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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
3/2022, de 04.07.2022
Data do Parecer: 
04-07-2022
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Presidência do Conselho de Ministros
Relator: 
Marta Cação Rodrigues Cavaleira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
Carlos Adérito da Silva Teixeira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Carlos Adérito da Silva Teixeira

Votou em conformidade



Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou em conformidade



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou em conformidade



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



João Conde Correia dos Santos

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade

Descritores e Conclusões
Descritores: 
DIREITO DE ASSOCIAÇÃO
DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS
LIBERDADE DA ASSOCIAÇÃO
AUTONOMIA ESTATUTÁRIA
ORGANIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES
ASSOCIADOS
PARTICIPAÇÃO DE MENORES
CAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE ASSOCIAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO
Conclusões: 
IV. Conclusões
Considerando o que foi exposto, atentas as questões colocadas, formulam-se as seguintes conclusões:
1.ª O direito de associação está consagrado na ordem jurídica internacional, sendo reconhecido a todas as pessoas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 20.º), pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 22.º) e pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 11.º), e às crianças (os menores de 18 anos) pela Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 15.º);
2.ª A Constituição reconhece, no artigo 46.º, o direito geral de associação, integrando-o no elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais;
                      3.ª Neste preceito constitucional podem identificar-se várias dimensões do direito de associação ou «vários direitos ou liberdades específicos»: (i.) o direito dos cidadãos a, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituírem associações e a fazerem parte de associações já constituídas  – o direito positivo de associação (n.º 1); (ii.) o direito dos cidadãos a não fazerem parte de uma associação nem serem coagidos por qualquer meio a filiar-se ou a permanecer nela  – a liberdade negativa de associação (n.º 3); (iii.) a liberdade da associação em prosseguir livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas - a liberdade da associação (n.º 2);
                      4.ª A liberdade da associação traduz-se, designadamente, na liberdade de organização e regulamentação interna (a liberdade de auto-organização). As normas relativas à sua organização e funcionamento são, no respeito pela Constituição e pela lei, livremente elaboradas e aprovadas por cada associação (autonomia estatutária);
                      5.ª Em concordância com a liberdade de organização e regulamentação interna das associações, constitucionalmente consagrada, o Código Civil estabelece que é ao ato de constituição da associação que cabe especificar a forma do seu funcionamento (artigo 167.º, n.º 1) e confere à associação a possibilidade de, nos estatutos (elemento normativo fundamental da organização e funcionamento da associação), especificar os direitos e obrigações e as condições de admissão, saída e exclusão dos associados (artigo 167.º, n.º 2);
                      6.ª A liberdade de organização e regulamentação interna das associações não afasta a possibilidade de aprovação de regras legais gerais sobre a sua organização e gestão.  A lei pode, desde que respeite os condicionalismos impostos pelo ordenamento internacional e constitucional e não ofenda o conteúdo fundamental da liberdade institucional da associação, disciplinar aspetos da sua organização;
                      7.ª O artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, não estabelece regras relativas à organização das associações, que limitem a sua liberdade de organização e regulamentação interna, quanto à participação de menores, designadamente, quanto à admissão ou não de menores como associados e quanto aos direitos que lhes são reconhecidos por cada associação;
                      8.ª Atenta a incapacidade geral dos menores para o exercício de direitos (artigo 123.º do Código Civil), o artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, veio dispor sobre a sua capacidade para o exercício do direito de associação, direito este que lhes é reconhecido pelo n.º 1 do artigo 46.º da Constituição e pelo n.º 1 do artigo 15.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição);
                       9.ª Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, os menores podem exercer o seu direito de associação, nos seguintes termos: os menores com idade inferior a 14 anos têm o direito de aderir a associações, desde que previamente autorizados, por escrito, por quem detém o poder paternal; os menores com idade igual ou superior a 14 anos têm o direito de aderir a associações ou constituir novas associações e a ser titulares dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização;
                       10.ª Em suma, esta disposição legal não impede que as associações, no exercício da sua liberdade de organização, limitem, nos seus estatutos, a participação de menores de 18 anos, seja vedando a sua admissão como associados seja limitando os seus direitos, o que impede é que, sendo os menores admitidos como associados, não se respeitem as regras aí estabelecidas quanto à sua capacidade de exercício;
                       11.ª Tal não significa, porém, que a conformação da posição dos menores possa ser livremente efetuada, uma vez que na elaboração dos estatutos devem ser observadas não só as regras gerais previstas na lei, mas também o disposto no direito internacional e na Constituição;
                      12.ª A limitação da participação de menores, por consubstanciar uma diferenciação em razão da idade, remete-nos para a análise da sua conformidade com o princípio da igualdade, consagrado na ordem jurídica interna no artigo 13.º da Constituição;
                       13.ª Embora o princípio da igualdade também regule relações das pessoas singulares no seio das associações, estas não estão sujeitas ao cumprimento deste princípio em todas as suas dimensões, não só porque são entidades de direito privado, mas, principalmente, porque lhes é constitucionalmente reconhecida a liberdade de auto-organização e regulamentação interna (artigo 46.º, n.º 2, da Constituição);
                       14.ª É, no entanto, precisamente, no exercício da sua liberdade de conformação normativa, designadamente no ato de constituição e nos seus estatutos, que o princípio da igualdade adquire especial relevância; 
                      15.ª Sendo a proibição de discriminação uma dimensão do princípio da igualdade de aplicação direta, sem necessidade de intermediação legislativa, na elaboração dos seus instrumentos normativos, à associação está vedada a possibilidade de previsão de disposições discriminatórias: não podem afetar-se direitos em razão de algum dos fatores previstos no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição ou por qualquer outra causa de discriminação; 
                      16.ª Ora, a idade também pode ser um fator de discriminação ilegítimo. Para que uma disposição estatutária que introduz uma diferenciação de tratamento, limitando a participação de menores - seja excluindo a possibilidade de admissão destes como associados, seja limitando os seus direitos - não seja considerada discriminatória, exige-se que essa diferenciação seja materialmente fundada. Tem de verificar-se a existência de elementos objetivos diferenciadores: a diferenciação da posição dos menores tem de assentar numa justificação material bastante para a diferenciação;
                      17.ª Na análise da existência de uma justificação material bastante para a diferenciação, não pode, no entanto, deixar de se ter presente que o direito de associação é um direito fundamental pessoal (o designado direito positivo de associação) reconhecido em geral, pelo n.º 1 do artigo 46.º da Constituição, a todos os cidadãos e, em particular, às crianças, pelo n.º 1 do artigo 15.º da Convenção sobre os Direitos da Criança;
                      18.ª E que a lei facilitou o exercício do direito de associação pelos menores, estabelecendo um regime excecional face à sua incapacidade geral de exercício de direitos:  os menores com idade igual ou superior a 14 anos têm o direito de aderir a associações ou constituir novas associações e a ser titulares dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização (artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto);
                      19.ª Em suma, os estatutos de uma associação podem conter disposições que diferenciam em razão da idade – limitando a participação de menores –, sem que, com isso, violem o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, mas estas não podem traduzir-se em disposições discriminatórias;
                     20.ª A limitação da participação de menores numa associação – vedando a sua admissão ou restringindo os seus direitos - tem de se sustentar em fundamento material bastante para a diferenciação. 
Texto Integral
Texto Integral: 

Senhor Secretário de Estado

da Presidência do Conselho de Ministros,

Excelência,

Sua Excelência o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, solicitou[1] ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 44.º do Estatuto do Ministério Público[2], a emissão de parecer sobre «a interpretação da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, mais concretamente, quanto ao direito dos menores de idade de aderir a associações ou constituir novas associações e ser titulares dos respetivos órgãos, consagrado no seu artigo 2.º, atenta a divergência de pronúncias emitidas pelas Procuradorias da República das Comarcas de Lisboa e do Porto».

Para melhor enquadramento, ao pedido de parecer foram juntas as referidas pronúncias das Procuradorias da República das Comarcas de Lisboa e do Porto e a Nota n.º 4/2022, do Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, datada de 1 de fevereiro de 2022, com seguinte teor:

               «Assunto: Pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República - Interpretação da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto

               Nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto («Direito de associação»):

               «1 - Os menores com idade inferior a 14 anos têm o direito de aderir a associações, desde que previamente autorizados, por escrito, por quem detém o poder paternal.

               2 - Os menores com idade igual ao superior a 14 anos têm o direito de aderir a associações ou constituir novas associações e a ser titular dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização.»

               No âmbito do processo n.º 22/UP/2008, instruído na Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, foi solicitada a pronúncia da Procuradoria da República da Comarca de Lisboa a respeito do âmbito da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto.

               Neste contexto, a Procuradoria da República da Comarca de Lisboa efetuou uma análise jurídica[3], segundo a qual:

               «[…] a lei aplicável de modo algum impede as associações de limitar a participação de menores, devendo o aplicador do direito fazer uma análise casuística das limitações estatutariamente consagradas, dependente do contorno das mesmas e dos estatutos de cada associação».

               Por outro lado, no âmbito do Processo n.º 39/UP/2014[4], também instruído na Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, a Procuradoria da República da Comarca do Porto concluiu que:

               «[…] na ausência de qualquer justificação para a limitação dos direitos de sócios que podem ser exercidos pelos referidos jovens [com idades iguais ou superiores a 14 anos] e uma vez que tal limitação viola a Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, […] deverá o artigo 28.º dos Estatutos ser alterado, ficando claro que não há qualquer limitação aos direitos destes menores enquanto sócios […]».

               Proposta:

               Face ao que antecede, cumpre clarificar se a Lei n.º 129/99, de 20 de agosto, impede que as associações privadas limitem a participação de menores de 18 anos e, em caso negativo, qual o critério a adotar na aplicação dessa mesma lei ao caso concreto.

               Para este efeito, propõe-se a solicitação de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República […]».

Sustentando a apontada conclusão, pode ler-se na análise jurídica da Procuradoria da República da Comarca de Lisboa o seguinte:

               «(…) concretamente no que respeita à Lei n.º 124/99, parece-nos que a solução só pode ser a de que nela é fixada a capacidade do exercício do direito de associação dos maiores de 14 anos, sem qualquer pretensão legislativa de vedar a cada associação a possibilidade de restringir, nos seus estatutos, a participação dos menores de 18 anos.

              Sob pena de, como refere Jorge Miranda, embora a propósito do método democrático, ser dado o repto ao “efeito perverso de sufocar o próprio direito de associação” (…).

               Em respeito pelo mencionado direito, o aplicador da lei, deve orientar-se pelo princípio da ingerência mínima em matéria estatutária.

               Há, assim, numa cedência do princípio da igualdade perante o direito de liberdade associativa, associações que vedam a entrada a indivíduos determinado sexo (como por exemplo, associações de mulheres e associações de homens, como a Lyons Club, entre outras). Há, também, em detrimento do método democrático, associações que estabelecem que determinados sócios têm direito a uma determinada percentagem de votos superior à dos outros, havendo sócios que não votam (como por exemplo, os sócios honorários).

               Nesta sequência, desde que tal não configure uma situação de abuso de direito ou não ponha em causa o princípio do funcionamento democrático da associação, temos por admissível a limitação da participação dos menores de 18 anos nos estatutos de uma associação.

               A título exemplificativo, compreendemos que determinada associação queira vedar a possibilidade de um menor de 18 anos ser eleito para um cargo diretivo. Isto porque, apesar da capacidade para o exercício do mencionado cargo dentro da associação que a lei lhe confere, esse menor estaria depois limitado por via da sua incapacidade geral, fora da associação, para, nomeadamente, celebrar negócios jurídicos (fora dos casos previstos no art. 127.º do Código Civil). Para além da limitação que seria a responsabilização perante os seus atos.»

Por seu turno, no caso, a Procuradoria da República da Comarca do Porto para concluir como se referiu, invocou os seguintes fundamentos:

               «(…) não se justifica a limitação dos direitos a ser exercidos pelos menores prevista nos artigos 28.º[5] e 29.º dos Estatutos.

               Quanto aos menores com idade igual ao superior a 14 anos

               Sendo certo que os mesmos não constam da definição de sócios auxiliares constantes do artigo 14.º dos Estatutos, a verdade é que no artigo 28.º a referência a menores surge juntamente com a referência a “senhoras”, podendo entender-se que quando refere menores se está a referir a todos os jovens com idade inferior a 18 anos, cumpre fazer o esclarecimento que se segue.

               Com efeito, a Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, garante aos jovens, com idades iguais ou superiores a 14 anos, o livre exercício do direito de associação, permitindo-lhes não só aderir a associações, como também constituir novas associações, e até ser titulares dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização, pelo que não podem os Estatutos da Associação limitar injustificadamente esses direitos.

               Assim, na ausência de qualquer justificação para a limitação dos direitos de sócios que podem ser exercidos pelos referidos jovens, e uma vez que tal limitação viola a Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, em especial o seu artigo 2.º, n.º 2, deverá o artigo 28.º dos Estatutos ser alterado, ficando claro que não há qualquer limitação aos direitos destes menores enquanto sócios - o que poderá ser feito com a menção «menores de 14 anos».

               Quanto aos jovens com idade inferior a 14 anos e também com a idade inferior a 10 anos:

               Quanto a estes jovens esclarece-se que se aplica ao exercício dos seus direitos como sócios as regras gerais relativas à capacidade /incapacidade de exercício. Assim, os menores de 14 anos, bem como aqueles que tenham idade inferior a 10 anos, podem exercer todos os direitos previstos para os sócios no artigo 23.º dos Estatutos, desde que, para o efeito, estejam representados pelos responsáveis pelo exercício das suas responsabilidades parentais.

               Exceciona-se, naturalmente, o direito a ser votado para os corpos gerentes, previsto no artigo 23.º, n.º 6, dos Estatutos, como ato pessoal que é, tudo nos termos do artigo 1881.º do Código Civil.

               Destarte, deverá proceder-se à alteração dos artigos 28.º e 29.º[6] dos Estatutos harmonizando-os em conformidade com tudo o exposto, passando, assim, a prever que os referidos jovens podem exercer todos os direitos previstos no artigo 23.º, com exceção do direito previsto na alínea 6, desde que devidamente representados.

                […]

                As normas estatutárias supra referidas, porque violadoras de preceitos legais de caráter imperativo, padecem de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, 294.º e 295.º, todos do Código Civil.»

A questão jurídica fundamental colocada a este Conselho Consultivo reside em saber se o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto[7], quanto ao direito dos menores de idade de aderir a associações ou constituir novas associações e ser titulares dos respetivos órgãos, impede que as associações privadas limitem a participação de menores de 18 anos.

Solicita-se, ainda que, em caso negativo, se indique qual o critério a adotar na aplicação dessa mesma lei ao caso concreto.

Cumpre, pois, emitir o parecer solicitado, começando por analisar qual o conteúdo do direito de associação.

I. Direito de associação

I.1. O direito de associação está consagrado na ordem jurídica internacional, em instrumentos jurídicos de salvaguarda de direitos humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos[8] reconhece que «[t]oda a pessoa tem o direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas» (artigo 20.º, n.º 1) e dispõe que «[n]inguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação» (artigo 20.º, n.º 2).

O artigo 22.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos[9] estabelece que «[t]oda e qualquer pessoa tem o direito de se associar livremente com outras, incluindo o direito de constituir sindicatos e de a eles aderir para a proteção dos seus interesses» só podendo  o exercício deste direito «ser objeto de restrições previstas na lei e que são necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança pública, da ordem pública e para proteger a saúde ou a moralidade públicas ou os direitos e as liberdades de outrem»[10] (n.ºs 1 e 2).

Em sentido idêntico, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos[11] estabelece, no seu artigo 11.º, que «[q]ualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses» só podendo o exercício deste direito  «ser objeto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros»[12].

Com especial relevância para o presente parecer, a Convenção sobre os Direitos da Criança[13] reconhece «os direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de reunião pacífica» (artigo 15.º, n.º 1) só podendo o exercício destes direitos «ser objeto de restrições previstas na lei e que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da segurança pública, da ordem pública, para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades de outrem» (artigo 15.º, n.º 2).

Também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[14] estabelece, no n.º 1 do seu artigo 12.º, que «[t]odas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios político, sindical e cívico, o que implica o direito de, com outrem, fundarem sindicatos e de neles se filiarem para a defesa dos seus interesses».

I.2. Na atual[15] Constituição da República Portuguesa[16] (doravante Constituição) a liberdade de associação, «expressão mais qualificada da liberdade de organização coletiva privada, ínsita no princípio do Estado de direito democrático»[17], integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais previstos no Capítulo I do Título II (Direitos, liberdades e garantias), da Parte I (Direitos e deveres fundamentais):

«Artigo 46.º

(Liberdade de associação)

               1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respetivos fins não sejam contrários à lei penal.

              2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas atividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.

               3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.

               4. Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista[18]».

A Constituição admite, ainda, no seu artigo 270.º[19], outras restrições ao exercício do direito de associação, prevendo que a lei pode estabelecer, na estrita medida das exigências próprias das respetivas funções, restrições ao exercício do direito de associação por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo, bem como por agentes dos serviços e das forças de segurança.

Gomes Canotilho e Vital Moreira[20] fazem notar que a «colocação sistemática do direito de associação no capítulo dos “direitos, liberdades e garantias pessoais” não exclui a sua caracterização como direito de caráter duplo, pois, ao lado da dimensão subjetiva individual (os titulares do direito de associação são primacialmente os cidadãos individualmente considerados), existe uma dimensão coletiva, legitimadora do reconhecimento de direitos fundamentais de grupo à associação em si mesma e não aos particulares que a formam (desde logo, o direito a garantir a sua própria existência e atividade)».

A par do direito geral de associação, a que se refere o artigo 46.º da Constituição, ainda em sede de direitos, liberdades e garantias, a Constituição estabelece, no capítulo referente aos direitos, liberdades e garantias de participação política (Capítulo II), o regime especial das associações políticas e partidos políticos (artigo 51.º) e, no capítulo referente aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (Capítulo III), o regime especial das associações sindicais (artigos 55.º e 56.º).

Encontramos, ainda, na Constituição, muitas outras referências a associações, sendo disso exemplo: associações de consumidores (artigo 60.º, n.º 3); associações representativas de beneficiários da segurança social (artigo 63.º, n.º 2); associações representativas das famílias (artigo 67.º, n.º 2, alínea g)); associações juvenis (artigo 70.º, n.º 3); associações de cidadãos portadores de deficiência (artigo 71.º, n.º 3); associações de fins culturais e associações de defesa do património cultural (artigo 73.º, n.º 3); associações de professores, de alunos e de pais (artigo 77.º, n.º 2); associações desportivas (artigo 79.º, n.º 2); associações de agricultores (artigos 93.º, n.º 1, alínea e), 97.º, n.º 2, alínea d) e 98.º); associações de trabalhadores rurais (artigo 97.º, n.º 2, alínea d) e 98.º).

Como salienta Jorge Miranda[21] são «praticamente todas as áreas da vida coletiva que, assim, adquirem relevância constitucional, não para ficarem subordinadas ao Estado, mas para garantia plena de outras liberdades - a liberdade política, a liberdade religiosa, a liberdade sindical, a liberdade de criação cultural - e para todas obterem mais possibilidade de ação. E a Constituição ainda vai mais longe em relação a quase todas as que prevê, chamando-as a participar no próprio desenvolvimento das incumbências do Estado e impondo a este o diálogo com elas, enquanto expressão da sociedade civil». Como conclui «a realização de democracia económica, social e cultural passa, pois, necessariamente, também por aqui. A democracia participativa é, fundamentalmente, uma democracia associativa».

Também Gomes Canotilho e Vital Moreira[22] destacam que a liberdade de associação, lato sensu, constitui «um instrumento de garantia da liberdade política (associações e partidos políticos), da liberdade religiosa (associações e instituições religiosas), da liberdade de fruição cultural (associações culturais, desportivas) entre outras»[23].

A Constituição refere-se, ainda, a associações públicas[24]. No n.º 1 do artigo 267.º, identifica as associações públicas como um dos meios de estruturação da Administração Pública que pode evitar a burocratização, aproximar os serviços das populações e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva. E estabelece, no n.º 4 do mesmo preceito, que as associações públicas «só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos».

Gomes Canotilho e Vital Moreira[25] entendem que tudo aponta para que esta «se trate de uma figura constitucional autónoma, de um tipo particular de associações com um regime jurídico específico, não podendo, portanto, estar sujeitas diretamente ao regime constitucional geral das associações.» Chamam, no entanto, a atenção para que «apesar dessa autonomia, as associações públicas não deixam de ser associações de pessoas privadas, pelo que o regime especial delas só se deve afastar do regime geral das associações na medida em que isso seja exigido pela sua natureza pública».

Não explicitando a Constituição nem a lei, inequivocamente, um conceito de associação, Jorge Miranda[26] identifica três sentidos, a que considera aplicáveis, direta ou indiretamente, as regras do artigo 46.º da Constituição, completadas por regras estabelecidas pela Constituição a propósito de algumas associações em especial:

               «Em sentido lato, associação abrange qualquer forma de organização de pessoas: associações na aceção corrente do termo, sociedades comerciais, comissões especiais (artigos 199.º a 201.º-A do Código Civil), comissões de trabalhadores, as organizações referidas no n.º 4 [do artigo 46.º] e quaisquer outras formas de organização coletiva. De certo modo, as próprias fundações poderiam ainda aí caber.

               Em sentido médio, associações abrange quaisquer pessoas coletivas de tipo associativo ou corporacional, sem fins lucrativos[27]; portanto, quer as associações de puro regime de Direito privado (e as associações não personalizadas dos artigos 195.º a 198.º do Código Civil) quer as associações previstas na Constituição, seja qual for o seu regime.

               Em sentido restrito, trata-se de todas estas associações, com exclusão das associações públicas [artigos 267.º, n.º 4, e 165.º, alínea s), da Constituição], entidades estas pertencentes à Administração Pública.»

I.3. Na presente consulta pretende-se, como vimos, saber se o artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, impede que as associações privadas limitem a participação de menores de 18 anos.

Fora do âmbito da nossa análise estará, assim, desde logo, o regime constitucional e legal aplicável às associações públicas, entidades que integram a Administração Pública. Mas também o regime de associações que, embora não sejam associações de direito público, estão «submetidas a um regime especial de tutela estadual que não é compatível com o regime comum da liberdade de associação». É o caso de «certas categorias de organizações privadas de base associativa que desempenham tarefas públicas ou de interesse público», como as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, as instituições particulares de solidariedade social (artigo 63.º, n.º 5, da Constituição) e outras associações privadas que exercem poderes públicos (artigo 267.º, n.º 6, da Constituição), como é o caso das federações desportivas[28]-[29].

Da leitura dos fundamentos do pedido de emissão de parecer resulta, ainda, que a consulta se circunscreve às associações que Jorge Miranda identifica como «associações de puro regime de Direito privado», que correspondem às associações com personalidade jurídica[30], cujo regime comum encontramos nos artigos 167.º a 184.º do Código Civil[31] bem como, por força do disposto no artigo 157.º, nos artigos 158.º a 166.º do mesmo diploma legal (disposições gerais aplicáveis às pessoas coletivas de Direito privado). Fora do âmbito da nossa análise estão, assim, também as associações privadas com regimes jurídicos específicos[32], como é o caso das associações políticas e das associações sindicais.

Cumpre, pois, analisar qual o conteúdo do direito geral de associação.

I.3.1.  Como vimos, o direito geral de associação integra, na Constituição (artigo 46.º), o elenco de direitos, liberdades e garantias pessoais, a ele se aplicando o regime constitucional próprio destes direitos.

Para Gomes Canotilho e Vital Moreira[33]  o «direito de associação é um direito complexo, que se analisa em vários direitos ou liberdades específicos», sendo a regra fundamental «a da liberdade individual, autonomia privada e liberdade de organização interna sem ingerências do Estado».

Para estes autores o «n.º 1 reconhece o chamado direito positivo de associação, ou seja, o direito individual dos cidadãos de constituírem livremente associações sem impedimentos e sem imposições do Estado, bem como o direito de se filiarem em associação já constituída; o n.º 2 reconhece a liberdade da associação, enquanto direito da própria associação a organizar-se e a prosseguir livremente a sua atividade; finalmente, o n.º 3 garante a liberdade negativa de associação; isto é, o direito do cidadão de não entrar numa associação, bem como o direito de sair dela». O «direito de associação é fundamentalmente um direito negativo, um direito de defesa, sobretudo perante o Estado, proibindo a intromissão deste, seja na constituição de associações (não podendo ele constituí-las, nem impedir a sua criação), seja na organização e vida interna (liberdade estatutária, liberdade de seleção de dirigentes, etc.)».

Também Jorge Miranda[34] entende que o direito de associação se apresenta «como um direito complexo, com múltiplas dimensões - individual e institucional, positiva e negativa, interna e externa - cada qual com a sua lógica própria, complementares umas das outras e que um sistema jurídico constitucional coerente com princípios de liberdade deve desenvolver e harmonizar.»

Antes de mais, diz-nos este Autor[35] «o direito de associação é o direito de, “livremente e sem dependência de qualquer autorização”, constituir com outrem associações para qualquer fim não contrário à lei penal (n.º 1) - direito individual, mas de exercício necessariamente coletivo». Este direito deve «ser encarado no sentido mais amplo, sem prejuízo do respeito do princípio da especialidade: cada associação existe para certos e determinados fins, a que correspondem os meios adequados, e não para uma pluralidade indefinida de fins.»

Depois, «o direito de associação é um direito individual e de exercício individual, positivo e negativo (n.ºs 1 e 3):

              - O direito de fazer parte ou de aderir a qualquer associação, verificados os pressupostos legais e estatutários, sem privilégios, nem discriminações;

               - O direito de livremente, a todo o tempo, sair de qualquer associação a que se pertença;

               - O direito de não ser coagido a inscrever-se (ou a permanecer) em qualquer associação;

              - O direito de não pagar quotização para associação em que se não esteja inscrito [cfr. artigo 55.º, n.º 2, alínea b)]».

O direito de associação revela-se também como «um direito institucional, um direito de liberdade das associações[36] constituídas (n.º 2):

              - Liberdade de organização e regulamentação interna, sendo os estatutos elaborados por cada associação, observadas as regras gerais da Constituição e da lei, sem qualquer dependência de aprovação ou homologação [cfr. artigos 55.º, n.º 2, alínea c), e Acs. TC n.ºs 38/84 e 328/92];

              - Liberdade de constituição dos seus órgãos, sendo os seus titulares eleitos pelos associados sem dependência também de aprovação ou homologação;

              - Liberdade de prossecução dos seus fins, sem interferência das autoridades administrativas e ainda sem dependência de autorização ou aprovação relativamente aos atos dos seus órgãos;

              - Liberdade de filiação e de participação em uniões ou outras organizações de âmbito mais vasto (v.g., federações de institutos religiosos, uniões e confederações sindicais, federações e confederações desportivas), tanto a nível interno como internacional [cfr. artigo 55.º, n.º 2, alínea a)];

              - Liberdade de extinção e de dissolução.»

Especialmente relevante para a economia do presente parecer, é a previsão da liberdade de organização e regulamentação interna de cada associação. A «liberdade ou autonomia interna das associações acarreta a existência de uma vontade geral ou coletiva, o confronto de opiniões para a sua determinação, a distinção de maiorias e minorias. Daí a necessidade de observância do método democrático e das regras em que se consubstancia, ao lado da necessidade de garantia dos direitos dos associados. À lei e aos estatutos cabe escrever essas regras e essas garantias, circunscrevendo, assim, a atuação dos órgãos associativos, mas não a liberdade de associação devidamente entendida»[37].

Gomes Canotilho e Vital Moreira[38] entendem que o n.º 2 do artigo 46.º da Constituição  abrange, explícita ou implicitamente «a liberdade de auto-organização, o autogoverno e a autogestão, consubstanciadas na autonomia estatutária[39] (não podendo os estatutos das associações estar dependentes de qualquer aprovação ou sanção administrativa e, muito menos, ser impostos pelas autoridades); na liberdade de escolha dos seus órgãos (não podendo a designação dos órgãos diretivos da associação estar dependente de qualquer aprovação ou controlo administrativo, e, muito menos, de imposição administrativa) e a liberdade de gestão (não podendo os seus atos ficar dependentes de aprovação ou referenda administrativa).» Lembram, no entanto, que a «liberdade de auto-organização e de autogestão não prejudica, naturalmente, a fixação normativa de regras gerais de organização e gestão que não afetem substancialmente a liberdade de associação, nomeadamente os requisitos mínimos de uma organização democrática interna (…)».

Jorge Miranda[40] faz notar que a «liberdade ou autonomia interna das associações postula, em Estado de Direito democrático, a vinculação das associações frente aos associados, aos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 1) e a observância do método democrático, traduzido em:

               - Aprovação dos estatutos em assembleia geral (cfr. artigo 54.º, n.º 2);

               - Eleição periódica dos dirigentes (artigo 55.º, n.º 3) e a admissibilidade de destituição (artigo 264.º, n.º 4);

               - Voto direto (cfr. artigo 54.º, n.º 3), secreto (cfr. artigos 55.º, n.º 3, 54.º, n.º 2, e 264.º, n.º 4) e pessoal (artigo 180.º do Código Civil);

              - Pluralismo de opiniões e correntes (artigo 55.º, n.º 2, alínea e));

              - Participação ativa dos associados (artigo 55.º, n.º 3).»

Ainda segundo este Autor estas notas «correspondem às que a Constituição estabelece para a organização do poder político (artigos 108.º e segs.) - nem poderia deixar de ser assim, por um elementar motivo de congruência. E podem ser completadas por outras que aqui se deparam: a separação e a interdependência dos órgãos (artigo 111.º, n.º 1); a liberdade de propaganda eleitoral, a igualdade de candidaturas e a fiscalização das contas eleitorais (artigo 113.º, n.º 3); a jurisdicionalidade da apreciação da validade e da regularidade dos atos eleitorais (artigos 113.º, n.º 7, e 223.º, n.º 2, alínea h)); o direito de oposição das minorias (artigo 113.º, n.º 2), os princípios do quórum e da maioria nas deliberações das assembleias (artigo 116.º, n.ºs  2 e 3), o princípio da renovação dos cargos dirigentes (artigo 118.º); e outrossim, obviamente, os princípios de legalidade (artigo 3.º, n.º 2), universalidade (artigo 12.º), igualdade (artigo 13.º) e tutela dos direitos (artigos 20.º e 52.º)».

Chama, no entanto, a atenção para que outras regras para além destas devem ser aferidas com o maior cuidado pois a «prescrição do método democrático não pode ter o efeito perverso de sufocar o próprio direito de livre organização das associações».

Também João Zenha Martins[41] afirma a ideia de que o Estado «não pode interferir na constituição das associações» e não pode «intrometer-se na organização e na vida interna das associações, quadro implicativo de uma efetiva autonomia estatutária (direito de auto-organização)», sendo para este Autor claro que as «associações, uma vez constituídas, gozam do direito de se organizarem livremente e de, livremente também, prosseguirem a sua atividade (princípio da auto-organização e da autogestão das associações)»  o que, entende, não impede o «legislador de fixar regras gerais imperativas de organização e de gestão das associações nem tão-pouco obvia à obrigação que impende sobre estes entes quanto à observância de princípios da democraticidade no seu funcionamento, elementos pressuponentes de uma autodeterminação associativa genuína (…)».

I.4. Em momento anterior à aprovação da Constituição de 1976[42], o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro[43]-[44], já havia afirmado a liberdade de associação, contendo, à semelhança do artigo 46.º da Constituição, a regulamentação do direito político de associação[45].

Este diploma legal revogou expressamente (artigo 18.º), entre outros, o Decreto-Lei n.º 39.660, de 20 de maio de 1954, cujo artigo 2.º fazia depender a formação e a existência de qualquer associação da aprovação dos seus estatutos pelo Governador Civil ou pelo Ministro do Interior, consoante os casos, regra que restringia fortemente o alcance da liberdade de associação[46], consagrada no artigo 8.º, n.º 14, e § 1.º da Constituição de 1933 (apesar de consagrar a liberdade de associação, a Constituição de 1933 remetia para a lei a determinação da forma e das condições do seu exercício).

Afirmando que o «Estado de Direito, respeitador da pessoa, não pode impor limites à livre constituição de associações, senão os que forem direta e necessariamente exigidos pela salvaguarda de interesses superiores e gerais da comunidade política»[47], o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, visou «suprimir a exigência de autorizações administrativas que condicionavam a livre constituição de associações e o seu normal desenvolvimento», passando o direito à constituição de associações  «a ser livre» e a personalidade jurídica a adquirir-se «por mero ato de depósito dos estatutos». Para tanto, estabeleceu o seguinte:

               «Artigo 1.º - 1. A todos os cidadãos maiores de 18 anos, no gozo dos seus direitos civis, é garantido o livre exercício do direito de se associarem para fins não contrários à lei ou à moral pública, sem necessidade de qualquer autorização prévia.

                2. Leis especiais poderão autorizar o exercício do direito de associação a cidadãos de idade inferior ao limite consignado no número anterior.

                Art. 2.º - 1. Ninguém poderá ser obrigado ou coagido por qualquer modo a fazer parte de uma associação, seja qual for a sua natureza.

               2. Aquele que, mesmo que seja autoridade pública ou administrativa, obrigue, ou exerça coação para obrigar, alguém a inscrever-se numa associação incorrerá nas penalidades cominadas no artigo 291.º do Código Penal.

               Art. 3.º Não são permitidas as associações que tenham por finalidade o derrubamento das instituições democráticas ou a apologia do ódio ou da violência.

               Art. 4.º - 1. As associações adquirem personalidade jurídica pelo depósito, contra recibo, de um exemplar do ato de constituição e dos estatutos no governo civil da área da respetiva sede, após prévia publicação no Diário do Governo e num dos jornais diários mais lidos na região. A prova da publicação faz-se pelo depósito simultâneo de um exemplar de cada jornal.

               2. Dentro de oito dias a contar da data do depósito, deve ser remetido, em carta registada com aviso de receção, um exemplar do Diário do Governo que publicar os estatutos ao agente do Ministério Público junto do tribunal da comarca da sede da associação, para que este, no caso de os estatutos ou a associação não serem conformes à lei ou à moral pública, promova a declaração judicial de extinção.»

Como referem Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa[48]  o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, revogou «implicitamente as disposições do Código Civil com ele incompatíveis e nomeadamente, é claro, o regime de outorga individual de personalidade jurídica (art. 158.º), de submissão a aprovação das modificações do ato de constituição ou dos estatutos (art. 169.º) e dos poderes de extinção conferidos a entidade não judicial (n.º 2 do art. 182.º)»

Já depois de aprovada a Constituição, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 71/77, de 25 de fevereiro[49], passando a dispor o seguinte:

              «Art. 4.º - 1. As associações adquirem personalidade jurídica pelo depósito, contra recibo, de um exemplar do ato de constituição e dos estatutos, no governo civil da área da respetiva sede, após prévia publicação, no Diário da República e num dos jornais diários mais lidos na região, de um extrato, autenticado por notário, do seu título constitutivo, que deverá mencionar a denominação, sede social, fins, duração e as condições essenciais para a admissão, exoneração e exclusão de associados.

               2. Dentro de oito dias a contar da data do depósito deve ser remetida, em carta registada com aviso de receção, uma cópia do título constitutivo, autenticada por notário, ao agente do Ministério Público junto do tribunal da comarca da sede da associação, para que este, no caso de os estatutos ou a associação não serem conformes à lei ou à moral pública, promova a declaração judicial de extinção.»

Para fundamentar esta alteração pode ler-se no preâmbulo deste diploma o seguinte:

              «O direito dos cidadãos a constituírem-se livremente em associações, estatuído no artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, se, por um lado, exige do Estado a eliminação de quaisquer formalidades, não absolutamente necessárias, na ordem administrativa, policial ou burocrática, por outro, determina que se providencie no sentido da máxima redução dos custos económicos, sempre implicados na constituição de uma entidade associativa, para que a intenção do legislador constitucional, de desenvolvimento do movimento associativo se enraíze numa sociedade que se quer participada, solidária e socialista.

               A questão assume especial importância para os cidadãos de muito escassos recursos, que verão frustrado o seu desejo de se associarem para a prossecução de relevantes fins sociais e se verão impedidos do efetivo exercício do direito fundamental de associação apenas porque, à partida, lhes surge o obstáculo, por vezes intransponível, de terem de reunir avultadas somas para fazerem face ao simples cumprimento de formalidades que se reconheceram já como não essenciais.»

Com a reforma do Código Civil, operada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, foram introduzidas modificações importantes ao regime das associações que se cifraram «fundamentalmente em adaptar o Código Civil ao novo regime de reconhecimento normativo das associações, isto é, de aquisição por estas de personalidade independentemente da intervenção em cada caso de uma autoridade motivada por juízos de oportunidade, mas antes apenas por mero efeito da lei, subordinada ao preenchimento de certas condições postas abstratamente para todos os casos»[50].

Com esta revisão introduz-se no Código Civil «a regra segundo a qual as associações adquirem personalidade jurídica pela sua constituição por escritura pública, nos termos legais, independentemente de qualquer autorização ou reconhecimento pela autoridade administrativa (artigos 158.º e 158.º-A)»[51], alterando-se, assim, o regime do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro.

Nos termos do n.º 1 do artigo 158.º do Código Civil, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, as «associações constituídas por escritura pública, com as especificações referidas no n.º 1 do artigo 167.º, gozam de personalidade jurídica».

Este preceito viria a ser novamente alterado, por força da Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto[52], que aprovou o regime especial de constituição imediata de associações[53] (as “associações na hora”) e atualizou o regime geral de constituição previsto no Código Civil, passando a ter a seguinte redação: «As associações constituídas por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido, que contenham as especificações referidas no n.º 1 do artigo 167.º, gozam de personalidade jurídica.»

Por seu turno, o referido artigo 167.º[54], cuja epígrafe é «Ato de constituição e estatutos» dispõe que:

              «1. O ato de constituição da associação especificará os bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação, fim e sede da pessoa coletiva, a forma do seu funcionamento, assim como a sua duração, quando a associação se não constitua por tempo indeterminado.

               2. Os estatutos podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa coletiva e consequente devolução do seu património.»

Relevante é, ainda, considerar o que se estabeleceu, com a reforma do Código Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, no artigo 168.º, relativo à «[f]orma e publicidade»:

               «1. O ato de constituição da associação, os estatutos e as suas alterações devem constar de escritura pública.

               2. O notário deve, oficiosamente, a expensas da associação, comunicar a constituição e estatutos, bem como as alterações destes, à autoridade administrativa e ao Ministério Público e remeter ao jornal oficial um extrato para publicação.

                3. O ato de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiros, enquanto não forem publicados nos termos do número anterior.»

Também este preceito foi, posteriormente, alterado[55] pela Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, que conferiu a seguinte redação aos n.ºs 2 e 3:

              «1 - O ato de constituição da associação, os estatutos e as suas alterações devem constar de escritura pública, sem prejuízo do disposto em lei especial[56].

              2 - O notário, a expensas da associação, promove de imediato a publicação da constituição e dos estatutos, bem como as alterações destes, nos termos legalmente previstos para os atos das sociedades comerciais[57]».

 Com a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, foi, ainda, aditado o artigo 158.º-A («Nulidade do ato de constituição ou instituição), dispondo que é «aplicável à constituição de pessoas coletivas o disposto no artigo 280.º, devendo o Ministério Público promover a declaração judicial da nulidade». Este artigo 280.º estabelece o seguinte:

               «1. É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.

               2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.»

Para Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa[58]  a introdução do regime do artigo 158.º-A tem o sentido de «se tornar aplicável à constituição de associações[59] - mais exatamente de associações com personalidade que o Código Civil aliás chama simplesmente associações - o regime do art. 280.º onde o mesmo significa restrições à liberdade de associação constitucionalmente consagrada». Estes autores não creem «que fosse claro, sem remissão para o art. 280.º, que os limites aí contidos se aplicassem às associações, já que, no que se refere à ordem pública e aos bons costumes, se trata de restrições que (…) a Constituição não admite para a liberdade de associação, seja embora por negócio jurídico que as associações se constituem»[60].

Estes Autores[61] pronunciam-se quanto à constitucionalidade deste regime do Código Civil. Entendem que «a lei ordinária pode sujeitar a aquisição de personalidade jurídica das associações a limites não impostos constitucionalmente para o direito de associação, bem como exigir um certo caminho a percorrer para aquele efeito. Mas não pode ir tão longe que atinge a garantia constitucional»[62]. Se limitações «podem ser introduzidas pela lei ordinária no que respeita à aquisição de personalidade, já não o podem ser, pelo menos com a mesma intensidade, em relação ao exercício do próprio direito de associação. Assim, por exemplo, podem os indivíduos associar-se em termos de ofender os bons costumes - desde que não a lei -, estando-lhes, no entanto, vedada a aquisição de personalidade para a associação. Também se (…) se constituir efetivamente uma associação com personalidade naqueles termos, não pode a declaração judicial de nulidade afetar o próprio substrato associativo.»

Com especial relevância para a economia do presente parecer, em concordância com a liberdade de organização e regulamentação interna das associações, constitucionalmente consagrada, o regime legal que acabámos sumariamente de analisar:

 - Estabelece que é ao ato de constituição da associação que cabe especificar «a forma do seu funcionamento» (artigo 167.º, n.º 1, do Código Civil);

 - Confere à associação a possibilidade de, nos estatutos, especificar «os direitos e obrigações dos associados» (artigo 167.º, n.º 2, do Código Civil);

Destaca Ana Filipa Morais Antunes[63] que «[d]iversamente do que sucede em matéria societária (…), a regulamentação do conteúdo da relação jurídica associativa é remetida para os estatutos, não existindo normas legais que procedam ao elenco dos direitos e obrigações dos associados».

 - Confere à associação a possibilidade de, nos estatutos, especificar as condições de admissão, saída e exclusão dos associados[64] (artigo 167.º, n.º 2, do Código Civil);

Como refere João Alves[65] não existem, em geral, regras de admissão dos associados, sendo tal matéria regulada nos estatutos. Destaca, no entanto, que «existe legislação especial quanto a certo tipo de associações que impõem limitações ao direito de livre admissão e às proibições de admissão de certas pessoas como sócios» e que «o próprio elemento pessoal das associações pode, por lei, estar limitado a certas categorias de pessoas».

II. Direito de associação e menores

II.1. A liberdade de organização e regulamentação interna das associações, com a configuração atrás explanada, não afasta, como vimos, a possibilidade de aprovação de regras legais gerais sobre a sua organização e gestão.  A lei pode, desde que respeite os condicionalismos constitucionais e não ofenda o conteúdo fundamental da liberdade institucional da associação (liberdade de auto-organização), disciplinar aspetos da organização da associação.

O que cumpre apreciar é se o legislador limitou aquela liberdade quanto à participação de menores na associação.

Relembre-se que, nos termos do artigo 122.º do Código Civil, é menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade e que, salvo disposição em contrário[66], os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos (artigo 123.º do Código Civil), sendo esta incapacidade suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela (artigo 124.º do Código Civil).

Como vimos, o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, apenas garantiu aos «cidadãos maiores de 18 anos, no gozo dos seus direitos civis (…) o livre exercício do direito de se associarem (…) sem necessidade de qualquer autorização prévia». Quanto aos cidadãos de idade inferior àquele limite, estabeleceu que leis especiais poderiam autorizar o exercício do direito de associação[67] (artigo 1.º, n.º 1 e 2).

Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa[68] considerando (em texto de 1979) que o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, se mantinha em vigor, onde não contrariasse a Constituição, entendiam que se mantinha em vigor o artigo 1.º, na parte em que «estabelece capacidade em princípio em relação ao direito de associação a partir dos 18 anos», porque aqui este diploma legal «apenas regulamenta o exercício do direito de associação».

Fernando Bento[69], sobre esta questão, afirmava o seguinte:

              «Não obstante o art.º 1.º do DL 594/74, de 7/11, consignar apenas a liberdade de associação para indivíduos maiores de 18 anos, remetendo para leis especiais a autorização de associações de menores, tem-se entendido, a partir da Constituição de 1976, que não existe impedimento legal a que os estatutos das associações prevejam a filiação de associados menores, aplicando-se, quanto ao exercício do direito respetivo, as regras gerais relativas à capacidade/incapacidade de exercício. Em princípio, deverão os menores ser autorizados e representados pelos pais (…) a não ser que a sua filiação se situe dentro do quadro da previsão do artº 127º-n.º 1 do CCIV (caso, e.g., da filiação sindical, que se enquadrará no disposto na alínea c), e das associações de estudantes, mormente ao nível do ensino secundário, que se enquadrarão ao nível da alínea b) do referido preceito). Qualquer dúvida que pudesse existir quanto à possibilidade legal de os menores se inscreverem como sócios de associações teria, entretanto, sido arredada com a entrada em vigor, em Portugal, da Convenção sobre os Direitos da Criança, em cujo artº 15º - n.º 1 se estabelece expressamente a liberdade de associação da criança.»

II.2. A aprovação da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, que «[g]arante aos jovens menores o livre exercício do direito de associação e simplifica o processo de constituição das associações juvenis[70]», pretendeu clarificar a questão da capacidade dos menores para o exercício do direito de associação, uma vez que o direito de associação já lhes era reconhecido pelo n.º 1 do artigo 46.º da Constituição e pelo n.º 1 do artigo 15.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição).

Com efeito, a leitura da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 274/VII[71] e do Projeto de Lei 661/VII/4[72], apresentado por um grupo de deputados do Partido Comunista Português, os quais estiveram na origem da aprovação da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, permitem perceber que é este o escopo da lei.

Vejamos.

Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 274/VII podemos ler o seguinte:

              « (…)  embora a Convenção dos Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em setembro de 1990, reconheça, no seu artigo 15.º, o direito da criança à liberdade de associação, não são claros no nosso ordenamento jurídico os termos em que os menores podem exercer esse direito de associação.

               A inexistência de legislação que regulamente esta matéria é agravada pelo facto de escassear doutrina e jurisprudência versando sobre estas temáticas.

               Assim, embora seja pacífico na nossa sociedade que a participação dos jovens no movimento associativo constitui um importante contributo para a construção da democracia e para o desenvolvimento e consolidação da liberdade conquistada no 25 de abril, no nosso ordenamento jurídico não são claros os termos do direito de associação dos jovens menores.

               O Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, prevê a existência de leis especiais autorizando o exercício do direito de associação a cidadãos de idade inferior ao limite consignado para a maioridade.

               Contudo, uma tal legislação nunca chegou a ser aprovada, pelo que, salvo no que respeita às disposições constantes do Código Civil, tem permanecido o vazio legal sobre esta matéria.

               O artigo 123.º do Código Civil dispõe que os menores, salvo disposição em contrário, carecem de capacidade para o exercício de direitos, competindo, nos termos do artigo 1878.º do mesmo Código, aos pais ou tutor o exercício dos direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho, excetuando os atos puramente pessoais, aqueles que o menor tem o direito de praticar pessoal e livremente.

               Dispõe, ainda, o artigo 127.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil que são excecionalmente válidos os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor que, estando ao seu alcance, só impliquem despesas ou disposições de bens de pequena importância.

               Ora, não é evidente que o direito de associação se inclua nos atos puramente pessoais do menor ou constitua negócio jurídico próprio da vida corrente do menor.

               Em alguns casos parece claro o reconhecimento do direito de associação de menores. Assim, os menores trabalhadores gozam do direito de associação sindical (como resulta do artigo 55.º da Constituição) e os menores estudantes gozam do direito de associação estudantil (como resulta do artigo 77.º da Constituição e do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 33/87, de 11 de julho). Porém, esta clareza não é regra.

               A incerteza jurídica quanto a esta matéria tem dificultado o exercício do direito de associação pelos menores, o que justifica uma intervenção legislativa».

Por seu turno, no preâmbulo do Projeto de lei n.º 661/VII pode ler-se o seguinte:

               «Foi o 25 de abril que nos trouxe a liberdade de associação, abrindo as portas a uma democracia em que a participação quotidiana dos cidadãos era fator chave. O Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, garantiu a todos os cidadãos este direito, sendo que previa regulamentação posterior para a extensão deste direito aos menores de 18 anos. Mas esta regulamentação nunca foi feita.

               Trata-se de uma situação que acarreta uma evidente e injustificada limitação do direito de associação destes jovens e que constitui um obstáculo real à sua participação de pleno direito nas associações juvenis.

               O projeto de lei que «garante aos jovens menores o livre exercício do direito de participação e simplifica o processo de constituição das associações juvenis» visa solucionar finalmente este problema e devolver aos jovens portugueses e ao associativismo juvenil os direitos que legitimamente lhes assistem.»

A Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, quanto à garantia aos jovens menores do livre exercício do direito de associação, estabelece nos seus artigos 1.º, 2.º e 5.º o seguinte:

«Artigo 1.º

Objeto

             O presente diploma regula o direito de associação de menores.

Artigo 2.º

Direito de associação

              1 — Os menores com idade inferior a 14 anos têm o direito de aderir a associações, desde que previamente autorizados, por escrito, por quem detém o poder paternal.

               2 — Os menores com idade igual ou superior a 14 anos têm o direito de aderir a associações ou constituir novas associações e a ser titulares dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização.

               […]

Artigo 5.º

Outros direitos de associação

               O disposto no presente diploma não obsta ao exercício de outros direitos de associação de menores consagrados em regimes especiais.»

Atento o disposto no artigo 2.º ficou claro, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, que os menores, titulares do direito de associação, por força do reconhecimento efetuado pelo n.º 1 do artigo 46.º da Constituição e pelo n.º 1 do artigo 15.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, podem exercer este seu direito nos seguintes termos:

 - Os menores com idade inferior a 14 anos têm o direito de aderir a associações, desde que previamente autorizados, por escrito, por quem detém o poder paternal;

 - Os menores com idade igual ou superior a 14 anos têm o direito de aderir a associações ou constituir novas associações e a ser titulares dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização.

A questão que este regime suscitou, e que é a questão jurídica fundamental a que cumpre dar resposta, é a de saber se aquela disposição legal «impede que as associações privadas limitem a participação de menores de 18 anos».

Hoje, os termos da discussão são, pois, os inversos. Se antes da entrada em vigor da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, se discutia se os menores podiam participar em associações, e em que condições podiam exercer o seu direito de associação, agora, não havendo dúvidas de que são titulares desse direito, seja o seu exercício efetuado pessoalmente ou por quem detém o poder paternal, a questão que é colocada é a inversa: podem as associações limitar a participação dos menores?

Em causa está saber se o disposto neste preceito legal limita a liberdade de organização e regulamentação interna das associações, constitucionalmente consagrada, designadamente a possibilidade conferida à associação de, nos seus estatutos, especificar as condições de admissão e os direitos e obrigações dos associados (artigo 167.º, n.º 2, do Código Civil).

Dispondo o artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, sobre os termos do exercício pelos menores do seu direito de associação, face à sua incapacidade geral para o exercício de direitos (artigo 123.º do Código Civil), e sendo o escopo desta lei precisamente a clarificação daqueles termos, nenhum outro elemento de interpretação nos habilita a concluir que, por força do artigo 2.º da Lei n.º 124/99, tenha ficado limitada a liberdade de auto-organização das associações.

Este preceito não veda a possibilidade de as associações limitarem a participação de menores. O que determina é o respeito das regras relativas à capacidade de exercício do direito de associação pelos menores. A título de exemplo, não violará este preceito uma norma estatutária que limite os direitos dos menores, mas já o violará uma norma que exija autorização aos menores com idade igual ou superior a 14 anos para exercerem o seu direito de aderir à associação ou que não exijam tal autorização aos menores com idade inferior a 14 anos[73].

Estamos, assim, em condições de responder à questão colocada: o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, não impede que as associações privadas limitem, nos seus estatutos, a participação de menores de 18 anos, seja vedando a sua admissão como associados seja limitando os seus direitos.

Tal não significa, porém, que esta conformação da posição dos menores, nos estatutos (elemento normativo fundamental da organização e funcionamento da associação), possa ser livremente efetuada. Relembramos que os estatutos elaborados por cada associação, ao abrigo do seu direito de organização e regulamentação interna, devem observar não só as regras gerais previstas na lei, mas também o disposto no direito internacional e na Constituição.

Ora, a limitação da participação de menores de 18 anos, por consubstanciar uma diferenciação em razão da idade, remete-nos para a análise da sua conformidade com o princípio da igualdade, consagrado, na ordem jurídica interna, no artigo 13.º da Constituição. Contudo, o simples enunciar desta questão faz suscitar outra: pode o princípio da igualdade ser invocado nas relações entre privados estabelecidas no seio de associações?

É a estas questões que procuraremos, agora, dar resposta.

III. Direito de associação e princípio da igualdade

III.1. Saber se o princípio da igualdade pode ser invocado nas relações entre privados e, em especial, se as pessoas coletivas privadas estão sujeitas à aplicação deste princípio, e em que termos, não é uma questão nova nem fácil e insere-se numa temática de âmbito mais alargado, a relativa à aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre privados. Em causa está saber como deve ser interpretado o n.º 1 do artigo 18.º da Constituição, na parte em que afirma que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias vinculam as entidades privadas.

Como nos explica José de Melo Alexandrino[74], «a resolução deste difícil problema, tem sido feita a partir de vários modelos explicativos: i) a doutrina da eficácia indireta (ou da aplicabilidade mediata); ii) a doutrina da eficácia direta (que pode, por seu lado, operar de modo mediato ou imediato); e iii) a doutrina dos deveres de proteção

A doutrina tem-se pronunciado sobre estas temáticas gerais[75] e, em particular, no que para a economia do presente parecer mais releva, sobre a aplicação do princípio da igualdade no confronto com a liberdade institucional de associação.

Vejamos, então, alguns dos contributos da doutrina:

                Jorge Miranda e Rui Medeiros[76] defendem que o princípio da igualdade «rege não apenas as relações dos cidadãos com o Estado ou no âmbito da comunidade política geral, mas também as relações das pessoas singulares no interior de quaisquer instituições, associações ou grupos». Não teria sentido, defendem estes Autores, que «a igualdade - como os demais valores jurídicos - tivesse relevância frente ao Estado e não também frente a quaisquer sociedades menores ou a quaisquer grupos em que as pessoas se encontrem inseridas (sejam os sócios nas associações, os militantes nos partidos, os trabalhadores nas empresas ou nos sindicatos, etc.). O que poderá variar será o modo de garantir a sua observância ou um modo de articular com outros princípios». Referem, em suma, que «no interior de quaisquer pessoas coletivas de direito privado ou de quaisquer associações não personalizadas não pode haver (…) diferenciações arbitrárias entre os seus membros[77]»

Jorge Miranda[78], desenvolvendo este entendimento, refere, ainda, o seguinte:

              «O princípio da igualdade não vincula apenas o Estado e as demais entidades públicas nas relações com os particulares. Estende-se às relações entre particulares, embora seja necessário - tal como a respeito da sua vinculação aos direitos, liberdades e garantias (art. 18.º, n.º 1)[79] e a direitos económicos, sociais e culturais – conjugá-lo com o princípio da autonomia da vontade, também ele consagrado constitucionalmente (…)

               em geral, a autonomia da vontade nas relações entre os particulares não pode legitimar a prática de atos que, por si ou pelos comportamentos que envolvem ou permitem, sejam violadores da dignidade da pessoa humana. Dignidade e igualdade são inseparáveis, seja entre as pessoas e o Estado, seja entre as pessoas como particulares».

Com especial relevo para a economia do presente parecer, este Autor propõe as seguintes «formas adequadas de concretização e otimização» destes princípios:

 - A «vedação de privilégios e de discriminações do artigo 13.º, n.º 2 é (…) de aplicação imediata, sem necessidade de lei interposta». «Ninguém pode ser desconsiderado por outros, nem tratado arbitrariamente ou afetado nos seus direitos e deveres por algum dos fatores ali previstos ou por qualquer outra causa de discriminação»;

 - Nesta lógica, «no interior de quaisquer pessoas coletivas ou grupos não personalizados, ninguém pode ser titular de mais ou menos direitos ou deveres devido à raça, ao sexo, à religião, às ideias políticas ou a qualquer outra razão. Os estatutos, os pactos sociais ou os atos constitutivos que disponham nesse sentido são inválidos. Já não parece suscitar problemas que se prescreva algum tempo desde a filiação para se ser elegível para cargos diretivos».

Como adverte este Autor «[o]utra coisa é uma diferenciação que resulte da natureza das coisas»: «Se se trata de um órgão de comunicação social de natureza doutrinária ou confessional ou de uma escola de certa confissão religiosa [arts. 38.º, n.º 2, alínea a), in fine, e 41.º, n.º 5], compreendem-se restrições em razão da identificação ou não com essa doutrina ou confissão. Se se trata de uma associação de fiéis de certa religião, nascidos em certa localidade, de antigos alunos de uma Universidade ou de profissionais de certa área, obviamente só quem integra essa categoria - mas todos quantos integram - podem ser sócios; pelo contrário, se não existem elementos objetivos de distinção, a liberdade de as associações de prosseguirem livremente as suas atividades (art. 46.º, n.º 2) cede perante o direito positivo de associação (art. 46.º, n.º 1)».

Gomes Canotilho e Vital Moreira[80] destacam que «nas relações com os associados a associação funciona como um «poder privado», devendo, por isso, estar obrigada pelos direitos, liberdades e garantias dos associados (privacidade, liberdade de expressão, proporcionalidade no exercício do poder disciplinar, proibição de expulsão injustificada, etc.)».

Por outro lado, entendem estes Autores[81] que a «base constitucional do princípio da igualdade é a igual dignidade social de todos os cidadãos (n.º 1)  - que, aliás, não é mais do que um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas (cfr. art. 1.º) -, cujo sentido imediato consiste na proclamação da idêntica validade cívica de todos os cidadãos, independentemente da sua inserção económica, social, cultural e política, proibindo desde logo formas de tratamento ou de consideração social discriminatórias. O princípio da igualdade é, assim, não apenas um princípio de disciplina das relações entre o cidadão e o Estado (ou equiparadas), mas também uma regra de estatuto social dos cidadãos, um princípio de conformação social e de qualificação da posição de cada cidadão na coletividade».

Quanto à eficácia do princípio da igualdade em relação a particulares referem[82] que esse problema «consiste em saber se, enquanto princípio objetivo da ordem constitucional, ele pode ser transformado em princípio objetivo da ordem jurídica privada (sobretudo do direito civil).»  A esta questão respondem do seguinte modo:

             «A resposta, em tese geral, tem de partir de dois pressupostos fundamentais: primeiro, na sua qualidade de princípio objetivo essencial da Lei Fundamental, o princípio da igualdade deve considerar-se como princípio informador de toda a ordem jurídica; segundo, a transposição do princípio da igualdade para o direito privado impõe algumas adaptações, de forma a não aniquilar a especificidade das relações jurídico-civis. A vinculação do direito privado ao princípio da igualdade pode, talvez, consubstanciar-se, pelo menos, nas seguintes dimensões: (a) proibição de discriminações com base nas categorias subjetivas enumeradas no art. 13.º-2 (salvo no caso de discriminações positivas, constitucionalmente previstas) ou de outras constitucionalmente proibidas (cfr., por ex, art. 36.º- 4), em qualquer ato ou negócio jurídico funcionando, assim, o princípio da igualdade, neste aspeto, como limite externo da liberdade negocial, podendo determinar autonomamente a invalidade de atos ou negócios jurídicos (contratos, estatutos de associações, testamentos, etc.) que o infrinjam, ou fundamentar direitos à reparação de danos; (b) aplicação geral do princípio da igualdade, nos seus vários aspetos, impondo um dever de tratamento igual por parte dos indivíduos ou organizações que sejam titulares de posições de poder social (empresas, associações profissionais, igrejas, fundações, etc.), vinculando, desde logo, os seus poderes normativos (regulamentos internos de associações, regulamentos de empresas, acordos coletivos, normas de autorregulação privada, etc.); (c) aplicação geral do princípio da igualdade, mediante exigência de tratamento igual, nas relações com particulares que exploram serviços ou estabelecimentos abertos ao público (como por exemplo, táxis, farmácias, cinemas, escolas, restaurantes, etc.)».

Destacam, ainda, que embora também possa surgir no caso de atos jurídicos individuais de natureza discriminatória «a relevância do princípio da igualdade nas relações privadas [é] maior no caso das normas jurídico-privadas (regulamentos de associações, regulamentos de condomínios)».

Vieira de Andrade[83]  começa por afirmar que «o princípio da igualdade não é aplicável nas relações privadas enquanto proibição do arbítrio ou imperativo de racionalidade de atuação». Afigura-se-lhe que «[e]stender aos indivíduos a aplicação do princípio constitucional da igualdade» é «em princípio, impróprio, absurdo e insuportável. A liberdade tem de prevalecer sobre a igualdade, constitui um limite imanente deste princípio».

Reconhece, no entanto, este Autor «que o princípio da igualdade já terá de ser aplicado, mesmo entre iguais, enquanto proibição de discriminações que atinjam intoleravelmente a dignidade humana dos discriminados, que impliquem uma violação dos seus direitos de personalidade».

Faz notar que «o princípio da igualdade enquanto proibição de discriminações se refere a uma igualdade material e se dirige especialmente às atuações arbitrárias ou injustificadas, designadamente as determinadas por diferenças mais frequentes, como o sexo, a religião, as convicções políticas, entre outras. Exige-se, porém, uma intenção discriminatória, no sentido de uma diferenciação injustificada, que não resulta automaticamente do facto de estarem em causa as qualidades enumeradas no n.º 2 do artigo 13.º. Por exemplo, um partido político não discrimina quando diferencia pelas convicções políticas os candidatos à admissão (não abandona o quadro da sua racionalidade), tal como uma publicação confessional pode estabelecer diferenciações pela religião sem discriminar. O que importa é que haja uma atuação racional, técnica ou eticamente fundada, que não se diferencie para discriminar. No entanto, quando estejam em causa as “categorias suspeitas” enunciadas no artigo 13.º, n.º 2, há-de exigir-se uma fundamentação mais clara da diferenciação, porventura até uma prova positiva da sua razoabilidade.»

Refere, também, este Autor que o legislador pode «impor obrigações específicas de igualdade de tratamento, por exemplo, como contrapartida da outorga de vantagens ou da concessão de licenças, em qualquer caso, desde que tal imposição se revele adequada, isto é, justificada e razoável»[84].

Sobre a concreta questão - a igualdade na posição dos associados - António Menezes Cordeiro[85] defende o seguinte:

               «O igual tratamento poderia ter aplicação. Mas não linearmente. Estamos no campo do Direito privado. O princípio da igualdade exerce-se contra o Estado. Não contra particulares: estes têm o direito de assumir preferências e predileções, que mal ficaria vir cercear. Certas associações desempenham, porém, funções do Estado ou, mais simplesmente, funções de utilidade pública. Nestes casos, devem observar o princípio do igual tratamento, sob pena de perder essas suas prerrogativas.

               Fora destes circunstancialismos e nos limites do artigo 280.º, os particulares podem prever os figurinos que entenderem, nos seus estatutos. A eventuais cláusulas diferenciadoras, não é possível opor o princípio da igualdade, oponível ao Estado, nem o da liberdade de associação. Este último pode ser invocado pelos partidários da “diferenciação”: ninguém fica obrigado a associar-se.

               A igualdade de tratamento tem, todavia, uma projeção útil, operativa e da maior importância: a da proibição de arbítrio. Na atuação da associação e, particularmente, na postura desta e dos seus órgãos perante os associados, não podem ser adotadas posições que não tenham cobertura legal ou estatutária. Em suma: o modo coletivo de funcionamento do direito implica, sempre, o respeito por este e pela sua Ciência.

               Uma solução diferenciadora comum consiste em prever diversas categorias de associados com direitos e deveres próprios. Tal como pode ocorrer com base nos mais variados critérios e, designadamente: (1) na qualidade de fundador ou associado subsequente; (2) no tratar-se de associado singular ou coletivo; (3) na antiguidade do associado; (4) no tipo de serviços que preste ou de necessidades que apresente; (5) nas habilitações que exiba. Outras soluções são possíveis: em rigor todas as que a lei não proíba uma vez que estamos no domínio da autonomia privada.»

Quanto a esta questão Luís A. Carvalho Fernandes[86] afirma o seguinte:

              «O princípio da liberdade de associação, constitucionalmente consagrado no sistema jurídico português (art. 46.º da Const.), aponta, neste domínio, para um regime de livre associação, no seu duplo sentido: liberdade de se associar ou não e liberdade de acesso às associações já constituídas. Isto não quer dizer, porém, que cada associação não possa fixar regras próprias sobre a admissão dos seus associados, fazendo-a, nomeadamente, depender da verificação de determinados requisitos. Em boa verdade, tal prática tem de se admitir como lícita, desde que os critérios adotados não sejam discriminatórios[87], por a isso se opor a eficácia imediata do princípio constitucional da igualdade».

               A Paulo Videira Henriques[88] afigura-se-lhe: «manifestamente desproporcionada a imposição de um dever de igualdade de tratamento entre os membros, que tenha de ser observada nas cláusulas estatutárias (…) estamos nos territórios do Direito Civil, campo de domínio, por excelência da autonomia privada e lugar de tutela jurídica efetiva das mais diversas e heterogéneas constelações concretas de interesses; a imposição, por via legislativa ou por via judicial, de um uniforme igualitarismo funcional é, por isso, uma interferência inadequada e excessiva.

               Se os associados - que são senhores da associação e do seu governo - entendem atribuir a algum de entre eles ou a uma categoria de associados, mediante cláusulas estatutárias, um estatuto excecional de primus inter pares, não vislumbramos que tal facto contenda com algum interesse público; como não contende, igualmente, a existência de associados de mérito ou associados honorários sem capacidade eleitoral ativa e passiva para os órgãos de direção. A simples estipulação de regras diferentes do comum ou do que é socialmente típico em matéria de estatutos associativos não deve constituir, por si só, qualquer motivo de suspeição: a contingência e as particularidades de cada associação são, simplesmente, corolários da liberdade de modelação do conteúdo contratual e da liberdade de organização e regulamentação interna.

               Desta perspetiva, só as cláusulas que estabeleçam diferenças arbitrárias ou discriminações ofensivas a bens da personalidade podem ser afastadas e desde que esse afastamento se justifique à luz da proibição do arbítrio.»

Vejamos, por último, o que considera sobre esta matéria Ana Filipa Morais Antunes[89]:

               «O conteúdo da relação jurídica associativa não é objeto de consagração normativa: não se prevê um catálogo de direitos comuns dos associados, nem se esclarece a admissibilidade de previsão estatutária de direitos especiais.

               De acordo com o artigo 167.º, n.º 2 do C.C., Os estatutos podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados (...). Está em causa uma norma permissiva, que remete a regulamentação eventual dos direitos e das obrigações dos associados para os estatutos.

               […]

               O que vem dito não exclui a possibilidade de, por via estatutária, se consagrarem categorias ou classes de associados, com diferentes estatutos jurídicos. Esta asserção decorre da circunstância de, na ausência de previsão estatutária em contrário, não vigorar um princípio de paridade de tratamento dos associados. Por outro lado, não se vislumbram, igualmente, obstáculos constitucionais: a liberdade de associação, prevista e reconhecida no artigo 46.º da CRP, pressupõe a autorregulamentação, mas não impede a conformação da organização interna.

               É, pois, possível criar diferentes categorias de associados, cada qual com um estatuto jurídico diferenciado. Refira-se, de resto, que esta prática é geralmente admitida no contexto das principais experiências jurídicas estrangeiras e consta, inclusivamente, da Proposta de Estatuto da associação europeia. O regime legal não impõe o princípio “um associado, um voto” e não regula o exercício do direito de voto pelos associados. Neste contexto, podem os estatutos prever diferentes ponderações do direito de voto, bem como restringir ou limitar - em função de determinadas circunstâncias - a presença e a participação em assembleia geral. A distinção pode fundar-se no facto de se ser fundador ou associado subsequente, num critério de antiguidade, no tipo de serviços prestados à associação, entre outros elementos.

               As diferenças de estatuto associativo, a introduzir estatutariamente, terão de se fundamentar, no entanto, em critérios objetivos razoáveis. Estão, pois, submetidas ao respeito pelo princípio da proibição de arbítrio.

               […]

               Em síntese, os estatutos representam a lei fundamental da associação, que pode preencher o vazio de regulamentação legal em matéria de conteúdo da relação jurídica associativa. A conformação do regime legal não é, por si só, indício de afastamento das diretrizes fundamentais do modelo das associações, só devendo considerar-se vedadas as cláusulas que diferenciem sem um fundamento material razoável, portanto, de forma arbitrária.»

III.2. Feito este excurso pela doutrina encontramo-nos, agora, em melhores condições para responder à questão colocada relativa à admissibilidade do estabelecimento, pelas associações, de limites ao exercício pelos menores do seu direito de associação.

Parece incontroverso que o princípio da igualdade também rege relações das pessoas singulares no seio das associações, mas estas não estão sujeitas ao cumprimento deste princípio em todas as suas dimensões, não só porque são entidades de direito privado, mas, principalmente, porque lhes é constitucionalmente reconhecida a liberdade de auto-organização e regulamentação interna (artigo 46.º, n.º 2, da Constituição).

É, no entanto, precisamente, no exercício da sua liberdade de conformação normativa, designadamente no ato de constituição e nos seus estatutos, que aquele princípio adquire especial relevância.

Sendo a proibição de discriminação uma dimensão do princípio da igualdade de aplicação direta[90], sem necessidade de intermediação legislativa, na elaboração dos seus instrumentos normativos, à associação está vedada a possibilidade de previsão de disposições discriminatórias: não podem afetar-se direitos em razão de algum dos fatores previstos no n.º 2 do artigo 13.º[91] da Constituição ou por qualquer outra causa de discriminação[92].

Como diz Jorge Miranda, no interior de uma associação «ninguém pode ser titular de mais ou menos direitos ou deveres devido à raça, ao sexo, à religião, às ideias políticas ou a qualquer outra razão. Os estatutos, os pactos sociais ou os atos constitutivos que disponham nesse sentido são inválidos».

Ora, a idade também pode ser um fator de discriminação ilegítimo[93]-[94]. Como nos dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira[95] são «igualmente ilícitas as diferenciações de tratamento fundadas em outros motivos (ex.: idade), sempre que eles se apresentem como contrários à dignidade humana, incompatíveis com o princípio do Estado de direito democrático ou simplesmente arbitrárias ou impertinentes».

Sendo hoje incontroverso que a idade também pode ser um fundamento de discriminação, o seu tratamento jurídico não é, no entanto, isento de dificuldades. Bruno Mestre[96], procurando ilustrar as dificuldades que têm sido sentidas pela doutrina e pela jurisprudência, entende que a principal dificuldade «radica na apreciação das justificações para eventuais tratamentos discriminatórios; Ao passo que os demais fundamentos de discriminação apenas poderão ser justificados com fundamento em circunstâncias excecionais (…) a idade encontra-se sujeita a um conjunto mais amplo de justificações desde que as mesmas correspondam a um objetivo legítimo e sejam proporcionais relativamente aos fins que pretendem alcançar».

Também o Relatório mundial sobre o idadismo[97], chama a atenção para as dificuldades que o tratamento jurídico do idadismo pode envolver, atentas as várias circunstâncias nas quais a idade pode ser considerada uma razão racional e legítima para distinguir entre diferentes grupos de pessoas, o que significa que «nem todas as formas de diferenciação no tratamento com base na idade podem atender os critérios para discriminação ilícita». Considera-se que a principal pergunta a colocar é saber se o tratamento diferencial com base na idade enfraquece os princípios de direitos humanos da dignidade, autonomia e participação, e se os testes de justificação usados para avaliar a legitimidade do tratamento diferencial estão contaminados por estereótipos, suposições e preconceitos idadistas[98].

Assim sendo, para que uma disposição estatutária que introduz uma diferenciação de tratamento, limitando a participação de menores - seja excluindo a possibilidade de admissão destes como associados, seja limitando os seus direitos - não seja considerada discriminatória, exige-se que essa diferenciação seja materialmente fundada. Tem de verificar-se a existência de elementos objetivos diferenciadores: a diferenciação da posição dos menores tem de assentar numa justificação material bastante para a diferenciação[99].

Na análise da existência de uma justificação material bastante para a diferenciação, não pode, no entanto, deixar de se ter presente que o direito de associação é um direito fundamental pessoal (o designado direito positivo de associação) reconhecido em geral, pelo n.º 1 do artigo 46.º da Constituição, a todos os cidadãos e, em particular, às crianças, pelo n.º 1 do artigo 15.º da Convenção sobre os Direitos da Criança;

E que a lei, reconhecendo que a «participação dos jovens no movimento associativo constitui um importante contributo para a construção da democracia e para o desenvolvimento e consolidação da liberdade conquistada no 25 de abril», facilitou o exercício do direito de associação pelos menores, estabelecendo um regime excecional face à sua incapacidade geral de exercício de direitos:  os menores com idade igual ou superior a 14 anos têm o direito de aderir a associações ou constituir novas associações e a ser titulares dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização (artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto).

Em suma, os estatutos de uma associação podem conter disposições que diferenciem em razão da idade – limitando a participação de menores –, sem que, com isso, violem o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, mas estas não podem traduzir-se em disposições discriminatórias. A limitação da participação de menores numa associação – vedando a sua admissão ou restringindo os seus direitos - tem de se sustentar em fundamento material bastante para a diferenciação.

O que importa, como nos diz Vieira de Andrade, é que «haja uma atuação racional, técnica ou eticamente fundada, que não se diferencie para discriminar».

IV. Conclusões

Considerando o que foi exposto, atentas as questões colocadas, formulam-se as seguintes conclusões:

                     1.ª     O direito de associação está consagrado na ordem jurídica internacional, sendo reconhecido a todas as pessoas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 20.º), pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 22.º) e pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 11.º), e às crianças (os menores de 18 anos) pela Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 15.º);

                     2.ª     A Constituição reconhece, no artigo 46.º, o direito geral de associação, integrando-o no elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais;

                      3.ª    Neste preceito constitucional podem identificar-se várias dimensões do direito de associação ou «vários direitos ou liberdades específicos»: (i.) o direito dos cidadãos a, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituírem associações e a fazerem parte de associações já constituídas  – o direito positivo de associação (n.º 1); (ii.) o direito dos cidadãos a não fazerem parte de uma associação nem serem coagidos por qualquer meio a filiar-se ou a permanecer nela  – a liberdade negativa de associação (n.º 3); (iii.) a liberdade da associação em prosseguir livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas - a liberdade da associação (n.º 2);

                      4.ª     A liberdade da associação traduz-se, designadamente, na liberdade de organização e regulamentação interna (a liberdade de auto-organização). As normas relativas à sua organização e funcionamento são, no respeito pela Constituição e pela lei, livremente elaboradas e aprovadas por cada associação (autonomia estatutária);

                      5.ª    Em concordância com a liberdade de organização e regulamentação interna das associações, constitucionalmente consagrada, o Código Civil estabelece que é ao ato de constituição da associação que cabe especificar a forma do seu funcionamento (artigo 167.º, n.º 1) e confere à associação a possibilidade de, nos estatutos (elemento normativo fundamental da organização e funcionamento da associação), especificar os direitos e obrigações e as condições de admissão, saída e exclusão dos associados (artigo 167.º, n.º 2);

                      6.ª    A liberdade de organização e regulamentação interna das associações não afasta a possibilidade de aprovação de regras legais gerais sobre a sua organização e gestão.  A lei pode, desde que respeite os condicionalismos impostos pelo ordenamento internacional e constitucional e não ofenda o conteúdo fundamental da liberdade institucional da associação, disciplinar aspetos da sua organização;

                      7.ª    O artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, não estabelece regras relativas à organização das associações, que limitem a sua liberdade de organização e regulamentação interna, quanto à participação de menores, designadamente, quanto à admissão ou não de menores como associados e quanto aos direitos que lhes são reconhecidos por cada associação;

                      8.ª    Atenta a incapacidade geral dos menores para o exercício de direitos (artigo 123.º do Código Civil), o artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, veio dispor sobre a sua capacidade para o exercício do direito de associação, direito este que lhes é reconhecido pelo n.º 1 do artigo 46.º da Constituição e pelo n.º 1 do artigo 15.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição);

                       9.ª   Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, os menores podem exercer o seu direito de associação, nos seguintes termos: os menores com idade inferior a 14 anos têm o direito de aderir a associações, desde que previamente autorizados, por escrito, por quem detém o poder paternal; os menores com idade igual ou superior a 14 anos têm o direito de aderir a associações ou constituir novas associações e a ser titulares dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização;

                       10.ª            Em suma, esta disposição legal não impede que as associações, no exercício da sua liberdade de organização, limitem, nos seus estatutos, a participação de menores de 18 anos, seja vedando a sua admissão como associados seja limitando os seus direitos, o que impede é que, sendo os menores admitidos como associados, não se respeitem as regras aí estabelecidas quanto à sua capacidade de exercício;

                       11.ª            Tal não significa, porém, que a conformação da posição dos menores possa ser livremente efetuada, uma vez que na elaboração dos estatutos devem ser observadas não só as regras gerais previstas na lei, mas também o disposto no direito internacional e na Constituição;

                      12.ª A limitação da participação de menores, por consubstanciar uma diferenciação em razão da idade, remete-nos para a análise da sua conformidade com o princípio da igualdade, consagrado na ordem jurídica interna no artigo 13.º da Constituição;

                       13.ª            Embora o princípio da igualdade também regule relações das pessoas singulares no seio das associações, estas não estão sujeitas ao cumprimento deste princípio em todas as suas dimensões, não só porque são entidades de direito privado, mas, principalmente, porque lhes é constitucionalmente reconhecida a liberdade de auto-organização e regulamentação interna (artigo 46.º, n.º 2, da Constituição);

                       14.ª            É, no entanto, precisamente, no exercício da sua liberdade de conformação normativa, designadamente no ato de constituição e nos seus estatutos, que o princípio da igualdade adquire especial relevância;

                      15.ª Sendo a proibição de discriminação uma dimensão do princípio da igualdade de aplicação direta, sem necessidade de intermediação legislativa, na elaboração dos seus instrumentos normativos, à associação está vedada a possibilidade de previsão de disposições discriminatórias: não podem afetar-se direitos em razão de algum dos fatores previstos no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição ou por qualquer outra causa de discriminação;

                      16.ª Ora, a idade também pode ser um fator de discriminação ilegítimo. Para que uma disposição estatutária que introduz uma diferenciação de tratamento, limitando a participação de menores - seja excluindo a possibilidade de admissão destes como associados, seja limitando os seus direitos - não seja considerada discriminatória, exige-se que essa diferenciação seja materialmente fundada. Tem de verificar-se a existência de elementos objetivos diferenciadores: a diferenciação da posição dos menores tem de assentar numa justificação material bastante para a diferenciação;

                      17.ª Na análise da existência de uma justificação material bastante para a diferenciação, não pode, no entanto, deixar de se ter presente que o direito de associação é um direito fundamental pessoal (o designado direito positivo de associação) reconhecido em geral, pelo n.º 1 do artigo 46.º da Constituição, a todos os cidadãos e, em particular, às crianças, pelo n.º 1 do artigo 15.º da Convenção sobre os Direitos da Criança;

                      18.ª E que a lei facilitou o exercício do direito de associação pelos menores, estabelecendo um regime excecional face à sua incapacidade geral de exercício de direitos:  os menores com idade igual ou superior a 14 anos têm o direito de aderir a associações ou constituir novas associações e a ser titulares dos respetivos órgãos, sem necessidade de qualquer autorização (artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto);

                      19.ª Em suma, os estatutos de uma associação podem conter disposições que diferenciam em razão da idade – limitando a participação de menores –, sem que, com isso, violem o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, mas estas não podem traduzir-se em disposições discriminatórias;

                     20.ª   A limitação da participação de menores numa associação – vedando a sua admissão ou restringindo os seus direitos - tem de se sustentar em fundamento material bastante para a diferenciação.

 

[1]       O pedido foi formulado por ofício datado de 1 de fevereiro de 2022.

[2]       Aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, com a alteração introduzida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

[3]        Esta análise jurídica, datada de 5 de novembro de 2009, que procurou responder à questão, colocada pela Presidência do Conselho de Ministros, de saber «[e]m associações não juvenis, qual o grau de participação dos associados menores de 18 anos permitido por lei», «foi subscrita por quatro Procuradoras adjuntas (…) corresponde ao entendimento que os demais magistrados do Ministério Público, que verificam a conformidade das disposições estatutárias com a Lei t[inham] sobre o assunto» e mereceu a concordância do Procurador da República Coordenador da Procuradoria da República da Comarca de Lisboa (Varas e Juízos Cíveis).

[4]        Neste processo estava em causa a apreciação, pelo Ministério Público, da legalidade de uma alteração aos estatutos da associação «Clube de Futebol de Serzedo, Associação Recreativa e Desportiva», com sede em Serzedo, Vila Nova de Gaia.

[5]        Resulta deste parecer que «[n]os termos dos artigos 11.º e 14.º dos Estatutos são sócios “Auxiliares” os menores - com idade superior a 10 anos e inferior a 14 e os infantis – com idade inferior a 10 anos» e, ainda, que o artigo 28.º restringia «o direito de voto nas Assembleias Gerais (23.º n.º 4), ser votados para os Corpos Gerentes (23.º n.º 6), requerer a convocação da Assembleia Geral Extraordinária (23.º, n.º 7), examinar livros e documentos (23.º, n.º 8), receber o relatório das gerências (23.º, n.º 9), entre outros».

[6]        Notificada do despacho do Ministério Público, a associação «Clube de Futebol de Serzedo, Associação Recreativa e Desportiva» alterou a redação dos artigos 28.º e 29.º dos seus Estatutos que passou a ser a seguinte: «Art. 28.º - Os sócios auxiliares menores de 14 anos, com exceção do direito a ser votado para os corpos gerentes previsto no n.º 6 do artigo 23.º, beneficiam de todos os outros direitos consignados no artigo 23.º, desde que, para o efeito, estejam representados pelos responsáveis pelo exercício das suas responsabilidades parentais»; «Art. 29.º - Os sócios auxiliares (infantis), com exceção do direito a ser votado para os corpos gerentes previsto no n.º 6 do artigo 23.º, beneficiam de todos os outros direitos consignados no artigo 23.º, desde que, para o efeito, estejam representados pelos responsáveis pelo exercício das suas responsabilidades parentais».

[7]        A Lei n.º 129/99, de 20 de agosto, «[g]arante aos jovens menores o livre exercício do direito de associação e simplifica o processo de constituição das associações juvenis». Não foi objeto, até à data, de alterações.

[8]        Adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948 [Resolução 217A (III)]. Foi publicada no Diário da República, I Série, n.º 57, de 9 de março de 1978, mediante aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

[9]        Aprovado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. em 16 de dezembro de 1966. Aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12 de junho (retificada mediante retificação publicada no Diário da República n.º 153, de 6 de julho de 1978).

[10]      Estabelece, ainda, que o disposto neste artigo não impede de submeter a restrições legais o exercício deste direito por parte de membros das forças armadas e da polícia. Na mesma linha, o n.º 2 do artigo 11.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos estabelece que o previsto no seu artigo 11.º (liberdade de reunião e de associação) «não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas, da polícia ou da administração do Estado».

[11]      Aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro, e promulgada em 11 de setembro de 1978 (objeto de retificação publicada no Diário da República n.º 286, de 14 de dezembro de 1978).

[12]      Sobre a liberdade de associação na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, cfr. Vital Moreira, «Liberdade de Associação», in AA.VV, Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Volume II, organização de Paulo Pinto de Albuquerque, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019.

[13]      Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro. Nos termos desta Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo (artigo 1.º).

[14]      Proclamada em 7 de dezembro de 2000. Com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de dezembro de 2007, a Carta é, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009, juridicamente vinculativa para as Instituições da União, Órgãos e Agências e para os Estados-Membros quando aplicam o direito da União Europeia.

[15]      As Constituições anteriores já consagravam a liberdade de associação: a Constituição de 1838, no artigo 14.º, a Constituição de 1911, no artigo 3.º, n.º 14, e a Constituição de 1933, no artigo 8.º, n.º 14, e § 2.º. Tanto a Constituição de 1911 como a de 1933 remetiam para a lei a determinação da forma e das condições do exercício da liberdade de associação. Sobre o direito de associação em Portugal antes da Constituição de 1976 cfr., entre outros, Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa, «Direito de Associação e Associações», in AA.VV, Estudos sobre a Constituição, coordenação de Jorge Miranda, Livraria Petrony, Lisboa, 1979, pp. 150 a 163, e João Zenha Martins, «Em torno das associações na hora e do direito associativo português», in Direito de Associação - O controlo da legalidade [Em linha], Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018, pp. 174 a 178 [Consult. 17.jun.2022]. Disponível na internet:

      https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=V954YbNLNzc/prct.3d&portalid=30

      Em momento anterior à aprovação da Constituição de 1976, o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, já havia, como veremos, afirmado a liberdade de associação.

[16]      Constituição da República Portuguesa de 2 de abril de 1976, alterada pelas Leis Constitucionais n.ºs 1/82, de 30 de setembro, 1/89, de 8 de julho, 1/92, de 25 de novembro, 1/97, de 20 de setembro, 1/2001, de 12 de dezembro, 1/2004, de 24 de julho e 1/2005, de 12 de agosto.

[17]      Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 643. A associação é, nas palavras destes Autores, «o principal dos tipos constitucionalmente protegidos de organização coletiva dos cidadãos (revestindo, aliás, várias formas: associações em geral, partidos, sindicatos) e integra, juntamente com os outros (cooperativas, comissões de trabalhadores, organizações de moradores), aquilo que poderá ser genericamente designado como liberdade de organização coletiva dos cidadãos».

[18]      O n.º 4 do artigo 46.º da Constituição tinha, no texto original, a seguinte redação: «Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares fora do Estado ou das Forças Armadas, nem organizações que perfilhem a ideologia fascista». A redação atual resulta das alterações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, que eliminou a expressão “fora do Estado ou das Forças Armadas” (artigo 35.º) e pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, que aditou a expressão “racistas ou” entre “organizações” e “que perfilhem” (artigo 25.º).

[19]      A redação atual do artigo 270.º resulta das alterações introduzidas pelas Leis Constitucionais n.ºs 1/82, de 30 de setembro, 1/97, de 20 de setembro, e 1/2001, de 12 de dezembro.

[20]      Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., p. 644.

[21]      Em anotação ao artigo 46.º da Constituição, in AA.VV, Constituição Portuguesa Anotada, coordenação de Jorge Miranda/Rui Medeiros, Volume I, 2.ª edição revista, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, p. 692.

[22]      Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., p. 643.

[23]      Também no sentido de o direito de associação, na sua configuração teórica, surgir imbuído de um conteúdo essencialmente instrumental cfr. Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa, «Direito de Associação e Associações», op. cit., pp. 124 e 125, e Ricardo Branco, in AA.VV, Enciclopédia da Constituição Portuguesa, coordenação Jorge Bacelar Gouveia/Francisco Pereira Coutinho, Quid Juris Sociedade Editora, Lisboa, 2013, p. 47.

[24]      Nos termos da alínea s) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre associações públicas, salvo autorização ao Governo.

[25]      Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., p. 649.

[26]      Anotação ao artigo 46.º da Constituição, op. cit., p. 691.

[27]      Para Gomes Canotilho e Vital Moreira «[n]ão existe razão nenhuma para que a noção constitucional de associação se afaste da noção corrente, ou seja, uma organização de pessoas (o que as distingue das fundações) sem fins lucrativos (o que as distingue das sociedades)», Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., p. 643.

[28]      Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., p. 650.

[29]      Para uma caracterização do estatuto de utilidade pública e identificação da natureza e espécies das pessoas coletivas compreendidas em tal categoria ou suas afins, cfr. o Parecer deste Conselho Consultivo n.º 1/2018, de 20 de dezembro de 2018. Note-se, no entanto, que o estatuto de utilidade pública sofreu, entretanto, alterações com a aprovação da Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, pela Lei n.º 36/2021, de 14 de junho (esta lei revogou, entre outros diplomas, o Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro). Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, e sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito legal, ficaram sujeitas ao disposto na Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, as pessoas coletivas às quais, à data de entrada em vigor da Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, tivesse sido reconhecida, através de procedimento administrativo, utilidade pública ou utilidade pública administrativa, que passaram a ser consideradas pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública. Subsistem como pessoas coletivas de utilidade pública administrativa aquelas que assim sejam qualificadas por lei (artigo 31.º, n.º 1, da Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública).

[30]      Como indica João Zenha Martins, «o Código Civil oferece três modelos de associação: (i) As associações com personalidade jurídica; (ii) As associações sem personalidade jurídica; e (iii) As comissões especiais» («Em torno das associações na hora e do direito associativo português», op. cit., p. 180).

[31]      Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966.  Este diploma legal teve 75 alterações, a última das quais introduzida pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro.

[32]      São muitos os regimes específicos que se afastam, em determinados aspetos, do regime geral do Código Civil. Para além das associações a que se refere a Constituição «[n]umerosas leis, em superabundância, contemplam ainda outras associações: de mulheres, de imigrantes, de cooperação para o desenvolvimento, de ambiente, de defesa dos utentes da saúde, humanitárias de bombeiros, mutualistas, de educação, popular, profissionais de militares, profissionais de militares da Guarda Nacional Republicana, de pessoal da Polícia marítima» (Jorge Miranda, Anotação ao artigo 46.º, op. cit., p. 692).

[33]      Constituição da República Portuguesa Anotada, op. cit., p. 692 e 693.

[34]      Manual de Direito Constitucional, Tomo IV (Direitos Fundamentais), 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 476.

[35]      Anotação ao artigo 46.º da Constituição, op. cit., pp. 692 e 693.

[36]      Jorge Miranda, em anotação ao artigo 46.º da Constituição, op. cit., pp. 693 e 694.

[37]      Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV (Direitos Fundamentais), op. cit., p. 477.

[38]      Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., p. 646.

[39]      Como refere Vital Moreira «[s]endo organizações, as associações obedecem a um conjunto de regras de organização e funcionamento, estabelecidas nos seus estatutos, adotados pelos fundadores (liberdade estatutária). A liberdade estatutária compreende tanto a liberdade de estatuição sobre as regras de governo e de gestão da associação - que por definição devem assentar na vontade dos seus associados (autogoverno e autogestão) - como a liberdade de definição dos direitos e deveres dos associados» («Liberdade de Associação», op. cit. p. 1848).

[40]      Jorge Miranda, em anotação ao artigo 46.º da Constituição, op. cit., p. 694.

[41]      «Em torno das associações na hora e do direito associativo português», op. cit., pp. 172 e 180.

[42]      Como lembram Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa «[l]ogo no Programa do Movimento das Forças Armadas se reconhecia como urgente a promoção pelo Governo Provisório das medidas tendentes a salvaguardar a livre associação. Posteriormente, a Lei n.º 3/74, de 14 de maio, manteve em vigor, na ausência de estipulação específica, o preceito que na Constituição de 1933 concedia a liberdade de associação, o art. 8.º, n.º 14 (art. 1.º, n.º 1)». Consideram estes Autores evidente que, «pela total falta de conformidade da lei ordinária elaborada durante a vigência plena daquela com o espírito da Lei n.º 3/74, a sobrevivência do preceito constitucional não implicava a manutenção da legislação inferior sobre o direito de associação» («Direito de Associação e Associações», op. cit., pp. 156 e 157).

[43]      Este diploma foi, em momento posterior, expressamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 71/77, de 25 de fevereiro, e pela Lei n.º 29/2009, de 26 de junho, que revogou o artigo 15.º. O Acórdão n.º 589/2004, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República I Série-A, de 4 de novembro de 2004, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 13.º, n.º 2, por violação do disposto no artigo 46.º, n.º 1, da Constituição.

[44]      Para uma análise do regime deste decreto-lei e da sua conformidade com o artigo 46.º da Constituição cfr. Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa, «Direito de Associação e Associações», op. cit., pp. 157 a 163 e 192. Entendem estes Autores que nem sempre a regulamentação do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, é compatível com a Constituição. Esta terá, por exemplo, retirado vigência à parte do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, que menciona as exigências da moral pública como limite à liberdade de associação. Para uma análise detalhada da vigência atual de cada um dos preceitos deste diploma legal, cfr. João Zenha Martins, «Em torno das associações na hora e do direito associativo português», op. cit., pp. 191 a 200.

[45]      Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa, «Direito de Associação e Associações», op. cit., p. 192.

[46]      Neste sentido cfr. Jorge Miranda, em anotação ao artigo 46.º da Constituição, op. cit., p. 691.

[47]      Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro.

[48]      «Direito de Associação e Associações», op. cit., p. 182.

[49]      A Lei n.º 36/2019, de 29 de maio, determinou expressamente a não vigência deste diploma (artigo 7.º, alínea xx)), embora a ele se refira erradamente como o diploma que «dá nova redação ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 594/76, de 7 de novembro (constituição de associações de pequenos e médios agricultores)». Note-se, por um lado, que o Decreto-Lei n.º 71/77, de 25 de fevereiro, dá nova redação ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 594/74 e não do Decreto-Lei n.º 594/76, e, por outro lado, este último diploma não tem data de 7 de novembro mas sim de 23 de julho e não diz respeito à constituição de associações de pequenos e médios agricultores (o Decreto-Lei n.º 594/76, de 23 de julho, tornou aplicável a lei portuguesa aos crimes cometidos por portugueses em território das ex-colónias portuguesas e foi determinada a sua não vigência pela referida Lei n.º 36/2019, de 29 de maio). A Lei n.º 36/2019, de 29 de maio, determina, de forma expressa, a não vigência de decretos-leis publicados entre os anos de 1975 e 1980, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação efetuada por aquela lei pelo que, quando incida sobre normas cuja vigência já tenha cessado, a determinação expressa de não vigência não altera o momento ou os efeitos daquela cessação de vigência (artigos 1.º e 18.º).

[50]      Maria Leonor Beleza e Miguel Teixeira de Sousa, «Direito de Associação e Associações», op. cit., p. 183.

[51]      Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro.

[52]      Este diploma foi posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 247-B/2008, de 30 de dezembro.

[53]      Sobre este regime cfr. o já citado texto de João Zenha Martins, «Em torno das associações na hora e do direito associativo português» (texto que corresponde a uma versão adaptada, e em parte alargada, do artigo publicado na revista Scientia Jurídica n.º 311, 2007 (487-516)). Como refere este Autor, as regras relativas à constituição, ao funcionamento e à extinção das associações encontram-se no Código Civil o qual «é coadjuvado pela Lei n.º 40/2007, de 24 de Agosto, que consagra um regime especial de constituição imediata de associações, viabilizando, de forma opcional, a constituição de uma associação em atendimento presencial único, sem necessidade de escritura pública», op. cit. p. 183.

[54]      A redação deste preceito do Código Civil não foi, até à data, alterada.

[55]       O artigo 168.º do Código Civil foi, ainda, alterado pela Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, que revogou o n.º 3 e pela Lei n.º 150/2015, de 10 de setembro, que reintroduziu o n.º 3 com a mesma redação: «O ato de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiros, enquanto não forem publicados nos termos do número anterior».

[56]      É lei especial o regime jurídico das “associações na hora”, aprovado pela Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto.

[57]      A entrada em vigor da Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, fez surgir divergências interpretativas, no âmbito da magistratura do Ministério Público, «relativamente à postura a adotar (…) quanto ao controlo de legalidade dos atos de constituição e dos estatutos das associações e respetivas alterações». Sobre esta questão foi emitido o parecer n.º 38/2009, de 12 de novembro de 2009, deste Conselho Consultivo, no qual foram formuladas as seguintes conclusões: «1.ª - Com o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, foi instituído um controlo de legalidade dos atos de constituição e dos estatutos das associações, bem como das respetivas alterações, a levar a cabo obrigatoriamente pelo Ministério Público, estando os notários vinculados a remeter-lhe, para tal efeito, cópia desses instrumentos; 2.ª - Tal controlo sistemático de legalidade foi mantido com a entrada em vigor do n.º 2 do artigo 168.º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro; 3.ª - Com a entrada em vigor da Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, que alterou o referido preceito, deixou o Ministério Público de receber cópia daqueles instrumentos, quer da parte dos notários, quer dos novos serviços competentes no âmbito do regime de constituição imediata de associações na mesma regulado; 4.ª - Deixou, a partir de então, de recair sobre o Ministério Público a obrigação de proceder ao referido controlo sistemático de legalidade, salvo nas situações em que a lei especialmente o continuar a prever (caso das associações sindicais e de empregadores e das comissões de trabalhadores); 5.ª - Continua, todavia, o Ministério Público, por força do disposto no artigo 158.º-A do Código Civil, a dispor de legitimidade para a propositura de ações de declaração de nulidade dos atos de constituição e dos estatutos das associações, sempre que de tal vício venha a tomar conhecimento, seja oficiosamente, seja através da comunicação de qualquer interessado.»

[58]      «Direito de Associação e Associações», op. cit., pp. 185 e 186.

[59]      Nos termos do disposto no artigo 157.º do Código Civil, as disposições do capítulo II, relativas às pessoas coletivas, são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados.

[60]      Em sentido contrário António Menezes Cordeiro, em anotação ao artigo 158.º-A do Código Civil, in AA.VV, Código Civil Comentado (I-Parte Geral), coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2020, p. 451.

[61]      «Direito de Associação e Associações», op. cit., pp. 187 a 190.

[62]      Também João Zenha Martins afirma que «as exigências a colocar à aquisição da personalidade jurídica não pode[m] ser de tal ordem que ofendam diretamente o exercício do direito de associação» («Em torno das associações na hora e do direito associativo português», op. cit., p. 179).

[63]      «O governo das associações civis», in Direito de Associação - O controlo da legalidade [Em linha], Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018, p. 99, nota 22 [Consult. 17.jun.2022]. Disponível na internet: https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=V954YbNLNzc/prct.3d&portalid=30

[64]      Como refere Ana Filipa Morais Antunes o «ingresso de pessoas na associação pode ter lugar, no ato da constituição, por via da inscrição nos estatutos, ou supervenientemente, através de adesão. A adesão à associação pressupõe, em regra, a apresentação de uma proposta, por parte do interessado, a apreciar pela administração ou assembleia geral» («O governo das associações civis», op. cit., p. 100).

[65]      «Controlo da Legalidade da Constituição e Estatutos de Associações e Fundações», Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 40 e 41.

[66]      O artigo 127.º do Código Civil elenca algumas exceções à incapacidade dos menores estabelecendo que são «excecionalmente válidos, além de outros previstos na lei: a) Os atos de administração ou disposição de bens que o maior de dezasseis anos haja adquirido por seu trabalho; b) Os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor que, estando ao alcance da sua capacidade natural, só impliquem despesas, ou disposições de bens, de pequena importância; c) Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha sido autorizado a exercer, ou os praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício».

[67]      Para João Zenha Martins o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de novembro, «contém uma disposição supérflua» por «curar de um problema de capacidade de exercício que encontra adequada via de resolução na secção V do Título II do Livro I do Código Civil» («Em torno das associações na hora e do direito associativo português», op. cit., p. 194).

[68]      «Direito de Associação e Associações», op. cit., p. 192.

[69]      Direito de Associação, Centro de Estudos Judiciários (Jurisdição Cível II – 1998/1999), Edição Policopiada, p. 7.

[70]      Quanto ao processo de constituição das associações juvenis esta lei estabeleceu, nos seus artigos 3.º e 4.º,  o seguinte: «As associações objeto do presente diploma devem ter personalidade jurídica, não podendo prosseguir fins contrários à Constituição, à lei ou ao desenvolvimento físico e social do menor, nem fins de carácter lucrativo»; «O Instituto Português da Juventude, através das suas delegações regionais, prestará o apoio técnico necessário à constituição de associações compostas maioritariamente por jovens». Em momento anterior, a Lei n.º 33/87, de 11 de julho, regulou o exercício do direito de associação dos estudantes e o Decreto-Lei n.º 328/97, de 27 de novembro, aprovou o estatuto do dirigente associativo juvenil. Posteriormente, a Lei n.º 6/2002, de 23 de janeiro, definiu o estatuto do associativismo juvenil (revogando o Decreto-Lei n.º 328/97, de 27 de novembro) lei esta que, por sua vez, veio a ser revogada pela Lei n.º 23/2006, de 23 de junho, que estabelece o regime jurídico do associativismo jovem (este diploma revogou a Lei n.º 33/87, de 11 de julho, e foi alterado pela Lei n.º 57/2019, de 7 de agosto e pela Lei n.º 36/2021, de 14 de junho). Nos termos do disposto no artigo 2.º do regime jurídico do associativismo jovem, atualmente em vigor, são associações de jovens, para efeitos daquela lei, as associações juvenis e as associações de estudantes, reconhecidas nos termos daquela lei, bem como as respetivas federações. São associações juvenis: «a) As associações com mais de 80/prct. de associados com idade igual ou inferior a 30 anos, em que o órgão executivo é constituído por 80/prct. de jovens com idade igual ou inferior a 30 anos e liderado por jovem com idade igual ou inferior a 30 anos à data da sua eleição; b) As associações socioprofissionais com mais de 80/prct. de associados com idade igual ou inferior a 35 anos, em que o órgão executivo é constituído por 80/prct. de jovens com idade igual ou inferior a 35 anos e liderado por jovem com idade igual ou inferior a 35 anos à data da sua eleição» (n.º 1 do artigo 3.º).

[71]     Publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 57, de 29 de abril de 1999.

[72]      Publicado no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 55, de 22 de abril de 1999.

[73]      Neste sentido, o cfr. Acórdão o Tribunal Constitucional n.º 369/2009, de 13 de julho de 2009. No caso, o Ministério Público entendia que uma norma estatutária infringia o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 124/99, uma vez que admitia a militância a partir dos 12 anos de idade, sem prever qualquer autorização por quem detém o poder paternal. O Tribunal Constitucional sufragou aquele entendimento por entender que os estatutos regulavam um ponto imperativamente previsto na lei, em termos desviantes desta, pois omitiam um requisito nela fixado.

[74]      Direitos fundamentais: Introdução geral, 2.ª edição revista e atualizada, Princípia, Parede, 2011, p. 100.

[75]      Cfr., entre muitos outros, José de Melo Alexandrino, Direitos fundamentais: Introdução geral, op. cit., pp. 100 a 106; Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais: Trunfos Contra a Maioria, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 69 a 116 e Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares: do Dever de Proteção à Proteção do Défice, Almedina, Coimbra, 2018; Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 227 a 259; Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, 3.ª edição, revista e atualizada, Almedina, 2020, pp. 376 a 388.

[76]      Em anotação ao artigo 13.º da Constituição, in AA.VV, Constituição Portuguesa Anotada, coordenação de Jorge Miranda/Rui Medeiros, Volume I, 2.ª edição revista, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, p. 177.

[77]      Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de novembro de 2011, proferido no âmbito do Processo n.º 1222/09.4TVLSB.L1-1.

[78]      Direitos Fundamentais, op. cit., pp. 333 a 336. 

[79]      No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de março de 2019,  proferido no âmbito do Processo n.º 1037/16.3T8OER.L1-6 sufragou-se o seguinte entendimento: «O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP pode também ter como destinatários os próprios particulares nas relações entre si, o que deriva do reconhecimento de que existe um direito fundamental de igualdade e de oportunidades a que se aplica a regra da eficácia direta dos «direitos, liberdades e garantias» nas relações entre particulares».

[80]      Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., p. 647.

[81]      Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., pp. 337 e 338.

[82]      Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., pp. 347 e 348.

[83]      Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, op. cit., pp. 255-258 e nota 612.

[84]      Este Autor chama a atenção para o regime do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, que considera a não discriminação como requisito para a declaração de utilidade pública. Este diploma legal foi, entretanto, revogado pela Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, que aprovou a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública. Nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 8.º desta Lei-Quadro é requisito para atribuição do estatuto de utilidade pública, tratando-se de associações ou de cooperativas, não consagrarem «qualquer critério discriminatório para a admissão dos seus membros, salvo no que respeite a condições de acesso ou de admissão com expressa previsão legal ou quando, constando de norma estatutária válida, tal se justifique em função dos fins prosseguidos pela associação ou cooperativa».

[85]      Em anotação ao artigo 167.º do Código Civil, in AA. VV, Código Civil Comentado (I-Parte Geral), coordenação de António Menezes Cordeiro, Coimbra, Almedina, 2020, pp. 480 e 481.

[86]      Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, 6.ª edição revista e atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2012, p. 630.

[87]      Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25 de janeiro de 2011, proferido no âmbito do Processo n.º 45/06.7TBVLN.G.  Considerou-se nesta decisão judicial ser «lícita a recusa da qualidade de associado a quem não reúna as condições requeridas pelos estatutos em função dos fins prosseguidos pela associação. Importa, contudo, que esta recusa não se consubstancie numa discriminação».

[88]      «O regime geral das associações», in Direito de Associação - O controlo da legalidade [Em linha], Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018, p. 165 e 166 [Consult. 17.jun.2022]. Disponível na internet: https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=V954YbNLNzc/prct.3d&portalid=30

[89]      «O governo das associações civis», op. cit., pp. 120 a 122.

[90]      O artigo 240.º do Código Penal é um exemplo desta aplicação direta. Nos termos do n.º 1 deste preceito legal, quem: «a) Fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica, ou que a encorajem; ou b) Participar na organização ou nas atividades referidas na alínea anterior ou lhes prestar assistência, incluindo o seu financiamento; é punido com pena de prisão de um a oito anos». Como refere Maria João Antunes o «bem jurídico tutelado no tipo legal de crime de discriminação (…) é a igualdade entre todos os cidadãos do mundo, independentemente da raça, da cor, de origem étnica ou nacional ou religião» (Anotação ao artigo 240.º do Código Penal, in AA.VV, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, 2.º Volume, p. 575).  

[91]      Nos termos deste preceito constitucional: «[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

[92]      Também a Convenção sobre os Direitos da Criança obriga os Estados Partes a respeitar e a garantir os direitos previstos na Convenção – incluindo o direito da criança à liberdade de associação -  «a todas as crianças que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou de qualquer outra situação» (artigo 2.º, n.º 1).  De igual modo, o artigo 14.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos proíbe a discriminação, estabelecendo que o gozo dos direitos e liberdades reconhecidos naquela Convenção «deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação». Com efeito, como refere Vital Moreira, «um dos traços comuns a todos os direitos fundamentais é a não discriminação, assegurada no artigo 14.º da CEDH, que neste caso protege os titulares da liberdade de associação, incluindo as próprias associações, de tratamento discriminatório» («Liberdade de Associação», op. cit., p. 1848).  

[93]      A idade é um dos fundamentos expressamente identificado pelo artigo 21.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia como fator em razão do qual é proibida a discriminação. A proibição de discriminação em razão da idade encontra, ainda, assento noutros instrumentos jurídicos internacionais e do ordenamento jurídico da União Europeia.

[94]      Sobre a discriminação em razão da idade, cfr. Bruno Mestre, «Discriminação em função da idade - Análise crítica da jurisprudência comunitária e nacional», in Para Jorge Leite Escritos Juridico-Laborais, Volume I, 2014, Coimbra Editora, Coimbra, e o Relatório mundial sobre o idadismo. Washington, D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde; 2022. Licença: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. https://doi.org/10.37774/9789275724453. Este relatório foi elaborado em conjunto pela Organização Mundial de Saúde, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, pelo Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas e pelo Fundo de População das Nações Unidas.

[95]      Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, op. cit., p. 340.

[96]      «Discriminação em função da idade - Análise crítica da jurisprudência comunitária e nacional», op. cit., p. 619 a 621.

[97]      Relatório mundial sobre o idadismo, op. cit., p. 104.

[98]      Sobre a escala, o impacto e os determinantes do idadismo contra jovens, cfr. Relatório mundial sobre o idadismo, op. cit., pp. 89 a 100.

[99]      A diferenciação em razão da idade pode justificar-se, desde logo, em função dos fins prosseguidos pela associação. Se se trata, por exemplo, de uma associação de idosos haverá justificação material bastante para a previsão de uma norma estatutária que estabeleça um critério de admissão em razão da idade. A diferenciação em razão da idade - limitando os direitos dos menores associados – também poderá assentar na sua incapacidade de exercício genérica. Sem prejuízo do reconhecimento, pelo artigo 2.º da Lei n.º 124/99, de 20 de agosto, aos menores com idade igual ou superior a 14 anos, do direito a serem titulares dos órgãos das associações, mantém-se, no domínio das relações externas da associação, a incapacidade de exercício desses menores, o que poderá justificar uma limitação estatutária de acesso destes a determinados cargos em órgãos da associação, como, por exemplo, cargos no órgão de administração ao qual cabe, em regra, assegurar a representação da associação.

Anotações
Legislação: 
CRP ART 8, N2; ART 13, ART 46, ART 270, ART 267; CC ART 122, ART 123, ART 124ART 157, ART 158 A ART 166; ART 167 A ART 184; L 124/99 DE 1999/08/20 ART 2; DL 594/74 DE 1974/11/07; L 40/2007 DE 2007/08/24
 
Jurisprudência: 
AC TC 369/2009 DE 2009/07/13; AC TRL DE 2019/03/28, PROCESSO N.º 1037/16.3T8OER.L1-6; AC TRG DE 2011/01/25, PROCESSO N.º 45/06.TBVLN.G
 
Referências Complementares: 
Declaração Universal dos Direitos Humanos art 20; Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos art 22; Convenção Europeia dos Direitos Humanos art 11; Convenção sobre os Direitos da Criança art 15
 
Divulgação
Número: 
195
Data: 
10-10-2022
Página: 
115
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