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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
75/1999, de 21.12.1999
Data do Parecer: 
21-12-1999
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
ISABEL PAIS MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ESTADO
SOBERANIA
JURISDIÇÃO PENAL
PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE DA LEI PENAL
PRINCÍPIO DO PAVILHÃO
PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DOS INTERESSES NACIONAIS
PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO UNIVERSAL DA LEI PENAL
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO ESPAÇO
CIDADÃO NACIONAL
ESTRANGEIRO
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
PERDA DE NACIONALIDADE
TERRITÓRIO
TIMOR-LESTE
PRINCÍPIO DA AUTO-DETERMINAÇÃO DOS POVOS
TERRITÓRIO NÃO AUTÓNOMO
POTÊNCIA ADMINISTRANTE
DIREITO INTERNACIONAL
FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL
DIREITO INTERNACIONAL E LEI
RECEPÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
RESOLUÇÃO
RECOMENDAÇÃO
DECISÃO
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
ASSEMBLEIA GERAL DA ONU
CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU
TRATADO
TRATADO BILATERAL
TRATADO MULTILATERAL
TRATADO SOLENE
ACORDO SOB FORMA SIMPLIFICADA
TORTURA
CRIME CONTRA A HUMANIDADE
JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL
Conclusões: 
1.ª A jurisdição penal do Estado Português, enquanto corolário da soberania, assenta no princípio da territorialidade (artigo 4.º do Código Penal), como regra base do sistema de aplicação da lei penal no espaço, o qual é integrado pelos princípios da defesa dos interesses nacionais, da aplicação universal da lei penal e da nacionalidade activa e passiva (artigo 5.º do Código Penal).
2.ª O, ainda, território não autónomo de Timor-Leste não faz parte do território de Portugal, tal como este é definido no artigo 5.º da Constituição.
3.ª O não reconhecimento pela comunidade internacional da soberania da Indonésia sobre Timor-Leste, imposto pelo direito dos povos à autodeterminação, levou a que Portugal continuasse a manter o estatuto de potência administrante de um território sobre o qual a Indonésia exercia de facto a sua soberania.
4.ª Portugal interpretou os seus deveres de potência administrante como uma vinculação «às responsabilidades que lhe incumbem, de harmonia com o direito internacional, de promover e garantir o direito à autodeterminação e independência» do povo de Timor-Leste (artigo 293.º da Constituição).
5.ª Pelos Acordos de 5 de Maio de 1999, Portugal, vinculando--se internacionalmente a aceitar que a responsabilidade pela manutenção da paz e segurança em Timor-Leste ficasse exclusivamente a cargo da Indonésia, confirmou a posição expressa na conclusão anterior.
6.ª Pela resolução 1272 (1999) do Conselho de Segurança, adoptada a 25 de Outubro de 1999, a administração da justiça em Timor-Leste é actualmente da competência das Nações Unidas, sob cuja administração o território se encontra.
7.ª O estatuto de potência administrante de Timor-Leste, no condicionalismo definido nas conclusões 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª não fundamenta a existência de jurisdição penal do Estado Português em Timor-Leste.
8.ª A jurisdição dos tribunais portugueses, justificada pelos princípios da universalidade e da nacionalidade activa e passiva, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Código Penal, é sempre subsidiária e dependerá da verificação dos condicionalismos fixados, respectivamente, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo 5.º
9.ª Na jurisdição dos tribunais portugueses que decorre de convenções internacionais que Portugal ratificou, em conformidade com o artigo 5.º, n.º 2, do Código Penal, apenas releva, no caso, a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
10.ª A jurisdição dos tribunais portugueses estabelecida ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1, alíneas b) e c), da Convenção contra a Tortura, depende da verificação das conexões e condicionalismos estabelecidos nessas alíneas, tendo como finalidade o estabelecimento de regras de jurisdição universal aptas a impedir a impunidade.
11.ª O juízo de adequação pressuposto na alínea c) do nº 1 do artigo 5.º da Convenção contra a Tortura deve ser informado por critérios de proporcionalidade, necessidade e eficácia, nos quais relevam a existência e a prevenção de jurisdição concorrente e os condicionalismos de acrescidas condições de eficácia, evidenciadas essencialmente no âmbito da possibilidade material e processual de recolha e obtenção de provas.
12.ª Neste momento, é prematura a formulação pelo Estado Português do juízo positivo de adequação, informado pelos critérios indicados na conclusão anterior, pressuposto no exercício de jurisdição justificado pela conexão da nacionalidade passiva.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:


I


1. “Direito e Justiça – Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas” dirigiu-se a Vossa Excelência requerendo a instauração de processo criminal contra militares do exército indonésio, chefes das milícias, titulares de cargos político- administrativos ([1]) enquanto responsáveis, no período que imediatamente precedeu e se seguiu ao referendo em Timor-Leste, por actos de terrorismo, massacres generalizados, deportações de população civil, com inclusão de mulheres e crianças, violações, torturas, pilhagens, recrutamento forçado de jovens de sexo masculino para a constituição das milícias ([2]) em obediência aos propósitos de eliminação física ou de transferência forçada dos naturais de Timor-Leste que não aceitassem a anexação do território perpetrada pela Indonésia e de intimidação da população.

A competência dos tribunais portugueses ([3]) é alicerçada no facto de tais actos ilícitos terem sido praticados em território sob administração portuguesa, «o que significa que, para além de estarem sujeitos à aplicação da lei portuguesa ([4]), implicam a responsabilidade do Estado Português no desencadeamento das correspondentes medidas de apuramento da verdade e de determinação das adequadas sanções penais».

2. Fundamentada a competência dos tribunais portugueses na posição de “potência administrante” reconhecida ao Estado Português, Vossa Excelência, ponderando que «esta noção é própria do direito internacional público e o seu conteúdo não é unívoco, seja na comunidade internacional, seja no modo como cada Estado a interpreta e a assume perante situações concretas» e «tendo presente os artigos 5.º, 292.º e 293.º da Constituição e as normas sobre aplicação das leis penais no espaço», expressou ter «fundadas dúvidas sobre a existência de jurisdição por parte dos tribunais portugueses» e dignou-se submeter a questão à apreciação do Conselho Consultivo ([5]).

Cumpre, pois, sem descurar o seu carácter urgente, emitir parecer.


II


A soberania e a igualdade dos Estados representam a doutrina constitucional fundamental do direito das nações, a qual rege uma comunidade de Estados dotados de uma personalidade jurídica uniforme. Se o Direito Internacional existe, então a dinâmica da soberania dos Estados pode exprimir-se em termos jurídicos, e, como os Estados são iguais e têm personalidade jurídica, a soberania constitui, em grande parte, a relação com os outros Estados (e com as organizações de Estados) definida pelo Direito.

Os corolários principais da soberania e da igualdade dos Estados são os seguintes:

- Jurisdição, prima facie exclusiva, sobre um território e sobre a população permanente que nele vive;
- Dever de não ingerência na área de jurisdição exclusiva dos outros Estados;
- Subordinação às obrigações resultantes do direito consuetudinário e dos tratados concluídos com o consentimento do Estado obrigado.

A totalidade dos direitos do Estado, sendo a competência jurídica o caso típico, é geralmente descrita como soberania, sendo os direitos específicos ou o cúmulo de direitos em número inferior aos da soberania designados por jurisdição.

A jurisdição refere-se a aspectos específicos da competência jurídica global dos Estados. Constitui um aspecto da soberania e refere-se à competência judicial, legislativa e administrativa. Distinto do poder decisório ou de elaboração de regras (a jurisdição prescritiva ou legislativa) é o poder de implementar medidas executivas no seguimento ou como consequência da tomada de decisões ou da elaboração de regras (a jurisdição coerciva ou de execução) ([6]).

1. A questão submetida à apreciação deste Conselho implica conhecer a extensão e os limites da jurisdição penal do Estado Português.

Poder punitivo de um Estado significa legitimação penal própria, no sentido de que o Estado, tanto frente ao delinquente como frente aos demais Estados, possui a faculdade de exercer a coacção jurídica, através do direito penal, em relação a uma determinada acção.

A existência do poder punitivo estadual é um pressuposto material necessário da sentença penal, já que a coacção penal só pode empregar-se se a respectiva acção estiver submetida ao poder punitivo próprio. Se não se verificar este pressuposto, o Estado carecerá da faculdade de comprovar a punibilidade do caso, porque o seu ordenamento jurídico não é, em absoluto, aplicável.

Numa acepção restrita, as regras do direito penal internacional não tratam em primeiro lugar do âmbito de aplicação do próprio direito penal material, mas do problema, prévio a esta questão, da extensão do poder punitivo do Estado, cuja existência também se pode expressar pela remissão para outro ordenamento jurídico. Só num segundo momento é o direito penal internacional um direito de aplicação do direito penal ([7]).

A problemática do direito penal internacional centra-se, pois, na questão de saber até onde, positivamente, se estende o poder punitivo de um Estado. Não se trata, assim, de um problema de colisão de normas, como sucede no direito internacional privado, mas de um problema de limites do poder punitivo de um determinado Estado ([8]).

Embora revista aspectos que se prendem com a aplicação do direito estrangeiro, «a verdade, porém, de todo o modo, é que o problema fundamental do direito penal internacional continua a ser o da competência positiva de um certo sistema jurídico-penal» ([9]).

2. De acordo com o princípio da competência autónoma dos Estados, cada Estado é soberano para decidir os limites do seu próprio poder punitivo, mas sempre observando as pertinentes regras do direito internacional. O Estado não pode atribuir-se um poder punitivo sem ter em conta que os factos têm relação com o seu próprio interesse legítimo na administração da justiça. O limite máximo desta faculdade de fixar a própria competência é constituído pela proibição de abuso jurídico que o direito internacional impõe com carácter geral ([10]).

Os Estados não podem arbitrariamente submeter ao seu poder punitivo factos com incidência internacional, que tenham sido praticados no estrangeiro ou estando em causa a nacionalidade estrangeira do agente ou da vítima. Deve sempre verificar-se uma conexão lógica que ligue os factos à missão ordenadora do próprio poder punitivo ([11]).

Estes pontos de contacto, que legitimam a aplicação do próprio poder punitivo, denominam-se, tradicionalmente, princípios do direito penal internacional e, de acordo com as conexões lógicas operantes, designam-se: princípio da territorialidade, princípio do pavilhão (ou da matrícula), princípio da nacionalidade activa, princípio da nacionalidade passiva, princípio da protecção dos interesses nacionais e princípio do direito universal ([12]).

O princípio da territorialidade é o ponto de conexão básico do direito penal internacional, porque os limites do território costumam coincidir com os princípios de soberania, independência e igualdade dos Estados soberanos. Segundo este princípio, o Estado pode submeter ao seu poder punitivo todas as infracções cometidas no seu território, ainda que o seu autor seja estrangeiro. Neste caso, o direito de punir depende fundamentalmente do lugar da infracção.

Similar ao princípio da territorialidade é o princípio da bandeira ou do pavilhão. Segundo ele, o Estado cujo pavilhão é arvorado por uma embarcação ou em que está registada uma aeronave pode sujeitar ao seu poder punitivo as infracções cometidas a bordo, ainda que o facto haja sido cometido por um estrangeiro em (ou sobre) território de soberania estrangeira ou no (ou sobre o) alto mar.

Segundo o princípio da nacionalidade activa, o Estado pode submeter ao seu poder punitivo as infracções dos seus nacionais mesmo que cometidas no estrangeiro. Este princípio acentua a vinculação do indivíduo à nação e favorece uma concepção autoritária do Estado, sem que necessariamente esteja ligado a ela, pois também pode partir da ideia da solidariedade internacional.

O princípio da nacionalidade passiva, ou princípio da protecção individual, por seu lado, assenta na ideia da identificação dos interesses da vítima com os do Estado da nacionalidade, facultando ao Estado intervir com o seu poder punitivo relativamente a actos cometidos no estrangeiro contra os seus nacionais.

O princípio da protecção dos interesses nacionais significa que o Estado pode sujeitar ao seu próprio poder punitivo as infracções cometidas por estrangeiros no estrangeiro, quando essas infracções ofendam, ou possam pôr em perigo, bens jurídicos desse Estado. Tratando-se, por conseguinte, de proteger bens jurídicos do próprio Estado, o princípio da protecção está desde logo justificado, porque é o próprio agente quem cria, através da ofensa aos bens jurídicos desse Estado, a relação com o poder punitivo do mesmo Estado. Acresce que normalmente os Estados estrangeiros e os seus interesses não são protegidos pelo direito penal de outros países, pelo que a intervenção do poder punitivo próprio é o único meio de assegurar esta protecção frente aos ataques provenientes do exterior, cometidos no estrangeiro por estrangeiros.

O princípio do direito universal, entendido em sentido amplo, faculta ao Estado intervir com o seu poder punitivo sem ter em conta o lugar da prática do crime nem a nacionalidade do seu autor ou da vítima. O princípio só se justifica, nacional e internacionalmente, quando o facto se dirige contra bens jurídicos de carácter supranacional, em cuja protecção existe um interesse comum a todos os Estados, ou seja, quando se trata da solidariedade do mundo cultural frente ao crime e da luta contra a criminalidade internacional perigosa, ideias que se podem justamente invocar para fundamentar o princípio do direito universal.

3. Vejamos agora as regras de aplicação no espaço da lei penal portuguesa e em que medida os princípios enunciados as inspiraram.

A lei penal portuguesa permanece fiel, desde a data da sua primeira codificação autónoma (1852), ao princípio da territorialidade como base do seu sistema de aplicação no espaço ([13]).

O artigo 4.º do Código Penal consagra como princípio geral em matéria de aplicação da lei penal no espaço, o princípio da territorialidade (a lei penal é aplicável aos factos praticados em território nacional) com o seu corolário, o princípio do pavilhão (a lei penal é aplicável aos factos praticados a bordo de navios ou aeronaves portugueses).

Estatui:

«Artigo 4.º

Aplicação no espaço: princípio geral

Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados:
a) Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou
b) A bordo de navios ou aeronaves portugueses.»

O princípio da territorialidade é, contudo, completado e integrado por outros princípios consagrados no artigo 5.º:

«Artigo 5.º

Factos praticados fora do território nacional

1 - Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional:
a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 300.º, 301.º, 308.º a 321.º, 325.º a 345.º;
b) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 159.º, 160.º, 169.º, 172.º, 173.º, 176.º e 236.º a 238.º, no n.º 1 do artigo 239.º e no artigo 242.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado;
c) Por portugueses, ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que:
I – Os agentes forem encontrados em Portugal;
II – Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e
III – Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida; ou
d) Contra portugueses, por portugueses que viverem habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e nele forem encontrados.
e) Por estrangeiros que forem encontrados em Portugal e cuja extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam extradição e esta não possa ser concedida.
2 - A lei portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.»

Na alínea a) consagra-se o princípio da defesa dos interesses nacionais ([14]). Há certos interesses nacionais considerados tão importantes que a lei penal portuguesa pune a sua violação, independentemente da nacionalidade do agente (sem exigir a sua presença ou a possibilidade de comparência) e onde quer que a violação tenha tido lugar.

O princípio tem incidência nos tipos legais de crimes que merecem menção expressa na alínea a). Assim, a lei indica que os tipos legais a considerar são:

- burla informática e nas comunicações (artigo 221.º),
- contrafacção de moeda (artigo 262.º),
- depreciação do valor de moeda metálica (artigo 263.º),
- passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador (artigo 264.º),
- passagem de moeda falsa (artigo 265.º),
- aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação (artigo 266.º),
- contrafacção de valores selados (artigo 268.º),
- contrafacção de selos, cunhos, marcas ou chancelas (artigo 269.º),
- pesos e medidas falsos (artigo 270.º) ([15]),
- organizações terroristas (artigo 300.º),
- terrorismo (artigo 301.º),
- traição à pátria (artigo 308.º),
- serviço militar em forças armadas inimigas (artigo 309.º),
- inteligências com o estrangeiro para provocar a guerra (artigo 310.º),
- prática de actos adequados a provocar a guerra (artigo 311.º),
- inteligências com o estrangeiro para constranger o Estado Português (artigo 312.º),
- ajuda a forças armadas inimigas (artigo 312.º),
- campanha contra o esforço de guerra (artigo 313.º),
- sabotagem contra a defesa nacional (artigo 315.º),
- violação de segredo de Estado (artigo 316.º),
- espionagem (artigo 317.º),
- meios de prova de interesse nacional (artigo 318.º),
- infidelidade diplomática (artigo 319.º),
- usurpação de autoridade pública portuguesa (artigo 320.º),
- entrega ilícita de pessoa a entidade estrangeira (artigo 321.º),
- alteração violenta do Estado de direito (artigo 325.º),
- incitamento à guerra civil ou à alteração do Estado de direito (artigo 326.º),
- atentado contra o Presidente da República (artigo 327.º),
- ofensa à honra do Presidente da República (artigo 328.º),
- sabotagem (artigo 329.º),
- incitamento à desobediência colectiva (artigo 330.º),
- ligações com o estrangeiro (artigo 331.º),
- ultraje de símbolos nacionais e regionais (artigo 332.º),
- coacção contra órgãos constitucionais (artigo 333.º),
- perturbação de funcionamento de órgão constitucional (artigo 334.º),
- tráfico de influências (artigo 335.º),
- falsificação do recenseamento eleitoral (artigo 336.º),
- obstrução à inscrição de eleitor (artigo 337.º),
- perturbação de assembleia eleitoral (artigo 338.º),
- fraude em eleição (artigo 339.º),
- coacção de eleitor (artigo 340.º),
- fraude e corrupção de eleitor (artigo 341.º),
- violação do segredo de escrutínio (artigo 342.º) ([16]).

A alínea b) consagra o princípio da aplicação universal da lei penal, «que procura englobar aqueles crimes que todos os Estados têm interesse em punir. Em princípio, quais sejam esses crimes é coisa que se fixa por tratados; mas é sempre necessário o princípio legislativo, até como norma de imprescindível colaboração entre os Estados» ([17]).

«Há interesses que, fazendo parte do património cultural da Humanidade, devem ser sempre defendidos criminalmente, quem quer que seja o agente e onde quer que se tenha praticado o facto que os viola.» ([18])

Também aqui, a lei indica taxativamente os artigos que contêm os tipos legais a considerar. Assim:

- artigo 159.º (escravidão),
- artigo 160.º (rapto),
- artigo 169.º (tráfico de pessoas),
- artigo 172.º (abuso sexual de crianças),
- artigo 173.º (abuso sexual de menores dependentes),
- artigo 176.º (lenocínio e tráfico de menores),
- artigo 236.º (incitamento à guerra),
- artigo 237.º (aliciamento de forças armadas),
- artigo 238.º (recrutamento de mercenários),
- artigo 239.º, n.º 1 (genocídio),
- artigo 242.º (destruição de monumentos).

Todavia, para que este princípio tenha aplicação é necessária a verificação de duas condições cumulativas:

- que o agente seja encontrado em Portugal; e
- que não possa ser extraditado.

A alínea c) consagra o princípio da nacionalidade «em virtude do qual se aplica a lei nacional ao agente que tenha praticado o facto fora do território nacional e se encontre no seu país.

«Está ligado aos princípios de não extradição de nacionais e da reciprocidade de tratamento.

«Foi, porém, mais longe e consagrou a aplicação da lei penal portuguesa aos factos praticados fora do território nacional por estrangeiros, desde que contra portugueses, subscrevendo assim o princípio da nacionalidade passiva (ao lado da activa). Pretendeu-se, pois, que deixassem de ficar impunes os crimes cometidos contra portugueses fora do território nacional, quando o agente estrangeiro se encontra em Portugal e não pode ser punido no lugar dos factos ou no seu país de origem.» ([19])

Exige-se que os agentes sejam encontrados em Portugal, que os factos praticados sejam também puníveis pela legislação do lugar da sua prática, a menos que nesse lugar não se exerça o poder punitivo, e ainda que os factos constituam crime que admita extradição e esta não possa ser concedida.

Sobre esta disposição o Autor do Projecto afirmou que «é consequência directa do princípio conhecido e geralmente aceite punire aut dedere: todos aqueles indivíduos que o Estado não pode extraditar devem ser punidos pelas infracções que cometeram fora do território nacional. Deste enunciado já resulta que a disposição tem, assim, como que um duplo campo de incidência: o da chamada nacionalidade activa, abrangendo os crimes praticados por nacionais em território estrangeiro – e cuja exigência de punição no país da nacionalidade resulta directamente do princípio da não extradição de nacionais; e o da chamada nacionalidade passiva, abrangendo os crimes praticados por estrangeiros contra portugueses, fora do território nacional, sempre que, naturalmente, a extradição daqueles não possa ser concedida.

«Do exposto já se conclui que a punição que assim se efectiva tem de estar sujeita a um certo número de pressupostos. Desde logo que os agentes sejam encontrados em Portugal, já que, de outra forma, a punição poderia revelar-se destituída daquela eficácia prática que constitui, justamente, a sua razão de ser. Depois: se um certo país vai punir o seu nacional ou mesmo o estrangeiro por factos praticados no estrangeiro, tal fica a dever-se, como já se disse, ao facto de não o poder extraditar; mas se assim é, evidente se torna que tal punição só terá sentido em relação a factos também puníveis pela lei do lugar da prática do facto. Finalmente, como também já se disse, é preciso que a extradição não possa ser concedida, mas sem prejuízo, como é claro, de que o crime seja um daqueles que, por sua natureza, a admite.» ([20])

Pela alínea d), a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados fora do território nacional por portugueses, que vivam habitualmente em Portugal à data da sua prática, contra portugueses. Exige-se apenas que o agente seja encontrado em Portugal.

A introdução deste preceito foi pensada para hipóteses excepcionais de fraude à lei penal ([21]).

Pela alínea e), a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional por estrangeiros, desde que os agentes sejam encontrados em Portugal e a sua extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam a extradição e esta não possa ser concedida ([22]).

O n.º 2 alarga a aplicação da lei penal portuguesa aos factos ocorridos fora do território nacional, independentemente da nacionalidade dos agentes e das vítimas, desde que, por tratado ou convenção, se tenha obrigado a julgá-los.

Consequência directa do princípio de que a aplicação da lei nacional a crimes praticados fora do território respectivo é sempre uma aplicação subsidiária, dispõe o artigo 6.º:

«Artigo 6.º

Restrições à aplicação da lei penal portuguesa

1 - A aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional só tem lugar quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação.
2 - Embora seja aplicável a lei portuguesa, nos termos do número anterior, o facto é julgado segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente. A pena aplicável é convertida naquela que lhe corresponder no sistema português, ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei portuguesa prever para o facto.
3 - O regime do número anterior não se aplica aos crimes previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º»

O n.º 1 condiciona a aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados fora do território nacional a uma de duas condições negativas:

- não ter sido o agente julgado no país da prática do facto; ou
- tendo sido julgado no país da prática do facto, se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação.

A restrição à aplicação da lei portuguesa, contida no n.º 1 do artigo 6.º, aplica-se a todos os factos praticados fora do território nacional, o que quer dizer que só se aplica quando o agente não foi julgado no país da prática do facto ou se haja subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação. Portanto, só nestas hipóteses é que é aplicável a lei portuguesa ([23]).

«Mas, mesmo que se verifiquem as condições negativas consignadas no n.º 1 e, consequentemente, seja aplicável a lei portuguesa, há ainda que distinguir, por força do n.º 2, o seguinte:

- se a lei do país em que o facto foi praticado se mostra concretamente mais favorável ao agente será julgado de acordo com essa lei e a pena aplicável será convertida naquela que lhe corresponder no sistema português ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei prevê para o facto;

- se aquela lei não se mostrar mais favorável, então funciona a regra do n.º 1, aplicando-se a lei portuguesa;

- se a lei do país em que o facto foi praticado se mostra concretamente mais favorável ao agente, ainda assim será aplicável a lei portuguesa se constituir os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 300.º, 301.º, 308.º a 321.º, 325.º a 345.º que, em nome do princípio da defesa dos interesses nacionais, reclamam sempre a aplicação da lei portuguesa (n.º 3 deste artigo).» ([24])

4. Num sistema em que o poder punitivo do Estado se baseia no princípio da territorialidade, o lugar da prática do facto é decisivo para a questão da aplicação da lei penal portuguesa.

A esta questão responde o artigo 7.º, que dispõe:

«Artigo 7.º

Lugar da prática do facto

O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico se tiver produzido.»

Consagrou-se, assim, a chamada solução plurilateral, a que Jescheck chama teoria da ubiquidade, segundo a qual se considera sede do delito tanto o lugar em que o autor actuou ou, em caso de omissão, deveria ter actuado, como o lugar em que se produziu o resultado típico ([25]).

5. Os artigos 4.º e 5.º do Código Penal, fixando as regras de aplicação da lei penal portuguesa no espaço, começam por ressalvar a existência de tratado ou convenção internacional em contrário.

Com a ressalva pretende-se vincar, de forma clara, que as regras sobre aplicação da lei penal no espaço não são rígidas e podem ser afastadas pelo direito internacional convencional ([26]).

A mesma ideia encontra expressão no n.º 2 do artigo 5.º, onde se reafirma o que já resultava da mencionada ressalva.

Acautela-se, desta forma, o alargamento da extraterritorialidade da lei penal para que apontam convenções internacionais que Portugal ratificou ou virá a ratificar ([27]).

Adiante retomaremos este ponto, para maiores desenvolvimentos, na perspectiva da consulta.

6. Portugueses e estrangeiros são conceitos utilizados no artigo 5.º do Código Penal mas o seu preenchimento tem de se buscar fora da lei penal.

Dispõe a Constituição da República:

«Artigo 4.º

(Cidadania portuguesa)

São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional.»

A Constituição não contém os critérios-base de definição da cidadania, deixando para a lei a fixação das regras de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade.

Os princípios informadores do direito português da nacionalidade encontram-se actualmente reunidos na Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro ([28]), cuja regulamentação foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto ([29]).

Vamo-nos debruçar apenas sobre a nacionalidade originária, com especial incidência na nacionalidade originária por mero efeito da lei.

A atribuição da nacionalidade portuguesa vem regulada no artigo 1.º da referida Lei:

«Artigo 1.º

(Nacionalidade originária)

1 – São portugueses de origem:
a) Os filhos de pai português ou mãe portuguesa nascidos em território português ou sob administração portuguesa, ou no estrangeiro se o progenitor aí se encontrar ao serviço do Estado Português;
b) Os filhos de pai português ou mãe portuguesa nascidos no estrangeiro se declararem que querem ser portugueses ou inscreverem o nascimento no registo civil português;
c) Os indivíduos nascidos em território português, filhos de estrangeiros que aqui residam com título válido de autorização de residência há, pelo menos, 6 ou 10 anos, conforme se trate, respectivamente, de cidadãos nacionais de países de língua oficial portuguesa ou de outros países, e desde que não se encontrem ao serviço do respectivo Estado, se declararem que querem ser portugueses;
d) Os indivíduos nascidos em território português quando não possuam outra nacionalidade.
2 – Presumem-se nascidos em território português ou sob administração portuguesa, salvo prova em contrário, os recém-nascidos expostos naqueles territórios.»

Neste preceito prevêem-se dois tipos de situações: num, a aquisição da nacionalidade decorre directamente da lei, verificados que sejam os pressupostos por esta exigidos; noutro, a lei configura um quadro que poderá determinar a aquisição originária da nacionalidade portuguesa, se, e quando, um outro elemento – a vontade do interessado – se manifestar nesse sentido ([30]).

À face do preceito, a aquisição originária da nacionalidade por mero efeito da lei ocorre em três hipóteses distintas: quando se trate de filho de um progenitor português (pai ou mãe) que haja nascido em território português ou sob administração portuguesa (alínea a) do n.º 1, primeira parte); quando se trate de filho de um progenitor português (pai ou mãe) nascido no estrangeiro, quando tal progenitor aí se encontrasse ao serviço do Estado Português (alínea a) do n.º 1, in fine); quando se trate de um nascido em território português – e não já em território sob administração portuguesa – que não possua outra nacionalidade (alínea d) do n.º 1).

«A atribuição da nacionalidade, nos três casos acabados de referir, não parece suscitar quaisquer reparos e a sua justificação impõe-se como de primeira evidência. No primeiro, ela verifica-se quando é confortada, a um tempo, pelos dois critérios a que tradicionalmente se recorre na determinação da nacionalidade originária: o ius soli e o ius sanguinis; e não faria realmente sentido, obviamente, que a concorrência destes dois títulos em relação a um Estado não fosse bastante para determinar a atribuição da sua nacionalidade.

«A segunda situação referida também se explica facilmente: não só é ela tradicional no nosso direito (-), como se pode pretender que não há ainda aqui um verdadeiro caso em que o ius sanguinis actua exclusivamente, pois nela é só o afastamento temporário – e motivado ao serviço do Estado Português – que justifica o nascimento no estrangeiro.
(...)
«Alegar-se-á que o vínculo objectivo à comunidade nacional que o ius soli é suposto revelar é aqui traduzido por este outro factor: o encontrar-se o progenitor no estrangeiro ocupado com a representação do Estado Português ou dos seus interesses.

«O condicionalismo referido em último lugar dá guarida ao critério do ius soli mas apenas na medida em que, sem esse mecanismo, o indivíduo em questão não ficasse a ser portador de uma qualquer nacionalidade. Não se trata assim, de primeira evidência, de reconhecer os méritos do ius soli e a sua adequação à concreta situação portuguesa, mas antes, e bem pelo contrário, de procurar eliminar, na medida do possível, as situações de apatridia.» ([31])

Uma observação se impõe, desde já.

O legislador refere-se em certos casos ao território português e noutros ao território português ou sob administração portuguesa ([32]).

«A diferenciação assim introduzida corresponde a uma diferente modelação do ius soli, nos dois tipos de casos, o que se poderá explicar pela circunstância de as especificidades do território sob administração portuguesa justificarem algum relevo no tratamento deste em sede de nacionalidade.» ([33])

Pela alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 37/81, o legislador quis evitar a apatridia em relação aos nascidos em território português, «mas não já (da mesma forma pelo menos) no que toca aos nascidos em território sob administração portuguesa» ([34]).

Um, em específico contexto normativo, conceito de estrangeiro é dado pelo Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto ([35]), que regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português.

Dispõe o respectivo artigo 2.º:

«Artigo 2.º

Conceito de estrangeiro

Para efeitos do presente diploma, considera-se estrangeiro todo aquele que não prove possuir a nacionalidade portuguesa.»

7. O território do Estado é o âmbito espacial em que impera a sua soberania.

«O território do Estado é o espaço no qual os órgãos do Estado têm o poder de impor a sua autoridade: define, assim, o âmbito da competência no espaço dos órgãos supremos do Estado. As leis são, em princípio, obrigatórias só dentro das fronteiras do Estado de cuja autoridade dimanam (territorialidade das leis). Governantes e funcionários de um Estado só no seu território podem exercer funções.» ([36])

Em consequência, a extensão do território delimita, em princípio, a validade do seu ordenamento jurídico. O ordenamento jurídico é válido para um determinado território, o que não exclui que as suas normas possam ter, em determinados casos, eficácia extraterritorial. A identidade do território do Estado e o âmbito espacial de validade das normas do seu ordenamento jurídico determina que a eficácia das mesmas se limite, em regra, ao território.

As leis penais não são, neste sentido, uma excepção; pelo contrário, nelas manifesta-se a regra geral da territorialidade com especial vigor ([37]).

Como vimos, a nossa lei (artigo 4.º do Código Penal) estabelece como princípio básico para determinar a eficácia da lei penal no espaço, o princípio da territorialidade.

Ora, a aplicação do princípio da territorialidade exige a determinação do conceito jurídico de território.

A Constituição da República define o território português no artigo 5.º:

«Artigo 5.º

(Território)

1. Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira.
2. A lei define a extensão e o limite das águas territoriais, a zona económica exclusiva e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos.
3. O Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo da rectificação de fronteiras.»

Esta redacção resulta da segunda revisão constitucional ([38]), mantendo-se, desde então, inalterada.

A alteração significativa que apresenta em relação à versão originária decorre da supressão do primitivo n.º 4 que dispunha: «O território de Macau, sob administração portuguesa, rege-se por estatuto adequado à sua situação especial».

«Quando comparado com as disposições paralelas das constituições anteriores, este artigo exprime uma das mais importantes consequências da revolução de 25 de Abril de 1974, ou seja, a descolonização e a independência dos povos coloniais, com o retorno do território nacional à sua dimensão europeia. Dos antigos “territórios ultramarinos” existentes em 1974 somente Macau e Timor-Leste não se tornaram Estados independentes. Macau permaneceu transitoriamente sob administração portuguesa, aguardando a sua reintegração na soberania da China à qual pertence (...). Timor foi ocupado à força armada pela Indonésia, tendo Portugal o dever de não reconhecer essa anexação (...).» ([39])

Segundo Jorge Miranda ([40]), o território, enquanto espaço jurídico próprio do Estado, significa que:

«a) Só existe poder do Estado quando ele consegue impor a sua autoridade em nome próprio sobre certo território (é por isso que o Estado se diz sociedade política territorial);
b) O território define o âmbito de autoridade, de soberania de um Estado em relação aos outros;
c) No seu território cada Estado tem o direito de excluir poderes concorrentes doutros Estados (ou de preferir a eles);
d) O território define a plenitude de poder que a cada Estado é lícito exercer sobre as pessoas;
e) No seu território, cada Estado só pode admitir, com sua autorização, o exercício de poderes executivos doutro Estado sobre quaisquer pessoas;
f) Os cidadãos só podem beneficiar da plenitude de protecção dos seus direitos em relação ao seu Estado no território deste.» ([41])

O território, salienta o mesmo Autor, não faz parte da comunidade estadual, nem do seu poder ou da sua organização. «É apenas objecto do poder do Estado, e limite deste em face dos restantes Estados (ou, ainda, a sede material do seu poder)» ([42]).

Sobre o problema da natureza do poder ou direito do Estado sobre o seu território (senhorio territorial), propende o Autor que vimos seguindo para o ver como «direito de jurisdição, direito específico que abrange simultaneamente o território e as pessoas no território» ([43]).

O direito de soberania da República Portuguesa sobre o seu território exprime a soberania do Estado (o artigo 1.º da Constituição define o país como República soberana). A República Portuguesa exerce soberania sobre o seu território porque é um Estado soberano.

8. “Província ultramarina” em 1974, Timor-Leste não se tornou, ainda, Estado independente.

8.1. Sobre Timor-Leste, estabelece a Constituição Portuguesa:

«Artigo 293.º

(Autodeterminação e independência de Timor Leste)

1. Portugal continua vinculado às responsabilidades que lhe incumbem, de harmonia com o direito internacional, de promover e garantir o direito à autodeterminação e independência de Timor Leste.
2. Compete ao Presidente da República e ao Governo praticar todos os actos necessários à realização dos objectivos expressos no número anterior.»

Em anotação ao artigo 293.º ([44]), o único dispositivo constitucional que se refere expressamente a Timor-Leste, Gomes Canotilho e Vital Moreira ([45]) afirmam designadamente:

«(...) O n.º 1 é claro ao colocar a questão exclusivamente em sede de direito internacional. O território de Timor-Leste, então colónia portuguesa, fora ocupado, antes da aprovação da Constituição, pela Indonésia, o que implicou a cessação de facto mas não de direito da administração portuguesa.

«O preceito implica, entre outras coisas, a proibição de reconhecimento por parte do Estado Português da soberania da Indonésia sobre Timor-Leste e a obrigação de desencadear todas as medidas diplomáticas tendentes a assegurar o direito de autodeterminação do povo maubere de Timor-Leste. De igual modo, deve socorrer-se dos meios e processos internacionais (ex.: Tribunal Internacional) para reagir contra actos ilícitos e lesivos desse mesmo direito.»

A par da colocação da questão em sede de direito internacional, o preceito constitucional atribui ao Presidente da República e ao Governo a competência para a prática dos actos necessários à promoção e garantia do direito à autodeterminação e à independência de Timor-Leste.

«É duvidoso se o n.º 2 remete para as competências constitucionais normais do PR e do Governo no plano da definição e condução da política externa, ou se ele comete ao PR especiais competências nesta matéria. Na dúvida deve optar-se pelo primeiro entendimento.» ([46])

O preceito em análise tem essencialmente um carácter programático, dirigido ao desenvolvimento da política externa portuguesa em relação a Timor-Leste e, sendo ditado por concretas razões históricas, observa os princípios que devem dirigir a política externa portuguesa, a um nível mais geral.

Na verdade, o artigo 7.º da Constituição, sobre «Relações internacionais», contendo as directivas que vinculam o Estado Português nas relações internacionais, consagra, entre outros, o princípio do respeito dos direitos do homem e dos direitos dos povos (n.º 1), estabelece o reconhecimento do «direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão» (n.º 3) e afirma que Portugal «preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos».

8.2. Vejamos, agora, sem termos a pretensão de ser exaustivos, os diplomas relacionados, no plano do direito interno e no pós-25 de Abril, com a questão de Timor-Leste ([47]).

O primeiro diploma a referir é a Lei Constitucional n.º 7/75, de 17 de Julho, mediante o qual, perante a impossibilidade de acordo com as forças políticas timorenses quanto ao processo e calendário da respectiva descolonização, se procura, com respeito pelo direito internacional, alcançar a descolonização de Timor mediante o exercício pelo povo timorense do direito à autodeterminação.

Por essa Lei, o Estado Português compromete-se a levar a bom termo a descolonização do território de Timor-Leste, fixando o processo e calendário da cessação de quaisquer prerrogativas de soberania e administração da República e estabelecendo que, «até ao termo das prerrogativas de soberania e administração que o Estado Português detém e exerce sobre Timor» ([48]), cuja data foi fixada no terceiro Domingo de Outubro de 1978, Timor passaria a reger-se pelo Estatuto anexo a essa Lei.

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, esta Lei foi implicitamente revogada pelo artigo 307.º da Constituição (versão originária) ([49]).

Por seu lado, Jorge Miranda ([50]) sustenta que a Lei n.º 7/75 continua em vigor. «A Lei n.º 7/75, de 17 de Julho, estabelecera o processo de descolonização do território, o qual, não chegou a efectuar-se até agora por causa do eclipse da autoridade do Estado Português em 1975, da guerra desencadeada no território e da ocupação militar pela Indonésia. Mas, à face do ordenamento jurídico português, esta lei ainda está em vigor, embora careça de ser devidamente interpretada para adequação ou actualização de prazos.»

À questão voltaremos mais adiante.

Surge, depois, um conjunto de diplomas relacionados com a resolução de problemas do funcionalismo ligado à administração colonial timorense (Decreto-Lei n.º 225-B/76, de 31 de Março, que regulariza a situação dos funcionários vindos do território de Timor que se encontram em Portugal; Lei n.º 1/95, de 14 de Janeiro, sobre os direitos dos funcionários e agentes do Estado que exerceram funções em território de Timor-Leste sob administração portuguesa; Decreto Regulamentar n.º 18/95, de 3 de Junho, sobre questões retributivas).

Outros diplomas, de acordo com os seus próprios termos, visam essencialmente manter viva e actual, acompanhar, difundir e divulgar a causa de Timor-Leste e do seu Povo: é o que acontece com as resoluções da Assembleia da República n.os 16/83, de 16 de Setembro, 36/91, de 21 de Novembro, e 47/95, de 15 de Novembro (constituição e composição de comissões eventuais para o acompanhamento da situação em Timor-Leste), 68/94, de 16 de Novembro (repudia a ocupação de Timor-Leste e chama a atenção da comunidade internacional para o direito do povo timorense à autodeterminação e para a violação dos direitos do homem naquele território) e 41/96, de 28 de Novembro (declara o dia 7 de Dezembro como dia de Timor-Leste) ([51]).

Outros, ainda, são ditados predominantemente por razões de carácter humanitário, traduzidas quer na expressão e fomento da solidariedade para com o povo de Timor-Leste, quer no propósito de apoiar, acolher e integrar a comunidade timorense em Portugal: Decreto n.º 57-A/91 do Governo ([52]), Resoluções dos Conselhos de Ministros n.ºs 53/95 (2.ª série) e 28/96 (2.ª série) ([53]), Portaria n.º 745-N/96, de 18 de Dezembro (cria o programa Xanana Gusmão e aprova o seu regulamento), Despacho conjunto dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna, da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social ([54]) e Despacho 7/MNE/97 do Ministro dos Negócios Estrangeiros ([55]).

O conteúdo do direito interno referenciado tem essencialmente uma dimensão humanitária, dirigindo-se à concretização da solidariedade com o povo timorense e à resolução de problemas relacionados com o apoio e a integração social dos timorenses.

9. A Carta das Nações Unidas, nos seus artigos 73.º e 74.º - que constituem o capítulo XI, intitulado Declaração relativa a territórios não autónomos – estabelece:

«Artigo 73.º

Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente carta, o bem-estar dos habitantes desses territórios, e, para tal fim:
a) Assegurar, com o devido respeito pela cultura dos povos interessados, o seu progresso político, económico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua protecção contra qualquer abuso;
b) Promover o seu governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes, e os diferentes graus do seu adiantamento;
c) Consolidar a paz e a segurança internacionais;
d) Favorecer medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar entre si e, quando e onde for o caso, com organizações internacionais especializadas, tendo em vista a realização prática dos objectivos de ordem social, económica e científica enumerados neste artigo;
e)Transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro carácter técnico relativas às condições económicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são respectivamente responsáveis e que não estejam compreendidos entre aqueles a que se referem os capítulos XII e XIII.

Artigo 74.º

Os membros das Nações Unidas concordam também em que a sua política relativa aos territórios a que se aplica o presente capítulo deve ser baseada, do mesmo modo que a política seguida nos respectivos territórios metropolitanos, no princípio geral de boa vizinhança, tendo na devida conta os interesses e o bem-estar do resto do mundo no que se refere às questões sociais, económicas e comerciais.»

9.1. Até 1945, o exercício das competências dos Estados nas suas colónias não estava submetido a nenhum controlo internacional. Somente estavam regulamentados o estatuto dos mandatos e o modo de aquisição inicial dos territórios coloniais (Acta final da Conferência de Berlim de 1885) ([56]).

No fim da primeira guerra mundial, o presidente norte-americano Wilson lançou o conceito de self-determination ou autodeterminação, que era uma concretização do princípio das nacionalidades e, tal como este, pensado fundamentalmente para a Europa ([57]).

De todo o modo, não se considerava, então, que o princípio da autodeterminação dos povos tivesse consagração positiva no Direito Internacional. Na verdade, o Pacto da Sociedade das Nações não proclamava o princípio da autodeterminação dos povos e apenas estabeleceu um regime jurídico peculiar para as colónias dos países vencidos na primeira guerra, que é o dos chamados mandatos. O regime das restantes colónias continuou como no passado.

Terminada a segunda guerra mundial, a situação dos povos submetidos ao domínio colonial colocou-se em termos muito distintos na Conferência de S. Francisco que, em 1945, redigiu a Carta das Nações Unidas. Os dois grandes vencedores – Estados Unidos e União Soviética – compartilhavam uma comum animosidade em relação ao colonialismo, e não só por questões de poder mas também por razões ideológicas. No entanto, dois dos Estados vencedores, que nas Nações Unidas iam adquirir uma situação de privilégio dentro do Conselho de Segurança, enquanto membros permanentes e com direito de veto, eram o Reino Unido e a França, ambos com interesses coloniais muito importantes, em cuja manutenção estavam interessados.

Daí que, em presença de concepções opostas, na Conferência de S. Francisco se chegasse a um compromisso quanto à situação dos povos e territórios submetidos ao domínio colonial. A solução consistiu no estabelecimento de dois regimes diferentes. Um, era o do capítulo XI da Carta, há pouco aludido, aplicável, de um modo geral, às colónias dos países vencedores ou às dos Estados não inimigos. O outro regime era o dos capítulos XII e XIII, que instaurava um regime internacional de tutela, aplicável aos territórios submetidos aos mandatos criados pela Sociedade das Nações, aos separados dos Estados inimigos, em consequência da segunda guerra mundial, e aos postos voluntariamente sob esse regime pelos Estados responsáveis pela sua administração.

O capítulo XI da Carta colocava pela primeira vez a administração das populações e dos territórios submetidos a um regime colonial sob a responsabilidade da comunidade internacional ([58]).

A autonomia internacional foi institucionalizada na sequência da criação da ONU. A Carta erigiu em instituição internacional a autonomia dos países e dos povos dependentes, como uma etapa da descolonização, segundo os capítulos XI e XII, relativos aos territórios não autónomos e aos territórios submetidos ao regime internacional da tutela. O princípio do direito dos povos a dispor de si mesmos serviu de plataforma jurídica tanto aos estatutos da tutela e dos territórios não autónomos como à sua evolução. A inserção na Carta de certos princípios, bem como a interpretação dada pelos órgãos competentes, reflectia a natureza internacional destas instituições ([59]).

Como é lógico, existem diferenças entre o regime dos territórios não autónomos e regime de tutela, que se podem resumir do seguinte modo:

- Enquanto os territórios não autónomos são regidos pelas suas respectivas metrópoles em virtude de títulos jurídicos pré-existentes e derivados do Direito Internacional Geral, os territórios sujeitos a regime de tutela ligam-se aos Estados administrantes por acordos internacionais realizados em conformidade com a Carta das Nações Unidas;

- Nos territórios não autónomos os poderes constituinte e legislativo continuavam nas mãos do Estado metropolitano, enquanto que nos submetidos a regime de tutela o regime jurídico fundamental derivava dos acordos de tutela;

- A Carta da Organização não estabeleceu nenhum órgão para controlar a gestão dos territórios não autónomos, embora os Estados administrantes tivessem a obrigação, segundo o artigo 73.º, alínea e), de transmitir ao Secretário-Geral «informações estatísticas ou de outro carácter técnico relativas às condições económicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são respectivamente responsáveis», enquanto que para os territórios submetidos ao regime internacional de tutela se estabelecia o Conselho de Tutela, com funções de supervisão e controlo, que se assinalam no artigo 87.º da Carta.

Esta última diferença seria rapidamente atenuada, já que, no seu primeiro período de sessões (1946), a Assembleia Geral criou uma Comissão ad hoc sobre transmissão de informações (resolução 66 C1), e, a recomendação desta, estabeleceu-se uma Comissão sobre territórios não autónomos e, mais tarde, a Comissão dos Vinte e Quatro.

A Carta das Nações Unidas contém referências expressas ao princípio da autodeterminação dos povos. Assim, segundo o artigo 1.º, 2), um dos objectivos das Nações Unidas é «desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos (...)»; encontramos também uma menção ao princípio no artigo 55.º e pode- se entender que o mesmo se encontra implicitamente contido nos capítulos XI, XII e XIII da Carta.

Os primeiros comentaristas da Carta não consideravam que estas referências permitissem sustentar que o princípio da autodeterminação dos povos constituía uma norma de Direito Internacional positivo, consistindo antes um postulado político.

Só que a dinâmica anti-colonialista da Organização e da sociedade internacional havia de consagrar rapidamente o princípio da autodeterminação como norma positiva de Direito Internacional, a ser aplicada.

Efectivamente, no dia 14 de Dezembro de 1960, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou – por oitenta e nove votos a favor, nenhum contra e nove abstenções – a importante resolução 1514 (XV) que contém a Declaração sobre a concessão da independência aos países e aos povos coloniais, tradicionalmente chamada Magna Carta da descolonização.

E a formulação do princípio da autodeterminação dos povos ainda foi objecto de maiores desenvolvimentos e precisões na resolução da Assembleia Geral 2625 (XXV), adoptada no dia 24 de Outubro de 1970, que contém a Declaração dos princípios de Direito Internacional referentes às relações de amizade e cooperação entre os Estados em conformidade com a Carta das Nações Unidas.

Enquanto na resolução 1514 (XV) o princípio da autodeterminação se configurava como um direito dos povos, segundo a Declaração de 1970 esse princípio formula-se simultaneamente como um direito dos povos e um dever dos Estados.

O princípio da autodeterminação dos povos tem sido qualificado doutrinalmente como um dos princípios estruturais ou constitucionais do ordenamento internacional recolhidos pela resolução 2625 (XXV). No que respeita ao seu conteúdo, foi definido, em termos amplos, como a expressão da vontade de uma comunidade de determinar o seu status político em relação a outras comunidades ou em relação à sua própria organização política interna. Um problema suscitado por este princípio é relativo ao destinatário ou sujeito do mesmo, ou seja, a sua natureza jurídica, devendo precisar-se se a autodeterminação é um direito dos povos submetidos ao domínio colonial ou um dever dos Estados de pôr fim a esse tipo de situações. Será de assinalar que o princípio da autodeterminação constitui as duas caras de uma mesma moeda, por ser ao mesmo tempo um direito dos povos, com o conteúdo antes indicado, e um dever dos Estados, com obrigações precisas para estes derivadas da Carta e do seu posterior desenvolvimento ([60]).

Na resolução 2625 (XXV) estabelece-se, para além de outros, o dever de qualquer Estado «promover, mediante acção conjunta ou individual, a aplicação do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos» e afirma-se que «o território de uma colónia ou de outro território não autónomo tem, em virtude da Carta, uma condição jurídica distinta e separada da do território do Estado que o administra; e essa condição jurídica distinta e separada, de acordo com a Carta, existirá até que o povo da colónia ou do território não autónomo exerça o seu direito à autodeterminação».

Com a precisão de que os territórios não autónomos possuem uma condição jurídica distinta e separada da do território que o administra, deu-se um desenvolvimento do Direito Internacional. Após a resolução 2625 (XXV) nem a noção de «missão sagrada de civilização», nem os títulos históricos da potência administrante podem prevalecer sobre o direito dos povos à autodeterminação. E esta condição jurídica própria do território não autónomo produz consequências tanto para as potências administrantes como para terceiros Estados – tanto uns como outros estão obrigados a respeitar a condição jurídica distinta e separada de tais territórios.

Se, pois, os territórios coloniais e não autónomos têm uma condição jurídica distinta e independente em relação ao território das metrópoles, chega-se à conclusão inevitável de que as relações entre um e outro são internacionais.

O desenvolvimento da Carta através das «resoluções descolonizadoras» não oferece dúvidas sobre a natureza internacional das situações coloniais, cuja eliminação interessa à comunidade internacional no seu conjunto e cuja regulação corresponde ao Direito Internacional, ficando fora da órbita do direito interno dos Estados ([61]).

9.2. A entrada de Portugal na ONU só se verificou em 14 de Dezembro de 1955, através do package deal que permitiu superar o beco sem saída a que haviam chegado Ocidente e Leste quanto à admissão de novos membros ([62]).

Conforme prática corrente, em 24 de Fevereiro de 1956, o Secretário-Geral enviou ao Governo português (e aos demais 15 Estados recém-admitidos) uma carta perguntando «se administra territórios que entrem na categoria indicada no artigo 73.º da Carta?». A resposta, de 6 de Novembro seguinte, foi curta: «Portugal não administra territórios que entrem na categoria indicada no artigo 73.º da Carta».

Com esta resposta o Governo português assumia a sua recusa a considerar os seus territórios ultramarinos abrangidos no capítulo XI, com o fundamento de que, segundo a sua ordem jurídica interna, eles eram parte integrante do Estado metropolitano.

A 15 de Dezembro de 1960, a Assembleia Geral aprovou a resolução 1542 (XV), a qual:

a) Entendia que os territórios sob administração portuguesa (todos identificados, incluindo Timor e as suas dependências) eram não autónomos, no espírito do capítulo XI da Carta e demais resoluções pertinentes;

b) Declarava existir uma obrigação por parte do Governo de Portugal de prestar informações, nos termos do capítulo XI da Carta, acerca destes territórios e que a mesma devia ser cumprida sem demora;

c) Solicitava que as informações sobre as condições existentes naqueles territórios fossem enviadas ao Secretário-Geral;

d) Convidava os Governos de Portugal e Espanha a participarem nos trabalhos do Comité de Informações Relativas aos Territórios não Autónomos.

Portugal manteve intransigentemente a sua posição de não se reconhecer como potência administrante de territórios não autónomos no sentido do capítulo XI da Carta. Não interessa, aqui, analisar o litígio entre Portugal e a ONU, decorrente dessa posição ([63]).

O 25 de Abril de 1974 criou, primeiro, expectativas e propiciou, a partir da aprovação da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho ([64]), o termo do longo litígio entre Portugal e a ONU.

A conclusão do processo de reconhecimento por Portugal das normas e princípios fundamentais relativos ao direito dos povos à autodeterminação e aceitação das resoluções da ONU referentes aos territórios não autónomos sob administração portuguesa iria ser formalizada por uma solene comunicação do Governo português à ONU, que consta da segunda parte do comunicado conjunto das Nações Unidas e do governo português, elaborado no termo da visita de Kurt Waldheim a Portugal, de 2 a 4 de Agosto de 1974.

Apreciando-a esquematicamente, pode concluir-se o seguinte sobre o sentido e alcance desta comunicação:

- A comunicação inseria-se no contexto da aprovação da Lei n.º 7/74, fazendo como que a respectiva transposição para o plano internacional, pelo que o seu conteúdo e filosofia eram semelhantes: reconhecimento do direito à autodeterminação e independência pelo Estado português, tal como formulado e desenvolvido pela ONU, e previsão dos modos da sua efectivação segundo fórmulas amplas e flexíveis;

- Enunciação do regime de cada caso em termos «devidamente ponderados» e significativamente diferentes, desde o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau, à aceleração das negociações com a Frelimo, até ao estabelecimento de contactos com (não identificados) movimentos de libertação de Angola ou mero reconhecimento, sem qualquer tipo de referência a movimentos de libertação, do direito à autodeterminação e independência de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe;

- Ausência de definição do estatuto de Timor;

- Referências genéricas e difusas à cooperação da ONU, quer quanto à descolonização, quer quanto ao papel das agências especializadas.

9.3. O estatuto de Timor-Leste veio a ser definido, como vimos atrás, pela Lei n.º 7/75, de 17 de Julho.

O território de Timor-Leste é, pois, desde 1960, considerado pela ONU território não autónomo, administrado por Portugal, posição que Portugal só veio a aceitar em 1974.

«Nos finais de 1974, as autoridades portuguesas encetaram negociações sobre a descolonização desse território com os três principais partidos: a Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), que exigia a independência completa depois de um breve período de transição; a União Democrática Timorense (UDT), que defendia a continuação da presença portuguesa; e a Associação Popular Democrática de Timor (APODETI), que preconizava a integração do território na Indonésia.

«Em Maio de 1975, após uma breve coligação com a FRETILIN, os dirigentes da UDT anunciaram que o seu partido aceitaria a integração na Indonésia, se tal fosse o desejo expresso pelo povo de Timor-Leste. Em Julho, o governo português aprovou uma lei que previa a formação de um governo transitório cuja função consistiria em preparar a eleição de uma Assembleia Popular, que viria a ser a responsável pela determinação do futuro estatuto constitucional daquele território. A soberania portuguesa cessaria em Outubro de 1978, a menos que outra coisa fosse entretanto acordada entre Portugal e a Assembleia Popular. Após a eclosão da guerra civil naquele território, na segunda metade de 1975, Portugal, incapaz de controlar a situação, fez retirar o seu pessoal civil e militar.

«Em Novembro de 1975 a FRETILIN declarou unilateralmente a independência do território e a instauração da “República Democrática de Timor-Leste”. No dia 1 de Dezembro, a APODETI, a UDT e dois partidos menos importantes proclamaram igualmente a independência do território e a integração do mesmo na Indonésia. A 7 de Dezembro, tropas indonésias desembarcavam na capital de Timor-Leste, Dili.» ([65])

Posteriormente, em 1976, a Indonésia aprovou, de acordo com o seu direito interno, a integração de Timor-Leste na Indonésia.

9.4. Vejamos, agora, a reacção dos órgãos das Nações Unidas aos acontecimentos ([66]).

Uma vez consumada a ocupação militar indonésia, a questão de Timor-Leste foi objecto de resoluções da Assembleia Geral ([67]) e do Conselho de Segurança ([68]).

A Assembleia Geral – a partir do reconhecimento, repetidas vezes afirmado, do direito inalienável do povo de Timor-Leste à autodeterminação e à independência – reconhece Portugal como potência administrante de Timor-Leste, deplora vivamente a intervenção militar indonésia em Timor-Leste e exorta o Governo indonésio a retirar as suas forças armadas; recomenda ao Conselho de Segurança, até 1979, a adopção de medidas urgentes para proteger a integridade territorial de Timor-Leste e o direito do seu povo à autodeterminação; pede a todos os Estados que respeitem a unidade e integridade territorial de Timor-Leste – cuja integração na Indonésia rejeita -, e incentiva Portugal, a Indonésia e os representantes do povo de Timor-Leste a cooperarem para se alcançar uma solução pacífica do conflito, no quadro das resoluções das Nações Unidas.

O Conselho de Segurança, também a partir do reconhecimento do direito inalienável do povo de Timor-Leste à autodeterminação e à independência, deplora a intervenção militar, apela a todos os Estados para que respeitem a integridade territorial de Timor-Leste e o direito inalienável do seu povo à autodeterminação, exige que o governo indonésio retire imediatamente as suas forças do território e pede a Portugal, enquanto potência administrante, aos restantes Estados e a todas as outras partes interessadas que cooperem plenamente com as Nações Unidas para se obter uma solução pacífica do conflito, a descolonização do território e o exercício pelo povo de Timor-Leste do seu direito à autodeterminação.

Em todas as resoluções a Assembleia Geral também pedia ao Secretário-Geral que se mantivesse ao corrente da sua aplicação e que prestasse as informações pertinentes à Assembleia Geral, prática que se inscreve dentro das funções próprias do Secretário-Geral, estabelecidas no artigo 98.º da Carta.

Na última, contudo, a Assembleia Geral introduz uma nova perspectiva: pede ao Secretário-Geral que inicie consultas com todas as partes directamente interessadas, com vista a explorar as possibilidades de obtenção de uma solução global do problema. Neste sentido, a resolução 37/30 «configura um autêntico mandato, quer dizer, o fundamento jurídico que permitirá ao Secretário-Geral impulsionar, desde 1983, um diálogo entre Portugal e a Indonésia» ([69]).

A partir de 1983, a Assembleia Geral, embora mantendo em agenda a questão de Timor-Leste, foi sucessivamente adiando o exame do assunto. Para o facto não terá deixado de ser decisiva a progressiva perda de interesse dos Estados na questão ([70]).

O Conselho de Segurança, na resolução de 1975, também pedia ao Secretário-Geral que velasse pelo cumprimento da resolução, enviando um representante especial a Timor-Leste, avaliando a situação e apresentando recomendações ao Conselho. «Há, portanto, também aqui, uma importante remissão para um papel, não meramente executivo-administrativo, mas de carácter político, por parte do Secretário-Geral.» ([71])

Embora decidindo continuar a ocupar-se da questão, o Conselho de Segurança, depois das duas resoluções referidas e da decisão de 21 de Junho de 1976, pela qual declina um convite da Indonésia para visitar Timor-Leste, não voltou a ocupar-se da situação em Timor-Leste, até 1999.

Vimos que o Secretário-Geral recebeu um mandato pela resolução 37/30. Pede-se ao Secretário-Geral que inicie o diálogo entre as partes directamente interessadas – Portugal e Indonésia - para conseguir reduzir as hostilidades e tensões e que as partes cheguem a uma solução amigável na controvérsia. «O seu papel é apenas de bons ofícios, de aproximação, de pôr as partes em contacto, de incrementar a confiança mútua, de estabelecer um clima propício que lhes facilite a possibilidade de que cheguem a encontrar uma solução adequada para a questão.» ([72])

Os artigos 98.º e 99.º da Carta permitem atribuir ao Secretário-Geral funções no âmbito da solução pacífica dos conflitos internacionais. Nos termos do artigo 98.º desempenha as funções que lhe forem atribuídas pelos órgãos principais e, por força do artigo 99.º, pode chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que em sua opinão possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais.

O artigo 99.º, mais pelo seu espírito do que pela sua letra, serviu de fundamento jurídico para reforçar a autoridade e iniciativa política do Secretário-Geral e o seu papel mediador na cena internacional.

Desde a primeira resolução relativa à questão de Timor-Leste, tanto a Assembleia Geral como o Conselho de Segurança pediram ao Secretário-Geral que desempenhasse um amplo leque de funções, não meramente técnicas ou administrativas, mas de carácter político e de todo o tipo.

Assim, as conversações entre Portugal e a Indonésia, nos últimos anos ao nível de Ministros dos Negócios Estrangeiros, decorreram, sob os auspícios do Secretário-Geral, desde 1983 até 1999.

O primeiro ciclo de conversações, de 1983 a 1991, caracteriza-se pelos escassos resultados.

Os trágicos acontecimentos no cemitério de Santa Cruz, em Novembro de 1991, se se traduzem num retrocesso no processo de solução pacífica do conflito, marcam, por outro lado, o início da segunda fase das conversações. A condenação, a nível internacional, dos acontecimentos de Dili e a decisão do Secretário-Geral de enviar um representante pessoal para encetar consultas com o Governo indonésio e esclarecer o trágico acontecimento, possibilitaram, por um lado, uma certa justificação e averiguação de responsabilidades por parte do Governo indonésio e, por outro lado, avanços prometedores em ordem a encontrar bases e modalidades para se reatarem as conversações.

A partir de 1992, foram mantidas diversas rondas de conversações e foram alcançados alguns progressos, designadamente na assunção, por parte da Indonésia, de compromissos relativos à promoção e respeito dos direitos humanos e aplicação das recomendações da Comissão dos Direitos Humanos.

Um passo muito importante foi dado, ainda por iniciativa do Secretário-Geral. Com o consentimento das partes, o Secretário-Geral realizou conversações com diversos sectores de opinião timorenses, possibilitou diálogos cruzados e impulsionou finalmente um diálogo global intra-timorense.

Deste modo, a questão de Timor-Leste deixou de ser objecto apenas de negociações bilaterais, para se alcançar a participação dos timorenses, do povo de Timor-Leste, na busca de uma solução da questão, em conformidade com os princípios da Carta e as resoluções pertinentes das Nações Unidas.

Afirmava em 1995 o Autor que, neste ponto, temos vindo a seguir ([73]):

«Se a manutenção e o progresso das conversações bilaterais entre Portugal e a Indonésia é desejável no contexto da procura de uma solução diplomática para a questão de Timor-Leste, terão de destacar-se especialmente os desenvolvimentos operados com respeito ao diálogo global intra-timorense. Diálogo global proposto e auspiciado pelo Secretário-Geral, que terá de continuar e acabará por abordar – necessariamente – a condição política de Timor-Leste. Porque a controvérsia que nos ocupa é – como indiquei no princípio -, uma controvérsia entre Estados relativa a um território não autónomo ou a um processo de descolonização que a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança e o Tribunal Internacional de Justiça consideraram que ainda não estava concluído. Em consequência, a solução da questão de Timor-Leste há-de passar necessariamente pelo exercício do direito à autodeterminação do povo de Timor-Leste.»

9.5. Debrucemo-nos, agora, sobre os acordos de 5 de Maio.

Dentre os seus antecedentes mais próximos destacamos ([74]):

- Em Junho de 1998, o presidente indonésio B. J. Habibie propõe autonomia para Timor-Leste, na condição de o território aceitar a integração na Indonésia. A proposta é rejeitada pelos líderes da resistência timorense.

- A 27 de Janeiro de 1999, o presidente Habibie afirma numa declaração pública que o seu Governo pode considerar a independência de Timor-Leste.

- As conversações entre Portugal e a Indonésia intensificam-se. Em Março, chega-se a acordo sobre uma consulta popular em que por votação secreta o povo de Timor-Leste exprimirá se aceita ou rejeita a proposta de autonomia.

- Em Abril, as conversações, a nível ministerial, em Nova Iorque, terminam pelo estabelecimento de um acordo de resolução da questão de Timor-Leste, implicando uma consulta popular aos timorenses sobre a aceitação ou rejeição de uma proposta de autonomia integrada na Indonésia. A assinatura do acordo é marcada para 5 de Maio, para permitir ao Ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio a obtenção da aprovação final do seu Governo. Numa conferência de imprensa conjunta com os Ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia, o Secretário-Geral congratula-se com a reafirmação por parte do Governo da Indonésia de que assumirá as suas responsabilidades pela manutenção da lei e da ordem e pela protecção dos civis. O Ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio afirma que as forças armadas indonésias e os militares «estão decididos a assumir as suas responsabilidades na manutenção da lei, ordem, paz e tranquilidade em Timor-Leste».

Os Acordos de 5 de Maio, um acordo principal, sobre a decisão de consulta aos timorenses – tendo anexo o estatuto de autonomia - e dois acordos suplementares, um sobre a implementação das condições de segurança para uma pacífica consulta popular e outro sobre os termos da consulta, são assinados em Nova Iorque, pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros - pelo Governo da Indonésia, Ali Alatas, pelo Governo de Portugal, Jaime Gama - testemunhado, no que toca ao primeiro, e assinado, no que respeita aos dois suplementares, pelo Secretário-Geral, Kofi A. Annan, no dia 5 de Maio de 1999.

No acordo principal ([75]), os Governos da Indonésia e Portugal, acordam, designadamente, o seguinte:

«Solicitar ao Secretário-Geral que, imediatamente após a assinatura deste Acordo, estabeleça uma missão das Nações Unidas para Timor-Leste, de modo a permitir-lhe levar a cabo eficazmente a consulta popular» (artigo 2.º);

«O Governo da Indonésia será responsável pela manutenção da paz e segurança em Timor-Leste de forma a garantir que a consulta popular se realize de uma forma justa e pacífica numa atmosfera livre de intimidação, violência e interferência de qualquer lado» (artigo 3.º);

«Se o Secretário-Geral apurar, com base no resultado da consulta popular e em conformidade com o presente acordo, que o enquadramento constitucional para uma autonomia especial proposto é aceite pelo povo de Timor-Leste, o Governo da Indonésia tomará as medidas constitucionais necessárias para a entrada em vigor do enquadramento constitucional, e o Governo de Portugal dará início, no âmbito das Nações Unidas, aos procedimentos necessários para a retirada de Timor-Leste da lista de Territórios Não Autónomos da Assembleia Geral e para a eliminação da questão de Timor-Leste das ordens de trabalho do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral» (artigo 5.º).

«Se o Secretário-Geral apurar, com base no resultado da consulta popular e em conformidade com o presente acordo, que o enquadramento constitucional para uma autonomia especial proposto não é aceite pelo povo de Timor-Leste, o Governo da Indonésia dará todos os passos necessários, em termos constitucionais, para pôr termo ao seu vínculo com Timor-Leste, restaurando desse modo, nos termos da lei indonésia, o estatuto detido por Timor-Leste antes de 17 de Julho de 1976, e os Governos da Indonésia e de Portugal e o Secretário-Geral acordarão os moldes de uma transferência pacífica e ordeira da autoridade em Timor-Leste para as Nações Unidas.

O Secretário-Geral dará início, nos termos de mandato legislativo apropriado desde que disponha de mandato legislativo para esse fim, ao procedimento que irá permitir a Timor-Leste iniciar um processo de transição para a independência» (artigo 6.º).

«Durante o período de transição entre a conclusão da consulta popular e o início da execução de qualquer das opções, as partes requerem ao Secretário-Geral que mantenha uma presença adequada das Nações Unidas em Timor-Leste».

No acordo suplementar sobre implementação das condições para a execução pacífica do processo de consulta ([76]), os Governos da Indonésia e Portugal e o Secretário-Geral das Nações Unidas acordam o seguinte:

«1. Um ambiente seguro isento de violência e de outras formas de intimidação constitui um pré-requisito para a realização de uma votação livre e justa em Timor-Leste.
A responsabilidade pela garantia de um tal ambiente bem como pela manutenção geral da lei e da ordem recai sobre as autoridades de segurança indonésia apropriadas.
A neutralidade das TNI (Forças Armadas Indonésias) e da Polícia Indonésia é essencial quanto a este aspecto.
2. (...)
3. (...)
4. A polícia será exclusivamente responsável pela manutenção da lei e da ordem.
O Secretário-Geral, após obtenção do necessário mandato, disponibilizará um contingente de polícia civil para funcionar como assessor da Polícia Indonésia no cumprimento dos seus deveres e, no dia da consulta, para supervisionar a escolta dos boletins de voto e das urnas de e para os locais de voto.»

9.6. Prossigamos com a cronologia dos acontecimentos.

No dia 7 de Maio, o Conselho de Segurança adopta a resolução 1236 (1999) congratulando-se pelos Acordos de 5 de Maio. A resolução realça a responsabilidade do Governo Indonésio pela garantia da segurança dos funcionários internacionais e dos observadores em Timor-Leste e pela manutenção da paz e segurança no território.

A 11 de Junho, o Conselho de Segurança, pela resolução 1246 (1999), aprova a proposta do Secretário-Geral para a constituição da UNAMET e realça, de novo, a responsabilidade do Governo Indonésio pela manutenção da paz e da segurança em Timor-Leste.

A violência aumenta no território e, a 23 de Junho, o Secretário-Geral decide adiar a data da votação.

O Representante Especial do Secretário-Geral em Timor-Leste, Ian Martin, e o Representante Pessoal do Secretário-Geral para Timor-Leste, Embaixador Jamsheed Marker, alertam a Indonésia para os ataques das milícias, a 30 de Junho.

A 6 de Julho, os membros do Conselho de Segurança exigem o fim imediato do clima de violência e intimidação criado pelas milícias. Numa declaração à imprensa, o Presidente do Conselho, Hasmy Agam, da Malásia, realça, novamente, a responsabilidade da Indonésia na manutenção da paz e segurança no território. O Conselho convida as autoridades da Indonésia a investigar o assunto e a levar os responsáveis a julgamento.

A 16 de Julho, o Conselho de Segurança, numa declaração à imprensa, expressa total apoio à decisão do Secretário-Geral de iniciar o recenseamento. Na declaração também é realçada a posição do Conselho sobre a responsabilidade do Governo Indonésio pela manutenção da segurança em Timor-Leste.

Depois de consultas à Indonésia e a Portugal, o Secretário-Geral decide, a 28 de Julho, adiar a votação para 30 de Agosto.

Não obstante o clima de violência, recensearam-se 451792 timorenses.

A 26 de Agosto, o Conselho de Segurança prolonga o mandato da UNAMET até 30 de Novembro. Numa votação unânime, o Conselho adopta a resolução 1262 (1999), aderindo à proposta do Secretário-Geral de reestruturação da Missão das Nações Unidas para a fase posterior a 30 de Agosto.

A 30 de Agosto a UNAMET anuncia que pelo menos 95% dos recenseados votaram na consulta popular; mais de 430000.

A violência aumenta, com ataques das milícias aos pró-independentistas. Há milhares de pessoas deslocadas que se refugiam nas instalações da UNAMET.

Em Nova Iorque, no dia 1 de Setembro, o Secretário-Geral condena a violência e insta a polícia indonésia a prender todos os responsáveis. Numa declaração, através do seu porta-voz, insta as autoridades da Indonésia a levarem a cabo acções firmes de controlo dos grupos armados e recorda-lhes as responsabilidades que lhes cabem na protecção do pessoal da UNAMET, quer internacional quer local. O Conselho de Segurança condena em termos firmes a violência em Dili que se seguiu à votação. Membros do Conselho também pedem que o Governo Indonésio dê passos imediatos para evitar o ressurgimento de incidentes similares, de acordo com as suas responsabilidades.

No dia 3 de Setembro, em Nova Iorque, o Secretário-Geral anuncia o resultado da votação: 94388 timorenses, ou seja, 21,5%, votaram a favor da autonomia especial proposta e 344580 timorenses, ou seja, 78,5%, votaram contra.

As milícias intensificam os actos de violência.

A Alta-Comissária para os Direitos Humanos, Mary Robinson, expressa a sua profunda preocupação pela violência crescente em Timor-Leste. Diz que o Conselho de Segurança deve urgentemente considerar a hipótese de deslocar forças internacionais ou regionais se as autoridades indonésias não forem capazes de desempenhar o seu dever de garantir a segurança do povo timorense.

A partir de 5 de Setembro, o Secretário-Geral intensifica os seus esforços no sentido de conseguir que a Indonésia controle a situação ou que aceite a deslocação urgente de uma força internacional de segurança. Nos dias seguintes mantém intensos contactos, ao mais alto nível, com os Governos da Indonésia e de Portugal e também com os dos Estados dispostos a desempenhar um papel importante na preparação e integração da força internacional.

A 8 de Setembro uma delegação de cinco membros do Conselho de Segurança é enviada a Jacarta e a Timor-Leste para discutir com o Governo da Indonésia os passos a dar para a implementação pacífica dos Acordos de 5 de Maio. Em Nova Iorque, membros do Conselho de Segurança apoiam o ponto de vista do Secretário-Geral de que se a situação em Timor-Leste não melhorar num muito curto período de tempo, terão de ser consideradas outras acções para ajudar o Governo Indonésio a resolver a crise no território.

Membros do Conselho sublinham a obrigação da Indonésia de restaurar a segurança e a estabilidade no território.

A 10 de Setembro o Secretário-Geral insta o Governo Indonésio a aceitar, sem mais demoras, a oferta de assistência de vários países, incluindo Austrália, Nova Zelândia, Filipinas e Malásia. Numa conferência de imprensa diz que se o Governo da Indonésia se recusar a aceitar essa assistência não poderá escapar à responsabilidade pelo que possa acontecer quanto à prática de crimes contra a humanidade.

A 12 de Setembro, o Presidente da Indonésia anuncia que o seu Governo aceita assistência internacional para restaurar a lei e a ordem em Timor-Leste.

No dia imediato, o Secretário-Geral, depois de um encontro com o Ministro Ali Alatas, em Nova Iorque afirma perante órgãos de comunicação social que espera que, até ser aprovado o mandato das forças internacionais pelo Conselho de Segurança, as autoridades indonésias em Timor-Leste e o Governo da Indonésia se esforcem para manter a ordem e a segurança.

A Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos acusa o exército indonésio de ter orquestrado a campanha de violência em Timor-Leste e recomenda a criação de uma comissão internacional de inquérito para se definirem responsabilidades pelas graves violações cometidas no território.

Culminando dois dias de intensas negociações, no dia 15 de Setembro, o Conselho de Segurança vota, por unanimidade, o estabelecimento de uma força multinacional para tomar todas as medidas necessárias ao restabelecimento da paz e segurança em Timor-Leste.

Considerando que a presente situação em Timor-Leste constitui uma ameaça para a paz e segurança, ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o Conselho adopta a resolução 1264 (1999) ([77]).

Nessa resolução, o Conselho condena todos os actos de violência em Timor-Leste, exige a sua imediata cessação e que os responsáveis sejam julgados, concorda que a força multinacional seja substituída, o mais depressa possível, por uma operação de manutenção da paz das Nações Unidas e convida o Secretário-Geral a planear e preparar uma administração transitória das Nações Unidas para Timor-Leste. O Conselho sublinha a responsabilidade do Governo Indonésio no regresso em segurança dos refugiados a Timor-Leste.

Os primeiros elementos da força internacional (INTERFET) começaram a chegar a Timor-Leste, a 20 de Setembro.

A 25 de Outubro de 1999, o Conselho de Segurança adopta a resolução 1272 (1999) ([78]), ao abrigo do capítulo VII da Carta.

Por essa resolução:

- Decide estabelecer uma administração transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (UNTAET), com total responsabilidade pela administração de Timor-Leste e com poderes para exercer autoridade legislativa e executiva, incluindo a administração da justiça;

- Autoriza a UNTAET a tomar todas as medidas necessárias para cumprir o seu mandato;

- Congratula-se com a intenção do Secretário-Geral de nomear um Representante Especial que, como Administrador de Transição, será responsável por todos os aspectos da acção das Nações Unidas em Timor-Leste;

- Realça a importância da cooperação entre a Indonésia, Portugal e a UNTAET na implementação da resolução;

- Condena todos os actos de violência em Timor-Leste, exige o seu fim imediato e que os responsáveis por essa violência sejam julgados.

9.7. Vejamos, agora, as principais medidas adoptadas por Portugal, a nível interno, no quadro da questão de Timor-Leste, no período que antecedeu e se seguiu à consulta popular.

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/99 ([79]), foi constituído, na dependência do Ministro dos Negócios Estrangeiros, um grupo de trabalho com o objectivo de elaborar, no prazo de dois meses, um relatório sobre a participação portuguesa no processo de transição relativo à autodeterminação de Timor-Leste.

O Decreto-Lei n.º 189-A/99, de 4 de Junho, cria o cargo de comissário para o apoio à transição em Timor-Leste, com competência para coordenar as acções relativas à elaboração e execução de programas de apoio ao processo de consulta e ao processo de transição relativos à autodeterminação de Timor-Leste.

No preâmbulo desse diploma afirma-se:

«Nos termos constitucionais, está Portugal vinculado às responsabilidades que lhe incumbem, de harmonia com o direito internacional, de promover e garantir o direito à autodeterminação do povo de Timor Leste. A assinatura dos Acordos entre Portugal, a Indonésia e as Nações Unidas, que teve lugar em Nova Iorque a 5 de Maio de 1999, constituiu, nesse domínio, um passo decisivo, honrando Portugal as suas responsabilidades internacionais e constitucionais.»

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 58/99 ([80]) constituiu a Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor-Leste.

A Missão é constituída, «considerando as responsabilidades que incumbem a Portugal, de harmonia com o direito internacional, de promover o direito de autodeterminação do povo de Timor-Leste» ([81]).

A Resolução da Assembleia da República n.º 72/99, aprovada em 7 de Setembro de 1999 ([82]), debruça-se sobre a situação em Timor-Leste.

Ali, considera-se designadamente:

- «Que as autoridades da Indonésia exigiram que a manutenção da ordem durante e após a consulta referendária constituísse uma incumbência exclusivamente sua;

- «Que, dispondo de importantes forças militares e policiais, inclusive no território, é inequívoco que estava ao seu alcance assegurar esse objectivo, para o efeito bastando que lhe não escasseasse a necessária vontade política;

- «Que tudo isto acontece quando já é evidente que as autoridades indonésias não podem ou não querem assegurar pelos seus próprios meios a ordem e a paz no território de Timor-Leste e que, bem pelo contrário, as suas forças militares e civis semeiam o terror e a guerra».

Pela referida Resolução, foi aprovado, por unanimidade, nomeadamente:

«Intensificar, em cooperação com o Presidente da República e com o Governo, os esforços políticos e diplomáticos para a sensibilização da comunidade internacional, em particular da ONU e do seu Conselho de Segurança, no sentido da necessidade da imediata organização, sob a égide do Secretário-Geral da ONU, e o mais possível com o acordo da Indonésia, e do seu envio para Timor Leste de uma força multinacional de intervenção que ponha termo às atrocidades que ali estão a ser cometidas, assegure a paz e o direito dos Timorenses ao respeito pela sua vontade legitimamente expressa (1.º).

«Apelar à consciência universal para que se oponha por todos os meios ao seu alcance a um novo genocídio do povo heróico e mártir de Timor Leste, sendo que, com os seus mortos, morrerá também a confiança na força libertadora dos direitos humanos e nos órgãos internacionais a que cabe a salvaguarda da segurança e da paz no mundo (4.º).

«Exprimir uma veemente condenação do comportamento da Indonésia, que se tem recusado a cumprir, na íntegra, o Acordo de Nova Iorque, que ela própria subscreveu, e que, de forma particular, se vem furtando, nos últimos dias, em termos absolutamente inaceitáveis, a garantir a vida e a segurança dos Timorenses e o respeito da vontade que legitimamente foi expressa no referendo do passado dia 30 de Agosto».

Finalmente, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/99, aprovada a 9 de Setembro, para produzir efeitos a partir de 6 de Setembro de 1999 ([83]), foi constituída a Missão Portuguesa em Timor Leste, tendo «por função assegurar uma representação portuguesa em Timor Leste no período situado imediatamente após a consulta ao povo timorense e o cumprimento das formalidades necessárias à concretização do seu resultado».

São os seguintes os considerandos preambulares da Resolução:

«Considerando as responsabilidades que incumbem a Portugal, de harmonia com o direito internacional, de acompanhar o processo de autodeterminação do povo de Timor Leste;

«Considerando que as funções da Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor Leste (MOPTL), constituída nos termos dos acordos entre Portugal, Indonésia e as Nações Unidas sobre a questão de Timor Leste de 5 de Maio de 1999, cessarão quando se completar o actual processo de consulta a cargo da UNAMET;

«Considerando que se torna necessário assegurar uma presença de Portugal no período temporal situado imediatamente após a consulta e ainda antes de serem completados os processos jurídicos necessários para pôr em prática a decisão popular;

«Considerando que, nas negociações tripartidas entre Portugal, Indonésia e as Nações Unidas, foi acordada a presença de uma missão portuguesa em Timor durante esse período;

«Considerando ainda a importância em não criar uma situação de vazio de representação nacional após a retirada da MOPTL».

10. Tomando como ponto de referência o artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, disposição com carácter reconhecidamente exemplificativo, referem-se, como fontes de direito internacional, os tratados internacionais, os princípios gerais de direito, os actos jurídicos unilaterais dos sujeitos de direito internacional, a doutrina e a jurisprudência (a equidade, referida no n.º 2 daquele artigo 38.º, constitui, não uma fonte de direito internacional, mas um critério de decisão, um modo de aplicar o sentimento ideal de justiça aos casos concretos) ([84]).

10.1. Entre os actos jurídicos unilaterais destacam-se os actos jurídicos das organizações internacionais, que, quanto à forma, podem ser expressos, tácitos ou implícitos e, quanto ao conteúdo, podem apresentar-se como actos jurisdicionais, actos de pura administração interna e actos de funcionamento da organização. Estes, nas organizações internacionais de tipo clássico (como é o caso da ONU), assumem vulgarmente a forma de resoluções, recomendações ou decisões ([85]).

As resoluções são os actos (todos os actos) emanados de órgãos colectivos da organização e que visam impor uma obrigação ou solicitar a adopção de um dado comportamento aos Estados membros; recobrem as recomendações e as decisões.

As recomendações são os actos através dos quais a organização dirige, de forma solene, um incitamento para a adopção de um certo comportamento positivo (acção) ou negativo (abstenção); não têm força obrigatória.

As decisões são actos unilaterais e autoritários através dos quais a organização impõe um dado comportamento, com carácter obrigatório.

Nos termos do artigo 25.º da Carta das Nações Unidas, «os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta».

Não existe disposição equivalente quanto às resoluções da Assembleia Geral, o que não significa que deixem de produzir efeitos quanto à formação do direito internacional.

A doutrina distingue, a este propósito, entre resoluções declarativas ou conformativas de normas consuetudinárias em vigor (por ex., a resolução n.º 95 (I), de 11 de Dezembro de 1946, sobre os princípios de direito internacional enunciados no Estatuto do Tribunal de Nuremberga), resoluções que desenvolvem e precisam alguns dos grandes princípios da Carta (por ex., a resolução n.º 1514 (XV), de 14 de Dezembro de 1960, que contém a declaração relativa à concessão de independência aos povos e países coloniais) e resoluções que contêm novos princípios de direito internacional (como a resolução n.º 1962 (XVIII), de 13 de Dezembro de 1963, sobre os princípios jurídicos que devem reger a actividade dos Estados na exploração do espaço extraterrestre).

Estas resoluções, designadamente as do primeiro tipo, poderão contribuir para a definição, precisão e delimitação do costume internacional, quer para a precisão do seu elemento material, quer, se aprovadas por unanimidade ou por ampla maioria, para prova do seu elemento espiritual ou opinio iuris ([86]).

10.2. Face aos seus próprios termos e ao respectivo conteúdo, as resoluções da Assembleia Geral sobre a questão de Timor-Leste, atrás referidas, não se enquadram em qualquer dos grupos apontados. Encontramo-nos, mais rigorosamente, perante posições assumidas ao abrigo do artigo 11.º, n.º 2, da Carta, que atribui à Assembleia Geral, em matéria de manutenção da paz e da segurança, a faculdade de formular recomendações ao Estado ou Estados interessados e ao Conselho de Segurança ([87]).

As primeiras tomadas de posição do Conselho de Segurança (resoluções de 1975 e de 1976) inscrevem-se, pelo seu conteúdo, no âmbito do Capítulo VI da Carta, intitulado «Solução pacífica de controvérsias» (e não no Capítulo VII, com a epígrafe «Acção em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e acto de agressão»), e assumem, também elas, a natureza de recomendações.

«No seu conjunto, a retórica das tomadas de posição das Nações Unidas sobre Timor-Leste vai, com o decurso do tempo, acelerando tendências formalistas e generalistas, o que resulta quer da repetição de conceitos, quer do afastamento gradual dos interesses e matérias envolvidos e da sua substituição por formas de expressão institucionais. As primeiras resoluções são dirigidas ao problema político, as intermédias focam o aspecto humanitário e as últimas são meramente procedimentais (...). ([88])

«Mas o que sobretudo importa frisar é que as resoluções das Nações Unidas relativas a Timor-Leste, apesar de patentearem a manifesta violação de normas e princípios de direito internacional e da Carta das Nações Unidas por parte da Indonésia, de condenarem a sua conduta, de deixarem implícita a inanidade das suas asserções, de reconhecerem e afirmarem o estatuto funcional de Portugal como potência administrante e o direito do povo de Timor-Leste à autodeterminação (x), apesar de tudo isto, não contêm a adopção de medidas concretas nem a enunciação e imposição obrigatória de injunções (x1) . Contêm, sim, solicitações, pedidos e apelos dirigidos a Portugal, à Indonésia, aos representantes do povo de Timor-Leste e aos Estados em geral com vista à adopção de comportamentos tendentes, em última instância, ao exercício pelo povo de Timor-Leste do direito à autodeterminação e à independência e, paralelamente, apelos a instituições especializadas para ajuda humanitária à população de Timor-Leste (x2).

«Não contêm, pois, tais resoluções, na sua parte dispositiva, normas de carácter imperativo e obrigatório para os Estados membros da ONU, susceptíveis de legitimar, no caso de incumprimento, a adopção unilateral de procedimentos coercivos ou sancionatórios.»

10.3. As duas últimas resoluções do Conselho de Segurança sobre a questão de Timor-Leste – resolução 1264 (1999), de 15 de Setembro de 1999, e resolução 1272 (1999), de 25 de Outubro de 1999 -, sobre cujo conteúdo já nos debruçámos, foram adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta.

Falhando os meios previstos para a solução pacífica dos conflitos, o sistema da Carta impõe que se lance mão das medidas para pôr termo à ameaça à paz, à ruptura da paz ou aos actos de agressão, de que se ocupa o capítulo VII.

Na moderna terminologia das Nações Unidas, embora nem sempre de modo inequívoco, essas medidas, quando destinadas a remover uma ameaça à paz, designam-se de medidas de manutenção da paz; diferentemente, quando elas visam acabar com uma já consumada ruptura da paz ou agressão e puni-la, chamam-se medidas de imposição da paz ([89]).

De harmonia com o capítulo VII, as medidas que o Conselho de Segurança pode tomar são de três categorias: medidas provisórias, sanções não militares e sanções militares.

Em conformidade com o artigo 40.º, o Conselho pode, mesmo antes de verificar a existência de uma ameaça à paz, ruptura da paz ou acto de agressão, aprovar o que ele próprio designa de medidas provisórias, visando evitar que a situação se agrave.

Segundo o artigo 41.º, conjugado com o artigo 39.º, se o Conselho verificar que existe uma ameaça à paz, uma ruptura da paz ou um acto de agressão, pode agir mais energicamente, aprovando contra o Estado infractor sanções que não implicam o uso de meios militares.

No caso de as sanções previstas no artigo 41.º se haverem revelado inadequadas, o artigo 42.º permite ao Conselho que aplique ao Estado infractor sanções militares.

Mas se o sistema de sanções contra a agressão previsto no capítulo VII não tem podido funcionar, um outro tipo de acção, não previsto na Carta, tem vindo a desenvolver-se à sua margem: a intervenção, geralmente preventiva, de forças dependentes dos órgãos das Nações Unidas, formadas por contingentes militares de pequenas ou médias potências, de preferência não alinhadas, e que são enviadas para os pontos de tensão, a pedido ou com o consentimento dos Estados interessados, a fim de evitar quer rupturas da paz internacional, quer graves perturbações da ordem interna: são as chamadas operações de manutenção da paz ([90]).

Tais operações não têm, portanto, carácter sancionatório; podem qualificar-se como acções de polícia internacional. «Isto quer dizer que, embora por via diversa da prevista na Carta, e com os defeitos inerentes ao funcionamento dos órgãos das Nações Unidas, parece vir a realizar-se a velha aspiração para a constituição de uma força de polícia internacional.» ([91])

São intervenções já não repressivas, mas preventivas e, portanto, sem o carácter de sanções; já não obrigatórias mas consentidas pelos interessados; já não realizadas pelas grandes potências, mas toleradas por estas, e levadas a cabo sob a direcção do Secretário-Geral, embora imputadas juridicamente à Organização ([92]).

É precisamente neste tipo de intervenções que se enquadram as medidas adoptadas pelo Conselho de Segurança, nas resoluções de Setembro e Outubro.

10.4. Só que, nessas resoluções, as Nações Unidas assumiram um poder de administração em relação a Timor-Leste.

A existência de tais poderes de administração apoia-se legitimamente no princípio dos poderes implícitos, não sendo incompatível com a opinião de que as Nações Unidas não podem ter soberania territorial ([93]).

A acção de administração consiste na assunção, pela organização internacional, da administração directa de um território. Trata-se de uma situação especialíssima já que, neste caso, a título verdadeiramente excepcional, a organização não funciona como uma superestrutura, mas assume, pelo contrário, poderes típicos do Estado no território em questão. Trata-se sempre de uma acção limitada no tempo, orientada para horizontes específicos e justificada por circunstâncias excepcionais ([94]).

Antes do caso da administração de Timor-Leste pelas Nações Unidas, houve outras experiências neste quadro: a administração do Irião Ocidental, por acordo entre a Holanda e a Indonésia, e a administração, aliás teórica, da Namíbia, após a revogação do mandato da África do Sul, através da resolução 2145 (XXI), de 1966, até à plena independência do país, em 1990 ([95]).

10.5. O tratado internacional, fonte formal de Direito Internacional mencionada em primeiro lugar no artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, tem vindo a tornar-se, na prática e de modo crescente, na fonte do Direito Internacional de maior significado e relevância ([96]).

O Direito Comum ou Geral dos Tratados, ou seja, as normas de Direito Internacional relativas à conclusão dos tratados, à sua aplicação, à sua validade e à sua eficácia encontram-se codificadas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de Maio de 1969, e que só entrou em vigor em 27 de Janeiro de 1980, data em que perfez as trinta e cinco ratificações exigidas pelo seu artigo 84.º; Portugal não é ainda parte desta Convenção. No entanto, a doutrina e a jurisprudência internacionais entendem que ela, mesmo antes de se terem perfeito as trinta e cinco ratificações, já vigorava como codificação de normas consuetudinárias ([97]).

Pode definir-se o tratado como um acordo de vontades, em forma escrita, entre sujeitos de direito internacional, agindo nesta qualidade, de que resulta a produção de efeitos jurídicos.

A Convenção de Viena define no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), o tratado como «um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer esteja consignado num instrumento único quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular».

Do artigo 3.º da Convenção resulta que a exclusão da aplicação da Convenção aos acordos que não revestem a forma escrita não afecta quer a validade destes, quer a aplicação a eles dos princípios nela contidos, quando tal aplicação resultar do costume internacional ou dos princípios gerais de Direito.

Embora a Convenção só se aplique aos tratados celebrados entre Estados, isso não significa, também aqui por força do referido artigo 3.º, que não haja tratados, ainda que não regidos por aquela Convenção, em que são partes sujeitos do Direito Internacional que não os Estados, como as Organizações Internacionais ([98]).

A referência, na parte final do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Convenção de Viena, à possibilidade de denominações diversas deriva do estado actual da terminologia jurídica sobre a matéria. Na verdade, nada há de assente quanto à nomenclatura a utilizar para referir a realidade que designamos por tratado. Além deste nome, e de convenção, são utilizadas as designações de pacto, no caso da Sociedade das Nações, carta, para a Organização das Nações Unidas, estatuto, para o Tribunal Internacional de Justiça, constituição, para a Organização Internacional do Trabalho, acordo, etc. ([99])

Dentre as múltiplas classificações dos tratados, vamos ocupar-nos apenas da classificação tratados bilaterais e tratados multilaterais e da classificação tratados solenes e acordos em forma simplificada ([100]).

Tratados bilaterais são naturalmente os celebrados entre apenas duas partes, sendo multilaterais todos os demais.

Os tratados solenes são os celebrados segundo a forma tradicional, necessitando sempre de ratificação.

Os acordos em forma simplificada são, fundamentalmente tratados que não carecem de ratificação. Assim, a presença ou ausência de ratificação parece ser, ao cabo de muitas hesitações da doutrina, a única característica capaz de em qualquer caso destrinçar estas duas espécies.

Os acordos em forma simplificada desenvolveram-se extraordinariamente, pois a ratificação de que careciam os tratados em forma solene era sempre um processo complicado e moroso, muitas vezes politicamente difícil de obter, uma vez que dependia quase sempre da aprovação do órgão legislativo, que podia não ter a mesma orientação do executivo. A prática dos acordos em forma simplificada, celebrados apenas pelo executivo, corresponde à necessidade de que a política externa dos Estados seja plenamente eficaz e activa e a um imperativo de dinamização da vida diplomática.

Nos termos do artigo 197.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, compete ao Governo «negociar e ajustar convenções internacionais». «Para o efeito, cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a condução das negociações, por força do artigo 2.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 529/85, de 31 de Dezembro. Mas a rubrica ou assinatura de qualquer tratado internacional carece de prévia autorização expressa por parte do Conselho de Ministros. Todavia, a competência para essa aprovação encontra-se tacitamente delegada no Primeiro-Ministro: é o que dispõem os n.ºs 3 e 4 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 17/88, de 7 de Abril.» ([101])

Ao contrário do que se passa com os tratados solenes, nos acordos em forma simplificada a assinatura pode vincular imediatamente os Estados cujos plenipotenciários assinarem.

Os acordos em forma simplificada são assim designados precisamente por dispensarem a ratificação e os Estados a eles ficarem ligados pela sua mera assinatura, ou, «na terminologia inglesa, executive agreements, expressão que pretende justamente significar que eles obrigam o Estado pela simples assinatura do Executivo» ([102]).

Portanto, a distinção entre os tratados solenes e os acordos em forma simplificada é dada pela presença ou ausência de ratificação.

«Uma especificidade do sistema constitucional português vigente reside no facto de os acordos (isto é, os acordos em forma simplificada) não vincularem o Estado Português com a sua mera assinatura mas apenas com a sua aprovação, logicamente posterior à assinatura. É o que resulta, desde logo, dos artigos 8.º, n.º 2, e 200.º, n.º 1, alínea c), primeira parte ([103]). Trata-se, sem dúvida, de um desvio à natureza dos princípios, que, como vimos, estabelecem que os acordos em forma simplificada obrigam com a sua mera assinatura. É certo que nada impede que a Constituição Portuguesa imponha, após a assinatura, a aprovação do acordo, dado que, como acima sublinhámos, o Direito Constitucional de cada Estado é livre de prescrever o regime que entender para a conclusão dos tratados internacionais. Mas, em face do artigo 12.º, n.º 1, CV ([104]), caso Portugal não ressalve expressamente no acordo que só se vinculará a ele depois da sua aprovação pelo órgão constitucional competente, de harmonia com a sua Constituição, ficará vinculado ao acordo no plano internacional pela sua mera assinatura, não obstante o acordo só passe a vigorar na ordem interna após a sua aprovação ou, porventura, até nunca venha a vigorar na ordem interna por a aprovação não se ter dado ou por o acordo ter sido declarado inconstitucional. E isto é assim porque o artigo 27.º CV, que já estudámos, dispõe que nenhum Estado pode invocar as disposições do seu Direito interno para se eximir ao cumprimento do tratado ao qual livremente se vinculou na cena internacional.

«Se a assinatura compete sempre ao Governo, a aprovação cabe, em princípio ao Governo, mas este, se assim o entender, pode submeter os acordos à aprovação da Assembleia da República (artigo 200.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, in fine ([105])). Exceptuam-se os acordos concluídos sobre matéria da competência reservada da Assembleia da República, que têm de ser necessariamente aprovados por este órgão (o há pouco citado artigo 164.º, alínea j), 1.ª parte ([106])).» ([107]) ([108])

10.6. Analisemos, agora, os Acordos de 5 de Maio à luz do que acabámos de expor.

Os ditos acordos são verdadeiros tratados internacionais, a que se aplica a Convenção de Viena com todas as suas regras que sejam consuetudinárias.

O acordo principal é um verdadeiro acordo em forma simplificada, bilateral (são partes Portugal e a Indonésia), testemunhado pelas Nações Unidas.

Os dois acordos suplementares são tratados entre três partes – Portugal, Indonésia e Nações Unidas.

Com a assinatura dos acordos Portugal ficou vinculado aos acordos no plano internacional.

A assinatura dos acordos por Portugal significa, também, a nosso ver, e voltamos a uma questão que, atrás, deixamos em aberto, a cessação da vigência, na ordem interna, da Lei n.º 7/75, de 17 de Julho.

Ainda que se sustente que a revogação implícita dessa Lei não ocorreu por força do preceito constitucional sobre Timor-Leste, com a assinatura dos Acordos de 5 de Maio, a Lei n.º 7/75 foi implicitamente revogada na medida em que, por via dos Acordos, deixou de ser tarefa, a cargo de Portugal (pelo menos exclusivamente), levar a bom termo a descolonização do território, nos moldes definidos nessa Lei.

11. Julgamos dispor, neste momento, dos dados suficientes para ensaiarmos a abordagem da concreta questão colocada: a existência de jurisdição por parte dos tribunais portugueses em relação aos crimes que foram cometidos em Timor-Leste, no período que antecedeu e se seguiu ao referendo ([109]).

11.1. Uma leitura rigorosa do princípio da territorialidade, atenta a definição constitucional do território português, afasta a jurisdição dos tribunais portugueses.

Será que, com apoio na posição de potência administrante de Timor-Leste (território, ainda, não autónomo), o princípio da territorialidade pode ser integrado e complementado de modo a sustentar-se a jurisdição dos tribunais portugueses?

Segundo a Constituição de 1933 ([110]), o território de Portugal compreendia, também, Timor e suas dependências. O Estado Português tinha um carácter unitário, pelo que a soberania nacional se exercia sobre todo o seu território, incluindo, portanto, Timor, enquanto província ultramarina.

Como vimos, Portugal aceitou, em 1974, que o território de Timor-Leste era um território não autónomo, no sentido do capítulo XI da Carta das Nações Unidas, detendo Portugal, em relação a ele, a posição de potência administrante.

Os territórios não autónomos são normalmente regidos pelas respectivas metrópoles, que neles exercem direitos de soberania.

Notámos, já, que os territórios não autónomos têm uma condição jurídica distinta e independente em relação ao território das metrópoles.

Esta condição jurídica distinta e independente permitiu rapidamente extrair um outro princípio, o da não-pertença da soberania ao Estado administrante do território não autónomo. «A soberania, produto histórico das relações de interdependência no seio de um grupo humano, é, então, vista como uma categoria primária e originária insusceptível de pertencer à potência administrante do território não autónomo e insusceptível de ser transferida de um Estado a outro. Ela confere, assim, ao povo ainda subjugado no território não autónomo e em vias de formar um Estado, a possibilidade, que o direito internacional lhe reconhece hoje, de adquirir um estatuto de sujeito de direito internacional.» ([111])

Nesta questão, todavia, a doutrina não é unânime. Defende-se, também, que a potência colonial retém a soberania até haver permitido o exercício do direito à autodeterminação por parte da população. «A posição de que a potência colonial não teria soberania sobre a colónia, significaria que nenhum Estado a possuiria enquanto os habitantes continuassem a luta pela independência, conclusão que levantaria toda a espécie de dificuldades práticas e teóricas. Tais dificuldades podem ser evitadas se aceitarmos que a potência colonial retenha a soberania até haver permitido o exercício do direito à autodeterminação por parte da população.» ([112])

Seja como for, Portugal, reconhecendo-se, já, como potência administrante, exerceu direitos de soberania sobre o território de Timor-Leste, de 1974 até à ocupação do território, pela força, pela Indonésia, em 1975.

A soberania da Indonésia, mesmo após a integração de Timor-Leste na Indonésia, de acordo com o seu direito interno, como mais uma província indonésia, não foi reconhecida pela comunidade internacional ([113]). Na verdade, como a integração não fora escolhida pelo povo de Timor-Leste, em conformidade com a resolução 1541 (XV) ([114]), a integração violava o direito à autodeterminação do povo de Timor-Leste e era, por isso, uma anexação ilegal.

Com a anexação do território pela Indonésia, Portugal ficou, de facto, impedido de exercer os direitos e de cumprir os deveres que enquanto potência administrante do território lhe incumbiam.

Não obstante, as Nações Unidas continuaram a reconhecer Portugal como potência administrante.

Esta posição das Nações Unidas é imposta pela rejeição da integração de Timor-Leste na Indonésia e decorre do direito dos povos à autodeterminação, aceite unanimemente pela doutrina como regra de ius cogens ([115]).

O reconhecimento da soberania da Indonésia sobre Timor-Leste violaria a norma cogente do direito à autodeterminação e infringiria, ainda, outra regra do ius cogens, a condenação do recurso à força como meio de adquirir direitos (aqui, territórios).

Analisando o princípio da autodeterminação, afirma Ian Brownlie ([116]):

«Esta questão apresenta três aspectos. Em primeiro lugar, este princípio inspira e completa outros princípios gerais de Direito Internacional, videlicet, a soberania do Estado, a igualdade dos Estados e a igualdade dos povos dentro de um Estado. Assim, a autodeterminação é empregue em conjugação com o princípio da não ingerência em relação ao uso da força e noutros casos. Em segundo lugar, o conceito de autodeterminação foi aplicado no contexto diferente da autodeterminação económica. Em último lugar, este princípio parece ter corolários que podem incluir os seguintes: a) se um território for apropriado pela força e se o objectivo for a implementação deste princípio, então o título pode provir, graças à aquiescência e reconhecimento gerais, mais rapidamente do que em outros casos de apropriação ilegal de um território; b) este princípio pode compensar a falta parcial de certos desiderata nos campos da qualidade de Estado e do reconhecimento; c) a intervenção destinada a combater um movimento de libertação pode ser ilícita, enquanto que o auxílio a esse movimento pode ser lícito; d) em caso de abandono pelo soberano actual, o território habitado por povos não organizados num Estado não pode ser considerado como terra nullius susceptível de apropriação por Estados individuais.»

Portugal era de jure a potência administrante de Timor-Leste. Mas a Indonésia exercia de facto a sua soberania sobre o território, que anexara.

Portugal, a partir da anexação de Timor-Leste pela Indonésia, interpretou os seus deveres de potência administrante como uma vinculação ao direito à autodeterminação de Timor-Leste.

Em termos constitucionais, como tivemos oportunidade de ver, num único dispositivo sobre Timor-Leste, afirma-se que «Portugal continua vinculado às responsabilidades que lhe incumbem, de harmonia com o direito internacional, de promover e garantir o direito à autodeterminação e independência de Timor-Leste».

Portugal, enquanto potência administrante, nunca procurou defender quaisquer interesses próprios, vinculou-se, estritamente, à defesa da autodeterminação do povo de Timor-Leste.

As posições assumidas na Conferência interparlamentar de Lisboa por Timor-Leste, realizada de 31 de Maio a 2 de Junho de 1995, são bem elucidativas da posição de Portugal, na questão.

«Portugal continua como potência administrante, mas não tem qualquer ambição territorial ou de soberania sobre Timor-Leste. E não lhe compete sequer definir a futura organização política e administrativa daquele território. Ao povo de Timor-Leste compete decidir completamente o seu futuro!

«Mas Portugal continua investido nas responsabilidades de potência administrante, segundo as normas de Direito Internacional, e de acordo com a própria Constituição Portuguesa. Cabe-lhe, portanto, promover e garantir o direito à autodeterminação e independência de Timor-Leste.

«É essa, aliás – e este é um aspecto muito importante para todos nós que nos reunimos aqui -, a vontade unânime do povo português. Vivemos em democracia, com vários partidos, mas, a este respeito, estão todos unidos: o povo de Timor tem direito à autodeterminação!» ([117])

Por isso, a chamada Questão de Timor-Leste não era rigorosamente uma controvérsia entre Estados; não devia ser vista como um conflito entre Portugal e a Indonésia; era uma questão entre a Indonésia e a comunidade internacional.

«O conflito da Indonésia a respeito de Timor não é com Portugal mas, sim, com a comunidade internacional e com as Nações Unidas, cujas resoluções não cumpre nem respeita. Portugal não tem um conflito de interesses próprios com a Indonésia. Tem, sim, um interesse de conflitos alheios, que são os interesses do povo timorense.» ([118])

Sobre a natureza do conflito, também Adriano Moreira ([119]) sustentou tratar-se de um conflito entre a Indonésia e a comunidade internacional. «É uma rebelião da Indonésia contra a Carta e uma responsabilidade que cabe ao Secretário-Geral.»

E caracteriza as funções de Portugal, como potência administrante, do seguinte modo:

«Portugal, enquanto potência administrante, é a voz do povo de Timor-Leste e actua correctamente procurando o diálogo com o agressor porque é uma obrigação que deriva da Carta, mas não pode abdicar de nenhum dos direitos ou interesses de Timor-Leste, porque é o seu único representante. Portugal deve também exercer os seus direitos de membro das Nações Unidas e exigir que o capítulo sobre autodeterminação não sofra leituras variáveis nem atropelos. Portugal deve conseguir que a principal responsabilidade por esta situação seja assumida pela Assembleia Geral e pelo Secretário-Geral, recordando à NATO e à União Europeia que a política internacional comum é universalmente construída por todos os membros.» ([120])

O modo como Portugal assumiu o estatuto de potência administrante de jure de Timor-Leste, enquanto a Indonésia exercia de facto soberania sobre o território, não parece permitir fundamentar a jurisdição penal portuguesa sobre actos considerados criminosos cometidos nesse território. Na verdade, não se encontrando o território efectivamente sob a sua administração, Portugal não assumiu jurisdição em relação ao território, não organizando o direito interno de modo a exercer a jurisdição penal sobre actos considerados criminosos cometidos no território.

Contudo, para uma resposta à questão, tanto mais que é invocado, apenas, o período que precedeu e se seguiu ao referendo, é necessário chamar, aqui, os Acordos de 5 de Maio.

Nos termos do artigo 3.º do acordo principal, que, atrás já transcrevemos, a Indonésia assumiu (e Portugal aceitou) a responsabilidade pela manutenção da paz e da segurança no território.

No acordo suplementar, que também, no que releva, já transcrevemos, sobre implementação das condições de segurança, foi reafirmado que a responsabilidade pela manutenção geral da lei e da ordem recaía sobre as autoridades indonésias, de modo que o contingente da polícia civil disponibilizado pelo Secretário-Geral tinha como função assessorar a polícia indonésia no cumprimento dos seus deveres de manutenção da lei e da ordem.

Da aceitação da responsabilidade da Indonésia pela manutenção da paz e da segurança no território, depois constantemente realçada pelos órgãos internacionais, parece ser de inferir o reconhecimento internacional, pelo menos implícito, da jurisdição da Indonésia sobre o território, porventura uma inevitabilidade, no quadro de soberania, de facto, da Indonésia e justificada pelo superior interesse de permitir ao povo de Timor-Leste o exercício do direito à autodeterminação. De qualquer modo, os Acordos significam que Portugal se vinculou internacionalmente a não assumir jurisdição penal sobre o território.

A posterior condenação dos actos de violência e exigência de que os responsáveis sejam julgados, formulada pelo Conselho de Segurança (resoluções 1264 (1999), 1272 (1999)) e pela Comissão dos Direitos do Homem (resolução 1999/S-4/1), dirige-se à Indonésia e pressupõe, pois, a aceitação internacional da jurisdição indonésia.

Não será irrelevante ponderar, ainda, que, em conformidade com os Acordos de 5 de Maio, no caso de rejeição da autonomia especial proposta (como se verificou), Portugal não reassumiria a administração do território. Dar-se-ia a transferência, em moldes a acordar, da autoridade – da Indonésia, leia-se - em Timor-Leste para as Nações Unidas.

Os graves acontecimentos que se verificaram no território levaram, porém, ao estabelecimento da administração de Timor-Leste pelas Nações Unidas, com poderes para exercer autoridade legislativa e executiva, incluindo a administração da justiça.

Em suma, para concluir, do estatuto de potência administrante não se pode extrair qualquer fundamento de existência de jurisdição penal do Estado Português.

11.2. O princípio segundo o qual os tribunais nacionais podem exercer jurisdição a respeito de actos criminosos praticados no seu território constitui uma aplicação da territorialidade essencial da soberania, ou seja, o conjunto das competências jurídicas que um Estado possui.

Este princípio é integrado, porém, pelo princípio da universalidade e pelo princípio da nacionalidade (os que, no caso, importa considerar), também adoptados pelo Estado Português, como vimos, todavia com limitações.

Caso se apurem condutas enquadráveis nos tipos legais taxativamente indicados na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º do Código Penal, o princípio da aplicação universal da lei penal fundamenta a competência dos tribunais portugueses, desde que verificado um duplo condicionalismo: que o agente seja encontrado em Portugal e que não possa ser extraditado ([121]).

O condicionalismo que o agente seja encontrado em Portugal remete-nos para a abordagem da sua conexão com a instauração do processo por crime cometido no estrangeiro.

O âmbito de aplicação material do direito processual penal português coincide com os limites da jurisdição em matéria penal, entendida a jurisdição no sentido de actividade através da qual se exerce a função jurisdicional ([122]).

Em princípio, o problema do âmbito pessoal de aplicação do direito processual penal coincide com o da aplicação pessoal do direito penal substantivo: estão sujeitas à jurisdição penal portuguesa todas as pessoas (e só aquelas) a quem seja aplicável o direito penal português ([123]).

O condicionalismo referido coloca a questão de saber se o facto de o agente não ser encontrado em Portugal significa uma limitação da jurisdição penal portuguesa.

Propendemos para considerar que tal condicionalismo, enquanto condição de existência de jurisdição, vale para a própria instauração do processo como verdadeiro pressuposto ou obstáculo processual.

No elemento literal, extraído do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), colhe-se apoio nesse sentido.

Mas não é de menor importância no sentido desse entendimento, a consideração de que a jurisdição universal tem por objectivo assegurar que os autores de actos contra bens jurídicos de carácter supranacional, em cuja protecção existe um interesse comum a todos os Estados, não consigam evadir-se à punição deslocando-se de Estado para Estado.

«Como símbolo de fidelidade e característica da soberania, a nacionalidade» ([124]) é também reconhecida como base de jurisdição sobre os actos extraterritoriais.

A questão de os timorenses terem, ou terem todos, a nacionalidade portuguesa é complexa e a economia do parecer dificilmente se compadece com o seu tratamento exaustivo.

Como vimos, para efeitos de aquisição originária da nacionalidade, a alínea a) do artigo 1.º da Lei n.º 37/81, na combinação dos critérios do ius sanguinis e do ius soli, procede à assimilação entre território português e território sob administração portuguesa, no que ao ius soli se reporta. No entanto, pela alínea d) do mesmo artigo, faltando o critério do ius sanguinis, só releva o nascimento em território português e não já também em território sob administração portuguesa.

Portanto, faltando a consanguinidade, o nascimento no território de Timor-Leste não fundamenta a atribuição da nacionalidade portuguesa.

A aquisição originária da nacionalidade portuguesa dos timorenses, filhos de pai português ou mãe portuguesa nascidos em Timor-Leste, por efeito da combinação dos critérios do ius sanguinis e do ius soli, não se apresenta como questão isenta de dificuldades. Na verdade, embora a referida alínea a) equipare território português e território sob administração portuguesa, há que ponderar que a Constituição não se refere ao território de Timor-Leste como território sob administração portuguesa. Constitucionalmente só o território de Macau está (ou melhor, estava) sob administração portuguesa ([125]). Pode, por isso, questionar-se se a expressão território sob administração portuguesa da referida alínea a) abrange também o território de Timor-Leste ou, pelo menos, se abrange esse território após ter cessado, de facto, a administração portuguesa e Portugal se ter vinculado, enquanto potência administrante, «às responsabilidades que lhe incumbem, de harmonia com o direito internacional, de promover e garantir o direito à autodeterminação e independência de Timor-Leste».

Seja qual for a perspectiva sob que se analise a alínea a) do artigo 1.º da Lei n.º 37/81, não se podem descurar as consequências que, em termos de vínculo de nacionalidade, resultarão da situação de o território ter estado submetido, de facto, à soberania da Indonésia, em resultado da anexação. Referimo-nos a conflitos positivos de nacionalidade ou de dupla nacionalidade e a perda da nacionalidade portuguesa.

«Com efeito, a nacionalidade não preenche uma função repartidora (da população humana pelas distintas entidades estaduais existentes), e que nesse caso só poderia ser levada a cabo pela ordenação jurídico-internacional enquanto tal. Ao contrário, ela limita-se a preencher, em relação a cada entidade estadual, a função de definir a respectiva população constitutiva – função precípua esta, que por isso integra o seu exercício no chamado domaine réservé do Estado. Desta forma, esse exercício, ao ser assumido pelos diversos entes estaduais, não se faz em termos harmónicos ou sequer convergentes, o que conduz a que um mesmo núcleo humano possa ser simultaneamente reivindicado por distintas estruturas estaduais (criando para os indivíduos neles integrados situações de conflitos positivos de nacionalidade ou de dupla nacionalidade) ou, ao contrário, não o ser por nenhuma (provocando a eclosão, em relação aos seus membros, do estado de apatridia, revelador de um conflito negativo de nacionalidades).» ([126])

O artigo 8.º da Lei n.º 37/81 dispõe que «perdem a nacionalidade portuguesa os que, sendo nacionais de outro Estado, declarem que não querem ser portugueses».

A primeira condição de que depende a perda da nacionalidade portuguesa é a concorrência, na pessoa em causa, de uma outra nacionalidade. A segunda, limita a produção de um tal efeito às situações em que o próprio interessado declare que não pretende ser português.

A perda da nacionalidade apresenta-se como uma renúncia que permite ao indivíduo pôr termo a situações de plurinacionalidade. «Ela deixa assim de ser o meio que faculta ao Estado Português a constatação da ausência de efectividade de um vínculo de nacionalidade, ou mesmo da existência de um vínculo nacional mais forte, no indivíduo, com um outro Estado, daí tirando consequências no que respeita à subsistência do vínculo da nacionalidade portuguesa. Nem o instrumento adequado para a punição daqueles que podem ser considerados culpados de falta de lealdade para com o Estado – o que afasta deste modo os casos de privação da nacionalidade, bem conhecidos do direito português anterior, assim como qualquer intervenção autónoma do Estado na extinção do vínculo da nacionalidade portuguesa.» ([127])

Nas situações de plurinacionalidade, a lei portuguesa de nacionalidade, no artigo 27.º dispõe que «se alguém tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for portuguesa, só esta releva face à lei portuguesa». «A concepção funcional, que tende para uma aceitação, ao menos parcial, e também a este propósito, do princípio da efectividade, não encontra pois eco no dispositivo legal, ainda que por último tenha vindo progressivamente a ganhar terreno em vários países.» ([128])

Quanto ao instituto da perda da nacionalidade anteriormente a 1981 merecerá uma referência o Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de Junho ([129]).

Este diploma visou regular e definir a nacionalidade portuguesa, com relevo na vertente da perda da nacionalidade, das populações dos territórios ultramarinos sob administração portuguesa que ascendiam à independência. Para além de determinar automaticamente a perda da nacionalidade portuguesa por parte de certas categorias de portugueses domiciliados nos territórios ultramarinos tornados independentes, previa também um mecanismo específico e discricionário (a cargo do Governo) para a sua recuperação ou reaquisição ([130]).

Uma vez que o território de Timor-Leste ainda não ascendeu à independência não se nos afigura que o referido diploma releve na definição do vínculo de nacionalidade dos timorenses. Moura Ramos ([131]) pondera, porém, que estando por determinar as repercussões do exercício do direito à autodeterminação sobre a nacionalidade portuguesa dos timorenses «os critérios do Decreto-Lei n.º 308-A/75 poderiam ter aplicação em tal caso».

O diploma foi, contudo, revogado pela Lei n.º 113/88, de 29 de Dezembro (ainda que admitindo que a sua aplicação se mantivesse para a decisão dos pedidos de conservação da nacionalidade já formulados).

Se das considerações feitas não parece possível extrair um critério decisivo de orientação geral na problemática da nacionalidade portuguesa dos timorenses, não se pode excluir que entre as vítimas dos crimes cometidos no território de Timor-Leste se encontrem cidadãos portugueses como também não se pode arredar a hipótese de entre os comparticipantes se encontrarem cidadãos portugueses.

De qualquer modo, a jurisdição sobre os crimes praticados por timorenses com nacionalidade portuguesa ou, por estrangeiros, contra eles, depende, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Código Penal – neste momento não consideramos a jurisdição dos tribunais portugueses que decorre de convenções internacionais a que adiante nos referiremos -, da verificação de um rigoroso condicionalismo: que os agentes sejam encontrados em Portugal, que os factos sejam também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados (salvo se nesse lugar não se exercer poder punitivo) e ainda que os factos constituam crime que admita extradição e esta não possa ser concedida.

Por fim, será de salientar que quer o princípio da universalidade quer o princípio da nacionalidade (activa e passiva), enquanto justificadores da jurisdição, são subsidiários (cfr. artigo 6.º do Código Penal).

11.3. O direito português, ao regular a aplicação da lei penal no espaço, ressalva a existência de tratado ou convenção internacional em contrário no artigo 4.º e no n.º 1 do artigo 5.º do Código Penal; com esta formulação «pretende-se vincar de forma clara que as regras sobre aplicação da lei penal no espaço não são rígidas e podem ser afastadas pelo direito internacional convencional» ([132]). Ou seja, a jurisdição penal portuguesa, fundamentada nos princípios da territorialidade, da defesa dos interesses nacionais, da aplicação universal da lei penal e da nacionalidade, tal como se encontra desenhada nos artigos 4.º e 5.º, n.º 1, pode ser afastada pela existência de tratado ou de convenção internacional.

Por outro lado, o n.º 2 do artigo 5.º do Código Penal vem alargar o âmbito de aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos fora do território nacional que o Estado português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional, o que significa a extraterritorialidade da lei penal portuguesa para além, ou independentemente, da verificação das conexões operantes nas diversas alíneas do n.º 1 do mesmo artigo. Esta norma permite que Portugal se vincule a um alargamento da sua jurisdição a situações não expressamente contempladas na sua lei interna ([133]).

Afirma-se, pois, o primado do direito internacional sobre o direito interno no âmbito da aplicação da lei penal no espaço, retomando, neste particular, o preceito constitucional que regula a recepção do direito internacional público na ordem jurídica interna.

Dispõe o artigo 8.º da Constituição que «as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português» (n.º 1) e que «as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português» (n.º 2).

Em anotação a este preceito, Gomes Canotilho e Vital Moreira ponderam, designadamente ([134]):

«O n.º 1 estabelece um regime de “recepção automática” para uma parte do direito internacional – as normas e princípios de direito internacional geral -, o qual beneficia assim de uma cláusula geral de recepção plena, sendo incorporado como “parte integrante do direito português”, sem necessidade de observância das regras ou formas constitucionais específicas de vinculação estadual ao direito internacional (aprovação, ratificação, publicação). Basta que se trate efectivamente de regras de direito internacional e que sejam gerais ou comuns.
(...)

«Estas normas e princípios do direito internacional comum são parte integrante do direito português com o conteúdo e a extensão que possuem no plano jurídico-internacional, independentemente de se saber se a CRP optou pela teoria da transformação (o direito internacional torna-se direito interno) ou pela teoria da adopção (o direito internacional não perde o seu carácter de direito internacional). O direito português “abre-se” ao direito internacional geral na medida da existência e validade jurídico-internacional das normas deste último (cfr. artigo 29.º, n.º 2).

«O n.º 2 estabelece igualmente um regime de recepção automática, mas condicionada, das normas de DIP convencional internacionalmente vinculativas do Estado Português, ou seja, dos tratados e acordos internacionais que abranjam Portugal. A Constituição exige que a convenção tenha sido “regularmente aprovada ou ratificada” (i. é, aprovada e/ou ratificada de acordo com as regras constitucionais) e tenha sido oficialmente publicada (i. é, publicada no DR – cfr. artigo 122.º, n.º 1, alínea b)).
(...)

«Em todo o caso, preenchidas as duas condições referidas, as normas de DIP convencional, vinculativas do Estado Português, vigoram como tais – isto é, enquanto normas de DIP – na ordem interna, nos mesmos termos e com a mesma relevância das normas criadas internamente, e sem necessidade de serem “traduzidas” ou transcritas em lei ou transformadas em direito interno.»

Sobre a determinação do lugar que ocupam as normas de direito internacional público em relação à ordem jurídica constitucional, há quem defenda que o direito internacional cederá sempre perante a Constituição ([135]) e quem sustente a prevalência do direito internacional sobre a Constituição, pelo menos se se estiver em face de normas de direito internacional geral ou comum com a natureza de ius cogens ([136]).

Sobre as relações entre o direito internacional público e o próprio direito ordinário interno tem-se afirmado, maioritariamente, o primado daquele sobre este ([137]).

No parecer n.º 190/81 deste Conselho, aprovado em 29 de Outubro de 1994 ([138]), após ponderação global dos elementos literal, histórico e sistemático, foi afirmado o entendimento «que na actual Constituição se encontra consagrado o primado do direito internacional pactício sobre o direito ordinário interno».

Nos pareceres n.os 69/91, 37/95 e 57/95 ([139]) reafirma-se o mesmo entendimento.

«Sendo o direito internacional pactício recebido no direito português de harmonia com o n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República, e tendo presente o princípio de direito internacional pacta sunt servanda, cumpre reconhecer o primado do direito internacional público convencional relativamente ao direito ordinário interno.

«As normas de direito interno que contrariem o disposto em convenção internacional que vigore na ordem jurídica interna portuguesa cedem perante esta em razão do princípio do primado do direito internacional público.» ([140])

À economia do parecer interessará considerar agora a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio e a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

Portugal assinou a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes a 4 de Fevereiro de 1985, tendo a mesma entrado em vigor para Portugal a 31 de Março de 1989, após aprovação pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/88, de 1 de Março de 1988, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 57/88, de 20 de Julho.

Assim, a Convenção contra a Tortura é considerada direito português após a sua entrada em vigor em Portugal, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição.

O artigo 1.º, n.º 1, da Convenção define o significado do termo tortura para os fins da Convenção. «O termo tortura significa qualquer acto por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa com os fins de, nomeadamente, obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões, a punir por um acto que ela ou terceira pessoa cometeu ou se suspeita que tenha cometido, intimidar ou pressionar essa ou uma terceira pessoa, ou por qualquer outro motivo baseado numa forma de discriminação, desde que essa dor ou esses sofrimentos sejam infligidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou tácito.»

Enquanto não houve definição de tortura na lei portuguesa, já se considerava, de acordo com o primado do direito internacional no sistema legal português, que a definição da Convenção vigorava no direito português ([141]).

Agora, o direito interno português contém a definição de tortura no n.º 3 do artigo 243.º do Código Penal ([142]). Diz o citado artigo que «Considera-se tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano, o acto que consista em infligir sofrimento físico ou psicológico agudo, cansaço físico ou psicológico grave ou no emprego de produtos químicos, drogas ou outros meios, naturais ou artificiais, com intenção de perturbar a capacidade de determinação ou a livre manifestação da vontade da vítima» ([143]).

Segundo o artigo 2.º da Convenção, «nenhuma circunstância excepcional, qualquer que seja, quer se trate de estado de guerra ou de ameaça de guerra, de instabilidade política interna ou de outro estado de excepção, poderá ser invocada para justificar a tortura» (n.º 2) e «nenhuma ordem de um superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada para justificar a tortura» (n.º 3).

Dispõe o artigo 4.º que os «Estados partes providenciarão para que todos os actos de tortura sejam considerados infracções ao abrigo do seu direito criminal».

O artigo 5.º da Convenção trata da aplicação territorial da lei penal. Nos termos do respectivo n.º 1, «Os Estados partes deverão tomar as medidas necessárias para estabelecer a sua competência relativamente às infracções previstas no artigo 4.º nos seguintes casos:

a) Sempre que a infracção tenha sido cometida em qualquer território sob a sua jurisdição ou a bordo de uma nave ou navio registados nesse Estado;
b) Sempre que o presumível autor da infracção seja um nacional desse Estado;
c) Sempre que a vítima seja um nacional desse Estado e este o considere adequado.»

Impõe-se, desde já, salientar que pelo artigo 5.º da Convenção a jurisdição dos Estados partes não decorre exclusivamente de critérios de legalidade estrita, na medida em que esses critérios são temperados por juízos de adequação e eficácia.

O Estado parte fundamentará a sua jurisdição, particularmente no caso da alínea c), se considerar oportuno o seu exercício.

Essa conveniência de exercer a jurisdição tem de ser motivada na consideração do crime de tortura como um crime contra a humanidade, com a natureza de ius cogens, o que justifica que os Estados adoptem jurisdição universal em relação à sua prática, onde quer que ocorra, e que a Convenção tem justamente como propósito a criação de regras de jurisdição que impeçam a impunidade ([144]).

Constata-se uma não coincidência integral com as normas de direito interno que estabelecem as regras de aplicação da lei penal no espaço, concretamente quanto às alíneas b) e c), que, consagrando as conexões da nacionalidade activa e passiva, não as sujeitam às limitações estabelecidas pela alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Código Penal, particularmente à condição de os agentes serem encontrados em Portugal.

Por isso, se a jurisdição portuguesa com fundamento na alínea a) não necessita de quaisquer desenvolvimentos por já se ter evidenciado que o território de Timor-Leste não se encontra sob jurisdição portuguesa, o mesmo não ocorre com as duas outras.

Segundo a alínea b), a jurisdição de Portugal depende da verificação da nacionalidade portuguesa do presumível autor de crimes de tortura eventualmente cometidos em Timor-Leste. Convirá, contudo, salientar que a obrigação de jurisdição universal prevista nesta alínea está intimamente conexionada com o princípio geralmente aceite e seguido da não extradição de nacionais, o que implica a assunção de jurisdição onde quer que o crime tenha sido cometido. Não se tendo afastado a possibilidade de comparticipantes dos crimes cometidos em Timor-Leste terem a nacionalidade portuguesa ([145]), sempre importaria também averiguar a verificação desses requisitos.

A alínea c) submete à ponderação do Estado parte a conveniência de fundamentar a jurisdição na nacionalidade passiva.

O Estado parte deverá assumir a jurisdição com base na nacionalidade passiva se o considerar adequado. O juízo de adequação terá de ser informado por critérios de proporcionalidade, necessidade e eficácia.

Na ponderação do Estado parte da conveniência de exercer a jurisdição com base na conexão estabelecida pela nacionalidade passiva, parece-nos que assumirá relevância decisiva a concorrência de jurisdições sobre os mesmos factos, quer seja jurisdição de outro Estado, quer seja jurisdição internacional.

Na verdade, encontrando-se estabelecida ou prevenida uma outra jurisdição sobre os mesmos factos, porventura com outros fundamentos, não se revelará a necessidade de o Estado parte fundamentar a jurisdição na nacionalidade passiva.

E, sobretudo, quando nesta perspectiva, a jurisdição concorrente possa reunir melhores condições para realizar a justiça no caso concreto. Ou seja, a jurisdição concorrente deverá encontrar-se em situação de dispôr de acrescidas condições de eficácia, reveladas essencialmente no âmbito da possibilidade material e processual de recolha e obtenção de provas.

Ora, estando nomeada uma Comissão Internacional de Inquérito com o fim de recolher e compilar informações sobre os actos susceptíveis de constituir violações do direito internacional humanitário que possam ter ocorrido em Timor-Leste, a qual deverá brevemente apresentar o seu relatório ao Secretário-Geral da ONU, habilitando-o a fazer recomendações para acções futuras (não sendo portanto de afastar a criação de um tribunal ad hoc), encontrando-se o território de Timor-Leste actualmente sob a administração das Nações Unidas, com poderes para administrar a justiça, numa situação de proximidade da prova indicadora de uma eficácia acrescida, seria, pelo menos, prematura a formulação, por parte do Estado Português, do juízo positivo de adequação pressuposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da Convenção contra a Tortura, para fundamentar a sua jurisdição.

O n.º 2 do artigo 5.º da Convenção, que se conexiona com o artigo 7.º, n.º 1, é expressão do princípio aut dedere aut punire, também consagrado na lei penal portuguesa (artigo 5.º, n.º 1, alínea e), do Código Penal).

A Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 9 de Dezembro de 1948, foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 37/98, de 30 de Abril, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 33/98, de 14 de Julho. Encontra-se em vigor, em Portugal, desde 9 de Fevereiro de 1999, data do depósito do instrumento de ratificação nas Nações Unidas.

Esta Convenção não determina a jurisdição dos tribunais portugueses em relação a genocídio eventualmente cometido em Timor-Leste. Com efeito, nos termos do respectivo artigo 6.º, «as pessoas acusadas de genocídio ou de qualquer dos outros actos enumerados no artigo 3.º serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território o acto foi cometido ou pelo tribunal criminal internacional que tiver competência quanto às Partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdição».

11.4. É hoje geralmente aceite que as violações das leis da guerra, e especialmente da Convenção de Haia de 1907 e da Convenção de Genebra de 1949, podem ser punidas por qualquer Estado que consiga prender pessoas suspeitas de serem responsáveis por essas violações.

Tal é, com frequência, visto como uma aceitação do princípio da universalidade. Porém, esta visão não é rigorosamente correcta, uma vez que o que se pune é a violação do Direito Internacional. Este caso difere assim da punição, ao abrigo do Direito nacional, dos actos a respeito dos quais o Direito Internacional dá a todos os Estados liberdade para punir mas que ele próprio não declara criminosos ([146]).

A reclamada ([147]) protecção do povo de Timor-Leste ao abrigo da Quarta Convenção de Genebra de 1949 ([148]), que protege pessoas civis em tempo de guerra, depara com dificuldades resultantes da redacção do artigo 2.º, comum às quatro Convenções de Genebra, sobre a aplicação da Convenção.

Dispõe o artigo 2.º que a «Convenção será aplicada em caso de guerra declarada ou de qualquer conflito armado que possa surgir entre duas ou mais das Altas Partes contratantes, mesmo se o estado de guerra não for reconhecido por uma delas» e que a «Convenção aplicar-se-á igualmente em todos os casos de ocupação total ou parcial do território de uma Alta Parte contratante, mesmo que esta ocupação não encontre qualquer resistência militar».

Se nunca foi tarefa isenta de dificuldades sustentar a aplicabilidade das Convenções de Genebra, pela consideração de que não se verificou um conflito armado entre a Indonésia e Portugal (a Indonésia ocupou o território depois da “saída” Portugal) e pela definição do território não autónomo como território de Portugal ([149]), parece-nos, agora, considerados os Acordos de 5 de Maio e para o período que se lhes segue, particularmente frágil essa sustentação.

12. A sociedade internacional reconhece a existência de valores comuns que são protegidos pelo direito internacional público e que se mostram reflectidos na ordem interna dos Estados. O direito internacional público e as ordens internas influenciam-se, pois, mutuamente e devem ser considerados como complementares e não como contraditórios. A defesa dos valores comuns pertence, em primeiro lugar, à própria comunidade internacional ([150]).

Os Estados procuram, desde a segunda guerra mundial, reprimir a prática de crimes contra a humanidade, quer se trate de genocídios, quer de exterminações, quer de deportações, quer de perseguições por razões políticas, raciais ou religiosas.

No final da segunda guerra mundial foram constituídos os Tribunais de Nuremberga e de Tóquio, para julgamento dos principais criminosos de guerra alemães e japoneses, respectivamente. Do ponto de vista jurídico a experiência foi sujeita a importantes criticas ([151]).

Depois destes dois Tribunais, foram criados mais dois Tribunais Penais Internacionais ad hoc: o Tribunal para a ex-Jugoslávia e o Tribunal para o Ruanda.

Foram criados para o julgamento dos responsáveis por crimes de genocídio e outras violações graves do direito humanitário cometidos no território da ex-Jugoslávia, desde 1 de Janeiro de 1991, e no Ruanda e Estados vizinhos, entre 1 de Janeiro de 1994 e 31 de Dezembro de 1994. Significam uma reactivação dos esforços para criar um Direito Internacional Penal e uma jurisdição penal internacional ([152]).

Ambos foram criados por resoluções do Conselho de Segurança ([153]), ao abrigo do capítulo VII da Carta, com uma jurisdição limitada ratione materiae, ratione personae, ratione temporis e ratione loci ([154]).

Juridicamente são órgãos judiciários das Nações Unidas e fazem parte desta Organização ([155]).

A 17 de Julho de 1998, em Roma, os Estados membros das Nações Unidas adoptaram o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. O futuro Tribunal permanente está, porém, ainda longe de entrar em funcionamento e, quando entrar em funcionamento, só terá competência para julgar crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto que cria o Tribunal.

As conclusões da Comissão Internacional de Inquérito habilitarão o Secretário-Geral a fazer recomendações para acções futuras, não se podendo/devendo afastar que entre elas seja considerada a criação de um Tribunal ad hoc.

«Timor também veio lembrar quão urgente é a implementação de uma justiça penal internacional. Portugal, que tão empenhadamente lutou por Timor, tem de continuar a lutar por essas causas.» ([156]) ([157])

III

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª A jurisdição penal do Estado Português, enquanto corolário da soberania, assenta no princípio da territorialidade (artigo 4.º do Código Penal), como regra base do sistema de aplicação da lei penal no espaço, o qual é integrado pelos princípios da defesa dos interesses nacionais, da aplicação universal da lei penal e da nacionalidade activa e passiva (artigo 5.º do Código Penal).

2.ª O, ainda, território não autónomo de Timor-Leste não faz parte do território de Portugal, tal como este é definido no artigo 5.º da Constituição.

3.ª O não reconhecimento pela comunidade internacional da soberania da Indonésia sobre Timor-Leste, imposto pelo direito dos povos à autodeterminação, levou a que Portugal continuasse a manter o estatuto de potência administrante de um território sobre o qual a Indonésia exercia de facto a sua soberania.

4.ª Portugal interpretou os seus deveres de potência administrante como uma vinculação «às responsabilidades que lhe incumbem, de harmonia com o direito internacional, de promover e garantir o direito à autodeterminação e independência» do povo de Timor-Leste (artigo 293.º da Constituição).

5.ª Pelos Acordos de 5 de Maio de 1999, Portugal, vinculando-se internacionalmente a aceitar que a responsabilidade pela manutenção da paz e segurança em Timor-Leste ficasse exclusivamente a cargo da Indonésia, confirmou a posição expressa na conclusão anterior.

6.ª Pela resolução 1272 (1999) do Conselho de Segurança, adoptada a 25 de Outubro de 1999, a administração da justiça em Timor-Leste é actualmente da competência das Nações Unidas, sob cuja administração o território se encontra.

7.ª O estatuto de potência administrante de Timor-Leste, no condicionalismo definido nas conclusões 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª não fundamenta a existência de jurisdição penal do Estado Português em Timor-Leste.

8.ª A jurisdição dos tribunais portugueses, justificada pelos princípios da universalidade e da nacionalidade activa e passiva, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Código Penal, é sempre subsidiária e dependerá da verificação dos condicionalismos fixados, respectivamente, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo 5.º

9.ª Na jurisdição dos tribunais portugueses que decorre de convenções internacionais que Portugal ratificou, em conformidade com o artigo 5.º, n.º 2, do Código Penal, apenas releva, no caso, a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

10.ª A jurisdição dos tribunais portugueses estabelecida ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1, alíneas b) e c), da Convenção contra a Tortura, depende da verificação das conexões e condicionalismos estabelecidos nessas alíneas, tendo como finalidade o estabelecimento de regras de jurisdição universal aptas a impedir a impunidade.

11.ª O juízo de adequação pressuposto na alínea c) do nº 1 do artigo 5.º da Convenção contra a Tortura deve ser informado por critérios de proporcionalidade, necessidade e eficácia, nos quais relevam a existência e a prevenção de jurisdição concorrente e os condicionalismos de acrescidas condições de eficácia, evidenciadas essencialmente no âmbito da possibilidade material e processual de recolha e obtenção de provas.

12.ª Neste momento, é prematura a formulação pelo Estado Português do juízo positivo de adequação, informado pelos critérios indicados na conclusão anterior, pressuposto no exercício de jurisdição justificado pela conexão da nacionalidade passiva.






([1]) São referenciados os generais Toro Suratma e Adam, o brigadeiro Sibolo, o general de brigada Zaky Anwar Maktarim, o general Prabowo Subianto, os generais Kiki Syanhnakri e Sjafrie Samsudir, Abílio Soares Osório, João Tavares e Eurico Guterres, Francisco Tavares, Câncio de Carvalho, Hermínio Costa, Basílio Araújo, Domingos Soares, Domingos Policarpo, Edmundo Martins, Filomeno e Kornai Lopes da Cruz e soldado indonésio Simão Correia.
([2]) Integradores, segundo a exposição, dos diferentes tipos de «Crimes contra a humanidade»: artigo 239.º (genocídio), artigo 240.º (discriminação racial ou religiosa), artigo 241.º (crimes de guerra contra civis), artigos 243.º e 244.º (tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes e desumanos), todos do Código Penal português.
([3]) Concretamente do Tribunal Criminal de Lisboa.
([4]) Salienta-se, na exposição, que os actos, puníveis pela lei portuguesa, são também puníveis pela lei penal internacional – artigos 49.º, 50.º, 51.º, 129.º, 130.º, 146.º e 149.º das Convenções de Genebra de 1949 -, lei que se integra no sistema jurídico português, dentro dos limites da nossa lei interna, nos termos do preceituado nos artigos 8.º, n.º 1, e 29.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
([5]) Vossa Excelência determinou, em 29 de Novembro de 1999, a junção ao processo de consulta de uma exposição, entrada na Procuradoria-Geral da República, na mesma data, pela qual “Direito e Justiça – Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas” «vem, em complemento do seu requerimento apresentado em 25 de Outubro de 1999», esclarecer determinados pontos, complementando alguma linearidade da exposição inicial.
Em posterior «complemento», entrado na Procuradoria-Geral em 7 de Dezembro, cuja junção ao processo Vossa Excelência determinou, “Direito e Justiça – Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas” acrescenta o nome do General Wiranto à lista das pessoas que devem ser objecto dos procedimentos criminais a desencadear e esclarece que um outro fundamento da jurisdição portuguesa, o princípio da jurisdição universal, justifica a competência dos tribunais portugueses independentemente da conclusão a que se chegue quanto à questão de saber se Portugal era ou não potência administrante de Timor-Leste quando os crimes foram cometidos.
([6]) Neste ponto introdutório seguimos Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, respectivamente, pp. 310, 122, 319.
([7]) Seguimos, neste ponto, Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume I, tradução espanhola de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, Bosch, Casa Editorial, S. A., Barcelona, 1981, p. 220.
([8]) Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Livraria Almedina, Coimbra – 1968, p.164.
([9]) Ibidem, p. 165.
([10]) Jescheck, ob. cit., p. 222.
([11]) Ibidem, p. 225.
([12]) Sobre os princípios de direito penal internacional, cfr.: Eduardo Correia, ob. cit., pp. 166-179; Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1992, pp. 71-76; Jescheck, ob. cit., pp. 225-230; Figueiredo Dias, «Compétence des juridictions pénales pour les infractions commises à l’ étranger», in Boletim da Faculdade de Direito, 41, 1965, Universidade de Coimbra, pp. 117-141; Manuel António Lopes Rocha, «Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço», in Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, pp. 118-151.
No texto, passaremos a seguir, de perto, Jescheck, ob. cit.
([13]) Figueiredo Dias, ob. cit., p. 118.
([14]) Os vários princípios defendidos para justificar a jurisdição são geralmente catalogados como independentes. Na prática, os vários princípios estão, contudo, muitas vezes interligados.
([15]) O artigo 267.º diz o que deve entender-se por moeda para efeitos do disposto nos artigos 262.º a 266.º; o artigo 271.º estabelece a punição de actos preparatórios das condutas tipificadas nos artigos anteriores, que referencia (n.ºs 1 e 2), e o regime da desistência desses actos preparatórios (n.º 3).
([16]) O artigo 343.º estatui sobre a agravação das penas previstas para os crimes eleitorais em função da qualidade dos agentes; o artigo 344.º estabelece a punição dos actos preparatórios dos crimes previstos em artigos anteriores, que referencia; o artigo 345.º prevê o quadro de atenuação especial da pena quanto aos crimes previstos no capítulo em que se insere que suponham a produção de um perigo.
([17]) Como salientou o Autor do Projecto, na quarta sessão da Comissão Revisora do Projecto da Parte Geral do Código Penal. Cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, edição da Associação Académica de Lisboa, p. 74.
([18]) Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, 2.ª Edição, Volume I, Rei dos Livros, p. 131.
([19]) Ibidem, p. 132.
([20]) Cfr. Actas ..., pp. 78-79.
([21]) Cfr. Actas ..., pp. 82-83.
([22]) Esta alínea foi introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, que alterou o Código Penal.
([23]) Manuel António Lopes Rocha, ob. cit., p. 126.
([24]) Leal-Henriques e Simas Santos, ob. cit., p. 142.
([25]) Cfr.: Eduardo Correia, ob. cit., pp. 169-173; Jescheck, ob. cit., pp. 238-242.
([26]) Manuel António Lopes Rocha, ob. cit., p. 143.
([27]) Cfr. Acta n.º 40 da Comissão de Revisão do Código Penal, in Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 458.
([28]) Alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto.
([29]) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 117/93, de 13 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 253/94, de 20 de Outubro.
([30]) Rui Manuel Gens de Moura Ramos, Do Direito Português da Nacionalidade, Coimbra Editora, Limitada, 1992, pp. 129-130.
([31]) Ibidem, pp. 131-133.
([32]) Na discussão conjunta da proposta de lei n.º 29/II e dos projectos de lei n.ºs 53/II, apresentado pela ASDI, e 164/II, apresentado pelo PS, sobre a Lei da Nacionalidade, na reunião plenária de 11 de Junho de 1981 (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 80, de 12 de Junho de 1981), foi discutida a utilização, no plural, da expressão territórios sob administração portuguesa, questionando-se se, com ela, se pretendia abranger o território de Timor, «na medida em que, constitucionalmente, só o território de Macau está sob administração portuguesa». Em resposta, o Ministro da Administração Interna esclareceu que o plural resultou da consideração de Timor: «Refiro-me, expressamente ao caso de Timor, cuja situação está a sofrer a sua evolução política, e, como não sabemos qual virá a ser a solução a adoptar no mundo das relações internacionais, daí que, para a possível pretensão de no futuro se vir a abranger ainda esse território, se tenha fixado a ideia de “territórios” neste artigo 28.º da proposta». A discussão centrava-se, efectivamente, no artigo 28.º da proposta de lei, pelo qual se atribuía a cidadania portuguesa aos apátridas nascidos em território português ou casados com português, como a todos os apátridas nascidos em territórios sob administração portuguesa. «Se o singular seria Macau, o plural inclui Timor?», perguntou Almeida Santos, que alertou para a conveniência de se esclarecer em vez de alimentar confusões («Segundo a Constituição, só Macau é território sob administração portuguesa. Será que se aceita equiparar-lhe o território de Timor, que Portugal efectivamente não administra?») e para os riscos de se reconhecer a nacionalidade portuguesa a todos os apátridas nascidos em Macau.
Não tendo passado a expressão, no plural, territórios sob administração portuguesa, para o texto da Lei da Nacionalidade, pode questionar-se se ela abrange o território de Timor-Leste.
([33]) Rui Manuel Gens de Moura Ramos, ob. cit., nota de rodapé 126, p. 130.
([34]) Ibidem.
([35]) Alterado pela Lei n.º 97/99, de 26 de Julho.
([36]) Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 6.ª edição, Tomo I, Livraria Almedina, Coimbra – 1996, p. 127.
([37]) M. Cobo del Rosal e T.S. Vives Anton, Derecho Penal, Parte General, 4.ª edição, Valencia, 1996, p. 191.
([38]) Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho.
([39]) J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pp. 72-73.
([40]) «O Território», in Estudos sobre a Constituição.
([41]) Ob. cit. na nota anterior, pp. 73-74.
([42]) Ibidem.
([43]) Ibidem, pp. 77-78.
([44]) A actual redacção provém da segunda revisão constitucional e corresponde, com alterações pouco significativas, ao artigo 307.º, da versão originária, e ao artigo 297.º, do texto aprovado pela primeira revisão.
([45]) Ob. cit., p. 1079.
([46]) Ibidem.
([47]) Neste ponto passaremos a seguir, quase textualmente, o parecer n.º 50/97 (ponto 5.2.), de 27 de Outubro de 1997, inédito.
([48]) Do artigo 13.º da Lei n.º 7/75.
([49]) Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.ª edição, 1978, p. 535.
([50]) Manual de Direito Constitucional, Tomo III, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1998, p. 274.
([51]) As resoluções referidas estão publicadas no Diário da República, respectivamente, I Série, n.º 343, de 21 de Outubro de 1983, I-A Série, n.º 282, de 7 de Dezembro de 1991, n.º 299, de 29 de Dezembro de 1995, n.º 286, de 13 de Dezembro de 1994, e n.º 291, de 17 de Dezembro de 1996.
([52]) Diário da República, I-B Série, n.º 265, de 18 de Novembro de 1991.
([53]) Diário da República, II Série, n.º 282, de 7 de Dezembro de 1995, e n.º 112, de 14 de Maio de 1996, respectivamente.
([54]) Diário da República, II Série, n.º 218, de 19 de Setembro de 1996.
([55]) Diário da República, II Série, n.º 85, de 11 de Abril de 1997.
([56]) Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, Droit International Public, 6.ª edição, L.G.D.J., p. 487.
([57]) José Antonio Pastor Ridruejo, Curso de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales, 6.ª edição, Tecnos, Madrid, pp. 280-289, que passaremos a seguir, no texto, sem prejuízo de outras fontes, que oportunamente serão indicadas.
([58]) Moahammed Bedjaoui, Droit International Bilan et perspectives, Tome 2, Éditions A. Pedone, p. 1276.
([59]) S. Calogeropoulos-Stratis, Le Droit des peuples à disposer d’eux-mêmes, Bruxelles, 1973, p. 203.
([60]) Julio D. Gonzalez Campos, Luis I. Sanchez Rodriguez e Paz Andres Saenz de Santa Maria, Curso de Derecho Internacional Publico, Editorial Civitas, S. A., pp. 778-779.
([61]) Ibidem, p. 782.
([62]) A. E. Duarte silva, «O litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974)», in Análise Social, quarta série, volume XXX, número 130, 1995, 1.º, pp. 5-50, que passaremos a seguir de perto, por vezes com transcrição integral de alguns pontos.
([63]) Sobre o tema, cfr., ainda, Franco Nogueira, As Nações Unidas e Portugal (Estudo), Ática, 1961, Adriano Moreira, «Portugal e o artigo 73.º da Carta das Nações Unidas» in Revista do Gabinete dos Estudos Ultramarinos, Ano V, Lisboa, Janeiro-Abril, 1957, n.º 15.
([64]) Esta Lei Constitucional esclarece o alcance do n.º 8 do capítulo B do Programa do Movimento das Forças Armadas, pela afirmação de que o princípio de que a solução das guerras no ultramar é política e não militar implica, de acordo com a Carta das Nações Unidas, o reconhecimento por Portugal do direito dos povos à autodeterminação com todas as suas consequências, incluindo a aceitação da independência dos territórios ultramarinos.
([65]) Maria Fernanda Lima, Obrigações de Portugal como potência administrante do território não autónomo de Timor-Leste, ed. Assembleia da República, Lisboa, 1992, pp. 111-112.
([66]) Neste ponto, seguiremos F. Xavier Pons Ràfols, «Las Naciones Unidas y el proceso de solución de la cuestión de Timor Oriental», in La cuestión de Timor Oriental, J. M. Bosch Editor, S. L., Barcelona, 1996, pp. 197-227; cfr. também o parecer n.º 50/97.
([67]) Resoluções 3485 (XXX), de 12 de Dezembro de 1975, 31/53, de 9 de Dezembro de 1976, 32/34, de 28 de Novembro de 1977, 33/39, de 13 de Dezembro de 1978, 34/40, de 21 de Novembro de 1979, 35/27, de 11 de Novembro de 1980, 36/50, de 24 de Novembro de 1981, e 37/30, de 23 de Novembro de 1982.
([68]) Resoluções 384, de 22 de Dezembro de 1975, e 389, de 22 de Abril de 1976. Um dado significativo distingue as duas resoluções, de teor muito semelhante e muito próximas no tempo, a abstenção dos Estados Unidos. Enquanto a resolução 384 foi aprovada por unanimidade, a resolução 389 contou com a abstenção dos Estados Unidos e do Japão.
([69]) Ob. cit. na nota 66, p. 205.
([70]) Note-se que a última resolução foi aprovada escassamente por 50 votos a favor, 46 contra e 50 abstenções, enquanto a resolução 3485 (XXX) tinha sido aprovada por 72 votos a favor, 10 contra e 43 abstenções.
([71]) Ob. cit. na nota 66, p. 207.
([72]) Ibidem, p. 213.
([73]) Ibidem, p. 226.
([74]) Quanto à cronologia dos acontecimentos, seguimos: «The United Nations and East Timor: a chronology», site da Onu http://www.un.org/peace/etimor/chrono/body.html
([75]) Site da ONU http://www.un.org/peace/etimor/agreement/agreePor01.html
([76]) Site da Onu http://www.un.org/peace/etimor/agreement/agreePor04.html
([77]) Site da ONU http://www.un.org/peace/etimor/9926481E.htm
([78]) Site da ONU http://www.un.org/peace/etimor/9931277E.htm
([79]) Publicada no Diário da República, I-B Série, de 13 de Março de 1999.
([80]) Publicada no Diário da República, I-B Série, de 22 de Junho de 1999.
([81]) Do preâmbulo.
([82]) Publicada no Diário da República, I-A Série, de 15 de Setembro de 1999.
([83]) Publicada no Diário da República, I-B Série, de 29 de Setembro de 1999.
([84]) André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros, Manual de Direito Internacional Público, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 1993, p. 151 e ss.
([85]) Ibidem, pp. 265-271. Neste ponto seguiremos também o já referido parecer n.º 50/97 (3.2.1.), por vezes textualmente.
([86]) José Antonio Pastor Ridruejo, ob. cit., pp. 157-162.
([87]) Neste ponto, cfr. Paula Escarameia, Formation of concepts in International Law – Subsumption under Self-determination in the Case of East Timor, Fundação Oriente, Lisboa, 1993, pp. 101-102.
([88]) Parecer n.º 50/97, que continuaremos a citar (ponto 3.2.2.).
(x) Cfr. Miguel Galvão Teles e Paulo Canelas de Castro, «Portugal and the Right of People to Self-Determination», in Archiv des Völkerrechts, Band 34, Heft 1, Março 1996, p. 43.
(x1) Nunca, por exemplo, antes ou depois da invasão, se colocou a hipótese de enviar para Timor uma unidade das Nações Unidas encarregada de manter a paz e nem a Assembleia Geral ou o Conselho de Segurança apelaram a um cessar fogo imediato, cuja aplicação poderia ter sido controlada por uma missão da Organização (Gabriel Depert, ob. cit. – leia-se Timor Est – Le génocide oublié – droit d´un peuple et raisons d’ États, Éditions L’ Harmattan, Paris, 1992 – p. 219.
(x2) Vamos encontrar este mesmo carácter apelativo em tomadas de posição de outras organizações internacionais: v.g., a resolução de 18 de Setembro de 1993 (Camberra) do Conselho da União Inter-Parlamentar.
([89]) André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, ob. cit., p. 516.
([90]) Ibidem, pp. 523-524.
([91]) Ibidem, p. 524.
([92]) Ibidem.
([93]) Ian Brownlie, ob. cit., p. 189.
([94]) Manuel de Almeida Ribeiro, A Organização das Nações Unidas, Almedina, Coimbra, 1998, p. 141.
([95]) Ibidem.
([96]) André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros, ob. cit., p. 169.
([97]) Ibidem, p. 172.
([98]) Ibidem, p. 174.
([99]) Ibidem, p. 175.
([100]) Ibidem, pp. 182-186.
([101]) Ibidem, p. 190.
([102]) Ibidem, p. 214.
([103]) Actualmente, artigo 197.º, n.º 1, alínea c).
([104]) Convenção de Viena.
([105]) Actualmente artigo 197.º, n.º 1, alínea c), in fine.
([106]) Actualmente artigo 161.º, alínea i).
([107]) André Gonçalves Pereira e Fausto de quadros, ob. cit., pp. 221-222.
([108]) Cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/99, de 5 de Agosto de 1999, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Setembro de 1999, sobre a interpretação do artigo 161.º, alínea i), da Constituição.
([109]) Não questionamos a prática de graves violações dos direitos humanos em Timor-Leste, no período em causa.
O relatório da Alta Comissária para os Direitos Humanos sobre a situação dos direitos humanos em Timor-Leste (http://www.unhchr.ch) é elucidativo.
Refira-se que a Comissão dos Direitos do Homem, na sua quarta sessão extraordinária, de 23-24 de Setembro de 1999, adoptou a resolução 1999/S-4/1, pela qual, nomeadamente:
- Acolhe, com satisfação, a criação, em 22 de Setembro de 1999, pela Comissão nacional indonésia dos direitos do homem, de uma Comissão independente de inquérito sobre as violações dos direitos do homem em Timor-Leste;
- Condena as violações sistemáticas e flagrantes dos direitos do homem e do direito internacional humanitário em Timor-Leste;
- Exige ao Governo indonésio que assegure, em cooperação com a Comissão nacional indonésia dos direitos do homem, que os responsáveis pelos actos de violência e violações dos direitos do homem sejam submetidos a julgamento;
- Pede ao Secretário-Geral que institua uma comissão internacional de inquérito, com o fim de, em cooperação com a Comissão nacional indonésia dos direitos do homem, recolher e compilar informações sobre as violações dos direitos do homem e os actos susceptíveis de constituir violações do direito internacional humanitário que possam ter ocorrido em Timor-Leste, desde o anúncio do escrutínio, em Janeiro de 1999, e de apresentar as suas conclusões ao Secretário-Geral, a fim de o habilitar a fazer recomendações para acções futuras e transmitir o relatório ao Conselho de Segurança, à Assembleia Geral e à Comissão dos Direitos do Homem.
Essa Comissão já foi nomeada e deverá apresentar o seu relatório ao Secretário-Geral, até 31 de Dezembro.
([110]) Artigo 1.º
([111]) Mohammed Bedjaoui, «Chapitre XI article 73», p. 1082, in La Charte des Nations Unies Commentaire article par article, 2.ª edição, Economica, Paris.
([112]) Michael Akehurst, Introdução ao Direito Internacional, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, p. 316.
([113]) O reconhecimento da soberania indonésia sobre Timor-Leste só foi formalmente assumido pela Austrália, em 1978.
([114]) De acordo com a resolução 1541 (XV), a autodeterminação de um território não autónomo pode resultar numa das seguintes situações: pela sua constituição num Estado independente e soberano, pela sua livre associação com outro Estado independente, pela sua integração noutro Estado independente.
([115]) André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, ob.cit., pp. 544-545 e bibliografia indicada na nota de rodapé 2, p. 545.
([116]) Ob. cit., pp. 619-620.
([117]) Tema 2 - «Portugal: Potência Administrante», intervenção do Deputado Correia Afonso, in Conferência interparlamentar de Lisboa por Timor-Leste, ed. da Assembleia da República, Lisboa, 1999, p. 116.
([118]) Ibidem, p. 118.
([119]) «The invasion of East Timor by Indonesia», in International Law and the Question of East Timor, CIIR/IPJET, pp. 290-298.
([120]) Ibidem, p. 298.
([121]) Outros ordenamentos jurídicos não sujeitam o princípio da universalidade a limitações.
([122]) Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I Volume, Coimbra Editora, 1974, pp. 100-101.
([123]) Ibidem, p. 108.
([124]) Ian Brownlie, ob. cit., p. 324.
([125]) Cfr. artigo 292.º da Constituição.
([126]) Rui Manuel Moura Ramos, «Nacionalidade», Dicionário Jurídico da Administração Pública, p. 106.
([127]) Ibidem, p. 129.
([128]) Ibidem, p. 136.
([129]) Sobre a perda da nacionalidade a que alude o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 308-A/75, cfr. parecer n.º 34/93, de 16 de Agosto de 1994, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Agosto de 1995.
([130]) Rui Manuel Moura Ramos, «Nacionaldade» cit., p. 130.
([131]) Ibidem.
([132]) Manuel António Lopes Rocha, ob. cit., p. 143.
([133]) Na Comissão de Revisão do Código Penal (cfr. já mencionada Acta n.º 40, in Actas e Projecto ..., p. 458), foi observado parecer insuficiente a fórmula geral do n.º 2 do artigo 5.º para resolver os problemas decorrentes das Convenções internacionais que Portugal, mais tarde ou mais cedo, terá de ratificar, apontando não só para o alargamento da extraterritorialidade da lei penal como para a criação de novos ilícitos típicos, porquanto para Portugal se obrigar a julgar factos cometidos fora do território nacional, por tratado ou convenção, é necessário que os criminalize na legislação interna. No entanto, acabou por se considerar que o caminho mais acertado seria «o de a criminalização só ocorrer se e quando Portugal se tornar parte no âmbito desses textos internacionais, não sendo aconselhável proceder a uma criminalização precoce».
([134]) Ob. cit., pp. 83-85.
([135]) Ibidem.
([136]) Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, ob. cit., pp. 117 e ss.
([137]) Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pp. 86-87.
([138]) Parcialmente transcrito in Pareceres, Volume I, pp. 127-137.
([139]) Ibidem.
([140]) Conclusões 4.ª e 5.ª do Parecer n.º 57/95.
([141]) Cfr. 1.º relatório que Portugal submeteu ao Comité contra a Tortura (Cat/C/9/Add).
([142]) O artigo 243.º é uma disposição nova, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
([143]) A incriminação consta dos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, que dispõem:
«1. Quem, tendo por função a prevenção, perseguição, investigação ou conhecimento de infracções criminais, contra-ordenacionais ou disciplinares, a execução de sanções da mesma natureza ou a protecção, guarda ou vigilância de pessoa detida ou presa, a torturar ou tratar de forma cruel, degradante ou desumana para:
a) Obter dela ou de outra pessoa confissão, depoimento, declaração ou informação;
b) A castigar por acto cometido ou supostamente cometido por ela ou outra pessoa;
c) A intimidar ou para intimidar outra pessoa;
é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem, por sua iniciativa ou por ordem de superior, usurpar a função referida no número anterior para praticar qualquer dos actos aí descritos.»
O artigo 244.º tipifica a censura agravada dos crimes previstos no artigo 243.º, em função do tipo de ofensas produzidas, dos meios usados, da habitualidade e do resultado.
([144]) Cfr. sobre a natureza de ius cogens do crime de tortura e sobre os objectivos da Convenção, «Extradition of Senator Pinochet, former Head of State of Chile, from United Kingdom to stand trial in Spain», House of Lords, London, decisão de 24 de Março de 1999, in Human Rights Law Journal, Vol. 20, N.º 1-3, pp. 61-108.
([145]) A possibilidade, no caso do crime de tortura, parece ainda mais remota pela qualidade do agente requerida pelos tipos legais.
([146]) Ian Brownlie, ob. cit., p. 326.
([147]) Pelos exponentes.
([148]) Tanto Portugal como a Indonésia são partes na Quarta Convenção de Genebra; a Indonésia aceitou-a em 30 de Setembro de 1958; Portugal ratificou a Convenção em 14 de Março de 1961 e os Protocolos Adicionais I e II em 1 de Abril de 1992.
([149]) Cfr., sobre o tema, Daniel Machover, «Internacional humanitarian law and the Indonesian occupation of East Timor», in International Law and the Question of East Timor, pp. 205-222.
([150]) Beate rudolf, «Considérations constitutionnelles à propos de l’établissement d’une justice pénale internationale», in Revue Française de Droit Constititionnel, 1999, 39, PUF, p. 456.
([151]) José Cerezo Mir, Curso de Derecho Penal Español, Parte General I, 5.ª edição, Tecnos, p. 209.
([152]) Ibidem, p. 216.
([153]) Resoluções 827 (1993), de 25 de Maio, e 955 (1994), de 8 de Novembro.
([154]) José Cerezo Mir, ob. cit., nota de rodapé 86, p. 216.
([155]) Laurent Moreillon, «Quelques règles essentielles de procédure des Tribunaux pénaux internationaux», in Schweizerische Zeitschrift für Strafrecht, Band 117, Tome 117, p. 180.
([156]) Eduardo Maia Costa, «A intervenção em Timor inaugura uma nova era na ordem internacional?», in Revista do Ministério Público, Ano 20.º, Julho-Setembro 1999, n.º 79, p. 9.
([157]) Cfr. também Freitas do Amaral, «O crime à solta em Timor», Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 6/99, Nov./Dez. 1999, p. 25.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART1, ART4, ART5, ART7 N1 N3, ART8 N1 N2, ART161 I), ART164 F), ART197 N1 B) C), ART200 N1 C), ART293, ART307
CP852
CP82 ART4, ART5 N1 B) C) E) N2, ART6, ART7, ART159, ART160, ART169, ART172, ART173, ART176, ART221, ART236, ART237, ART238, ART239, ART242, ART243 N3, ART262, ART263, ART264, ART265, ART266, ART268, ART269, ART270, ART300, ART301, ART308, ART309, ART310, ART311, ART312, ART313, ART315, ART316, ART317, ART318, ART319, ART320, ART321, ART325, ART326, ART327, ART328, ART329, ART330, ART331, ART332, ART333, ART334, ART335, ART336, ART337, ART338, ART339, ART340, ART341, ART342
L 37/81, de 1981/10/03 ART1 N1 A) D), ART8, ART27
DL 322/82, de 1982/08/12
DL 244/98, de 1998/08/08 ART2
LC 7/75, de 1975/07/17
DL 225-B/76, de 1976/03/31
L 1/95, de 1995/01/14
DRGU 18/95, DE 1995/06/03
RAR 16/83, de 1983/09/16
RAR 11/88, de 1988/03/01
RAR 36/91, de 1991/11/21
RAR 47/95, de 1995/11/15
RAR 68/94, de 1994/11/16
RAR 41/96, de 1996/11/28
RAR 37/98, de 1998/04/30
RAR 72/99, de 1999/09/07 ART1, ART4
D 57-A/91, de 1991/11/18
RCM 17/88, de 1988/04/07
RCM 53/95, de 1995/12/07
RCM 28/96, de 1996/05/14
RCM 15/99, de 1999/03/13
RCM 58/99, de 1999/06/22
RCM 109/99, de 1999/09/09
PORT 745-N/96, de 1996/12/18
L 7/74, de 1974/07/27
DL 189-A/99, de 1999/06/04
DL 529/85, de 1985/12/31 ART2 D)
DL 308-A/75, de 1975/06/24
L 113/88, de 1988/12/29
DPR 57/88, de 1988/07/20
DPR 33/98, de 1998/07/14
Referências Complementares: 
DIR CONST * ORG PODER POL / DIR CRIM / DIR INT PUBL * DIR PENAL INT * DIR HOMEM*****
Carta das Nações Unidas ART1 N2, ART11 N2, ART25, ART39, ART40, ART41, ART42, ART55, ART73, ART74, ART87, ART98, ART99
RES AG ONU 2625(XXV), de 1970/10/24
RES 1514(XV)
RES AG ONU 1542(XV), de 1960/12/15
RES AG ONU 37/30
RES CONS SEG ONU 1236(1999), de 1999/05/07
RES CONS SEG ONU 1246(1999), de 1999/06/11
RES CONS SEG ONU 1262(1999), de 1999/08/30
RES CONS SEG ONU 1264(1999), de 1999/09/15
RES CONS SEG ONU 1272(1999), de 1999/10/25
RES 95(I), de 1946/12/11
RES 1514(XV), de 1960/12/14
RES 1962(XVIII), de 1963/12/13
RES 2145(XXI), de 1966
RES 1999/S-4/1 da Comissão dos Direitos do Homem
ESTATUTO DO TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA ART38
ESTATUTO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL, de 1998/07/17
CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS, de 1969/05/23 ART2 N1 A), ART3, ART12 N1, ART27, ART84
AC de 1999/05/05, entre Portugal e Indonésia
AC de 1999/05/05, entre Portugal, Indonésia e ONU
CONVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO, de 1948/12/09 ART6
CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA E OUTRAS PENAS OU TRATAMENTOS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES ART1 N1, ART2 N2 N3, ART4, ART5 N1 B) C)
CONVENÇÃO DE HAIA, de 1949 ART2*****
ACT FIN da Conferência de Berlim de 1885
Divulgação
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