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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
31/2019, de 31.10.2019
Data do Parecer: 
31-10-2019
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social
Relator: 
Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou em conformidade



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou em conformidade



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou em conformidade



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



João Conde Correia dos Santos

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade

Descritores e Conclusões
Descritores: 
SEGURANÇA SOCIAL
PESCA ARTESANAL E LOCAL
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
CASAS DOS PESCADORES
ARMADOR
CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
DOCAPESCA
DIREITO A PRESTAÇÕES DO ESTADO
PENSÃO DE REFORMA
PENSÃO DE VELHICE
NULIDADE
REVOGAÇÃO
ANULAÇÃO
Conclusões: 
                    1.ª — A atividade da pesca sempre gozou de um peculiar regime de segurança social, devido à sua especificidade, associada aos inerentes riscos para os seus profissionais, à sazonalidade da pescaria e ao consequente espetro da pobreza, que ensombrava os pescadores e as suas famílias;
 
                    2.ª — No Estado Novo, sob a égide da Junta Central das Casas dos Pescadores, os armadores e proprietários singulares de embarcações de pesca, assim como os detentores de quotas ou, a qualquer título, participantes do capital de empresas ou sociedades de pesca, que exercessem, pessoal e efetivamente, a profissão de pescador, seriam inscritos como sócios efetivos, sem prejuízo de a respetiva empresa, ou eles próprios individualmente considerados, estarem, também, inscritos como sócios contribuintes e de efetuarem o pagamento das correspetivas e distintas contribuições, seja para a Casa dos Pescadores, seja para a Junta Central;
 
                    3.ª — Com a publicação do Decreto n.º 420/71, de 30 de setembro, as contribuições, a cargo dos trabalhadores que exercessem a sua atividade na profissão de pesca artesanal, resultavam da aplicação de uma taxa sobre o produto bruto da pesca realizada pelas companhas, sendo cobradas, no ato da venda do pescado, pelos serviços de vendagem;
 
                    4.ª — A base de incidência contributiva destes trabalhadores da pesca local e costeira é, desde a instituição do regime, uma remuneração convencional, por ser fixada administrativamente, apenas para efeitos de obrigação contributiva da segurança social e, qua tale, não se mostra associada à remuneração efetivamente paga ao trabalhador pela sua entidade empregadora como contrapartida do exercício da atividade profissional;
 
                    5.ª — Efetivamente, com a revogação do citado Decreto n.º 420/71, pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, o legislador manteve o regime anterior e consagrou o peculiar sistema contributivo que fora implementado pelo Decreto n.º 420/71, em que a base de incidência contributiva se reportava ao valor bruto do pescado vendido em lota;
 
                     6.ª — A “Regulamentação de Trabalho da Pesca Artesanal na Póvoa de Varzim e Vila do Conde” editada pelo Governo da República Portuguesa, em 8 de fevereiro de 1975 e, posteriormente, o contrato coletivo de trabalho, celebrado em 14 de maio de 1979, entre a Associação do Norte dos Armadores da Pesca Artesanal e os Sindicatos dos Pescadores da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31/79, de 22 de agosto, vieram reconhecer as categorias profissionais de mestre e de pescador e fixar a remuneração do mestre-armador, sucessivamente, em duas e em três partes da receita líquida;
 
                     7.ª — No regime pretérito, incumbia à Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca e, após, aos ex-Centros Regionais de Segurança Social a aplicação do regime, designadamente, proceder ao registo das “partes” atribuídas a cada pescador e, só no caso de não terem sido indicadas, o valor deveria então ser igualmente distribuído por todos os trabalhadores da embarcação que tivessem prestado atividade nesse mês;
 
                      8.ª — Por razões não concretamente apuradas, ocorreram erros e omissões na elaboração dos Boletins P3, com base nos quais era preenchido o modelo P4, correspondente à Folha de remunerações respeitante aos profissionais da pesca local e costeira, erros que obstaram a que os respetivos registos de remunerações tivessem sido corretamente efetuados, de acordo com as leis em vigor, as convenções coletivas vinculativas aplicáveis e os usos locais sedimentados, nas localidades referidas na conclusão 6.ª e no âmbito da referida atividade piscatória;
 
                      9.ª — De acordo com os elementos disponibilizados, não padece do vício de violação de lei a deliberação do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., tomada em 12 de abril de 2016, que determinou a correção dos registos existentes nos históricos dos beneficiários aí identificados, de acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho do Setor e mais ordenou o consequente recálculo do montante das pensões que lhes tinham sido atribuídas, retroagindo a data da reavaliação a maio de 2014;
 
                    10.ª — À luz da posição que foi sufragada, relativamente à primeira questão formulada, impõe-se a asserção de que o Instituto da Segurança Social, I.P. poderá anular oficiosamente a Deliberação n.º 243/2018, de 6 de dezembro, do respetivo Conselho Diretivo, que revogou a deliberação referida na conclusão antecedente, por se mostrar ferida de ilegalidade, independentemente do eventual términus dos respetivos prazos de anulação administrativa ou de impugnação judicial, por banda dos beneficiários interessados, conforme permitido pelo artigo 168.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo de 2015;
 
                     11.ª — A lei põe ao alcance do Instituto da Segurança Social, I.P. uma amálgama de opções de atuação que poderão ser por si, casuisticamente, selecionadas e adotadas para melhor prosseguir o interesse público na reposição da legalidade, mormente, dos princípios, valores e normas jurídicas violadas;
 
                     12.ª — O que traduz a necessidade de o Instituto da Segurança Social, I.P. adotar as concretas medidas que mais adequadamente, não só realizem o interesse público, como também permitam alterar favoravelmente a esfera jurídica dos interessados atingidos pela Deliberação n.º 243/2018, ora reputada inválida;
 
                     13.ª — Assim, com esse objetivo, incumbe-lhe, v.g., proceder à anulação dos atos consequentes, eventualmente praticados, e, como decorrência, repor a situação dos beneficiários inseridos nesse universo, de modo a colocá-los na situação que existiria se a mesma Deliberação não tivesse sido praticada, atuação essa a materializar através da prática de novos atos de sentido diverso ou contrário aos atos antecedentes, porque lesivos dos seus direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos;
 
                    14.ª — E, em consequência, poderá e deverá repristinar a Deliberação anterior, de 12 de abril de 2016, por si revogada, conforme prescreve a norma do n.º 4 do artigo 171.º do Código do Procedimento Administrativo;
 
                    15.ª — Todavia, se acaso se mostrarem pendentes ações administrativas de impugnação dessa Deliberação n.º 243/2018 e/ou ações de condenação à prática do ato devido, o Instituto da Segurança Social, I.P. deverá ter em conta e observar o concreto prazo limite, previsto para a anulação administrativa, consagrado no n.º 3 do artigo 168.º, reportado ao momento processual do encerramento da discussão da causa em 1.ª instância;
 
                    16.ª — Se a anulação administrativa dos atos inquinados com a invalidade se revelar, ainda, tempestiva e se, além disso, concorrerem os demais condicionalismos exigidos pela lei, a acrescer à anulação administrativa desses atos, deverá o Instituto da Segurança Social, I.P., em obediência ao imperativo inserto no n.º 1 do artigo 172.º, anular os hipotéticos atos administrativos consequentes e, obviamente, reconstituir a situação que existiria se a deliberação anulada não tivesse sido praticada, bem como, sendo caso disso, dar cumprimento aos deveres que, com fundamento nesse ato, não tenha observado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado;
 
                     17.ª — Em ordem ao cumprimento desse dever legal, ao abrigo do preceituado no n.º 2 do mesmo preceito, o ISS, I.P. está legalmente legitimado a praticar atos com efeitos ex tunc, assistindo-lhe, outrossim, o dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, se se revelarem inconciliáveis com a necessidade de reconstituir a situação hipotética que supostamente existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
 
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhora Ministra do Trabalho, Solidariedade e  Segurança Social
Excelência:
 
I
 

I. 1. Solicitou[1] o antecessor de Vossa Excelência à Excelentíssima Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República que submetesse à apreciação deste Conselho Consultivo a questão do regime de Segurança Social aplicável aos mestres-armadores da pesca artesanal e local, invocando, para tanto, o disposto na alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público[2], aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro.

Compulsados os elementos disponibilizados[3] pelo Gabinete de Vossa Excelência, apura-se que se mostram em dissídio duas interpretações díspares da temática em causa, que, nos anos de 2016 e 2018, viriam a ser acolhidas, sucessivamente, pelo Instituto da Segurança Social, I.P.[4].
Efetivamente, confrontam-se aqui duas posições doutrinárias antagónicas e inconciliáveis entre si, ambas perfilhadas pelo Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P. [5].
Na verdade, num primeiro ensejo, o referido Conselho Diretivo tomou a Deliberação de 12 de abril de 2016[6], que determinou a correção dos registos existentes nos históricos dos profissionais da pesca beneficiários, aí devidamente identificados, de acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho do Setor e mais ordenou o consequente recálculo do montante das pensões que lhes tinham sido atribuídas, retroagindo a data da reavaliação a maio de 2014.
Todavia, ulteriormente, em 6 de dezembro de 2018, o Conselho Diretivo do ISS, I.P., por entender que a supracitada Deliberação de 12 de abril de 2016 não detinha qualquer respaldo legal, mediante a Deliberação n.º 243/2018, considerou-a inválida, e, em consequência, procedeu à sua anulação com os efeitos daí advenientes, nomeadamente a revisão do registo de remunerações e o recálculo, em conformidade, do valor das pensões, circunscrevendo, porém, os seus efeitos para o futuro, ao abrigo do n.º 2 do artigo 15.º[7] do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril[8], conjugado com o n.º 2 do artigo 79.º[9] da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro[10].
Atentas as notórias discrepâncias detetadas no tratamento da questão, o Ex.mo Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., em 16 de outubro de 2019, sob a invocação do posicionamento adotado pelo Parlamento[11] e da relevância política que lhe fora conferida[12], solicitou orientações, a Sua Excelência a Secretária de Estado da Segurança Social, especialmente, sobre os efeitos decorrentes da já mencionada Deliberação n.º 243/2018, do Conselho Diretivo do ISS, I.P.
Invoca, para tanto, que “não houve até ao momento qualquer apreciação judicial sobre a matéria” e que a mesma postula “uma abordagem com forte pendor jurídico-legal”, concluindo que se justificaria a consulta a uma entidade externa ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, como seja a Procuradoria-Geral da República, através do seu Conselho Consultivo.
Neste enquadramento, a consulta visaria, declaradamente, dissipar as dúvidas suscitadas pelo regime legal vigente e o consequente esclarecimento das duas questões fulcrais que foram assim enunciadas:
1.ª) o reconhecimento - ou não - do direito, no registo de remunerações relativas a mestres-armadores, de uma terceira parte na repartição do valor convertido do montante de contribuição apurado através do regime de venda em lota, e
2.ª) a determinação dos efeitos, decorrentes da clarificação do regime legal aplicável, nos atos e procedimentos a desencadear pelos serviços de segurança social e nas posições jurídicas dos beneficiários, já formadas ou em formação.
Em Nota elaborada no Gabinete de Sua Excelência a – à data - Secretária de Estado da Segurança Social, enfatizando as “diversas e contraditórias posições jurídico-administrativas adotadas ao longo do tempo”, sustenta-se ser de “esclarecer, em definitivo, os claros e precisos contornos do enquadramento jurídico aplicável ao caso em apreço”.
Sob este enfoque, a aludida Nota veio corroborar a proposta veiculada pelo ISS, I.P., de audição do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre as duas concretas questões explicitadas supra, o que mereceu o despacho concordante de Vossa Excelência.
Cumpre, pois, emitir parecer, com a requerida urgência.
 
I. 2. Impõe-se externar uma nota preliminar, relativamente aos limites da intervenção deste corpo consultivo.
Resulta cristalinamente, da norma da alínea a) [13] do artigo 44.º do novo Estatuto do Ministério Público, que compete ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República “emitir parecer restrito a matéria de legalidade, nos casos de consulta previstos na lei ou por solicitação do Presidente da Assembleia da República, dos membros do Governo, dos Representantes da República para as regiões autónomas ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas”.
Confinando-se, pois, o objeto dos pareceres a questões do foro estritamente técnico-jurídico, está vedado a esta instância consultiva o apuramento de matéria de facto e o consequente recorte fáctico dos casos em apreciação[14].
Sucede que a primeira questão que vem formulada, e cuja resposta é demandada a este corpo consultivo, reconduz-se a juízos assentes na averiguação e na subsequente determinação da pertinente factualidade.
Efetivamente, apurar se os registos de remunerações respeitantes aos mestres-armadores estabelecem uma terceira parte na repartição do valor convertido do montante de contribuição que foi historicamente apurado através do regime de venda em lota, é indesmentivelmente matéria situada no domínio da realidade dos factos, cujo apuramento e fixação exorbitam dos poderes conferidos ao Conselho Consultivo pelo Estatuto do Ministério Público e, qua tale, matéria subtraída do respetivo múnus.
Ademais, esses elementos fácticos não se mostram adquiridos e, por outro lado, repisa-se que o seu sopesar é alheio aos poderes, legal e estatutariamente, atribuídos a esta instância consultiva. 
Mais se alude a um diferendo entre os mestres-armadores e o ISS, I.P., atinente à eventual falta de genuinidade ou desconformidade com a realidade dos documentos que estiveram na base da concessão das prestações sociais.
Trata-se, também aqui, de matéria que pressupõe a realização de diligências instrutórias e a consecutiva fixação da matéria de facto daí adveniente[15], como tal situada fora da área de apreciação do Conselho Consultivo da PGR, atentos os estritos limites em que se move.
Por seu turno, o artigo 50.º, do novo Estatuto do Ministério Público, regula a homologação dos pareceres do Conselho Consultivo e a sua eficácia, sendo que, por força do seu n.º 1, se incidirem sobre disposições de ordem genérica, as entidades que os tenham solicitado, ou a cujo setor respeite o assunto apreciado, poderão proceder à sua homologação e à publicação das conclusões dos pareceres na 2.ª série do Diário da República, a fim de valerem como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer.
Porém, tal interpretação não vincula os tribunais, os quais são independentes e estão sujeitos exclusivamente à lei, sendo as suas decisões obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo, ainda, sobre as de quaisquer outras autoridades, de harmonia com o que proclamam os artigos 203.º e 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Sucede que foi carreada a informação[16] de que se encontram a correr termos, perante os tribunais da jurisdição administrativa, ações administrativas tendentes à anulação da já referida Deliberação n.º 243/2018, de 6 de dezembro, da autoria do Conselho Diretivo do ISS, I.P.
Sem embargo, perante a ausência – ou, pelo menos, o desconhecimento do sentido – da pronúncia e da decisão pelos tribunais, o presente parecer poderá assumir utilidade prática, porquanto, por força da alínea f) do citado artigo 44.º do novo Estatuto do Ministério Público, compete ao Conselho Consultivo “Informar o membro do Governo responsável pela área da justiça, através do Procurador-Geral da República, acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais, propondo as devidas alterações”.
Assim, se a solução da questão controvertida que vier a ser encontrada, face à lei vigente, se mostrar antagónica com os objetivos e fins que presidem à segurança social, impor-se-á então ponderar a necessidade de uma eventual intervenção legislativa corretora, que prossiga o interesse público, sem, contudo, se divorciar dos direitos e interesses legalmente protegidos dos beneficiários, em sintonia com o exigido pelo n.º 1 do artigo 266.º da Lei Fundamental.
Delimitado que se mostra o objeto deste parecer, vejamos se, em termos de estrita legalidade, os normativos legais aplicáveis suportam e acolhem a receção no ordenamento jurídico nacional do direito a que se arrogam os mestres-armadores[17] da pesca local e costeira.
 
II
 

II. 1. A atividade da pesca sempre gozou de um peculiar regime de segurança social, devido à sua especificidade, associada aos inerentes riscos para os seus profissionais, à sazonalidade da pescaria e ao consequente espetro da pobreza, que ensombrava os pescadores e as suas famílias[18] [19].
Efetuando um breve excurso histórico, remontando à Lei n.º 1953, de 11 de março de 1937, a sua Base I veio determinar a criação, em todos os centros de pesca, de organismos de cooperação social dotados de personalidade jurídica, denominados Casas dos Pescadores, cujo regulamento foi promulgado mediante o Decreto n.º 27 978, de 2 de agosto de 1937.
A sua criação destinou-se a prosseguir fins relacionados com a educação e a assistência aos trabalhadores marítimos[20] e congregava, não apenas os pescadores, como os armadores, os proprietários de embarcações e as próprias empresas de pesca.
À luz da filosofia corporativista então vigente[21], eram instituições integradas na estrutura corporativa, assumindo funções de representação profissional, de «recreio popular»[22] e de previdência social dos profissionais da pesca residentes nas respetivas áreas.
Por seu lado, a Base V da citada Lei n.º 1953 veio criar a Junta Central das Casas dos Pescadores e fixar as suas competências, que consistiam em: a) orientar e coordenar a ação das Casas dos Pescadores; b) administrar e distribuir as verbas que constituem o fundo comum das mesmas; c) apresentar ao Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, no fim de cada ano, um relatório circunstanciado dos serviços, contendo o apuramento coordenado de todas as atividades das Casas dos Pescadores bem como as contas devidamente documentadas.
Observa acutilantemente, a este propósito, ÁLVARO GARRIDO[23] que:
               “Representando os seus sócios efetivos, as Casas dos Pescadores podiam celebrar contratos ou acordos coletivos de trabalho. As condições eram analisadas com minúcia pela Junta Central e pelo INTP[24] e, de seguida, propostas aos grémios segundo processos de concertação confinados à oligarquia corporativa. Mutilada a autonomia social dos pescadores, o Estado negociava consigo próprio”.
               “Em matéria de previdência e de assistência, a lei previa que as Casas dos Pescadores cobrissem diversas modalidades: a assistência médica, a atribuição de subsídios por nascimento de filhos, por doença, invalidez e velhice. Antevia, também, a atribuição de subsídios ou pensões por morte às famílias, caso os recursos financeiros dos organismos o permitissem. O auxílio material ou a concessão de subsídios às famílias em «épocas de crise no trabalho ou invernia», também não escapou ao legislador.
               (…) Com as Casas dos Pescadores e a respetiva junta central à cabeça, a organização das pescas exprime uma espécie de mutualismo corporativo, fortemente institucionalizado e dirigista. (…) as finalidades de assistência e previdência mostraram-se o fulcro da ação social das Casas dos Pescadores; foram a principal evidência legitimadora destas instituições e da respetiva Junta Central (…) as Casas dos Pescadores e a sua federação política informal foram um exemplo flagrante de corporativismo de Estado.”
 
Assim, o Estado Novo protegia e apadrinhava as casas dos pescadores e assegurava a prossecução dos seus fins, por intermédio da Junta Central das Casas dos Pescadores.
E, com a publicação do Decreto-lei n.º 37 750, de 4 de fevereiro de 1950, operou-se a modificação da composição da Junta Central e a ampliação das suas competências, já que, a acrescer aos fins constantes da já aludida Base V da Lei n.º 1953, de 11 de março de 1937, competia-lhe, a partir de então:
a) construir, por si ou em comparticipação com o Estado, habitações destinadas aos sócios efetivos das Casas dos Pescadores;
b) organizar e dirigir:
1.º os serviços de Abono de Família e de Pensões dos sócios efetivos das Casas dos Pescadores;
2.º o serviço de venda do pescado pertencente aos sócios efetivos, de harmonia com os usos e costumes locais.
Posteriormente, de harmonia com a Lei n.º 2115, de 18 de junho de 1962, as Casas dos Pescadores foram reconhecidas como instituições de previdência de inscrição obrigatória, fundamentalmente destinadas a proteger os trabalhadores por conta de outrem (Base III)[25] e passaram a incluir, entre os seus fins institucionais, objetivos de previdência social, designadamente os da ação médico-social, assistência materno-infantil e proteção na invalidez, em benefício dos trabalhadores por elas representados e das demais pessoas residentes na respetiva área que, nos termos da mesma legislação, devessem equiparar-se àqueles trabalhadores (Base IV).
O Decreto-Lei n.º 48 507, de 30 de julho de 1968, veio modificar a estrutura e ampliar a ação da Junta Central que foi alargada, através de delegações próprias, às Províncias Ultramarinas.
A Junta Central era, pois, o organismo dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, que tinha como missão fomentar a criação, orientar e coordenar a ação das Casas dos Pescadores, nos sectores da previdência, abono de família, assistência, educação e formação profissional, exercendo a sua ação em todo o território nacional e estabelecendo delegações nas Províncias Ultramarinas[26].
Em síntese, no Estado Novo, o regime legal em vigor assentava nas Casas dos Pescadores e na Junta Central, encarregada de “orientar e coordenar” a obra das Casas dos Pescadores e decorria da Lei n.º 1953, de 11 de março de 1937, do Decreto-Lei n.º 48 506, de 30 de julho de 1968, reformulado pelo Decreto-Lei n.º 388/71, de 18 de setembro, e da Lei n.º 2115, de 18 de junho de 1962.
Neste enquadramento, as Casas dos Pescadores eram constituídas por sócios efetivos e sócios contribuintes, sendo considerados como efetivos todos os marítimos titulares de cédula marítima, passada pela autoridade marítima da respetiva área, como pescadores ou auxiliares de pesca, e que exercessem efetivamente a profissão.
Em adição, mediante prévia autorização da Junta Central, eram inscritos na qualidade de sócios efetivos: i) os indivíduos portadores de cédula marítima que exercessem “efetivamente misteres que lhes deem a caraterística de gente do mar” e ii) os marítimos que exercessem a sua atividade fora da área da Casa dos Pescadores onde efetuassem a sua inscrição, “mas em locais que sejam mais próximos dela do que em qualquer outra e em que não haja Secções”.
Os sócios efetivos concorriam para a Casa dos Pescadores, da sua área de atividade ou de inscrição, com uma quota mensal e, para as ações de previdência, abono de família, assistência e ação social, a cargo da Junta Central, com o pagamento de percentagens das suas retribuições ou do valor da pesca, conforme os casos, fixadas nas disposições legais em vigor.
Não obstante essa estatuição, os sócios efetivos ficavam isentos do pagamento de quaisquer contribuições, enquanto permanecessem no exercício da sua profissão no estrangeiro, “salvo o que dispuserem de forma diferente as convenções internacionais aplicáveis”.
Ficariam, também, isentos os sócios efetivos impedidos de exercer a sua profissão e, ainda, nas hipóteses de:
a) doença ou acidente de trabalho que se prolongasse por mais de um mês, desde que confirmados pelos serviços médicos da Casa dos Pescadores da Junta Central;
b) maternidade, pelo período máximo de dois meses, salvo razões especiais devidamente comprovadas;
c) prestação do serviço militar, ainda que voluntário;
d) desemprego por período superior a um mês e justificado.
Por seu turno, eram obrigatoriamente sócios contribuintes todas as empresas de pesca e afins, bem como os armadores ou proprietários de embarcações de pesca, que tivessem, respetivamente, sede ou registo na área da Casa dos Pescadores, bem como as pessoas singulares ou coletivas que auxiliassem pecuniariamente, de modo permanente, a Casa dos Pescadores.
 Estes sócios contribuintes estavam sujeitos, entre outros, ao dever de contribuir para as ações de previdência, abono de família, assistência e ação social, a cargo da Junta Central, com as percentagens, sobre as retribuições pagas aos sócios efetivos, fixadas nas disposições legais.
No que tange aos sócios cumulativamente efetivos e contribuintes, os armadores e proprietários singulares de embarcações de pesca, assim como os detentores de quotas ou a qualquer título participantes do capital de empresas ou sociedades de pesca, que exercessem, pessoal e efetivamente, a profissão de pescador, seriam inscritos como sócios efetivos, sem prejuízo de a respetiva empresa, ou eles próprios individualmente considerados, estarem também inscritos como sócios contribuintes.
Tal como flui desta sucinta exposição, já então se verificava a coexistência e a compatibilidade, na mesma pessoa singular, da dupla qualidade de pescador e a de armador ou proprietário da embarcação.
Nesse caso, estes profissionais assumiam as vestes de sócios efetivos e, simultaneamente, de sócios contribuintes, e efetuavam o pagamento das correspetivas e distintas contribuições, seja para a Casa dos Pescadores, seja para a Junta Central.
 
II. 2. Prosseguindo este conciso percurso histórico, com o advento da Revolução de 25 de abril de 1974, foi encetada a democratização das Casas dos Pescadores, através do Decreto-Lei n.º 183/74, de 2 de maio, que, no seu artigo 1.º, estatuiu que os capitães dos portos deixavam de exercer as funções de presidente das Casas dos Pescadores (n.º 1) e que as respetivas direções e as mesas das assembleias gerais passariam a ser integradas, exclusivamente, por sócios efetivos que, para o efeito, seriam livremente eleitos em assembleia geral (n.º 2).
Acresce que a Portaria n.º 866/74, de 31 de dezembro, veio outorgar à Junta Central das Casas dos Pescadores a natureza de caixa de previdência e abono de família.
E, por força do n.º 2 do artigo 53.º da Lei Sindical, plasmada no Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de abril, foram revogadas as normas relativas à representação profissional contidas na regulamentação das Casas dos Pescadores.
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 49/76, de 20 de janeiro, mediante o seu artigo 1.º, veio atribuir à Junta Central das Casas dos Pescadores a natureza de uma caixa de previdência e abono de família, classificando-a de caixa sindical de previdência da espécie prevista na base XII, alínea a), da Lei n.º 2115, de 18 de junho de 1962, e, outrossim, alterar a sua designação, passando então a denominar-se Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo veio estipular que as Casas dos Pescadores passariam a designar-se delegações da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca e a deter a natureza jurídica exclusiva de meras delegações administrativas da referida Caixa de Previdência.
Em virtude do preceituado no artigo 4.º do mencionado diploma, a partir de 1 de janeiro de 1976, foi suprimida a obrigação de os beneficiários da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca pagarem quotas mensais para as respetivas delegações, sem prejuízo, todavia, da “obrigação do pagamento de contribuições, nos termos da legislação em vigor”.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 549/77, de 31 de dezembro, ratificado pela Lei n.º 55/78, de 27 de Julho, procedeu à estruturação do sistema unificado de segurança social, criando, a nível regional, os centros regionais de segurança social, vocacionados para integrarem os órgãos, serviços e instituições do sector na respetiva área, tendo as caixas de previdência de atividade sido integradas nos referidos centros regionais.
Por último, culminando este intenso labor legiferante, o Decreto-Lei n.º 110/92, de 2 de junho, veio proceder à extinção da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca e respetivas delegações, integrando os seus contribuintes, beneficiários, ações, serviços e património nos centros regionais de segurança social da respetiva área.
 
II. 3. Conforme foi enfatizado supra, a determinação das contribuições a cargo dos trabalhadores marítimos era realizada em função de percentagens das suas retribuições ou do valor da pesca, que se encontrassem fixadas nas disposições legais em vigor.
Neste contexto surgiu o Decreto n.º 420/71, de 30 de setembro, que, fazendo apelo às “caraterísticas, muito especiais, das atividades da pesca, nomeadamente da artesanal”, e invocando, ainda, “as estruturas e modalidades de ação social realizadas e programadas pela Junta Central e Casas dos Pescadores, cuja prossecução importa manter e desenvolver”, se propôs estabelecer um regime que possibilitasse a definição das adaptações necessárias para o integral enquadramento da previdência dos pescadores no regime geral.
 Assim, no seu preâmbulo, foi, assumidamente, reconhecido o desiderato de estabelecer um regime temporário, sob a gestão da Junta Central, que viabilizasse a transição do sistema então vigente “para a desejável generalização aos pescadores do regime de previdência adotado nos demais setores da atividade”.

Conforme avançou o exórdio deste diploma, foram previstos dois grupos de beneficiários, a fim de atender, em separado, ao pessoal da pesca artesanal, atividade que não tornava “viável a elaboração de folhas de soldadas, embora se não faça discriminação de esquema de benefícios”.
Assim, prescrevendo sobre o âmbito de aplicação do citado diploma, o artigo 1.º determina que são abrangidos os pescadores e auxiliares de pesca, sócios das Casas dos Pescadores, que classifica em dois grupos:
1 - Os que exerçam a profissão ao serviço de armadores de pesca e outras entidades particulares, em terra ou no mar, bem como os assalariados das companhas  de pesca.
2 - Os que exercessem atividade na profissão de pesca artesanal.
E, sob a epígrafe “Contribuições”, o artigo 2.º deste Decreto dispunha o seguinte:

               “1. Salvo o disposto no número seguinte, os beneficiários e as entidades ao serviço das quais exercem a atividade profissional contribuirão para a Junta Central das Casas dos Pescadores, respetivamente, com 5,5 e 15 por cento das retribuições por aqueles recebidas.
               2. Enquanto não for viável a elaboração de folhas de soldadas, as contribuições relativas aos beneficiários abrangidos pelo 2.º grupo do artigo anterior serão de 8,2 por cento do produto bruto de pesca realizada pelas respetivas companhas.
               3. Para o efeito do n.º 1, considera-se retribuição todas as importâncias percebidas pelos beneficiários a título de ordenados, salários, soldadas, quinhões, partes ou percentagens e caldeiradas.
               4. As contribuições mencionadas no n.º 1 serão entregues mensalmente pelas entidades patronais e as referidas no n.º 2 serão cobradas, no ato da venda do pescado, pelos serviços de vendagem da Junta Central ou, na sua falta, pelas Casas dos Pescadores respetivas.
               5. As percentagens mencionadas nos n.os 1 e 2 poderão ser alteradas por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social, mediante proposta da Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas e parecer do Conselho Superior da Ação Social.

 
Mais resulta, do respetivo artigo 5.º, que:

               “1. A Junta Central concederá os seguintes benefícios, nos termos do regime geral das caixas sindicais de previdência:
               a) Na doença (incluindo a tuberculose), prestações em espécie aos beneficiários e pensionistas e respetivos familiares;
               b) Na maternidade, subsídio pecuniário, correspondente a 100 por cento do salário médio, durante sessenta dias, por ocasião do parto, às beneficiárias, e, tanto a estas como às mulheres dos beneficiários, prestações em espécie;
               c) Na compensação dos encargos familiares, abono de família e prestações complementares;
               d) Na invalidez e na velhice, pensões aos beneficiários, sendo-lhes assegurado um quantitativo mínimo, a fixar no regulamento previsto no artigo 12.º;
               e) Por morte dos beneficiários, subsídio pecuniário aos seus familiares.
               2. Para a concessão das prestações pecuniárias aos beneficiários pertencentes ao 2.º grupo do artigo 1.º ser-lhes-ão atribuídos salários convencionais, devendo as receitas resultantes das contribuições fixadas no n.º 2 do artigo 2.º corresponder globalmente a taxa não inferior à adotada para o 1.º grupo, a incidir sobre aqueles salários.”
 

Do regime vertido nestas disposições legais retira-se a ilação de que a taxa contributiva incidia sempre sobre as retribuições pagas e recebidas por todos os trabalhadores abrangidos, abstraindo da sua inserção num ou noutro grupo.
Mais decorre que, para esses efeitos, a retribuição compreenderia “todas as importâncias percebidas pelos beneficiários a título de ordenados, salários, soldadas, quinhões, partes ou percentagens e caldeiradas”, ou seja, que poderia englobar quantias monetárias, frações do pescado e/ou outros bens em espécie, sem que ficasse descaraterizada a sua natureza.
Mais legitima o entendimento de que, a partir da publicação do Decreto n.º 420/71, os trabalhadores do 1.º grupo, a saber, os inscritos marítimos que exercessem atividade diversa da decorrente de vendagem em lota, designadamente na pesca industrial, ficariam abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, sem distinção dos trabalhadores de outros quaisquer sectores de atividade.
Resulta, ainda, a consideração, para efeitos de segurança social, de salários convencionais[27], relativamente aos pescadores que exercessem atividade na pesca artesanal.
Nesta vertente, a título transitório, até que o sistema estivesse preparado para a elaboração de folhas de soldadas, as contribuições a cargo dos trabalhadores do segundo grupo resultavam da aplicação de uma taxa sobre o produto bruto da pesca realizada pelas companhas[28], sendo cobradas, no ato da venda do pescado, pelos serviços de vendagem.
Neste específico contexto, esta lei, pese embora aluda expressamente a “quinhões, partes ou percentagens e caldeiradas”, não veio, todavia, regular a situação peculiar dos mestres-armadores da pesca artesanal e da pesca local que, apesar de deterem a sua própria embarcação, exerciam a sua atividade em condições similares às dos demais trabalhadores.
 
II. 4. Posteriormente, em 8 de fevereiro de 1975, foi editada pelo Governo da República Portuguesa[29], a “Regulamentação de Trabalho da Pesca Artesanal na Póvoa de Varzim e Vila do Conde”[30], sob a invocação da necessidade do recurso a uma portaria de regulamentação de trabalho, atendendo a que (i) as partes não dispunham de organização associativa que lhes permitisse a celebração de convenções coletivas, (ii) inexistia acordo entre as partes, relativamente a todos os pontos em litígio e (iii) a falta de acordo ocasionava prejuízos para a economia dos intervenientes e para a economia local.
Lê-se, no respetivo exórdio, que fora detetada, pela Secretaria de Estado das Pescas, uma deficiente estruturação da atividade da pesca artesanal e que se previa, para curto prazo, a instituição de medidas de apoio técnico à comunidade pesqueira em questão, traduzidas em incentivos à construção e manutenção de embarcações, em melhorias no circuito comercial do pescado e do isco e, bem assim, no estudo local de reconversão dos métodos de pesca.
Examinado o respetivo texto, alcança-se que a Base I veio estabelecer o âmbito de aplicação da portaria, circunscrevendo-o à atividade da pesca artesanal na Póvoa de Varzim e Vila do Conde, aí englobando, expressamente, os tripulantes e os mestres-armadores, proprietários das embarcações «motoras» dos referidos portos pesqueiros.
Por sua vez, no que tange à remuneração, a Base IV estipulava que:

               “1. Tomando como base uma tripulação de catorze homens, a receita líquida será dividida em vinte partes e meio, das quais sete partes e meia serão para o mestre armador (duas partes para o mestre, cinco partes e meia para a embarcação) e uma parte para cada um dos treze tripulantes, à qual acrescerá para os pescadores não mestres, 1,5 kg de pescado, da qualidade que for capturada em maior volume.
               2. Nos dias em que fiquem em terra a fazer o «aparelho», os tripulantes terão direito a um salário mínimo diário de 127$.”
 

Do respetivo texto infere-se que a remuneração do mestre-armador era de duas partes da receita líquida, enquanto a dos tripulantes não mestres era apenas de uma parte, a que acrescia, em espécie, 1,5 kg de pescado, do género que tivesse sido capturado em maior quantidade.
O que se mostra em sintonia com o regime legal vertido no supracitado Decreto n.º 420/71, vigente à data da sua publicação, em 8 de fevereiro de 1975, que, como foi realçado, veio estabelecer um regime que materializou a definição das adaptações necessárias para o integral enquadramento da previdência dos pescadores no regime geral das caixas sindicais de previdência, através da Junta Central das Casas dos Pescadores.
Na verdade, relembre-se que o n.º 2 do seu artigo 2.º veio determinar que, enquanto não fosse viável a elaboração de folhas de soldadas, as contribuições relativas aos beneficiários que exercessem a sua atividade na profissão de pesca artesanal seriam de 8,2 por cento do produto bruto de pesca realizada pelas respetivas companhas.
E, no n.º 2 do seu artigo 5.º, foi consignado que, para a concessão das prestações pecuniárias aos aludidos beneficiários, ser-lhes-iam atribuídos salários convencionais, devendo as receitas resultantes das contribuições fixadas no n.º 2 do artigo 2.º corresponder globalmente a taxa não inferior à adotada para o 1.º grupo, a incidir sobre aqueles salários.
E, com relevo para o caso em presença, a Base II da Regulamentação de Trabalho em análise dispunha que a portaria produzia efeitos retroativos a 15 de janeiro de 1975 e vigoraria pelo período de seis meses, no termo dos quais seriam revistas as condições de trabalho aí estatuídas.
Nesta conformidade, visando, assumidamente, garantir aos trabalhadores interessados a manutenção das condições de trabalho implementadas e, por essa via, acudir, de novo, à debilidade económica desses profissionais, veio, por via administrativa, a Portaria de Regulamentação de Trabalho da Pesca Artesanal na Póvoa de Varzim e Vila do Conde[31], mediante a sua Base Única, prorrogar o prazo de vigência estabelecido na mencionada Base II, até se tornarem efetivas as medidas de apoio constantes do exórdio/ proémio da citada Portaria, com o limite máximo de seis meses.
Mas, a despeito da fixação desse prazo limite, a referida Portaria de Regulamentação manteve-se em vigor, tendo cessado a sua vigência na data da publicação do contrato coletivo de trabalho (CCT), celebrado em 14 de maio de 1979, entre a Associação do Norte dos Armadores da Pesca Artesanal e os Sindicatos dos Pescadores da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31/79, de 22 de agosto de 1979[32].
Efetivamente, de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 23.º[33] do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de fevereiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de dezembro, vigente à data, as Portarias apenas se mantinham em vigor até serem substituídas por novos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho[34].
Destarte, atendendo a que a CCT de 1979 regulava matérias análogas e era aplicável no mesmo âmbito setorial, geográfico e profissional de aplicação da Portaria, esta deixou de ser aplicável às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores filiados nas associações outorgantes da Convenção Coletiva de Trabalho, a partir da data da sua publicação, em 22 de agosto de 1979.
Assim, por força da Convenção Coletiva de Trabalho entre a Associação dos Mestres Proprietários da Pesca Artesanal da Zona Norte e os Sindicatos dos Pescadores da Póvoa do Varzim e Vila do Conde, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 31/79, de 22 de agosto[35]:
 

Cláusula 34.ª
 
               A remuneração do trabalho, depois de feitos os descontos legais e retiradas as despesas da maré[36] será feita nos seguintes termos:
               a) Barcos de redes – 50% para a entidade patronal e 50% para a tripulação;
               b) Barcos de covos – 45% para a entidade patronal e 55% para a tripulação;
               c) Barcos de anzol – 35% para a entidade patronal e 65% para a tripulação;
               § Para efeitos de retribuição o mestre é considerado como um tripulante.
 

Decorre da Cláusula 108.ª da mesma Convenção Coletiva que “As categorias profissionais previstas no âmbito desta convenção são as de mestre e de pescador”.
Por seu turno, estabelece a sua Cláusula 109.ª que:

               “1 – O mestre só a título transitório e nos casos previstos nesta convenção não será simultaneamente o proprietário da embarcação, competindo-lhe o comando desta, a direção e o planeamento de todos os trabalhos a bordo e em terra e dar as «ordens» e demais funções consignadas nesta convenção e na lei.
               2 – Todos os restantes tripulantes serão indistintamente classificados como pescadores.
               § único. Nos casos em que se não verifique a simultaneidade prevista no n.º 1 desta cláusula, o mestre será, para todos os efeitos, considerado como o legal representante do armador.
 
Surpreende-se, pois, de novo, nesta Convenção Coletiva, não só a existência de duas categorias profissionais: a de mestre e a de pescador, mas também, a possibilidade de o mestre ser, concomitantemente, o proprietário da embarcação – o que constitui a regra – ou, não o sendo, assumir as funções de legal representante do armador, apenas em casos excecionais, o que vale dizer, a título transitório e nos casos previstos nesta convenção.
Mas, se, para efeitos de retribuição, o mestre é considerado como um tripulante, temos que a remuneração prevista nas alíneas a) a c) da Cláusula 34.ª, relativa às percentagens que cabem à entidade patronal, é a remuneração que recebe a título de proprietário da embarcação, o que corrobora a previsão de uma “parte” nessa qualidade, sem prejuízo da que lhe caiba como “mestre”, a retirar da parte remanescente destinada a toda a tripulação.

 
II. 5. O Decreto-Lei n.º 110/92, de 2 de junho, veio operacionalizar a extinção da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca e proceder à integração dos respetivos contribuintes, beneficiários, ações, serviços e património, nos ex-Centros Regionais de Segurança Social, os quais se encontram atualmente integrados no Instituto da Segurança Social, I. P.
Sucede que, aquando da integração da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca (CPAFPP) nos Centros Regionais de Segurança Social da respetiva área, a Direção-Geral de Apoio Técnico à Gestão, pertencente à orgânica do então designado Ministério do Emprego e da Segurança Social, constituiu o Núcleo de Acompanhamento do Processo de Integração, o qual se destinava a garantir a informação necessária, nesta matéria, aos Centros Regionais de Segurança Social envolvidos nesse processo.
Sucede que o referido Núcleo veio instituir as respetivas regras de funcionamento, donde emerge a descrição pormenorizada do regime da pesca artesanal e em que se destacam as diferenças que o separam do regime geral, nomeadamente, no que tange à forma de cativação e ao tratamento das contribuições.
O denominado "Documento relativo à integração da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca" condensou as regras e procedimentos a observar na realização desse processo de integração e, quanto ao regime da pesca artesanal, veio esclarecer o seguinte:

               "1.3. O pescado pode ser vendido em mais do que uma lota, independentemente da área de registo da embarcação.
               1.4. As lotas por cada embarcação elaboram um Boletim P3 que é enviado, durante o mês seguinte, para o distrito de registo da mesma[37] (atualmente para a respetiva delegação do CPAFPP).
               Deste boletim constam, para além da identificação da embarcação, o valor bruto do pescado, a contribuição cobrada e o(s) dia(s) do mês em que ocorreu(ram) a(s) venda(s).
               1.5. Com base neste boletim é elaborado o modelo P4 (Folha de remunerações) com a identificação do contribuinte e da embarcação, o nome e número de beneficiário dos trabalhadores que no mês prestaram serviço na embarcação, as “partes" a que cada um tem direito e o total do valor do pescado.
               O P4 é elaborado pelos atuais delegações da CPAFPP, quando o mesmo não é remetido pelos contribuintes. (...)
               1.6. Com base nos elementos constantes do P4, a CPAFPP vai determinar a remuneração correspondente a cada trabalhador, de acordo com o seguinte
               (...)
               1.6.3. Os 34,48% resultantes da fórmula utilizada são aplicados ao valor bruto do pescado, determinando-se, assim, as remunerações totais que serão distribuídas pelos “companheiros”, de acordo com o número de partes indicadas para cada um.
               São estas as remunerações que vão ser registadas para cada trabalhador.
               Caso não sejam indicadas as partes, o valor é distribuído igualmente por todos.
               É ainda de referir que, quando o P4 não indica o número de dias de trabalho, mas apenas os dias de venda, consideram-se três dias de trabalho por cada dia de venda para cada trabalhador, até um máximo de 30 dias.
               1.7. Cada lota remete à Docapesca, em regra até ao dia 19 do mês seguinte ao de referência, uma Guia modelo 511.45, referente às contribuições cobradas no mês de referência, e relativa a todas as embarcações (contribuintes) que lá venderam o pescado.
               1.8. É, por seu turno, a Docapesca que, posteriormente, remete as guias recebidas das diversas lotas à atual CPAFPP, não havendo, portanto, referência aos contribuintes que efetuaram o pagamento das suas contribuições.
               (…)”
 

Deriva, pois, deste "Documento” que incumbia à Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca e, após, aos ex-Centros Regionais a aplicação do regime, designadamente, proceder ao registo das “partes” atribuídas a cada pescador e que, só no caso de não terem sido indicadas, o valor deveria então ser igualmente distribuído por todos os trabalhadores da embarcação que tivessem prestado atividade nesse mês.
Resta aditar que estas instruções, que acolheram e aplicaram as operações e procedimentos até então implementados pela Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca, foram, depois, adotados pelos Centros Regionais, em virtude da sua aprovação, pelo então Secretário de Estado da Segurança Social, por despacho de 7 de agosto de 1992.
 
II. 6. Neste excurso pelo regime legal aplicável, importa, agora, ter presente a Lei n.º 15/97, de 31 de maio[38], alterada pela Lei n.º 114/99, de 3 de agosto[39], na redação atual decorrente da última alteração operada pela Lei n.º 29/2018, de 16 de julho[40], diploma que estabelece o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca[41].

Do respetivo articulado, com relevo para o caso em presença, respigamos as seguintes disposições:
Artigo 1.º
Princípio geral
               1 – É aprovado o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca como tal registadas nos portos nacionais.
               2 – As embarcações de pesca estrangeiras afretadas por pessoas singulares ou coletivas nacionais, para tal autorizadas nos termos da lei, ficam igualmente sujeitas ao regime jurídico referido no número anterior.
               3 – O presente regime não prejudica a prevalência de disposições mais favoráveis constantes de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de contrato individual de trabalho.
               4 – Na ausência de regulamentação coletiva de trabalho e desde que não contrariem a lei ou o contrato individual de trabalho, serão atendíveis os usos da profissão ou da empresa.
               5 – O regime da presente lei é aplicável quer aos contratos celebrados depois da sua entrada em vigor quer aos celebrados antes, salvo quanto aos efeitos de factos ou situações totalmente passados relativamente àquele momento.
 
A ideia central a reter é a de que se cura, nesta sede, do regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, como tal registadas nos portos nacionais, sem qualquer distinção sobre o tipo de atividade realizada, e que, no seu âmbito de aplicação, estão igualmente englobadas as embarcações de pesca estrangeiras afretadas por pessoas singulares ou coletivas nacionais, para tal autorizadas nos termos da lei.
Desta Lei dimana, outrossim, que o respetivo regime se aplica, indiferentemente, aos contratos a celebrar após a sua entrada em vigor, e aos contratos anteriormente formalizados, ressalvados os efeitos de factos ou situações totalmente verificados ou produzidos antes da sua vigência, o que se revela em sintonia com as regras da aplicação das leis no tempo, contempladas no artigo 12.º do Código Civil. 
Mais emerge deste concreto preceito que o regime contido nesta Lei não prevalece sobre as disposições constantes de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de contrato individual de trabalho, quando estas se revelarem mais favoráveis ao trabalhador.
Provém, ainda, do preceito em exame, que, para a hipótese de inexistir regulamentação coletiva de trabalho, a lei manda atender aos usos da profissão ou da empresa, suposta a sua não contrariedade à lei ou ao contrato individual de trabalho.
Do diploma em exame, resulta, ainda:
Artigo 4.º
Conceitos
 
               Para efeitos do presente diploma, considera-se:
               a) Embarcação – todo o barco ou navio registado e licenciado para a atividade da pesca, seja qual for a área de exploração ou as artes de pesca utilizadas;
               b) Armador – a pessoa singular ou coletiva titular de direito de exploração económica da embarcação;
               c) Comandante, mestre ou arrais – a pessoa investida com todos os direitos e obrigações que o comando da embarcação implica, sejam de natureza técnica, administrativa, disciplinar ou comercial, que exerce por si ou como representante do armador, nos termos deste diploma e da demais legislação aplicável;
               d) Tripulante – o trabalhador, inscrito marítimo, que faz parte do rol de tripulação de uma embarcação de pesca ou foi contratado para dela fazer parte;
               e) Representante do armador – é o comandante, mestre ou arrais da embarcação, sem prejuízo da legal representação, que compreende, designadamente, os diretores, administradores e delegados.
 
Este preceito veio facultar os conceitos de «embarcação», «armador», «comandante, mestre ou arrais», «tripulante» e «representante do armador», face à especificidade da atividade da pesca, visando esclarecer o sentido e alcance dessas expressões, estritamente para os efeitos desta lei.
E, nas disposições iniciais, este diploma veio, ainda, definir em que consiste o próprio contrato, nos termos que seguem:
 
Artigo 3.º
Noção
 
               1 – O contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca é aquele pelo qual o inscrito marítimo, titular de cédula marítima válida, abreviadamente designado por marítimo, se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade profissional a um armador de pesca, sob a autoridade e direção deste ou do seu representante legal.
               2 – Considera-se que a prestação de trabalho do marítimo ocorre a bordo de embarcações de pesca e em terra, na execução de tarefas específicas da atividade da pesca ou relacionadas com a embarcação.
 
Este normativo dá-nos a noção de «contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca» e, da sua análise, constata-se que estão, aqui, presentes as caraterísticas fundamentais de qualquer outro contrato de trabalho, mormente, o vínculo sinalagmático entre a prestação do trabalho e a retribuição e a realização do trabalho sob a autoridade e a direção do empregador ou do seu legal representante.
De realçar a norma do seu n.º 2 que, ao definir o local da prestação do trabalho do marítimo, o situa, quer a bordo da embarcação de pesca, quer em terra, na realização de tarefas próprias da pesca ou relativas à embarcação.
E, por pertinente, convoca-se o artigo 27.º que, sob a epígrafe “Princípio geral”, dispõe sobre os componentes da retribuição nos moldes que se reproduzem de seguida:
               “1 – Considera-se retribuição a remuneração base e todas as outras prestações periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, e tudo aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o marítimo tem direito como contrapartida do seu trabalho.
               2 – Podem fazer parte integrante da retribuição, consoante o tipo de pesca:
               a) O vencimento base, soldada fixa ou parte fixa;
               b) O estímulo de pesca, caldeirada ou quinhões;
               c) A percentagem de pesca, parte variável ou partes;
               d) As diuturnidades;
               e) O subsídio de viagem;
               f) O subsídio de gases ou compensação por serviços tóxicos;
               g) Qualquer outra prestação similar decorrente dos usos e costumes ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
 
O que, paradigmaticamente, traduz a caraterização legal como retribuição de “tudo aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o marítimo tem direito como contrapartida do seu trabalho”.
Por outro lado, também neste diploma, «a percentagem de pesca, parte variável ou partes» surgem como um eventual componente da retribuição dos trabalhadores marítimos, condicionado apenas ao tipo de pesca a que respeita.
E, por força do seu artigo 28.º, ao marítimo é reconhecido o direito a subsídio de Natal, “cujo montante será fixado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou contrato individual de trabalho, não podendo ser inferior ao salário mínimo nacional”.
Decorre, ainda, do respetivo artigo 29.º que “No ato do pagamento da retribuição deve ser entregue ao marítimo documento, donde constem o seu nome completo, números de inscrição marítima, de beneficiário da segurança social e de contribuinte, o período a que a retribuição corresponde, discriminação das importâncias recebidas, descontos e deduções efetuados, bem como o montante líquido a receber”.
Nesta resenha abreviada, surpreende-se um regime que, nos seus traços fundamentais, não se opõe ao - ou diverge - do regime laboral geral, pese embora as especificidades associadas à atividade piscatória, que postularam e/ou justificaram uma abordagem legal, por vezes, distinta.
Todavia, se é certo que esta lei valida, em geral, a consideração das “partes” como integrante da remuneração do trabalhador marítimo, é igualmente seguro que não é nesta sede que poderemos aferir da consideração de quaisquer partes específicas, seja para o pescador, seja para os mestres-armadores.
Pelo que, não é sob este prisma que obtém resposta a questão central que constitui objeto do presente parecer que, a esta luz, permanece por solucionar.
 

II. 7. O já assinalado Decreto n.º 420/71, de 30 de setembro, após uma longa vigência, viria a ser revogado[42] pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro[43], que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Mas, se é certo que dedicou os artigos 97.º a 99.º[44] aos trabalhadores da pesca local e costeira, é igualmente seguro que não inovou, nas soluções que consagrou, não se afastando do tratamento conferido pelo anterior diploma.
Com efeito, malgrado a evolução e transformação registadas no setor da pesca, o legislador do Código dos Regimes Contributivos, nos referidos preceitos, optou por consagrar, de novo, o regime contributivo singular conferido à pesca local e costeira pelo antecedente Decreto n.º 470/71, de 30 de setembro[45].
Assim, o artigo 97.º do Código, no que ora importa, versa sobre o âmbito pessoal do regime da pesca local e costeira e considera abrangidos pelo regime geral, com as especificidades previstas nessa Subsecção, os trabalhadores que exercem atividade profissional na pesca local e costeira, bem como os proprietários de embarcações, que integrem o rol de tripulação e exerçam efetiva atividade profissional nestas embarcações.
E, estatuindo sobre a base de incidência contributiva[46], o n.º 1 do artigo 98.º determina que a contribuição relativa aos trabalhadores e aos proprietários de embarcações que integram o rol de tripulação e exerçam efetiva atividade profissional nestas embarcações, corresponde a 10% do valor bruto do pescado vendido em lota, a repartir de acordo com as respetivas partes.
Por último, o artigo 99.º deste Código estabelece que a taxa contributiva, para efeitos de cálculo de remuneração dos sujeitos abrangidos pelo artigo 97.º e regulados pelo artigo 98.º, corresponde a uma taxa global de 29%, sendo de 21% para as entidades empregadoras e de 8% para os trabalhadores.
O que significa que o legislador decalcou o peculiar sistema contributivo que fora implementado pelo Decreto n.º 420/71, em que a base de incidência contributiva se reportava ao valor bruto do pescado vendido em lota.
O Código dos Regimes Contributivos veio, portanto, acolher e reiterar as mencionadas orientações interpretativas, que mereceram a aprovação do então Secretário de Estado da Segurança Social, por despacho proferido em 7 de agosto de 1992, ao estabelecer que, com base na contribuição apurada, que equivale à aplicação da taxa contributiva à base de incidência, se determinam as remunerações totais que, subsequentemente, serão repartidas e registadas por cada trabalhador, em função do número de partes indicado para cada um deles.
Permaneceram, pois, inalteradas as regras anteriormente aplicadas, nos competentes serviços de Segurança Social, traduzidas na consideração das “partes” indicadas em cada declaração mensal rececionada, sendo as ditas declarações, e as informações que fornecem, que irão servir de suporte à elaboração do P4, e ao cálculo da remuneração convencional destes trabalhadores.
Será esta remuneração convencional que irá ser registada na carreira do trabalhador e que servirá de base à determinação da remuneração de referência para cálculo do valor das prestações a que o trabalhador possa vir a ter direito, designadamente para cálculo do valor da pensão de velhice.
 
II. 8. Decorre, ainda, do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 40.º do citado Código dos Regimes Contributivos, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, que as entidades contribuintes são obrigadas a efetuar, até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que diga respeito. a declaração de remunerações que constitui a base de incidência contributiva, os tempos de trabalho que lhe correspondem e a taxa contributiva aplicável.
E, nos termos dos n.os 1 e 3 do seu artigo 41.º, essa declaração de remunerações é apresentada por transmissão eletrónica de dados, através do sítio na Internet da segurança social, sob pena de rejeição por parte dos serviços competentes.
Todavia, no que tange à Declaração de remunerações dos trabalhadores da pesca local, o artigo 17.º do Decreto Regulamentar 1-A/2011, de 3 de janeiro[47], que procedeu à regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, prescreve o seguinte:

 
               “1 - A declaração de remunerações relativa aos trabalhadores da pesca local e costeira, cujas remunerações são calculadas com base no valor do produto bruto do pescado vendido em lota, é preenchida e entregue, pelos proprietários das embarcações, nas entidades que asseguram os serviços de vendagem em lota.
               2 - As entidades de segurança social competentes e as entidades que asseguram os serviços de vendagem em lota celebram, no prazo máximo de três meses, protocolo que garanta o apoio necessário aos proprietários das embarcações no preenchimento das declarações de remunerações”.
 

Destarte, o n.º 1 desta disposição legal passou a exigir que a declaração de remunerações, relativa aos trabalhadores da pesca local e costeira, abrangidos pelo regime específico previsto no artigo 98.º do Código dos Regimes Contributivos, em que as remunerações são calculadas com base no valor bruto do pescado vendido em lota, fosse entregue pelos proprietários das embarcações nos serviços que asseguram os serviços de vendagem em lota[48].
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo prevê que os serviços da Segurança Social e os serviços de venda em lota articulem entre si a forma de assegurar o necessário apoio aos proprietários das embarcações no cumprimento da obrigação contributiva.
Aqui chegados, cumpre definir a natureza, missão e fins da atrás mencionada “Docapesca”.
Assim, efetuando um breve périplo pelo regime legal que a rege, o Decreto-Lei n.º 107/90, de 27 de março, procedeu à integração do Serviço de Lotas e Vendagem na Docapesca, S.A., dando nova denominação à referida sociedade - Docapesca - Portos e Lotas, S.A. - e aprovando os respetivos Estatutos, publicados em anexo.
O mencionado Decreto-Lei n.º 107/90 transformou a Docapesca - Sociedade Concessionária da Doca de Pesca, S.A. em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, e transferiu para a sua titularidade o serviço de lotas e vendagem.
Ulteriormente, o Decreto-Lei n.º 16/2014, de 3 de fevereiro, procedeu à atribuição à Docapesca - Portos e Lotas, S.A. das funções de autoridade portuária, até então exercidas pelo Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, I.P. 
A Docapesca – Portos e Lotas, S.A. é uma empresa do Setor Empresarial do Estado, tutelada pelo Ministério do Mar, que, nos termos do Decreto-Lei n.º 107/90 de 27 de março, tem a seu cargo no continente português, o serviço público da prestação de serviços de Primeira Venda de Pescado, bem como o apoio ao Setor da Pesca e respetivos portos[49].
Os Estatutos que atualmente a regem foram publicados em anexo ao Aviso n.º 9698/2015, no Diário da República, 2.ª série, n.º 167, de 27 de agosto de 2015.
Devido às específicas funções que lhe são cometidas, e por imperativo do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto Regulamentar 1-A/2011, de 3 de janeiro, foi celebrado, em 21 de março de 2011, um Protocolo de colaboração entre o Instituto da Segurança Social, I.P. e a Docapesca Portos e Lotas, S.A.[50].
Após uma sucinta nota preambular, que frisa o facto de a DOCAPESCA S.A. ser a empresa do sector empresarial do Estado a quem está atribuída, em regime de exclusivo, a prestação do serviço público da primeira venda do pescado em lota no continente, a respetiva Cláusula 1.ª refere o que segue:

               “O presente protocolo regula os termos em que se deve processar a colaboração entre o Instituto e a Docapesca, nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, definindo os procedimentos que permitam assegurar o apoio necessário aos proprietários das embarcações da pesca local e costeira, que efetuam desconto em lota, no cumprimento da obrigação de declaração das remunerações dos trabalhadores ao seu serviço junto da Segurança Social”.
 
Por seu lado, a Cláusula 2.ª regula o âmbito de aplicação do referido Protocolo, nos termos seguintes:
 
              “ As Partes acordam colaborar nos seguintes domínios:
               1 - Apoio no preenchimento das declarações de remunerações.
               1.1 - Reconhecimento dos montantes cativados em lota (n.º 1, do art.- 98.º, do Código Contributivo),
               1.2 - Reconhecimento dos inscritos marítimos que têm simultaneamente a qualidade de proprietários;
               1.3 - Reconhecimento dos montantes correspondentes às partes dos proprietários inscritos marítimos.
               2 - Receção das declarações de remunerações:
               (…)
               3 - Reconhecimento dos montantes a pagar, referentes às cativações efetuadas em lota.
               4 - Entrega na Segurança Social das declarações de remunerações:
               (…)
               5 - Prazos de receção e entrega das declarações de remunerações.
               6 - Prazos de pagamento das cativações efetuadas”[51].

 
E, com relevo para a situação configurada no parecer, por força da respetiva Cláusula 4.º, epigrafada “Obrigações da Docapesca”, pelo protocolo a Docapesca assumia, entre as demais, as seguintes obrigações:

               “(…)
               3. Receção de comunicação formal contendo a determinação dos montantes correspondentes às partes do proprietário, bem como a informação caso sejam simultaneamente inscritos marítimos. Caso o proprietário não comunique à DOCAPESCA as suas partes de modo a que, nos termos do art. 34.º n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, se possa aplicar o disposto no n.º 1 do art 98.º, o valor cativado pela DOCAPESCA apenas dirá respeito ao montante relativo aos inscritos marítimos;
               (…)
               5. Proceder à redução dos montantes cativados em lota, por exclusão do montante correspondente às partes do proprietário e entregar, acompanhado de ficheiro, o remanescente ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, com a discriminação por contribuinte;
               (…)”.
 

A transcrição, a que se procedeu, do conteúdo das cláusulas mais significativas deste Protocolo não foi inócua, já que teve o condão de patentear, sem margem para dúvidas, que, à data da sua celebração, em 21 de março de 2011, o ISS, I.P. reconhecia as “partes” a que o proprietário tinha direito, nessa estrita qualidade, independentemente de fazer – ou não – parte da tripulação, e que, através da colaboração da Docapesca - Portos e Lotas, S. A., pretendia garantir o apoio necessário, aos proprietários das embarcações da pesca local e costeira, que efetuam desconto em lota.
De resto, elucidativo do papel primordial da Docapesca - Portos e Lotas, S. A., no apoio ao Setor da Pesca, evoca-se o Fundo de Compensação Salarial dos Profissionais da Pesca, criado pelo Decreto-Lei n.º 311/99, de 10 de agosto, republicado pelo Decreto-Lei n.º 61/2014, de 23 de abril, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 52/2017, de 26 de maio, que tem como objetivo garantir a prestação de apoio financeiro aos profissionais da pesca que fiquem impedidos ou limitados de exercer a sua atividade, em virtude das condições naturais adversas que originam falta de segurança na barra ou no mar, pela necessidade de preservação ou gestão dos recursos, por motivos de saúde pública ou defesa do ambiente, ou por condicionantes decorrentes do carácter migratório das espécies e pela especialização da frota exclusivamente nessa atividade.
De relevo, assinala-se que o seu artigo 5.º-A, aditado pelo Decreto-Lei n.º 52/2017, veio prever o pagamento, relativamente aos montantes de compensação salarial atribuídos a cada profissional da pesca, dos valores equivalentes a contribuições e quotizações de cada trabalhador para o sistema previdencial de segurança social, cabendo, também neste âmbito, à Docapesca - Portos e Lotas, S. A., transferir para a segurança social os montantes apurados de acordo com a taxa contributiva aplicável ao trabalhador em virtude do seu enquadramento no regime geral de segurança social[52].
 
II. 9. À luz do regime legal aplicável e atentos os elementos disponibilizados, não se divisa, pois, que padeça do vício de violação de lei[53] a deliberação do Conselho Diretivo do ISS, I.P., tomada em 12 de abril de 2016, que determinou a correção dos registos existentes nos históricos dos beneficiários aí identificados, de acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho do Setor e mais ordenou o consequente recálculo do montante das pensões que lhes tinham sido atribuídas, retroagindo a data da reavaliação a maio de 2014.
Assim, determinadas que se mostram as coordenadas do problema em análise, constata-se que as leis sucessivas que, durante o Estado Novo e, após, na vigência do regime democrático surgido com o 25 de abril de 1974, regularam a matéria das contribuições para a segurança social dos trabalhadores da pesca local e costeira, não tomaram expressa posição sobre o número de “partes” cabível a cada uma das categorias dos trabalhadores marítimos: a de mestre-armador e a de pescador.
Todavia, as leis consecutivas que, ao longo de várias décadas, foram sendo editadas, permitiram e avalizaram o entendimento pacífico e consolidado, que esteve subjacente ao modus operandi dos serviços de segurança social, e que esteve na base do regime implementado, durante essas décadas.
Trata-se, portanto, de um regime consensual e reiteradamente aplicado, que, ao que tudo indica, surgiu com o advento da Junta Central das Casas dos Pescadores, se manteve no âmbito de vigência da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca, e que, aquando da sua extinção, foi transmitida aos ex-Centros Regionais de Segurança Social, estes últimos posteriormente integrados no atual Instituto da Segurança Social, I.P.
Efetivamente, conforme melhor se alcança dos elementos disponibilizados, teria sido, aparentemente, a atuação da Docapesca - Portos e Lotas, S.A. – organismo público incumbido, até ao ano de 2011, de elaborar e remeter aos serviços da Segurança Social os Boletins P3, com base nos quais era preenchido o modelo P4 (Folha de remunerações respeitante aos profissionais da pesca local e costeira) – que impediu que os registos de remunerações tivessem sido corretamente efetuados, de acordo com as leis em vigor, as convenções coletivas vinculativas aplicáveis e os usos locais sedimentados, nas localidades em causa e no âmbito da referida atividade piscatória.
Estamos perante factos que, obviamente, fundamentaram as sucessivas e divergentes tomadas de posição do Conselho Diretivo e, ademais, ditaram as deliberações contraditórias a que deram corpo.
A prolação da Deliberação n.º 243/2018, de 6 de dezembro, que revogou expressamente a anterior deliberação do Conselho Diretivo do ISS, I.P., de 12 de abril de 2016, representou a rutura com o regime anteriormente aplicado e consolidado por décadas e a desconsideração dos erros dos Serviços do ISS, I.P.
Vale, a propósito, convocar, nesta sede – para além das razões já evidenciadas, na argumentação atrás aduzida –, quer o valor jurídico dos usos que não forem contrários ao princípio da boa-fé, reconhecido no n.º 1 do artigo 3.º do Código Civil e outrossim, no artigo 1.º do Código do Trabalho, quer o princípio da boa-fé ou da proteção da confiança, constitucionalmente proclamado na norma do n.º 2 do artigo 266.º da Lei Fundamental e positivado no artigo 10.º do CPA de 2015.
De todo o modo, reafirma-se que estão fora do objeto do presente parecer, quer as vicissitudes históricas relacionadas com os erros dos registos de remunerações, quer a alegada ausência de registos de uma terceira parte na repartição do valor convertido do montante de contribuição que foi historicamente apurado através do regime de venda em lota, matéria esta carecida de comprovação através dos pertinentes meios de prova, razão por que, no que concerne a esta problemática, não se justificam, neste campo, mais e melhores desenvolvimentos.
 
III
 
III. 1. O segundo tema equacionado, no pedido de consulta, radica em determinar quais os efeitos que resultarão do esclarecimento do regime legal aplicável, mormente “nos atos e procedimentos a desencadear pelos serviços de segurança social e nas posições jurídicas dos beneficiários, já formadas ou em formação”.
Atenta a posição assumida supra, quanto à primeira questão formulada, reafirma-se que não se descortinou, de acordo com os elementos disponibilizados, que padeça do vício de violação de lei a deliberação do Conselho Diretivo do ISS, I.P., tomada em 12 de abril de 2016, que determinou a correção dos registos existentes nos históricos dos beneficiários aí identificados, de acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho do Setor e mais ordenou o consequente recálculo do montante das pensões que lhes tinham sido atribuídas, retroagindo a data da reavaliação a maio de 2014.
Destarte, cumpre-nos apurar quais os efeitos que essa posição doutrinária irá, forçosamente, determinar, maxime, na Deliberação n.º 243/2018, de 6 de dezembro de 2018, do Conselho Diretivo do ISS, I.P., ato administrativo de segundo grau, que procedeu à revogação do ato precedente.
 

III. 2. Conforme transparece do expediente anexo ao pedido de consulta[54], foi, além do mais, formulada a proposta de sustar a aplicação da referida Deliberação n.º 243/2018, até à completa dilucidação da questão jurídica controvertida e da utilização do princípio da igualdade de tratamento para pedidos de revisão do valor da pensão com base na correção do registo de remunerações.

A referida proposta obteve despachos de concordância, datados de 24 de outubro de 2019, quer da cessante Secretária de Estado da Segurança Social, quer, ainda, de Sua Excelência o então Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Pelo que, a partir dessa data, encontram-se suspensos os efeitos da Deliberação em apreço, e daí, diferida temporariamente a sua aplicação.
Todavia, não foi arredada definitivamente da ordem jurídica, mantendo-se, pois, intocada a sua validade, cumprindo, pois, apurar qual o regime jurídico concretamente aplicável in casu.
As instituições públicas de solidariedade e segurança social gozam de regime especial, com derrogação do regime comum na estrita medida necessária à sua especificidade, conforme foi expressamente consagrado no artigo 48.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, que aprovou a Lei-Quadro dos Institutos Públicos[55].
Nesta conformidade, há que chamar à colação o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30 de março, que aprovou a orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P., que lhe atribuiu a natureza de um instituto público de regime especial, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, prosseguindo atribuições do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, sob superintendência e tutela do respetivo ministro.
A sua caraterização como instituto público impõe que se retirem as necessárias consequências sobre a natureza e o regime dos seus atos.
Assim, o ISS, I.P., embora dotado de um regime especial, de todo o modo, detém os traços definidores caraterísticos destes organismos, maxime, a personalidade jurídica, a autonomia administrativa e financeira, a integração na esfera da administração indireta do Estado, e a sujeição aos poderes de superintendência e de tutela do Governo[56].
 Tal como se depreende da norma do n.º 1 do artigo 3.º do aludido Decreto-Lei n.º 83/2012, o ISS, I.P. está adstrito a uma missão, incumbindo-lhe a gestão dos regimes de segurança social, incluindo o tratamento, recuperação e reparação de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais, o reconhecimento dos direitos e o cumprimento das obrigações decorrentes dos regimes de segurança social e demais subsistemas da segurança social, incluindo o exercício da ação social, bem como assegurar a aplicação dos acordos internacionais no âmbito do sistema da segurança social[57].
Destarte, recebeu da lei a faculdade de exercer os poderes de autoridade de que foi investido e de praticar, através dos seus órgãos, verdadeiros atos administrativos, na aceção do artigo 148.º[58] do novo CPA e, outrossim, a de executar, por autoridade própria, as decisões dos seus órgãos[59].
Se os atos do ISS, I.P. – que, v.g., indeferirem uma pretensão ou uma reclamação, rejeitarem um recurso administrativo, recusarem a inscrição no regime geral, ou denegarem a concessão de uma prestação – padecerem de ilegalidade e, por isso, lesarem os legítimos direitos e/ou os interesses legalmente protegidos do interessado, poderão ser sindicados[60] talqualmente a generalidade dos atos administrativos, seja através da dedução de reclamação ou de recurso hierárquico[61] seja mediante a instauração da ação administrativa de impugnação de atos administrativos ou a de condenação à prática do ato devido, perante os tribunais da jurisdição administrativa (cfr. os artigos 163.º, n.º 3, do CPA, 50.º a 65.º e 66.º a 71.º, estes últimos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos[62]).
 
III. 3. Relembra-se, nesta sede, que, no expediente que acompanhou o pedido de pronúncia, foi suscitada a questão do suposto modo fraudulento de obtenção das prestações, por parte dos beneficiários interessados, questão situada no domínio do apuramento da matéria de facto, qua tale, fora da órbita de cognição deste Conselho Consultivo, que ao ISS, I.P. cabe dilucidar e, após a aquisição e ponderação do material probatório recolhido, atuar em conformidade.
Sem embargo, para a hipótese de se vir a comprovar que as prestações foram efetivamente obtidas mediante o fornecimento de informações desconformes com a realidade dos factos ou mediante a exibição de documentos adulterados ou cuja falta de genuinidade é ostensiva, há que atentar no artigo 78.º da Lei n.º 4/2007, que fulmina com a nulidade os “atos administrativos de atribuição de direitos ou de reconhecimento de situações jurídicas, baseados em informações falsas, prestadas dolosamente ou com má-fé pelos beneficiários”, sem prejuízo da sua punição nos termos da legislação aplicável[63].
Nesta eventualidade, o ISS, I.P. poderá socorrer-se do regime consagrado no Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, que contempla a definição das normas jurídicas referentes a situações de concessão indevida de prestações, tanto no que respeita à responsabilidade emergente do pagamento de prestações indevidas, como no que se refere à revogação dos atos de atribuição das prestações.
Assim, neste enquadramento, têm expressa consagração no Capítulo II do Decreto-Lei n.º 133/88, subordinado à epígrafe Da revogação dos atos de atribuição das prestações, matérias como a revogabilidade dos atos de atribuição das prestações, a contagem dos prazos de revogação, os respetivos efeitos e o erro de cálculo ou de escrita.
Efetivamente, dispõe o mencionado diploma:
 
Artigo 19.º
Legislação supletiva
 

               Em tudo o que não estiver expressamente previsto neste capítulo aplicam-se as normas gerais de direito administrativo.
 

Como se constata, da mera leitura da epígrafe desta disposição, a mesma contempla a eventual aplicabilidade, a título supletivo, das normas gerais de direito administrativo, as quais apenas serão aplicáveis na ausência de expressa previsão legal neste diploma.
Por assumirem interesse, na economia do presente parecer, passamos a transcrever as disposições especiais consagradas no referido diploma:
 

Artigo 15.º
Revogabilidade dos atos de atribuição das prestações
 
              1 - Os atos administrativos de atribuição de prestações feridos de ilegalidade são revogáveis nos termos e nos prazos previstos para os atos administrativos constitutivos de direitos, salvo o disposto no número seguinte.
               2 - Tratando-se de atos administrativos de atribuição de prestações continuadas, a verificação da respetiva ilegalidade após a expiração do prazo de revogação determina a imediata cessação da respetiva concessão.
 
Como se alcança do n.º 1 deste normativo, o mesmo faz apelo aos termos e prazos previstos para a revogação anulatória ou anulação dos atos administrativos constitutivos de direitos – e já não para a revogação propriamente dita, esta necessariamente circunscrita a atos válidos –, o que remete para a sua regulação, vertida, nomeadamente, nos artigos 168.º a 172.º do atual CPA.
Todavia, o citado n.º 1 ressalva, explicitamente, o disposto no seu n.º 2, que representa um regime particular, aplicável aos atos administrativos de atribuição de prestações continuadas, ao cominar a imediata cessação da respetiva concessão, se a ilegalidade for verificada após o término do prazo de revogação, i.e., uma vez esgotado o prazo da sua revogação anulatória.
De resto, em perfeita sintonia com o regime específico conferido pelo n.º 2 do artigo 79.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que, relativamente a estes atos inválidos, atributivos de prestações continuadas, permite a sua revogação anulatória com eficácia para o futuro, ainda que se mostre ultrapassado o prazo da lei geral[64].
No que concerne à contagem dos prazos, em particular à determinação do dies a quo do prazo de revogação anulatória dos atos administrativos de atribuição das prestações, importa atentar no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 133/88, disposição que regula esta questão.
Prescreve o citado preceito:
 
Artigo 16.º
Contagem dos prazos de revogação
 
               1 - O prazo de revogação dos atos administrativos de atribuição das prestações começa a contar a partir da data em que o ato foi praticado, ainda que os seus efeitos se reportem a momentos anteriores, ou da data de decisão judicial de que resulte ilegalidade na atribuição da prestação.
               2 - No caso em que os atos de atribuição das prestações não possam conter expressamente, em atenção às regras do processo de formação dos mesmos atos, a data da atribuição, considera-se que a mesma se reporta à do primeiro pagamento.
 
Trata-se aqui de um normativo que atende à singularidade dos atos de atribuição das prestações para construir um regime de contagem dos prazos que se revela mais consentâneo com esta realidade específica.
Assim, em geral, o prazo tem início na data da prática do ato ou da data de decisão judicial donde emerge a ilegalidade na atribuição da prestação.
Mas, precavendo a eventualidade da omissão da data da atribuição, o n.º 2 consagra a equiparação da data da atribuição àquela em que vier a ocorrer o primeiro pagamento da prestação.
Mais consagra o diploma em análise:
 
Artigo 17.º
Efeitos da revogação
 
               A revogação dos atos administrativos de atribuição de prestações tem como efeito a obrigação de repor, por parte dos beneficiários, os valores das prestações indevidamente recebidas.
 
Este último preceito, à semelhança do antecedente, é distinto e inovador em relação ao regime geral da revogação anulatória do ato administrativo, razão por que prevalece sobre as correspondentes disposições do CPA.
 
Artigo 18.º
Erro de cálculo ou de escrita
 
               1 - Quando haja erro de cálculo ou de escrita na atribuição das prestações, há lugar, a todo o tempo, à sua retificação.
               2 - Apenas são considerados erros de cálculo ou de escrita, para efeito do número anterior, aqueles em que seja evidente ou ostensivo o respetivo vício.
               3 - O disposto no artigo anterior é aplicável à retificação resultante de erro de cálculo ou de escrita.

 
Cotejado este preceito com o correspondente artigo 174.º do CPA de 2015, verifica-se que os dois regimes da retificação dos atos administrativos ostentam semelhanças notórias: i) ao pressuporem a verificação de meros erros de cálculo ou de escrita, ii) ao imporem o caráter ostensivo ou manifesto dos erros, iii) ao exigirem que os mesmos sejam passíveis de correção e iv) ao não estabelecerem qualquer prazo para o efeito.
O que arreda a possibilidade de proceder à correção do conteúdo do ato, fora do estrito condicionalismo previsto em ambas as disposições legais.
Assim sendo, face à consagração destas normas próprias, não se vislumbra que aqui se possa lançar mão do regime geral, o que se coaduna com o preceituado no supracitado artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril.
A sede das demais matérias, que aí não se mostram explicitamente versadas, tem, pois, que ser indagada na lei administrativa geral.
A ser assim, constituem pressupostos do recurso, a título supletivo, à lei geral: i) a falta de previsão do caso a regular, no âmbito deste capítulo II, que disciplina a revogação dos atos de atribuição das prestações de segurança social e, obviamente, ii) de uma verdadeira lacuna de regulamentação, que importe suprir.
O que significa que o legislador optou decididamente pela consagração, neste diploma, do regime que, na sua ótica, melhor se adequaria às especificidades desta problemática, e daí que, em primeira linha, o intérprete ou aplicador do direito deva socorrer-se destes normativos especiais e que, só para a hipótese de estes nada regularem, neste específico domínio, é que estará legitimado a recorrer ao regime geral de direito administrativo que, nesta vertente, se encontra plasmado nos artigos 165.º a 173.º do CPA de 2015.
Ora, nesta matéria, apesar da expressa remissão para a lei geral, depara-se-nos um evidente desfasamento entre os dois diplomas, desde logo, na diferenciação de conceitos utilizados, quando este diploma, contrariamente ao que sucede no novo CPA, não adere à filosofia que presidiu à edição deste Código, traduzida, para além do mais, na distinção entre os conceitos de revogação e de anulação administrativas, com as inerentes consequências, a nível do regime que aí lhes é conferido.
Assim, os preceitos do citado diploma continuam a referir-se à revogação dos atos administrativos de atribuição de prestações que se mostrem feridos de ilegalidade, enquanto o n.º 2 do artigo 165.º do novo CPA designa esta figura de anulação administrativa.
Efetivamente, nas palavras do próprio preâmbulo,

               “[…] o novo Código, passa agora a concretizar e aprofundar a distinção entre a revogação propriamente dita e a revogação anulatória, passando a designar esta, na esteira da generalidade da doutrina dos países europeus, como «anulação administrativa» (artigo 165.º). No seguimento da distinção, estabelecem-se os condicionalismos aplicáveis a cada uma das figuras, em função da sua finalidade e razão de ser, regulando-se com algum pormenor várias situações e resolvendo-se alguns problemas que têm sido suscitados (artigos 167.º e 168.º) […]”.
 
E o mesmo exórdio veio aditar, de seguida, que:
 
               “É de salientar a diferenciação entre a anulação administrativa e a anulação judicial dos atos administrativos, fixando-se prazos que podem não coincidir para ambos os efeitos e permitindo-se, em certas circunstâncias e condições, a anulação administrativa de atos tornados contenciosamente inimpugnáveis, com efeitos retroativos ou apenas para o futuro, no pressuposto de que o mero decurso do prazo de impugnação judicial não torna válido o ato anulável. Merece destaque, ainda, a harmonização, nesta matéria, entre o direito interno e outros ordenamentos jurídicos, em especial quando a atuação administrativa envolva a aplicação do direito da União Europeia (artigo 168.º)”.
 

Mas, abstraindo desta questão teórica, mas inquestionavelmente de grande alcance prático, perante a parcimónia dos preceitos especiais em exame, nada obsta, antes tudo impõe a aplicabilidade supletiva dos preceitos constantes dos artigos 165.º a 173.º do CPA atualmente em vigor.
Em suma, a despeito de a terminologia, em sede do Decreto-Lei n.º 133/88, persistir cristalizada nos moldes traçados pelo CPA de 1991, nada obstará, nesta matéria, à aplicabilidade do CPA de 2015, em tudo quanto não se encontre regulado no mencionado diploma.
 
III. 4. Atendendo a que a atuação do ISS, I.P. irá ser efetivada na esfera da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, na sua redação atual, resultante da Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro, é a luz e sob a égide deste diploma que passaremos a examinar a segunda questão colocada a esta instância consultiva.
Encetamos a nossa análise pela menção de que estamos perante uma lei editada pela Assembleia da República, que veio estabelecer as bases gerais em que assenta o sistema de segurança social, matéria que, por imperativo constitucional, se insere na sua área de reserva relativa de competência legislativa, proclamada na alínea f) do n.º 1 do artigo 165.º da Lei Fundamental portuguesa.
A mencionada Lei n.º 4/2007, no seu artigo 23.º, refere que o sistema de segurança social abrange o sistema de proteção social de cidadania, o sistema previdencial e o sistema complementar.
Cumpre, pois, distinguir, em traços sucintos, os três sistemas em que se desdobra o sistema de segurança social.
Assim, nos termos do n.º 1 do seu artigo 26.º, ao sistema de proteção social de cidadania presidem os objetivos gerais de garantia dos direitos básicos dos cidadãos e da igualdade de oportunidades, assim como a promoção do bem-estar e da coesão sociais.
E o n.º 2 do referido preceito mais estabelece, que, em ordem à consecução desses objetivos, ao sistema de proteção social de cidadania incumbe: a) A efetivação do direito a mínimos vitais dos cidadãos em situação de carência económica; b) A prevenção e a erradicação de situações de pobreza e de exclusão; c) A compensação por encargos familiares; e d) A compensação por encargos nos domínios da deficiência e da dependência.
Acresce que o artigo 28.º vem definir a amplitude do sistema de proteção social de cidadania, que compreende o subsistema de ação social[65], o subsistema de solidariedade[66] e o subsistema de proteção familiar[67].
Por seu turno, da conjugação do disposto nos artigos 50.º e 52.º da Lei de Bases, decorre que o sistema previdencial, assente no princípio de solidariedade de base profissional, visa garantir prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas, nomeadamente, i) Doença; ii) Maternidade, paternidade e adoção; iii) Desemprego; iv) Acidentes de trabalho e doenças profissionais; v) Invalidez; vi) Velhice; e vii) Morte.
Efetivamente, o seu artigo 51.º veio definir o âmbito pessoal do sistema previdencial, determinando, que são incluídos: i) obrigatoriamente, na qualidade de beneficiários, os trabalhadores por conta de outrem ou legalmente equiparados e os trabalhadores independentes (n.º 1) e ii) facultativamente, nas condições previstas na lei, as pessoas que não exerçam atividade profissional ou que, exercendo-a, não sejam, por esse facto, enquadradas obrigatoriamente (n.º 2).
Nesta esteira, vem o artigo 53.º aditar que o sistema previdencial abarca o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51.º
Por último, o artigo 81.º da mesma Lei ocupa-se, no seu n.º 1, da composição do sistema complementar, que engloba um regime público de capitalização e regimes complementares de iniciativa coletiva e de iniciativa individual, os quais reputa “instrumentos significativos de proteção e de solidariedade social, concretizada na partilha das responsabilidades sociais, devendo o seu desenvolvimento ser estimulado pelo Estado através de incentivos considerados adequados” (n.º 2).
 
III. 5. E, no que ora releva, constata-se que a mesma Lei de Bases dedicou à temática das “Garantias e contencioso” a Secção II do seu Capítulo IV, que ostenta a epígrafe “Disposições comuns aos subsistemas de solidariedade e proteção familiar e ao sistema previdencial”.
Importa não olvidar que a Lei de Bases da Segurança Social é uma lei especial, cujo regime, em total consonância com o artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, pretere a lei geral[68], que, neste domínio da invalidade do ato administrativo, é o Código do Procedimento Administrativo de 2015[69].
Este Conselho Consultivo, no Parecer n.º 38/1992, de 10 de março de 1993, já debateu a aplicabilidade do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro[70], em matéria de invalidade do ato administrativo, face ao estatuído na anterior Lei de Bases, vertida na Lei n.º 28/84, de 14 de agosto, revogada pela atual Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro[71].
Sucede que aí se concluiu que o velho Código do Procedimento Administrativo “inclui disposições em que se ressalva o disposto em lei especial, devendo entender-se, consequentemente, que, fora desses casos de ressalva, a disciplina do Código prevalece sobre as leis especiais anteriores”.
Todavia, no domínio do novo CPA, «a validade geral e a vocação universal»[72] dos seus preceitos foi absolutamente determinante, não tendo o respetivo artigo 2.º, na delimitação do âmbito de aplicação, excecionado a aplicação de quaisquer regimes substantivos ou procedimentais pretéritos, contidos em leis especiais.
Como bem acentua JOÃO PACHECO DE AMORIM:

               “Distingue o artigo 2.º tão só entre, por um lado, (i) os órgãos da Administração Pública – tomada esta no seu sentido subjetivo ou orgânico estrito ou clássico, com inclusão apenas do Estado-administração, das Regiões Autónomas (Governos regionais, enquanto órgãos administrativos de topo e respetivas administrações públicas), das autarquias locais, das entidades administrativas independentes e dos institutos públicos e associações públicas (cf. n.º 4 do art.º 2.º) –, e, por outro lado, (ii) todas as demais entidades de qualquer natureza [relativamente às quais erige, in fine, como critérios objetivos de aplicação do Código a este universo restante, o traduzir-se a respetiva conduta (iia) no exercício de poderes públicos ou (iib) o ser ela (conduta) regulada, de modo específico, por disposições de direito administrativo].
               A partir do muito elementar âmbito subjetivo de aplicação que se acaba de retratar, extrai-se da leitura conjugada dos n.ºs 1 e 2 do atual art.º 2.º a subordinação por regra dos órgãos da Administração Pública a todo o Código, sempre que a atividade por si desenvolvida se deva expressar, como é norma, através das formas próprias do direito administrativo, que são, classicamente, o regulamento administrativo e o ato administrativo (e ainda o contrato administrativo, só que hoje regulado pelo CCP, e já não pelo CPA).” [73] [74].
 
E, a ser assim, impõe-se apurar se a Lei de Bases da Segurança Social apresenta qualquer entrave à aplicação do novo Código do Procedimento Administrativo, especialmente nesta concreta matéria de invalidade do ato administrativo.

 
 
III. 6. Na segunda questão formulada, alude-se à necessidade de a solução a dar se compaginar com a tutela dos direitos adquiridos[75] e dos direitos em formação dos beneficiários interessados.
Nos termos do artigo 5.º da citada Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, constituem princípios gerais do sistema os princípios da universalidade, da igualdade, da solidariedade, da equidade social, da diferenciação positiva, da subsidiariedade, da inserção social, da coesão intergeracional, do primado da responsabilidade pública, da complementaridade, da unidade, da descentralização, da participação, da eficácia, da tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação, da garantia judiciária e da informação.
Como já foi evidenciado supra, o artigo 23.º do mesmo complexo normativo dispõe sobre a composição do sistema, concretizando as suas vertentes fundamentais, a saber: o sistema de proteção social de cidadania, o sistema previdencial e o sistema complementar[76].
Por seu turno, o seu artigo 20.º, sob a epígrafe “Princípio da tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação”, veio enfatizar que o mesmo visa assegurar o respeito por esses direitos, nos termos da presente lei.
Especificando esses termos, expressamente contemplados na mesma Lei, surgem esparsas pelo diploma várias disposições que visam delinear a configuração e estabelecer os exatos contornos e limites associados à proteção desses direitos adquiridos e em formação.

Afloramento deste princípio é, designadamente, o artigo 58.º que, sob a epígrafe “Limites contributivos”, faculta ao legislador ordinário a possibilidade de aplicação de limites superiores aos valores considerados como base de incidência contributiva ou a redução das taxas contributivas dos regimes gerais, sem prejuízo da proteção dos direitos adquiridos e em formação, da garantia da sustentabilidade financeira da componente pública do sistema de repartição e das contas públicas nacionais e do respeito pelo princípio da solidariedade.

É, ainda, o caso do seu artigo 86.º, que versa sobre a regulamentação, supervisão e garantia dos regimes complementares e que, no n.º 2, é perentório ao exigir que a regulamentação dos regimes complementares de iniciativa coletiva deve concretizar o princípio da igualdade de tratamento em razão do sexo e a proteção jurídica dos direitos adquiridos e em formação, e fixar as regras relativas à portabilidade daqueles direitos, à igualdade de tratamento fiscal entre regimes e ao direito à informação.
Nesta esteira, o artigo 100.º, da mesma Lei, visou salvaguardar os direitos adquiridos e em formação, ao determinar que o desenvolvimento e a regulamentação, a efetuar, não poderiam atingir os direitos adquiridos, os prazos de garantia vencidos ao abrigo da legislação anterior, nem os quantitativos de pensões que resultassem de remunerações registadas na vigência daquela legislação.

Reflexo da importância fulcral deste princípio, na economia do diploma, é, também, o artigo 103.º que estatui que “Os regimes especiais vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores pelos mesmos abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação”.
E, no que concerne aos regimes do sistema previdencial, o artigo 66.º, no seu n.º 1, manda aplicar o princípio da tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação.

Acresce que, no seu n.º 2, veio definir esses conceitos, por referência ao número anterior, ao considerar: a) Direitos adquiridos, os que já se encontram reconhecidos ou possam sê-lo por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais necessários ao seu reconhecimento; b) Direitos em formação, os correspondentes aos períodos contributivos e valores de remunerações registadas em nome do beneficiário.
Mais enuncia, no respetivo n.º 3, que o direito às prestações pecuniárias dos regimes de segurança social fica incólume, independentemente da alteração de residência dos beneficiários para fora do território nacional, com ressalva dos eventuais instrumentos internacionais aplicáveis.
Por fim, a norma do seu n.º 4 proclama a perenidade dos efeitos da inscrição no sistema de segurança social, porquanto, declaradamente, não cessam por influxo do decurso do tempo.
E, no âmbito do Capítulo IV, relativo às Disposições comuns aos subsistemas de solidariedade e proteção familiar e ao sistema previdencial, na respetiva Secção II, subordinada à epígrafe “Garantias e contencioso”, a citada Lei n.º 4/2007 prescreve o seguinte regime:
 

Artigo 71.º
Deveres do Estado e dos beneficiários
 
               1 - Compete ao Estado garantir aos beneficiários informação periódica relativa aos seus direitos, adquiridos e em formação, designadamente em matéria de pensões.
               2 - Os beneficiários têm o dever de cooperar com as instituições de segurança social, cabendo-lhes, designadamente, ser verdadeiros nas suas declarações e requerimentos e submeter-se aos exames de verificação necessários para a concessão ou manutenção das prestações a que tenham direito.
 
Artigo 78.º
Nulidade
 
               Os atos administrativos de atribuição de direitos ou de reconhecimento de situações jurídicas, baseados em informações falsas, prestadas dolosamente ou com má-fé pelos beneficiários, são nulos e punidos nos termos da legislação aplicável.
 

Como se alcança da análise destes preceitos, a lei põe a tónica na essencialidade do dever de cooperação do Estado e dos beneficiários, quando, no artigo 78.º, comina com o regime da nulidade os atos de atribuição de direitos ou de reconhecimento de situações jurídicas viciados na sua génese, porque fundados em informações falsas ou dolosas, assim divergindo do regime regra da anulabilidade dos atos administrativos que foi vertido no artigo 163.º, n.º 1, do CPA[77].
Esta nulidade compatibiliza-se com o que dispõe a norma genérica do n.º 1 do artigo 161.º do CPA de 2015, que fulmina com a nulidade “os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, enunciando, de seguida, no seu n.º 2, um elenco ilustrativo de atos que, abstraindo da explícita cominação na lei, estão igualmente inquinados de nulidade.
Nesse enquadramento, o novo CPA abandonou o conceito de “nulidades por natureza” e confinou os casos de nulidade aos expressamente previstos na lei, mas, do mesmo passo, ampliou o rol dos atos nulos, nomeadamente, aos atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado, aos atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes e aos atos que criem obrigações pecuniárias sem base legal, o que logo sobressai do cotejo entre os atos enumerados nas alíneas a) a i) do n.º 2 do artigo 133.º do anterior CPA e os constantes das alíneas a) a l) do n.º 2 do artigo 161.º do novo Código[78].
No rol desses atos feridos de nulidade, evoca-se, com relevo para o caso vertente, a alínea c) que contempla os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime.
Com efeito, esta previsão coaduna-se perfeitamente com o atrás citado artigo 78.º da Lei de Bases, quando assaca a nulidade aos atos administrativos de atribuição de direitos ou de reconhecimento de situações jurídicas cuja prática foi determinada por informações falsas, prestadas dolosamente ou com má-fé pelos beneficiários.
Atente-se, por outro lado, na relevância conferida aos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, em sede do CPA de 2015.
Efetivamente, por força do n.º 3 do artigo 162.º, o regime singular e severo, próprio da nulidade, mormente a não produção de quaisquer efeitos jurídicos, independentemente de prévia declaração de nulidade, não afasta, todavia, a eventualidade da atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade e, bem assim, outros princípios jurídicos constitucionais, nomeadamente relacionados com o decurso do tempo.
Aliás, esta solução, plasmada no aludido n.º 3, constava já, em moldes aparentemente mais amplos, do artigo 134.º, n.º 3, do pretérito CPA.
É de realçar, ainda, o facto de – contrariamente ao que dispunha o artigo 137.º do anterior CPA[79]– por força do estatuído no n.º 2 do artigo 164.º, os atos nulos são agora passíveis de reforma ou de conversão, o que, obviamente, arreda, tão-somente, a possibilidade da sua ratificação.
 
III. 7. Retomando a análise da Lei n.º 4/2007, cumpre chamar à colação o regime de revogação de atos inválidos contemplado no respetivo artigo 79.º, que estabelece o seguinte:
 

Artigo 79.º
Revogação de atos inválidos
 
              1 - Os atos administrativos de atribuição de direitos ou de pagamento de prestações inválidos são revogados nos termos e nos prazos previstos na lei, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
               2 - Os atos administrativos de atribuição de prestações continuadas inválidos podem, ultrapassado o prazo da lei geral, ser revogados com eficácia para o futuro.
 
Assim, constata-se que a Lei de Bases, no n.º 1 desta disposição, não disciplina o regime de revogação anulatória dos atos administrativos de atribuição de direitos ou de pagamento de prestações inválidos, antes remetendo para os termos e os prazos previstos na lei.
Mas, no supracitado n.º 2, a referida Lei, norteada pelos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, quis, inequivocamente, consagrar a possibilidade de os atos administrativos de atribuição de prestações continuadas inválidos poderem ser “revogados” com eficácia ex nunc, independentemente - e para além - do decurso do prazo da lei geral.
Por fim, o citado Capítulo IV, subordinado à temática Disposições comuns aos subsistemas de solidariedade e proteção familiar e ao sistema previdencial, remata com o artigo 80.º, que regula o incumprimento das obrigações legais, “relativas, designadamente, à inscrição no sistema, ao enquadramento nos regimes e ao cumprimento das obrigações contributivas, bem como a adoção de procedimentos, por ação ou omissão, tendentes à obtenção indevida de prestações”, por parte dos eventuais beneficiários, cujas condutas delituosas qualifica como contraordenações ou ilícitos criminais, mas sem lhes fixar o regime, apelando, ainda, de novo, aos “termos definidos por lei”[80].
 
 

III. 8. De acordo com a posição que foi sufragada, relativamente à primeira questão formulada, impõe-se a asserção de que o ISS, I.P. poderá anular oficiosamente a Deliberação n.º 243/2018, de 6 de dezembro, do respetivo Conselho Diretivo, por se mostrar ferida de ilegalidade, independentemente do eventual términus dos respetivos prazos de anulação administrativa ou de impugnação judicial, por banda dos beneficiários interessados, conforme permitido pelo artigo 168.º, n.º 5, do CPA de 2015.
Assinala-se, todavia, que a tutela, in casu, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, não poderá revogar o mesmo ato, no âmbito dos seus poderes de superintendência e tutela, consagrados nos artigos 14.º do Decreto-Lei n.º 167-C/2013, de 31 de dezembro[81] e 1.º do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30 de março[82], atenta a inexistência de norma que o permita, conforme é expressamente exigido pela norma do n.º 5 do artigo 169.º do novo CPA.
Efetivamente, escrutinado o Decreto-Lei n.º 133/88, constata-se que inexiste neste diploma uma norma correspondente à deste preceito geral.
Ora, o artigo 19.º deste complexo normativo manda aplicar supletivamente as normas gerais de direito administrativo, com o que se pretende remeter, nesta concreta matéria, para as disposições que regulam, v.g., a invalidade do ato administrativo[83].
Examinado o Decreto-Lei n.º 133/88, alcança-se que este último diploma, sofreu a sua derradeira e profunda alteração por efeito do Decreto-Lei n.º 79/2019, de 14 de junho, que entrou em vigor no dia seguinte, o qual modificou a redação dos respetivos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 11.º e 13.º
Na nota preambular inscrita neste último diploma, lê-se que as alterações introduzidas no regime jurídico da responsabilidade emergente do pagamento indevido de prestações foram ditadas pelo desiderato de “introduzir mecanismos que permitam agilizar a recuperação de pagamentos indevidos, por um lado, e reduzir o risco de pagamentos indevidos, por outro lado, designadamente através do alargamento da possibilidade de pagamento à Segurança Social através de planos prestacionais, bem como do alargamento do universo de responsáveis pela restituição dos valores pagos indevidamente”.
Cotejando o CPA de 2015, por um lado, e o Decreto-Lei n.º 133/88, por outro, pese embora este último tenha sido objeto de uma recente alteração, operada através do atrás citado Decreto-Lei n.º 79/2019, de 14 de junho, e daí ocorrida em data posterior à da entrada em vigor do CPA[84], certo é que o legislador, estranhamente, deixou intocados estes conceitos, não curando de adaptar o Decreto-Lei n.º 133/88 às inovações doutrinárias entretanto registadas e que tinham sido acolhidas no novo CPA.
Assim, atente-se no facto de, no n.º 1 do artigo 165.º deste último diploma, a revogação ser definida como o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade, enquanto, em virtude do seu n.º 2, a anulação administrativa é configurada como o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade.
O que significa que o n.º 2 do artigo 165.º veio acolher as figuras da anulação administrativa e da revogação do ato administrativo, abandonando a terminologia acolhida no anterior CPA.

Todavia, cumpre realçar que, a despeito da admissão da anulação constituir a regra do regime instituído, o artigo 166.º veio enumerar os atos insuscetíveis de constituírem objeto de revogação ou anulação administrativas, atos em que está, assim, vedada à administração a possibilidade da sua revisão, o que ocorre com os atos nulos, os atos contenciosamente anulados e os atos revogados com eficácia retroativa.
Em adição, o n.º 2 do mesmo preceito vem impor que os atos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem esgotados só poderão ser objeto de anulação administrativa ou de revogação com eficácia retroativa.
Ademais, a distinção entre a revogação e a anulação administrativas não é puramente semântica, qua tale inócua, porquanto comporta repercussões no tratamento dos casos abrangidos nesses conceitos, mormente, nos pressupostos e efeitos a estes associados[85]: assim, confrontem-se, de um lado, os artigos 167.º “Condicionalismos aplicáveis à revogação” e 171.º “Efeitos”, e do outro, os congéneres artigos 168.º “Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa” e 172.º “Consequências da anulação administrativa”, disposições que patenteiam as diferenças de regime que intercedem entre estas duas figuras[86].

Vejamos, em traços muito lineares, qual o regime que decorre destas inovadoras disposições legais, assumidamente inspiradas na doutrina dominante nos demais países europeus, fundamentalmente, nos juspublicistas germânicos e na Lei do Procedimento Alemã:

 
Artigo 167.º
Condicionalismos aplicáveis à revogação
 
               1 - Os atos administrativos não podem ser revogados quando a sua irrevogabilidade resulte de vinculação legal ou quando deles resultem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.
               2 - Os atos constitutivos de direitos só podem ser revogados:
               a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos beneficiários;
               b) Quando todos os beneficiários manifestem a sua concordância e não estejam em causa direitos indisponíveis;
               c) Com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou noutro caso, não poderiam ter sido praticados;
               d) Com fundamento em reserva de revogação, na medida em que o quadro normativo aplicável consinta a precarização do ato em causa e se verifique o circunstancialismo específico previsto na própria cláusula.
               3 - Para efeitos do disposto na presente secção, consideram-se constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato.
               4 - A revogação prevista na alínea c) do n.º 2 deve ser proferida no prazo de um ano, a contar da data do conhecimento da superveniência ou da alteração das circunstâncias, podendo esse prazo ser prorrogado, por mais dois anos, por razões fundamentadas.
               5 - Na situação prevista na alínea c) do n.º 2, os beneficiários de boa-fé do ato revogado têm direito a ser indemnizados, nos termos do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo sacrifício, mas quando a afetação do direito, pela sua gravidade ou intensidade, elimine ou restrinja o conteúdo essencial desse direito, o beneficiário de boa-fé do ato revogado tem direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do direito que tiver sido restringida.
               6 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se de boa-fé os beneficiários que, à data da prática do ato revogado, desconheciam sem culpa a existência de fundamentos passíveis de determinar a revogação do ato.

 
Trata-se aqui de um regime inovador, tributário, além do mais, da nova distinção, consagrada no artigo 165.º, entre a revogação propriamente dita e a anulação administrativas do ato administrativo.
Este preceito versa sobre a revogação propriamente dita, tendo sido instituído um regime que se aproxima dos congéneres dos demais países europeus, por assumida influência do Direito Comparado e do Direito da União Europeia.
Como se alcança do teor do preceito, apenas estão subtraídos à revogação os atos administrativos cuja irrevogabilidade resulte de vinculação legal ou quando comportem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.
Excetuadas estas situações, inexiste qualquer óbice à revogação dos atos administrativos, facto que representa uma manifestação da precarização dos atos administrativos válidos e das inerentes situações jurídicas dos interessados, criadas ao abrigo desses atos.
Já no que concerne aos atos constitutivos de direitos, a lei enuncia, nas alíneas a) a d) do seu n,º 2, as situações em que poderão ser objeto de revogação.
Assiste-se, ainda, a esse fenómeno de precarização da esfera jurídica dos administrados, ao permitir-se, na alínea c), a revogação dos atos constitutivos de direitos com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num caso ou noutro, eles não poderiam ter sido praticados e ao prever-se que a revogação baseada nesses factos possa ser proferida no prazo de um ano, a contar da data do conhecimento da superveniência ou da alteração das circunstâncias, sem prejuízo da sua eventual prorrogação, por mais dois anos, por razões fundamentadas.
Não obstante, se e quando o lesado estiver de boa-fé, assiste-lhe o direito a uma indemnização pelo sacrifício, conforme resulta do disposto nos n.os 2, alínea c), 4, 5 e 6 deste normativo.
Debruçando-se sobre os limites à “reserva de revogação“, contemplados na transcrita alínea d) do n.º 2 deste preceito legal, comenta JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE:
“(…) o regime de revogação, ao estabelecer exceções ao regime de livre revogabilidade (artigo 167.º, n.os 1, 2 e 3) não exclui a possibilidade da reserva de revogação de atos favoráveis, aplicando-se apenas aos atos de conteúdo irrevogável por determinação legal e aos atos constitutivos de direitos (posições juridicamente consolidadas) ou de interesses legalmente protegidos que tenham criado na esfera do particular um efeito jurídico estável e consistente (que tenham gerado uma confiança legítima digna de proteção)”[87].
 

Artigo 168.º
Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa
 
               1 - Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.
               2 - Salvo nos casos previstos nos números seguintes, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão.
               3 - Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.
               4 - Salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os atos constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva emissão, nas seguintes circunstâncias:
               a) Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática;
               b) Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada;
               c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas.
               5 - Quando, nos casos previstos nos n.os 1 e 4, o ato se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional, o mesmo só pode ser objeto de anulação administrativa oficiosa.
               6 - A anulação administrativa de atos constitutivos de direitos constitui os beneficiários que desconhecessem sem culpa a existência da invalidade e tenham auferido, tirado partido ou feito uso da posição de vantagem em que o ato os colocava, no direito de serem indemnizados pelos danos anormais que sofram em consequência da anulação.
               7 - Desde que ainda o possa fazer, a Administração tem o dever de anular o ato administrativo que tenha sido julgado válido por sentença transitada em julgado, proferida por um tribunal administrativo com base na interpretação do direito da União Europeia, invocando para o efeito nova interpretação desse direito em sentença posterior, transitada em julgado, proferida por um tribunal administrativo que, julgando em última instância, tenha dado execução a uma sentença de um tribunal da União Europeia vinculativa para o Estado português.

 
Como se depreende do n.º 1, a lei estabelece um prazo de 6 meses, para a anulação administrativa, pelo órgão competente, dos atos administrativos feridos de invalidade, prazo que tem o seu início na data do conhecimento da causa da invalidade, ou da cessação do erro em que ocorrera o agente, mas cujo termo ocorrerá, uma vez esgotado o limite máximo de 5 anos, contado a partir da respetiva emissão.
Todavia, tratando-se de atos constitutivos de direitos, o seu n.º 2 estabelece que o prazo limite será de 1 ano, contado a partir da sua prática, e daí dentro do prazo da sua impugnabilidade contenciosa, de harmonia com as disposições conjugadas do artigo 58.º, n.os 1, alínea a) e b), e 3, alínea c), do CPTA.
Sem embargo, para a hipótese de os mesmos terem sido impugnados perante os tribunais da jurisdição administrativa, poderão, nesses casos, ser anulados até ao encerramento da discussão, de resto, à semelhança do que sucede com os demais atos administrativos (v. o seu n.º 3).

Por força do n.º 4, se a lei ou o direito da União Europeia não prescreverem prazo diferente, estabelece-se, a título excecional, um prazo limite de 5 anos, a contar da data da respetiva emissão, para a anulação dos atos administrativos constitutivos de direitos, suposta a verificação de alguma das circunstâncias descritas nas suas alíneas a) a c), a saber: a) quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática; b) quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada, caso em que a anulação tem eficácia apenas para o futuro, ressalvados, obviamente, os casos de utilização, ab initio, de artifício fraudulento; e c) quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário, cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas[88].

Em comentário tecido sobre a alínea b) do n.º 4, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA evoca, curiosamente, o facto de esta norma constituir a consagração, com âmbito geral, do regime previsto na Lei de Bases da Segurança Social e enfatiza a previsão do prazo de 5 anos, a contar da data da respetiva emissão, para a anulação administrativa dos atos constitutivos de direitos, suposta a verificação do circunstancialismo aí plasmado[89].
JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE teceu comentário similar, quanto à previsão desta alínea b), enfatizando que um regime semelhante valia já para as prestações periódicas no domínio da segurança social, nos termos do artigo 79.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro[90].
Frisa-se que os atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário contrários ao Direito da União Europeia passam a poder ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, por força do que dispõe a alínea c) do n.º 4 deste artigo.

Acresce que, nos termos do seu n.º 5, malgrado os atos administrativos se tenham tornado jurisdicionalmente inimpugnáveis, ainda então poderão constituir objeto de anulação administrativa oficiosa.

Em suma, atento o previsto nos n.os 2, 4, alínea a), e 6, o regime de anulação dos atos constitutivos de direitos vertido neste preceito reflete a nova filosofia que iluminou as soluções encontradas e que repousa na distinção da situação de boa-fé ou de má-fé e, especialmente, de fraude, do beneficiário do ato, aí se descortinando a razão da fixação de prazos distintos de anulação e da definição do regime de reparação.

Por seu turno, os artigos 169.º e 170.º versam, respetivamente, sobre “Iniciativa e competência” e “Forma e formalidades”, consagrando normas aplicáveis a ambas as figuras, que não oferecem quaisquer dúvidas interpretativas
 

Por sua vez, o artigo 171.º ocupa-se dos efeitos associados a estas duas figuras, nos termos que se transcrevem, de seguida:
 
Artigo 171.º
Efeitos
 

               1 - Por regra, a revogação apenas produz efeitos para o futuro, mas o autor da revogação pode, no próprio ato, atribuir-lhe eficácia retroativa quando esta seja favorável aos interessados ou quando estes concordem expressamente com a retroatividade e não estejam em causa direitos ou interesses indisponíveis.
               2 - A revogação de um ato revogatório só produz efeitos repristinatórios se a lei ou o ato de revogação assim expressamente o determinarem.
               3 - Salvo disposição especial, a anulação administrativa produz efeitos retroativos, mas o autor da anulação pode, na própria decisão, atribuir-lhe eficácia para o futuro, quando o ato se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional.
               4 - A anulação administrativa produz efeitos repristinatórios e, quando tenha por objeto a anulação de um ato revogatório, só não determina a repristinação do ato revogado se a lei ou o ato de anulação assim expressamente dispuserem.

 
Do confronto entre as várias normas deste preceito, extrai-se que, enquanto os efeitos da revogação valem para o futuro e só em casos restritos, por determinação expressa da lei ou do próprio ato de revogação, poderão retrotrair a momento anterior e, bem assim, repristinar o ato antecedente (n.os 1 e 2), já os efeitos decorrentes da anulação administrativa são, em regra, retroativos e repristinatórios, mas a lei faculta a preterição deste regime pelo autor do ato, em casos específicos e determinados (n.os 3 e 4)[91].
 

Artigo 172.º
Consequências da anulação administrativa
 
               1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, a anulação administrativa constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
               2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a necessidade de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
               3 - Os beneficiários de boa-fé de atos consequentes praticados há mais de um ano têm direito a ser indemnizados pelos danos que sofram em consequência da anulação, mas a sua situação jurídica não pode ser posta em causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o dos interessados na concretização dos efeitos da anulação.
               (…)”.
 
 

Examinado sumariamente este preceito, constata-se que visou adaptar o regime das consequências da anulação administrativa nos atos consequentes de atos anulados ao correspondente regime processual executivo, ínsito no n.º 1 do artigo 173.º [92] do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Assim, como de resto se impunha, a conformação do dever, que onera a Administração Pública, de executar a anulação administrativa de um ato administrativo foi recortado em termos similares ao conteúdo do dever que sobre a mesma impende de executar a sentença judicial de anulação[93].
Fazendo apelo à noção que nos dá JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, dir-se-á que consubstanciam “atos consequentes para este efeito apenas os atos cuja manutenção seja incompatível com a reconstituição da situação hipotética exigida pela anulação, considerados os respetivos fundamentos e alcance”[94].
Corrobora-se, do mesmo modo, a posição doutrinária deste Autor quando se insurge contra a consagração, no n.º 2, da expressão “sem dependência de prazo”.
 Efetivamente, antolha-se excessivo e injustificável o entendimento, que se extrai da literalidade do texto legal, de que o dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes não se encontra sujeito a qualquer prazo.
Na verdade, impõe-se o recurso a uma interpretação restritiva da expressão, no sentido propugnado pelo Ilustre Professor:
“(…) na realidade, quer dizer-se “mesmo que o ato se tenha tornado inimpugnável”, valendo os limites temporais fixados no artigo 168.º: o que estabelece um prazo de seis meses após o conhecimento do vício e o prazo geral de cinco anos para qualquer anulação administrativa, contado do momento da prática do ato. Na prática, a anulação do ato consequente terá lugar até na sequência imediata da anulação administrativa, que está sujeita a esses limites”[95].

 
 
III. 9. Em jeito de síntese e de conclusão, in casu, a lei põe ao alcance do ISS, I.P. uma amálgama de opções de atuação que poderão ser por si, casuisticamente, selecionadas e adotadas para melhor prosseguir o interesse público na reposição da legalidade, mormente, dos princípios, valores e normas jurídicas violadas.
O que traduz a necessidade de o ISS, I.P. adotar as concretas medidas que mais adequadamente, não só realizem o interesse público, como também permitam alterar a esfera jurídica dos interessados atingidos pela Deliberação n.º 243/2018, ora reputada inválida.
Assim, com esse objetivo, incumbe-lhe, v.g., proceder à anulação dos atos consequentes, eventualmente praticados, e, como decorrência, repor a situação dos beneficiários inseridos nesse universo, de modo a colocá-los na situação que existiria se a mesma Deliberação não tivesse sido praticada, atuação essa a materializar através da prática de novos atos de sentido diverso ou contrário aos atos antecedentes, porque lesivos dos seus direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos.
O que significa que o ISS, I.P., ainda que se mostre esgotado o prazo de impugnação jurisdicional, por banda dos interessados, poderá, ainda então, anular oficiosamente a Deliberação n.º 243/2018, de 6 de dezembro, do Conselho Diretivo do ISS, I.P., ao abrigo do n.º 5 do artigo 168.º do CPA.
E, em consequência, poderá e deverá repristinar a Deliberação anterior, de 12 de abril de 2016, por si revogada, conforme prescreve a norma do n.º 4 do artigo 171.º do CPA.
Todavia, se acaso se mostrarem pendentes ações administrativas de impugnação dessa Deliberação n.º 243/2018 e/ou ações de condenação à prática do ato devido, o ISS, I.P. deverá ter em conta e observar o concreto prazo limite, previsto para a anulação administrativa, consagrado no n.º 3 do artigo 168.º, reportado ao momento processual do encerramento da discussão da causa em 1.ª instância.
Se a anulação administrativa dos atos inquinados com a invalidade se revelar, ainda, tempestiva e se, além disso, concorrerem os demais condicionalismos exigidos pela lei, a acrescer à anulação administrativa desses atos, deverá o ISS, I.P., em obediência ao imperativo inserto no n.º 1 do artigo 172.º, anular os hipotéticos atos administrativos consequentes e, obviamente, reconstituir a situação que existiria se a deliberação anulada não tivesse sido praticada, bem como, sendo caso disso, dar cumprimento aos deveres que, com fundamento nesse ato, não tenha observado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
Sem olvidar que, em ordem ao cumprimento desse dever legal, ao abrigo do preceituado no n.º 2 do mesmo preceito, o ISS, I.P. está legalmente legitimado a praticar atos com efeitos ex tunc, assistindo-lhe, outrossim, o dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes sem dependência de prazo[96], e alterar as situações de facto entretanto constituídas, se se revelarem inconciliáveis com a necessidade de reconstituir a situação hipotética que supostamente existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Por fim, retomamos a asserção tecida a título liminar, já veiculada nas notas introdutórias deste parecer, nos termos da qual, se a solução da questão controvertida, face à lei vigente, se revelar adversa aos objetivos e fins que regem o sistema previdencial da segurança social, poderá então ponderar-se a necessidade de uma eventual intervenção legislativa corretora que, sem prejuízo da indeclinável observância do interesse público, a que o ISS, I.P. se encontra adstrito, respeite os direitos e interesses legalmente protegidos dos beneficiários, assim cumprindo o desiderato proclamado no n.º 1 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.
 
 
 
IV
 
Resta-nos agora finalizar, apresentando, para tanto, as seguintes proposições conclusivas:
 
                    1.ª — A atividade da pesca sempre gozou de um peculiar regime de segurança social, devido à sua especificidade, associada aos inerentes riscos para os seus profissionais, à sazonalidade da pescaria e ao consequente espetro da pobreza, que ensombrava os pescadores e as suas famílias;
 
                    2.ª — No Estado Novo, sob a égide da Junta Central das Casas dos Pescadores, os armadores e proprietários singulares de embarcações de pesca, assim como os detentores de quotas ou, a qualquer título, participantes do capital de empresas ou sociedades de pesca, que exercessem, pessoal e efetivamente, a profissão de pescador, seriam inscritos como sócios efetivos, sem prejuízo de a respetiva empresa, ou eles próprios individualmente considerados, estarem, também, inscritos como sócios contribuintes e de efetuarem o pagamento das correspetivas e distintas contribuições, seja para a Casa dos Pescadores, seja para a Junta Central;
 
                    3.ª — Com a publicação do Decreto n.º 420/71, de 30 de setembro, as contribuições, a cargo dos trabalhadores que exercessem a sua atividade na profissão de pesca artesanal, resultavam da aplicação de uma taxa sobre o produto bruto da pesca realizada pelas companhas, sendo cobradas, no ato da venda do pescado, pelos serviços de vendagem;
 
                    4.ª — A base de incidência contributiva destes trabalhadores da pesca local e costeira é, desde a instituição do regime, uma remuneração convencional, por ser fixada administrativamente, apenas para efeitos de obrigação contributiva da segurança social e, qua tale, não se mostra associada à remuneração efetivamente paga ao trabalhador pela sua entidade empregadora como contrapartida do exercício da atividade profissional;
 
                    5.ª — Efetivamente, com a revogação do citado Decreto n.º 420/71, pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, o legislador manteve o regime anterior e consagrou o peculiar sistema contributivo que fora implementado pelo Decreto n.º 420/71, em que a base de incidência contributiva se reportava ao valor bruto do pescado vendido em lota;
 
                     6.ª — A “Regulamentação de Trabalho da Pesca Artesanal na Póvoa de Varzim e Vila do Conde” editada pelo Governo da República Portuguesa, em 8 de fevereiro de 1975 e, posteriormente, o contrato coletivo de trabalho, celebrado em 14 de maio de 1979, entre a Associação do Norte dos Armadores da Pesca Artesanal e os Sindicatos dos Pescadores da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31/79, de 22 de agosto, vieram reconhecer as categorias profissionais de mestre e de pescador e fixar a remuneração do mestre-armador, sucessivamente, em duas e em três partes da receita líquida;
 
                     7.ª — No regime pretérito, incumbia à Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca e, após, aos ex-Centros Regionais de Segurança Social a aplicação do regime, designadamente, proceder ao registo das “partes” atribuídas a cada pescador e, só no caso de não terem sido indicadas, o valor deveria então ser igualmente distribuído por todos os trabalhadores da embarcação que tivessem prestado atividade nesse mês;
 
                      8.ª — Por razões não concretamente apuradas, ocorreram erros e omissões na elaboração dos Boletins P3, com base nos quais era preenchido o modelo P4, correspondente à Folha de remunerações respeitante aos profissionais da pesca local e costeira, erros que obstaram a que os respetivos registos de remunerações tivessem sido corretamente efetuados, de acordo com as leis em vigor, as convenções coletivas vinculativas aplicáveis e os usos locais sedimentados, nas localidades referidas na conclusão 6.ª e no âmbito da referida atividade piscatória;
 
                      9.ª — De acordo com os elementos disponibilizados, não padece do vício de violação de lei a deliberação do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., tomada em 12 de abril de 2016, que determinou a correção dos registos existentes nos históricos dos beneficiários aí identificados, de acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho do Setor e mais ordenou o consequente recálculo do montante das pensões que lhes tinham sido atribuídas, retroagindo a data da reavaliação a maio de 2014;
 
                    10.ª — À luz da posição que foi sufragada, relativamente à primeira questão formulada, impõe-se a asserção de que o Instituto da Segurança Social, I.P. poderá anular oficiosamente a Deliberação n.º 243/2018, de 6 de dezembro, do respetivo Conselho Diretivo, que revogou a deliberação referida na conclusão antecedente, por se mostrar ferida de ilegalidade, independentemente do eventual términus dos respetivos prazos de anulação administrativa ou de impugnação judicial, por banda dos beneficiários interessados, conforme permitido pelo artigo 168.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo de 2015;
 
                     11.ª — A lei põe ao alcance do Instituto da Segurança Social, I.P. uma amálgama de opções de atuação que poderão ser por si, casuisticamente, selecionadas e adotadas para melhor prosseguir o interesse público na reposição da legalidade, mormente, dos princípios, valores e normas jurídicas violadas;
 
                     12.ª — O que traduz a necessidade de o Instituto da Segurança Social, I.P. adotar as concretas medidas que mais adequadamente, não só realizem o interesse público, como também permitam alterar favoravelmente a esfera jurídica dos interessados atingidos pela Deliberação n.º 243/2018, ora reputada inválida;
 
                     13.ª — Assim, com esse objetivo, incumbe-lhe, v.g., proceder à anulação dos atos consequentes, eventualmente praticados, e, como decorrência, repor a situação dos beneficiários inseridos nesse universo, de modo a colocá-los na situação que existiria se a mesma Deliberação não tivesse sido praticada, atuação essa a materializar através da prática de novos atos de sentido diverso ou contrário aos atos antecedentes, porque lesivos dos seus direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos;
 
                    14.ª — E, em consequência, poderá e deverá repristinar a Deliberação anterior, de 12 de abril de 2016, por si revogada, conforme prescreve a norma do n.º 4 do artigo 171.º do Código do Procedimento Administrativo;
 
                    15.ª — Todavia, se acaso se mostrarem pendentes ações administrativas de impugnação dessa Deliberação n.º 243/2018 e/ou ações de condenação à prática do ato devido, o Instituto da Segurança Social, I.P. deverá ter em conta e observar o concreto prazo limite, previsto para a anulação administrativa, consagrado no n.º 3 do artigo 168.º, reportado ao momento processual do encerramento da discussão da causa em 1.ª instância;
 
                    16.ª — Se a anulação administrativa dos atos inquinados com a invalidade se revelar, ainda, tempestiva e se, além disso, concorrerem os demais condicionalismos exigidos pela lei, a acrescer à anulação administrativa desses atos, deverá o Instituto da Segurança Social, I.P., em obediência ao imperativo inserto no n.º 1 do artigo 172.º, anular os hipotéticos atos administrativos consequentes e, obviamente, reconstituir a situação que existiria se a deliberação anulada não tivesse sido praticada, bem como, sendo caso disso, dar cumprimento aos deveres que, com fundamento nesse ato, não tenha observado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado;
 
                     17.ª — Em ordem ao cumprimento desse dever legal, ao abrigo do preceituado no n.º 2 do mesmo preceito, o ISS, I.P. está legalmente legitimado a praticar atos com efeitos ex tunc, assistindo-lhe, outrossim, o dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, se se revelarem inconciliáveis com a necessidade de reconstituir a situação hipotética que supostamente existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
 
 
[1] O pedido de consulta foi veiculado através do Ofício n.º 9207/MTSSS/2019, datado de 24 de outubro de 2019 e acompanhado da informação de 22 do mesmo mês, da autoria do Chefe de Gabinete da Secretária de Estado da Segurança Social, e, ainda, da documentação a ela anexa. Tal solicitação deu entrada na Procuradoria-Geral da República, tendo, no pretérito dia 31 de outubro, sido distribuído à Relatora como parecer da 1.ª espécie, nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do Regimento n.º 1/99 do Conselho Consultivo, publicado no Diário da República, II Série, n.º 76, de 31 de março, mas foi-lhe atribuída natureza urgente, por despacho de 20 de janeiro de 2020, da Ex.ma Conselheira Procuradora-Geral da República.

[2] Alude-se aqui ao antecedente Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na última redação, que lhe foi conferida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro. Este Estatuto foi, entretanto, revogado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, que aprovou o novo Estatuto do Ministério Público que, por força do respetivo artigo 287.º, entrou em vigor no pretérito dia 1 de janeiro de 2020. Anota-se que a disposição correspondente à da alínea a) do artigo 37.º consta, atualmente, da alínea a) do artigo 44.º do novo Estatuto.

[3] A solicitação da consulta veio acompanhada de documentação diversa, relativa às vicissitudes históricas da carreira contributiva dos profissionais da pesca, bem como das informações jurídicas elaboradas sobre as questões suscitadas e das subsequentes deliberações tomadas pelo Instituto da Segurança Social, I.P.

[4] De harmonia com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30 de março, que aprovou a orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P., foi-lhe atribuída a natureza de um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e de património próprio (n.º 1), prosseguindo atribuições do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, sob superintendência e tutela do respetivo ministro (n.º 2).
Acresce que, por força do n.º 1 do seu artigo 3.º, o ISS, I.P. foi incumbido da missão da “gestão dos regimes de segurança social, incluindo o tratamento, recuperação e reparação de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais, o reconhecimento dos direitos e o cumprimento das obrigações decorrentes dos regimes de segurança social e demais subsistemas da segurança social, incluindo o exercício da ação social, bem como assegurar a aplicação dos acordos internacionais no âmbito do sistema da segurança social”.

[5] Designado, doravante, no texto do parecer, indistintamente, como Instituto da Segurança Social, I.P. ou ISS, I.P.

[6] Deliberação aposta na lnformação, datada de 26 de março de 2016, elaborada pela Unidade de Identificação e Qualificação do Departamento de Prestações e Contribuições do ISS, I.P.

[7] O artigo 15.º do citado diploma, sob a epígrafe “Revogabilidade dos atos de atribuição das prestações”, dispõe o seguinte:
               “1 - Os atos administrativos de atribuição de prestações feridos de ilegalidade são revogáveis nos termos e nos prazos previstos para os atos administrativos constitutivos de direitos, salvo o disposto no número seguinte.
               2 - Tratando-se de atos administrativos de atribuição de prestações continuadas, a verificação da respetiva ilegalidade após a expiração do prazo de revogação determina a imediata cessação da respetiva concessão.”

[8] O Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, define e regulamenta o regime jurídico emergente do pagamento indevido de prestações de segurança social, tendo sido alterado, sucessivamente, pelos Decretos-Leis n.os 133/2012, de 27 de junho, 33/2018, de 15 de maio e 79/2019, de 14 de junho.
Emerge da respetiva nota preambular que o citado Decreto-Lei n.º 133/88, na concretização dos princípios estabelecidos na Lei n.º 28/84, de 14 de agosto, veio proceder “à definição das normas jurídicas referentes a situações de concessão indevida de prestações, tanto no que respeita à responsabilidade emergente do pagamento de prestações indevidas como no que se refere à revogação dos atos de atribuição das prestações”.

[9] Prescreve o n.º 2 do aludido preceito que “Os atos administrativos de atribuição de prestações continuadas inválidos podem, ultrapassado o prazo da lei geral, ser revogados com eficácia para o futuro”.

[10] A Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, na redação atual, que lhe adveio da Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro, veio aprovar as bases gerais do sistema de segurança social, tendo o seu artigo 109.º revogado, concomitantemente, a Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro e mantendo em vigor, até revogação expressa, as disposições legais e regulamentares aprovadas ao abrigo das Leis n.º 28/84, de 14 de agosto, n.º 17/2000, de 8 de agosto e n.º 32/2002, de 20 de dezembro.

[11] Reporta-se aqui à Resolução da Assembleia da República n.º 215/2019, aprovada em 19 de julho de 2019, publicada no Diário da República, 1.ª série, N.º 190, de 3 de outubro de 2019, que recomenda ao Governo a retificação da contagem de tempos de trabalho dos trabalhadores da pesca local e costeira para efeitos de pensões e reformas e a devida reposição dos seus direitos.

Evoca-se que a Resolução é a forma residual que os atos da Assembleia da República podem assumir, ou seja, o formato que os mesmos revestem, quando não se mostre prevista uma outra forma. As resoluções da Assembleia da República não carecem de promulgação, antes de serem publicadas, de acordo com o que dispõe o n.º 6 do artigo 166.º da Lei Fundamental, aprovada pelo Decreto de 10 de abril de 1976, na redação em vigor, que lhe foi conferida pela Lei Constitucional n.º 1/2005, publicada no Diário da República, n.º 155/2005, Série I-A de 12 de agosto.
[12] Com efeito, a questão teve impacto significativo nos meios de comunicação social e um inequívoco reflexo na esfera política e na vida parlamentar nacional.
A entidade consulente disponibilizou a este corpo consultivo um anexo, donde constam, sucessivamente: i) o Projeto de Resolução n.º 2192/XIII/4.ª, de 7 de junho de 2019, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português sobre “Harmonização e aplicação dos direitos no acesso à reforma para os profissionais da pesca”; ii) o Projeto de Resolução n.º 2178/XIII/4.ª, de 29 de maio de 2019, do Grupo Parlamentar do CDS/PP, que Recomenda ao Governo que, para efeitos de contabilização na Segurança Social, equipare cada dia de descarga em lota das embarcações de pesca local e costeira a 3 dias de trabalho; iii) o Projeto de Resolução n.º 2179/XIII/4.ª, de 29 de maio de 2019, do mesmo Grupo Parlamentar, que Recomenda ao Governo que reveja o processo de devolução dos retroativos da pensão auferidos pelos mestres/armadores da Associação dos Mestres proprietários da pesca Artesanal da Zona Norte; e iv) o Projeto de Resolução n.º 2138/XIII/4.ª, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, de 2 de maio de 2019, que Recomenda ao Governo a retificação da contagem de tempos de trabalho dos trabalhadores da pesca local e costeira para efeitos de pensões e reformas e devida reposição dos seus direitos.
Estas iniciativas dos grupos parlamentares viriam a culminar na aprovação, em 19 de julho de 2019, da já referenciada Resolução da Assembleia da República n.º 215/2019, publicada no Diário da República, 1.ª série, N.º 190, de 3 de outubro de 2019.

[13] Disposição que, de resto, reproduz integralmente, neste primeiro segmento, a constante da alínea a) do artigo 37.º do anterior EMP. Com efeito, a nova redação do preceito deixou intocada esta problemática do objeto do parecer, tendo-se limitado a ampliar o leque das entidades públicas com legitimidade para requerer a intervenção do Conselho Consultivo, aditando ao antecedente elenco, nomeadamente, os membros do Governo, os Representantes da República para as regiões autónomas ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas.

[14] Com efeito, o expediente junto com a consulta dá-nos conta da existência de dezenas de casos pendentes, no Instituto da Segurança Social, I.P. e, inclusive, da instauração de ações administrativas de impugnação dos atos administrativos de indeferimento das pretensões veiculadas pelos beneficiários requerentes.

[15] Assim, a ocorrer essa desconformidade, poderá ser instaurado inquérito, com vista a comprovar-se a verificação dos elementos objetivo e subjetivo do crime de burla tributária, previsto e punido no artigo 87.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, na redação vigente, introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro. Tal inquérito poderá ter início independentemente de queixa ou denúncia, atenta a inequívoca natureza pública da referida infração, devendo a participação ocorrer dentro do prazo de prescrição do respetivo procedimento criminal, consagrado nos artigos 118.º e seguintes do Código Penal [na redação atual, resultante da Lei n.º 102/2019, de 6 de setembro].

[16] No expediente anexo ao pedido de consulta, menciona-se a pendência de ações administrativas, nos tribunais da jurisdição administrativa, e identifica-se, pelo menos, uma concreta ação a correr termos pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, cujo desfecho se ignora.

[17] Sobre estes conceitos vejam-se as alíneas b) e c) do artigo 4.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho a Bordo das Embarcações de Pesca, aprovado pela Lei n.º 15/97, de 31 de maio, alterada pela Lei n.º 114/99, de 3 de agosto, na sua redação atual, decorrente da última alteração operada pela Lei n.º 29/2018, de 16 de julho.

[18] Ressaltando estas caraterísticas, que inspiraram a organização corporativa das pescas, veja-se ÁLVARO GARRIDO, que assinala, impressivamente, “a precariedade da vida material dos pescadores”, derivada do “subemprego crónico e o sobressalto do trabalho quotidiano, a variabilidade de rendimento, a omnipresença do perigo e a expectativa de perdas humanas e materiais”, in Assistência e Previdência no mar português, Ler História [Online], n.º 62, ano 2012, disponível em URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/541; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.541 [consultado em 5 de fevereiro de 2020].

[19] Versando sobre a evolução histórica do sistema de proteção social, após a implantação da República, em 5 de outubro de 1910, e até à queda da II República, em 25 de abril de 1974, ALEXANDRE GUERREIRO, Análise histórico-jurídica ao contributo do Estado Novo para a proteção aos mais desfavorecidos, em Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I, págs. 25-37, Coordenação: António Simões do Paço, Cátia Teixeira, Paula Godinho, Raquel Varela e Virgílio Borges Pereira [consultado em 5 de fevereiro de 2020].

[20] ÁLVARO GARRIDO, O Estado Novo e as pescas a recriação historicista de uma “tradição marítima nacional”, Imprensa da Universidade de Coimbra, [consultado em 5 de fevereiro de 2020] disponível em http://hdl.handle.net/10316.2/32197.

[21] JOSÉ ANTÓNIO PEREIRINHA; DANIEL FERNANDO CAROLO, Construção do Estado-providência em Portugal no período do Estado Novo (1935- 1974): notas sobre a evolução da despesa social, CISEP – Centro de Investigação Sobre a Economia Portuguesa, ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão / Universidade Técnica de Lisboa, 2006, [consultado em 5 de fevereiro de 2020] disponível em https://core.ac.uk/download/pdf/7032269.pdf.

[22] Vide o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 48 506, de 30 de julho de 1968, com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 388/71, de 18 de setembro

[23] «Assistência e Previdência no mar português», Ler História [Em linha], 62, 2012, posto em linha no dia 13 de abril 2015, consultado no dia 5 de fevereiro de 2020. URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/541; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.541:

[24] Esta sigla corresponde ao então designado Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.

[25] De acordo com a Base III da Lei n.º 2115, de 18 de junho de 1962:
               “1. São reconhecidas quatro categorias de instituições de previdência social.
               2. Pertencem à 1.ª categoria as instituições de previdência de inscrição obrigatória, fundamentalmente destinadas a proteger os trabalhadores de conta de outrem, as quais se classificam nos seguintes tipos:
               a) Caixas sindicais de previdência;
               b) Casas do Povo;
               c) Casas dos Pescadores.
               3. Pertencem à 2.ª categoria as caixas de reforma ou de previdência, considerando-se como tais as instituições de inscrição obrigatória das pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem determinadas profissões, serviços ou atividades.
               4. Pertencem à 3.ª categoria as associações de socorros mútuos, considerando-se como tais as instituições de previdência de inscrição facultativa, capital indeterminado, duração indefinida e número ilimitado de sócios, tendo por base o auxílio recíproco.
               5. Pertencem à 4.ª categoria as instituições de previdência do funcionalismo público, civil ou militar, e demais pessoas ao serviço do Estado e dos corpos administrativos, criadas ao abrigo de diplomas especiais.
               6. Ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, poderá ser ordenada ou permitida a mudança de categoria de qualquer instituição de previdência ou ainda a sua união ou fusão com outras, quando se verifiquem vantagens de ordem social ou económica”.

[26] De harmonia com o acervo documental constante do Arquivo Histórico da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (correspondente à sigla DGRM), disponibilizado in http://docweb.dgrm.mm.gov.pt/ [consultado em 03 de fevereiro de 2020], que seguimos muito de perto.

[27] A remuneração convencional consiste no valor salarial fictício, definido e quantificado unicamente para efeitos de obrigação contributiva da segurança social de acordo com certos critérios legais, independentemente da sua ligação à retribuição resultante do exercício de atividade profissional. Trata-se assim de uma retribuição fixada por via administrativa para constituir base de incidência contributiva em certos regimes de segurança social (in ILÍDIO DAS NEVES, Dicionário Técnico e Jurídico de Proteção Social, Coimbra Editora, 2001, pág. 628).

[28] Diz-se companha o ”grupo de homens que se ocupam numa mesma faina marítima", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [Em linha], 2008-2020, disponível em https://dicionario.priberam.org/companha [consultado em 24-01-2020].
Numa outra formulação, trata-se da “tripulação de navio ou barco de pesca” ou de uma “associação de pescadores”, na definição que nos dá o Dicionário da Língua Portuguesa, 2013, Porto Editora, pág. 386.

[29] Referimo-nos aqui aos, à data, Secretário de Estado do Trabalho e Secretário de Estado das Pescas, dos então designados Ministério do Trabalho e Ministério da Economia.

[30] Esta Regulamentação de Trabalho, datada de 31 de janeiro de 1975, foi aprovada pela portaria publicada no Boletim do Ministério do Trabalho, n.º 5, de 8 de fevereiro de 1975, a páginas 176-177.

[31] Portaria assinada a 4 de setembro de 1975, pelos, à data, Secretário de Estado das Pescas e Secretário de Estado do Trabalho, dos coevos Ministério da Agricultura e Pescas e Ministério do Trabalho, publicada no Boletim do Ministério do Trabalho, n.º 34, de 15 do referido mês, pág. 1593.

[32] Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de setembro de 2016, no Processo n.º 896/13.6TTMTS.P1, que decidiu o caso de uma relação laboral subordinada ao regime da Lei n.º 15/97, de 31 de maio, relativa ao trabalho a bordo das embarcações de pesca e a que era aplicável, para efeitos remuneratórios, o CCT publicado no BTE n.º 31/79, de 22 de agosto.

[33] É a seguinte a redação do mencionado normativo, na redação então em vigor:
Artigo 23.º
(Prazo de vigência)
               1. O prazo de vigência das convenções coletivas e decisões arbitrais não poderá ser inferior a dezoito meses.
               2. As convenções coletivas e as decisões arbitrais mantêm-se, porém, em vigor até serem substituídas por novos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
               3. O disposto no número anterior aplica-se igualmente às portarias de regulamentação e de extensão.
               4. As convenções coletivas e as decisões arbitrais não podem ser denunciadas antes de decorrido um ano sobre a data da sua publicação.

[34] Sobre esta matéria, vide LIBERAL FERNANDES, Extinção da associação outorgante durante a vigência da convenção coletiva de trabalho, Questões Laborais, Coimbra, a.24 n.52 (jan.-jun. 2018), p. 7-17; DAVID CARVALHO MARTINS, Sobrevigência e ultra-atividade: a convenção coletiva de trabalho entre a paragem cardíaca e a (quase) morte, In: Contratação coletiva: velhos e novos desafios em Portugal e Espanha: I Encontro Ibérico da Secção Europeia de Jovens da Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e da Segurança Social / coordenação Maria do Rosário Palma Ramalho, Teresa Coelho Moreira, 1.ª ed., Lisboa, AAFDL Editora, 2017, págs. 263-291; BERNARDO XAVIER, Ainda o problema da constitucionalidade das prestações complementares de segurança social estabelecidas em convenção coletiva, Revista de direito e de estudos sociais, Lisboa, s. 2 a. 40 n. 4 (out.-dez.1999), págs. 405-443; JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, A manutenção dos efeitos já produzidos pela convenção coletiva caducada nos contratos individuais de trabalho, após a Lei n.º 9/2006, de 29 de Março: ou o estranho tremeluzir das estrelas mortas, In: Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão / estudos organizados pelos Professores Doutores António Menezes Cordeiro, Pedro Pais de Vasconcelos, e Paula Costa e Silva, Coimbra, Almedina, 2008, 2.º vol., págs. 1513-1542; JORGE LEITE, Subsídios para uma leitura constitucional da convenção coletiva, In: Estudos de direito do trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea / coordenação de António Monteiro Fernandes, Coimbra, Almedina, 2004, págs. 397-407; ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, A convenção coletiva segundo o Código do Trabalho, In: Estudos de direito do trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea / coordenação de António Monteiro Fernandes, Coimbra, Almedina, 2004, págs. 77-104; MILENA SILVA ROUXINOL, O princípio do tratamento mais favorável nas relações entre a lei e a convenção coletiva de trabalho, Questões laborais, Coimbra, a.13 n.28 (2006), págs. 159-190; PEDRO MACHETE, Apontamento sobre a legitimidade da redução legal de regalias objeto de prévia convenção coletiva de trabalho: um olhar sobre o direito do trabalho enquanto direito constitucional concretizado, In: Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier. - Lisboa: Universidade Católica Editora, 2015. - 3.v., págs. 201-211; RAQUEL CARVALHO, As questões constitucionais no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013: enunciação e delimitação, In Questões Laborais. Número Especial 42: Vinte anos de questões laborais / Associação de Estudos Laborais, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, págs. 563-579. 

[35] Disponível em linha, em http://bte.gep.msess.gov.pt/completos/1979/bte31_1979.pdf [consultado em 24-01-2020].

[36] Nos termos da respetiva Cláusula 32.ª, as despesas da maré incluem o custo do isco, do gasóleo e do óleo efetivamente gasto e, bem assim, as despesas de transporte, quer do peixe, quer do pessoal. Tais despesas deverão ser justificadas mediante a apresentação das respetivas faturas.

[37] Alude-se aqui ao Centro Regional de Segurança Social com sede no distrito de registo da embarcação.

[38] Este diploma entrou em vigor seis meses após a sua publicação, exceto para os trabalhadores não abrangidos por instrumento de regulamentação coletiva, aos quais foi aplicável decorridos 12 meses sobre a referida publicação.

[39] Esta Lei cingiu-se a alterar a redação do artigo 37.º, que estatui sobre o regime aplicável às contraordenações decorrentes da violação da referida Lei n.º 15/97.

[40] A Lei n.º 29/2018, de 16 de julho, introduziu-lhe alterações pontuais e sem especial relevo. Assim, veio aditar à Lei n.º 15/97, de 31 de maio, o artigo 10.º-A, epigrafado “Conselhos de empresa europeus” e, outrossim, modificar a redação do artigo 12.º, que dispõe sobre a “Transmissão da empresa armadora”, preceitos estes irrelevantes para a dilucidação das questões ora em debate.

[41] De acordo com o artigo 2.º, foi excluído do seu âmbito de aplicação o pessoal das embarcações do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público.

[42] Cfr. a alínea aa) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 110/2009 acima indicada.

[43] A sua redação atual resulta da última alteração, operada através da Lei n.º 100/2019, de 6 de setembro.

[44] Preceitos que respeitam à Subsecção II da Secção III, subordinada à epígrafe “Trabalhadores de atividades economicamente débeis”, do Capítulo II, com o título “Regimes aplicáveis a trabalhadores integrados em categorias ou situações específicas”.

[45] Veicula-se, neste segmento do parecer, e segue-se de perto o entendimento que, nesta matéria, é sufragado na Nota elaborada no Gabinete de Sua Excelência a cessante Secretária de Estado da Segurança Social, o qual acompanhou o pedido de consulta.

[46] Para APELLES CONCEIÇÃO, por base de incidência, “deve entender-se o conjunto de valores sobre que recaem contribuições para a segurança social” (in Dicionário de Segurança Social, Lisboa, Rei dos Livros, 1999, pág. 47).
 

[47] Este diploma foi sucessivamente alterado e a sua redação atual foi-lhe introduzida pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2018, de 2 de julho.

[48] Debruçando-se sobre esta temática, LOURENÇO VILHENA DE FREITAS, O regime administrativo das lotas e vendagens, in Direito Administrativo do Mar / coordenação de Rui Guerra da Fonseca e Miguel Assis Raimundo, Coimbra, Almedina, 2014, págs. 425-432.

[49] Informação disponível em linha, em http://www.docapesca.pt/ [consultado em 25 de janeiro de 2020].

[50] Protocolo cujo texto se encontra disponível em www.docapesca.pt › docman › 138-protocolo-com-a-seguranca-social [Em linha], consultado em 25 de janeiro de 2020.

[51] Anota-se que todos os sublinhados, no texto, foram por nós aditados, de modo a sublinhar os excertos que relevam especialmente, na economia do presente parecer.

[52] E, dando cumprimento ao n.º 6 do artigo 5.º-A, a Portaria n.º 162/2019, de 27 de maio, veio estabelecer os termos da comunicação da informação a prestar pela Docapesca - Portos e Lotas, S. A., ao Instituto da Segurança Social, I. P., bem como os termos da transferência para a Docapesca – Portos e Lotas, S. A., dos montantes equivalentes às contribuições e quotizações para a segurança social de cada trabalhador ao qual tenha sido paga compensação salarial no âmbito do Fundo de Compensação Salarial dos Profissionais da Pesca.

[53] Desenvolvidamente, sobre a natureza e contornos do vício de violação de lei, consulte-se, por todos, DIOGO FREITAS DO AMARAL, com a colaboração de Pedro Machete e Lino Torgal, in Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 429-432. Este Autor define-o como “o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhes são aplicáveis”. Ademais, considera que “tem um caráter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios” [anota-se que os itálicos apostos constam da própria obra].

[54] Resulta, nomeadamente, do teor da nota do Chefe de Gabinete de Sua Excelência a Secretária de Estado da Segurança Social, em que se fundamentou a solicitação do parecer.
Esta posição vai de encontro ao teor da Informação n.º 2/2019, de 23 de janeiro de 2019, do Diretor de Segurança Social do Centro Nacional de Pensões, endereçada ao Conselho Diretivo do ISS, I.P., acerca da “Aplicação de Deliberação n.º 243/2018 do CD do ISS, I.P.”, onde foi exarado o seguinte despacho do Presidente do Conselho Diretivo, de 31 de janeiro de 2019:
“Visto em CD que delibera solicitar à DGSS pronúncia sobre as questões suscitadas na presente lnformação, suspendendo os efeitos da Deliberação do CD n.º 243/2018, de 6 de dezembro, até à necessária elucidação”.

 [55] Comentando este preceito, DIOGO FREITAS DO AMARAL enfatiza que “a possibilidade de «derrogação do regime comum» que a norma do artigo 48.º, n.º 1, parece querer restringir a certos tipos de institutos públicos e limitar à «estrita medida necessária à sua especificidade» corresponde, bem vistas as coisas, a uma faculdade genérica, que pode vir a ser aproveitada para quaisquer aspetos do regime jurídico de quaisquer institutos públicos” (in Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de Luís Fábrica, Carla Amado Gomes e J. Pereira da Silva, Volume I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 375-377).

[56] Aprofundando esta matéria, veja-se, por todos, DIOGO FREITAS DO AMARAL, obra citada, págs. 377-380.

[57] Desenvolvidamente, sobre a natureza jurídica e a razão de ser das funções das instituições de segurança sociais, consultar ILÍDIO DAS NEVES, Direito da segurança social: princípios fundamentais numa análise prospetiva, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, págs. 553-567.  

[58] Dispõe o aludido normativo:
               “Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.

[59] É o caso, designadamente, do artigo 179.º do CPA, que regula a “Execução de obrigações pecuniárias”.

[60] Nos termos do n.º 3 do artigo 163.º do CPA, “Os atos anuláveis podem ser impugnados perante a própria Administração ou perante o tribunal administrativo competente, dentro dos prazos legalmente estabelecidos”, sem prejuízo da não produção do efeito anulatório, nos casos previstos no seu n.º 5, por influxo do princípio do aproveitamento do ato administrativo.

[61] Vejam-se os artigos 184.º a 199.º, todos do CPA de 2015.
Na doutrina, por todos, veja-se PAULO OTERO, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra Editora, 1992, em particular, págs. 378-385 e, ainda, do mesmo Autor, sobre a substituição revogatória, O Poder de Substituição em Direito Administrativo Enquadramento Dogmático-Constitucional, Vol. II, Lex, Lisboa, 18995, págs. 810 e segs.

[62] O Código de Processo nos Tribunais Administrativos, abreviadamente designado por CPTA, foi aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro e a sua redação atual decorre da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.

[63] Vide o crime de burla tributária, previsto e punido no artigo 87.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, na redação em vigor, que lhe foi conferida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro. Importa atentar no preceituado no seu n.º 4, segundo o qual “As falsas declarações, a falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou a utilização de outros meios fraudulentos com o fim previsto no n.º 1 não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber”.

[64] Observa-se que o n.º 4 do artigo 168.º do CPA de 2015 alongou para cinco anos, a contar da data da emissão, o prazo de anulação administrativa dos atos constitutivos de direitos, nos casos aí constantes, para além do mais, no que ora releva, quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada [alínea b)].
Convém atentar, ainda, no seu n.º 5, que estabelece a possibilidade da anulação administrativa oficiosa do ato inválido, se e quando se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional, o que se revela compaginável com o disposto no n.º 3 do artigo 171.º do mesmo Código.

[65] De acordo com o n.º 1 do artigo 29.º da mesma Lei, “O subsistema de ação social tem como objetivos fundamentais a prevenção e reparação de situações de carência e desigualdade socioeconómica, de dependência, de disfunção, exclusão ou vulnerabilidade sociais, bem como a integração e promoção comunitárias das pessoas e o desenvolvimento das respetivas capacidades.

[66] Nos termos do n.º 1 do artigo 36.º da Lei de Bases, “O subsistema de solidariedade destina-se a assegurar, com base na solidariedade de toda a comunidade, direitos essenciais por forma a prevenir e a erradicar situações de pobreza e de exclusão, bem como a garantir prestações em situações de comprovada necessidade pessoal ou familiar, não incluídas no sistema previdencial.

[67] De harmonia com os artigos 44.º e 46.º desta Lei, o subsistema de proteção familiar visa assegurar a compensação de encargos familiares acrescidos quando ocorram as eventualidades legalmente previstas, nomeadamente, encargos familiares, encargos no domínio da deficiência e encargos no domínio da dependência.

[68] Cfr., por todos, JOÃO BAPTISTA MACHADO que vinca o facto de que “(…) no caso de conflito de leis da mesma hierarquia, prefere a lei mais recente (critério da posteridade: lex posterior derogat legi priori), com a ressalva, porém, de que a lei especial prevalece sobre a lei geral (critério da especialidade: lex specialis derogat legi generali), ainda que esta seja posterior, exceto, neste caso, “se outra for a intenção inequívoca do legislador“ (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 170). Anota-se que os itálicos pertencem à obra original.

[69] Determina o artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação»:
               “1 - As disposições do presente Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo.
               2 - A parte II do presente Código é aplicável ao funcionamento dos órgãos da Administração Pública.
               3 - Os princípios gerais da atividade administrativa e as disposições do presente Código que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer atuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada.
               4 - Para efeitos do disposto no presente Código, integram a Administração Pública:
               a) Os órgãos do Estado e das regiões autónomas que exercem funções administrativas a título principal;
               b) As autarquias locais e suas associações e federações de direito público;
               c) As entidades administrativas independentes;
               d) Os institutos públicos e as associações públicas.
               5 - As disposições do presente Código, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais.”

Assinala-se que os sublinhados, apostos nesta nota, não constam do original, publicado no Diário da República n.º 4/2015, Série I de 7 de janeiro.

[70] O Decreto-Lei n.º 442/91 seria ulteriormente revogado e, como decorrência, substituído pelo CPA vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que não sofreu, entretanto, quaisquer alterações. De futuro, este último diploma será designado, seja por extenso, seja, abreviadamente, como «CPA», «novo CPA» ou «CPA de 2015».
Anota-se que os preceitos legais que, no texto, não contiverem a menção da respetiva fonte, respeitam ao CPA de 2015.

[71] ILÍDIO DAS NEVES comenta o fato de o citado Parecer não ter sido homologado pelo Governo e, ademais, considera discutível a doutrina enunciada nas respetivas conclusões (in Direito da segurança social: princípios fundamentais numa análise prospetiva, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, págs. 605-606. 

[72] Esta expressão paradigmática foi decalcada da fundamentação vazada no aludido Parecer n.º 38/1992, de 10 de março de 1993, inédito, mas que se encontra disponível em área reservada, in https://simp.pgr.pt/bases_pareceres [consultado em 6 de fevereiro de 2020].

[73] Cfr. JOÃO PACHECO DE AMORIM, Âmbito de Aplicação do Novo Código do Procedimento Administrativo, em O Novo Código do Procedimento Administrativo [Em linha], Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2016 [Consultado em 6 de fevereiro de 2015], págs. 33-95, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_novo_CPCA.pdf. Anota-se que as expressões em itálico respeitam ao próprio texto original.

[74] Vejam-se, também, FAUSTO DE QUADROS et alii, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 2016, maxime, as anotações ao artigo 2.º deste diploma, a págs. 12-20 e, ainda, FAUSTO DE QUADROS, A Revisão do Código do Procedimento Administrativo: Principais Inovações, em O Novo Código do Procedimento Administrativo [Em linha], Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2016, citado, págs. 11-29.
Debatendo esta problemática e, bem assim, os poderes públicos de autoridade, e fornecendo um inegável contributo para a interpretação a dar a este preceito, PEDRO COSTA GONÇALVES, Âmbito de Aplicação do Novo Código do Procedimento Administrativo (na versão do anteprojeto de revisão), in Cadernos de Justiça Administrativa, Braga: CEJUR, n.º 100, julho/agosto 2013, págs. 9-16 e, ainda, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 591-649.

[75] Ver LUÍSA NETO, O princípio da proteção da confiança em tempo de crise, in Direito Administrativo, [Em linha], Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2014, págs. 73-105 [Consultado em 2 de fevereiro de 2020], disponível na internet em:
[76] O mencionado diploma dedica ao sistema de proteção social de cidadania os artigos 26.º a 49.º, ao sistema previdencial os artigos 50.º a 66.º, e, por último, ao sistema complementar os artigos 81.º a 86.º. Em adição, os seus artigos 67.º a 80.º consagram disposições comuns aos subsistemas de solidariedade e proteção familiar e ao sistema previdencial.

[77] Defendendo a solução da nulidade do ato de concessão de benefícios, designadamente, de ajudas comunitárias, nos casos de fornecimento doloso de informações falsas, mesmo no âmbito de aplicação do anterior Código do Procedimento Administrativo, aponta-se a anotação feita por JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de outubro de 2004, tirado no Processo n.º 301/2004, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3934, págs. 50-62.

[78] Veja-se LICÍNIO LOPES MARTINS, A Invalidade do Ato Administrativo no novo Código do Procedimento Administrativo: as alterações mais relevantes, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, Organizadores Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, 2015, págs. 549-589.

[79] Recorde-se que, nos termos do seu n.º 1, os atos nulos ou inexistentes não eram suscetíveis de ratificação, reforma e conversão.

[80] A título meramente exemplificativo, citam-se o crime de fraude e o de abuso de confiança contra a segurança social, previstos e punidos nos artigos 106.º e 107.º do já citado Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

[81] Este diploma aprovou a Lei Orgânica do então denominado Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, e a sua redação atual decorre do Decreto-Lei n.º 28/2015, de 10 de fevereiro.

[82] Este complexo normativo aprovou a Orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P. e a redação atualmente em vigor resulta da que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 167/2013, de 30 de dezembro.

[83] Em particular, a Secção IV, que preceitua sobre a revogação e a anulação administrativas, inserta no Capítulo II da Parte IV do CPA de 2015.

[84] Por força do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o novo Código do Procedimento Administrativo, o mesmo entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, ou seja, em 7 de abril de 2015.

[85] FAUSTO DE QUADROS, A Revisão do Código do Procedimento Administrativo: Principais Inovações, em O Novo Código do Procedimento Administrativo [Em linha], Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2016, citado, págs. 23-27.

[86] Para uma panorâmica geral sobre esta temática, vide LUIZ S. CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, Coimbra Editora,2015, págs. 590-622, JOÃO TIAGO SILVEIRA, A Declaração de Nulidade, a Anulação e a Revogação na Revisão do CPA, in o Novo Código do Procedimento Administrativo, [Em linha], Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016 [Consultado em 02 de fevereiro de 2020], disponível na internet em: O novo Código do Procedimento Administrativo / Invalidade, ineficácia, revogação e anulação de atos administrativos [Em linha], [Consultado em 02 fevereiro de 2020] disponível em http://justicatv.pt/powerpoints/22Maio2015/Mark-Kirkby.pdf; ANDRÉ SALGADO MATOS, A invalidade do ato administrativo no Código do Procedimento Administrativo de 2015, em Estudos em Homenagem a Rui Machete, comissão organizadora Paulo Otero, Carla Amado Gomes, Tiago Serrão, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 87-121; CARLA AMADO GOMES, A “revogação” do ato administrativo no novo CPA: uma noção pequena. Revista do Ministério Publico n.º 141, Ano 36, janeiro/março de 2015; MARCO CALDEIRA, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código do Procedimento Administrativo de 2015, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, Organizadores Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, 2015, págs. 641-678; SANDRA LOPES LUÍS, A revogação de atos administrativos (válidos) no Projeto de Revisão do CPA, [Em linha], ICJP [Consultado em 2 de fevereiro de 2020]; PAULO OTERO, O significado político da "revisão" do Código do Procedimento Administrativo, [Em linha, consultado em 7 de fevereiro de 2020], disponível na internet em http://www.oa.pt/upl/%7B84d6f7ba-1ba6-468c-a3de-149f28aa9739%7D.pdf, e, ainda, Problemas constitucionais do novo Código do Procedimento Administrativouma introdução, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, Organizadores Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, 2015, págs. 15-34; O Novo Código do Procedimento Administrativo, coordenação ISABEL CELESTE M. FONSECA, 1.ª ed., ELSA UMinho, Braga, 2015.
 

[87] In Lições de Direito Administrativo, 5.ª Edição, Coimbra Jurídica, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, págs. 233-242. Anota-se que os itálicos constam do original.

[88] A este propósito, salienta JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE que “Na primeira hipótese, tem-se em consideração a má-fé do beneficiário; na segunda, um equilíbrio entre a legalidade e a confiança suscitada; na terceira, a existência de um regime legal específico de precariedade de direitos a prestações pecuniárias, na prática fundamentalmente associado a ajudas europeias, reguladas por normas supranacionais” (in A anulação administrativa de atos no Código do Procedimento Administrativo revisto, citada, págs. 221-222).

[89] Cfr. FAUSTO DE QUADROS et alii, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 2016, em particular, fls. 357-358.

[90] In A anulação administrativa de atos no Código do Procedimento Administrativo revisto, citada, pág. 221.

[91] ANDRÉ FOLQUE comenta, a este propósito, que “(…) no CPA de 1991/92, a revogação, mesmo por ilegalidade, não repristinava o ato revogado pelo ato revogando (artigo 146.º).
Hoje a anulação por extinguir o ato administrativo na sua origem e erradicar da ordem jurídica o primeiro efeito que este eventualmente produziu – o de revogar um ato administrativo anterior – reclama como corolário a repristinação” (in Notas sobre a Revisão do Ato Administrativo no Novo Código, Coimbra, Almedina, 2016).

[92] Este normativo, epigrafado “Dever de executar”, ostenta a redação que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro. Insere-se no respetivo Capítulo IV “Execução de sentenças de anulação de atos administrativos” do Título VII “Do processo executivo” do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e contempla soluções similares, praticamente decalcadas no artigo 172.º em análise.

[93] Vide MARCO CALDEIRA, obra citada, págs. 673-678.

[94] Secunda-se o entendimento sufragado por JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, in A anulação administrativa de atos no Código do Procedimento Administrativo revisto, em O Novo Código do Procedimento Administrativo, [Em linha], Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016, págs. 211-226, em especial, pág. 224 [Consultado em 02 de fevereiro de 2020], disponível na internet em:
[95] Autor e obra citados, págs. 224-225.

[96] Repisa-se, na interpretação restritiva desta expressão, que se acolhe, na esteira dos ensinamentos de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE.
 
Anotações
Legislação: 
DL 133/88 DE 1988/04/20; L 4/2007 DE 2007/01/16; RAR 215/2019 DE 2019/07/19; L 1953 DE 1937/03/11; D 27978 de 1937/08/02; L 2115 de 1962/06/18; DL 48507 de 1068/07/30; DL 388/71 de 1971/09/18; DL 183/74 de 1974/05/02; PORT 866/74 de 1974/12/31; DL 215-B/75 de 1975; DL 49/76 de 1976/01/20; DL 549/77 de 1977/12/31; L 55/78 de 1978/07/27; DL 110/92 de 1992/06/02; D 420/71 de 1971/09/30; DL 887/76 de 1976/12/29; L 15/97 de 1997/05/31; L 114/99 de 1999/08/03; L 29/2018 de 2018/07/16; L 119/2009 de 2009/09/16; DL 311/99 de 1999/08/10; DL 61/2014 de 2014/04/23; DL 52/2017 de 2017/05/26;
 
Jurisprudência: 
Ac. Trib. Rel. Porto de 2016/09/12, proc. 896/13.6TTMTS.P1
 
Referências Complementares: 
DIR ADM / DIR TRAB

Deliberação n 243/2018 de 6 dez do ISS ; Regulamento do Trabalho da pesca artesanal in BTE 5 de 1975/02/05; Acordo Colectivo de trabalho in BTE n 31/79 de 27/08/1979
 
Divulgação
Número: 
210
Data: 
28-10-2021
Página: 
109
Pareceres Associados
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