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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
82/1999, de 02.12.1999
Data do Parecer: 
02-12-1999
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
FERNANDES CADILHA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
RISCO AGRAVADO
Conclusões: 
1ª O disparo acidental de uma pistola Walther no momento em que a arma era distribuída a um militar, na arrecadação de material de guerra, para fins de instrução, vindo a atingir um outro militar que se encontrava no mesmo local, não integra actividade com risco agravado equiparável às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª O acidente de que foi vítima o alferes miliciano NIM (...) (...) enquadra-se no condicionalismo descrito na conclusão anterior, o que impede a qualificação daquele militar como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Excelência:



1. Por despacho do Senhor Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional, de 20 de Novembro de 1998, proferido ao abrigo da competência subdelegada, foi indeferido o pedido de qualificação como deficiente das Forças Armadas, formulado pelo alferes miliciano NIM (...) (...).

Não se conformando com essa decisão, o interessado interpôs recurso contencioso de anulação no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, que veio a ser registado na correspondente espécie processual sob o nº 80/99.

Na sua resposta, a entidade recorrida, sustentando embora a bondade da decisão à luz de anteriores pareceres do Conselho Consultivo que se pronunciaram sobre a qualificação como deficiente das Forças Armadas em situações similares às dos autos, acabou por requerer a suspensão da instância para efeito de poder ser ouvido o mesmo Conselho, nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, de modo a dissiparem-se quaisquer dúvidas quanto ao enquadramento legal do acidente.

Obtido o deferimento desse pedido, Vossa Excelência dignou-se ordenar a remessa à Procuradoria-Geral da República do processo relativo ao referido militar.

Cumpre, pois, emitir parecer.

2. Do processo constam os seguintes elementos relevantes para a apreciação do caso:

a) O alferes miliciano (...) foi incorporado no Exército em 6 de Setembro de 1977, obteve a especialidade de atirador e, em 4 de Janeiro de 1978, foi colocado no Regimento de Infantaria de Castelo Branco, onde passou a ministrar instrução militar;
b) Pelas 14h45 do dia 20 de Abril de 1978, dirigiu-se, à arrecadação de material da 1ª Companhia de Instrução para proceder à requisição de uma pistola Walther 9mm destinada a ser utilizada, de seguida, em actividades de instrução;
c) A esse local, na mesma ocasião e para o mesmo efeito, deslocou-se o alferes miliciano Rodrigo Feliciano Antunes, que igualmente se preparava para ministrar uma aula de instrução;
d) O quarteleiro forneceu uma pistola Walther 9mm a cada um dos militares;
e) No momento em que o alferes miliciano (...) manuseava a arma que lhe fora entregue, para verificar o respectivo número de identificação, efectuou inadvertidamente um disparo que atingiu o alferes (...).
f) Em exame directo realizado no mesmo dia, o militar sinistrado apresentou ferida perfurante na face antero-externa da coxa direita e ferida perfurante na região (...) do mesmo lado e, também, ferida antero-interna da perna esquerda do terço médio, tendo sido mandado baixar ao Hospital Distrital de Castelo Branco;
g) Transferido para o Hospital Militar Principal, foi-lhe diagnosticada, em exames médicos realizados em 11 de Janeiro e 11 de Junho de 1979, “fractura cominutiva supra condiliana do fémur direito e ferida perfurante do gémeo esquerdo”;
h) Em 7 de Setembro de 1979, foi apresentado à Junta Hospitalar de Inspecção que o “julgou incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com uma desvalorização de 40,5%”;
i) Por despacho de 27 de Maio de 1980, o Director do Serviço de Justiça e Disciplina homologou o parecer da Comissão Permanente para Informação e Pareceres no sentido de que a incapacidade para o serviço militar resultou de acidente ocorrido em serviço;
j) Na sequência de pedido de revisão do processo, para efeito de qualificação de militar como deficiente das Forças Armadas, o Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional, por despacho de 20 de Novembro de 1998, considerou que se não encontravam preenchidos os requisitos definidos no nº 2 do artigo 1º do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, e indeferiu o pedido.


3. Na delimitação do conceito de deficiente das forças armadas, o Decreto-Lei nº 43/76 estabelece, designadamente, o seguinte:

«Artigo 1º
Definição de deficiente das forças armadas

(...).
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.

3. Para efeitos do número anterior é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão porttuguês que, sendo militar ou ex-militar, seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar ([1]).

4. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.»


«Artigo 2º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1º

1. Para efeitos de definição constante no nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para 'incapacidade geral de ganho', deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O 'serviço de campanha ou campanha' tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As 'circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha' têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. 'O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores' engloba aqueles casos especiais aí não previstos, que pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.»


4. Como resulta do respectivo preâmbulo, uma das inovações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 43/76 reporta-se ao alargamento do regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, justificam pelo seu circunstancialismo o mesmo critério de qualificação.

Entre essas situações encontram-se aquelas que são definidas nas referidas disposições dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, como resultantes de acidente ocorrido no exercício de funções e deveres militares, e por causa desse exercício, em circunstâncias que envolvam um risco agravado equiparável ao que é inerente às restantes actividades expressamente mencionadas na lei: serviço de campanha, prisioneiro de guerra, manutenção da ordem pública, prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública.

O Conselho Consultivo tem interpretado a norma do nº 2 do artigo 1º, no estrito campo de aplicação a que se refere o nº 4 do artigo 2º, como abrangendo os casos que “pelo seu circunstancialismo justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas" ([2]).

Do mesmo modo se tem ponderado que o risco agravado, necessariamente superior ao risco genérico da actividade militar, não se compadece com o que resulta de circunstâncias meramente ocasionais ou imprevisíveis.


5. Neste sentido, em situação que apresenta grande similitude com a presente, este corpo consultivo, no Parecer nº 169/78, de 2 de Novembro de 1978, considerou já que «o disparo acidental de uma pistola Walther, quando se procedia à sua distribuição numa arrecadação de material de guerra, indo atingir um militar que se encontrava nessa arrecadação, não se integra em actividade com risco agravado equiparável às previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.»

Com efeito, como se afirma nesse parecer, “a distribuição de armas em arrecadações não envolve, por natureza, riscos especiais. Apenas circunstâncias que escapam à normalidade podem, muito raramente, determinar acidentes, imputáveis a distracção ou falta de cuidado dos intervenientes.”

Por identidade de razão, a Procuradoria-Geral da República tem entendido que o disparo acidental de uma arma durante o transporte de militares ([3]) e, em geral, os acidentes ocorridos em instalações militares resultantes de disparos efectuados inadvertidamente, durante actividades de rotina, não correspondem a situações de risco agravado para efeito de qualificação como deficiente das Forças Armadas ([4]).

Dentro desta mesma linha de entendimento, vários pareceres deste Conselho Consultivo firmaram doutrina no sentido de que acidentes ocorridos nas carreiras de tiro não configuram, em regra, qualquer situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto–Lei nº 43/76.

Tem-se ponderado, com efeito, que sendo o tiro realizado nesses locais especialmente adequados e apetrechados, rodeados de requisitos de segurança, e ponto de passagem obrigatória de qualquer militar, não ficam os utilizadores de carreiras de tiro expostos a um risco superior ao das normais actividades militares.

Reconhece-se ainda que tais exercícios de tiro pertencem à rotina da função militar não dando em regra lugar a acidentes ([5]).


6. No caso em apreço, as lesões sofridas pelo requerente resultaram de um disparo de uma pistola Walther no momento em que um camarada manuseava a arma que lhe acabara de ser distribuída para efeito de ser ministrada uma aula de instrução.

O acidente ocorreu na arrecadação de material de guerra, onde o sinistrado também se encontrava para recolher uma arma do mesmo tipo, para a mesma finalidade.

O disparo sucedeu inesperadamente e por razões que não foram completamente esclarecidas.

Essa operação de recolha de armas de fogo para rotineiras acções de instrução militar não envolve um risco superior ao que acompanha a normal actividade castrense.

Vê-se assim que o sinistro se ficou a dever a uma circunstância fortuita, e além disso se enquadra num condicionalismo, e decorre de uma actividade concreta, que não pode ser equiparada a o serviço de campanha ou a circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha.


7. Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1ª O disparo acidental de uma pistola Walther no momento em que a arma era distribuída a um militar, na arrecadação de material de guerra, para fins de instrução, vindo a atingir um outro militar que se encontrava no mesmo local, não integra actividade com risco agravado equiparável às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª O acidente de que foi vítima o alferes miliciano NIM (...) (...) enquadra-se no condicionalismo descrito na conclusão anterior, o que impede a qualificação daquele militar como deficiente das Forças Armadas.




[1]) Redacção dada pelo artigo 1º da Lei n.º 46/99, de 16 de Junho, que introduziu este número 3 e transferiu para o número 4 o texto originário desse preceito.
[2]) Dos pareceres nºs. 55/87, de 29 de Julho de 1987, e 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva, apud parecer nº 40/93, de 1 de Julho de 1993.
[3]) Cfr. o Parecer nº 25/77, de 24 de Março, publicado no “Boletim do Ministério da Justiça” nº 276, pág. 53.
[4]) Cfr. os Pareceres nºs. 281/77, de 5 de Janeiro de 1978, 187/80, de 4 de Dezembro de 1980, 210/81, de 18 de Janeiro de 1982, 74/86, de 6 de Novembro de 1986, e 59/90, de 11 de Outubro de 1990.
[5]) Cfr., entre outros, os Pareceres nºs. 78/76 e 99/76, ambos de 30 de Julho de 1976, 207/76, de 13 de Janeiro de 1977, 102/77, de 7 de Dezembro de 1977, 162/77 e 179/77, ambos de 27 de Outubro de 1977, 220/77 e 243/77, ambos de 2 de Dezembro de 1977, 103/89, de 25 de Janeiro de 1990, 46/90, de 27 de Setembro de 1990, 18/92, de 28 de Maio de 1992, 12/94, de 28 de Abril de 1994, 42/95, de 20 de Dezembro de 1995, e mais recentemente, o Parecer nº 94/98, de 14 de Janeiro de 1999.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76, DE 76/01/20 - Art1.º N2 N3 N4; Art2.º N1 A) B) N2 N3 N4
Referências Complementares: 
DIR ADM*DEFIC FFAA
Divulgação
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