Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
1/2018, de 20.12.2018
Data do Parecer: 
20-12-2018
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Entidade: 
Ministério da Presidência
Relator: 
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



João Conde Correia dos Santos

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou em conformidade



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou em conformidade



João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou em conformidade

Descritores e Conclusões
Descritores: 
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
PESSOA COLECTIVA DE MERA UTILIDADE PÚBLICA
PESSOA COLETIVA DE UTILIDADE PÚBLICA ADMINISTRATIVA
LIBERDADE SINDICAL
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL
BENEFICIOS FISCAIS
APOIO FINANCEIRO PÚBLICO
Conclusões: 

       1.ª — O estatuto de utilidade pública é apenas um dos modos de incentivar e promover fundações e associações sem fins lucrativos e cuja atividade seja de interesse geral ou convirja com o interesse geral, constituindo ónus, encargos e deveres sobre as pessoas coletivas reconhecidas como tal, e submetendo-as a um controlo regular, mas estabelece apenas relações de cooperação duradoura e devida, segundo critérios de complementaridade ou subsidiariedade.

                     2.ª Encontra-se uma notória afinidade entre a vocação do estatuto de utilidade pública (Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro) e as Bases da Economia Social (Lei n.º 30/2013, de 8 de maio), a partir de uma matriz altruística, sem, no entanto, umas e outras entidades terem de identificar-se em absoluto.

                     3.ª — Além do estatuto de utilidade pública, encontram-se na ordem jurídica outros regimes que fomentam a acreditação, a inscrição ou registo de determinadas associações sem fins lucrativos, enquanto pressuposto de uma participação institucional qualificada: organizações não‑governamentais, associações de estatuto especial ou regimes de certificação para acesso a apoios financeiros públicos ou a benefícios fiscais.

                     4.ª — A inscrição ou admissão a um registo próprio de certas associações como organizações não-governamentais, bem como o reconhecimento a outras entidades sem fins lucrativos de um regime de participação qualificada em órgãos consultivos da Administração Pública ou de representação internacional, conquanto possa outorgar benefícios e outros direitos especiais deixa tais entidades inteiramente sob o direito privado.

                     5.ª — Por seu turno, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa — nestas se incluindo as pessoas coletivas de utilidade pública desportiva — correspondem a modelos de cooperação reforçada, inculcando o exercício obrigatório de incumbências determinadas, por vezes, de atribuições públicas típicas, e, em certos casos, conferindo poderes públicos de autoridade ou de domínio sobre coisas públicas.

                     6.ª — O reconhecimento de utilidade pública não se reduz à simples acreditação para efeitos de participação, mas por outro lado, não importa o desempenho integral de atribuições do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais nem investe tais pessoas coletivas na prestação obrigatória de serviços determinados, muito menos na atribuição de poderes públicos.

                     7.ª — Tendo como vocação associar de forma duradoura certas associações e fundações à satisfação de necessidades coletivas assumidas pela comunidade política, o reconhecimento do estatuto de utilidade pública desencadeia a vinculação das pessoas coletivas reconhecidas a certa utilidade pública concreta e diferenciada segundo os fins, objeto e âmbito territorial das entidades.

                     8.ª — O estatuto de utilidade pública, consagrado no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, constitui o regime básico comum a várias instituições que podem cumular estatutos diferenciados quanto maior for a vinculação às tarefas públicas: desde as pessoas coletivas de (mera) utilidade pública, às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, nomeadamente as pessoas coletivas de utilidade desportiva, passando pelas instituições particulares de solidariedade social. Por outras palavras, tal regime é o único aplicável às pessoas coletivas de utilidade pública em sentido estrito e revela-se subsidiário para as demais pessoas coletivas de utilidade pública (em sentido amplo).

                     9.ª — Já não se aplica, pelo menos, sem mais, às designadas pessoas coletivas privadas de utilidade pública (em sentido amplíssimo) nem às organizações não-governamentais.

                     10.ª Às associações sindicais assistem benefícios especiais, designadamente de ordem tributária e no acesso a subvenções públicas, sem contudo ficarem sujeitas a um regime de direito público em parcela alguma da atividade que desenvolvem.

                     11.ª — Os interesses coletivos protagonizados pelas associações sindicais assentam em interesses individuais homogéneos e a defesa que lhes cumpre empreender é, por isso, demarcada em função de um radical subjetivo próprio: os trabalhadores por conta de outrem de uma certa profissão, ramo ou setor produtivo.

                     12.ª — O sindicato, união ou federação de sindicatos que façam prevalecer na sua atividade a prestação de serviços de interesse geral sobre a matriz coletiva do substrato respetivo, deixam de poder identificar-se como associações sindicais, designadamente para os efeitos estatuídos no Código do Trabalho.

                     13.ª — As associações sindicais, pela natureza própria dos seus fins, devem mostrar-se salutarmente parciais e devem poder participar ativamente em conflitos coletivos de trabalho, na dinâmica da concertação social, da contratação coletiva e das formas legítimas de reivindicação, para defesa dos direitos dos trabalhadores, designadamente por melhores salários, benefícios de assistência na doença, horários e condições de trabalho, regimes de reforma ou aposentação. É assim que contribuem para o interesse geral.

                     14.ª — Tais conflitos coletivos de trabalho prestar-se-iam a extrema obliquidade, caso as associações sindicais interviessem respaldadas pelo estatuto de utilidade pública, de modo especial em questões controvertidas de emprego público, em que o Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais e outras pessoas coletivas públicas são as entidades empregadoras.

                     15.ª — O reconhecimento do estatuto de utilidade pública a associações sindicais, por outro lado, brigaria com a liberdade sindical, ora na proteção interna garantida pelo artigo 55.º da Constituição ora ao nível da Organização Internacional do Trabalho, por meio da Convenção n.º 87, de 17 de junho de 1948 (cf. n.º 2 do artigo 3.º).

                     16.ª — Representaria uma manifestação de corporativismo de Estado, cuja valia terminou na ordem jurídica portuguesa com a abolição da Constituição Política de 1933, vincularem-se as associações sindicais à prestação de contas, de relatórios e de outras informações à Administração Pública, sob pena de verem revogado o reconhecimento e, assim, perderem benefícios fiscais e o acesso a fundos públicos.

                     17.ª — Não obstante o Decreto-Lei n.º 213/2008, de 10 de novembro, ter reconhecido estatuto equiparado ao de utilidade pública às confederações sindicais e patronais com lugar na Comissão Permanente de Concertação Social, tal medida legislativa, não apenas se assumiu absolutamente excecional, como, por outro lado, circunscreveu a equiparação a aspetos do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, que não pusessem em causa a liberdade de tais atores institucionais.

                     18.ª O referido decreto-lei, em face do regime particularíssimo que instituiu para o efeito, vem justamente confirmar a incompatibilidade entre o reconhecimento do estatuto de utilidade pública e a liberdade das associações sindicais.

Texto Integral
Texto Integral: 

              Senhora Ministra

              da Presidência e da Modernização

              Administrativa,

              Excelência,

       Vossa Excelência pretende ver esclarecido qual «o âmbito pessoal de aplicação do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto‑Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro, designadamente no que respeita à atribuição do estatuto de utilidade pública a associações sindicais».

       Assim, pediu a este corpo consultivo que prolatasse parecer, exercendo a faculdade que lhe concede o disposto na alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público[1].

       A solicitação[2] vem acompanhada pela informação n.º DADJ/444/2017, da Direção de Serviços Jurídicos e Documentação da Presidência do Conselho de Ministros, de 30 de novembro de 2017.

       Começaremos por caracterizar o estatuto de utilidade pública e o seu reconhecimento por parte do Governo, identificando, em seguida, a natureza jurídica e espécies das pessoas coletivas compreendidas em tal categoria ou suas afins. Adota-se igual metodologia para com as associações sindicais. Só então estaremos em condições de conferir a compatibilidade entre ambas e, assim, pronunciarmo-nos sobre a questão submetida a consulta.

       Cumpre-nos, pois, emitir parecer.

  1. Pessoas coletivas de utilidade pública e colaboração com o Estado, regiões autónomas e autarquias locais.

       As pessoas coletivas de utilidade pública são fundações e associações constituídas por iniciativa particular[3] que colaboram com o Estado, as regiões autónomas ou as autarquias locais no desempenho das incumbências respetivas[4].

       Colaboração especialmente intensa, a ponto de o Governo reconhecer-lhes um estatuto jurídico qualificado, de modo a fomentar a sua atividade e, deste modo, ampliar e melhorar a satisfação de necessidades coletivas de bem-estar, segurança (v.g. prevenção de certos riscos) cultura e ambiente.

       Contudo, o reconhecimento do estatuto de utilidade pública traz também consigo a vinculação a normas de direito público, a alguns ónus e deveres para as pessoas coletivas que obtêm tal estatuto.

       Com efeito, «podem na sua atividade ser sujeitas a normas de Direito administrativo em virtude de colaborarem na realização de fins próprios da Administração Pública ou receberem mesmo desta funções especiais» (MARCELLO CAETANO[5]).

       Porque os seus fins revelam estreita afinidade — por vezes, complementaridade — com atribuições públicas, o reconhecimento do estatuto de utilidade pública vem associar tais pessoas coletivas à função administrativa do Estado, concretizando, na linha dos princípios constitucionais da democracia social, económica e cultural, a participação ativa dos cidadãos e das coletividades por si criadas na construção de uma sociedade mais justa e solidária.

       Do mesmo passo, privilegia-se o princípio da subsidiariedade, na sua dimensão horizontal[6] — pelo menos, um princípio de complementaridade, nas palavras de JORGE MIRANDA[7] — pois confia-se ao protagonismo comunitário e cívico o desempenho de determinadas tarefas públicas ao seu alcance, em detrimento de uma intervenção direta do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas; em detrimento, por assim dizer, do modelo de serviço público clássico[8].

       Ao incentivar com benefícios de vária ordem associações e fundações que dedicam prioritariamente os seus meios — não raro, o trabalho de voluntários — e orientam os seus fins não lucrativos para satisfazer necessidades coletivas, o Estado não se desobriga das tarefas constitucionalmente cometidas à Administração Pública, antes reconhece preferência a algumas de tais instituições, cuja proximidade aos destinatários e cuja experiência e saber científico, técnico ou humanitário representam vantagens não despiciendas por comparação também com os modelos empresariais.

  1. A participação comunitária e cívica na construção da democracia económica, social e cultural.

       De resto, o apelo à participação de tais iniciativas dispõe de arrimo constitucional, o que não justifica porém que todas recebam ou recebam por igual o mesmo tipo de reconhecimento e de incentivos:

              - As associações de consumidores (n.º 3 do artigo 60.º da Constituição);

              - As cooperativas de consumo (n.º 3 do artigo 60.º), as cooperativas de habitação (cf. alínea d] do n.º 2 do artigo 65.º) e as demais cooperativas, em geral (cf. n.º 1 e n.º 2 do artigo 85.º);        

              - As associações sindicais e outras organizações representativas dos trabalhadores em ordem à participação na gestão do sistema de segurança social (cf. n.º 2 do artigo 63.º);

              - As associações de beneficiários da segurança social (cf. n.º 2 do artigo 63.º);

              - As instituições particulares de solidariedade social e «outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo» (cf. n.º 5 do artigo 63.º);

              - As associações representativas das famílias (cf. alínea g] do n.º 2 do artigo 67.º);

              - As organizações de moradores (cf. n.º 3 do artigo 70.º, n.º 3 do artigo 73.º, e artigos 263.º a 265.º);

              - As associações e fundações de fins culturais (cf. n.º 3 do artigo 70.º);

              - As associações de defesa do património cultural (cf. n.º 3 do artigo 73.º);

              - As organizações juvenis (cf. n.º 3 do artigo 70.º);

              - As coletividades de cultura e recreio (cf. n.º 3 do artigo 70.º e n.º 3 do artigo 73.º);

              - As organizações de cidadãos portadores de deficiência (cf. n.º 3 do artigo 71.º);

              - Os órgãos de comunicação social com respeito à sua missão cultural e educativa (cf. n.º 3 do artigo 73.º);

              - As instituições de ensino particular e cooperativo (cf. n.º 2 do artigo 75.º);

              - As associações de professores (cf. artigo 77.º);

              - As associações de alunos (cf. artigo 77.º);

              - As associações de pais (cf. artigo 77.º);

              - As instituições de caráter científico (cf. artigo 77.º);

              - Os agentes culturais (cf. n.º 2 do artigo 78.º);

              - As coletividades desportivas (cf. n.º 2 do artigo 79.º);

              - As associações e cooperativas de agricultores e de trabalhadores rurais (cf. alínea e] do n.º 1 do artigo 93.º, artigo 95.º, n.º 1 do artigo 97.º, e artigo 98.º).

       O estímulo facultado pelo Estado a tais formas de participação e de intervenção subsidiária é apontado para domínios específicos e não tem por que ser uniforme.

       Assim, por exemplo, as associações sindicais e outras organizações representativas dos trabalhadores surgem nomeadas a respeito da sua participação, estritamente, no sistema de segurança social (cf. alínea b] do n.º 2 do artigo 56.º, n.º 2 do artigo 63.º, n.º 2).

       Isto sem prejuízo do papel primordial que lhes cabe na vertente dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, reconhecido nos artigos 55.º e 56.º da Constituição, num estatuto de proteção e valorização, a saber:

              Liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais sem sujeição a controlos preventivos externos, contanto que em respeito pelos princípios democráticos de eleição e gestão (cf. alínea c] do n.º 2 e n.º 3 do artigo 55.º);

              Direito de exercício de atividade sindical na empresa (cf. alínea d] do n.º 2 do artigo 55.º);

              Direito de tendência, nas formas que os respetivos estatutos determinarem (cf. alínea e] do n.º 2 do artigo 55.º);

              Garantias de independência do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas (cf. n.º 4 do artigo 55.º);

              Direito de estabelecer relações ou filiar-se em organizações sindicais internacionais (cf. n.º 5 do artigo 55.º);

              Direito à informação e consulta, por parte dos representantes eleitos dos trabalhadores, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções (cf. n.º 6 do artigo 55.º);

              Direitos de participação (i) na legislação do trabalho, (ii) na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores, (iii) nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho (cf. alíneas a], b] e e], respetivamente, do n.º 2 do artigo 56.º);

              Direitos de pronúncia sobre os planos económico-sociais e de acompanhamento à sua execução (cf. alínea c], do n.º 2 do artigo 56.º);

              Direito de representação nos organismos de concertação social, nos termos da lei (cf. alínea d], do n.º 2 do artigo 56.º), em especial no Conselho Económico e Social (cf. n.º 2 do artigo 92.º);

              Direito de contratação coletiva, garantido nos termos da lei (cf. n.º 3 do artigo 56.º).

       Contudo, no exercício de tais direitos e liberdades ou na fruição das garantias conexas, as associações sindicais não se encontram vinculadas a tarefas públicas, completando ou desenvolvendo a atividade administrativa, colaborando com a Administração Pública direta, indireta ou autónoma, mas na promoção e defesa dos interesses dos seus associados, do setor ou profissão a que estes pertençam. 

       A intervenção das associações sindicais, neste domínio, em defesa dos direitos dos trabalhadores, precisa de garantias efetivas de liberdade, a conceder pela ordem legislativa e pelos tribunais, mas não justifica os estímulos que, pelo contrário, se mostram necessários às associações e fundações votadas à cooperação com o Estado na satisfação de necessidades coletivas. Estímulos que se revelariam contraproducentes diante da liberdade sindical.

  1. Classificação das pessoas coletivas de utilidade pública, em sentido amplo.

       Enquanto forma de melhor conhecer e delimitar o objeto da nossa atenção, é importante passar à classificação das pessoas coletivas de utilidade pública em sentido amplo, ali descortinando as pessoas coletivas de utilidade pública em sentido estrito ou de mera utilidade pública; antes mesmo de abordar o regime das pessoas coletivas de utilidade pública e recensear os pressupostos do reconhecimento do estatuto.

       Adotaremos uma repartição segundo a latitude da cooperação ou colaboração[9] e a intensidade crescente dos poderes e deveres decorrentes do estatuto[10]:

              Associações particulares com estatuto qualificado;

              — Organizações não-governamentais;

              Pessoas coletivas de (mera) utilidade pública;

              Fundações privadas de utilidade pública;

              Instituições particulares de solidariedade social;

              Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa; e

              Pessoas coletivas de utilidade pública desportiva.

3.1. Associações particulares com estatuto qualificado.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, cuida-se da distinção entre pessoas coletivas de utilidade pública, em sentido estrito, e outras figuras afins já analisadas:

              «As pessoas coletivas de utilidade pública, que se não confundem com as mais próximas categorias de pessoas coletivas, nomeadamente as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, as pessoas coletivas de direito privado e utilidade pública e as empresas de interesse coletivo, caracterizam-se fundamentalmente pelo facto de resultarem de uma distinção especial, conferida, caso a caso, pela Administração, a pedido da própria associação interessada».

       É importante assinalar neste trecho a distinção entre pessoas coletivas de utilidade pública e aquilo que surge denominado como pessoas coletivas de direito privado e utilidade pública, pois deixa-se implícito que as primeiras, e que nos interessam a título principal, subordinam-se a um regime de direito público.

       As pessoas coletivas de direito privado e utilidade pública correspondem às associações particulares de estatuto qualificado e às designadas organizações não-governamentais com um regime congénere.

       Em ambos os casos, permanecem sem especiais onerações de direito público e o Estado ou as regiões autónomas, conferem nos seus estatutos e na atividade desenvolvida o preenchimento de certos requisitos, como condição da inscrição, reconhecimento ou registo em ordem a exercerem direitos qualificados de participação, nomeadamente em órgãos consultivos do Estado, das regiões autónomas ou de organizações internacionais. Ficam investidas em alguns benefícios tributários e outros, porventura, além de eventualmente reconhecidas como parceiros económicos e sociais.

       São, por exemplo:

              As associações de mulheres[11];

              As associações de defesa dos utentes de saúde[12] equiparadas às instituições particulares de solidariedade social para efeito de lhes serem atribuídos benefícios fiscais[13];

              As associações de pais e encarregados de educação[14];

              As associações representativas dos imigrantes e seus descendentes[15];

              As associações de jovens menores[16];

              As associações de família[17];

              As associações de estudantes[18];

              As associações de defesa dos consumidores[19], às quais assistem o direito a receber apoio do Estado, através da administração central, regional e local, para a prossecução dos seus fins, nomeadamente no exercício da sua atividade no domínio da formação, informação e representação dos consumidores, e o direito a benefícios fiscais idênticos aos concedidos ou a conceder às instituições particulares de solidariedade social[20]

       Os regimes especiais que determinam o reconhecimento de tais associações para fins de participação e colaboração com o Estado, frequentemente, a título de parceiros sociais, como também acontece com as confederações sindicais, obrigam-nas a manter certos atributos e concedem-lhes direitos institucionais e especiais.

  1. Organizações não-governamentais.

       Em plano igual ou muito próximo encontram-se as associações sem fins lucrativos, representativas de determinados setores sociais e culturais ou dedicadas a interesses difusos e cujos estatutos se encontram sob a denominação genérica, oriunda da Organização das Nações Unidas, de organizações não-governamentais.

       Em muitos casos, é-lhes permitido aceder ao estatuto de utilidade pública, ainda que este não seja sintagmático nem paradigmático da relevância social ou cultural das pessoas coletivas convocadas para colaborar no aprofundamento da democracia económica, social e cultural.

       Os estatutos das organizações não-governamentais condicionam o seu registo e inscrição, por vezes, a critérios mais apertados ou, pelo menos, mais específicos, do que se exige para o reconhecimento da utilidade pública. Em outras situações, o reconhecimento de tais associações como pessoas coletivas de utilidade pública é protelado no tempo e sujeito à verificação do cumprimento de condições acrescidas.

       Tomam-se três exemplos:

                As organizações não-governamentais de cooperação para o desenvolvimento (Lei n.º 66/98, de 14 de outubro) e que, uma vez constituídas e registadas, adquirem a natureza de pessoas coletivas de utilidade pública (cf. artigo 12.º);

              As organizações não-governamentais das pessoas com deficiência, suas uniões, federações e confederações (Decreto-Lei n.º 106/2013, de 30 de julho) e que, só depois de constituídas e registadas, adquirem a natureza de pessoas coletivas de utilidade pública (cf. artigo 12.º);

              As organizações não-governamentais ambientais que também podem vir a obter o estatuto de utilidade pública, embora com algumas condicionantes acrescidas, nos termos da Lei n.º 35/98, de 18 de julho[21]:

«Artigo 4º

(Utilidade pública)

              1 – As [organizações não-governamentais ambientais] com efetiva e relevante atividade e registo ininterrupto junto [da Agência Portuguesa de Ambiente I.P.] há pelo menos cinco anos têm direito ao reconhecimento como pessoas coletivas de utilidade pública, para todos os efeitos legais, desde que preencham os requisitos previstos no artigo 2.º do Decreto-Lei nº 460/77, de 7 de novembro.

              2 – Compete ao Primeiro-Ministro, mediante parecer [da Agência Portuguesa de Ambiente I.P.], reconhecer o preenchimento das condições referidas no número anterior e emitir a respetiva declaração de utilidade pública.

              3 – A declaração de utilidade pública referida no número anterior é publicada no Diário da República.

              4 – Será entregue às ONGA objeto de declaração de utilidade pública o correspondente diploma, nos termos da lei geral.

              5 – As ONGA a que se referem os números anteriores estão dispensadas do registo e demais obrigações previstas no Decreto-Lei nº 460/77, de 7 de novembro, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do artigo 12.º do mesmo diploma legal.

              6 – A declaração de utilidade pública concedida ao abrigo do disposto no presente artigo e as inerentes regalias cessam:

              a) Com a extinção da pessoa coletiva;

              b) Por decisão do Primeiro-Ministro, se tiver deixado de se verificar algum dos pressupostos da declaração;

              c) Com a suspensão ou anulação do registo junto [da Agência Portuguesa de Ambiente I.P.]».

       Repare-se que, neste caso, o reconhecimento do estatuto de utilidade pública obedece a padrões especialmente criteriosos. Requer-se a cumulação de todos os requisitos de ambas as categorias — de organização não-governamental ambiental e de pessoa coletiva de utilidade pública — e ainda acresce um outro: cinco anos de relevante e efetiva atividade com registo ininterrupto.

       As organizações não-governamentais são apenas algumas das associações constituídas civilmente nos respetivos âmbitos. Aquilo que sobretudo as distingue das demais associações congéneres é a verificação de credibilidade e condições para exercerem certas formas de participação e acederem a determinadas formas de apoio público.

       A designação e o acrónimo — ONG — são de difusão internacional e algumas destas entidades possuem conhecido âmbito transfronteiriço. Considerando a sua importância, foi celebrada, ao nível do Conselho da Europa, em 24 de abril de 1986, a Convenção Europeia sobre o Reconhecimento da Personalidade Jurídica das Organizações Internacionais Não-Governamentais e que veio a ser aprovada e ratificada pela República Portuguesa[22]. Além de possuírem um fim não lucrativo de utilidade internacional, exige-se terem sido criadas por «um ato relevante do direito interno de uma Parte», exercerem atividade efetiva em, pelo menos, dois Estados, e terem «sede estatutária no território de uma Parte e a sua sede real no território dessa ou de qualquer outra Parte» (cf. artigo 1.º).

3.3. Pessoas coletivas de (mera) utilidade pública

       Já pôde verificar-se que o estatuto de utilidade pública, não obstante a função de incentivo que pode desempenhar na atividade das associações e fundações, é apenas uma das formas de promover a democracia participativa.

       O estatuto de utilidade pública, disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, sem excluir liminarmente as categorias de pessoas coletivas sem fins lucrativos que temos vindo a encontrar, aposta no estabelecimento de uma relação de cooperação duradoura, continuada, a fim de complementar atribuições do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, de modo especial na efetivação da democracia económica, social e cultural.

       Uma efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais que se abre, deste modo, à promoção dos próprios interessados, nas palavras de JORGE MIRANDA[23]:

              «Não se trata apenas de criar serviços ou concretizar prestações, pecuniárias ou outras; trata-se também de dar lugar e voz aos próprios titulares dos direitos, aos destinatários e beneficiários desses serviços e prestações, segundo as normas da Constituição, do Direito internacional e das leis. Assim se espera otimizar as condições de realização dos direitos e aprofundar a democracia».

       As pessoas coletivas de (mera) utilidade pública integram uma categoria residual[24] e genérica, cujo estatuto corresponde fundamentalmente ao regime geral do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, e sobre o qual incide a presente consulta. Os seus fins complementam ou aprofundam atribuições do Estado, estimulando a participação cívica na construção da democracia económica, social e cultural.

       Os exemplos de reconhecimento de utilidade pública são múltiplos e variados:

              - Associações promotoras de desporto[25], sociedades médicas e outras sociedades científicas, câmaras de comércio[26], centros de formação, estações de rádio, coletividades recreativas, associações de dadores de sangue, ranchos folclóricos, tunas académicas, orfeões e grupos corais, sociedades filarmónicas e bandas musicais, clubes de pesca e associações de caçadores, associações de agricultores e de criadores de gado, associações de inquilinos, ligas de melhoramentos locais, associações de estudantes[27] e associações juvenis, coletividades artísticas e de defesa do património cultural, cooperativas[28] de instrução, clubes e associações navais, grupos excursionistas e clubes de cicloturismo, associações de columbofilia, associações de socorro a náufragos, coletividades zoófilas e instituições de divulgação zoológica (v.g. o Jardim Zoológico de Lisboa), associações de vítimas e familiares de vítimas de sinistros e catástrofes, associações de radioamadores, sociedades hípicas e equestres, sociedades de amigos de museus, ligas de amigos de unidades de saúde, representações permanentes estrangeiras ou mistas de instituições oficiais de cultura (v.g. o British Council, a Casa de Macau), núcleos de estudos etnográficos, associações de pais e encarregados de educação, associações de automobilistas (v.g. o Automóvel Clube de Portugal), grupos de teatro amador, associações numismáticas e filatélicas e associações profissionais não sindicais[29].

       Em alguns casos, de que já se encontraram exemplos, a atribuição do estatuto de utilidade pública é consequente ou derivada, ou seja, o estatuto é atribuído a pessoas coletivas que já viram reconhecido um outro estatuto qualificado, o qual, acrescido ou não por mais requisitos, é considerado suficiente para fundamentar uma valoração favorável.

       Algo que veremos suceder de forma automática e imediata com algumas instituições (v.g. as instituições particulares de solidariedade social) e, como já vimos ocorrer, de forma diferida e condicionada com outras (v.g. as organizações não-governamentais de ambiente).

       Quer isto dizer que o regime conferido pelo estatuto de utilidade pública não se confina a disciplinar o reconhecimento, os direitos, deveres e a fiscalização das pessoas coletivas de (mera) utilidade pública, pois aplica-se a outras pessoas coletivas cuja utilidade pública resulta, no todo ou em parte, de uma condição que já possuíam.

       Assim, o Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, desempenha, pelo menos, duas funções.

       A primeira é a de constituir o regime próprio, sem mais, das pessoas coletivas de utilidade pública simples ou de mera utilidade pública.

       A segunda, não menos importante, é a de aplicar‑se cumulativamente aos regimes de outras instituições sem fins lucrativos, ora pela estreita colaboração da sua atividade, assumindo o desempenho de incumbências públicas (é o caso das instituições particulares de solidariedade social) ora por serem investidas no exercício de poderes públicos (é o caso das pessoas coletivas de utilidade administrativa).

       Nota distintiva que se impõe antecipar à análise do regime jurídico é ficarem as pessoas coletivas reconhecidas neste âmbito subordinadas a normas especiais de direito público, a deveres e ónus, que sustentam a cooperação disponibilizada à Administração Pública, desde que requerem o reconhecimento do estatuto.

3.4. Fundações privadas de utilidade pública

       Regime de cooperação institucionalizada bastante aproximado é o que decorre da Lei-Quadro das Fundações[30], no que concerne ao reconhecimento de fundações privadas (cf. artigos 20.º e seguintes).

       Uma vez mais, o legislador procura estimular certas pessoas coletivas sem fins lucrativos — neste caso, apenas as de substrato patrimonial — cuja atividade complementa, desenvolve ou até mesmo suporta o desempenho de incumbências constitucionalmente consignadas ao Estado, em especial na dinâmica própria de Estado social.

       Pressuposto do reconhecimento é o de tais fundações exercerem a sua atividade ad extra, ou seja, em benefício de categorias relativamente gerais e abstratas de cidadãos ou de interesses difusos. Não em prol dos instituidores nem de um conjunto privilegiado de pessoas por si designadas.

       Entre os motivos de recusa do reconhecimento ressalta, por conseguinte, entender-se que os fins da fundação não são de interesse social, «designadamente se aproveitarem ao instituidor ou sua família ou a um universo restrito de beneficiários com eles relacionados» (cf. alínea b] do n.º 1 do artigo 23.º).

       Uma vez reconhecidas, ficam subordinadas a especiais deveres de transparência administrativa e financeira (cf. artigo 9.º), cujo incumprimento impede o acesso a apoios financeiros públicos durante o ano económico seguinte e enquanto perdurar o incumprimento (cf. n.º 8).

       As fundações privadas podem ainda adquirir o estatuto de utilidade pública, após «três anos de efetivo e relevante funcionamento, salvo se o instituidor ou instituidores maioritários já possuírem estatuto de utilidade pública, caso em que esse estatuto pode ser solicitado imediatamente após o reconhecimento» (cf. n.º 2 do artigo 24.º).

       Se o reconhecimento da fundação é pressuposto da atribuição do estatuto de utilidade pública, por sua vez, o estatuto de utilidade pública do instituidor ou da maioria dos instituidores proporciona a dispensa do requisito temporal de três anos, podendo a atribuição ser requerida logo após o reconhecimento da fundação.

       Temos, assim, que distinguir entre o reconhecimento da fundação e a atribuição do estatuto de utilidade pública, sendo esta efetuada por cinco anos, sem prejuízo de renovação por iguais e sucessivos períodos (cf. n.º 5 do artigo 25.º).

       A atribuição do estatuto de utilidade pública pode cessar, não apenas por extinção da fundação ou caducidade do reconhecimento, como por decisão do Primeiro-Ministro fundada na insubsistência de algum dos pressupostos ou na «violação séria ou reiterada dos deveres que lhes estejam legalmente impostos» (cf. n.º 6 do artigo 25.º).

       Um desses deveres respeita a limites fixados para despesas próprias (cf. artigo 10.º) precisamente como garantia de a fundação manter-se vocacionada para a satisfação de necessidades coletivas alheias ao círculo dos seus instituidores ou de terceiros designados segundo critérios puramente subjetivos ou mercantis[31].

      

       Nem todas as fundações porém encontram aqui o seu regime e estatuto. É o caso das fundações de solidariedade social (cf. artigos 39.º e seguintes) que integram a categoria que passaremos de imediato a recensear.

3.5. Instituições particulares de solidariedade social

       As instituições particulares de solidariedade social (cf. n.º 5 do artigo 63.º da Constituição) subsidiam ou complementam o desempenho de tarefas públicas de uma forma especialmente ampla e intensa[32]:

              Proteção «na doença, velhice, invalidez, orfandade», «no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade de trabalho» (cf. n.º 3 do artigo 63.º);

              Criação e garantia de uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família (cf. alínea b] do n.º 2 do artigo 67.º);

              Proteção na infância (cf. artigo 69.º);

              Aproveitamento dos tempos livres da juventude (cf. alínea e] do n.º 1 do artigo 70.º);

              Prevenção, tratamento, reabilitação e integração das pessoas com deficiência (cf. artigo 71.º) e

              Solidariedade ativa com as pessoas na terceira idade (cf. artigo 72.º).

       Por seu turno, no domínio dos direitos, liberdades e garantias, as instituições particulares de solidariedade social baseiam-se em não mais do que a liberdade de associação (cf. artigo 46.º da Constituição). Não lhes é reservado nenhum papel principal no diálogo político ou laboral, ao contrário dos partidos políticos e dos sindicatos. Não lhes cumpre protagonizar o debate de ideias e correntes de opinião nem afirmar convicções espirituais no espaço público, ao contrário do que sucede com a imprensa e com as confissões religiosas.

       Tais instituições adquirem automaticamente, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro[33], a natureza de pessoas coletivas de utilidade pública, por via do registo regular (associações, cooperativas e fundações de solidariedade social, associações mutualistas[34] ou de socorros mútuos, irmandades da misericórdia[35]).

       Isto por se entender que a admissão à primeira categoria já compreende as exigências para o reconhecimento da segunda, e, por se entender, bem assim, que o estatuto de utilidade pública completa adequadamente a atividade solidária de tais instituições. De algum modo, uma concreta utilidade pública encontra-se implícita nos fins e nos meios de que se valem as instituições particulares de solidariedade social para os prosseguir.

       Os seus fins não se limitam a convergir, antes «coincidem com funções da Administração, e esta favorece, mas também fiscaliza, a coexistência colaborante entre as atividades públicas e privadas[36]», designadamente a prevalência dos direitos e interesses dos beneficiários sobre os das próprias instituições, seus associados ou fundadores (cf. artigo 5.º do citado Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro).

       Assistidas por apoios financeiros do Estado, em especial por meio de acordos de cooperação (cf. artigo 4.º-A), as instituições particulares de solidariedade social podem, por esta mesma via, encarregar-se da gestão de instalações e equipamentos do Estado e das autarquias locais (cf. n.º 3 do artigo 4.º).

       Tais relações e a autonomia de que dispõem são obtemperadas pela fiscalização pública a que se submetem (cf. n.º 5 do artigo 63.º da Constituição, e artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro).

3.6. Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa

       Conquanto o primeiro regime das pessoas coletivas de mera utilidade pública seja o Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, já antes da sua publicação, MARCELLO CAETANO[37] dava-se conta de que utilidade pública e utilidade administrativa não coincidem nem têm de coincidir integralmente.

       A primeira categoria apenas revela relações de cooperação útil com a Administração Pública.

       A segunda inculca «elementos de cooperação necessária[38]», como sucedia com as denominadas associações de instrução, cultura e recreio a que se referia o n.º 8 do artigo 407.º do Código Administrativo.       

       Do regime jurídico das pessoas coletivas de utilidade administrativa ressalta um cunho marcadamente publicista, ou, se quisermos, ainda mais publicista do que o das instituições anteriormente mencionadas[39], apesar da iniciativa privada na criação de umas e outras.

       O seu regime permanece fundamentalmente no Código Administrativo[40] para as pessoas coletivas de utilidade administrativa de âmbito local (cf. artigos 444.º e seguintes) e para algumas associações beneficentes e humanitárias (cf. artigos 433.º e seguintes).

       Para as demais, encontra-se em legislação avulsa, como é o caso das associações humanitárias de bombeiros[41], da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa[42] ou da Cruz Vermelha Portuguesa[43]. Bem assim[44], da Fundação da Casa de Bragança[45], da Fundação Ricardo Espírito Santo[46] ou da Fundação Calouste Gulbenkian[47]. Vieram algumas a obter confirmação do estatuto de utilidade pública, na sequência da já referida Lei-Quadro das Fundações.

       Os regimes especiais encontram subsídio na aplicação do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro. É esse o sentido da plena equiparação que vem determinada no n.º 2 do artigo 1.º e a que regressaremos.

       Após a publicação deste diploma, geraram-se alguns equívocos em torno das duas diferentes qualificações: mera utilidade pública e utilidade pública administrativa. Principalmente, porque o reconhecimento da utilidade pública administrativa sugeria-se automático, nos termos do artigo 417.º do Código Administrativo, para os casos ali abrangidos.

       Veio, por isso, o Despacho Normativo n.º 51/79, de 28 de fevereiro de 1979[48] esclarecer dúvidas.

       Tais esclarecimentos ajudam-nos a compreender o posicionamento de umas e outras no ordenamento jurídico, motivo por que se transcrevem os considerandos preambulares e as disposições:

              «Tendo-se levantado dúvidas sobre a articulação do artigo 417.º do Código Administrativo com o sistema introduzido pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, no que respeita ao reconhecimento da utilidade pública das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa constituídas posteriormente à vigência do decreto-lei citado;

              Considerando, outrossim, que o reconhecimento automático da utilidade pública previsto naquele preceito do Código Administrativo parece colidir com o princípio de que tal declaração deve ser expressamente concedida pelo Governo, com exceção apenas das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa já constituídas à data da publicação do Decreto-Lei n.º 460/77;

              Considerando ainda que da conjugação do artigo 14.º com o n.º 2 do artigo 1.º e artigo 8.º do mesmo diploma não resulta clara a obrigação do registo para as associações que na data da publicação do diploma, já tivessem sido reconhecidas como pessoas coletivas de utilidade pública administrativa pela entidade competente:

              Determino, ao abrigo da competência conferida pelo seu artigo 16.º, o seguinte:

              a) O artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, abrange as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa referidas no Código Administrativo constituídas ou que se vierem a constituir em data posterior à publicação do citado decreto-lei;

              b) As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa constituídas anteriormente à data da publicação do diploma citado deverão requerer a sua inscrição no registo a que se refere o seu artigo 8.º.

              Presidência do Conselho de Ministros, 28 de fevereiro de 1979. - O Primeiro-Ministro, Carlos Alberto da Mota Pinto».

             

       Determinou-se, pois, que o regime do Código Administrativo apenas continuaria a aplicar-se às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa constituídas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro[49].

       As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa «criadas pela iniciativa particular vêm suprir uma omissão ou lacuna dos poderes públicos, e correspondem por conseguinte a uma modalidade de exercício privado de funções públicas, onde a intervenção e o controlo administrativo e financeiro têm de ser maiores[50]». Mais do que simples auxílio, mais do que cooperação útil, pode falar-se com propriedade em colaboração, o que, por sua vez, dá lugar a relações de tutela e de coordenação.

       E, com efeito, submetem-se, com maior ou menor intensidade, ao controlo tutelar da parte do Governo e, eventualmente, até, como acontece com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa[51], a poderes de superintendência que permitem ao membro do Governo com a pasta da segurança social determinar orientações gerais de gestão (cf. n.º 2 do artigo 2.º dos Estatutos).

       As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa com âmbito local são definidas do modo seguinte pelo Código Administrativo:

«Artigo 416º

(Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa. Definição)

              «Consideram-se pessoas coletivas de utilidade pública administrativa as associações beneficentes ou humanitárias e os institutos de assistência ou educação, tais como hospitais, hospícios, asilos, casas pias, creches, lactários, albergues, dispensários, sanatórios, bibliotecas e estabelecimentos análogos, fundados por particulares, desde que umas e outros aproveitem em especial aos habitantes de determinada circunscrição e não sejam administrados pelo Estado ou por um corpo administrativo».

       Entende PEDRO GONÇALVES[52] que a utilidade pública administrativa não pode decorrer simplesmente da subsunção a esta norma, importando sempre um ato administrativo de reconhecimento ou classificação. Afirma-se o Autor em oposição às conclusões formuladas pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, em alguns pareceres: o primeiro, relativo à Cruz Vermelha Portuguesa[53] e dois outros a respeito da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa[54] e dos Serviços de Utilização Comum dos Hospitais[55].

       Em tais pareceres contudo a qualificação das pessoas coletivas como de utilidade pública administrativa assenta nos atos legislativos que definem os seus estatutos. O reconhecimento é, por assim dizer, efetuado por ato administrativo sob forma legislativa, confirmado pelo regime de direito público a que se sujeita toda ou parte da atividade prosseguida por tais entidades.

       A utilidade administrativa de tais pessoas coletivas decorrente da atividade que praticam e o controlo a que se sujeitam chegaram mesmo a justificar que funcionários e agentes do Estado e trabalhadores de serviços públicos personalizados ou de empresas públicas pudessem ser requisitados para ali desempenharem funções[56] de administração ou direção, a tempo inteiro e remuneradas[57].

       De certo modo, as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa não se limitam a integrar o conceito material de Administração Pública, ostentando, por vezes, indicadores do sentido formal, ora pelo exercício de poderes de autoridade ora pelo domínio exclusivo de certos bens.

       A posição de proeminência funcional que adquirem evidencia-se principalmente em situações de calamidade, acidentes graves, catástrofes naturais ou estados de elevada perigosidade. O exclusivo de certos bens pode ilustrar-se com as lotarias e outros jogos sociais de apostas mútuas.

       Um tal padrão das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa afirmou-se sobretudo desde a definição do regime já citado das instituições particulares de solidariedade social, com o Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro, em cujo artigo 94.º, n.º 1, se dispôs que «as instituições anteriormente qualificadas como pessoas coletivas de utilidade administrativa que, pelos fins que prossigam, devam ser consideradas instituições particulares de solidariedade social deixam de ter aquela qualificação e ficam sujeitas ao regime estabelecido no presente diploma».

       Ocorreu, assim, entre as pessoas coletivas de utilidade administrativa uma depuração do seu âmbito, relativamente às que se dedicavam a fins sociais, de assistência e beneficência, o que deixou como pessoas coletivas de utilidade pública administrativa justamente aqueloutras que, por exercerem poderes de autoridade ou exigirem um controlo financeiro mais apertado, não se combinam com nenhuma outra categoria[58] nem se podem caracterizar como formas de administração autónoma[59].

       Explica-se tal mudança no conjunto das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa no Parecer deste Conselho Consultivo n.º 98/90, de 6 de dezembro de 1990[60], por meio de dois exemplos.

       Assim, as misericórdias que eram pessoas coletivas de utilidade pública administrativa à luz do artigo 433.º do Código Administrativo transitaram para o novo estatuto de instituições particulares de solidariedade social (desde que erectas canonicamente e registadas[61]). Ao invés, conservaram-se entre as pessoas coletivas de utilidade administrativa as já referidas associações humanitárias de bombeiros (cf. artigo 3.º da Lei n.º 32/2007, de 13 de agosto) cujos efetivos são chamados a exercer poderes de autoridade[62].

3.7. Pessoas coletivas de utilidade pública desportiva

       Já a Lei n.º 1728, de 5 de janeiro de 1925, reconhecia ao Comité Olímpico Português, não apenas personalidade jurídica, como também a faculdade de proceder às expropriações que se mostrassem necessárias (cf. artigo 2.º) «para fins de educação e cultura física e prática de desportos, e bem assim para a instalação de agremiações desportivas, construção, melhoramento e ampliação de campos de jogos, estádios, piscinas de natação e quaisquer outras construções que tenham por fim o desenvolvimento físico da população portuguesa» (cf. artigo 1.º).

       Desde então, e não obstante a sucessão de regimes jurídicos, foram atribuídos poderes públicos a federações desportivas, sem prejuízo de serem constituídas por pessoas coletivas privadas e de aplicarem o direito privado a múltiplos aspetos da sua atividade.

       Atualmente, o reconhecimento do estatuto de utilidade pública desportiva não deixa dúvidas quanto à atribuição de verdadeiros poderes públicos às pessoas coletivas que o obtenham, em inequívoca ilustração do que seja o exercício de poderes públicos por pessoas coletivas privadas. Pode mesmo descortinar-se a conversão da sua natureza numa específica categoria de entre as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.

       Assim, pode ler-se no Regime Jurídico das Federações Desportivas[63]:

«Artigo 10º

(Estatuto de utilidade pública desportiva)

              O estatuto de utilidade pública desportiva confere a uma federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a titularidade dos direitos e deveres especialmente previstos na lei.

       Beneficiam de direitos de exclusivo sobre títulos profissionais, constituição de seleções nacionais, nome e imagem, protegidos tais direitos por um regime contraordenacional (cf. artigo 61.º) e exercem poderes de autoridade pública no âmbito da regulamentação e disciplina da respetiva modalidade (cf. artigo 11.º), competindo à jurisdição administrativa dirimir os litígios emergentes (cf. artigo 12.º). O direito privado apenas se aplica subsidiariamente (cf. artigo 4.º).

       Em contrapartida, ficam adstritas a relevantes incumbências de ordem pública: «cumprir os objetivos de desenvolvimento e generalização da prática desportiva, garantir a representatividade e o funcionamento democrático internos, em especial através da limitação de mandatos, bem como assegurar a transparência e a regularidade da sua gestão» (cf. n.º 3 do artigo 13.º), «aprovar e executar programas de prevenção, formação e educação sobre o combate à manipulação de competições e corrupção desportiva, prestando a todos os seus agentes desportivos informação atualizada e rigorosa, nomeadamente sobre as respetivas consequências para a carreira desportiva, as suas responsabilidades, direitos, deveres e obrigações nesse âmbito, e sobre as sanções aplicáveis aos comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva» (cf. n.º 4 do artigo 13.º).

       E, como se realçou no Parecer n.º 24/2015, deste Conselho Consultivo, votado em 14 de julho de 2016[64], encontram-se vinculadas aos princípios gerais de direito administrativo em tudo o que seja de qualificar como exercício de poderes públicos, organizando-se e prosseguindo as suas atividades «de acordo com os princípios da liberdade, da democraticidade, da representatividade e da transparência». São, como se afirmou no Parecer n.º 32/2017, de 16 de janeiro de 2018[65], «pessoas coletivas privadas de substrato associativo e sem fins lucrativos que, por efeito do reconhecimento da utilidade pública desportiva ou da sua renovação, exercem poderes públicos regulamentares e disciplinares».

       Por conseguinte, o estatuto de utilidade pública desportiva investe as federações desportivas não apenas no desempenho de funções públicas, como também no exercício de poderes em regime de autotutela, num grau que, segundo a escala que temos vindo a inventariar, desde as pessoas coletivas de (mera) utilidade pública, pode dizer-se que corresponde ao máximo expoente.

  1.  Atribuição de utilidade turística.

       A utilidade turística tem por objeto empreendimentos turísticos, compreendendo os imóveis e construções neles incorporadas e, nesse sentido, seria impróprio cuidar do seu regime a par dos regimes das pessoas coletivas de utilidade pública simples ou administrativa. Com efeito o reconhecimento da utilidade turística é de natureza real e não pessoal.

       Sucede porém que, nos termos do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro[66], por meio de um vínculo propter rem, o estatuto de utilidade turística reverte a favor das pessoas coletivas ou singulares que sejam proprietárias ou concessionárias da sua exploração. Estatuto que lhes concede um conjunto alargado de benefícios fiscais (cf. artigos 16.º e seguintes) na medida em que satisfaçam de modo permanente a certas exigências.

       Entendeu-se que o estatuto de utilidade turística contribui não apenas para o interesse geral, como corresponde a uma forma premial de fazer conjugar a atividade de certos empresários turísticos com o interesse público a cargo da Administração Pública:

«Artigo 4º

               1 – A utilidade turística será apreciada tendo em conta os seguintes pressupostos:

              a) A localização e o tipo do empreendimento;

              b) O tipo e o nível, verificado ou presumido, das instalações e serviços do empreendimento;

              c) O interesse do empreendimento no âmbito das infraestruturas turísticas da região;

              d) A sua contribuição para o desenvolvimento regional;

              e) A capacidade financeira da empresa promotora;

              f) A adequação do empreendimento à política de turismo definida pelos órgãos estaduais competentes.

              2 – Por portaria do membro do Governo da tutela, poderão ainda ser definidos outros pressupostos a ter em conta na apreciação de utilidade turística».

       Além dos incentivos tributários, prevê-se, bem assim, que possam beneficiar da expropriação por utilidade pública (cf. n.º 1 do artigo 28.º) «dos bens imóveis e direitos a eles relativos necessários à construção, ampliação ou beneficiação de empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística a título prévio ou à ampliação, adaptação ou renovação de empreendimentos existentes com a utilidade turística atribuída a título definitivo».

       De igual modo, prevê-se a constituição, a seu favor, de servidões administrativas (cf. n.º 1 do artigo 29.º) «sobre prédios vizinhos daqueles onde está ou será implantado o empreendimento, desde que tais servidões se mostrem estritamente indispensáveis à adequada exploração de empreendimentos a que tenha sido atribuída, prévia ou definitivamente, a utilidade turística».

       O referido vínculo subjetivo, apesar de determinado propter rem, encontra-se bem patente nos pressupostos da revogação do estatuto de utilidade turística[67], os quais resultam de certos comportamentos ilícitos das pessoas singulares ou coletivas suas proprietárias ou concessionárias da exploração:

Artigo 14º

              1 – A utilidade turística pode ser revogada nos seguintes casos:

              a) Se não forem cumpridos os requisitos ou condicionamentos fixados no despacho de atribuição;

              b) Se forem realizadas alterações no empreendimento que não tenham sido submetidas à apreciação prévia da Comissão da Utilidade Turística, independentemente de terem sido ou não aprovadas pelas entidades competentes;

              c) Se o empreendimento for explorado em termos diferentes daqueles que foram apresentados à Comissão da Utilidade Turística, salvo parecer favorável desta aos novos moldes da exploração;

              d) Se o empreendimento for desclassificado;

              e) Se as instalações do empreendimento apresentarem um deficiente estado de conservação;

              f) Se forem constatadas reiteradas deficiências dos serviços prestados no empreendimento.

              2 – No caso da utilidade turística atribuída a título prévio, esta poderá ser revogada também nos seguintes casos:

              a) Se o empreendimento for realizado em termos diferentes do projeto que serviu de base à atribuição;

              b) Se o interessado deixar caducar a aprovação do anteprojeto do empreendimento ou não conseguir obter a aprovação do respetivo projeto;

              c) Se não comunicar a aprovação do projeto do empreendimento, quando for caso disso;

              d) Se no prazo de validade fixado, ou no da sua prorrogação, o empreendimento não for aberto ao público ou não forem realizadas as obras ou melhoramentos que determinaram a atribuição;

              e) Se não for requerida a sua confirmação no prazo legalmente estabelecido.

              3 – A revogação da utilidade turística poderá ser proposta pelo [presidente do Turismo de Portugal, I.P.], acompanhada de parecer fundamentado da Comissão da Utilidade Turística».

       Ocorre, por conseguinte, a atribuição reflexa de um estatuto de utilidade pública turística em proveito dos empresários que, à semelhança das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, os investe em especiais direitos e prerrogativas, de par com ónus, deveres e encargos correspetivos. Mais ainda, em verdadeiros poderes de iniciativa pública (v.g. expropriação por utilidade pública, constituição de servidões administrativas) depois exercidos pelos órgãos competentes para a decisão final.

       Em todo o caso, são as pessoas coletivas proprietárias ou cessionárias da exploração as entidades beneficiárias de tais expropriações[68] e servidões reais administrativas[69].

       Cumprido este excurso pelas associações e fundações com quem a Administração Pública enceta relações especiais de participação, colaboração, cooperação ou mesmo substituição, veremos, finalmente, em que consiste o estatuto de utilidade pública reconhecido a certas associações e fundações, de entre as que praticam atividades de interesse geral afim ou conexo com o interesse público.

  1. Regime de benefícios das pessoas coletivas de utilidade pública.

       O Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, define pessoa coletiva de utilidade pública nos termos seguintes:

«Artigo 1.º

(Noção de pessoa coletiva de utilidade pública)

              1 — São pessoas coletivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de “utilidade pública”.

              2 — As pessoas coletivas públicas de utilidade administrativa são, para todos os efeitos do presente diploma, consideradas como pessoas coletivas de utilidade pública[70]».

       Quanto ao substrato de tais pessoas coletivas, este pode revelar-se pessoal ou patrimonial (associações e fundações, respetivamente).

       Segue-se um elemento teleológico que diz respeito aos fins prosseguidos: fins de interesse geral, a nível nacional, regional ou local.

       Depois, um elemento objetivo: a cooperação com a Administração Pública.

       Por fim, um elemento valorativo que recai na margem de livre apreciação do órgão com poderes para declarar a utilidade pública: o Governo (cf. artigo 3.º) ou os governos regionais (cf. Decreto Lei n.º 52/80, de 26 de março[71]).

       Tal valoração compreende um juízo de mérito e orienta-se pela relevância atribuída ao elemento teleológico e ao elemento objetivo, ou seja, relevância dos fins para interesses públicos identificáveis e relevância, pela sua expressão e qualidades, da cooperação prestada ou suscetível de o vir a ser.

       Este regime pretende estimular certas associações e fundações, de modo a que a própria Administração Pública possa contar, de antemão, com a atividade que desenvolvem e que converge com o interesse público, naquilo que se designa habitualmente como interesse geral.

       Assim, pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, o seguinte:

              «A preocupação de incentivar o associativismo, a necessidade de dotar as coletividades de alguns meios para valorização e expansão da sua atividade e a falta de legislação respeitante ao processo de reconhecimento da utilidade pública estão na origem deste diploma».

       Cumpre-nos então recensear as diferenciações positivas que o estatuto de utilidade pública lhes confere.

       Como atributos de natureza premial inerentes ao estatuto encontramos:

              Isenções fiscais (cf. artigo 9.º);

              Isenção das taxas de televisão e rádio, ou seja, da contribuição audiovisual (cf. alínea a] do artigo 10.º) liquidada mensalmente com as faturas do consumo de energia elétrica[72];

              Equiparação da tarifa de energia elétrica àquela que se aplicar aos consumidores domésticos (cf. alínea b] do artigo 10.º);

              Isenção de taxas sobre espetáculos e divertimentos públicos (cf. alínea e] do artigo 10.º) possivelmente as taxas que se acham previstas no Regime Jurídico dos Espetáculos e Divertimentos Públicos[73];

              Gratuitidade da publicação oficial dos respetivos estatutos (cf. alínea f] do artigo 10.º);

              Benefício da declaração de utilidade pública de bens necessários ao prosseguimento dos seus fins estatutários a cargo do Estado como entidade expropriante (cf. n.º 1 do artigo 11.º).

       Antes da revisão do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro, a Lei n.º 151/99, de 14 de setembro, empreendera a consolidação do regime de regalias e isenções fiscais das pessoas coletivas de utilidade pública, não tendo sido expressamente revogada.

       Ali se dispôs o seguinte:

«Artigo 1.º

(Isenções)

              Sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, podem ser concedidas às pessoas coletivas de utilidade pública as seguintes isenções:

              a) Imposto do selo;

              b) Imposto municipal de sisa pela aquisição dos imóveis destinados à realização dos seus fins estatutários;

              c) Imposto sobre as sucessões e doações relativo à transmissão de imóveis destinados à realização dos seus fins estatutários;

              d) Contribuição autárquica de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários;

              e) Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, a ser reconhecida nos termos e condições do respetivo Código;

              f) Imposto sobre veículos, imposto de circulação e imposto automóvel nos casos em que os veículos a adquirir a título oneroso sejam classificados como veículos ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, todo-o-terreno e furgões ligeiros de passageiros, nos termos da legislação em vigor;

              g) Custas judiciais».

       Uma vez que o regime republicado com o Decreto-Lei n.º 391/2007, de 14 de setembro, refere-se genericamente a isenções, deve considerar-se que a Lei n.º 151/99, de 14 de setembro, também não foi tacitamente revogada, perdurando na qualidade de lei especial, embora circunscrita às isenções tributárias.

       Muitos dos tributos enunciados assumiram novas designações e regimes, mas, com as devidas atualizações podemos identificar os seguintes:

Imposto do selo;

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC);

Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI);

Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT);

Imposto Único de Circulação;

Custas judiciais.

       Tais isenções podem acrescer àquelas que resultam do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, mas não de modo necessário nem imediato. Nenhuma decorre imperativamente da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro. Trata‑se de diploma que constitui apenas um regime de enquadramento, e que, nos termos do artigo 1.º, permite conceder, ou não conceder, tais benefícios às pessoas coletivas de utilidade pública.

       Assim, a isenção do imposto do selo resulta do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo[74], compreendendo designadamente as sucessões e doações a favor do património das pessoas coletivas de utilidade pública. Sucessões e doações que, no geral, eram anteriormente tributadas por imposto próprio.

       Já a isenção de IRC, e que resulta do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas[75], ocorre em termos restritos e condicionados:

«Artigo 10.º

(Pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social)

              1 — Estão isentas de IRC:

              a) As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa;

              b) As instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas coletivas àquelas legalmente equiparadas;

              c) As pessoas coletivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social, defesa do meio ambiente e interprofissionalismo agroalimentar. 

              2 — A isenção prevista na alínea c) do número anterior carece de reconhecimento pelo Ministro das Finanças, a requerimento dos interessados, mediante despacho publicado no Diário da República, que define a respetiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as atividades desenvolvidas para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos e outras julgadas necessárias.

              3 — A isenção prevista no n.º 1 não abrange os rendimentos empresariais derivados do exercício das atividades comerciais ou industriais desenvolvidas fora do âmbito dos fins estatutários, bem como os rendimentos de títulos ao portador, não registados nem depositados, nos termos da legislação em vigor, e é condicionada à observância continuada dos seguintes requisitos:

              a) Exercício efetivo, a título exclusivo ou predominante, de atividades dirigidas à prossecução dos fins que justificaram o respetivo reconhecimento da qualidade de utilidade pública ou dos fins que justificaram a isenção consoante se trate, respetivamente, de entidades previstas nas alíneas a) e b) ou na alínea c) do n.º 1;

              b) Afetação aos fins referidos na alínea anterior de, pelo menos, 50/prct. do rendimento global líquido que seria sujeito a tributação nos termos gerais, até ao fim do 4.º período de tributação posterior àquele em que tenha sido obtido, salvo em caso de justo impedimento no cumprimento do prazo de afetação, notificado ao diretor-geral dos impostos, acompanhado da respetiva fundamentação escrita, até ao último dia útil do 1.º mês subsequente ao termo do referido prazo;

              c) Inexistência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários, por si mesmos ou por interposta pessoa, nos resultados da exploração das atividades económicas por elas prosseguidas.

              4 — O não cumprimento dos requisitos referidos nas alíneas a) e c) do número anterior determina a perda da isenção, a partir do correspondente período de tributação, inclusive.

              5 — Em caso de incumprimento do requisito referido na alínea b) do n.º 3, fica sujeita a tributação, no 4.º período de tributação posterior ao da obtenção do rendimento global líquido, a parte desse rendimento que deveria ter sido afeta aos respetivos fins».

       Só às pessoas coletivas de utilidade pública que prossigam fins de caridade, assistência, beneficência e solidariedade social aproveita a qualificação de donativos prestados por contribuintes tributados em IRC como custos ou perdas de exercício até ao limite de 8/1000 do volume de vendas ou serviços prestados (cf. alínea b] do n.º 3 do artigo 62.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais[76]) com algumas majorações segundo o tipo de ação e apoio social que pratiquem (cf. n.º 4 a n.º 8).

       Mas, disposições análogas beneficiam os centros de desporto organizados nos termos dos Estatutos da Fundação INATEL[77], desde que destinados ao desenvolvimento de atividades de natureza social no âmbito daquelas entidades (alínea c] do n.º 3 do artigo 62.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais), as organizações não-governamentais cujo objeto estatutário se destine essencialmente à promoção dos valores da cidadania, da defesa dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e da igualdade de género, nos termos legais aplicáveis (alínea d]) e as organizações não‑governamentais para o desenvolvimento (alínea e]).

       Tão-pouco para efeito de benefícios concedidos aos mecenatos científico e cultural se encontra aceção alguma que demarque as pessoas coletivas de utilidade pública de entre as associações com os fins e objetos enunciadas nos artigos 62.ºâ€‘A e 62.º-B, respetivamente, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

       Por força das mesmas disposições encontram-se isentas do imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) as transmissões de bens e prestações de serviços a título gratuito em favor das pessoas coletivas de utilidade pública (cf. artigo 64.º).

       Relativamente ao Imposto Municipal sobre Imóveis[78], a isenção decorre da alínea e), do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por sinal, em termos idênticos aos das associações sindicais, segundo se dispõe na alínea imediatamente anterior:

«Artigo 44.º

(Isenções)

              1 – Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis:

              […]

              d) As associações sindicais e as associações de agricultores, de comerciantes, de industriais e de profissionais independentes, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins;

              e) As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins;

              […]».

       No que toca ao Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis[79] — no lugar da antiga sisa municipal — determina-se a isenção, a pedido dos interessados (cf. artigo 10.º do Código do IMT) das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública quanto aos bens destinados, direta e imediatamente à realização dos seus fins estatutários (cf. alínea d] do artigo 6.º) e das instituições particulares de solidariedade social e entidades a estas legalmente equiparadas, quanto aos bens destinados, direta e imediatamente, à realização dos seus fins estatutários (alínea e] do mesmo preceito).  

       Já, por seu turno, a isenção do Imposto Único de Circulação encontra-se reservada a certos tipos de veículos de algumas pessoas coletivas de utilidade administrativa e às instituições particulares de solidariedade social[80].

       Quanto às custas judiciais, prevê-se a isenção das «pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável», segundo o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais[81].

       Quer isto dizer que há pessoas coletivas de utilidade pública sem beneficiarem da isenção de custas judiciais e há outras pessoas coletivas que, apesar de não terem esse estatuto, beneficiam da isenção de preparos e custas, simplesmente por não terem fins lucrativos.

       De igual modo, para isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado com relação a transmissões onerosas[82] mostra-se irrelevante o estatuto de utilidade pública.

       Com efeito, as pessoas coletivas de utilidade pública que beneficiam de isenções sobre a transmissão ou prestação de certos bens e serviços (cf. artigo 9.º do Código do IVA), não a obtêm por efeito direto de tal estatuto; antes, a partir de outros pressupostos reconhecidos autonomamente:

«Artigo 10.º

(Conceito de organismos sem finalidade lucrativa)

             

              Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente:

              a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse direto ou indireto nos resultados da exploração;

              b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas atividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;

              c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não suscetíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;

              d) Não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos do imposto».

       Refira-se ainda o disposto no artigo 152.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares[83] (IRS) e que permite, nos termos da Portaria n.º 22/2017, de 12 de janeiro, que os contribuintes consignem 0,5/prct. do IRS liquidado a «pessoas coletivas de utilidade pública que desenvolvam atividades de interesse cultural» — atividades essas a confirmar pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (cf. n.º 1 do artigo 1.º).

       Aos benefícios tributários podem somar-se, entre outros:

                Condições preferenciais de acesso ao crédito, como as que resultam para fins de reabilitação do património edificado, do Decreto-Lei n.º 449/83, de 26 de dezembro[84], conquanto esta possibilidade seja estendida a muitas outras instituições sem fins lucrativos, tenham, ou não, o estatuto de utilidade pública reconhecido;

             

              Apoios financeiros públicos, como por exemplo, «para a construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de equipamentos urbanos de utilização coletiva, incluindo os equipamentos religiosos», nos termos do Despacho nº 7187/2003, de 21 de março[85], a que podem candidatar-se «as instituições privadas sem fins lucrativos, oficialmente constituídas há mais de dois anos, que prossigam fins de interesse público, desde que o equipamento a financiar se inclua no âmbito das suas finalidades estatutárias dominantes» (cf. alínea a], do n.º 2).

      

       Estas e outras normas confirmam que nem todas as associações sem fins lucrativos, mesmo que ostentando algum interesse geral, correspondem ao perfil traçado para as pessoas coletivas de utilidade pública. Mas já pôde igualmente registar-se a previsão de múltiplos benefícios a determinadas associações apenas por não terem fins lucrativos.

  1. Deveres e ónus decorrentes do estatuto de utilidade pública.

       O reconhecimento do estatuto de utilidade pública, por seu turno, comporta vinculações.

       Assim, constituem-se, por via do estatuto de utilidade pública, algumas situações jurídicas passivas, nomeadamente deveres, ónus e encargos:

              — Apresentação anual ao Governo do relatório de atividades e contas (cf. alínea a] do n.º 1 do artigo 12.º);

              Prestação de informações requeridas pela Administração direta ou indireta (cf. alínea b] do n.º 1 do artigo 12.º);

              Comunicação ao Governo das alterações estatutárias (cf. alínea c] do n.º 1 do artigo 12.º);

              Abstenção de obter vantagens concorrenciais no mercado por meio da oferta de bens e serviços que desenvolvam a título secundário, decorrentes do estatuto de utilidade pública (cf. alínea a] do n.º 2 do artigo 12.º);

              Autonomização nas contas a prestar das receitas e custos imputados a tais atividades desenvolvidas a título secundário e excluídas portanto dos benefícios fiscais a que de outro modo teriam direito (cf. alínea b] do n.º 2 do artigo 12.º);

              Fiscalização do cumprimento de obrigações tributárias relativas ao imposto sobre o valor acrescentado, dentro dos limites da sua capacidade[86].

       Por sua vez, o estatuto de utilidade pública pode ser revogado pelo Primeiro-Ministro, de acordo com os pressupostos enunciados no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro:

«Artigo 13.º

(Cessação dos efeitos da declaração de utilidade pública)

              1 — A declaração de utilidade pública e as inerentes regalias cessam:

              a) Com a extinção da pessoa coletiva;

              b) Por decisão da entidade competente para a declaração, se tiver deixado de se verificar algum dos pressupostos desta;

              c) Pela violação séria ou reiterada dos deveres que lhes estejam legalmente impostos.

              2 – A cessação da declaração de utilidade pública nos termos das alíneas b) e c) do número anterior é precedida por um procedimento instrutório no qual se demonstre, fundamentadamente, a sua ocorrência.

              3 – Das decisões referidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 cabe recurso, nos termos gerais.

              4 – As pessoas coletivas que tiverem sido objeto da decisão prevista na alínea b) do n.º 1 poderão recuperar a sua categoria de utilidade pública desde que voltem a preencher os requisitos exigidos para a sua concessão, mas não antes de decorrido um ano sobre a decisão referida».

       Uma das razões por que pode ser feito cessar o estatuto é a perda dos pressupostos legais que habilitam o reconhecimento. Centremo-nos, por conseguinte, nas disposições concernentes aos requisitos sem cujo preenchimento o estatuto de utilidade pública não pode validamente ser reconhecido.

       É nessas disposições que haverá de encontrar-se base para tomar uma posição definitiva acerca da admissibilidade das associações sindicais ao estatuto de utilidade pública.

  1. Pressupostos e requisitos do reconhecimento.

       Dispõe-se no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, um conjunto relativamente extenso de pressupostos e requisitos nos termos seguintes:

Artigo 2.º

(Condições gerais da declaração de utilidade pública)

              1 - Nos termos do presente decreto-lei, as entidades referidas no n.º 1 do artigo anterior só podem ser declaradas de utilidade pública quando, cumulativamente, se verificarem os seguintes requisitos:

              a) Desenvolverem, sem fins lucrativos, a sua intervenção em favor da comunidade em áreas de relevo social tais como a promoção da cidadania e dos direitos humanos, a educação, a cultura, a ciência, o desporto, o associativismo jovem, a proteção de crianças, jovens, pessoas idosas, pessoas desfavorecidas, bem como de cidadãos com necessidades especiais, a proteção do consumidor, a proteção do meio ambiente e do património natural, o combate à discriminação baseada no género, raça, etnia, religião ou em qualquer outra forma de discriminação legalmente proibida, a erradicação da pobreza, a promoção da saúde ou do bem-estar físico, a proteção da saúde, a prevenção e controlo da doença, o empreendedorismo, a inovação e o desenvolvimento económico, a preservação do património cultural;

              b) Estarem regularmente constituídas e regerem-se por estatutos elaborados em conformidade com a lei;

              c) Não desenvolverem, a título principal, atividades económicas em concorrência com outras entidades que não possam beneficiar do estatuto de utilidade pública;

              d) Não serem enquadráveis em regimes jurídicos especiais que lhes reconheçam a natureza ou, em alternativa, o gozo das prerrogativas das pessoas coletivas de utilidade pública;

              e) Possuírem os meios humanos e materiais adequados ao cumprimento dos objetivos estatutários;

              f) Não exercerem a sua atividade, de forma exclusiva, em benefício dos interesses privados quer dos próprios associados, quer dos fundadores, conforme os casos.

              2 - As associações que funcionem primariamente em benefício dos associados podem ser declaradas de utilidade pública se pela sua própria existência fomentarem relevantemente atividades de interesse geral e reunirem os requisitos previstos no número anterior».

       De forma resumida, à luz do disposto no artigo 2.º, podemos sistematizar os pressupostos e requisitos essenciais, repartindo-os entre negativos e positivos.

       São três os requisitos negativos, ou seja, as condições que não podem verificar‑se nas pessoas coletivas de utilidade pública:

              Fins lucrativos;

              Prática de atividades económicas, a título principal, em concorrência com pessoas coletivas que possuam fins lucrativos ou que, não os possuindo, sejam insuscetíveis de obterem igual estatuto de utilidade pública;

              Benefício já adquirido através de regimes jurídicos especiais que lhes atribua as prerrogativas das pessoas coletivas de utilidade pública.

       Por seu turno, há quatro requisitos a preencher positivamente:

              Atividade em favor da comunidade;

              Regularidade estatutária e da constituição como pessoas coletivas;

              Suficiência de meios para prosseguirem os seus fins;

              Prevalência de fins alheios aos interesses privados dos associados ou dos fundadores.

       Este último requisito, de acordo com o n.º 2 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, não é absoluto, posto que certas pessoas coletivas, não obstante funcionarem predominantemente em benefício dos seus associados ou fundadores, «podem ser declaradas de utilidade pública se pela sua própria existência fomentarem relevantemente atividades de interesse geral e reunirem os requisitos previstos no número anterior», ou seja se satisfizerem aos demais requisitos positivos e negativos do n.º 1 do artigo 2.º.

       Não fora a possibilidade que acabámos de assinalar e diríamos, sem mais, que toda e qualquer associação sindical se encontraria fora do âmbito deste regime e do estatuto de utilidade pública, sendo manifesto que tais entidades prosseguem interesses coletivos, ou melhor, interesses privados homogéneos que radicam numa afinidade profissional: os trabalhadores por conta de outrem num certo ramo ou setor de atividade económica, de certa profissão exercida por conta de outrem, em certa região ou local ou em todo o território nacional.

       Só a referida norma permite alimentar dúvidas em torno do reconhecimento do estatuto de utilidade pública às associações sindicais que o requeiram.

       Voltaremos a este aspeto central para a consulta, depois de concluirmos a caracterização das pessoas coletivas de utilidade pública, designadamente olhando para uma estreita afinidade que se descortina com a chamada economia social e os sujeitos que nela operam.

       Assim, a Lei n.º 30/2013, de 8 de maio (Bases da Economia Social) considera intervenientes neste domínio os seguintes sujeitos (cf. artigo 4.º):

              As cooperativas;

              As associações mutualistas;

              As misericórdias;

              As fundações;

              As instituições particulares de solidariedade social não compreendidas nas espécies anteriores;

              As associações com fins altruísticos que atuem no âmbito cultural, recreativo, do desporto e do desenvolvimento local;

              As entidades abrangidas pelos subsetores comunitário e autogestionário, integrados no setor cooperativo e social;

              Outras pessoas coletivas que respeitem os princípios orientadores da economia social, a saber (cf. artigo 5.º):

                   O primado das pessoas e dos objetivos sociais;

                   A adesão e participação livre e voluntária;

                   O princípio democrático nas relações entre os seus órgãos e os membros;

                   A conciliação entre os interesses dos membros, utilizadores ou beneficiários e o interesse geral;

                   O respeito pelos valores da solidariedade, da igualdade e da não discriminação, da coesão social, da justiça e da equidade, da transparência, da responsabilidade individual e social partilhada e da subsidiariedade;

                   A gestão autónoma e independente das autoridades públicas e de quaisquer outras entidades exteriores à economia social;

                   A afetação dos excedentes à prossecução dos fins das entidades da economia social de acordo com o interesse geral, sem prejuízo do respeito pela especificidade da distribuição dos excedentes, própria da natureza e do substrato de cada entidade da economia social.

       As atividades destes sujeitos da economia social, de acordo com o n.º 2 do artigo 2.º da citada Lei de Bases, «têm por finalidade prosseguir o interesse geral da sociedade, quer diretamente quer através da prossecução dos interesses dos seus membros, utilizadores e beneficiários, quando socialmente relevantes».

       Qualificadas como tal, assiste-lhes a possibilidade de acederem ao Fundo para a Inovação Social, enquadrado pelo Decreto-Lei n.º 28/2018, de 3 de maio, tendo presente que nem todas são instituições particulares de solidariedade social, mas que partilham uma matriz altruística para com as comunidades sociais em que operam.

       Matriz que, de certa forma, podemos assinalar, a final, à generalidade das pessoas coletivas de utilidade pública, mas não decerto às associações sindicais, ou políticas, nem a instituições de divulgação ou proselitismo ideológico, filosófico ou espiritual.

  1. Estatuto de utilidade pública e Administração Pública.

       As pessoas coletivas de utilidade pública, uma vez reconhecidas como tal, não apenas cooperam ativamente com a função administrativa do Estado, como também passam a prossegui-la continuadamente e comprometem-se a fazê-lo.

       Função administrativa do Estado para cuja caracterização nos valemos do ensino de AFONSO QUEIRÓ[87]:

              «Visa-se a satisfação de todos os interesses públicos cuja prossecução o legislador entende dever ser levada a cabo, abrangendo os mais diferentes aspetos da vida humana, interesses cujo número e cuja natureza variam conforme as conceções que ao legislador se impuserem e que ele adote em cada momento histórico — excluído o interesse público na composição dos conflitos de interesses em concreto, que esse […] é objeto da função jurisdicional. Serão fins de conservação (defesa externa e de ordem pública interna), fins de bem-estar e de progresso (necessidades físicas, económicas, interesses intelectuais e morais do povo) e fins de organização. De qualquer modo fins ou interesses especiais ou grupos de interesses desta ordem».

       Como tal, as pessoas coletivas de utilidade pública, em certo sentido, passam a fazer parte da Administração Pública, ainda que o seu substrato e natureza permaneçam no setor social ou cooperativo, eventualmente no setor privado.

       Administração Pública em sentido material, mas não em sentido orgânico, designadamente no que concerne aos casos «em que a lei admite que a atividade administrativa seja exercida por particulares — quer por indivíduos quer por associações, fundações e sociedades criadas pela iniciativa privada —, que são chamados a colaborar com a Administração, apesar de paralelamente também prosseguirem, ou poderem prosseguir, os seus fins privados[88]».

       O certo é que tais pessoas coletivas ficam concretamente vinculadas a uma utilidade pública, o que representa uma parcela concreta do interesse público, a não confundir com o conceito mais extenso de interesse geral.

       O reconhecimento do estatuto de utilidade pública, dada a relação de complementaridade com as atribuições do Estado, combina os fins de interesse geral com a prossecução de um interesse público secundário.

       Observa DIOGO FREITAS DO AMARAL[89] que um dos traços marcantes destas pessoas coletivas é o dever de cooperar com a Administração Pública no desenvolvimento de fins de interesse geral[90]. Já se antevê, mas teremos oportunidade de o confirmar, por que motivo um tal dever se revela incompatível com a natureza jurídica das associações sindicais.

  1. Associações sindicais e interesses coletivos dos trabalhadores.

       Neste ponto, estaremos habilitados a considerar que as associações sindicais se mostram distantes da vocação primordial que recenseámos nas instituições de substrato privado e utilidade pública, mesmo no caso da sua expressão mais simples, ou seja, das pessoas coletivas de (mera) utilidade pública.

       Compreendendo sindicatos, federações, uniões e confederações, nos termos do n.º 3 do artigo 440.º do Código do Trabalho[91], o direito dos trabalhadores a constituírem tais associações é exercido em ordem à «defesa e promoção dos seus interesses socioprofissionais», de acordo com o n.º 1 do mesmo artigo.

       Os direitos próprios das associações sindicais convergem para um interesse coletivo vertebral: o dos seus associados e indiretamente de outros trabalhadores em posição análoga (v.g. os trabalhadores sem filiação sindical). No demais, o interesse geral só eventual e reflexamente pode dizer-se prosseguido.

       Assim, o Código do Trabalho garante às associações sindicais (como também às associações de empregadores) os direitos seguintes:

«Artigo 443.º

(Direitos das associações)

              1 – As associações sindicais e as associações de empregadores têm, nomeadamente, o direito de:

              a) Celebrar convenções coletivas de trabalho;

              b) Prestar serviços de carácter económico aos seus associados;

              c) Participar na elaboração da legislação do trabalho;

              d) Iniciar e intervir em processos judiciais e em procedimentos administrativos quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei;

              e) Estabelecer relações ou filiar-se, a nível nacional ou internacional, em organizações, respetivamente, de trabalhadores ou de empregadores.

              2 – As associações sindicais têm, ainda, o direito a participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no respeitante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.

              3 – […]».

       Perante o que vem exposto não se descortina como possa uma associação sindical fomentar relevantemente atividades de interesse geral e satisfazer a todos os demais requisitos, em especial o desenvolvimento de atividades ao serviço de interesses comunitários e que na alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, surgem exemplificadas no modo que já foi reproduzido e em que reconhecemos, genericamente, a matriz da economia social: o altruísmo.

       Queremos com isto afirmar que, não obstante serem excecionalmente admitidas ao estatuto de utilidade pública «associações que funcionem primariamente em benefício dos associados» (cf. n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro), permanece sempre por cumprir — no caso das associações sindicais — um dos demais critérios cumulativamente fixados: a ação comunitária e vocacionada para promover e proteger bens jurídicos alheios ao seu substrato.

       Este Conselho Consultivo, nos Pareceres n.º 31/90, de 11 de julho de 1991[92], n.º 74/99, de 9 de novembro de 2000[93], e n.º 30/2008, de 24 de março de 2011[94], já teve oportunidade de avistar o núcleo essencial do que deva ter-se como «natureza sindical».

       Sem fugir à orientação ali perfilhada, diríamos que tal núcleo encontra-se no exercício de meios persuasivos junto do Estado e do patronato para reivindicar com bom-sucesso a defesa dos direitos, interesses e legítimas aspirações dos trabalhadores: a viabilização de promoções ou de progressões nas carreiras, alterações dessas mesmas carreiras ou categorias e conteúdos funcionais, acréscimo das retribuições, eventualmente de participações no lucro, modificações nos tempos de trabalho e de descanso, nas condições de saúde no trabalho, nas férias e licenças, em benefícios complementares para os trabalhadores e seus familiares, nas condições da reforma ou aposentação. Nada exclui porém das reivindicações finalidades mais amplas de ordem política, à escala nacional ou da União Europeia.

       Meios persuasivos que vão da participação institucional na concertação social ao exercício dos direitos de manifestação e de antena, às reuniões de trabalhadores ou à greve, entre outros.

       É aqui que se encontra a matriz da natureza sindical.    

       Por conseguinte, ainda que uma associação sindical desenvolva atividades de promoção da cidadania, do desporto, da cultura, da formação profissional ou da proteção do meio ambiente, não o faz a título principal nem a despeito dos interesses diretos e pessoais dos associados.

       Tal componente mostra-se por definição acessória, complementar ou residual, sob pena de se comprometer o objeto essencial da defesa e promoção dos direitos dos seus associados, enquanto trabalhadores sindicalizados.

       Dizer-se, pois, que satisfazem utilidades de interesse geral não permite reconhecer-lhes a relevância pública em tal domínio que é pressuposta no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro.

       De contrário, deixariam de constituir associações sindicais, enveredando pelo âmbito da economia social.

  1. Liberdade sindical e vinculação ao interesse público.

       É, de igual modo, a liberdade sindical a não poder abrir mão da independência das associações constituídas ao seu abrigo, em termos análogos aos das instituições que vimos de inventariar, mesmo na expressão mais singela da (mera) utilidade pública.

       Tanto assim é que houve o cuidado de consagrar no n.º 2 do artigo 442.º do Código do Trabalho não se aplicarem às associações sindicais «as normas do regime geral do direito de associação suscetíveis de determinar restrições inadmissíveis à respetiva liberdade de organização»[95].

       Ainda que os poderes sindicais de outorgar em convenções coletivas de trabalho (cf. n.º 3 do artigo 56.º da Constituição) possam suscitar interrogações acerca do estatuto público ou privado das associações sindicais, a verdade é que as normas convencionais coletivas resultam de um consenso.

       Tais interrogações não têm, por isso, razão de ser e a liberdade sindical constitui penhor de que a contratação coletiva é fruto de negociações desejavelmente livres, leais e esclarecidas.

       Explica ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO[96] que «os sindicatos – e demais associações sindicais – não contribuem para a formação ex auctoritate de regras, mas antes ex consensu ou ex conventione. Assiste-se, pois, a um alargamento da técnica e dos valores privados a novas e sugestivas áreas do ordenamento».

       A independência do movimento sindical é absolutamente avessa a um estatuto corporativo dos sindicatos, suas federações, uniões e confederações, como aquele que resultaria, de algum modo, do reconhecimento do estatuto de utilidade pública às associações sindicais.

       É deveras significativo o que a este propósito consta do n.º 4 do artigo 55.º da Constituição:

              «As associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras».

       Porém, nem tudo é óbvio neste campo da independência e separação entre Estado e sindicatos, suas uniões, federações e confederações.

       Em comentário ao citado preceito constitucional, GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA[97] afirmam não ser de enjeitar a atribuição legal de tarefas públicas aos sindicatos ou de subsídios conexos com certas funções, nomeadamente ao nível da concertação social e da formação profissional.

       E nada parece obstar a que as associações sindicais aufiram certos benefícios, em nome da função social que desempenham.

       Aliás, preveem-se algumas regalias e direitos especiais das associações sindicais, em termos aproximados ao estatuto das pessoas coletivas de utilidade pública, mas sem as contrapartidas que por estas são devidas:

              Isenção do imposto municipal sobre imóveis «quanto aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins» (cf. alínea d), do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais);

              — Isenção de IRC, exceto no que respeita a rendimentos de capitais e a rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, tal como são definidos para efeitos de IRS, e ainda, os rendimentos derivados de ações de formação prestadas aos respetivos associados no âmbito dos seus fins estatutários (alínea b], do n.º 1 e n.º 2 do artigo 55.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

       Multiplicam-se, de resto, os programas de apoio financeiro que, reservados a entidades sem fins lucrativos, dispensam o reconhecimento do estatuto de utilidade pública: o Fundo Europeu de Regresso[98], o Programa Quadro Solidariedade e Gestão de Fluxos Migratórios[99], o Fundo Europeu para os Refugiados[100], os Programas de Apoio Financeiro a atribuir pelos serviços e organismos centrais do Ministério da Saúde e pelas administrações regionais de saúde[101] a pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos[102], a Linha de Apoio à Internacionalização de Patentes[103], o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Economia Social[104], contribuições financeiras para iniciativas concernentes à prevenção rodoviária[105], a Medida de Promoção de Igualdade de Género no Mercado de Trabalho[106], bonificação de juros para empréstimos contraídos por determinadas associações sem fins lucrativos[107], o Contrato emprego-inserção e o contrato emprego-inserção+[108], as medidas de fomento à contratação de doutorados[109], os Fundos Europeus Estruturais e de Desenvolvimento (2014-2020[110]), os programas e medidas de apoio ao desenvolvimento e proteção das atividades cinematográficas e audiovisuais[111], o Apoio Técnico à Criação e Consolidação de Projetos (ATCP), no âmbito do Programa de Apoio ao Empreendedorismo[112], os Gabinetes de Inserção Profissional[113], o Programa de Contratos Locais de Desenvolvimento Social[114], os Programas Operacionais financiados pelo Fundo Social Europeu, designadamente o Programa Operacional Potencial Humano, o Programa Operacional de Assistência Técnica do Fundo Social Europeu e os programas operacionais das Regiões Autónomas[115], o regime de empréstimos a cooperativas de habitação e associações de moradores[116].

       Ora, é-nos dado ver que em muitas destas medidas de apoio financeiro público para incentivar o alcance de objetivos de políticas públicas ou referenciam expressamente as associações sindicais como possíveis candidatas ou genericamente definem como destinatárias as entidades sem fins lucrativos.

       Contudo, as formas de colaboração das associações sindicais com a Administração Pública (v.g. participação no sistema de segurança social, valorização profissional dos trabalhadores) não se vê que possam atingir um nível de complementaridade igual ao das tarefas assumidas pelas pessoas coletivas de utilidade pública.

       Uma coisa são relações de cooperação avulsa, pontuais e convencionadas; outra diferente são os deveres de auxílio e cooperação continuada ou disponível que decorrem diretamente da lei e do reconhecimento do estatuto de utilidade pública. Nem por isso são menos legítimos os interesses coletivos das associações sindicais nem menos relevante a sua função económica e social. Num plano diferente porém.

       Nas palavras de DIOGO FREITAS DO AMARAL[117], «muitas vezes, verificar-se-á coincidência entre a utilidade particular das formas de administração privada e a utilidade social, coletiva, dessas mesmas formas: nisso reside, aliás, o fundamento da existência de iniciativa privada num regime democrático. Mas o facto de o resultado das atividades privadas ser socialmente útil à coletividade — e, como tal, legítimo e desejável — não significa que o fim dessa administração privada seja a prossecução direta do interesse geral: o fim principal é aí, diferentemente, a prossecução de um interesse particular, ainda que tendencialmente coincidente com o interesse público».

       Acresce que as associações sindicais não são livres de renunciar à independência, ainda que tal correspondesse, por hipótese, à vontade dos seus associados, quer em relação às entidades patronais quer em relação ao Estado.

       Ora, a independência sindical mostra-se incompatível com os deveres e obrigações a que se vinculam as associações e fundações de utilidade pública.

       Tivemos oportunidade de recensear as situações jurídicas passivas que decorrem do estatuto de utilidade pública, designadamente os deveres para com a Administração Pública, seja na prestação de contas, seja na prestação de informações.

       Deveres que privariam uma associação sindical da sua independência, tendo, por exemplo, de apresentar anualmente o relatório de atividades à Presidência do Conselho de Ministros, sob pena de, não o fazendo, incorrer no incumprimento dos seus deveres.

       Incumprimento que não é inconsequente, como vimos resultar do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro.

       O controlo exercido por este meio pode, em certa medida, considerar-se uma forma de tutela administrativa[118] e de tipo sancionatório, por vezes.

       A restrição da independência sindical seria ainda mais notória na eventualidade de tratar-se de associação representativa de trabalhadores em funções públicas.

       É bem de ver que o empregador público não pode dissociar-se da natureza jurídica que possui, enquanto órgão, serviço personalizado, instituto ou entidade empresarial da Administração Pública do Estado, enquanto região autónoma, autarquia local ou entidade administrativa independente.

       Às associações sindicais, já o dissemos, e valendo-nos do texto constitucional, cumpre-lhes «defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam» (cf. n.º 1 do artigo 56.º da Constituição) ainda que possam ultrapassar estritamente o interesse atinente ao exercício da profissão e combater «problemas sociais de caráter extraprofissional[119]», na medida em que digam respeito à condição social de trabalhador subordinado ou por conta de outrem, em geral.

       Tal defesa, num Estado de direito democrático — já não assim em regimes autoritários corporativos ou coletivistas — não tem de convergir com o interesse geral e, muito menos, com o interesse público.

       Recorde-se, a este propósito, que era a Constituição Política, de 11 de abril de 1933, a definir a forma do regime como «República Corporativa» (cf. §1.º do artigo 5.º[120]), sendo que apenas os organismos corporativos autorizados pelo Estado podiam celebrar contratos coletivos de trabalho (cf. artigo 37.º[121]) e não se estranhando que os empregados das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa — também elas, corporações — se encontrassem sujeitos ao regime disciplinar dos funcionários civis do Estado (cf. artigo 25.º[122]).

       Perante a Constituição de 2 de abril de 1976, a independência sindical e os interesses coletivos dos trabalhadores encontram-se indissoluvelmente vinculados.

       Como salientam GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA[123], «a differentia specifica do sindicato em relação às restantes associações está […] no seu carácter de associação de classe, de associação de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores».

       Nas palavras de ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES[124], o exercício da liberdade sindical significa «aquilo que se poderia designar por ‘categoria sindical’ e que não é mais do que a representação abstrata de um substrato associativo, tal como os seus membros o quiseram, e que se define no estatuto do sindicato. A ‘categoria sindical’, nesse sentido, pode corresponder a um conjunto de categorias profissionais (funções) integráveis num mesmo género de atividade laboral (profissão) — e ter-se-á um sindicato horizontal ou de profissão —, ou inseridas num mesmo ramo de atividade empresarial — e estar-se-á perante um sindicato vertical, de indústria ou de ramo».

       Dispondo de inequívoca utilidade social e coletiva, os seus fins são bem diferentes daqueles que prosseguem, por exemplo, as sociedades científicas, as mutualidades ou as associações humanitárias de bombeiros, pelo que não devem os sindicatos sujeitar-se ao estatuto de utilidade pública.

       Na hipótese de uma associação sindical ser reconhecida como de utilidade pública, passaria, ainda que parcelarmente, a encontrar-se na órbita da Administração Pública e a subordinar-se a princípios gerais de direito administrativo demasiado restritivos para a respetiva liberdade fundamental: da legalidade administrativa (cf. n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo), da prossecução do interesse público (cf. artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo), da boa administração (cf. artigo 5.º), da imparcialidade (cf. artigo 9.º), da colaboração com os particulares (cf. artigo 11.º), da decisão (cf. artigo 13.º).

       A atividade praticada ao abrigo do estatuto de utilidade pública, porque «regulada de modo específico por disposições de direito administrativo» (cf. n.º 1 do artigo 1.º do Código do Procedimento Administrativo), vê-se introduzida no quadro das relações jurídicas interadministrativas.

       Nesta linha, e embora abstendo-se de qualificar certa fundação de utilidade pública como integrando a Administração Pública, o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 1 de junho de 2017[125], admitiu, em abstrato, encontrar-se vinculada aos deveres de facultar a consulta de processos e passar certidões, nos termos das pertinentes disposições do Código do Procedimento Administrativo, desde que no âmbito de relações jurídicas administrativas.

       Por seu turno, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 25 de março de 2003[126], pertinentemente recenseado na Informação n.º DADJ/444/2017, que acompanha o pedido de consulta, considerou o seguinte:

              «É indiscutível que o princípio da independência das associações sindicais relativamente ao Estado constitui um valor constitucionalmente consagrado, o qual radica na proteção da própria liberdade sindical. Ora, tal princípio da independência e autonomia repele qualquer ingerência do Estado na organização e direção das associações sindicais. Afigura-se-nos por outro lado apodítico que a independência e autonomia como necessárias à defesa dos interesses dos trabalhadores implicam um certo distanciamento em relação ao Estado de direito democrático (cf. artigo 2.º da CRP). Assim sendo, o direito de fiscalizar a atividade da entidade beneficiária da garantia[127], tanto do ponto de vista técnico e económico como do ponto de vista administrativo e financeiro (…), não se afigura compatível com o princípio da independência e autonomia de que as mesmas gozam (…). Na verdade, passando o Estado a deter o direito de fiscalizar a associação apoiada, mais do que o seu distanciamento em relação ao mesmo Estado, fica legitimada alguma ingerência deste na sua organização e direção, com a consequente quebra da sua independência, assim afrontando o enunciado comando constitucional contido no n.º 4 do artigo 55.º da CRP».

       Veremos que o direito internacional recebido na nossa ordem jurídica aponta nesta mesma direção a respeito da liberdade sindical.

  1. A Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho (liberdade sindical).

       Com efeito, a Organização Internacional do Trabalho inclina-se também para desaconselhar o reconhecimento pelo Estado ou por outras autoridades públicas de um estatuto de utilidade pública às associações sindicais.

       Mais ainda se tal reconhecimento puder ser removido com ampla discricionariedade valorativa pelo Estado ou pelas regiões autónomas.

       Com efeito, uma das mais importantes convenções internacionais aprovadas na Organização Internacional do Trabalho, a Convenção n.º 87, de 17 de junho de 1948, e que Portugal viria a ratificar através da Lei n.º 45/77, de 7 de julho, mostra-se avessa a uma tal hipótese.

       Tal Convenção desenvolve o princípio da independência sindical com alguma densidade e dispõe de instrumentos de controlo da sua aplicação bastante incisivos: o Comité de Liberdade Sindical[128].

       Na Convenção estipulou-se a proibição de ingerência, nos termos seguintes:

«Artigo 3.º

              1 – As organizações de trabalhadores e as entidades patronais têm o direito de elaborar os seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente os seus representantes, organizar a sua gestão e a sua atividade e formular o seu programa de ação.

              2 – As autoridades públicas devem abster-se de qualquer intervenção suscetível de limitar esse direito ou de entravar o seu exercício legal».

       É sobretudo o n.º 2 a ancorar a incompatibilidade entre o estatuto de utilidade pública e a liberdade sindical. Ele contempla intervenções suscetíveis de a limitar ou de entravar o seu exercício, como seria o caso da fiscalização sistemática das contas ou dos planos de atividades por parte do Governo.

       Considerou-se que «para colocar os sindicatos ao abrigo das vicissitudes políticas e subtraí-los à dependência dos poderes públicos, é desejável, por um lado, que as organizações profissionais limitem a sua atividade — sem prejuízo da liberdade de opinião dos seus membros — aos domínios profissional e sindical, e, por outro lado, que o Governo se abstenha de intervir no funcionamento dos sindicatos[129]».

       A verdade porém é que a certas confederações sindicais e patronais foi atribuído um estatuto baseado no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro. Veremos se, e em que medida, isto pode pôr em crise a incompatibilidade que temos vindo a descortinar.

  1. O reconhecimento da utilidade pública a parceiros sociais (Decreto-Lei n.º 213/2008, de 10 de novembro).

       Com efeito, o Decreto-Lei n.º 213/2008, de 10 de novembro[130], veio equiparar as confederações sindicais e as confederações de empregadores com assento na Comissão Permanente de Concertação Social[131] a pessoas coletivas de utilidade pública.

       Com isto pareceria terem claudicado, ao fim e ao cabo, as objeções ao estatuto de utilidade pública das associações sindicais que o requeressem.

       Mas não é assim. Antes pelo contrário.    

       Este diploma vem precisamente confirmar que, na base, há um antagonismo entre o estatuto de utilidade pública e as associações sindicais (ou de empregadores).

       A equiparação é circunscrita a duas confederações sindicais e deixa-as à margem do regime geral.

       Beneficiam tão-só do regime previsto nos artigos 9.º a 11.º e a equiparação tem lugar só «para efeitos de acesso a financiamentos públicos» (cf. artigo 2.º).

       A exposição de motivos assinala o carácter excecional desta medida. Assim, pode ler-se no preâmbulo do citado diploma o que se transcreve a respeito do regime das pessoas coletivas de utilidade pública:

              «O regime assim estabelecido sujeita estas entidades a um regime misto, uma vez que, por um lado, lhes concede certos benefícios face às restantes pessoas coletivas, mas, por outro, as sujeita a um regime especial de controlo ou de tutela administrativa. Este regime especial tem como fundamento os interesses gerais que prosseguem e a sua cooperação com a Administração no cumprimento das suas atribuições».

       O texto preambular prossegue, registando a incompatibilidade de estatutos entre as associações sindicais e o reconhecimento da utilidade pública:

              «De facto, as confederações sindicais, nos termos do n.º 4 do artigo 55.º da Constituição, gozam de garantias especiais de independência que são dificilmente coadunáveis com os deveres associados ao reconhecimento da sua utilidade pública. No entanto, certas associações sindicais prosseguem tarefas públicas como, por exemplo, as relacionadas com a valorização profissional. O mesmo acontece com associações de empregadores».

       Concede-se pois o estatuto de utilidade pública, mas parcialmente e fora do regime comum:

              «Tendo em conta as funções prosseguidas e a dificuldade constitucional na aplicação do regime das pessoas coletivas de utilidade pública às confederações sindicais, considera-se apropriado a aplicação de um regime de reconhecimento da utilidade pública diferenciado, que garanta que estas entidades usufruem de benefícios relacionados com a sua participação na prossecução do interesse público. Apesar de não existir uma garantia constitucional expressa de independência das confederações de empregadores equivalente à das associações sindicais, considera-se apropriado, tendo em conta o princípio da igualdade e a proximidade e analogia de situações, aplicar o mesmo regime às associações de empregadores que estejam nas mesmas condições do que as confederações sindicais».

       É caso para dizer que a exceção confirma a regra. E a regra é a incompatibilidade do estatuto de utilidade pública com a defesa e promoção de interesses setoriais e conflituantes.

       Defesa que não pode subestimar a sua esfera de liberdade, sob pena de incentivar um processo de erosão da independência sindical com riscos evidentes, mas também latentes, em muitos casos.

  1. Estatuto de utilidade pública e direitos institucionais sob o regime dos direitos, liberdades e garantias.

       São razões de ordem semelhante que podem justificar a recusa do estatuto de utilidade pública a outras instituições sociais, culturais e políticas, apesar da sua garantia constitucional, mas justamente por motivo dessa mesma garantia, nomeadamente:

             

              Às empresas titulares de órgãos de informação geral, não obstante o tratamento e apoio não discriminatórios e os impedimentos à concentração[132] (n.º 4 do artigo 38.º);

              Aos partidos políticos, não obstante o direito de antena (cf. artigo 40.º) o financiamento público (cf. n.º 6 do artigo 51.º) e os especiais direitos de oposição (cf. n.º 3 do artigo 114.º);

              Às associações políticas (cf. n.º 1 do artigo 51.º);

              Às igrejas e a outras comunidades religiosas, não obstante os direitos em matéria de ensino e de comunicação social (cf. n.º 4 e n.º 5 do artigo 41.º);

              Às comissões de trabalhadores (cf. artigo 54.º);

              Às empresas privadas, não obstante a reserva pública de setores básicos da economia (cf. n.º 3 do artigo 85.º) e a eventual intervenção transitória do Estado na sua gestão (cf. n.º 2), além do apoio devido às pequenas e médias empresas, principalmente às que gerem emprego, aumentem as exportações ou substituam as importações (cf. alínea d) do artigo 100.º).

       Todas estas instituições confessionais, políticas ou empresariais contribuem decerto para o interesse geral, mas tal como os sindicatos, a sua atividade é exercida segundo um compromisso orientado numa perspetiva angular específica: dos seus associados, dos proprietários, dos filiados, dos fiéis.

       A diversidade de perspetivas que cada uma traz consigo enriquece o pluralismo democrático e, por isso, quer-se livre de compromissos com as atribuições do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

       Não raro, a intervenção que prosseguem, como a dos sindicatos, assume expressões de conflito com os poderes públicos, sendo desejável, num Estado pluralista, que tal suceda, contanto que no respeito pelo Estado de direito democrático. Ora, este reclama independência.

       Trata-se, no caso sindical, de conflitos económicos ou de interesses, acentuando-se «nestes diferendos o carácter reivindicativo e ajusta-se-lhes particularmente o recurso aos meios de luta laboral» (ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES[133]).

       De certo modo, o princípio de separação constitucionalmente mais explícito (do Estado com relação às confissões religiosas) vale outrossim para as demais referidas instituições, não só por razões de salutar resguardo das liberdades fundamentais que protagonizam, como também para evitar que se constituam instrumentos diáfanos de captura do interesse público.

       Como afirmação de um tal princípio de separação, desde que sem quebra da proeminência do Estado, há indicadores muito significativos na Constituição:

              A vinculação dos partidos políticos aos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política (cf. n.º 2 do artigo 10.º);

              As garantias de independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico (cf. n.º 4 do artigo 38.º);

              As específicas garantias de regulação da comunicação social (cf. artigo 39.º);

              A neutralidade da educação e das atividades culturais prestadas pelo Estado a diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas (cf. n.º 2 do artigo 43.º);

              A subordinação do poder económico ao poder político democrático (cf. alínea a] do artigo 80.º);

              A incumbência ao Estado de garantir uma equilibrada concorrência nos mercados, em ordem a impedir monopólios, oligopólios e abusos de posição dominante (alínea f] do artigo 81.º);

              A coexistência de setores diferenciados de propriedade dos meios de produção (alínea b] do artigo 80.º e artigo 82.º);

              O domínio público, enquanto garantia das funções do Estado e da apropriação coletiva de certos recursos naturais e infraestruturas (cf. artigo 84.º);

              A vedação de setores básicos a empresas privadas e outras entidades da mesma natureza (cf. n.º 3 do artigo 86.º);

              As garantias de pluralismo na composição do Conselho Económico e Social, de modo a que o Estado possa manter-se equidistante (cf. n.º 2 do artigo 92.º);

              As receitas fiscais como garantia de independência do Estado e da imparcialidade administrativa (artigos 103.º e seguintes);

              A responsabilidade política, civil e criminal dos titulares de cargos políticos, assim como as incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades (cf. artigo 117.º);

              O princípio da renovação nos cargos e mandatos políticos (cf. artigo 118.º);

              O princípio do mandato parlamentar representativo (cf. n.º 2 do artigo 152.º);

              A supremacia e independência dos tribunais (cf. artigos 202.º e seguintes);

              A vinculação da Administração Pública ao direito e ao interesse público (cf. artigo 266.º);

              A fiscalização administrativa do exercício privado de poderes públicos (cf. n.º 6 do artigo 267.º);

              O regime da função pública (cf. artigo 269.º).

       É bem de ver que o estatuto previsto no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, não obstante o carácter limitado dos benefícios que proporciona às pessoas coletivas reconhecidas de utilidade pública, poderia turvar as relações entre os poderes públicos e as associações sindicais, vir a criar compromissos de interdependência próprios de uma matriz político-constitucional outra — a do corporativismo de Estado.

       Acompanhamos, de novo, a informação n.º DADJ/444/2017, da Direção de Serviços Jurídicos e Documentação da Presidência do Conselho de Ministros[134], ao considerar que as associações sindicais não fazem parte do terceiro setor, antes representando com os partidos políticos e outras instituições um género próprio.

       Registe-se, por último, que, se por hipótese, o estatuto de utilidade pública viesse a ser reconhecido a associações sindicais, o legislador ver-se-ia limitado em futuras modificações auspiciadas ao Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, e que tivessem por escopo adensar ou avolumar os deveres, ónus e encargos decorrentes do reconhecimento para a generalidade das associações e fundações, sob pena de impor restrições excessivas à liberdade sindical. Acabaria decerto por ter de criar um novo regime para esse efeito, o que vem demonstrar como na verdade há uma incompatibilidade natural.

  1. Conclusões.

       Em face do exposto, apresentam-se as conclusões seguintes:

                     1.ª — O estatuto de utilidade pública é apenas um dos modos de incentivar e promover fundações e associações sem fins lucrativos e cuja atividade seja de interesse geral ou convirja com o interesse geral, constituindo ónus, encargos e deveres sobre as pessoas coletivas reconhecidas como tal, e submetendo-as a um controlo regular, mas estabelece apenas relações de cooperação duradoura e devida, segundo critérios de complementaridade ou subsidiariedade.

                     2.ª Encontra-se uma notória afinidade entre a vocação do estatuto de utilidade pública (Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro) e as Bases da Economia Social (Lei n.º 30/2013, de 8 de maio), a partir de uma matriz altruística, sem, no entanto, umas e outras entidades terem de identificar-se em absoluto.

                     3.ª — Além do estatuto de utilidade pública, encontram-se na ordem jurídica outros regimes que fomentam a acreditação, a inscrição ou registo de determinadas associações sem fins lucrativos, enquanto pressuposto de uma participação institucional qualificada: organizações não‑governamentais, associações de estatuto especial ou regimes de certificação para acesso a apoios financeiros públicos ou a benefícios fiscais.

                     4.ª — A inscrição ou admissão a um registo próprio de certas associações como organizações não-governamentais, bem como o reconhecimento a outras entidades sem fins lucrativos de um regime de participação qualificada em órgãos consultivos da Administração Pública ou de representação internacional, conquanto possa outorgar benefícios e outros direitos especiais deixa tais entidades inteiramente sob o direito privado.

                     5.ª — Por seu turno, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa — nestas se incluindo as pessoas coletivas de utilidade pública desportiva — correspondem a modelos de cooperação reforçada, inculcando o exercício obrigatório de incumbências determinadas, por vezes, de atribuições públicas típicas, e, em certos casos, conferindo poderes públicos de autoridade ou de domínio sobre coisas públicas.

                     6.ª — O reconhecimento de utilidade pública não se reduz à simples acreditação para efeitos de participação, mas por outro lado, não importa o desempenho integral de atribuições do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais nem investe tais pessoas coletivas na prestação obrigatória de serviços determinados, muito menos na atribuição de poderes públicos.

                     7.ª — Tendo como vocação associar de forma duradoura certas associações e fundações à satisfação de necessidades coletivas assumidas pela comunidade política, o reconhecimento do estatuto de utilidade pública desencadeia a vinculação das pessoas coletivas reconhecidas a certa utilidade pública concreta e diferenciada segundo os fins, objeto e âmbito territorial das entidades.

                     8.ª — O estatuto de utilidade pública, consagrado no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, constitui o regime básico comum a várias instituições que podem cumular estatutos diferenciados quanto maior for a vinculação às tarefas públicas: desde as pessoas coletivas de (mera) utilidade pública, às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, nomeadamente as pessoas coletivas de utilidade desportiva, passando pelas instituições particulares de solidariedade social. Por outras palavras, tal regime é o único aplicável às pessoas coletivas de utilidade pública em sentido estrito e revela-se subsidiário para as demais pessoas coletivas de utilidade pública (em sentido amplo).

                     9.ª — Já não se aplica, pelo menos, sem mais, às designadas pessoas coletivas privadas de utilidade pública (em sentido amplíssimo) nem às organizações não-governamentais.

                     10.ª Às associações sindicais assistem benefícios especiais, designadamente de ordem tributária e no acesso a subvenções públicas, sem contudo ficarem sujeitas a um regime de direito público em parcela alguma da atividade que desenvolvem.

                     11.ª — Os interesses coletivos protagonizados pelas associações sindicais assentam em interesses individuais homogéneos e a defesa que lhes cumpre empreender é, por isso, demarcada em função de um radical subjetivo próprio: os trabalhadores por conta de outrem de uma certa profissão, ramo ou setor produtivo.

                     12.ª — O sindicato, união ou federação de sindicatos que façam prevalecer na sua atividade a prestação de serviços de interesse geral sobre a matriz coletiva do substrato respetivo, deixam de poder identificar-se como associações sindicais, designadamente para os efeitos estatuídos no Código do Trabalho.

                     13.ª — As associações sindicais, pela natureza própria dos seus fins, devem mostrar-se salutarmente parciais e devem poder participar ativamente em conflitos coletivos de trabalho, na dinâmica da concertação social, da contratação coletiva e das formas legítimas de reivindicação, para defesa dos direitos dos trabalhadores, designadamente por melhores salários, benefícios de assistência na doença, horários e condições de trabalho, regimes de reforma ou aposentação. É assim que contribuem para o interesse geral.

                     14.ª — Tais conflitos coletivos de trabalho prestar-se-iam a extrema obliquidade, caso as associações sindicais interviessem respaldadas pelo estatuto de utilidade pública, de modo especial em questões controvertidas de emprego público, em que o Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais e outras pessoas coletivas públicas são as entidades empregadoras.

                     15.ª — O reconhecimento do estatuto de utilidade pública a associações sindicais, por outro lado, brigaria com a liberdade sindical, ora na proteção interna garantida pelo artigo 55.º da Constituição ora ao nível da Organização Internacional do Trabalho, por meio da Convenção n.º 87, de 17 de junho de 1948 (cf. n.º 2 do artigo 3.º).

                     16.ª — Representaria uma manifestação de corporativismo de Estado, cuja valia terminou na ordem jurídica portuguesa com a abolição da Constituição Política de 1933, vincularem-se as associações sindicais à prestação de contas, de relatórios e de outras informações à Administração Pública, sob pena de verem revogado o reconhecimento e, assim, perderem benefícios fiscais e o acesso a fundos públicos.

                     17.ª — Não obstante o Decreto-Lei n.º 213/2008, de 10 de novembro, ter reconhecido estatuto equiparado ao de utilidade pública às confederações sindicais e patronais com lugar na Comissão Permanente de Concertação Social, tal medida legislativa, não apenas se assumiu absolutamente excecional, como, por outro lado, circunscreveu a equiparação a aspetos do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, que não pusessem em causa a liberdade de tais atores institucionais.

                     18.ª O referido decreto-lei, em face do regime particularíssimo que instituiu para o efeito, vem justamente confirmar a incompatibilidade entre o reconhecimento do estatuto de utilidade pública e a liberdade das associações sindicais.

      

Este parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 20 de dezembro de 2018.

João Alberto de Figueiredo Monteiro – Eduardo André Folque da Costa Ferreira (Relator) João Eduardo Cura Mariano Esteves – Maria Isabel Fernandes da Costa – João Conde Correia dos Santos – Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves – Maria de Fátima da Graça Carvalho.

 

[1] Aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na atual redação, conferida pela 15ª alteração (Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).

[2] Através do ofício n.º 518/MPMA/2017, de 28 de dezembro de 2017, entrado na Procuradoria-Geral da República em 29 de dezembro de 2017. Em cumprimento do despacho do Senhor Vice-Procurador-Geral da República, de 5 de novembro de 2018, foi redistribuído e presente ao relator.

[3] Este Conselho Consultivo teve oportunidade de considerar no Parecer n.º 16/2004, de 17 de fevereiro de 2005, os motivos por que são excluídas do estatuto de utilidade pública as pessoas coletivas constituídas ou instituídas por pessoas coletivas públicas (Diário da República, 2.ª Série, n.º 198, de 14 de outubro de 2005).

[4] Acerca dos antecedentes das pessoas coletivas de utilidade pública no direito nacional, v. Parecer n.º 65/95, de 20 de dezembro de 1995 (Diário da República, II Série, n.º 200, de 18 de junho de 1996).

[5] Manual de Direito Administrativo, I, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1982, pp. 36-397.

[6] Sobre o princípio da subsidiariedade (horizontal) como propulsor de uma democracia administrativa, v. PAOLO DURET, Sussidiarietà e autoamministrazione dei privati, CEDAM, Pádua, 2004, pp. 67 e seguintes. O Autor refere justamente entre os exemplos de manifestação da dimensão horizontal do princípio, tarefas «em matéria de saúde, assistência social, voluntariado, cooperativas sociais, formações sociais, cooperação para o desenvolvimento, organizações sem fins lucrativos de utilidade social» (p. 68).

[7] Direitos Fundamentais, 2.ª ed., Ed. Almedina, Coimbra, 2017, Coimbra, p. 530. O Autor reconhece ao lado do princípio da democracia participativa um princípio de iniciativa social: «Em vez do exclusivismo do Estado no desenvolvimento de atividades que conduzam à efetivação de direitos sociais, a Constituição pressupõe e faz apelo à intervenção, à complementaridade e até competitividade que pode vir de entidades da sociedade civil».

[8] Parafraseando uma distinção cara à ciência do direito administrativo francesa, AFONSO QUEIRÓ diz das pessoas coletivas de direito privado e utilidade pública que estas não gerem serviços públicos, mas prestam serviços ao público (Lições de Direito Administrativo, I, Coimbra, 1956, p. 268). Sobre o conceito de serviço público e sua função no direito administrativo, nomeadamente o desenvolvimento pretérito de uma teoria geral do serviço público, v. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, 9.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1983, pp. 1065 e seguintes; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, I, 4.ª ed., Ed. Almedina, 2015, pp. 653 e seguintes; JOSÉ PEDRO FERNANDES, Serviço Público, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, VIII, Lisboa, 1993, pp. 390 e seguintes; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, I, Ed. Lex, Lisboa, 1997, pp. 173 e seguintes; MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÈ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, III, 2.ª ed., Ed. D. Quixote, Lisboa, 2006, p. p. 320, p. 401; JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª ed., Âncora Editora, Lisboa, 2016, pp. 146 e seguintes; PAULO OTERO, Direito Administrativo (Relatório de uma disciplina apresentado no concurso para professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), Lisboa, 1998, pp. 316-317.

[9] PEDRO COSTA GONÇALVES distingue cooperação e colaboração nos termos seguintes: «Na hipótese de colaboração, os particulares são solicitados a contribuir para a realização de fins institucionais da Administração; poderão ter interesse (privado) em oferecer essa colaboração, mas a tarefas envolvidas revestem carácter público. Na cooperação, os particulares atuam livre e espontaneamente na sua esfera privada, no exercício de direitos e liberdades. Mas, uma vez que os fins que eles se propõem realizar podem coincidir com aqueles que a lei comete aos sujeitos públicos — havendo por isso uma coincidência de tarefas ou dos fins a alcançar através delas —, o Estado pode, no mínimo, reconhecer essa circunstância, atribuindo ao sujeito privado um estatuto que o distingue dos demais particulares: assim, por ex., o reconhecimento da utilidade pública de uma associação ou de uma fundação (-)», in Entidades Privadas com Poderes Públicos, Ed. Almedina, Coleção Teses, Coimbra, 2005, pp. 454-455.

[10] Ficam de fora, pelo seu caráter societário e fins lucrativos, as sociedades de interesse coletivo e que MARCELLO CAETANO repartia entre as concessionárias, as sociedades de exploração de atividades em regime de exclusivo e as sociedades de economia mista (Manual de Direito Administrativo, I, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1983, pp. 413 e seguinte).

[11] Lei n.º 107/2015, de 25 de agosto.

[12] Lei n.º 44/2005, de 29 de agosto.

[13] De acordo com a alínea f] do n.º 1 do artigo 5.º, da citada Lei n.º 44/2005, de 29 de agosto.

[14] Decreto-Lei n.º 372/90, de 27 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 80/99, de 16 de março, e pela Lei n.º 29/2006, de 4 de julho.

[15] Lei n.º 115/99, de 3 de agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 75/2000, de 9 de maio.

[16] Lei n.º 124/99, de 20 de agosto.

[17] Decreto-Lei n.º 247/98, de 11 de agosto.

[18] Lei n.º 33/87, de 11 de julho, alterada pela Lei n.º 35/96, de 29 de agosto.

[19] Lei n.º 24/96, de 31 de julho, na redação alterada e republicada pela Lei n.º 47/2014, de 28 de julho.

[20] Nos termos do disposto nas alíneas o] e p], do n.º 1 do artigo 18.º, do regime citado na nota precedente.

[21] Na atual redação, conferida pela Lei nº 82-D/2014, de 31 de dezembro.

[22] Resolução da Assembleia da República n.º 28/91, de 6 de setembro, e Decreto do Presidente da República n.º 44/91, de 6 de setembro.

[23] Ob. cit., p. 531.

[24] Neste sentido, v. JORGE BACELAR DE GOUVEIA, Pessoas Coletivas de Utilidade Pública, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 3.º Suplemento, Lisboa, 2007, p. 562.

[25] No artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 279/97, de 11 de outubro, prevê-se especificamente poderem as associações promotoras de desporto obter o estatuto de pessoa coletiva de mera utilidade pública.

[26] V. Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de outubro, com a redação do Decreto-Lei n.º 154/2017, de 28 de dezembro.

[27] Desde que reconhecidas, independentemente do estatuto de utilidade pública, gozam de alguns benefícios, nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 23/2006, de 23 de junho.

[28] Sobre a admissibilidade de cooperativas ao estatuto de utilidade pública, v. deste Conselho Consultivo, o Parecer n.º 109/2002, de 20 de novembro de 2003 (www.dgsi.pt).

[29] De acordo com a informação n.º DADJ/444/2017, da Direção de Serviços Jurídicos e Documentação da Presidência do Conselho de Ministros, de 30 de novembro de 2017, perdura apenas um sindicato ao qual foi reconhecido estatuto de utilidade pública, em 1996: o SINERGIA, Sindicato da Energia. Outro, com estatuto reconhecido em 2000, veio extinguir-se por insolvência em 2013. E, segundo a mesma fonte, «de 2000 para cá não houve mais nenhuma decisão sobre processos referentes a associações sindicais, embora tenham sido apresentados vários pedidos» (p. 8).

[30] Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, alterada e republicada pela Lei n.º 150/2015, de 10 de setembro.

[31] O que não tem de impedir um tratamento especial dispensado aos mecenas, patrocinadores ou benfeitores.

[32] Acerca da sua natureza e regime, v. LICÍNIO LOPES MARTINS, As Instituições Particulares de Solidariedade Social, Ed. Almedina, 2009, Coimbra.

[33] Com alterações do Decreto-Lei n.º 9/85, de 9 de janeiro, do Decreto-Lei n.º 89/85, de 1 de abril, do Decreto-Lei n.º 402/85, de 11 de outubro, do Decreto-Lei n.º 29/86, de 19 de fevereiro, do Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de novembro, e da Lei n.º 76/2015, de 28 de julho.

[34] V. Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto.

[35] Sem prejuízo de outras instituições previstas na Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, de 18 de maio de 2004, como os centros sociais paroquiais ou as instituições diocesanas e paroquiais da Caritas Portuguesa.

[36] DIOGO FREITAS DO AMARAL, obra citada, p. 605.

[37] Loc. cit., pp. 401-402.

[38] Realce nosso do texto em citação.

[39] Cf. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, depois de recusar o critério da criação e do regime para distinguir pessoas coletivas públicas e privadas, considera a generalidade das pessoas coletivas de utilidade administrativa como verdadeiras pessoas coletivas públicas até por beneficiarem de poderes de autotutela declarativa e executiva e de limitações quanto à sua extinção voluntária, assim como encontrarem-se adstritas ao exercício obrigatório de certas prestações, estarem sujeitas a tutela administrativa, ao controlo do Tribunal de Contas (Lições de Direito Administrativo, I, 1956, p. 278). Em sentido contrário, V. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, I, Livraria Almedina, Coimbra, 1984, pp. 208 e seguinte. Bem assim, DIOGO FREITAS DO AMARAL, para quem «as pessoas coletivas de utilidade pública são entidades privadas», e «as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, se alguma vez chegaram a ser pessoas coletivas públicas, são hoje privadas, e não constituem elementos da Administração Pública, mas entidades particulares que com elas colaboram» (Curso de Direito Administrativo, I, 2.ª ed., Ed. Almedina, Coimbra, 1994, p. 577).

[40] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31 095, de 31 de dezembro de 1940, cuja vigência se reduz presentemente a algumas normas esparsas.

[41] Cf. Artigo 158.º do Código Administrativo: «As associações de bombeiros voluntários, com estatutos devidamente aprovados, são consideradas pessoas coletivas de utilidade pública administrativa». Norma que deve entender-se tacitamente revogada pela Lei n.º 32/2007, de 13 de agosto, em cujo artigo 3.º são expressamente qualificadas como pessoas coletivas de utilidade pública administrativa desde a sua constituição. Aos donativos percebidos aplicam-se os benefícios fiscais próprios do mecenato (cf. n.º 2 do artigo 34.º). Tal regime institui ainda um poder de tutela administrativa do Estado «sempre que esteja em causa património ou fundos financeiros provenientes do Estado ou de outra instituição pública, ou tenham influência na capacidade de solvência da associação» (cf. artigo 36.º). Ficaram assim arredadas da aplicação das pertinentes disposições do Código Administrativo atinentes a pessoas coletivas de utilidade pública administrativa. A citada Lei n.º 32/2007, de 13 de agosto, define o regime jurídico das associações humanitárias de bombeiros, bem como as regras da sua associação em confederação e federações, tendo sido alterada pela Lei n.º 94/2015, de 13 de agosto (regras do financiamento das associações humanitárias de bombeiros, no continente, enquanto entidades detentoras de corpos de bombeiros). PEDRO GONÇALVES, no que toca ao exercício de poderes públicos, considera haver de distinguir-se o corpo de bombeiros e a associação que lhe confere suporte (Entidades Privadas…, p. 523 e seguintes). Só aos corpos de bombeiros assistem poderes públicos enquanto parte de estruturas administrativas, nomeadamente por serem agentes de proteção civil, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na redação da Lei n.º 80/2015, de 3 de agosto (Bases da Proteção Civil).

[42] Cujos atuais Estatutos foram aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de dezembro, e alterados pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 67/2015, de 29 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto.

[43] Cf. Decreto-Lei n.º 281/2007, de 7 de agosto. Acerca da natureza e regime da Cruz Vermelha Portuguesa, v. deste Conselho Consultivo, o Parecer n.º 17/84, de 5 de julho de 1984 (Diário da República, II Série, n.º 150, de 23 de abril de 1985).

[44] V. MARCELLO CAETANO, loc. cit., p. 402, nota (2).

[45] Decreto-Lei n.º 23 240, de 21 de novembro de 1933. Não obstante a sua criação ter sido pública, destinou-se a executar o testamento de D. Manuel II, ao dispor sobre o seu património pessoal.

[46] Decreto-Lei n.º 39 190, de 27 de abril de 1953, revogado pelo Decreto-Lei n.º 159/2013, de 19 de novembro, salvo no tocante «ao reconhecimento da fundação e concessão do estatuto de utilidade pública, cuja eficácia se mantém» embora passando a ficar sujeito à Lei-Quadro das Fundações.

[47] Decreto-Lei n.º 40 690, de 18 de julho de 1956, e Despacho Normativo n.º 371/79, de 17 de dezembro.

[48] Diário da República, I Série, n.º 57, de 9 de março.

[49] V. LUÍS CARVALHO FERNANDES, Pessoa coletiva, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI, Lisboa, 1994, p. 355.

[50] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, I, …, p. 605.

[51] Considerou este Conselho Consultivo, no Parecer n.º 56/99, de 23 de março de 2000 (inédito) que, já ao abrigo dos anteriores estatutos, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa deveria qualificar-se como pessoa coletiva de utilidade administrativa, incluindo-se entre os denominados organismos públicos para efeitos de contratação pública.

[52] Entidades Privadas com Poderes Públicos, cit., p. 519, nota 300.

[53] Parecer n.º 17/84, de 5 de julho de 1984 (Diário da República, II Série, n.º 150, de 3 de julho de 1985).

[54] Parecer n.º 11/95, de 29 de março de 1996 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 3, de 4 de janeiro de 1997).

[55] Parecer n.º 145/2001, de 7 de novembro de 2002 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 95, de 23 de abril de 2003).

[56] Só a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, revogou o Decreto-Lei n.º 65/83, de 4 de fevereiro, que o permitia nestes termos.

[57] Pelas próprias pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e não pelo Estado ou por outra pessoa coletiva pública, como se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, da 2.ª Subsecção, de 10 de maio de 1988 (Recurso n.º 10726).

[58] Em sentido contrário, por entender que as pessoas coletivas de utilidade administrativa já tinham transitado para o estatuto comum de utilidade pública com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, deixando tal categoria de existir, v. JORGE MIRANDA, As Associações Públicas no Direito Português, Ed. Cognitio, Lisboa, 1985, pp. 12-13.

[59] As associações de regantes e beneficiários de perímetros de rega e de outos aproveitamentos hidroagrícolas, independentemente do regime de concessão que tem vindo a estender-se paulatinamente. A título de exemplo, a Portaria n.º 223/2014, de 4 de novembro, veio reconhecer como pessoa coletiva de direito público a Associação de Beneficiários e Regantes de Alfândega da Fé.

[60] Diário da República, II Série, n.º 73, de 28 de março de 1991. V. ainda, Parecer n.º 51/90, de 27 de setembro de 1990 (inédito).

[61] Nomeadamente, para o efeito de se encontrarem sob jurisdição eclesiástica. Assim, concluiu-se no Parecer n.º 15/2011, de 12 de julho de 2012, deste Conselho Consultivo, o seguinte: «A sujeição das irmandades da Misericórdia que sejam, simultaneamente, pessoas jurídicas canónicas e instituições particulares de solidariedade social ao direito português não as exime da tutela eclesiástica atento, nomeadamente, o disposto no artigo 12.º da Concordata de 2004 e nos artigos 48.º e 69.º, n.º 1, do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro» (parecer inédito; acesso reservado www.dgsi.pt).

[62] Os fins lucrativos de algumas novas categorias de entidades privadas com funções públicas torna muito discutível a possibilidade do seu reconhecimento. Pensamos no caso dos centros de inspeção automóvel ou em certas autoridades de certificação e validação. Este não é porém o lugar próprio senão para deixar nota acerca da sua não inclusão. Acerca do caso muito específico dos despachantes oficiais, v. Parecer n.º 39/2017, de 10 de maio de 2018.

      (www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/2172)

[63] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248/2008, de 31 de dezembro, com alterações efetuadas pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, e pela Lei n.º 101/2017, de 28 de agosto.

[64] Diário da República, 2.ª Série, n.º 147, de 2 de agosto de 2016.

[65] Diário da República, 2.ª Série, n.º 76, de 18 de abril de 2018.

[66] Com alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 141/2007, de 27 de abril.

[67] Em especial, a respeito da caducidade da utilidade pública atribuída a título prévio, v. deste Conselho Consultivo, o Parecer n.º 40/94, de 29 de setembro de 1994, e o Parecer complementar n.º 40/94-CA, de 26 de setembro de 2002 (Diário da República, II Série, n.º 11, de 14 de janeiro de 2003).

[68] A entidade interessada, nomeadamente para os fins previstos no artigo 11.º e no n.º 2 do artigo 12.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, na atual redação conferida pela Lei nº 56/2008, de 4 de setembro, e artigo 34.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio (Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo).

[69] Cf. Artigo 8.º do citado Código das Expropriações e artigo 33.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio.

[70] Reencontramos neste n.º 2 as pessoas coletivas públicas de utilidade administrativa, que apesar de, mais próximas da satisfação de necessidades coletivas por serviços públicos, gozam do mesmo regime, por extensão ou equiparação.

[71] Transferiu para os governos regionais o reconhecimento de pessoas coletivas de utilidade pública cuja atividade seja desenvolvida exclusivamente nas regiões autónomas. Na Região Autónoma da Madeira, o regime foi adaptado e encontra-se no Decreto Legislativo Regional n.º 44/2008/M, de 23 de dezembro.

[72] Tal contribuição encontra-se prevista na Lei n.º 30/2003, de 22 de agosto, que aprovou o modelo de financiamento do serviço público de radiodifusão e de televisão. O valor mensal desta contribuição foi aumentado, pela última vez, por meio da Lei n.º 7/2016, de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016), fixando-se em €2,85, sem prejuízo da redução para €1,00 com relação a certas categorias de consumidores.

[73] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 23/2014, de 14 de fevereiro.

[74] Aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, cuja atual redação parece ser a da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril.

[75] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, na atual redação atribuída pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Orçamento do Estado) e pela Lei n.º 8/2018, de 2 de março.

[76] Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, na redação alterada e republicada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, e posteriormente alterado, pela última vez através da Lei n.º 43/2018, de 9 de agosto.

[77] Sucedeu ao Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, IP, nos termos do Decreto-Lei n.º 106/2008, de 25 de junho.

[78] O Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e cuja última alteração recenseada é da Lei n.º 51/2018, de 16 de agosto.

[79] O Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro. A última alteração recenseada é da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Orçamento do Estado para 2018).

[80] Nos termos do Código do Imposto Único de Circulação, são determinadas categorias de veículos adquiridos pelas associações humanitárias de bombeiros (alínea a], do n.º 1 do artigo 5.º) ou por instituições particulares de solidariedade social (alínea b], do n.º 2 do artigo 5.º). Referimo-nos ao Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22/2007, de 29 de junho, na atual redação, atribuída pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Orçamento do Estado para 2018).

[81] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de abril, e alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de agosto, pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de dezembro, e 3-B/2010, de 28 de abril, e o Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril e pela Lei 7/2012, de 13 de fevereiro e pela Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro. Conserva-se no artigo 419.º do Código Administrativo a isenção de custas judiciais por parte das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.

[82] O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, cuja atual redação resulta de alterações efetuadas pela Lei n.º 8/2018, de 2 de março.

[83] Aprovado pelo Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro, cuja alteração mais recente remonta à Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Orçamento do Estado para 2018).

[84] No n.º 2 do artigo 2.º pode ler-se: «As instituições financiadoras referidas no número anterior poderão conceder empréstimos idênticos [aos contraídos pelos municípios] a particulares, bem como a instituições particulares de solidariedade social, instituições de utilidade pública e de utilidade pública administrativa, instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos e cooperativas de habitação e construção, nas mesmas condições dos concedidos aos municípios, nos termos do presente diploma».

[85] Diário da República, 2.ª Série, de 11 de abril de 2003.

[86] Com efeito, dispõe-se no Código do IVA o seguinte:

«Artigo 84.º

(Entidades fiscalizadoras)

      O cumprimento das obrigações impostas por este diploma é fiscalizado, em geral, e dentro dos limites da respetiva competência, por todas as autoridades, corpos administrativos, repartições públicas e pessoas coletivas de utilidade pública e, em especial, pela Direcção-Geral dos Impostos».

[87] Lições de Direito Administrativo, I, Coimbra, 1958, P. 35.

[88] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, I, 4.ª ed., Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 32.

[89] Idem, p. 602 e seguinte.

[90] Idem, p. 602.

[91] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, cuja redação atual resulta da Lei n.º 14/2018, de 19 de março.

[92] Diário da República, II Série, n.º 218, de 21 de setembro de 1992.

[93] Inédito.

[94] Diário da República, 2.ª Série, n.º 144, de 28 de julho de 2011.

[95] Sobre este assunto, v. VASCO DA GAMA LOBO XAVIER/ BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Inaplicabilidade do Código Civil às Associações Sindicais, comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1987, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXX, 2.ª Série, n.º 3 (1988), pp. 285 e seguintes.

[96] Direito do Trabalho, I (Direito Europeu – Dogmática Geral – Direito Coletivo), Ed. Almedina, 2018, pp. 592-593.

[97] Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra Ed., 2007, p. 736.

[98] Portaria n.º 268/2013, de 20 de agosto, no âmbito da Decisão n.º 575/2007/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de maio.

[99] Portaria n.º 271/2013, de 20 de agosto.

[100] Cf. n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 222/2006, de 10 de novembro.

[101] V.g. Resolução do Conselho de Ministros nº 84-K/2016, de 30 de dezembro (2º suplemento) que autoriza a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P., a realizar a despesa inerente à celebração de um acordo de cooperação com a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal.

[102] Portaria n.º 258/2013, de 13 de agosto, na redação da Portaria n.º 339/2013, de 21 de novembro.

[103] Portaria n.º 1020/2009, de 10 de setembro, na redação da Portaria n.º 1169/2010, de 10 de novembro.

[104] Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/2010, de 4 de março.

[105] Portaria n.º 1456/2007, de 14 de novembro.

[106] Portaria n.º 84/2015, de 20 de março.

[107] Lei n.º 16/95, de 1 de junho,

[108] Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, na redação da Portaria n.º 378-H/2013, de 31 de dezembro.

[109] Decreto-Lei n.º 57/2016, com alterações introduzidas pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, e pela Lei n.º 24/2018, de 8 de junho. Compreende instituições públicas e privadas sem fins lucrativos, que desenvolvam ou participem em atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, ou de comunicação de ciência e tecnologia.

[110] Decreto-Lei n.º 137/2014, de 12 de setembro, na atual redação outorgada pelo Decreto-Lei n.º 34/2018, de 15 de maio.

[111] Decreto-Lei n.º 25/2018, de 24 de abril, considerando pressuposto de qualificação das associações do setor não terem fins lucrativos.

[112] Decreto-Lei n.º 13/2015, de 26 de janeiro, e Portaria n.º 157/2015, de 28 de maio.

[113] Portaria n.º 140/2015, de 20 de maio:

«Artigo 3.º

(Entidades promotoras)

      Podem promover a constituição de GIP as seguintes entidades, públicas ou privadas, sem fins lucrativos:

         a) Autarquias locais;

         b) Instituições particulares de solidariedade social;

         c) Associações relevantes na dinamização e desenvolvimento local;

         d) Associações para a integração dos imigrantes e das minorias étnicas;

         e) Associações sindicais e empresariais».

[114] Portaria n.º 396/2007, de 2 de abril:

Norma VII

(Entidade coordenadora local da parceria)

      1— A câmara ou câmaras municipais, mediante decisão fundamentada, seleciona(m) uma só entidade coordenadora local da parceria, de entre entidades de direito privado sem fins lucrativos que atuem na área do desenvolvimento social, designadamente instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e equiparadas, misericórdias, associações de desenvolvimento local (ADL), organizações não governamentais (ONG) e cooperativas de solidariedade social (…)».

[115] Decreto Regulamentar n.º 84-A/2007, de 10 de dezembro, na redação do Decreto Regulamentar n.º 4/2010, de 15 de outubro:

Artigo 13.º

(Entidade formadora)

      Considera -se formadora a entidade dos setores público, cooperativo ou privado, com ou sem fins lucrativos, que, encontrando -se obrigatoriamente certificada nos domínios para os quais se candidata ao financiamento, desenvolva ações em favor de pessoas coletivas ou singulares, que lhe sejam externas.

      E consideram-se operadores, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º:

      a) Entidades públicas, desde que a natureza dos projetos a desenvolver esteja diretamente relacionada com as suas atribuições;

      b) Entidades sem fins lucrativos que prossigam atividades no âmbito do desenvolvimento social e da economia social, designadamente no domínio do desenvolvimento local, do apoio a grupos sociais desfavorecidos ou em risco de exclusão e na promoção da igualdade de género, desde que a natureza das ações a desenvolver esteja diretamente relacionada com o seu objeto ou missão social;

      c) Associações empresariais, profissionais ou sindicais, quando os projetos a desenvolver se dirijam aos seus associados».

[116] Decreto-Lei n.º 77/89, de 3 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 234/95, de 13 de setembro, e pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho (alterações ao Orçamento do Estado).

[117] Obra citada, pp. 37-38.

[118] Sobre as posições doutrinárias assumidas por alguns autores com relação à admissibilidade da tutela administrativa sobre pessoas coletivas privadas, enquanto um plus relativamente à fiscalização ou polícia administrativa, v. ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas Relações entre o Estado e os Municípios, Coimbra Ed., 2004, pp. 280 e seguintes. Identifica-se uma generalizada aceitação relativamente às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, às instituições particulares de solidariedade social, às associações de beneficiários dos perímetros de rega, às federações com utilidade pública desportiva, desde que circunscrevendo-se à gestão pública praticada.

[119] ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 18.ª ed., Ed. Almedina, Coimbra, 2017, p. 691.

[120] Na redação da Lei n.º 3/71, de 16 de agosto.

[121] Na redação da Lei n.º 1885, de 23 de março de 1935.

[122] Na redação da Lei n.º 1963, de 18 de dezembro de 1937.

[123] Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra Ed., 2007, p. 730.

[124] Obra citada, p. 691. Realce no texto original.

[125] Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, processo n.º 2964/16.3BELSB (www.dgsi.pt).

[126] Pleno da 1.ª Secção, recurso n.º 42574 (www.dgsi.pt).

[127] Tratava-se de um aval concedido pelo Estado a uma confederação sindical.

[128] Cf. JOSÉ PASTOR RIDRUEJO, Curso de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales, 7.ª ed., Tecnos Ed., Madrid, 2000, p. 766.

[129] Repertório das decisões do Comié de Liberdade Sindical, adotadas em 2006, § 4497, in La liberte syndicale — Compilation des décisions du Comité de Liberté Syndicale, Bureau International do Travail, 6.ª ed., Genebra, 2018, p. 136.

[130] O reconhecimento da utilidade pública de pessoas coletivas por ato legislativo não é inédito. Assim, por exemplo, a Associação Estudos Gerais da Arrábida foi reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 306/95, de 18 de novembro.

[131] Cf. Artigo 9.º da Lei n.º 108/91, de 17 de agosto (Conselho Económico e Social) na redação atribuída pela Lei nº 12/2003, de 20 de maio, com alterações posteriores introduzidas pela Lei n.º 37/2004, de 13 de agosto, pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro, pela Lei n.º 135/2015, de 7 de setembro e pela Lei n.º 81/2017, de 17 de agosto.

[132] Sem prejuízo dos apoios de outra natureza concedidos à imprensa regional, local ou das comunidades de emigrantes portugueses.

[133] Direito do Trabalho …., p. 825. Realce no texto original.

[134] A pp. 11 e seguinte.

Anotações
Legislação: 
DL 460/77 de 1077/11/07; DL 391/2007 de 2007/12/13; CRP76 ART 55 ART 63; L 24/2012 DE 2012/07/9; L 150/2015 DE 2015/09/10; DL 114/1983 DE 1983/02/25; DL 59/2018 DE 2018/02/08; COD ADM ART 417 ART 416; DESP NORM 51/1979 DE 1979/02/28; DL 248/2008 DE 2008/12/31; DL 423/1983 DE 1983/12/05 ; L 151/99 DE 1999/09/14; DL 391/2007 DE 2007/09/14; DL 215/1989 DE 1989/07/01; COD TRAB ART 440; L 45/77 DE 1977/07/07; DL 213/2008 DE 2008/11/10; L 30/2013 DE 2013/05/08;  
 
Jurisprudência: 
AC TRIB CENTRAL ADM DE 2017/06/01, PROC 2964/16.3BELSB; AC STA DE 25 MARÇO 2003, REC. 42574
 
Referências Complementares: 
DIR TRAB / DIR ADM / DIR CONST
 
Divulgação
Número: 
62
Data: 
28-03-2019
Página: 
9645
12 + 3 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf