6º).
 
4.2.3. Na sequência das disposições então vigentes sobre o direito de associação, o Código Civil de 1966 também se orientou em moldes muito restritivos no estabelecimento do alcance daquele direito no campo privado.
 
As grandes linhas fixadas pelo Código de 1966 foram:
 
a) Controlo exercido através do reconhecimento individual da personalidade jurídica (artigo 158º);
 
b ) Necessidade de aprovação para alterações substanciais ao acto de constituição e aos estatutos (artigo 169º);
 
c) Exigência de autorização governamental para a aquisição, alienação ou oneração de imóveis (artigo 161º, nº 2)
 
d) Falta de controlo jurisdicional na da associação (artigo 182º, nº 2).
 
Atenta a ligação entre o reconhecimento individual da personalidade jurídica e o controlo administrativo previste pelo Decreto-Lei nº 39660, o regime fixado pelo Código Civil consistia num reconhecimento por concessão, baseado em critérios de oportunidade, que coexistia com o momento da autorização administrativa (36) .
 
4.2.4. Na sequência da alteração legislativa operada pela Lei Constitucional nº 3/74, de 14 de Maio, surgiu o Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro (que revogou expressamente a Lei nº 1901 e os Decretos-lei nºs 39660 e 520/71, este de 24 de Novembro).
 
Do novo regime jurídico justifica-se destacar o seguinte:
 
a) direito a constituição de associações passa a ser livre, sendo-lhe fixados tão somente os limites que são “ directa e necessariamente pela salvaguarda de interesses superiores e gerais da comunidade política" (do preâmbulo).
 
Passa, assim, a dispensar-se a necessidade de autorização prévia, sendo garantido o livre exercício do direito de associação aos cidadãos maiores de 18 anos no gozo dos seus direitos civis para fins não contrários à lei ou à moral pública (artigo 19), não sendo também permitidas "as associações que tenham por finalidade o derrubamento das instituições democráticas ou a apologia do ódio ou da violência" (artigo 3º);
 
Em matéria de aquisição de personalidade jurídica, o artigo 4º, nº 1 (37) estabelece que ela ocorre com o "depósito de um exemplar do acto de constituição e dos estatutos no governo civil da área da respectiva sede, após prévia publicação no Diário da república e num dos jornais mais lidos na região de um extracto, autenticado por notário, do seu título constitutivo ( ... )".
 
Mais se estipula no nº 2 do referido artigo 4º que dentro de oito dias a contar da data do depósito deve ser remetida uma cópia do título constitutivo ao agente do Ministério Público junto do tribunal da comarca da sede da associação, por forma a possibilitar que este promova a declaração judicial de extinção da associação, se for caso disso;
 
c) As associações extinguem-se, quer por deliberação da assembleia geral ou pela superveniência de qualquer facto extintivo (artigo 6º, nº 1), quer por decisão judicial (artigo 6º, nº 2).
 
4.2.5. A Constituição de 1976 consagrou o direito de associação no elenco dos direitos, liberdades e garantias (artigo 46º, incluído no título II parte 1) (38)
 
Pela importância de que se reveste, procede-se à transcrição do citado artigo 46º:
 
“1. Os cidadãos têm o direito de livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.
 
  2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.
 
  3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido, por  qualquer meio, a permanecer nela.
 
  4. Não são consentidas associações armadas  nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares
fora do Estado ou das forças armadas nem organizações que perfilhem a ideologia fascista".
 
O direito de associação, que consagra o principal dos tipos constitucionalmente protegidos de organização colectiva dos cidadãos, desdobra-se em vários direitos ou liberdades específicos.
 
Assim:
a)  O nº 1 reconhece o chamado direito positivo de associação, ou seja direito individual dos cidadãos constituir livremente associações sem impedimentos e sem imposições do Estado, bem como o direito de se filiar em associação já constituída";
 
b) "O nº 2 reconhece a liberdade de associação, enquanto direito da própria associação a organizar-se e a prosseguir livremente a sua actividade";
 
c ) "Finalmente, o nº 3 garante a liberdade negativa de associação, isto é, o direito do cidadão de não entrar numa associação, bem como o direito de sair dela" (39)
 
De acordo com a primeira parte do nº 2 do artigo 46º, as associações "prosseguem livremente os seus fins", pelo que têm direito a gerir livremente a sua vida. Mas, como salientam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "isso não significa que, quando as actividades externas a que elas se dediquem estejam sujeitas a determinados requisitos gerais, elas fiquem livres de se submeterem a eles".
 
4.2.6. O conteúdo constitucionalmente tutelado do direito de associação não abrange a garantia de aquisição de personalidade jurídica, como pessoa colectiva (40) matéria cujos pressupostos podiam ser fixados pela lei. Foi assim que o Decreto-Lei nº 486/77, de 25 de Novembro (que deu execução ao imperativo constitucional dimanante do disposto no nº 3 do artigo 293º da lei fundamental), introduziu alterações ao Código Civil que se cifraram, no essencial, em o adaptar ao novo regime do reconhecimento normativo das associações, ou seja, "de aquisição por estas de personalidade independentemente de intervenção em cada caso de uma autoridade motivada por juízos de oportunidade, mas antes apenas por mero efeito da lei, subordinadas ao preenchimento de certas condições postas abstractamente para todos os casos" (41) . Assim se modificou o regime Introduzido pelo Decreto-Lei 594/74 (cf. nº 4.2.4.), passando a vigorar, em
sede de aquisição da personalidade, o disposto no nº 1 do artigo 158º do Código Civil, segundo o
qual associações constituídas por escritura pública, com as especificações referidas no nº 1 do artigo 167º, gozam de personalidade jurídica” (42). Por seu turno, o artigo 167º refere o conteúdo do acto de constituição e dos estatutos. Entretanto, nos termos do nº 1 do artigo 168º, “o acto de constituição, os estatutos e suas alterações devem constar de escritura pública".
 
Do que se deixou dito infere-se facilmente que no regime legal vigente ao tempo da Constituição de 1933 o reconhecimento era por concessão, ao passo que, no regime actual, o reconhecimento é normativo (43) .
 
4.3 Fechado este parêntesis, torna-se mais fácil assimilar o regime constante da Lei nº 4/71, editada na vigência da Constituição de 33.
 
Recordemo-lo, a traços largos. Pode enunciar-se assim (44) :
 
a) As confissões religiosas obtêm personalidade jurídica mediante reconhecimento outorgado pelo Governo, tratando-se, pois, de reconhecimento concessão ou especifico - cfr. base IX;
 
b) Só depois de reconhecidas as confissões religiosas é que estas podem promover reconhecimento de associações ou institutos religiosos que se constituam de harmonia com as respectivas normas e disciplina, reconhecimento esse que, por depender apenas do acto de registo da participação  escrita da constituição, tem a natureza de normativo - cfr. base XII, nº 2;
 
c) Do mesmo modo que as associações ou institutos religiosos só podem adquirir personalidade jurídica depois de reconhecidas as confissões religiosas de que estão dependentes, também a revogação do reconhecimento destas confissões impede a permanência na ordem jurídica das mencionadas associações ou institutos - cfr. base XIII.
 
Pode, assim, concluir-se que a existência de uma confissão religiosa legalmente reconhecida é condição sine qua non da aquisição e manutenção da personalidade jurídica das associações ou institutos religiosos (45) .
 
Segundo MARCELLO CAETANO, já assim era antes da Lei nº 4/71, pois, no Manual de Direito Administrativo (46) afirma o seguinte:
 
"Em relação às associações religiosas não católicas vigoram as disposições dos artigos 449º e 450º do Código Administrativo (47) . Para uma associação ser considerada religiosa é necessário, porém, que previamente haja obtido reconhecimento oficial a organização de fiéis correspondente à religião não católica em causa, a que genérica, mas muitas vezes impropriamente, se chama Igreja. Na verdade, se as confissões cristãs usam essa designação, já ela não cabe a confissões não cristãs existentes em território português, como a maometana ou a israelita.
 
"Para que essas religiões possuam existência oficial que lhes permita constituir associações religiosas faz-se mester que, ao abrigo do direito comum de associação, obtenham primeiro para o conjunto dos seus fiéis com os respectivos órgãos directivos ou representativos (compreendendo ou não uma hierarquia sacerdotal) a personalidade  Jurídica".
 
Sendo assim, perguntava-se no parecer nº 20/74 se a Lei nº 4/71 teria introduzido alguma coisa de novo. Pergunta que mereceu resposta afirmativa, dado que, anteriormente a ela, não havia normas próprias respeitando ao reconhecimento, personalidade jurídica e funcionamento das confissões religiosas, pelo que tais matérias estavam submetidas ao regime geral do direito de associação (48) . Isto não obstante se ter mantido  o princípio básico de que a constituição das associações religiosas depende do reconhecimento prévio das correspondentes confissões religiosas.
 
4.4. Continuemos a acompanhar o parecer nº 20/74, agora na análise das disposições fundamentais do Decreto nº 216/72, cujo artigo 1º atribuiu competência ao Ministro da Justiça para, ouvido o Ministério do Interior, decidir sobre os pedidos de reconhecimento de confissões religiosas, nos termos da base IX da Lei nº 4/71, bem como proceder à respectiva revogação, nos termos da base X da mesma Lei.
 
Os artigos 2º, 3º e 4º do mencionado Decreto tratam de vários aspectos de natureza adjectiva relacionados com tal reconhecimento, enquanto os artigos 5º a 8º dispõem sobre o reconhecimento das associações ou institutos religiosos.
 
Nestes últimos artigos faz-se referência expressa à base XII da Lei nº 4/71, respeitando-se, coerentemente, o regime nela estabelecido, pois exige-se, além do mais, que a participação de constituição de associações ou institutos religiosos seja efectuada pelo órgão
competente da confissão religiosa a que pertençam, o que pressupõe o prévio reconhecimento dessa confissão.
 
Isto é confirmado pelo artigo 11º, do Decreto nº 216/72, onde se dispõe que "será organizado no Ministério da Justiça o registo das confissões religiosas reconhecidas, o qual incluirá o averbamento, para cada uma delas, das respectivas associações ou institutos religiosos".
 
Resta analisar o artigo 12º do mencionado Decreto, cuja redacção é a seguinte:
 
"Consideram-se reconhecidas, independentemente do cumprimento do disposto no presente diploma, as confissões em que se integrem associações religiosas regularmente instituídas antes do inicio da vigência da Lei nº 4/71".
 
Qual o verdadeiro alcance desta disposição?
 
Parece que nela se pretendeu estabelecer um reconhecimento normativo, em contraposição ao reconhecimento por concessão ou específico, próprio das confissões religiosas.
 
Quer dizer, o facto de uma associação religiosa ter sido regularmente instituída antes do início da vigência da Lei nº 4/71 significa, sem mais, que a confissão religiosa em que ela se integra se considera reconhecida, tratando-se, pois, sem dúvida, de um reconhecimento que resulta directamente da lei, e , portanto, normativo.
 
Como se reflecte no parecer nº 20/74, em face do referido artigo 12º do Decreto nº 216/72, "o facto de uma associação religiosa ter sido regularmente instituída antes do início da vigência da Lei nº 4/71 significa, sem mais, que a confissão religiosa em que ela se integra se considera reconhecida". E acrescentava-se o seguinte:
 
"Portanto, se uma outra associação religiosa pertencente à mesma confissão pretender ser reconhecida, é  evidente que não tem de ser pedido o reconhecimento prévio dessa confissão, visto que ela já está reconhecida à face da lei, não tendo nenhum sentido um outro reconhecimento, embora de tipo diferente" (49) (50) .
 
5.
Já atrás se referiu a importância do conteúdo da apresentada pelo Presidente da Aliança Evangélica  Portuguesa, aquando da preparação da Lei da Liberdade Religiosa - cfr., supra nota (29).
 
Justifica-se, até pela identidade da instituição exponente, acompanhar alguns extractos desse documento.
 
Podem enunciar-se assim os tópicos considerados mais relevantes da aludida exposição, tendo em atenção os objectivos da presente consulta:
 
a) Partindo da própria natureza do princípio da liberdade religiosa, a AEP entende que "um Estado deve reconhecer como legítimas as expressões religiosas individuais e colectivas e fazer que os diferentes órgãos estatais concedam as devidas garantias para a exequibilidade desse direito, tanto das maiorias como das minorias religiosas";
 
b) A falta de igualdade religiosa tem sido causa de muitas dificuldades a milhares de portugueses, o que se aplica em diversas áreas e actividades sociais, entre as quais “o ensino de moral e religião nas escolas";
 
c) Entende a AEP "que as Confissões, Associações ou Corporações Religiosas devem constituir-se conforme os princípios que lhes são próprios e não segundo quais-quer determinações estatais". E acrescenta-se o seguinte:
 
"Não compete ao Estado dizer como devem organizar-se tais grupos religiosos, porque isso seria imiscuir-se em terreno que não lhe é próprio. Ao Estado compete, na formulação de uma Lei sobre liberdade religiosa, permitir que nela tenham cabimento todas as expressões religiosas. Para o que for delituoso, ou incompatível com a vida e a dignidade do homem o Estado tem ao seu dispor os órgãos necessários – os tribunais – para resolver esses problemas".
 
d) Depois de se constatar que no articulado do projecto de proposta de lei sobre liberdade religiosa aparecem expressões como: "religião", “confissão religiosa" , “associações e corporações religiosas", pergunta-se em qual desses "grupos" se devem incluir as igrejas protestantes em Portugal. Respondendo, escreve-se o seguinte, com interesse para o parecer:
 
"Da leitura da proposta de lei depreende-se que devem ser consideradas como confissões religiosas.
 
"Acontece porém que no protestantismo nem todas as igrejas protestantes são consideradas confissões e por isso não encontram na proposta de lei qualquer articulado que as reconheça tal como elas são.
 
"Fundamentalmente entende-se por confissão religiosa a exposição de doutrina, de princípios de fé cristã. É um documento teológico sem preocupação de organização material e não é condição sine qua non para a organização de igrejas evangélicas. Tudo isto faz parte do histórico protestante. Usar uma terminologia na lei sem um conhecimento perfeito deste histórico pode afectar, e profundamente, sem ser essa a intenção do legislador, muitos grupos religiosos protestantes".
 
E, mais adiante, pondera-se nos termos que se transcrevem:
 
"É óbvio que todas as Igrejas Evangélicas têm os seus princípios de fé e de doutrina. Mas nem todas lhes chamam confissões. Para algumas igrejas essa confissão tem que ser elaborada e sistematizada segundo a interpretação dos seus teólogos. Outras Igrejas Evangélicas não se preocupam com esses pormenores. Para elas o essencial da fé cristã está no sagrado depósito que é a Bíblia e não aceitam mesmo chamar-se confissões".
 
"Que perigo pode advir para a Nação, desde que os grupos religiosos protestantes, cada um com a sua característica, estejam devidamente legalizados, com os seus próprios nomes, para não se confundirem uns com os outros? A sua legalização e o seu reconhecimento não é já uma prova insofismável de que querem pregar o Evangelho e dar testemunho da sua fé cristã às claras"?
 
"Uma confissão de fé não é propriamente uma fórmula administrativa, mas um modo de crer. Assim, nos países onde estas confissões de fé foram elaboradas, surgiram, como é natural, Igrejas Reformadas Nacionais que passaram também a ser conhecidas por confissões. Porém o termo correcto do Novo Testamento e o teologicamente certo é Igreja";
 
e) Exemplificando a estruturação orgânica eclesiástica das igrejas cristãs da Reforma e de outras posteriormente surgidas, explica-se que as mesmas, independentemente da diversidade de confissões existentes, adoptaram três formas essenciais de governo religioso (51) .
 
Governo episcopal - As comunidades cristas (ou paróquias) formam um todo que se chama Igreja, à frente da qual estão os Bispos que a governam, guiam e doutrinam. Cada Bispo tem uma certa área e um certo número de paróquias à sua responsabilidade (diocese). O conjunto de Bispos forma a Conferência Episcopal presidida por um deles (arcebispo) que funciona como Primus inter Pares.
 
Esta é  a forma de governo característica (da Igreja Anglicana. Em Portugal existe desde há muitos anos a Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica com um Bispo que é Presidente do Sínodo.
 
As igrejas nestas circunstâncias são normalmente consideradas também como Confissões.
 
"2) Governo representativo - Cada comunidade cristã (ou igreja cristã) tem à sua frente um Pastor. Este, juntamente com um conselho de leigos cuida do bem estar espiritual e material da igreja. Se outras igrejas que têm os mesmos princípios de fé quiserem juntar-se para testemunho e ajuda mútua, formam numa determinada área um conselho regional. Vários conselhos regionais formam uma Igreja Nacional. Os dirigentes dos conselhos regionais ou do Sínodo da Igreja Nacional são eleitos democraticamente pelas igrejas locais e neles depositam a sua confiança durante o mandato. Tanto o Presidente como os restantes membros exercem as suas funções por um determinado número de anos.
 
Estão, por exemplo, neste caso a Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal e a Igreja Evangélica Metodista Portuguesa, com os seus respectivos Sínodos.
 
Estas Igrejas, também por causa do seu sistema governo religioso, são consideradas - ainda que incorrectamente - confissões. Dado que tem um Sínodo Nacional que representa todas as comunidades do sistema, não têm dificuldade em arranjar 500 assinaturas para legalizar a organização (52).
 
 
“3) Governo Congregacional - este sistema é caracterizado pela sua estrita obediência a uma forma de governo de igreja local. Cada igreja local ou congregação é um todo responsável pela sua administração, pela elaboração dos seus Estatutos, pelo seu testemunho cristão e pela sua sobrevivência. Os seus princípios de fé podem até ser provenientes de qualquer uma grande confissão de fé. Mas administrativamente estas igrejas são autónomas e independentes umas das outras. Os laços que existem entre igrejas deste sistema são de estima mútua, de respeito, de auxilio, etc., mas cada uma com administração própria. Logo, estas igrejas cristãs não podem ser consideradas - nem elas o aceitam - como confissões.
 
"Estão neste caso em Portugal as Igrejas Baptistas, as Igrejas Pentecostais, as Igrejas dos Irmãos, as Igrejas Independentes, que no seu todo representam cerca de nove décimos do
Protestantismo Português.
 
"Ora as igrejas deste sistema - por não serem Confissões - estão em sérios embaraços perante o articulado do projecto de proposta liberdade religiosa. Tanto quanto esta Aliança pode constatar,
nada existe na lei que possa garantir a sua existência na forma de ordem e disciplina que elas professam. As Igrejas locais desta forma de governo religioso não têm possibilidade de arranjar as assinaturas de 500 fiéis. E, no entanto elas representam nove décimos , aproximadamente, das Igrejas Protestantes Portuguesas”.
 
Remata-se a exposição com a pretensão de que "as associações religiosas sejam consideradas em pé de igualdade com as confissões religiosas", defendendo-se, a propósito, que a associação religiosa deveria deixar de ser considerada uma “organização” integrante da confissão.
 
Isto porque "será de toda a justiça que as igrejas de Governo Congregacional vejam também assegurada perante a lei a sua existência. Ora, estas igrejas poderão organizar-se como associações religiosas independentes, dando evidentemente ao Estado todas as garantias de probidade moral e espiritual, até mesmo através desta Aliança Evangélica. Para tais igrejas não seria exigido o número de 500 assinaturas dos fiéis, mas o número normal que tem sido aceite até aqui".
 
6.
Embora sem acolhimento no texto da Lei nº 4/71, o essencial das posições sustentadas no documento da Aliança Evangélica Portuguesa viria, em sequência, a merecer concretização, por virtude da evolução do regime jurídico do direito de associação, nos termos já anteriormente expostos.
 
6.1. Com efeito, e como já se disse, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, que garantiu o direito à livre associação, o formalismo para a aquisição de  personalidade jurídica das associações ou institutos religiosos não católicos passou a ser o constante deste diploma.
 
Como  se escreve no parecer nº 60/74, já citado, se cotejarmos a Lei nº 4/71 e o Decreto nº 216/72, por um 1 lado, e o Decreto-Lei nº 594/74, por outro, logo nos é dado observar uma diversa perspectiva do legislador perante o fenómeno associativo: enquanto nos primeiros, no que respeita às organizações religiosas se estabelece um formalismo exigente com vista a afastar-se o reconhecimento daquelas que, na óptica do poder então constituído, se revelassem nefastas para a sociedade, no diploma de 74 atende-se sobretudo ao direito de associação, fazendo-se intervir o desrespeito pela lei e pela moral pública como fundamento da extinção da pessoa colectiva, a requerer pelo Ministério Público tribunais ordinários (artigos 4º e 6º).
 
Para que a associação adquira personalidade jurídica basta o depósito, contra recibo, de um exemplar do acto da constituição e dos estatutos no Governo Civil da respectiva sede, após prévia publicação no Diário do Governo e num dos jornais diários mais lidos na região. A prova da publicação faz-se pelo depósito simultâneo de um exemplar de cada jornal (artigo 4º, nº 1). No domínio das associações internacionais, a sua promoção e constituição dependem de autorização do Governo (artigo 13º, nº 2) mas, quando legalmente constituídas em país estrangeiro, serão reconhecidas em Portugal desde que satisfaçam os requisitos requeridos para as associações nacionais, ficando sujeitas à legislação Portuguesa quanto à sua actividade em território nacional (artigo 14º).
 
Para que, nos termos da Lei nº 4/7/1 e do Decreto nº 216/72, uma associação religiosa pudesse ser reconhecida, era necessário o reconhecimento prévio da confissão a que pertence (artigos 1º a 4º do Decreto nº 216/72) e esta seria recusada se a doutrina, as normas ou o culto da confissão fossem incompatíveis com a vida, a integridade física ou a dignidade das pessoas, os bons costumes, os princípios fundamentais da ordem constitucional ou os interesses da Soberania Portuguesa (base IX, nº 6, a)).
 
Eis porque, no âmbito do citado parecer nº 60/74, se chegou à conclusão de que é de todo incompreensível a subsistência do regime consignado na Lei nº 4/71 e no Decreto nº 216/72 no que se refere ao reconhecimento das associações religiosas.
 
Numa linha argumentativa, questionava-se adicionalmente, o seguinte: "'Porquê sujeitá-las a um maior rigor quando abrangem precisamente um dos domínios de acção que exigem um mais amplo respeito do princípio da liberdade associativa? A não aplicação do regime estabelecido no Decreto-Lei nº 594/74 às associações religiosas surgiria, deste modo, como um absurdo pelo que somos Levados a concluir, por interpretação do diploma, que ele abrange também aquelas associações".
 
Mas acrescentava-se, em seguida, subsistirem alguns aspectos do regime estabelecido na Lei nº 4/71 e no decreto nº 216/72 que continuavam em vigor.
 
Seria esse o caso da competência do Ministro da Justiça para autorizar as associações, internacionais, bem como do Ministério da Justiça para organizar o registo das associações religiosas em geral, aspectos em que o Decreto nº 216/72 continuaria em vigor (53).
 
 
6.2. A doutrina exposta foi sustentada com uniformidade por este corpo consultivo.
 
Porém, em face do regime de aquisição de personalidade jurídica das associações em geral, constante do Código Civil, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, suscitou-se a questão de saber se aquela doutrina devia ser revista, e em que
medida.
 
A questão foi primeiramente abordada no parecer nº 210/78, de 16 de Novembro de 1978, que concluiu pela revisão da doutrina até então defendida e no sentido de que a aquisição de personalidade jurídica pelas associações religiosas não católicas resulta da sua constituição por escritura pública, como para as associações em geral, independentemente de qualquer outro acto posterior (54) .
 
Quanto à questão de saber se continua a ser exigido o registo da associação, que se seguia, no sistema do Decreto-Lei nº 594/74, ao depósito regulado no artigo 4º deste diploma, escreveu-se no aludido parecer nº 210/78:
 
"O registo contínua a justificar-se como meio de garantir a publicidade do acto constitutivo e, muito especialmente, dos actos modificativos ou extintivos da associação, senão mesmo como assento público destinado a dar certeza de determinadas datas com interesse para a definição de direitos inerentes à associação, como o direito ao nome. Além do interesse geral que o Estado tem, do ponto de vista do direito administrativo, de organizar e manter o tombo das pessoas colectivas existentes.
 
"Nenhuma razão existe, a nosso ver, Para deduzir da substituição do sistema de depósito pelo da constituição por escritura, como condição de aquisição de personalidade, que deixaram de vigorar as disposições legais relativas ao registo das associações".
 
Só que este registo opera-se, agora, pela via da recepção dos documentos que o notário, nos termos do artigo 168º, nº 2, do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 496/77, deve oficiosamente, e a expensas da associação, enviar à autoridade administrativa. "E também não há razão para considerar que tal registo, no que concerne às associações religiosas, não deva continuar a ser feito no Ministério da Justiça" (55) .
 
6.3. Diga-se, por fim, quanto a este ponto, e no que se refere à qualificação, como religiosa, de uma associação, que a doutrina uniforme desta Procuradoria-Geral no sentido de exigir que a associação se proponha a prática e a sustentação do culto de determinada religião e
o prosseguimento de quaisquer outras actividades que daquela sejam próprias, tal como já resultava do enquadramento legal da figura constante da base XII, nº 1, da Lei nº 4/71, e, anteriormente, do artigo 499º do Código Administrativo.
 
O parecer nº 166/81, já várias vezes referido, teve oportunidade de reanalizar toda esta problemática, aí se defendendo que a finalidade de culto não é elemento essencial do carácter religioso das associações, o que, desde logo, era inculcado pelo próprio texto da Lei nº 4/71, o qual, a par da finalidade cultual, e em alternativa com ela, alude a outros fins - cfr. base nº1 (56).
 
Perfilhou-se, assim, uma concepção ampliativa, no sentido do entendimento de que no conteúdo da liberdade religiosa a exprimir pelo direito de associação cabem "fins diferentes da mera sustentação ao exercício do culto" (57) .
 
7.
Procuremos indagar agora com maior profundidade acerca da estrutura, organização, composição e princípios definidores essenciais da Aliança Evangélica Portuguesa e do Conselho Português das Igrejas cristãs.
 
Para o efeito, socorrer-nos-emos dos respectivos Estatutos e de outra documentação que nos foi possível coligir.
 
Trata-se, em ambos os casos, de organizações de cúpula, que integram diversas igrejas, congregações ou associações religiosas evangélicas, entre si aproximadas estreitamente por princípios de fé idênticos, e há largos anos dotadas de personalidade jurídica.
 
7-1. Começando pela A. E. P. , os seus estatutos, aprovados e registados desde 1935, encontram-se actualmente em fase de reformulação.
 
Tratando-se embora de um texto mais completo e actual, e porque se trata de um simples projecto (datado de 1990), limitar-nos-emos a extrair da "nota de apresentação" dos "novos estatutos" algumas passagens.
 
Aí se escreve que os mesmos se fundamentam em alguns dos seguintes conceitos:
 
a) "Sendo as igrejas locais as células fundamentais do tecido evangélico nacional, a legitimidade da AEP na representação da comunidade evangélica nacional, só se efectiva quando o seu corpo orgânico (membros) for constituído, predominantemente, por aquelas, e os seus legais representantes tiverem uma influência determinante na vida da sua associação de "classe";
 
b) "As igrejas, pela sua natureza [ ... ] devem ter tratamento de igualdade quanto ao pleno gozo dos direitos e deveres dos membros, independentemente do seu "tamanho".
 
"Contudo não se pode ignorar [ ... ] que existe um diferenciado "peso" real entre algumas igrejas, no espectro evangélico nacional, em resultado da sua dimensão numérica.
 
"A conciliação destas duas realidades é conseguida através de uma igualdade no "voto de qualidade" e uma proporcionalidade no "voto de quantidade", sem que a indexação suplementar ultrapasse o dobro do primeiro";
 
c) "Ainda que se defenda o princípio de que a AEP se mantenha autónoma, como associação que é, e que a sua vivência seja só determinada pela vontade expressa dos seus membros nos órgãos sociais, não se ignora que no universo evangélico existem denominações organizadas cujas expressão e acção têm uma notória influência no que nele se passa".
 
Dos Estatutos ainda em vigor resulta que o modo de tornar efectiva a representação da Comunidade Evangélica pela AEP consiste na assinatura de um pacto de aliança pelos obreiros dos grupos de cristãos evangélicos (artigos 2º e 3º). "São considerados membros efectivos desta Aliança todas as Igrejas reconhecidamente evangélicas, representadas pelos seus pastores ou obreiros reconhecidos pelas mesmas, e ainda os pastores ou obreiros, a título individual, quando recomendados pelas suas Igrejas, sendo a todos exigido que subscrevam sem reservas os princípios doutrinários exarados no Pacto de que trata o artigo 3º" (artigo 7º, nº 1) (58) .
 
Nos termos da alínea a) do artigo 4º dos Estatutos, representa um objectivo da Aliança "estreitar as relações fraternais entre as Congregações e Igrejas que aceitam os princípios doutrinários comuns a todos eles".
 
Por sua vez, os "novos estatutos" prevêem na alínea j) do artigo 3º que a AEP tem por objecto "promover o diálogo e a conjugação de esforços entre organizações evangélicas".
 
Refira-se que, nem os actuais Estatutos, nem o projecto de 1990 de "novos estatutos", prevêem a enunciação das organizações, denominações ou igrejas que integram (ou que são membros) da AEP.
 
Tanto quanto se sabe, e não obstante a actualidade da listagem constante supra do ponto 1.2., é sempre possível a aceitação de novos membros ou associados, o que é da competência da Comissão Nacional, a qual, não existindo consenso entre os membros que a compõem, deve solicitar o parecer do Conselho Geral (artigo 7º, nº 2, dos actuais estatutos) (59) .
 
Segundo os Estatutos, a AEP encontra-se filiada na Aliança Evangélica Mundial, "podendo filiar-se noutros organismos congéneres que prossigam os mesmos princípios e ideais" (artigo 18º).
 
No seguimento dos Estatutos encontra-se o "pacto de aliança" a que se faz referência nos artigos 3º e 7º, nº 1. Trata-se dos "fundamentos da fé", que constituem os princípios doutrinais aceites e
texto do artigos declarados pelos cristãos evangélicos agrupados nas igrejas, congregações ou denominações que integram ou venham a integrar a AEP.
 
Refira-se, aliás, que os Estatutos da Aliança Evangélica Italiana e da Aliança Evangélica Suíça qualificam estes princípios doutrinais como "Fundamentos de fé". Por sua vez, o projecto de "novos estatutos" da AEP chama-lhes "Declaração de fé".
 
7.2. Vimos atrás - cfr. supra, ponto 4.1. - que, na conceptualização da Lei nº 4/71, "confissão religiosa" se podia definir como uma comunidade assente num corpo de doutrina, exprimindo-se num culto e ordenada segundo um certo regime normativo.
 
Trata-se de uma definição que põe o acento tónico no grupo humano corporizado no núcleo de fiéis. Nesta acepção, as "confissões religiosas" representam os agregados sociais, unificados pela comunhão de fé dos seus membros e determinados por uma mesma exigência religiosa para a prossecução de certos objectivos (60)
 
No entanto, segundo uma outra perspectiva, a noção de “confissão religiosa" pode centrar-se, não já no agrupamento social, mas antes, fundamentalmente, no corpo de doutrina, nos fundamentos de fé, que constituem a essência dos princípios religiosos aceites e expostos pelo núcleo de fiéis.
 
Relembre-se ser esse o sentido sustentado na já sumariada exposição da autoria do presidente da Aliança Evangélica Portuguesa, quando escreve que "fundamentalmente entende-se por confissão religiosa a exposição de doutrina, de princípios de fé cristã" - cfr. supra, ponto 5.
 
Ou seja, conforme a perspectiva por que se encara, pode definir-se "confissão religiosa" como:
 
¾    uma comunidade assente num corpo de doutrina, exprimindo-se num culto, ordenada segundo um determinado regime normativo e uma organização mais ou menos hierarquizada;
 
¾    ou, por outro prisma, um padrão doutrinal, constituído pelos fundamentos de fé e princípios de religião que congregam uma comunidade de fiéis ordenada de acordo com as suas próprias regras.
 
 
Núcleo de fiéis e corpo de doutrina são as duas vertentes da mesma realidade, pelo que uma e outra constituem elementos relevantes para a compreensão do conteúdo, âmbito e limites do conceito de "confissão religiosa". Ambas as vertentes estão, assim, compreendidas na expressão utilizada no Despacho Normativo nº 104/89 - cfr. supra, ponto 3.7..
 
0 que importa, todavia, reter é a ideia de que a organização de cúpula corporizada na AEP (aliás, expressamente qualificada como "associação religiosa" no artigo IP dos "novos estatutos"), integrando, embora, um número considerável de denominações, corresponde uma mesma (e única) "confissão religiosa".
 
Na sistematização da Lei nº 4/71, esta expressão representava, como vimos, um campo conceitual mais vasto do que as expressões "associações" ou "institutos" religiosos. Por outro lado, e tal como se explica na referida exposição do Presidente da AEP, às diferentes igrejas de tipo congregacional, em que cabem, se não a totalidade, pelo menos, a grande maioria das congregações integrantes da AEP, não correspondem "confissões" diferenciadas.
 
A existência de um núcleo essencial de princípios doutrinais comuns, chame-se-lhes "pacto de  aliança", "fundamentos de fé" ou "declaração de fé", faz comungar numa mesma "confissão" as diferentes "igrejas" ou "denominações" e os respectivos fiéis. Trata-se de uma mesma Família, dotada de um corpo de doutrina comum e, por isso mesmo, voluntariamente associada à volta da mesma organização de cúpula.
 
7.3. Algo de muito semelhante se poderá dizer relativamente ao Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC) e às congregações que o constituem.
 
Por escritura pública de 25 de Setembro de 1976, entre representantes da Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, da Igreja Evangélica Metodista Portuguesa e da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, foi constituída uma associação denominada Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC) (61).
 
O COPIC esta aberto a outras igrejas que, aceitando a sua base fundamental (cfr. base I) e os princípios que lhe presidem, nele desejem igualmente cooperar (cfr. artigo 1º da base V).
 
É actualmente formado pelas três igrejas fundadoras, já indicadas, e por dois membros observadores - 0 ramo português do Exército da Salvação (62) e a colónia evangélica alemã que habita em Portugal, a igreja Evangélica Alemã. Trata-se de uma federação de Igrejas ou, como se estabelece nos seus Estatutos, "é um organismo cooperativo de igrejas que confessam Jesus Cristo como Deus e Salvador, segundo as Escrituras e que, portanto, procuram cumprir untas a vocação comum para a glória de Deus Uno, Pai, Filho e Espirito Santo" (base I).
Segundo se informa em documentação a que houve acesso, o COPIC nasceu no dia 10 de Junho de 1971.
 
Sem prejuízo de um dos objectivos do COPIC consistir na promoção de uma mais ampla unidade entre as Igrejas nele associadas [base VI, alínea a)], as referidas Igrejas membros conservam a sua identidade denominacional e a sua autonomia.
 
0 COPIC participa nas assembleias e actividades do Conselho Mundial de Igrejas (63) e cultiva com vigor o espírito ecuménico. 0 governo das igrejas que o integram não corresponde ao modelo de governo congregacional, aproximando-se antes do modelo de governo representativo, no que se refere às igrejas Metodistas e Presbiteriana, e ao tipo de governo episcopal, no que se refere à Igreja Lusitana (64).
 
7.4. Aplicam-se ao COPIC, não obstante as diferenças de tipo organizacional que o distinguem da AEP, as considerações que acima expendemos, sob o ponto 7.2.
 
Justificar-se-á, no entanto, uma referência específica, devida à particularidade das Igrejas dotadas de governo de modelo episcopal.
 
Tal como se reconhece, na já várias vezes citada exposição do Pastor António ESPERANÇA "as Igrejas nestas circunstâncias são normalmente consideradas também como confissões" (65)
 
Já quanto as que assumem a forma de “governo representativo)", o referido autor escreve que as mesmas são consideradas - "ainda que incorrectamente" - confissões.
 
Mas é manifesto que o facto de as três referidas Igrejas se terem associado numa organização de cooperação, dotada de uma base fundamental comum, se, por um lado, não as priva do exercício livre e autónomo dos direitos que lhes assistem enquanto associações religiosas independentes, proporciona-lhes, por outro lado, o desenvolvimento de iniciativas e de projectos em comum, ao abrigo do padrão doutrinário que todas professam e proclamam, no exercício, também livre, do direito de associação, constitucional e legalmente protegido. É manifestamente o caso da leccionação da disciplina de formação religiosa. Representaria uma absurda violação dos direitos de liberdade religiosa e de associação pretender-se que alguma das Igrejas associadas no COPIC apenas isolada e solitariamente pudesse ministrar a disciplina em apreço, com o argumento de que a mesma deve ser considerada uma "confissão religiosa". É que ao COPIC cabe "dar um testemunho público da unidade que as igrejas associadas já possuem ..." e "fazer penetrar no povo cristão o desejo de uma unidade ainda mais profunda e mais realizada, em obediência a Cristo, que quer que todos sejam um" (alíneas c) e d) do artigo 2º da base X dos Estatutos). Entre os objectivos do COPIC inscreve-se o de "promover uma maior compreensão mútua e uma mais ampla unidade entre as igrejas nele associadas" e o de "habilitar essas igrejas a darem um testemunho mais unânime e a prestarem a Deus e aos homens um serviço mais efectivo" (alíneas a) e b) da base VI).
 
Há, assim, que reconhecer que também no que se refere às Igrejas associadas, o COPIC representa, para os fins do aludido Despacho Normativo nº 104/89, uma "confissão religiosa".
Esta evidência resulta não só da constatação de uma realidade de contornos jurídicos, mas também do senso comum. Com efeito, havendo uma organização de cooperação supra-individual integrando diversas denominações, e existindo entre tais congregações ou igrejas uma base de unidade confessional, um padrão doutrinário comum, traduzido em pontos de fé fundamentais por todas aceites e proclamados, deve entender-se, como resultante necessária de tal situação, a faculdade de leccionação conjunta da disciplina de formação religiosa, nos termos da normação em vigor, por parte de todas as denominações integradas nas referidas associações de cúpula.
 
7.5. A questão a que importa dar resposta impõe, porém, a continuação da pesquisa.
 
Pretende-se ainda saber, se o ensino da formação religiosa (evangélica) pode ser (conjuntamente) ministrado pela AEP e pelo COPIC, sendo os respectivos destinatários alunos que, eventualmente, tenham mencionado diferentes denominações, associadas em qualquer das referidas organizações de topo.
Pensa-se que a resposta deve ser, ainda aqui, afirmativa.
Demonstrar-se-á existir, com efeito, uma representação da "Aliança" e do "Conselho", a cargo de uma entidade comum, mandatada para o estabelecimento dos necessários contactos com o Ministério da Educação e para a dinamização das iniciativas adequadas no âmbito da formação religiosa evangélica nas escolas públicas. Mais se verificará que a existência dessa entidade e o trabalho por ela realizado, sempre no âmbito da "confissão evangélica", representa uma manifestação expressa e formal de vontade por- parte da AEP e do COPIC, os quais, em sede concreta de formação religiosa, assim exprimem a sua intenção de, não obstante as diversidades que os possam distinguir, serem havidos como uma só “confissão religiosa" para os referidos efeitos.
 
7.5.1. A referida entidade é a COMACEP - Comissão para a acção educativa evangélica nas escolas públicas-, órgão dependente da AEP e do COPIC, que, nos três últimos anos, tem vindo a desenvolver contactos com c, Ministério da Educação no que se refere à formação religiosa evangélica.
 
Se bem que a presente consulta tenha sido determinada pelo requerimento de constituição de duas turmas em escolas secundárias de Loures, há notícia de que, para o presente ano lectivo já foi requerida ao Ministério da Educação a autorização para a constituição de trinta e seis turmas em diferentes escolas do País, com uma maior incidência nas zonas Centro, no Alentejo e na Grande Lisboa (66) .
 
Ao longo de diversas reuniões, e como resultado do trabalho efectuado, a COMACEP procedeu à elaboração do "programa da disciplina de formação religiosa evangélica", enunciando as mais importantes recomendações a observar pelos professores e os principais objectivos formativos destinados aos alunos e enumerando as habilitações "próprias" e "suficientes" dos docentes, para os diversos escalões.
 
7.5.2. A análise de algum material documental a que se teve acesso permite verificar que a COMACEP é constituída por cinco elementos, dois em representação do COPIC e três em representação da AEP.
No relatório da sua primeira reunião, realizada em 26 de Fevereiro de 1988, escreve-se, a dado passo, que "não é propósito da AEP e do COPIC limitar ou controlar a Comissão, mas simplesmente orientar e ter conhecimento das decisões tomadas".
 
Verifica-se, aliás, tanto quanto nos foi possível constatar, a existência de outras iniciativas e organismos congregadores (da Aliança Evangélica Portuguesa, e do Conselho Português das Igrejas Cristãs. Assim:
 
a ) a Associação Portuguesa dos Professores Cristãos Evangélicos;
 
b) a existência de seminários e institutos evangélicos, dependentes quer da AEP, quer do COPIC, onde é ministrada preparação, mediante um currículo de formação comum, aos futuros professores/monitores da disciplina, sejam eles fiéis (cristãos evangélicos) de denominações ou igrejas federadas na Aliança ou no Conselho. É, assim, possível ao membro de uma congregação associada na Aliança frequentar cursos de formação específica de professores/monitores em estabelecimentos do COPIC, e vice-versa;
 
c) a CERET - "Comissão Evangélica para a Rádio e a Televisão", organização dependente da AEP e do COPIC e por estes mandatados, homóloga da COMACEP, e responsável pela organização dos programas de televisão "CAMINHOS".
 
7.5.3. Todos os elementos recolhidos e analisados permitem afiançar que, ao menos no que à acção educativa evangélica (67) diz respeito, a COMACEP representa uma só confissão, embora titulada por denominações diversas, federadas ou reunidas em duas diferentes associações de cúpula: a AEP e o COPIC.
 
Compreende-se, pois, que num número muito significativo dos impressos de matrícula em que é solicitada, nos termos do Despacho Normativo nº 104/89, a leccionação das aulas de formação religiosa, os respectivos alunos (ou os seus encarregados de educação), no espaço destinado à manifestação de vontade de acordo com o nº 3 do citado Despacho Normativo, indiquem tão somente, como confissão religiosa, o seguinte: "Evangélica" ou "Igreja Evangélica" (68) .
 
Ilustrando bem este entendimento, pensa-se ser útil transcrever, do relatório da 4ª reunião da COMACEP (69) , o seguinte trecho:
 
"Passou-se então à discussão do Desp. Normativo nº 109/89, de 89/11/16 - disciplina de Religião e Moral aberta às diferentes confissões religiosas implantadas em Portugal.
 
"Foi da opinião geral que se trata de um normativo favorável, positivo, que demonstra uma atitude construtiva, abrindo perspectivas futuras.
 
"Da análise detalhada deste despacho, a COMACEP propôs que:
 
-          0 Ministério da Educação envie uma Circular a todas as Escolas de ensino básico e secundário, com o fim de informar qual a autoridade mandatada pela confissão evangélica de Portugal: AEP/COPIC.
 
-          Assim, as escolas poderão logo após o acto da matrícula enviar para essa autoridade uma certidão comprovativa do número de alunos inscritos que solicitam a disciplina de Educação Moral e Religiosa Evangélica.
 
-          No ano lectivo de 1990/1991 sejam dinamizadas as zonas de Lisboa, Porto, Faro e Coimbra, por delegados regionais (de preferência professores) que farão um importante trabalho de sensibilização e posteriores contactos com as várias escolas no sentido de reforçar o envio da certidão para aa AEP/COPIC.
 
-          A curto prazo seja realizada uma conferência de informação e sensibilização para todos os pastores evangélicos. Após uma prospecção inicial decidir-se-á se essa Conferência  será Nacional ou Regional (zonas norte, centro, grande Lisboa e sul)".
 
Sublinhem-se as referências à AEP/COPIC, revestindo-se de particular significado a afirmação de que a AEP/COPIC é a "autoridade mandatada pela confissão evangélica em Portugal" (70) .
 
Para o efeito, a Comunidade Evangélica em Portugal desenvolve as necessárias diligências e iniciativas no domínio da através da "Comissão para evangélica nas escolas públicas formação religiosa, a acção educativa "(COMACEP)", "nomeada pelos dois organismos de cúpula que a representam, a Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) e o Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC)" (71) (72) .
 
7.6. Será possível que alguma(s) da(s) igreja(s) associada(s) no COPIC possa(m) representar uma confissão religiosa.
 
É verdade que a AEP e o COPIC, enquanto organismos de cúpula, com a natureza de associações religiosas de natureza e objectivos congregadores, titulam e dão voz a uma confissão religiosa.
Mas tal não impede que a AEP e o COPIC, no exercício dos direitos que lhes assistem - de liberdade de associação e de liberdade religiosa -, se reunam para fins de acção educativa evangélica comum nas escolas públicas.
 
Foi o que fizeram através da COMACEP.
 
Ao fazerem-no dão expressão ao padrão doutrinal que os irmana, nos fundamentos da fé que são próprios da Família Evangélica, que uma e outra representam em Portugal, como ramos distintos de um tronco comum.
 
Assim procedendo, comungam (e proclamam), para efeitos do ensino da disciplina de formação religiosa nas escolas públicas, de uma só confissão.
 
Como se viu, do disposto nos artigos 41º, nºs 1, 4 e 5, 43º, nºs 1, 2 e 3, e 67º, nº 2, alínea c), lidos à luz esclarecedora do artigo 13º, todos da lei fundamental, decorre a titularidade do mesmo direito "de liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão".
 
A não aceitação da expressão congregadora que a AEP e o COPIC decidiram, na livre prossecução dos seus fins, atribuir a COMACEP, representaria a violação do direito de liberdade de associação, constitucionalmente tutelado no artigo 46º, n2 2, da lei fundamental, para além de representar também, como se viu, uma limitação aos princípios da liberdade religiosa e da liberdade de ensino.
 
Cabe ao Estado, em cumprimento do princípio da não confessionalidade (artigo 41º, nº 4, da Constituição), respeitar a referida expressão da vontade da Aliança Evangélica Portuguesa e do Conselho Português de Igrejas Cristãs.
A esta luz deve ser entendido o conceito de "confissão religiosa" constante do Despacho Normativo nº 104/89, de 16 de Novembro, nomeadamente dos seus nºs 2 e 3.
 
8.
Termos em que se extraem as seguintes conclusões:
 
1ª. Como corolários do regime de separação entre o Estado e as Igrejas apresentam-se os princípios da não confessionalidade do Estado e da liberdade de organização e independência das igrejas e confissões religiosas, e, bem assim, as regras da liberdade de ensino de qualquer religião e da não confessionalidade do ensino público (artigos 41º, nºs 4 e 5, e 43º, nºs 2 e 3 da Constituição);
 
2ª. Uma vez que a Constituição garante não só a liberdade de aprender e ensinar (artigo 43º, nº 1), mas também a liberdade de ser ensinada qualquer religião praticada no âmbito da respectiva confissão religiosa (artigo 41º, nº 5), cabe ao Estado facultar a todas as igrejas, em pé de igualdade, a possibilidade de estas ministrarem ensino da religião nas escolas públicas;
 
3ª. Através do Despacho Normativo 104/89, de 7 de Setembro, publicado no "Diário da República", de 16 de Novembro, pretendeu-se dar cumprimento aos normativos constitucionais referidos na conclusão anterior, por forma a que o sistema público de ensino proporcione as condições para que as diversas confissões religiosas com implantação no País possam usufruir de igualdade de oportunidades de ensinar os princípios fundamentais da sua religião nas escolas oficiais dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário;
 
4ª. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 594/74, de 27 de Junho, deixou de se poder distinguir, tal como o fazia a Lei nº 4/71, de 21 de Agosto, para efeitos de atribuição de personalidade jurídica, entre "confissões religiosas" e "associações religiosas", visto que só às associações corresponde tal personalidade;
 
5ª. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos do artigo 158º, nº 1, do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, continuando o Ministério da Justiça a organizar o respectivo registo;
 
6ª. As associações religiosas, como as associações em geral, gozam da faculdade, constitucionalmente reconhecida, de prosseguirem os seus fins, sem interferência das autoridades públicas - artigo 46º, nº 2, da Constituição;
 
7ª. A Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) e o Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC) são associações religiosas de cúpula, que reúnem diferentes denominações ou igrejas evangélicas, todas comungando de princípios fundamentais de fé;
 
8ª. No exercício dos seus direitos de liberdade religiosa e de liberdade de associação, n AEP e o COPIC reuniram-se para fins ele ensino da disciplina de formação religiosa (evangélica), tendo, para o efeito, constituído a Comissão para a acção educativa evangélica nas escolas públicas (COMACEP), entidade assim mandatada para o estabelecimento das necessárias diligências;
 
9ª. Para os objectivos indicados na conclusão anterior, a AEP e o COPIC, através da COMACEP, são as associações representativas da confissão cristã evangélica em Portugal;
 
10ª. A expressão "confissão religiosa", constante do Despacho Normativo nº 104/89, deve ser interpretada por forma a permitir a leccionação de aulas de formação religiosa da responsabilidade conjunta da AEP e do COPIC, passíveis de serem frequentadas por alunos pertencentes a qualquer das denominações, congregações ou igrejas associadas nos referidos organismos de cúpula.
 
 
 
 
 
 
(1) No ofício de 23 de Julho refere-se a Escola Secundaria nº 1 de Loures, informando-se que se juntam dezanove impressos de matrícula/recibo.  No ofício de 27 de Julho indica-se a Escola Secundária Dr. ANTÓNIO CARVALHO DE FIGUEIREDO, também em Loures.
(2) Do ofício nº 3459, de 8 de Novembro findo, dirigido ao Senhor Secretário da Procuradoria-Geral da República.
(3) Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 423/87, de 27 de Outubro de 1987, publicado no "Diário da República” I Série, nº 273, de 26-11-1987, págs. 4126 e seguintes.
 (4) Cfr. Parecer da Câmara Corporativa publicado no "Boletim da Faculdade de Direito". Coimbra, vol. XVII, páginas 334 e seguintes. 
(5) Cujo artigo 6º proclamava, por sua vez: "A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Reino. Todas as outras religiões serão permitidas aos estrangeiros com o seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo". 
(6) Cfr. artigos 130º a 140º dos Códigos Penais de 1852 e de 1886. 
(7) ANTÓNIO LEITE, "A religião no direito constitucional Português”, in "Estudos sobre a Constituição", vol. II, Lisboa, 1978, páginas 265 e seguintes, maxime, páginas 277 e seguintes. Cfr., do mesmo autor, "A proposta de lei sobre a liberdade religiosa"  e "Ainda a proposta de lei sobre a liberdade religiosa", Lisboa, 1970 e 1971, respectivamente, Separatas da Brotéria
(8) Loc. cit. na nota anterior, pág. 2281. Cfr. também TRINDADE COELHO, "Manual Político do Cidadão Português", 2ª ed., Porto, 1908, páginas 362-371. 
(9) "Culto" - é o conjunto de formas externas legalizadas em que uma comunidade, uma família ou um indivíduo concretiza a sua vida religiosa", "Dicionário Enciclopédico da Bíblia", organizado por Dr. A. VAN DEN BORN, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1971, págs. 273, citado nos pareceres deste corpo consultivo nºs 211/81, de 28 de Janeiro de 1982, e 166/81, de 1 de Abril de 1982.
"Por culto (do latim "colere", venerar, honrar) costuma entender-se a honra ou veneração que se presta a outra pessoa ou entidade pela sua excelência. É assim que falamos do culto dos heróis, dos antepassados, da pátria, da honra, etc.. Em sentido mais restrito envolve ainda o reconhecimento da própria inferioridade com relação à excelência daquele a quem se presta culto. O culto religioso de que fala o artigo 41º da Constituição de 1976 consiste na prestação da honra devida à divindade ou por causa dela, em reconhecimento da sua excelência e da própria submissão. Constitui elemento essencial em todas as religiões" – ANTÓNIO LEITE, pág. 291. 
(10) Cfr., nomeadamente, os nºs 4 a 8, do citado artigo 3º.
(11) Cfr. o parecer da Câmara Corporativa, in Loc. cit. na nota (4), pág. 359. 
(12) Por seu turno, o Decreto nº 216/72, de 27 de Junho, deu competência ao Ministério da justiça, ouvido o Ministério do Interior, para decidir sobre os pedidos de reconhecimento de confissões religiosas, nos termos da Base IX da Lei nº 4/71, e proceder à respectiva revogação, nos termos da Base X da mesma Lei. 
(13) Já no domínio da Constituição de 1976, a Lei nº 65/79, de 4 de Outubro (liberdade de ensino) veio impor que o Estado respeite os direitos dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos em conformidade com as suas convicções (artigo 1º), afirmando também a não confessionalidade do ensino publico. Veja-se, hoje, a consagração destes princípios na Lei nº 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) - artigos 2º, nº 3, alínea a), e 47º, nº 3. Com efeito, nos termos da primeira das citadas disposições, o Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. Por sua vez, nos termos do nº 3 do artigo 47º, "os planos curriculares dos ensinos básico e secundário integram ainda o ensino da moral e da religião católica, a título facultativo, no respeito dos princípios constitucionais da separação das igrejas e do Estado e da não confessionalidade do ensino Público". 
(14) Texto, de resto, totalmente coincidente com o do artigo 41º, resultante da primeira revisão constitucional. Com referência à redacção originária, importa salientar, para além de alterações mínimas, desprovidas de qualquer relevo no nº 1, as seguintes modificações: 
a) aditamento do nº 3, disposição sem correspondência na versão original: 
b) alteração do nº 6 que corresponde, com alterações, ao nº 5 do artigo 41º da versão originária. 
(15) O nº 4 corresponde sem alterações ao nº 4 do artigo 43º da primeira revisão constitucional, e não tinha correspondência na versão originária. 
(16) Outras disposições do texto constitucional de 76 fazem menção ao princípio da liberdade religiosa ou, em termos mais amplos, à religião, em geral.
Assim, vejam-se os artigos 19º, nº 6, 35º, nº 3, 51º, nº 3, 55º, nº 4, e 59º, nº 1. Refira-se a circunstância de a expressão "confissão religiosa", ser expressamente mencionada no citado artigo 55º, nº 4. Aluda-se, enfim, ao princípio da separação das Igrejas e do Estado, consagrado na alínea c) do artigo 288º da Constituição.
A liberdade religiosa é um "prius" frente às demais liberdades, porque, como se escreve na "Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião e na Convicção", aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 215 de Novembro de 1981, a religião (ou a convicção) constitui para quem a professa um dos elementos fundamentais da sua concepção de vida - cfr. JORGE MIRANDA, "Direitos fundamentais - liberdade religiosa e liberdade de aprender e ensinar", in "Direito e Justiça", volume de homenagem ao Professor MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, 1987/1988, págs. 39 e seguintes. 
(17) In "Constituição da República Portuguesa Anotada", 1º volume, 2ª edição, Coimbra Editora, 1984, páginas 256 e 257. 
(18) Dispõe o artigo 2º: do Decreto-Lei nº 3123/83, diploma que fixou a regulamentação da leccionação da disciplina de Religião e Moral Católicas: 
“1. De acordo com a especial representatividade da população católica do Pais, ministrar-se-á o ensino da Religião e Moral Católicas nas escolas primárias, preparatórias e secundárias públicas aos alunos cujos pais, ou quem suas vezes fizer, não declararem expressamente desejo em contrário. 
2. Sendo maiores de 16 anos, compete aos próprios alunos fazer a declaração referida no nº 1. 
3. A declaração prevista nos números anteriores será formulada no acto da matrícula ou de inscrição; para este efeito deverá constar do respectivo documento o necessário para que a manifestação de vontade seja inequívoca". 
(19) A propósito da génese histórica do artigo 211º do Decreto-Lei nº 323/83, que se deve considerar situada no artigo XXI da Concordata e na base VII da Lei nº 4/171, veja-se o referido Acórdão do Tribunal Constitucional nº 423/87. Veja-se também o parecer nº 17/82, de 20 de Maio de 1982, da Comissão Constitucional, onde se procede à apreciação dos nºs 2 e 4 da base VII da Lei nº 4/71 -cfr. "Pareceres da Comissão Constitucional", 19º volume, páginas 254 e seguintes.
(20) Revogou a Portaria nº 1077/80, de 18 de Dezembro, a qual, por sua vez, revogara a Portaria nº 21490, de 25 de Agosto de 1965. 
(21) Recordar-se-á o disposto no nº 3 do artigo 47º da Lei nº 46/86 (Lei de Bases do Sistema Educativo), transcrito supra, na nota (13), in fine. 
(22) Invoca-se, como referência, o Decreto-Lei nº 47 587, de 10 de Março de 1967, diploma que permitiu ao Ministério da Educação determinar ou autorizar a realização de experiências pedagógicas em estabelecimentos de ensino público. Quanto ao nº 4 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 286/89, veja-se, supra, o ponto 3.6., in fine. 
(23) Acerca das possíveis acepções do conceito de "religião" vejam-se: “Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado", vol. 5, págs., 334 e seguintes; "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira", vol. XXV, págs. 22 e seguintes; "Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura", vol. 16, págs. 229 e seguintes; Movissimo Digesto Italiano", vol. XV páginas 370 e seguintes. 
(24) Vide informação-parecer nº 116/75, de 21 de julho de 1976, inédita. 
(25) Cfr. parecer nº 166/81, de 1 de Abril, de 1982, inédito. 
(26) Cfr. SEBASTIÃO CRUZ, "Associações Religiosas", in "Dicionário Jurídico da Administração Pública", Coimbra, 1965, vol. I, pág. 568. 
(27) Vejam-se, v. CI. , PIERO BELLINI, "Confessioni Religiose", "Enciclopedia del Diritto", Giuffrè, vol. VIII, pág. 926, e PIETRO GISMONDI, "Culti Acattolici", idem, vol. XI, pág. 453. 
(28) Para o que se acompanhará de perto o desenvolvimento da citada informação-parecer nº 116/75 e do também mencionado parecer nº 166/81. 
(29) Conclusões 1ª e 2ª da informação-parecer. Ao tempo dos trabalhos parlamentares sobre a lei da liberdade religiosa, certas comunidades não católicas criticaram a distinção, que já se previa, entre confissões e associações (ou institutos). É disso exemplo a "exposição apresentada pela Aliança Evangélica Portuguesa à Assembleia Nacional reunida em Sessão Extraordinária - Julho de 1971”, subscrita pelo Presidente da AEP, Pastor AUGUSTO A. ESPERANÇA, in "Scientia Jurídica", Tomo XX, nºs 112-113, Setembro/Dezembro de 1971, págs. 479 e seguintes. Atendendo ao interesse de que se reveste para a economia do parecer, retornar-se-á à apreciação do citado documento - cfr., infra, ponto 5 . 
(30) Veja-se, v.g., o parecer nº 60/74, de 19 de Dezembro de 1974, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça”, nº 246, páginas 35 e seguintes. 
(31) Cfr., v.g. o parecer nº 20/74, de 7 de Junho de 1974, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 243, páginas 136 e seguintes. 
(32) Para o efeito, acompanhar-se-ão de muito perto os pareceres nºs 114/85, de 31 de Janeiro de 1936, e 101/88, de 15 de Março de 1989, publicados no "Diário da República”, II Série, nºs 173, de 30 de Julho de 1986, e 131, de 8 de Junho de 1989. 
(33) "Droit Civil", 1, "Les personnes", Paris, PUF, 1974, pág. 359. 
(34) "Direito de associação e associações", in "Estudos sobre a Constituição", 3º vol., páginas 121 e seguintes.
 (35) Interpretando disposições do Decreto-Lei nº 39660, cfr. o parecer nº 33/69, de 14 de Novembro de 1969, não publicado. 
(36) Como se escreve nos pareceres nºs 122/78, de 19-10-1978, não homologado, e 66/81, de 25 de Julho, publicado no B.M.J., nº 313, pág. 101 e no "Diário da República", II Série, nº 296, de 26-2-1982 “no processo genético, constitutivo, a pessoa colectiva revela dois elementos: um conjunto de dados da realidade extra jurídica, reunidos os quais a pessoa colectiva fica de pé como ente de facto ou organismo social - o substrato - e um elemento de direito, por virtude do qual o ente de facto passará a ser também um ente jurídico, uma verdadeira e própria pessoa colectiva - o reconhecimento. Há duas modalidades de reconhecimento: o reconhecimento normativo, que ocorre por mero efeito da lei, embora condicionado à verificação de determinados requisitos, e o reconhecimento por concessão, que resulta de acto individual da autoridade pública".
 (37) Na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 71/77, de 25 de Fevereiro. 
(38) Para a análise do regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias, ver J. C. VIEIRA DE ANDRADE, "Direito Constitucional 1977, páginas 193 e seguintes; JORGE MIRANDA, "Constituição de 1976", páginas 352 e seguintes, e "As Associações Públicas no Direito Português", 1985; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, obra citada, 1978, páginas 61-62 e 74 e seguintes e, após a primeira revisão constitucional, ob. cit., 1º vol., 1984, páginas 105 a 143 e 263 a 268. 
(39) GOMES CANOTILHO  e VITAL MOREIRA, ob. cit., 1984, 1º vol., 2ª edição, pág. 264. (40) Quer isto dizer que, sob o ponto de vista constitucional, não tem relevância a distinção entre "associações reconhecidas" e “associações não reconhecidas", que mais não são do que associações de facto, sem personalidade jurídica. No entanto, as exigências colocadas a aquisição da personalidade jurídica não podem ser de tal ordem que ofendam directamente o exercício do direito de associação. 
(41) LEONOR BELEZA e TEIXEIRA DE SOUSA, estudo citado, pág. 183. 
(42) Como se escreve no citado parecer nº 66/81, "o legislador passou a contentar-se com um reconhecimento normativo condicionado". 
(43) Para maiores desenvolvimentos, vejam-se os já citados Pareceres nºs 114/85 e 101/88, onde é também abordado o regime relativo à concessão de utilidade pública às associações já reconhecidas, quer no domínio da vigência da constituição de 33, quer hoje em dia. 
(44) O sistema que se sintetiza tem tradução fundamental nas bases IX a XIII. 
(45) Veja-se, no sentido exposto, o já citado parecer nº 20/74. 
(46) Cfr. "Manual de Direito Administrativo", 9ª edição, tomo I, pág. 394. 
(47) É a seguinte a redacção destes artigos:
"Artigo 449º.  São consideradas associações as que se constituírem com o fim principal da sustentação do culto, de harmonia com as normas de hierarquia e disciplina da religião a que pertencerem.
§ único. Às associações e organizações das igrejas não consideradas associações religiosas, nos termos deste artigo, não é aplicável a disciplina instituída no presente título, ficando sujeitas ao direito comum quando pertençam a confissões diferentes da católica".
"Artigo 450º. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica pelo acto de registo da participação escrita da sua constituição, apresentada na secretaria do governo civil do respectivo distrito.
§ único. Exceptuam-se as associações religiosas da Igreja Católica...”. 
(48) Na Revista de Direito Administrativo, tomo VIII (1964), pág. 221, num artigo intitulado "As Igrejas e o Estado", afirmava OLIVEIRA LÍRIO o seguinte: "As associações e organizações eclesiásticas não católicas, estão sujeitas ao direito comum, por força do disposto no § único do artigo 449º do Código Administrativo. Assim, aplica-se-lhes, actualmente, o Decreto-Lei nº 39660, de 20 de Maio de 1954, que, no seu artigo 2º, faz depender a criação das referidas pessoas colectivas da aprovação dos seus estatutos pela autoridade competente segundo o mesmo preceito". 
(49) Para maiores desenvolvimentos, veja-se o mencionado parecer nº 20/74. 
(50) Acerca do reconhecimento da personalidade jurídica das confissões e associações religiosas, veja-se o parecer da Câmara Corporativa sobre o Projecto de Proposta de Lei nº 6/X, de que foi relator ANTUNES VARELA, in "Lei da Liberdade Religiosa e Lei de Imprensa", Coimbra Editora, 1972, págs. 24 e seguintes, maxime, a páginas 108 e seguintes, e a páginas 163 e seguintes. 
(51) Mais se esclarece que "é ainda nestes três sistemas que se baseiam as igrejas protestantes dentro do território português", pelo que uma lei sobre liberdade religiosa "não pode desconhecer esta característica da orgânica protestante, sob pena de, sem querer, cometer grave injustiça sobre grupos religiosos dignos de todo o crédito". 
(52) Queria-se fazer referência à disposição que previa a obrigatoriedade de "o reconhecimento ser pedido ao Governo em requerimento subscrito por um número não inferior a 500 fiéis ...” - cfr. nº 2 da base IX da Lei nº 4/71. 
(53) Cfr. a conclusão 2ª do citado parecer nº 60/74, do seguinte teor:
"É ao Ministro da justiça que compete autorizar as associações Internacionais, continuando o Ministério da Justiça a organizar o registo das associações religiosas em geral". 
(54) Cfr. artigo 158º, nº 1, do Código Civil. 
(55) Cfr., além do parecer nº 210/78, os pareceres nºs 146/79, de 25 de Outubro de 1979, 54/80, de 4 de Junho de 1980, 211/81, de 28 de Janeiro de 1982, 166/81, já citado, 47/82, de 29 de Abril de 1982, e 78/85, de 11 de Novembro de 1985. 
(56) Retira-se que já no parecer nº 211/81 se entendera que "para uma associação ser considerada religiosa é indispensável que se proponha à prática e à sustentação do culto ou ao desenvolvimento de qualquer actividade específica de uma religião". 
(57) Veja-se, no concernente às críticas formuladas ao cunho restritivo dimanante do regime vazado nos artigos 449º e seguintes do Código Administrativo, na medida em que condicionava a existência de associações desta natureza a uma finalidade essencialmente cultual, SEBASTIÃO CRUZ, op. cit., pág. 569 e parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de proposta de lei nº 6/X, in loc. cit., págs. 113 e 166. 
(58) Nos termos do artigo 5º do projecto de articulado dos "novos estatutos" prevê-se que podem ser membros da AEP as igrejas e outras pessoas colectivas evangélicas com sede em Portugal, bem como os pastores, anciãos, diáconos ou obreiros empenhados no trabalho da sua igreja, admitindo-se ainda que requeiram a sua admissão como membros da AEP todas as pessoas singulares que sejam membros de igrejas evangélicas em Portugal. 
(59) Quanto à possibilidade de exclusão de elementos julgados perniciosos à sua existência e acção, veja-se o artigo 9º. 
(60) Segundo PIETRO BELLINI "il sentimento religioso può rimanere custodito nella intimità delle coscienze o esternarsi in comportamenti socialmente rilevanti, indíviduali e colletivi; in quest'ultimo caso può dar luogo al costituirsi di aggregati sociali, unificati dalla comunanza di fede dei propri membri, posteri al perseguimento d'uno stesse fine. Tali gruppi sociali, determinati dala esijenza religiosa, si denominano confessioni reliqiose" - in "Encliclopedia del Diritto", vol. VIII, pág. 926. 
(61) Os Estatutos estão publicados no "Diário da República, II Série, nº 265, de 12 de Novembro de 1976. 
(62) Observe-se que o Exército de Salvação faz parte integrante da Aliança Evangélica Portuguesa. A propósito do reconhecimento do Exército de Salvação, no nosso País, veja-se o parecer nº 20/74, de "1 de Junho de 1974, já referido. 
(63) A propósito do Conselho Mundial de Igrejas, sua base fundamental, constituição, funções e autoridade, veja-se "H. BETTENSON, "Documentos da Igreja Cristã", 2ª edição, página 357. 
(64) Adoptamos a distinção categorial indicada pelo presidente da AEP, na exposição que sumariámos supra, no ponto 5. 
(65) Cfr. "Scientia Juridica", tomo XX, nºs 112-113, pág. 474 e supra, ponto 5. 
(66) Veja-se "Breve nota sobre o lançamento da nova disciplina de formação religiosa evangélica nas escolas públicas do ensino secundário", documento dimanado da COMACEP, com data de 26 de Novembro de 1990. 
(67) Como se pode constatar do relatório da 2ª reunião da COMACEP, realizada em 9 de Abril de 1988 era esse o nome proposto para a nova disciplina ou "espaço" dentro da área-escola. 
(68) Em catorze impressos de matrícula, cujas fotocópias tivemos ocasião de consultar, sete referem "Evangélica"; quatro mencionam "Igreja Evangélica" ("tout court"); um inscreve "Não Católica - Evangélica"; e apenas dois explicitam "Assembleia de Deus/Igreja Evangélica". 
(69) Realizada em 2 de Dezembro de 1989. 
(70) Sintomaticamente, no capítulo respectivo do "Prontuário Evangélico", edição de 1987, são divulgados os dados relativos às "denominações e grupos evangélicos e respectivas congregações", associadas quer na AEP, quer no COPIC - cfr. paginas 161 a 203 do citado volume. 
(71) Cfr. ofício de 14 de Julho de 1988, dirigido pela COMACEP ao Senhor Ministro da Educação. 
(72) No Regulamento interno da COMACEP pode ler-se que esta Comissão "foi nomeada conjuntamente pela AEP e pelo COPIC" e que "a sua finalidade global é a de organizar e promover a acção educativa evangélica nas escolas públicas portuguesas dos ensinos básico e secundário" (nºs 1.1. e 1.2.). 
Anotações
Legislação: 
CONST822 ART25.
CONST11 ART3.
CONST33 ART8 N3 ART43 PAR3.
CCIV66 ART158 N1 ART167 ART168.
L 1910 DE 1935/05/23.
L 4/71 DE 1971/08/21 BI BII BVII BIX BXII.
L 5/73 DE 1973/07/25 BIII.
D 216/72 DE 1972/06/27 ART11 ART12.
CONST76 ART41 ART43 ART46. CADM40 ART449 ART450.
DL 323/83 DE 1983/07/05 ART2 N1.
PORT 333/86 DE 1986/07/02. DL 594/74 DE 1974/11/07.
PORT 831/87 DE 1987/10/16. DN 6-A/90 DE 1990/07/31.
PORT 344-A/88 DE 1988/05/31. DL 407/89 DE 1989/11/16.
DL 286/89 DE 1989/08/29. DN 104/89 DE 1989/09/07.
Jurisprudência: 
AC TC 423/87.
Referências Complementares: 
DIR ENS / DIR CONST * DIR FUND.*****
CONC PT VA 1940/05/07
Divulgação
Número: 
DR099
Data: 
30-04-1991
Página: 
48
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