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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
33/1999, de 27.01.2000
Data de Assinatura: 
27-01-2000
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Relator: 
SOUTO DE MOURA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ESTATUTO DE ROMA
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
CONVENÇÃO
RATIFICAÇÃO
DIREITOS DO HOMEM
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL
CRIME DE GUERRA
CRIME CONTRA A HUMANIDADE
CRIME CONTRA A PAZ
CRIME DE AGRESSÃO
CRIME DE GENOCÍDIO
TRIBUNAL DE NUREMBERGA
TRIBUNAL DE TÓQUIO
TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA A EX-JUGOSLÁVIA
TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA O RUANDA
RECEPÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL
ESTADO
SOBERANIA
BEM JURÍDICO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
IMUNIDADE
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
DEPUTADO
MAGISTRADO JUDICIAL
MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE
IMPRESCRITIBILIDADE
PRISÃO PERPÉTUA
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
DETENÇÃO
TRANSFERÊNCIA
EXTRADIÇÃO
Conclusões: 
1ª - A ratificação da Convenção relativa ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional, aprovado em Roma, a 17 de Julho de 1998, afigura-se-nos compatível com as normas e princípios da Constituição da República Portuguesa;

2ª - Os compromissos decorrentes daquela eventual ratificação reclamam, porém, diversas alterações legislativas, nos termos dos comentários que ficaram expressos acima.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral
da República,
Excelência:



I

O Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros dirigiu-se a Vossa Excelência, solicitando a respectiva colaboração, de modo a habilitar aquele Membro do Governo “com um parecer relativo à viabilidade jurídica da vinculação de Portugal ao Estatuto do Tribunal Criminal Internacional” ([1]).

Decidida a distribuição do parecer pelo Conselho Consultivo, veio posteriormente a ser-lhe atribuído carácter de urgência por Vossa Excelência.

Cumpre pois, em tal condicionalismo, emitir parecer.

II

Não é difícil considerar a emergência de uma justiça penal internacional como uma importante conquista deste final de século.

Sem que o direito substantivo em si tenha recentemente sofrido importantes mudanças, assiste-se ao invés à manifestação bastante generalizada de vontades políticas, que se propõem lutar contra a impunidade dos agentes das infracções que integram o chamado direito internacional penal. Nesse processo, assume relevo ímpar a pressão da opinião pública, cada vez mais imbuída de uma cultura dos direitos humanos, e, numa era dominada pelos “media”, cada vez mais bem informada de tudo o que acontece em qualquer parte do globo.

O que é de algum modo novidade é que os próprios Estados, pelo menos alguns Estados em número significativo , se deram conta uma vez por todas de que a protecção da soberania estadual não deveria ser obstáculo à punição dos autores de crimes de guerra, contra a paz ou contra a humanidade. Porque, na verdade, se se atribuir o exclusivo da competência para julgar tais crimes às jurisdições nacionais, depararemos frequentemente com a sua inacção, ditada até por imperativos de paz e reconciliação nacional, reputados aqui e ali mais valiosos do que as exigências de justiça.

Este um estado de coisas que facilitou a criação a 17 de Julho de 1998 do Tribunal Penal Internacional (T.P.I.), pela chamada Conferência de Roma, convocada pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

A informação mais recente de que dispomos, reportada a 28 de Dezembro de 1999, diz-nos que cinco Estados ratificaram a Convenção que integra o Estatuto do T.P.I., tendo-a assinado noventa e um Estados ([2]).

Procuraremos, de seguida, enquadrar melhor o surgimento do T.P.I., relacionando-o por um lado com a evolução do direito penal internacional, e, por outro, com a evolução também ocorrida no âmbito das instâncias jurisdicionais penais internacionais.


1. Não é só de ontem o cepticismo com que eminentes penalistas vêm a própria existência de um direito internacional penal – DIP ([3]), por falta, designadamente, de tipos de crime contendo tanto previsões como punições que fossem vinculativas, sem mediação dos Estados, bem como por falta de uma instância jurisdicional permanente supra-nacional.

Mesmo para todos quantos, maioritariamente, consideram irrecusável a realidade de um DIP, com as suas características próprias, não é pacífica a definição do respectivo âmbito. De tal modo que já se recorreu à distinção, algo artificiosa, entre direito penal internacional e direito internacional penal, remetendo para aquele as normas de direito interno relativas à jurisdição de cada Estado, e à cooperação internacional, e dizendo este respeito às violações da ordem pública internacional, que constituam infracções contra o direito das gentes. Na clássica tripartição entre crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade ([4]).


1.1. A ideia de um direito penal, parte integrante do direito internacional, remonta já ao jusnaturalismo dos séculos XVI e XVII (Vitoria, Suarez, Grotius), mas é na sequência da primeira guerra mundial que poderão ver-se os primórdios da época moderna do DIP. O Tratado de Versalhes de 1919 considerou, no seu artigo 227º, o Kaiser Guilherme II “culpado de ofensa suprema à moral internacional e à autoridade dos tratados”, prevendo-se um tribunal para o julgar. Esse tratado exigia, no seu artigo 228º, a extradição de alemães acusados de crimes de guerra, para os países aliados, a fim de serem julgados pelos respectivos tribunais militares ([5]).
Entre as duas guerras mundiais assiste-se a uma importante actividade, com vista à elaboração científica desse novo ramo do direito internacional que era o DIP. Com a criação dos Tribunais de Nuremberga e Tóquio, para julgamento dos criminosos de guerra nazis e japoneses, veio a ser dado o passo seguinte mais importante. Na verdade, passou a vigorar entre as quatro potencias aliadas um acordo internacional, o acordo de Londres de 8 de Janeiro de 1945, ao qual sucessivamente aderiram dezanove Estados, e que instituía uma jurisdição “ad hoc”, o Tribunal de Nuremberga para julgamento dos criminosos nazis. Ora, anexo ao dito acordo figurava um Estatuto que incluía a fixação da competência do tribunal, princípios sobre responsabilidade penal e regras processuais ([6]).

Com a fixação de tal competência, pela primeira vez se tipificavam num instrumento convencional os crimes conta a paz, de guerra e contra a humanidade. Sobretudo, a Assembleia Geral da ONU reconheceu como princípios de direito internacional positivo os princípios contidos no Estatuto de Londres, e aplicados nas sentenças dos Tribunais de Nuremberga e Tóquio, através das suas resoluções 3 e 95, respectivamente de 13 de Fevereiro e 11 de Dezembro de 1946.

De reter que a apontada classificação tripartida passou a ser a base de toda a elaboração doutrinária que se seguiu sobre a delimitação do direito internacional penal, estando em causa agentes que actuam como entidades públicas, ou seja, ao menos em princípio, em nome de um Estado ([7]).
A Assembleia Geral da ONU pediu à Comissão de Direito Internacional – CDI ([8]), em 1947, que estabelecesse um projecto de “Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade”. O projecto foi apresentado à Assembleia Geral em 1951 e 1954. O seu artigo 2º enumerou treze categorias de crimes de direito internacional, incluindo o crime de agressão. Ora, foi por causa dos trabalhos suscitados pela elaboração de uma definição deste crime, o que só ocorreria em 1974, que o projecto de Código apenas foi submetido à apreciação dos Estados, pela Assembleia, em 1978. A Assembleia geral convidou, em 1981, a CDI, a retomar os seus trabalhos sobre o assunto.

Em 1991, a CDI adoptou o projecto de Código ([9]) e, nas palavras de QUOC DINH, “houve unanimidade entre os seus membros para considerarem que nem todo o crime internacional é, forçosamente, um crime contra a paz e a segurança da humanidade, mas que estes últimos se distinguem pelo seu particular carácter de horror e crueldade, selvajaria e barbárie (são “os mais graves entre os mais graves”) (…), para reconhecer a responsabilidade penal dos indivíduos (…), e para que se conservasse a lista de crimes de 1954, como ponto de partida, precisando que eles se poderiam dividir em três categorias: os que violavam a soberania e a integridade territorial do Estado, os crimes contra a humanidade, e os actos praticados com violação das leis e costumes da guerra” ([10]).

Já se não formaria unanimidade acerca dos crimes a acrescentar à lista de 1954, pelo que os debates ocorridos depois de 1991 levariam à aceitação, em 1996, apenas das seguintes infracções: agressão, crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade, e crimes contra o pessoal da ONU e o pessoal associado.
1.2. O estado actual da questão da delimitação dos crimes internacionais cometidos por entes públicos, exactamente os mais graves de todos, permitirá então eleger quatro áreas específicas, sem curar agora das infracções contra pessoal da ONU ou seu associado. Abordemo-las sucintamente.

Os crimes de “agressão” ou de “ameaça de agressão” têm clara correspondência naquilo a que o artigo 6º do Estatuto do Tribunal de Nuremberga chamava de “crimes contra a paz”: “A direcção, a preparação, o desencadeamento ou a prossecução de uma guerra de agressão ou de uma guerra em violação de tratados, garantias ou acordos internacionais, ou a participação num plano concertado ou num conluio para a realização de qualquer um dos actos precedentes”.

Mas tanto o crime de “agressão” como os “crimes contra a paz”, formarão um círculo mais restrito que os “crimes violadores da soberania e a integridade territorial do Estado”, antes referidos (2.1.1.). Porque estes, na verdade, poderão incluir “o facto de as autoridades de um Estado prepararem emprego da força armada contra outro Estado, de organizarem ou encorajarem a organização de bandos armados com vista a incursões no território de outro Estado, de levarem a cabo ou encorajarem actividades que visam fomentar a guerra civil ou actividades terroristas noutro Estado, a anexação através de meios contrários ao direito internacional de um território pertença de outro Estado, e a intervenção nos assuntos internos ou externos de outro Estado” ([11]).

A CDI entendeu, a dada altura, que a contratação ou utilização de mercenários faria também parte do elenco, na medida em que tal prática “visasse abalar a soberania dos Estados e a estabilidade dos governos ou pôr entraves aos movimentos de libertação nacional” ([12]). Tal inclusão viria porém a ser excluída do projecto de “Código de Crimes contra a Paz e a Humanidade” na sua versão mais recente.

A densidicação do conceito de “agressão” para efeitos de tipificação, como crime internacional, está ainda em elaboração, e disso se faz eco, como adiante se verá, o nº 2 do artigo 5º do Estatuto do T.P.I..

O Estatuto do Tribunal de Nuremberga definiu globalmente os “crimes de guerra”, no seu artigo 6º b), como “violações das leis e costumes de guerra”. Sem pretensão de exaustão, essas violações compreendem “o homicídio doloso, os maus tratos ou a deportação para trabalhos forçados, ou para qualquer outro fim, das populações, nos territórios ocupados, o homicídio doloso ou os maus tratos dos prisioneiros de guerra, ou de pessoas, no mar, a execução de reféns, a pilhagem de bens públicos ou privados, a destruição sem motivo de cidades e aldeias, a devastação não justificada por exigências militares”.

As quatro Convenções de Genebra de 1949 ([13]) confirmaram esta definição de crimes de guerra, crimes declarados imprescritíveis pela Convenção da ONU de 26.11.68 e pela Convenção Europeia de 25.1.79 ([14]).

O artigo 6º c) do Estatuto do Tribunal de Nuremberga considera “crimes contra a humanidade” “o homicídio doloso, o extermínio, a redução à escravatura, a deportação e qualquer outro acto desumano cometido contra populações civis antes ou durante a guerra, ou então perseguições por motivos políticos e religiosos, desde que esses actos ou perseguições, quer constituam ou não uma violação do direito interno do país onde foram perpetrados, tenham sido cometidos na sequência de qualquer crime da competência do tribunal ou em ligação com tal crime”.

Esta a base em que assentaria o alargamento e aprofundamento posteriores da noção de “crimes contra a humanidade”, designadamente por via convencional, e cuja abordagem se nos afigura dispensável agora.

De notar que o crime de genocídio se foi progressivamente autonomizando dos “crimes contra a humanidade” até constituir uma categoria “a se”. Está basicamente tratado na “Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio” da O.N.U., de 9 de Dezembro de 1948 ([15]).

Conforme os caracterizou M.C. BASSIOUNI, os crimes contra a humanidade têm que ser cometidos como parte de uma acção ou política de um Estado e pressupõem pois o uso das instituições, do pessoal ou dos meios providenciados pelo Estado. Trata-se de crimes internacionais, para prevenir que, segundo a legislação do país onde foram cometidos, só sejam crime no caso de a população alvo não pertencer ao grupo que se pretende perseguir ou discriminar, ou então, se aí forem sempre crime sem distinção de população-alvo, pelo facto de realmente não haver exercício da acção penal, quando as vítimas pertencerem ao grupo que se quer perseguir ou discriminar. São crimes que se inscrevem numa acção ou política de discriminação ou perseguição, e sempre em conexão com o fenómeno guerra ([16]).

Pelo contrário, o crime de genocídio não tem que ser cometido em conexão com qualquer outro crime de guerra ou contra a paz, e pode pois ter lugar tanto em tempo de guerra como de paz. Acresce que os seus autores podem actuar enquanto agentes públicos ou como meros particulares.

A definição do crime de “genocídio”, segundo o artigo 2º da Convenção atrás citada, e para os efeitos da mesma, compreende os actos “cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:

a) Assassinato de membros do grupo;
b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;
c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;
d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.”

Abordemos agora, sucintamente, a área das instâncias jurisdicionais internacionais.


2. Nas palavras de G. ROBERTSON “É trivial, e portanto verdadeiro, dizer-se que não existem “direitos” se não houver remédios para a sua violação. Do mesmo modo, não existem “direitos humanos” sem remédios para os erros humanos, no sentido de meios destinados a punir os culpados de crimes contra a humanidade” ([17]).

Depois de terminada a primeira guerra mundial, entre 1919 e 1994, data em que se lançaram as bases do T.P.I., um longo e difícil caminho se percorreu para atender à legítima aspiração da comunidade internacional, de criar um tribunal permanente que julgasse os crimes internacionais mais graves ([18]).

Durante tal período viram a luz quatro tribunais “ad hoc” e cinco comissões de investigação. Para além dos Tribunais de Nuremberga e de Tóquio a que já nos referimos, criaram-se os tribunais internacionais “para a ex-Jugoslávia” e “para o Ruanda” ([19]). Quanto às Comissões, a de 1919 visou, na sequência do Tratado de Versalhes, estudar os crimes cometidos durante a primeira guerra mundial. A de 1943 investigou os crimes de guerra cometidos por alemães durante a segunda guerra mundial, e a comissão para o Extremo Oriente, de 1946, os cometidos pelos japoneses durante o mesmo conflito. Dando cumprimento à Resolução do Conselho de Segurança da O.N.U. nº 780(1992), foi criada a Comissão que investigou as violações do direito internacional humanitário na antiga Jugoslávia, e, na execução da Resolução nº 935 (1994), a “Comissão para o Ruanda” propôs-se investigar os crimes cometidos durante a guerra civil daquele país.


2.1. Já antes se viu qual foi o resultado das intenções de julgamento por parte do Tratado de Versalhes, em relação com os crimes cometidos durante o primeiro conflito mundial (supra II 1.1. e nota (5)). Ficou claro, então, que as pretensões de pôr em funcionamento qualquer instância jurisdicional internacional dependiam basicamente da vontade política dos Estados, maxime das grandes potencias. Isso mesmo se constatou, em sentido inverso, com o efectivo funcionamento dos Tribunais de Nuremberga e Tóquio. Pese embora a crítica de que é passível a criação de um “tribunal de vencedores para julgar vencidos”, haverá que ter em conta a importância do precedente histórico que aqueles tribunais constituem, e o contributo inegável que os respectivos Estatutos deram para a construção da doutrina do direito internacional penal.

Sendo certo que a unilateralidade da criação destas instâncias não é, só por si suficiente, para que se tenham que considerar injustas as decisões proferidas.

O conflito no território da ex-Jugoslávia e a guerra civil no Ruanda constituíram episódios que mais uma vez mostraram a necessidade da criação de uma justiça penal internacional, face às atrocidades que, mais do que em tempos pretéritos, puderam ficar à vista de todos. Invocando a competência que lhe é outorgada pelo Capítulo VII da Carta das Nações Unidas ([20]), o Conselho de Segurança da O.N.U. adoptou a Resolução nº 827(1993), através da qual decidiu “criar um tribunal internacional com o único fim de julgar as pessoas presumidas responsáveis de violações graves do direito humanitário internacional cometidas no território da ex-Jugoslávia”, adoptando logo, um Estatuto para o mesmo.
De salientar que este Tribunal, sediado em Haia, se tornou um órgão subsidiário do Conselho de Segurança, ficando os vários Estados automaticamente vinculados a com ele colaborar. E, por outro lado, o sistema de recrutamento dos respectivos magistrados conferiu à instância as garantias de isenção e independência que os precedentes de Nuremberga e Tóquio não podiam ter.

A criação do Tribunal apoiava-se não apenas numa decisão política mas no direito internacional positivo, e o respectivo Estatuto revelava, que a perseguição dos crimes aí previstos não necessitava, de que se estivesse perante um conflito armado internacional, entre Estados. Tais crimes estão descritos nos artigos 2º a 5º do Estatuto, e respeitam às “Infracções graves às Convenções de Genebra de 1949”, à “violação das leis e costumes da guerra”, ao “genocídio” e aos “crimes contra a humanidade”.

Com a resolução nº 955, de 8 de Novembro de 1994, o Conselho de Segurança criou, como órgão apendicular do Tribunal da Haia, o Tribunal que ficaria sediado em Arusha, na Tanzânia, para julgar os crimes internacionais cometidos havia pouco tempo, no Ruanda ([21]). A jurisdição do tribunal abrange o genocídio, os crimes contra a humanidade, e, adicionalmente, a violação do disposto no artigo 3º comum às várias Convenções de Genebra, mesmo estando em causa actuações meramente individuais.


2.2. Concomitantemente com a criação dos tribunais “ad hoc” para a ex-Jugoslávia e Ruanda desenvolvia-se um processo tendente à criação de um tribunal permanente, o qual só se iniciou proficuamente a partir de 1989. Não que antes de tal data se não tivessem feito esforços nesse sentido, só que todos eles se saldaram por um fracasso.

Aconteceu porém que a Assembleia Geral da ONU, a 2.12.1989, foi confrontada com a proposta de criação de um tribunal penal internacional permanente, com vista ao julgamento de crimes de tráfico de droga. Num ambiente marcado pelo fim da guerra fria, a iniciativa foi remetida para a Comissão de Direito Internacional, que ficaria ainda encarregue de examinar as questões relativas à criação de um T.P.I.. Em 1992, a Assembleia Geral pediu à C.D.I. que elaborasse um projecto de Estatuto propriamente dito de T.P.I., o que veio a ser confirmado através da Resolução 48/31, de 9 de Dezembro de 1993. Em tal altura, a necessidade de criação dos tribunais “ad hoc” para a ex-Jugoslávia e Ruanda revelava a gravidade da inexistência de um T.P.I., tanto mais que a pressão da opinião pública em geral, das organizações não governamentais e da própria Conferência de Viena sobre os Direitos do Homem, de Junho de 1993, empurravam no sentido da sua criação.

Na data que lhe fora fixada para ultimação dos trabalhos, Julho de 1994, a C.D.I. apresentou o projecto do estatuto para a criação do T.P.I..

A Assembleia Geral da O.N.U. veio a criar um “Comité Especial”, ou “ad hoc”, que reuniu duas vezes, em 1995, para discussão de toda esta temática, e, a pedido do mesmo, um “Comité Preparatório” para instituição do T.P.I. ([22]).

As reuniões do “Comité Preparatório” proporcionaram aos representantes dos Governos e das organizações pertinentes ocasião para discussão das questões que se punham, e de contribuir para a elaboração do Estatuto. Os debates tiveram por texto base o projecto de Estatuto apresentado pela C.D.I., e foram criados grupos de trabalho encarregues de se debruçarem sobre os seguintes pontos: lista e definição dos crimes, princípios gerais de direito penal, complementaridade do T.P.I. e mecanismos de desencadeamento do procedimento, questões processuais, cooperação e auxílio judiciário internacionais, sanções, composição e administração do T.P.I. e, finalmente, a questão do relacionamento entre o T.P.I. e a O.N.U..

O “Comité Preparatório” reuniu seis vezes, em 1996 e 1997.
A renovação do mandato do “Comité Especial” para os anos 1997 e 1998, foi ocasião para lhe solicitar a redacção de um texto consolidado que pudesse ser transmitido a uma “Conferência Diplomática”. Esta foi convocada para Roma, entre 15.6.98 e 17.7.98, pela Assembleia Geral ([23]), tendo por base de trabalho o projecto de Estatuto entretanto revisto pelo “Comité Preparatório” ([24]).

Uma hora antes do términus da Conferência, às 23 horas de 17 de Julho de 1998, o Estatuto que criava o T.P.I. foi aprovado por 120 países, com a abstenção de 21 e a oposição de 7.


III

O Estatuto do T.P.I., para além do preâmbulo, é composto de 128 artigos distribuídos por XIII capítulos. Passaremos, a apresentar as matérias a que respeitam esses preceitos.

Os artigos 1º, 2º, 3º e 4º formam o Capítulo I, epigrafado “Criação do Tribunal”.

No Capítulo II trata-se da “Competência, Admissibilidade e Direito Aplicável”. Os artigos 5º a 11º relativos à competência incluem a definição dos crimes que o T.P.I. irá julgar, os artigos 12º a 20º reportam-se às condições prévias para que possa ser instaurado e desenvolvido o procedimento criminal, e o artigo 21º respeita ao “Direito Aplicável”.

No Capítulo III estatui-se sobre os “Princípios Gerais de Direito Penal” que informam o exercício da jurisdição do T.P.I., concretamente nos artigos 22º a 33º.

O Capítulo IV respeita à “Composição e Administração do Tribunal”, as quais são regulamentadas nos artigos 34º a 52º.

Com o Capítulo V inicia-se a disciplina da tramitação processual propriamente dita, debruçando-se os artigos 53º a 61º sobre a fase preliminar investigatória e o exercício do procedimento criminal. A epígrafe do capítulo é, por isso, “Inquérito e Procedimento Crime”.

O Capítulo VI reporta-se à fase de julgamento. Sob a epígrafe “O julgamento” reune-se um articulado que contempla questões que vão do estatuto do arguido à disciplina da prova, das infracções ao regular funcionamento do T.P.I. à matéria indemnizatória, distribuindo-se estes e outros assuntos pelos artigos 62º a 76º.

O Capítulo VII trata “As Penas”, nos artigos 77º a 80º.

Sob a epígrafe “Recurso e Revisão” o Capítulo VIII contém os artigos 81º a 85º.

No Capítulo IX é a vez de a “Cooperação Internacional e Auxílio Judiciário” serem contempladas, ao longo dos artigos 86º a 102º.

O Capítulo X é dedicado à “Execução da pena” (artigos 103º a 111º).

Com o Capítulo XI institui-se e regula-se, no artigo 112º, a “Assembleia dos Estados-Parte”.

A matéria das finanças do T.P.I. consta dos artigos 113º a 118º, que formam o Capítulo XII, epigrafado, naturalmente, “Financiamento”.

Por fim, sob a epígrafe “Cláusulas Finais”, o Capítulo XIII contém basicamente nos seus artigos 119º a 129º, regras de estilo”.

Passadas em revista, de modo rapidíssimo, as matérias constantes do Estatuto, é tempo de se ensaiar sobre o mesmo um juízo crítico, reportado sobretudo à questão da respectiva compatibilidade com a legislação nacional.

Antes, porém, justifica-se o nosso ver a transcrição do próprio Estatuto, pese embora a sua extensão.


“ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
PREÂMBULO

Os Estados-Parte no presente Estatuto,

Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns e de que as suas culturas foram construídas sobre uma herança que partilham, e preocupados com o facto deste delicado mosaico poder vir a quebrar-se a qualquer instante,

Tendo presente que, no decurso deste século, milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade,

Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade,

Afirmando que os crimes de maior gravidade, que afectam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efectivamente assegurada através da adopção de medidas a nível nacional e do reforço da cooperação internacional,

Decididos a pôr fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes,

Relembrando que é dever de todo o Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais,

Reafirmando os Objectivos e Princípios consignados na Carta das Nações Unidas e, em particular, que todos os Estados se devem abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força, contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de actuar por qualquer outra forma incompatível com os Objectivos das Nações Unidas,

Salientando, a este propósito, que nada no presente Estatuto deverá ser entendido como autorizando qualquer Estado Parte a intervir num conflito armado ou nos assuntos internos de qualquer Estado,

Determinados, em prosseguir estes objectivos e no interesse das gerações presentes e vindouras, a criar um Tribunal Penal Internacional com carácter permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas, e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afectem a comunidade internacional no seu conjunto,

Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será complementar das jurisdições penais nacionais,

Decididos a garantir o respeito duradouro pela efectivação da justiça internacional,

Convieram no seguinte:

CAPÍTULO I. CRIAÇÃO DO TRIBUNAL
Artigo 1.º
O Tribunal

É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional (“o Tribunal”). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar das jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.


Artigo 2.º
Relação do Tribunal com as Nações Unidas

A relação entre o Tribunal e as Nações Unidas será estabelecida através de um acordo a ser aprovado pela Assembleia dos Estados-Parte no presente Estatuto e, seguidamente, concluído pelo Presidente do Tribunal em nome deste.


Artigo 3.º
Sede do Tribunal

1. A sede do Tribunal será na Haia, Países Baixos (“o Estado anfitrião”).
2. O Tribunal estabelecerá um acordo com o Estado anfitrião relativo à sede, a ser aprovado pela Assembleia dos Estados-Parte e seguidamente concluído pelo Presidente do Tribunal em nome deste.
3. Sempre que entender conveniente, o Tribunal poderá funcionar noutro local, nos termos do presente Estatuto.

Artigo 4.º
Estatuto legal e poderes do Tribunal

1. O Tribunal terá personalidade jurídica internacional. Possuirá, igualmente, a capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e à prossecução dos seus objectivos.
2. O Tribunal poderá exercer os seus poderes e funções nos termos do presente Estatuto, no território de qualquer Estado Parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado.


Capítulo II. competência, admissibilidade e direito aplicável

Artigo 5.º
Crimes da competência do Tribunal

1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afectam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:
a) O crime de genocídio;
b) Crimes contra a humanidade;
c) Crimes de guerra;
d) O crime de agressão.
2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos artigos 121.º e 123.º, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas.


Artigo 6.º
Crime de genocídio

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “genocídio”, qualquer um dos actos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso, tais como:
a) Homicídio de membros do grupo;
b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida pensadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial;
d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.


Artigo 7.º
Crimes contra a humanidade

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade”, qualquer um dos actos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil , havendo conhecimento desse ataque:
a) Homicídio;
b) Extermínio;
c) Escravidão;
d) Deportação ou transferência à força de uma população;
e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
f) Tortura;
g) Violação, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez à força, esterilização à força ou qualquer outra forma violência no campo sexual de gravidade comparável;
h) Perseguição de um grupo ou colectividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de sexo, tal como definido no n.º 3, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis em direito internacional, relacionados com qualquer acto referido neste número ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
i) Desaparecimento forçado de pessoas;
j) Crime de apartheid;
k) Outros actos desumanos de carácter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ferimentos graves ou afectem a saúde mental ou física.
2. Para efeitos do n.º 1:
a) Por “ataque contra uma população civil” entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de actos referidos no n.º 1 contra uma população civil, em execução ou prossecução da política de um Estado ou de uma organização que tem por objectivo aquele ataque;
b) O “extermínio” compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população;
c) Por “escravidão” entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças;
d) Por “deportação ou transferência à força de uma população” entende-se a deslocação coativa de pessoas que estiverem em causa, através da expulsão ou outro acto coercitivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido em direito internacional;
e) Por “tortura” entende-se o acto por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controlo do arguido; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas acidentalmente;
f) Por “gravidez à força” entende-se a privação de liberdade ilegal de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afectando as disposições de direito interno relativas à gravidez;
g) Por “perseguição” entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da colectividade em causa;
h) Por “crime de apartheid” entende-se qualquer acto desumano análogo aos referidos no n.º 1, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo rácico sobre um ou outros e com a intenção de manter esse regime;
i) Por “desaparecimento forçado de pessoas” entende-se a detenção, a prisão ou o sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política, ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a protecção da lei por um longo período de tempo.
3. Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo “sexo” abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado.


Artigo 8.º
Crimes de guerra

1. O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes.
2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crimes de guerra”:
a) As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes actos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente:
i) Homicídio doloso;
ii) Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas;
iii) O acto de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas à integridade física ou à saúde graves;
iv) Destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária;
v) O acto de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob protecção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga;
vi) Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob protecção do seu direito a um julgamento justo e imparcial;
vii) Deportação ou transferência, ou a privação de liberdade ilegais;
viii) Tomada de reféns;
b) Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no quadro do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes actos:
i) Atacar intencionalmente a população civil em geral ou civis que não participem directamente nas hostilidades;
ii) Atacar intencionalmente bens civis, ou seja bens que não sejam objectivos militares;
iii) Atacar intencionalmente pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à protecção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados;
iv) Lançar intencionalmente um ataque, sabendo que o mesmo causará perdas acidentais de vidas humanas ou ferimentos na população civil, danos em bens de carácter civil ou prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e directa que se previa;
v) Atacar ou bombardear, por qualquer meio, aglomerados populacionais, habitações ou edifícios que não estejam defendidos e que não sejam objectivos militares;
vi) Provocar a morte ou ferimentos a um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo meios para se defender, se tenha incondicionalmente rendido;
vii) Utilizar indevidamente uma bandeira de tréguas, a bandeira nacional, as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas, assim como os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, causando deste modo morte ou ferimentos graves;
viii) A transferência, directa ou indirecta, por uma potência ocupante de parte da sua população civil para o território que ocupa ou a deportação ou transferência da totalidade ou de parte da população do território ocupado, dentro ou para fora desse território;
ix) Os ataques intencionais a edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objectivos militares;
x) Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar, nem sejam efectuadas no interesse dessas pessoas, e que causem a morte ou façam perigar seriamente a sua saúde;
xi) Matar ou ferir à traição pessoas pertencentes à nação ou ao exército inimigo;
xii) Declarar que não será dado quartel; (x)
xiii) Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que as necessidades da guerra assim o determinem;
xiv) Declarar abolidos, suspensos ou não admissíveis em tribunal os direitos e acções dos nacionais da parte inimiga;
xv) O facto de uma parte beligerante obrigar os nacionais da parte inimiga a participar em operações bélicas dirigidas contra o seu próprio país, ainda que eles tenham estado ao serviço daquela parte beligerante antes do início da guerra;
xvi) Saquear uma cidade ou uma localidade, mesmo quando tomadas de assalto;
xvii) Utilizar veneno ou armas envenenadas;
xviii) Utilizar gases asfixiantes, tóxicos ou similares ou qualquer líquido, material ou dispositivo análogo;
xix) Utilizar balas que se expandem ou achatam facilmente no interior do corpo humano, tais como balas de revestimento duro que não cobre totalmente o interior ou possui incisões;
xx) Empregar armas, projécteis, materiais e métodos de combate que, pela sua própria natureza, causem ferimentos supérfluos ou sofrimentos desnecessários ou que surtam efeitos indiscriminados, em violação do direito internacional aplicável aos conflitos armados, na medida em que tais armas, projécteis, materiais e métodos de combate sejam objecto de uma proibição geral e estejam incluídos num anexo ao presente Estatuto, em virtude de uma alteração aprovada em conformidade com o disposto nos artigos 121.º e 123.º;
xxi) Ultrajar a dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes;
xxii) Cometer actos de violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f) do n.º 2 do artigo 7º, esterilização à força e qualquer outra forma de violência sexual que constitua também um desrespeito grave das Convenções de Genebra;
xxiii) Aproveitar a presença de civis ou de outras pessoas protegidas para evitar que determinados pontos, zonas ou forças militares sejam alvo de operações militares;
xxiv) Atacar intencionalmente edifícios, material, unidades e veículos sanitários, assim como o pessoal habilitado a usar os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, de acordo com o direito internacional;
xxv) Provocar deliberadamente a inanição da população civil como método de fazer a guerra, privando-a dos bens indispensáveis à sua sobrevivência, impedindo, nomeadamente, o envio de socorros, tal como previsto nas Convenções de Genebra;
xxvi) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar activamente nas hostilidades;
c) Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3.º comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos actos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem directamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo:
i) Actos de violência contra a vida e contra a pessoa, em particular o homicídio sob todas as suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis e a tortura;
ii) Ultrajes à dignidade da pessoa, em particular os tratamentos humilhantes e degradantes;
iii) A tomada de reféns;
iv) As condenações proferidas e as execuções efectuadas sem julgamento prévio por um tribunal regularmente constituído e que ofereça todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como indispensáveis.
d) A alínea c) do n.º 2 do presente artigo aplica-se aos conflitos armados que não tenham carácter internacional e, por conseguinte, não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, actos de violência esporádicos ou isolados ou outros de carácter semelhante;
e) As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm carácter internacional, no quadro do direito internacional, a saber qualquer um dos seguintes actos:
i) Atacar intencionalmente a população civil em geral ou civis que não participem directamente nas hostilidades;
ii) Atacar intencionalmente edifícios, material, unidades e veículos sanitários, bem como o pessoal habilitado a usar os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, de acordo com o direito internacional;
iii) Atacar intencionalmente pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à protecção conferida pelo direito dos conflitos armados aos civis e aos bens civis;
iv) Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objectivos militares;
v) Saquear uma cidade ou uma localidade mesmo quando tomadas de assalto;
vi) Cometer actos de violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f) do n.º 2 do artigo 7.º, esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua uma violação grave do artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra;
vii) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar activamente nas hostilidades;
viii) Ordenar a deslocação da população civil por razões relacionadas com o conflito, salvo se assim o exigirem a segurança dos civis em questão ou razões militares imperiosas;
ix) Matar ou ferir à traição um combatente de uma parte beligerante;
x) Declarar que não se será dado quartel;
xi) Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de outra parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar nem sejam efectuadas no interesse dessa pessoa, e que causem a morte ou ponham seriamente a sua saúde em perigo;
ii) Destruir e apreender bens do inimigo, a menos que as necessidades da guerra assim o exijam;
f) A alínea e) do n.º 2 do presente artigo aplicar-se-á aos conflitos armados que não tenham carácter internacional e, por conseguinte, não se aplicará a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, actos de violência esporádicos ou isolados ou outros de carácter semelhante; aplicar-se-á, ainda, a conflitos armados que tenham lugar no território de um Estado, quando exista um conflito armado prolongado entre as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre estes grupos.
3. O disposto nas alíneas c) e d) do n.º 2, em nada afectará a responsabilidade que incumbe a todo o Governo de manter e de restabelecer a ordem pública no Estado, e de defender a unidade e a integridade territorial do Estado por qualquer meio legítimo.


Artigo 9.º
Elementos constitutivos dos crimes

1. Os elementos constitutivos dos crimes auxiliarão o Tribunal a interpretar e a aplicar os artigos 6.º, 7.º e 8.º do presente Estatuto, e deverão ser adoptados por uma maioria de dois terços dos membros da Assembleia dos Estados-Parte.
2. As alterações aos elementos constitutivos dos crimes poderão ser propostas por:
a) Qualquer Estado Parte;
b) Os juízes, através de deliberação tomada por maioria absoluta;
c) O Procurador.
As referidas alterações entram em vigor depois de aprovadas por uma maioria de dois terços dos membros da Assembleia dos Estados-Parte.
3. Os elementos constitutivos dos crimes e respectivas alterações deverão ser compatíveis com as disposições contidas no presente Estatuto.


Artigo 10.º
Desenvolvimento do direito internacional

Nada no presente capítulo deverá ser interpretada como limitando ou afectando, de alguma maneira, as normas existentes ou em gestação de direito internacional com fins distintos dos do presente Estatuto.


Artigo 11.º
Competência ratione temporis

1. O Tribunal só terá competência relativamente aos crimes cometidos após a entrada em vigor do presente Estatuto.
2. Se um Estado se tornar Parte no presente Estatuto depois da sua entrada em vigor, o Tribunal só poderá exercer a sua competência em relação aos crimes cometidos depois da entrada em vigor do Estatuto relativamente a esse Estado, a menos que este tenha feito uma declaração nos termos do n.º 3 do artigo 12.º.


Artigo 12.º
Condições prévias ao exercício da jurisdição

1. O Estado que se torne Parte no presente Estatuto, aceitará tacitamente a jurisdição do Tribunal relativamente aos crimes a que se refere o artigo 5.º.
2. Nos casos referidos nas alíneas a) ou c) do artigo 13.º, o Tribunal poderá exercer a sua jurisdição se um ou mais Estados a seguir identificados forem Partes no presente Estatuto ou aceitarem a competência do Tribunal de acordo com o disposto no n.º 3:
a) Estado em cujo território tenha tido lugar a conduta em causa, ou, se o crime tiver sido cometido a bordo de um navio ou de uma aeronave, o Estado de matrícula do navio ou aeronave;
b) Estado de que seja nacional a pessoa a quem é imputado um crime.
3. Se a aceitação da competência do Tribunal por um Estado que não seja Parte no presente Estatuto for necessária nos termos do n.º 2, pode o referido Estado, mediante declaração depositada junto do Secretário, consentir em que o Tribunal exerça a sua competência em relação ao crime em questão. O Estado que tiver aceite a competência do Tribunal colaborará com este, sem qualquer demora ou excepção, de acordo com o disposto no Capítulo IX.


Artigo 13.º
Exercício da jurisdição

O Tribunal poderá exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 5.º, de acordo com o disposto no presente Estatuto, se:
a) Um Estado Parte denunciar ao Procurador, nos termos do artigo 14.º, qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes;
b) O Conselho de Segurança, agindo nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao Procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; ou
c) O Procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal crime, nos termos do disposto no artigo 15.º.


Artigo 14.º
Denúncia por um Estado Parte

1. Qualquer Estado poderá denunciar ao Procurador uma situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários crimes da competência do Tribunal e solicitar ao Procurador que a investigue, com vista a determinar se uma ou mais pessoas identificadas deverão ser acusadas da prática desses crimes.
2. O Estado que proceder à denúncia deverá, tanto quanto possível, especificar as circunstâncias relevantes do caso e anexar toda a documentação de que disponha.


Artigo 15.º
Procurador

1. O Procurador poderá, por sua própria iniciativa, abrir um inquérito com base em informações sobre a prática de crimes da competência do Tribunal.
2. O Procurador apreciará a seriedade da informação recebida. Para tal, poderá recolher informações suplementares junto dos Estados, dos órgãos da Organização das Nações Unidas, das organizações intergovernamentais ou não governamentais ou outras fontes fidedignas que considere apropriadas, bem como recolher depoimentos escritos ou orais na sede do Tribunal.
3. Se concluir que existe fundamento suficiente para abrir um inquérito, o Procurador apresentará um pedido de autorização nesse sentido ao juízo de Instrução, acompanhado da documentação de apoio que tiver reunido. As vítimas poderão apresentar exposições do juízo de Instrução, de acordo com as Regras de Procedimento e Prova.
4. Se, após examinar o pedido e a documentação que o acompanha, o juízo de Instrução considerar que há fundamento suficiente para abrir um inquérito e que o assunto parece caber na jurisdição do Tribunal, autorizará a abertura do inquérito, sem prejuízo das decisões que o Tribunal vier a tomar posteriormente em matéria de competência e de admissibilidade.
5. Uma recusa do juízo de Instrução em autorizar a abertura do inquérito não impedirá o Procurador de formular ulteriormente outro pedido com base em novos factos ou provas respeitantes à mesma situação.
6. Se, depois da análise preliminar a que se referem os n.os 1 e 2, o Procurador concluir que a informação apresentada não constitui fundamento suficiente para um inquérito, o Procurador informará quem a tiver apresentado de tal entendimento. Tal não impede que o Procurador examine, à luz de novos factos ou provas, qualquer outra informação que lhe venha a ser comunicada sobre o mesmo caso.




Artigo 16.º
Transferência do inquérito e do procedimento crime

O inquérito ou o procedimento crime não poderão ter início ou prosseguir os seus termos, com base no presente Estatuto, durante um período de doze meses a contar da data em que o Conselho de Segurança assim o tiver solicitado em resolução aprovada nos termos do disposto no Capítulo Vii da Carta das Nações Unidas; o pedido poderá ser renovado pelo Conselho de Segurança nas mesmas condições.


Artigo 17.º
Questões relativas à admissibilidade

1. Tendo em consideração o décimo parágrafo do Preâmbulo e o artigo 1.º, o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se:
a) O caso for objecto de inquérito ou de procedimento crime por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, na realidade, não tenha capacidade para o fazer;
b) O caso tiver sido objecto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento crime contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do facto de esse Estado não ter vontade de levar a cabo o procedimento ou da sua incapacidade real para o fazer;
c) A pessoa em causa tiver sido já julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no n.º 3 do artigo 20.º;
d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal.
2. A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias:
a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5.º;
b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça;
c) O processo não ter sido ou não estar a ser conduzido de maneira independente ou imparcial, antes ter estado ou estar a ser conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça;
3. A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o arguido, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.


Artigo 18.º
Decisões preliminares sobre admissibilidade

1. Se uma situação for denunciada ao Tribunal nos termos do artigo 13.º al. a), e o Procurador determinar que existem fundamentos para abrir um inquérito ou der início a um inquérito de acordo com os artigos 13.º al. c) e 15.º, deverá notificar todos os Estados-Parte e os Estados que, de acordo com a informação disponível, teriam jurisdição sobre esses crimes. O Procurador poderá proceder à notificação a título confidencial e, sempre que o considere necessário com vista a proteger pessoas, impedir a destruição de provas ou a fuga de pessoas, poderá limitar o âmbito da informação a transmitir aos Estados.
2. No prazo de um mês a seguir à recepção da referida notificação, qualquer Estado poderá informar o Tribunal de que está a proceder, ou já procedeu, a um inquérito sobre nacionais seus ou outras pessoas sob a sua jurisdição, por actos que possam constituir crimes a que se refere o artigo 5.º e digam respeito à informação constante na respectiva notificação. A pedido desse Estado, o Procurador transferirá para ele o inquérito sobre essas pessoas, a menos que, a pedido do Procurador, o juízo de Instrução decida autorizar o inquérito.
3. A transferência do inquérito poderá ser reexaminada pelo Procurador seis meses após a data em que tiver sido decidida ou, a todo o momento, quando tenha ocorrido uma alteração significativa de circunstâncias, decorrente da falta de vontade ou da incapacidade do Estado de levar a cabo o inquérito.
4. O Estado interessado e o Procurador poderão interpor recurso para o Juizo de Recursos da decisão proferida por um juízo de Instrução, tal como previsto no artigo 82.º. Este recurso poderá revestir uma forma sumária.
5. Se o Procurador transferir o inquérito, nos termos do n.º 2, poderá solicitar ao Estado interessado que o informe periodicamente do andamento do mesmo e de qualquer outro procedimento subsequente. Os Estados-Parte responderão a estes pedidos sem atrasos injustificados.
6. O Procurador poderá, enquanto aguardar uma decisão a proferir no juízo de Instrução, ou a todo o momento se tiver transferido o inquérito nos termos do presente artigo, solicitar ao juízo de instrução, a título excepcional, que o autorize a efectuar as investigações que considere necessárias para preservar elementos de prova, quando exista uma oportunidade única de obter provas relevantes ou um risco significativo de que essas provas possam não estar disponíveis numa fase ulterior.
7. O Estado que tenha recorrido de uma decisão do juízo de Instrução nos termos do presente artigo poderá impugnar a admissibilidade de um caso nos termos do artigo 19.º, invocando factos novos relevantes ou uma alteração significativa de circunstâncias.


Artigo 19.º
Impugnação da jurisdição do Tribunal
ou da admissibilidade do caso

1. O Tribunal deverá certificar-se de que detém jurisdição sobre todos os casos que lhe sejam submetidos. O Tribunal poderá pronunciar-se oficiosamente sobre a admissibilidade do caso em conformidade com o artigo 17.º.
2. Poderão impugnar a admissibilidade do caso, por um dos motivos referidos no artigo 17.º, ou impugnar a jurisdição do Tribunal:
a) O arguido ou a pessoa contra a qual tenha sido emitido um mandado ou ordem de detenção ou de comparência, nos termos do artigo 58.º;
b) Um Estado que detenha o poder de jurisdição sobre um caso, pelo facto de o estar a investigar ou a julgar, ou por já o ter feito antes; ou
c) O Estado que tenha aceite a jurisdição do Tribunal, de acordo com o artigo 12.º.
3. O Procurador poderá solicitar ao Tribunal que se pronuncie sobre questões de jurisdição ou admissibilidade. Nos procedimentos relativos a jurisdição ou admissibilidade, aqueles que tiverem denunciado um caso ao abrigo do artigo 13.º, bem como as vítimas, poderão também apresentar as suas observações ao Tribunal.
4. A admissibilidade de um caso ou a jurisdição do Tribunal só poderão ser impugnadas uma única vez por qualquer pessoa ou Estado a que se faz referência no n.º 2. A impugnação deverá ser feita antes do julgamento ou no seu início. Em circunstâncias excepcionais, o Tribunal poderá autorizar que a impugnação se faça mais de uma vez ou depois do início do julgamento. As impugnações à admissibilidade de um caso feitas no início do julgamento, ou posteriormente com a autorização do Tribunal, só poderão fundamentar-se no disposto no n.º 1, alínea c) do artigo 17.º.
5. Os Estados a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 2 do presente artigo deverão deduzir impugnação logo que possível.
6. Antes de se ver confirmada a acusação, a impugnação da admissibilidade de um caso ou da jurisdição do Tribunal será submetida ao juízo de Instrução e, após confirmação, ao juízo de julgamento em primeira instância. Das decisões relativas à jurisdição ou admissibilidade caberá recurso para o juizo de recursos, de acordo com o artigo 82.º.
7. Se a impugnação for feita pelo Estado referido nas alíneas b) e c) do n.º 2, o Procurador suspenderá o inquérito até que o Tribunal decida em conformidade com o artigo 17.º.
8. Enquanto aguardar uma decisão, o Procurador poderá solicitar ao Tribunal autorização para:
a) Proceder às investigações necessárias previstas no n.º 6 do artigo 18.º;
b) Recolher declarações ou o depoimento de uma testemunha ou completar a recolha e o exame das provas que tenha iniciado antes da impugnação; e
c) Impedir, em colaboração com os Estados interessados, a fuga de pessoas em relação às quais já tenha solicitado um mandado de detenção, nos termos do artigo 58.º.
9. A impugnação não afectará a validade de nenhum acto realizado pelo Procurador, nem de nenhuma decisão ou mandado anteriormente emitido pelo Tribunal.
10. Se o Tribunal tiver declarado que um caso não é admissível, de acordo com o artigo 17.º, o Procurador poderá pedir a revisão dessa decisão, após se ter certificado de que surgiram novos factos que invalidam os motivos pelos quais o caso havia sido considerado inadmissível nos termos do artigo 17.º.
11. Se o Procurador, tendo em consideração as questões referidas no artigo 17.º, decidir transferir um inquérito, poderá pedir ao Estado em questão que o mantenha informado do seguimento do processo. Esta informação deverá, se esse Estado o solicitar, ser mantida confidencial. Se o Procurador decidir, posteriormente, abrir um inquérito, comunicará a sua decisão ao Estado cujo processo esteja na origem da transferência.


Artigo 20.º
Ne bis in idem

1. Salvo disposição contrária do presente Estatuto, nenhuma pessoa poderá ser julgada pelo Tribunal por actos constitutivos de crimes pelos quais este já a tenha condenado ou absolvido.
2. Nenhuma pessoa poderá ser julgada por outro tribunal por um dos crimes mencionados no artigo 5.º, relativamente aos quais já tenha sido condenada ou absolvida pelo Tribunal.
3. O Tribunal não poderá julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal, por actos também punidos pelos artigos 6.º, 7.º ou 8.º, a menos que o processo nesse outro tribunal:
a) Tenha tido por objectivo subtrair o arguido à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; ou
b) Não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à acção da justiça.


Artigo 21.º
Direito aplicável

1. O Tribunal aplicará:
a) Em primeiro lugar, o presente Estatuto, os Elementos Constitutivos do Crime e as Regras de Procedimento e Prova;
b) Em segundo lugar, se for o caso, os tratados e os princípios e normas de direito internacional aplicáveis, incluindo os princípios estabelecidos no direito internacional dos conflitos armados;
c) Na falta destes, os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes, incluindo, se for o caso, o direito interno dos Estados que exerceriam normalmente a sua jurisdição relativamente ao crime, sempre que esses princípios não sejam incompatíveis com o presente Estatuto, com o direito internacional, nem com as normas e padrões internacionalmente reconhecidos.
2. O Tribunal poderá aplicar princípios e normas de direito tal como já tenham sido por si interpretados em decisões anteriores.
3. A aplicação e interpretação do direito, nos termos do presente artigo, deverá ser compatível com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, sem discriminação alguma baseada em motivos tais como o sexo, definido no n.º 3 do artigo 7.º, a idade, a raça, a cor, a religião ou o credo, a opinião política ou outra, a origem nacional, étnica ou social, a situação económica, o nascimento ou outra condição.


Capítulo III. princípios gerais de direito penal

Artigo 22.º
Nullum crimen sine lege

1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto, a menos que a sua conduta constitua, no momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal.
2. A previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será aplicável por analogia. Em caso de ambiguidade, será interpretada a favor da pessoa objecto de inquérito, acusada ou condenada.
3. O disposto no presente artigo em nada afectará a tipificação de uma conduta como crime nos termos do direito internacional, independentemente do presente Estatuto.


Artigo 23.º
Nulla poena sine lege

Qualquer pessoa condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições do presente Estatuto.


Artigo 24.º
Não retroactividade ratione personae

1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, de acordo com o presente Estatuto, por uma conduta anterior à entrada em vigor do presente Estatuto.
2. Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de proferida sentença definitiva, aplicar-se-á o direito mais favorável à pessoa objecto de inquérito, acusada ou condenada.


Artigo 25.º
Responsabilidade criminal individual

1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas singulares.
2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto.
3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem:
a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável;
b) Ordenar, provocar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa;
c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática;
d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objectivo comum. Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer:
i) Com o propósito de levar a cabo a actividade ou o objectivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da competência do Tribunal; ou
ii) Com o conhecimento de que o grupo tem a intenção de cometer o crime;
e) No caso de crime de genocídio, incitar, directa e publicamente, à sua prática;
f) Tentar cometer o crime mediante actos que contribuam substancialmente para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso.
4. O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas singulares em nada afectará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional.


Artigo 26.º
Exclusão da jurisdição relativamente a menores de 18 anos

O Tribunal não terá jurisdição sobre pessoas que, à data da alegada prática do crime, não tenham ainda completado 18 anos de idade.


Artigo 27.º
Irrelevância da qualidade oficial

1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal, nem constituirá de per se motivo de redução da pena.
2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua competência sobre essa pessoa.


Artigo 28.º
Responsabilidade dos chefes militares e outros superiores hierárquicos

Para além de outras fontes de responsabilidade criminal previstas no presente Estatuto, por crimes da competência do Tribunal:
1. O chefe militar, ou a pessoa que actue efectivamente como chefe militar, será criminalmente responsável por crimes da competência do Tribunal que tenham sido cometidos por forças sob o seu comando e controlo efectivos ou sob a sua autoridade e controlo efectivos, conforme o caso, pelo facto de não exercer um controlo apropriado sobre essas forças quando:
a) Esse chefe militar ou essa pessoa tinha conhecimento ou, em virtude das circunstâncias do momento, deveria ter tido conhecimento de que essas forças estavam a cometer ou já tinham cometido esses crimes; e
b) Esse chefe militar ou essa pessoa não tenha adoptado todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática, ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes, para efeitos de inquérito e procedimento crime.
2. No que diz respeito às relações entre superiores hierárquicos e subordinados, não assinalados na alínea a), o superior hierárquico será criminalmente responsável pelos crimes da competência do Tribunal que tiverem sido cometidos por subordinados sob a sua autoridade e controlo efectivos, pelo facto de não ter exercido um controlo apropriado sobre esses subordinados, quando:
a) O superior hierárquico teve conhecimento ou não teve em consideração a informação que indicava claramente que os subordinados estavam a cometer ou se preparavam para cometer esses crimes;
b) Esses crimes estavam relacionados com actividades sob a sua responsabilidade e controlo efectivos; e
c) O superior hierárquico não adoptou todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes, para efeitos de inquérito e procedimento crime.


Artigo 29.º
Imprescritibilidade

Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem.


Artigo 30.º
Elemento psicológico

1. Salvo disposição em contrário, nenhuma pessoa poderá ser criminalmente responsável e punida por um crime da competência do Tribunal, a menos que actue com vontade de o cometer e conhecimento dos seus elementos materiais.
2. Para os efeitos do presente artigo, entende-se que actua intencionalmente quem:
a) Relativamente a uma conduta, se propuser adoptá-la;
b) Relativamente a um efeito do crime, se propuser causá-lo ou estiver ciente de que ele terá lugar numa ordem normal dos acontecimentos.
3. Nos termos do presente artigo, entende-se por “conhecimento” a consciência de que existe uma circunstância ou de que um efeito irá ter lugar, numa ordem normal dos acontecimentos. As expressões “ter conhecimento” e “com conhecimento” deverão ser entendidas em conformidade.



Artigo 31.º
Causas de exclusão da responsabilidade criminal

1. Sem prejuízo de outros fundamentos para a exclusão de responsabilidade criminal previstos no presente Estatuto, não será considerada criminalmente responsável a pessoa que, no momento da prática de determinada conduta:
a) Sofrer de enfermidade ou deficiência mental que a prive da capacidade para avaliar a ilicitude ou a natureza da sua conduta, ou da capacidade para controlar essa conduta a fim de não transgredir a lei;
b) Estiver em estado de intoxicação que a prive da capacidade para avaliar a ilicitude ou a natureza da sua conduta, ou da capacidade para controlar essa conduta a fim de não transgredir a lei, a menos que se tenha intoxicado voluntariamente em circunstâncias que lhe permitiam ter conhecimento de que, em consequência da intoxicação, poderia incorrer numa conduta tipificada como crime da competência do Tribunal, ou, tendo conhecimento desse risco, nele não tenha ponderado;
c) Agir em defesa própria ou de terceiro com razoabilidade ou, em caso de crimes de guerra, em defesa de um bem que seja essencial para a sua sobrevivência ou de terceiro ou de um bem que seja essencial à realização de uma missão militar, contra o uso iminente e ilegal da força, de forma proporcional ao grau de perigo para si, para terceiro ou bens protegidos. O facto de participar numa força que realize uma operação de defesa não será causa bastante de exclusão de responsabilidade criminal, nos termos desta alínea;
d) Tiver incorrido numa conduta que presumivelmente constitui crime da competência do Tribunal, em consequência de coacção decorrente de uma ameaça iminente de morte ou ofensas corporais graves para si ou para outrém, e em que se veja compelida a actuar de forma necessária e razoável para evitar essa ameaça, desde que não tenha a intenção de causar um dano maior que aquele que se propunha evitar. Essa ameaça tanto poderá:
i) Ter sido feita por outras pessoas; ou
ii) Ser constituída por outras circunstâncias alheias à sua vontade.
2. O Tribunal determinará se os fundamentos de exclusão da responsabilidade criminal previstos no presente Estatuto serão aplicáveis no caso em apreço.
3. No julgamento, o Tribunal poderá ter em consideração outros fundamentos de exclusão da responsabilidade criminal distintos dos referidos no n.º 1, sempre que esses fundamentos resultem do direito aplicável em conformidade com o artigo 21.º. O processo de exame de um fundamento de exclusão deste tipo será definido nas Regras de Procedimento e Prova.


Artigo 32.º
Erro de facto ou erro de direito

1. O erro de facto só excluirá a responsabilidade criminal se eliminar o dolo requerido pelo crime.
2. O erro de direito sobre se determinado tipo de conduta constitui crime da competência do Tribunal, não será considerado fundamento de exclusão de responsabilidade criminal. No entanto, o erro de direito poderá ser considerado fundamento de exclusão de responsabilidade criminal se eliminar o dolo requerido pelo crime ou se decorrer do artigo 33.º do presente Estatuto.


Artigo 33.º
Decisão herárquica e disposições legais

1. Quem tiver cometido um crime da competência do Tribunal, em cumprimento de uma decisão emanada de um Governo ou de um superior hierárquico, quer seja militar ou civil, não será isento de responsabilidade criminal, a menos que:
a) Estivesse obrigado por lei a obedecer a decisões emanadas do Governo ou superior hierárquico em questão;
b) Não tivesse conhecimento de que a decisão era ilegal; e
c) A decisão não fosse manifestamente ilegal.
2. Para os efeitos do presente artigo, qualquer decisão de cometer genocídio ou crimes contra a humanidade será considerada como manifestamente ilegal.


Capítulo IV. composição e administração do tribunal

Artigo 34.º
Órgãos do Tribunal

O Tribunal será composto pelos seguintes órgãos:
a) A Presidência;
b) Uma secção de recursos, uma secção de julgamento em primeira instancia e uma secção de Instrução;
c) O Gabinete do Procurador;
d) A Secretaria.


Artigo 35.º
Exercício das funções de juiz

1.Todos os juízes serão eleitos membros do Tribunal para exercer funções a tempo inteiro e deverão estar disponíveis para desempenhar o respectivo cargo desde o início do seu mandato.
2. Os juizes que comporão a Presidência desempenharão as suas funções a tempo inteiro desde a sua eleição.
3. A Presidência poderá, em função do volume de trabalho do Tribunal, e após consulta dos seus membros, decidir periodicamente em que medida é que será necessário que os restantes juízes desempenhem as suas funções em regime de exclusividade. Estas decisões não prejudicarão o disposto no artigo 40.º.
4. Os ajustes de ordem financeira relativos aos juízes que não tenham de exercer os respectivos cargos em regime de exclusividade serão adoptados em conformidade com o disposto no artigo 49.º.


Artigo 36.º
Qualificações, candidatura e eleição dos juízes

1. Sob reserva do disposto no n.º 2, o Tribunal será composto de 18 juízes.
2. a) A Presidência, agindo em nome do Tribunal, poderá propor o aumento do número de juízes referido no n.º 1 fundamentando as razões pelas quais considera necessária e apropriada tal medida. O Secretário comunicará imediatamente a proposta a todos os Estados-Parte;
b) A proposta será seguidamente apreciada em sessão da Assembleia dos Estados-Parte convocada nos termos do artigo 112.º e deverá ser considerada adoptada se for aprovada na sessão por maioria de dois terços dos membros da Assembleia dos Estados-Parte; a proposta entrará em vigor na data fixada pela Assembleia dos Estados-Parte;
c) i) Logo que seja aprovada a proposta de aumento do número de juízes, de acordo com o disposto na alínea b), a eleição dos juízes adicionais terá lugar no período seguinte de sessões da Assembleia dos Estados-Parte, nos termos dos n.os 3 a 8 do presente artigo e do n.º 2 do artigo 37.º;
ii) Após a aprovação e a entrada em vigor de uma proposta de aumento do número de juízes, de acordo com o disposto nas alíneas b) e c) § i), a Presidência poderá, a qualquer momento, se o volume de trabalho do Tribunal assim o justificar, propor que o número de juízes seja reduzido, mas nunca para um número inferior ao fixado no n.º 1. A proposta será apreciada de acordo com o procedimento definido nas alíneas a) e b). A ser aprovada, o número de juízes será progressivamente reduzido, à medida que expirem os mandatos e até que se alcance o número previsto.
3. a) Os juízes serão eleitos de entre pessoas de elevada idoneidade moral, imparcialidade e integridade, que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países.
b) Os candidatos a juízes deverão possuir:
i) Reconhecida competência em direito penal e direito processual penal e a necessária experiência em processos penais na qualidade de juiz, procurador, advogado ou outra função semelhante; ou
ii) Reconhecida competência em matérias relevantes de direito internacional, tais como o direito internacional humanitário e os direitos humanos, assim como vasta experiência em profissões jurídicas com relevância para a função judicial do Tribunal;
c) Os candidatos a juízes deverão possuir um excelentes conhecimentos e serem fluentes em, pelo menos, uma das línguas de trabalho do Tribunal.
4. a) Qualquer Estado Parte no presente Estatuto poderá propor candidatos às eleições para juiz do Tribunal mediante:
i) O procedimento previsto para propor candidatos aos mais altos cargos judiciais do país; ou
ii) O procedimento previsto no Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça para propor candidatos a esse Tribunal.
As propostas de candidatura deverão ser acompanhadas de uma exposição detalhada comprovativa de que o candidato possui os requisitos enunciados no n.º 3;
b) Qualquer Estado Parte poderá apresentar uma candidatura de uma pessoa que não tenha necessariamente a sua nacionalidade, mas que seja nacional de um Estado Parte;
c) A Assembleia dos Estados-Parte poderá decidir constituir, se apropriado, uma Comissão consultiva para o exame das candidaturas. Neste caso, a Assembleia dos Estados-Parte determinará a composição e o mandato da Comissão.
5. Para efeitos da eleição, serão estabelecidas duas listas de candidatos:
A lista A, com os nomes dos candidatos que reúnam os requisitos enunciados na alínea b) § i) do n.º 3; e
A lista B, com os nomes dos candidatos que reúnam os requisitos enunciados na alínea b) § ii) do n.º 3.
O candidato que reúna os requisitos constantes de ambas as listas, poderá escolher em qual delas deseja figurar. Na primeira eleição de membros do Tribunal, pelo menos nove juízes serão eleitos entre os candidatos da lista A e pelo menos cinco entre os candidatos da lista B. As eleições subsequentes serão organizadas por forma a que se mantenha no Tribunal uma proporção equivalente de juízes de ambas as listas.
6. a) Os juízes serão eleitos por escrutínio secreto, em sessão da Assembleia dos Estados-Parte convocada para esse efeito, nos termos do artigo 112.º. Sob reserva do disposto no n.º 7, serão eleitos os 18 candidatos que obtenham o maior número de votos e uma maioria de dois terços dos Estados-Parte presentes e votantes;
b) No caso em que da primeira votação não resulte eleito um número suficiente de juízes, proceder-se-á a nova votação, de acordo com os procedimentos estabelecidos na alínea a), até provimento dos lugares restantes.
7. O Tribunal não poderá ter mais de um juiz nacional do mesmo Estado. Para este efeito, a pessoa que for considerada nacional de mais de um Estado será considerada nacional do Estado onde exerce habitualmente os seus direitos civis e políticos.
8. a) Na selecção dos juizes, os Estados-Parte ponderarão sobre a necessidade de assegurar que a composição do Tribunal inclua:
i) A representação dos principais sistemas jurídicos do mundo;
ii) Uma representação geográfica equitativa; e
iii) Uma representação equitativa de juizes do sexo feminino e do sexo masculino;
b) Os Estados-Parte terão igualmente em consideração a necessidade de assegurar a presença de juizes especializados em determinadas matérias incluindo, entre outras, a violência contra mulheres ou crianças.
9. a) Salvo o disposto na alínea b), os juizes serão eleitos por um mandato de nove anos e não poderão ser reeleitos, salvo o disposto na alínea c) e do n.º 2 do artigo 37.º;
b) Na primeira eleição, um terço dos juizes eleitos será seleccionado por sorteio para exercer um mandato de três anos; outro terço será seleccionado, também por sorteio, para exercer um mandato de seis anos; e os restantes exercerão um mandato de nove anos;
c) Um juiz seleccionado para exercer um mandato de três anos, em conformidade com a alínea b), poderá ser reeleito para um mandato completo.
10. Não obstante o disposto no n.º 9, um juiz afecto a um tribunal de julgamento em primeira instância ou de recurso, em conformidade com o artigo 39.º, permanecerá em funções até à conclusão do julgamento ou do recurso dos casos que tiver a seu cargo.


Artigo 37.º
Vagas

1. Caso ocorra uma vaga, realizar-se-á uma eleição para o seu provimento, de acordo com o artigo 36.º.
2. O juiz eleito para prover uma vaga, concluirá o mandato do seu antecessor e, se esse período for igual ou inferior a três anos, poderá ser reeleito para um mandato completo, nos termos do artigo 36.º.


Artigo 38.º
A Presidência

1. O Presidente, o Primeiro Vice-Presidente e o Segundo Vice–Presidente serão eleitos por maioria absoluta dos juizes. Cada um desempenhará o respectivo cargo por um período de três anos ou até ao termo do seu mandato como juiz, conforme o que expirar em primeiro lugar. Poderão ser reeleitos uma única vez.
2. O Primeiro Vice-Presidente substituirá o Presidente em caso de impossibilidade ou recusa deste. O Segundo Vice-Presidente substituirá o Presidente em caso de impossibilidade ou recusa deste ou do Primeiro Vice–.
3. O Presidente, o Primeiro Vice-Presidente e o Segundo Vice–Presidente constituirão a Presidência, que ficará encarregue:
a) Da correcta administração do Tribunal, com excepção do Gabinete do Procurador; e
b) Das restantes funções que lhe forem conferidas de acordo com o presente Estatuto.
4. Embora eximindo-se da sua responsabilidade nos termos do n.º 3 a), a Presidência actuará em coordenação com o Gabinete do Procurador e deverá obter a aprovação deste em todos os assuntos de interesse comum.


Artigo 39.º
Juizos

1. Após a eleição dos juizes e logo que possível, o Tribunal deverá organizar-se nas secções referidas no artigo 34.º b). A secção de recursos será composta pelo Presidente e quatro juízes, a secção de julgamento em primeira instância por, pelo menos, seis juízes e a secção de instrução por, pelo menos, seis juízes. Os juizes serão adstritos aos juizos de acordo com a natureza das funções que corresponderem a cada um e com as respectivas qualificações e experiência, por forma a que cada juizo disponha de um conjunto adequado de especialistas em direito penal e processual penal e em direito internacional. A secção de julgamento em primeira instância e a secção de instrução serão predominantemente compostas por juizes com experiência em processo penal.
2. a) As funções judiciais do Tribunal serão desempenhadas em cada secção por juizos.
b) i) O juizo de recursos será composto por todos os juizes da secção de recursos;
ii) As funções do juízo de julgamento em primeira instância serão desempenhadas por três juizes da secção de julgamento em primeira instância;
iii) As funções do juízo de instrução serão desempenhadas por três juizes da secção de instrução ou por um só juiz da referida secção, em conformidade com o presente Estatuto e com as Regras de Procedimento e Prova;
c) Nada no presente número obstará a que se constituam simultaneamente mais de um juízo de julgamento em primeira instância ou juízo de instrução, sempre que a gestão eficiente do trabalho do Tribunal assim o exigir.
3. a) Os juizes adstritos às secções de julgamento em primeira instância e de instrução desempenharão o cargo nessas Secções por um período de três anos ou, decorrido esse período, até à conclusão dos casos que lhes tenham sido cometidos pela respectiva secção;
b) Os juizes adstritos à secção de recursos desempenharão o cargo nessa secção durante todo o seu mandato.
4. Os juizes adstritos à secção de recursos desempenharão o cargo unicamente nessa secção. Nada no presente artigo obstará a que sejam adstritos temporariamente juizes da secção de julgamento em primeira instância à secção de instrução, ou inversamente, se a Presidência entender que a gestão eficiente do trabalho do Tribunal assim o exige; porém, o juiz que tenha participado na fase instrutória não poderá, em caso algum, fazer parte do juízo de julgamento em primeira instância encarregue do caso.


Artigo 40.º
Independência dos juízes

1. Os juizes serão independentes no desempenho das suas funções.
2. Os juizes não desenvolverão qualquer actividade que possa ser incompatível com o exercício das suas funções judiciais ou prejudicar a confiança na sua independência.
3. Os juizes que tenham que desempenhar os seus cargos a tempo inteiro na sede do Tribunal não poderão ter qualquer outra ocupação de carácter profissional.
4. As questões relativas à aplicação dos n.os 2 e 3 serão decididas por maioria absoluta dos juizes. Nenhum juiz participará na decisão de uma questão que lhe disser respeito.

Artigo 41.º
Escusa e recusa de juizes

1. A Presidência poderá, a pedido de um juiz, escusá-lo do exercício de alguma das funções que lhe confere o presente Estatuto, em conformidade com as Regras de Procedimento e Prova.
2. a) Nenhum juiz poderá participar num caso em que, por qualquer motivo, seja posta em dúvida a sua imparcialidade. Será recusado, em conformidade com o disposto neste número, entre outras razões, se tiver intervindo anteriormente, a qualquer título, num caso submetido ao Tribunal ou num procedimento crime conexo a nível nacional que envolva a pessoa objecto de inquérito ou procedimento crime. Pode ser igualmente recusado por qualquer outro dos motivos definidos nas Regras de Procedimento e Prova;
b) O Procurador ou a pessoa objecto de inquérito ou procedimento crime poderá solicitar a recusa de um juiz em virtude do disposto no presente número;
c) As questões relativas à recusa de juízes serão decididas por maioria absoluta dos juízes. O juiz cuja recusa for solicitada, poderá pronunciar-se sobre a questão, mas não poderá tomar parte na decisão.


Artigo 42.º
O Gabinete do Procurador

1. O Gabinete do Procurador actuará de forma independente, enquanto órgão autónomo do Tribunal. Competir-lhe-á recolher comunicações e qualquer outro tipo de informação, devidamente fundamentada, sobre crimes da competência do Tribunal, a fim de os examinar e investigar e de exercer a acção penal junto do Tribunal. Os membros do Gabinete do Procurador não solicitarão nem cumprirão ordens de fontes externas ao Tribunal.
2. O Gabinete do Procurador será presidido pelo Procurador, que terá plena autoridade para dirigir e administrar o Gabinete do Procurador, incluindo o pessoal, as instalações e outros recursos. O Procurador será coadjuvado por um ou mais Procuradores-adjuntos, que poderão desempenhar qualquer uma das funções que incumbam, àquele em conformidade com o disposto no presente Estatuto. O Procurador e os Procuradores-adjuntos terão nacionalidades diferentes e desempenharão o respectivo cargo a tempo inteiro.
3. O Procurador e os Procuradores-adjuntos deverão ter elevada idoneidade moral, elevado nível de competência e vasta experiência prática em matéria de processo penal. Deverão possuir um excelente conhecimento e serem fluentes em, pelo menos, uma das línguas de trabalho do Tribunal.
4. O Procurador será eleito por escrutínio secreto e por maioria absoluta de votos dos membros da Assembleia dos Estados-Parte. Os Procuradores-adjuntos serão eleitos da mesma forma, de entre uma lista de candidatos apresentada pelo Procurador. O Procurador proporá três candidatos para cada cargo de Procurador-Adjunto a prover. A menos que, aquando da eleição, seja fixado um período mais curto, o Procurador e os Procuradores-adjuntos exercerão as respectivas funções por um período de nove anos e não poderão ser reeleitos.
5. O Procurador e os Procuradores-adjuntos não deverão desenvolver qualquer actividade que possa interferir com o exercício das suas funções ou afectar a confiança na sua independência e não poderão desempenhar qualquer outra função de carácter profissional.
6. A Presidência poderá, a pedido do Procurador ou de um Procurador–Adjunto, escusá-lo de intervir num determinado caso.
7. O Procurador e os Procuradores-adjuntos não poderão participar em qualquer processo em que, por qualquer motivo, a sua imparcialidade possa ser posta em causa. Serão recusados, em conformidade com o disposto no presente número, entre outras razões, se tiverem intervindo anteriormente, a qualquer título, num caso submetido ao Tribunal ou num procedimento crime conexo a nível nacional, que envolva a pessoa objecto de inquérito ou procedimento crime.
8. As questões relativas à recusa do Procurador ou de um Procurador–Adjunto serão decididas pelo Juizo de Recursos.
a) A pessoa objecto de inquérito ou procedimento crime poderá solicitar, a todo o momento, a recusa do Procurador ou de um Procurador-Adjunto, pelos motivos previstos no presente artigo;
b) O Procurador ou o Procurador-Adjunto, segundo o caso, poderão pronunciar-se sobre a questão.
9. O Procurador nomeará assessores jurídicos especializados em determinadas áreas incluindo, entre outras, as da violência sexual ou violência por motivos relacionados com a pertença a um determinado sexo e da violência contra as crianças.


Artigo 43.º
A Secretaria

1. A Secretaria será responsável pelos aspectos não judiciais da administração e do funcionamento do Tribunal, sem prejuízo das funções e atribuições do Procurador definidas no artigo 42.º.
2. A Secretaria será dirigida pelo Secretário, principal responsável administrativo do Tribunal. O Secretário exercerá as suas funções na dependência do Presidente do Tribunal.
3. O Secretário e o Secretário-Adjunto deverão ser pessoas de elevada idoneidade moral e possuir um elevado nível de competência e um excelente conhecimento e domínio de, pelo menos, uma das línguas de trabalho do Tribunal.
4. Os juízes elegerão o Secretário em escrutínio secreto, por maioria absoluta, tendo em consideração as recomendações da Assembleia dos Estados-Parte. Se necessário, elegerão um Secretário-Adjunto, por recomendação do Secretário e pela mesma forma.
5. O Secretário será eleito por um período de cinco anos para exercer funções a tempo inteiro e só poderá ser reeleito uma vez. O Secretário-Adjunto será eleito por um período de cinco anos, ou por um período mais curto se assim o decidirem os juízes por deliberação tomada por maioria absoluta, e exercerá as suas funções de acordo com as exigências de serviço.
6. O Secretário criará, no âmbito da Secretaria, uma Divisão de Apoio às Vítimas e Testemunhas. Esta Divisão, em conjunto com o Gabinete do Procurador, adoptará medidas de protecção e dispositivos de segurança e prestará assessoria e outro tipo de assistência às testemunhas e vítimas que compareçam perante o Tribunal e a outras pessoas ameaçadas em virtude do testemunho prestado por aquelas. A Divisão incluirá pessoal especializado para atender as vítimas de traumas, nomeadamente os relacionados com crimes de violência sexual.


Artigo 44.º
O Pessoal

1. O Procurador e o Secretário nomearão o pessoal qualificado necessário aos respectivos serviços, nomeadamente, no caso do Procurador, o pessoal encarregue de efectuar diligências no âmbito do inquérito.
2. No tocante ao recrutamento de pessoal, o Procurador e o Secretário assegurarão os mais altos padrões de eficiência, competência e integridade, tendo em consideração, mutatis mutandis, os critérios estabelecidos no n.º 8 do artigo 36.º.
3. O Secretário, com o acordo da Presidência e do Procurador, proporá o Estatuto do Pessoal, que fixará as condições de nomeação, remuneração e cessação de funções do pessoal do Tribunal. O Estatuto do Pessoal será aprovado pela Assembleia dos Estados-Parte.
4. O Tribunal poderá, em circunstâncias excepcionais, recorrer aos serviços de pessoal colocado à sua disposição, a título gratuito, pelos Estados-Parte, organizações intergovernamentais e organizações não governamentais, com vista a colaborar com qualquer um dos órgãos do Tribunal. O Procurador poderá anuir a tal eventualidade em nome do Gabinete do Procurador. A utilização do pessoal disponibilizado a título gratuito ficará sujeita às directivas estabelecidas pela Assembleia dos Estados-Parte.


Artigo 45.º
Compromisso solene

Antes de assumir as funções previstas no presente Estatuto, os juízes, o Procurador, os Procuradores-adjuntos, o Secretário e o Secretário-Adjunto declararão solenemente, em sessão pública, que exercerão as suas funções imparcial e conscienciosamente.


Artigo 46.º
Cessação de funções

1. Um Juiz, o Procurador, um Procurador-Adjunto, o Secretário ou o Secretário-Adjunto cessarão as respectivas funções, por decisão adoptada de acordo com o disposto no n.º 2, nos casos em que:
a) Se conclua que a pessoa em causa incorreu em falta grave ou incumprimento grave das funções conferidas pelo presente Estatuto, de acordo com o previsto nas Regras de Procedimento e Prova; ou
b) A pessoa em causa se encontre impossibilitada de desempenhar as funções definidas no presente Estatuto.
2. A decisão relativa à cessação de funções de um juiz, do Procurador ou de um Procurador-Adjunto, de acordo com o n.º 1, será adoptada pela Assembleia dos Estados-Parte em escrutínio secreto:
a) No caso de um juiz, por maioria de dois terços dos Estados-Parte, com base em recomendação adoptada por maioria de dois terços dos restantes juízes;
b) No caso do Procurador, por maioria absoluta dos Estados-Parte;
c) No caso de um Procurador-Adjunto, por maioria absoluta dos Estados-Parte, com base na recomendação do Procurador.
3. A decisão relativa à cessação de funções do Secretário ou do Secretário-Adjunto, será adoptada por maioria absoluta de votos dos juízes.
4. Os juízes, o Procurador, os Procuradores-adjuntos, o Secretário ou o Secretário-Adjunto, cuja conduta ou idoneidade para o exercício das funções inerentes ao cargo em conformidade com o presente Estatuto tiver sido contestada ao abrigo do presente artigo, terão plena possibilidade de apresentar e obter meios de prova e produzir alegações de acordo com as Regras de Procedimento e Prova; não poderão, no entanto, participar, de qualquer outra forma, na apreciação do caso.


Artigo 47.º
Medidas disciplinares

Os juízes, o Procurador, os Procuradores-adjuntos, o Secretário ou o Secretário-Adjunto que tiverem cometido uma falta menos grave que a prevista no n.º1 do artigo 46.º incorrerão nas medidas disciplinares previstas nas regras de Procedimento e Prova.


Artigo 48.º
Privilégios e imunidades

1. O Tribunal gozará, no território dos Estados-Parte, dos privilégios e imunidades que se mostrem necessários ao cumprimento das suas funções.
2. Os juízes, o Procurador, os Procuradores-adjuntos e o Secretário gozarão, no exercício das suas funções ou em relação com estas, dos mesmos privilégios e imunidades reconhecidos aos chefes das missões diplomáticas, continuando a usufruir de absoluta imunidade de jurisdição relativamente às suas declarações, orais ou escritas, e aos actos que pratiquem no desempenho de funções oficiais após a expiração do respectivo mandato.
3. O Secretário-Adjunto, o pessoal do Gabinete do Procurador e o pessoal da Secretaria gozarão dos mesmos privilégios e imunidades e das facilidades necessárias ao cumprimento das respectivas funções, nos termos do acordo sobre os privilégios e imunidades do Tribunal.
4. Os advogados, peritos, testemunhas e outras pessoas, cuja presença seja requerida na sede do Tribunal, beneficiarão do tratamento que se mostre necessário ao funcionamento adequado deste, nos termos do acordo sobre os privilégios e imunidades do Tribunal.
5. Os privilégios e imunidades poderão ser levantados:
a) No caso de um juiz ou do Procurador, por decisão adoptada por maioria absoluta dos juízes;
b) No caso do Secretário, pela Presidência;
c) No caso dos Procuradores-adjuntos e do pessoal do Gabinete do Procurador, pelo Procurador;
d) No caso do Secretário-Adjunto e do pessoal da Secretaria, pelo Secretário.


Artigo 49.º
Vencimentos, subsídios e despesas

Os juízes, o Procurador, os Procuradores-adjuntos, o Secretário e o Secretário-adjunto auferirão os vencimentos e terão direito aos subsídios e ao reembolso de despesas que forem estabelecidos em Assembleia dos Estados-Parte. Estes vencimentos e subsídios não serão reduzidos no decurso do mandato.


Artigo 50.º
Línguas oficiais e línguas de trabalho

1. As línguas árabe, chinesa, espanhola, francesa, inglesa e russa serão as línguas oficiais do Tribunal. As sentenças proferidas pelo Tribunal, bem como outras decisões sobre questões fundamentais submetidas ao Tribunal, serão publicadas nas línguas oficiais. A Presidência, de acordo com os critérios definidos nas Regras de Procedimento e Prova, determinará quais as decisões que poderão ser consideradas como decisões sobre questões fundamentais, para os efeitos do presente número.
2. As línguas francesa e inglesa serão as línguas de trabalho do Tribunal. As Regras de Procedimento e Prova definirão os casos em que outras línguas oficiais poderão ser usadas como línguas de trabalho.
3. A pedido de qualquer Parte ou qualquer Estado que tenha sido admitido a intervir num processo, o Tribunal autorizará o uso de uma língua que não seja a francesa ou a inglesa, sempre que considere que tal autorização se justifica.



Artigo 51.º
Regras de Procedimento e Prova

1. As Regras de Procedimento e Prova entrarão em vigor mediante a sua aprovação por uma maioria de dois terços dos votos dos membros da Assembleia dos Estados-Parte.
2. Poderão propor alterações às Regras de Procedimento e Prova:
a) Qualquer Estado Parte;
b) Os juízes, por maioria absoluta; ou
c) O Procurador.
Estas alterações entrarão em vigor mediante a aprovação por uma maioria de dois terços dos votos dos membros da Assembleia dos Estados-Parte.
3. Após a aprovação das Regras de Procedimento e Prova, em casos urgentes em que a situação concreta suscitada em Tribunal não se encontre prevista nas Regras de Procedimento e Prova, os juízes poderão, por maioria de dois terços, estabelecer regras provisórias a serem aplicadas até que a Assembleia dos Estados-Parte as aprove, altere ou rejeite na sessão ordinária ou extraordinária seguinte.
4. As Regras de Procedimento e Prova, e respectivas alterações, bem como quaisquer Regras provisórias, deverão estar em consonância com o presente Estatuto. As alterações às Regras de Procedimento e Prova, assim como as Regras provisórias aprovadas em conformidade com o n.º 3, não serão aplicadas com carácter retroactivo em detrimento de qualquer pessoa que seja objecto de inquérito ou de procedimento crime, ou que tenha sido condenada.
5. Em caso de conflito entre as disposições do Estatuto e as das Regras de Procedimento e Prova, o Estatuto prevalecerá.


Artigo 52.º
Regulamento do Tribunal

1. De acordo com o presente Estatuto e com as Regras de Procedimento e Prova, os juízes aprovarão, por maioria absoluta, o Regulamento necessário ao normal funcionamento do Tribunal.
2. O Procurador e o Secretário serão consultados sobre a elaboração do Regulamento ou sobre qualquer alteração que lhe seja introduzida.
3. O Regulamento do Tribunal e qualquer alteração posterior entrarão em vigor mediante a sua aprovação, salvo decisão em contrário dos juízes.

Capítulo V. Inquérito e Procedimento Crime


Artigo 53.º
Abertura do inquérito

1. O Procurador, após examinar a informação de que dispõe, abrirá um inquérito, a menos que considere que, nos termos do presente Estatuto, não existe fundamento razoável para proceder ao mesmo. Na sua decisão, o Procurador terá em conta se:
a) A informação de que dispõe constitui fundamento razoável para crer que foi, ou está a ser, cometido um crime da competência do Tribunal;
b) O caso é ou seria admissível nos termos do artigo 17.º; e
c) Tendo em conta a gravidade do crime e os interesses das vítimas, não existirão, contudo, razões substanciais para crer que o inquérito não serviria os interesses da justiça.
Se decidir que não há motivo razoável para abrir um inquérito e se esta decisão se basear unicamente no disposto na alínea c), o Procurador informará o juízo de Instrução.
2. Se, concluído o inquérito, o Procurador chegar à conclusão de que não há fundamento suficiente para proceder criminalmente, na medida em que:
a) Não existam elementos suficientes, de facto ou de direito, para requerer a emissão de um mandado de detenção ou notificação para comparência, de acordo com o artigo 58.º;
b) O caso seja inadmissível, de acordo com o artigo 17.º; ou
c) O procedimento não serviria o interesse da justiça, consideradas todas as circunstâncias, tais como a gravidade do crime, os interesses das vítimas e a idade ou o estado de saúde do presumível autor e o grau de participação no alegado crime, comunicará a sua decisão, devidamente fundamentada, ao juízo de Instrução e ao Estado que lhe submeteu o caso, de acordo com o artigo 14.º, ou ao Conselho de Segurança, se se tratar de um caso previsto na alínea b) do artigo 13.º.
3. a) A pedido do Estado que tiver submetido o caso, nos termos do artigo 14.º, ou do Conselho de Segurança, nos termos da alínea b) do artigo 13.º, o juízo de Instrução poderá examinar a decisão do Procurador de não proceder criminalmente em conformidade com os n.os 1 ou 2 e solicitar-lhe que reconsidere essa decisão;
b) Além disso, o juízo de Instrução poderá, oficiosamente, examinar a decisão do Procurador de não proceder criminalmente, se essa decisão se basear unicamente no disposto no nº 1, alínea c) e no n.º 2, alínea c). Nesse caso, a decisão do Procurador só produzirá efeitos se confirmada pelo juízo de Instrução.
4. O Procurador poderá, a todo o momento, reconsiderar a sua decisão de abrir um inquérito ou proceder criminalmente, com base em novos factos ou novas informações.


Artigo 54.º
Funções e poderes do Procurador em matéria de inquéritos

1. O Procurador deverá:
a) A fim de estabelecer a verdade dos factos, alargar o inquérito a todos os factos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com o presente Estatuto e, para esse efeito, investigar, de igual modo, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa;
b) Adoptar as medidas adequadas para assegurar a eficácia do inquérito e do procedimento crime relativamente aos crimes da jurisdição do Tribunal. e, na sua actuação, o Procurador terá em conta os interesses e a situação pessoal das vítimas e testemunhas, incluindo a idade, o sexo tal como definido no n.º 3 do artigo 7.º, e o estado de saúde; terá igualmente em conta a natureza do crime, em particular quando envolva violência sexual, violência por motivos relacionados com a pertença a um determinado sexo e violência contra as crianças; e
c) Respeitar plenamente os direitos conferidos às pessoas pelo presente Estatuto.
2. O Procurador poderá realizar investigações no âmbito de um inquérito no território de um Estado:
a) De acordo com o disposto na Parte IX; ou
b) Mediante autorização do juízo de Instrução, dada nos termos do n.º 3 al. d) do artigo 57.º.
3. O Procurador poderá:
a) Reunir e examinar provas;
b) Convocar e interrogar pessoas objecto de inquérito e convocar e tomar o depoimento de vítimas e testemunhas;
c) Procurar obter a cooperação de qualquer Estado ou organização intergovernamental ou dispositivo intergovernamental, de acordo com a respectiva competência e/ou mandato;
d) Celebrar acordos ou convénios compatíveis com o presente Estatuto, que se mostrem necessários para facilitar a cooperação de um Estado, de uma organização intergovernamental ou de uma pessoa;
e) Concordar em não divulgar, em qualquer fase do processo, documentos ou informação que tiver obtido, com a condição de preservar o seu carácter confidencial e com o objectivo único de obter novas provas, a menos que quem tiver facilitado a informação consinta na sua divulgação; e
f) Adoptar ou requerer que se adoptem as medidas necessárias para assegurar o carácter confidencial da informação, a protecção de pessoas ou a preservação da prova.


Artigo 55.º
Direitos das pessoas no decurso do inquérito

1. No decurso de um inquérito aberto nos termos do presente Estatuto:
a) Nenhuma pessoa poderá ser obrigada a depor contra si própria ou a declarar-se culpada;
b) Nenhuma pessoa poderá ser submetida a qualquer forma de coacção, intimidação ou ameaça, tortura ou outras formas de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; e
c) Qualquer pessoa que for interrogada numa língua que não compreenda ou não fale fluentemente, será assistida, gratuitamente, por um intérprete competente e poderá dispor das traduções necessárias às exigências de equidade;
d) Nenhuma pessoa poderá ser presa ou detida arbitrariamente, nem ser privada da sua liberdade, salvo pelos motivos previstos no presente Estatuto e em conformidade com os procedimentos nele estabelecidos.
2. Sempre que existam motivos para crer que uma pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal e que deve ser interrogada pelo Procurador ou pelas autoridades nacionais, em virtude de um pedido feito em conformidade com o disposto na Parte IX do presente Estatuto, essa pessoa será informada, antes do interrogatório, de que goza ainda dos seguintes direitos:
a) A ser informada de que existem indícios de que cometeu um crime da competência do Tribunal;
b) A guardar silêncio, sem que tal seja tido em consideração para efeitos de determinação da sua culpa ou inocência;
c) A ser assistida por um advogado da sua escolha ou, se não o tiver, a solicitar que lhe seja designado um defensor oficioso, em todas as situações em que o interesse da justiça assim o exija, e sem qualquer encargo se não possuir meios suficientes para lhe pagar; e
d) A ser interrogada na presença do seu advogado, a menos que tenha renunciado voluntariamente ao direito de ser assistida por um advogado.


Artigo 56.º
Intervenção do juízo de instrução em caso de oportunidade única
de proceder a um inquérito

1. a) Sempre que considere que um inquérito oferece uma oportunidade única de recolher depoimentos ou declarações de uma testemunha ou de examinar, reunir ou angariar provas, O Procurador comunicará esse facto ao juízo de instrução;
b) Nesse caso, o juízo, a pedido do Procurador, poderá adoptar as medidas que entender necessárias para assegurar a eficácia e a integridade do processo e, em particular, para proteger os direitos de defesa;
c) Salvo decisão em contrário do juízo de instrução, o Procurador transmitirá a informação relevante à pessoa que tenha sido detida, ou que tenha comparecido na sequência de notificação emitida no âmbito do inquérito a que se refere a alínea a), para que possa ser ouvida sobre a matéria em causa.
2. As medidas a que se faz referência na alínea b) do n.º 1 poderão consistir em:
a) Fazer recomendações ou proferir despachos sobre o procedimento a seguir;
b) Ordenar que o processado seja reduzido a auto;
c) Nomear um perito;
d) Autorizar o advogado de defesa do detido, ou de quem tiver comparecido no Tribunal na sequência de notificação, a participar no processo ou, no caso dessa detenção ou comparência não se ter ainda verificado ou não tiver ainda sido designado advogado, a nomear outro defensor que se encarregará dos interesses da defesa e os representará;
e) Encarregar um dos seus membros ou, se necessário, outro juiz disponível da secção de instrução ou da secção de julgamento em primeira instância, de formular recomendações ou proferir despachos sobre a recolha e a preservação de meios de prova e a inquirição de pessoas;
f) Adoptar todas as medidas necessárias para reunir ou preservar meios de prova.
3. a) Se o Procurador não tiver solicitado as medidas previstas no presente artigo mas o juízo de instrução considerar que tais medidas serão necessárias para preservar meios de prova que lhe pareçam essenciais para a defesa no decurso do processo, o juízo consultará o Procurador a fim de saber se existem motivos poderosos para este não requerer as referidas medidas. Se, na sequência de consulta, o juízo concluir que a omissão de requerimento de tais medidas é injustificada, poderá adoptar essas medidas oficiosamente.
b) O Procurador poderá recorrer da decisão do juízo de instrução oficiosamente, nos termos do presente número. O recurso adoptará uma forma sumária.
4. A admissibilidade dos meios de prova preservados ou recolhidos para efeitos do processo ou o respectivo registo, em conformidade com o presente artigo, reger-se-ão, em julgamento, pelo disposto no artigo 69.º, e serão valorados pelo juízo de julgamento em primeira instância.


Artigo 57.º
Funções e poderes do juízo de instrução

1. Salvo disposição em contrário contida no presente Estatuto, o juízo de instrução exercerá as suas funções em conformidade com o presente artigo.
2. a) Os despachos proferidos pelo juízo de Instrução ao abrigo dos artigos 15.º, 18.º, 19.º, 54.º, n.º 2, 61.º, n.º 7, e 72.º, deverão ser aprovados por maioria de votos dos juízes que o compõem;
b) Em todos os outros casos, um juiz do juízo de instrução agindo individualmente ou a título singular, poderá exercer as funções definidas no presente Estatuto, salvo disposição em contrário contida nas Regras de Procedimento e Prova ou decisão em contrário do juízo de Instrução tomada por maioria de votos.
3. Independentemente das outras funções conferidas pelo presente Estatuto, o juízo de Instrução poderá:
a) A pedido do Procurador, proferir os despachos e emitir os mandados que se revelem necessários para um inquérito;
b) A pedido de qualquer pessoa que tenha sido detida ou tenha comparecido na sequência de notificação expedida nos termos do artigo 58.º, proferir despachos, incluindo medidas tais como as indicadas no artigo 56.º, ou procurar obter, nos termos do disposto na Parte IX, a cooperação necessária para auxiliar essa pessoa a preparar a sua defesa;
c) Sempre que necessário, assegurar a protecção e o respeito pela privacidade de vítimas e testemunhas, a preservação da prova, a protecção de pessoas detidas ou que tenham comparecido na sequência de notificação para comparência, assim como a protecção de informação que afecte a segurança nacional;
d) Autorizar o Procurador a adoptar medidas específicas no âmbito de um inquérito, no território de um Estado Parte sem ter obtido a cooperação deste nos termos do disposto na Parte IX, caso o juízo determine que, tendo em consideração, na medida do possível, a posição do referido Estado, este último não está manifestamente em condições de satisfazer um pedido de cooperação face à incapacidade de todas as autoridades ou órgãos do seu sistema judiciário com a competência para dar seguimento a um pedido de cooperação formulado nos termos do disposto na Parte IX.
e) Quando tiver emitido um mandado de detenção ou uma notificação para comparência nos termos do artigo 58.º, e tendo em consideração o valor das provas e os direitos das partes em questão, em conformidade com o disposto no presente Estatuto e nas Regras de Procedimento e Prova, procurar obter a cooperação dos Estados, nos termos do n.º 1, alínea k) do artigo 93.º,no sentido destas adoptarem medidas cautelares que visem a apreensão de bens, em particular no interesse superior das vítimas.


Artigo 58.º
Mandado de detenção e notificação para comparência do
juízo de instrução

1. A todo o momento após a abertura do inquérito, o juízo de instrução poderá, a pedido do Procurador, emitir um mandado de detenção contra uma pessoa se, após examinar o pedido e as provas ou outras informações submetidas pelo Procurador, considerar que:
a) Existem motivos suficientes para crer que essa pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal; e
b) A detenção dessa pessoa se mostra necessária para:
i) Garantir a sua comparência em tribunal;
ii) Garantir que não obstruirá, nem porá em perigo, o inquérito ou a acção do Tribunal; ou
iii) Se for o caso, impedir que a pessoa continue a cometer esse crime ou um crime conexo que seja da competência do Tribunal e tenha a sua origem nas mesmas circunstâncias.
2. Do requerimento do Procurador deverão constar os seguintes elementos:
a) O nome da pessoa em causa e qualquer outro elemento útil de identificação;
b) A referência precisa do crime da competência do Tribunal que a pessoa tenha presumivelmente cometido;
c) Uma descrição sucinta dos factos que alegadamente constituem o crime;
d) Um resumo das provas e de qualquer outra informação que constitua motivo suficiente para crer que a pessoa cometeu o crime; e
e) Os motivos pelos quais o Procurador considere necessário proceder à detenção daquela pessoa.
3. Do mandado de detenção deverão constar os seguintes elementos:
a) O nome da pessoa em causa e qualquer outro elemento útil de identificação;
b) A referência precisa do crime da competência do Tribunal que justifique o pedido de detenção; e
c) Uma descrição sucinta dos factos que alegadamente constituem o crime.
4. O mandado de detenção manter-se-á válido até decisão em contrário do Tribunal.
5. Com base no mandado de detenção, o Tribunal poderá solicitar a prisão preventiva ou a detenção e entrega da pessoa em conformidade com o disposto na Parte IX do presente Estatuto.
6. O Procurador poderá solicitar ao juízo de instrução que altere o mandado de detenção no sentido de requalificar os crimes aí indicados ou de adicionar outros. O juízo de instrução alterará o mandado de detenção se considerar que existem motivos suficientes para crer que a pessoa cometeu quer os crimes na forma que se indica nessa requalificação, qualquer os novos crimes.
7. O Procurador poderá solicitar ao juízo de instrução que, em vez de um mandado de detenção, emita uma notificação para comparência. Se o juízo considerar que existem motivos suficientes para crer que a pessoa cometeu o crime que lhe é imputado e que uma notificação para comparência será suficiente para garantir a sua presença efectiva em tribunal, emitirá uma notificação para que a pessoa compareça, com ou sem a imposição de medidas restritivas de liberdade (distintas da detenção) se previstas no direito interno. Da notificação para comparência deverão constar os seguintes elementos:
a) O nome da pessoa em causa e qualquer outro elemento útil de identificação;
b) A data de comparência;
c) A referência precisa ao crime da competência do Tribunal que a pessoa alegadamente tenha cometido; e
d) Uma descrição sucinta dos factos que alegadamente constituem o crime.
Esta notificação será directamente feita à pessoa em causa.


Artigo 59.º
Procedimento de detenção no Estado da detenção

1. O Estado Parte que receber um pedido de prisão preventiva ou de detenção e entrega, adoptará imediatamente as medidas necessárias para proceder à detenção, em conformidade com o respectivo direito interno e com o disposto na Parte IX.
2. O detido será imediatamente levado à presença da autoridade judiciária competente do Estado da detenção que determinará se, de acordo com a legislação desse Estado:
a) O mandado de detenção é aplicável à pessoa em causa;
b) A detenção foi executada de acordo com a lei;
c) Os direitos do detido foram respeitados.
3. O detido terá direito a solicitar à autoridade competente do Estado da detenção autorização para aguardar a sua entrega em liberdade.
4. Ao decidir sobre o pedido, a autoridade competente do Estado da detenção determinará se, em face da gravidade dos crimes imputados, se verificam circunstâncias urgentes e excepcionais que justifiquem a liberdade provisória e se existem as garantias necessárias para que o Estado de detenção possa cumprir a sua obrigação de entregar a pessoa ao Tribunal. Essa autoridade não terá competência para examinar se o mandado de detenção foi regularmente emitido, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 58.º.
5. O pedido de liberdade provisória será notificado ao juízo de instrução, o qual fará recomendações à autoridade competente do Estado da detenção. Antes de tomar uma decisão, a autoridade competente do Estado da detenção terá em conta essas recomendações, incluindo as relativas a medidas adequadas a impedir a fuga da pessoa.
6. Se a liberdade provisória for concedida, o juízo de Instrução poderá solicitar informações periódicas sobre a situação de liberdade provisória.
7. Uma vez que o Estado da detenção tenha ordenado a entrega, o detido será colocado, logo que possível, à disposição do Tribunal.

Artigo 60.º
Início da fase instrutória

1. Logo que uma pessoa seja entregue ao Tribunal ou nele compareça voluntariamente em cumprimento de uma notificação para comparência, o juízo de Instrução deverá assegurar-se de que essa pessoa foi informada dos crimes que lhe são imputados e dos direitos que lhe confere o presente Estatuto, incluindo o direito de solicitar autorização para aguardar julgamento em liberdade.
2. A pessoa objecto de um mandado de detenção poderá solicitar autorização para aguardar julgamento em liberdade. Se o juízo de Instrução considerar verificadas as condições enunciadas no n.º 1 do artigo 58.º, a detenção será mantida. Caso contrário, a pessoa será posta em liberdade, com ou sem condições.
3. O juízo de instrução reexaminará periodicamente a sua decisão quanto à liberdade provisória ou à detenção, podendo fazê-lo a todo o momento, a pedido do Procurador ou do interessado. Aquando da revisão, o juízo poderá modificar a sua decisão quanto à detenção, à liberdade provisória ou às condições desta, se considerar que a alteração das circunstâncias o justifica.
4. O juízo de instrução certificar-se-á de que a detenção não será prolongada por período não razoável devido a demora injustificada da parte do Procurador. A produzir-se a referida demora, o Tribunal considerará a possibilidade de pôr o interessado em liberdade, com ou sem condições.
5. Se necessário, o juízo de instrução poderá emitir um mandado de detenção para garantir a comparência de uma pessoa que tenha sido posta em liberdade.


Artigo 61.º
Apreciação da acusação antes do julgamento

1. Salvo o disposto no n.º 2, e num prazo razoável após a entrega da pessoa ao Tribunal ou a sua comparência voluntária perante este, o juízo de instrução realizará uma audiência para apreciar os factos constantes da acusação com base nos quais o Procurador pretenderá requerer o julgamento. A audiência terá lugar na presença do Procurador e do arguido, assim como do defensor deste.
2. O juízo de instrução, oficiosamente ou a pedido do Procurador, poderá realizar a audiência na ausência do arguido, a fim de apreciar os factos constantes da acusação com base nos quais o Procurador pretenderá requerer o julgamento, se o arguido:
a) Tiver renunciado ao seu direito a estar presente; ou
b) Tiver fugido ou não for possível encontrá-lo, tendo sido tomadas todas as medidas razoáveis para assegurar a sua comparência em Tribunal e para o informar dos factos constantes da acusação e da realização de uma audiência para apreciação dos mesmos.
Neste caso, o arguido será representado por um defensor, se o juízo de Instrução decidir que tal servirá os interesses da justiça.
3. Num prazo razoável antes da audiência, o arguido:
a) Receberá uma cópia do documento especificando os factos constantes da acusação com base nos quais o Procurador pretenderá requerer o julgamento; e
b) Será informado das provas que o Procurador se propõe apresentar em audiência.
O juízo de instrução poderá proferir despacho sobre a divulgação de informação para efeitos da audiência.
4. Antes da audiência, o Procurador poderá reabrir o inquérito e alterar ou retirar parte dos factos constantes da acusação. O arguido será notificado de qualquer alteração ou retirada em tempo razoável, antes da realização da audiência. No caso de retirada de parte dos factos constantes da acusação, o Procurador informará o juízo de Instrução dos motivos da mesma.
5. Na audiência, o Procurador produzirá provas satisfatórias dos factos constantes da acusação, nos quais baseou a sua convicção de que o arguido cometeu o crime que lhe é imputado. O Procurador poderá basear-se em provas documentais ou num resumo das provas, não sendo obrigado a chamar as testemunhas que irão depor no julgamento.
6. Na audiência, o arguido poderá:
a) Contestar as acusações;
b) Impugnar as provas apresentadas pelo Procurador; e
c) Apresentar provas.
7. Com base nos factos apreciados durante a audiência, o juízo de Instrução decidirá se existem provas suficientes de que o arguido cometeu os crimes que lhe são imputados. De acordo com essa decisão, o juízo de Instrução:
a) Declarará procedente a acusação na parte relativamente à qual considerou terem sido reunidas provas suficientes e remeterá o arguido a um juízo de julgamento em primeira instância, a fim de aí ser julgado pelos factos confirmados;
b) Não declarará procedente a acusação na parte relativamente à qual considerou não terem sido reunidas provas suficientes;
c) Adiará a audiência e solicitará ao Procurador que considere a possibilidade de:
i) Apresentar novas provas ou efectuar novo inquérito relativamente a um determinado facto constante da acusação; ou
ii) Modificar parte da acusação, se as provas reunidas parecerem indicar que um crime distinto, da competência do Tribunal, foi cometido.
8. A declaracão de não procedência relativamente a parte de uma acusação, proferida pelo juízo de instrução, não obstará a que o Procurador solicite novamente a sua apreciação, na condição de apresentar provas adicionais.
9. Tendo os factos constantes da acusação sido declarados procedentes, e antes do início do julgamento, o Procurador poderá, mediante autorização do juízo de instrução e notificação prévia do arguido, alterar alguns factos constantes da acusação. Se o Procurador pretender acrescentar novos factos ou substituí-los por outros de natureza mais grave, deverá, nos termos do presente artigo, requerer uma audiência para a respectiva apreciação. Após o início do julgamento, o Procurador poderá retirar a acusação, com autorização do juízo de instrução.
10. Qualquer mandado emitido deixará de ser válido relativamente aos factos constantes da acusação que tenham sido declarados não procedentes pel juízo de instrução ou que tenham sido retirados pelo Procurador.
11. Tendo a acusação sido declarada procedente nos termos do presente artigo, a Presidência designará um juízo de julgamento em primeira instância que, sob reserva do disposto no n.º 9 do presente artigo e no n.º 4 do artigo 64.º, se encarregará da fase seguinte do processo e poderá exercer as funções do juízo de instrução que se mostrem pertinentes e apropriadas nessa fase do processo.


Capítulo VI. o julgamento


Artigo 62.º
Local da audiência

Salvo decisão em contrário, audiência terá lugar na sede do Tribunal.



Artigo 63.º
Presença do arguido em julgamento

1. O arguido estará presente durante o julgamento.
2. Se o arguido, presente em tribunal, perturbar persistentemente a audiência, o juízo de julgamento em primeira instância poderá ordenar a sua remoção da sala e providenciar para que acompanhe o processo e dê instruções ao seu defensor a partir do exterior da mesma utilizando, se necessário, meios técnicos de comunicação. Estas medidas só serão adoptadas em circunstâncias excepcionais e pelo período estritamente necessário, após se terem esgotado outras possibilidades razoáveis


Artigo 64.º
Funções e poderes do juízo de julgamento em primeira instância

1. As funções e poderes do juízo de julgamento em primeira instância, enunciadas no presente artigo, deverão ser exercidas em conformidade com o presente Estatuto e as Regras de Procedimento e Prova.
2. O juízo de julgamento em primeira instância zelará para que o julgamento seja conduzido de maneira equitativa e célere, com total respeito dos direitos do arguido e tendo em devida conta a protecção das vítimas e testemunhas.
3. O juízo de julgamento em primeira instância a que seja submetido um caso nos termos do presente Estatuto:
a) Consultará as partes e adoptará as medidas necessárias para que o processo se desenrole de maneira equitativa e célere;
b) Determinará qual a língua, ou quais as línguas, a utilizar no julgamento; e
c) Sob reserva de qualquer outra disposição pertinente do presente Estatuto, providenciará pela revelação de quaisquer documentos ou da informação que não tenha sido divulgada anteriormente, com suficiente antecedência relativamente ao início da audiência, a fim de permitir a sua preparação adequada para o julgamento.
4. O juízo de julgamento em primeira instância poderá, se se mostrar necessário para o seu funcionamento eficaz e imparcial, remeter questões preliminares ao juízo de Instrução ou, se necessário, a um outro juiz disponível da secção de Instrução.
5. Mediante notificação às partes, o juízo de julgamento em primeira instância poderá, conforme se lhe afigure mais adequado, ordenar que as acusações contra mais de um arguído sejam deduzidas conjunta ou separadamente.
6. No desempenho das suas funções, antes ou no decurso de um julgamento, o juízo de julgamento em primeira instância poderá, se necessário:
a) Exercer qualquer uma das funções do juízo de Instrução consignadas no n.º 11 do artigo 61.º;
b) Ordenar a comparência e a audição de testemunhas e a apresentação de documentos e outras provas, obtendo para tal, se necessário, o auxílio de outros Estados, conforme previsto no presente Estatuto;
c) Adoptar medidas para a protecção da informação confidencial;
d) Ordenar a apresentação de provas adicionais às reunidas antes do julgamento ou às apresentadas no decurso do julgamento pelas partes;
e) Adoptar medidas para a protecção do arguido, testemunhas e vítimas; e
f) Decidir sobre qualquer outra questão pertinente.
7. A audiência de julgamento será pública. No entanto, o juízo de julgamento em primeira instância poderá decidir que determinadas diligências se efectuem à porta fechada, em conformidade com os objectivos enunciados no artigo 68.º ou com vista a proteger informação de carácter confidencial ou restrita que venha a ser apresentada como prova.
8. a) No início da audiência de julgamento, o juízo de julgamento em primeira instância ordenará a leitura ao arguido, dos factos constantes da acusação previamente confirmados pelo juízo de Instrução. O juízo de julgamento em primeira instância deverá certificar-se de que o arguido compreende a natureza dos factos que lhe são imputados e dar-lhe a oportunidade de os confessar, de acordo com o disposto no artigo 65.º, ou de se declarar inocente;
b) Durante o julgamento, o juiz presidente poderá dar instruções sobre a condução da audiência, nomeadamente para assegurar que esta se desenrole de maneira equitativa e imparcial. Salvo qualquer orientação do juiz presidente, as partes poderão apresentar provas em conformidade com as disposições do presente Estatuto.
9. O juízo de julgamento em primeira instância poderá, oficiosamente ou a pedido de uma das partes, a saber:
a) Decidir sobre a admissibilidade ou pertinência das provas; e
b) Tomar todas as medidas necessárias para manter a ordem na audiência.
10. O juízo de julgamento em primeira instância providenciará para que o Secretário leve a cabo um registo completo da audiência de julgamento onde sejam fielmente relatadas todas as diligências efectuadas, registo que deverá manter e preservar.

Artigo 65.º
Procedimento em caso de confissão

1. Se o arguido confessar nos termos do n.º 8, alínea a), do artigo 64.º, o juízo de julgamento em primeira instância apurará:
a) Se o arguido compreende a natureza e as consequências da sua confissão;
b) Se essa confissão foi feita livremente, após devida consulta ao seu advogado de defesa; e
c) Se a confissão é corroborada pelos factos que resultam:
i) Da acusação deduzida pelo Procurador e aceite pelo arguido;
ii) De quaisquer meios de prova que confirmam os factos constantes da acusação deduzida pelo Procurador e aceite pelo arguido; e
iii) De quaisquer outros meios de prova, tais como depoimentos de testemunhas, apresentados pelo Procurador ou pelo arguido.
2. Se o juízo de julgamento em primeira instância constatar que estão reunidas as condições referidas no n.º 1, considerará que a confissão, juntamente com quaisquer provas adicionais produzidas, constitui um reconhecimento de todos os elementos essenciais constitutivos do crime pelo qual o arguido se declarou culpado e poderá condená-lo por esse crime.
3. Se o juízo de julgamento em primeira instância constatar que não estão reunidas as condições referidas no n.º 1, considerará a confissão como não tendo tido lugar e, nesse caso, ordenará que o julgamento prossiga de acordo com o procedimento comum estipulado no presente Estatuto, podendo transmitir o processo a outro juízo de julgamento em primeira instância.
4. Se o juízo de julgamento em primeira instância considerar necessária, no interesse da justiça, e em particular no interesse das vítimas, uma explanação mais detalhada dos factos integrantes do caso, poderá:
a) Solicitar ao Procurador que apresente provas adicionais, incluindo depoimentos de testemunhas; ou
b) Ordenar que o processo prossiga de acordo com o procedimento comum estipulado no presente Estatuto, caso em que considerará a confissão como não tendo tido lugar e poderá transmitir o processo a outro juízo de julgamento em primeira instância.
5. Quaisquer consultas entre o Procurador e a defesa, no que diz respeito à alteração dos factos constantes da acusação, à confissão ou à pena a ser imposta, não vincularão o Tribunal.


Artigo 66.º
Presunção de inocência

1. Toda a pessoa é presumida inocente até prova da sua culpa perante o Tribunal, de acordo com o direito aplicável.
2. Pertencerá ao Procurador o ónus da prova da culpa do arguido.
3. Em ordem a proferir sentença condenatória, o Tribunal deverá ter adquirido a convicção de que o arguido é culpado, para além de qualquer dúvida razoável.


Artigo 67.º
Direitos do arguido

1. Durante a apreciação de quaisquer factos constantes da acusação, o arguido terá direito a ser ouvido em audiência pública, tendo em conta o disposto no presente Estatuto, a uma audiência conduzida de forma equitativa e imparcial e às seguintes garantias mínimas, em situação de plena igualdade:
a) A ser informado, sem demora e de forma detalhada, numa língua que compreenda e fale fluentemente, da natureza, motivo e conteúdo dos factos que lhe são imputados;
b) A dispor de tempo e de meios adequados para a preparação da sua defesa e a comunicar livre e confidencialmente com um defensor da sua escolha;
c) A ser julgado sem atrasos indevidos;
d) Salvo o disposto no n.º 2 do artigo 63.º, o arguido terá direito a estar presente na audiência de julgamento e a defender-se a si próprio ou a ser assistido por um defensor da sua escolha; se não o tiver, a ser informado do direito de o tribunal lhe nomear um defensor sempre que o interesse da justiça o exija, sendo tal assistência gratuita se o arguido carecer de meios suficientes para remunerar o defensor assim nomeado;
e) A inquirir ou a fazer inquirir as testemunhas de acusação e a obter a comparência das testemunhas de defesa e a inquirição destas nas mesmas condições que as testemunhas de acusação. O arguido terá também direito a apresentar defesa e a oferecer qualquer outra prova admissível, de acordo com o presente Estatuto;
f) A ser assistido gratuitamente por um intérprete competente e a serem-lhe facultadas as traduções necessárias que a equidade exija, se não compreender perfeitamente ou não falar a língua utilizada em qualquer acto processual ou documento produzido em tribunal;
g) A não ser obrigado a depor contra si próprio, nem a declarar-se culpado, e a guardar silêncio, sem que este seja tido em conta na determinação da sua culpa ou inocência;
h) A prestar declarações não ajuramentadas, oralmente ou por escrito, em sua defesa; e
i) A que lhe não seja imposta quer a inversão do ónus da prova, quer a impugnação.
2. Para além de qualquer outra revelação de informação prevista no presente Estatuto, o Procurador comunicará à defesa, logo que possível, as provas que tenha em seu poder ou sob o seu controlo e que, no seu entender, revelem ou tendam a revelar a inocência do arguido, ou a atenuar a sua culpa, ou que possam afectar a credibilidade das provas de acusação. Em caso de dúvida relativamente à aplicação do presente número, caberá ao Tribunal decidir.


Artigo 68.º
Protecção das vítimas e das testemunhas e sua participação no processo

1. O Tribunal adoptará as medidas adequadas para garantir a segurança, o bem-estar físico e psicológico, a dignidade e a vida privada das vítimas e testemunhas. Para tal, o Tribunal terá em conta todos os factores pertinentes, incluindo a idade, o sexo tal como definido no n.º 3 do artigo 2.º, e o estado de saúde, assim como a natureza do crime, em particular, mas não apenas quando este envolva elementos de violência sexual, de violência relacionada com a pertença a um determinado sexo ou de violência contra crianças. O Procurador adoptará estas medidas, nomeadamente em fase de inquérito e acusação de tais crimes. Tais medidas não poderão prejudicar nem ser incompatíveis com os direitos do arguido ou com a realização de um julgamento equitativo e imparcial.
2. Enquanto excepção ao princípio do carácter público das audiências estabelecido no artigo 67.º, qualquer um dos juízos que compõem o Tribunal poderá, a fim de proteger as vítimas e as testemunhas ou o arguido, decretar que um acto processual se realize, no todo ou em parte, à porta fechada ou permitir a produção de prova por meios electrónicos ou outros meios especiais. Estas medidas aplicar-se-ão, nomeadamente, no caso de uma vítima de violência sexual ou de um menor que seja vítima ou testemunha, salvo decisão em contrário adoptada pelo Tribunal, ponderadas todas as circunstâncias, particularmente a opinião da vítima ou da testemunha.
3. Se os interesses pessoais das vítimas forem afectados, o Tribunal permitir-lhes-á que expressem os seus pontos de vista e opiniões em fase processual que entenda apropriada e por forma a não prejudicar os direitos do arguido nem a ser incompatível com estes ou com a realização de um julgamento equitativo e imparcial. Os representantes legais das vítimas poderão apresentar os referidos pontos de vista e opiniões quando o Tribunal o considerar oportuno e em conformidade com as Regras de Procedimento e Prova.
4. A Divisão de Apoio às Vítimas e Testemunhas poderá aconselhar o Procurador e o Tribunal relativamente a medidas adequadas de protecção, mecanismos de segurança, assessoria e assistência a que se faz referência no n.º 6 do artigo 43.º.
5. Quando a divulgação de provas ou de informação, de acordo com o presente Estatuto, representar um grave perigo para a segurança de uma testemunha ou da sua família, o Procurador poderá, para efeitos de qualquer diligência anterior ao julgamento, não apresentar as referidas provas ou informação, mas antes um resumo das mesmas. As medidas desta natureza deverão ser postas em prática de uma forma que não seja prejudicial aos direitos do arguido ou incompatível com estes e com a realização de um julgamento equitativo e imparcial.
6. Qualquer Estado poderá solicitar que sejam tomadas as medidas necessárias para assegurar a protecção dos seus funcionários ou agentes, bem como a protecção de toda a informação de carácter confidencial ou restrito.


Artigo 69.º
Prova

1. Em conformidade com as Regras de Procedimento e Prova e antes de depor, qualquer testemunha se comprometerá a fazer o seu depoimento com verdade.
2. A prova testemunhal deverá ser feita pela própria pessoa no decurso da audiência, salvo quando se apliquem as medidas estabelecidas no artigo 68.º ou nas Regras de Procedimento e Prova. De igual modo, o Tribunal poderá permitir que uma testemunha preste declarações oralmente ou por meio de gravação em vídeo ou audio, ou que sejam apresentados documentos ou transcrições escritas, nos termos do presente Estatuto e de acordo com as Regras de Procedimento e Prova. Estas medidas não poderão prejudicar os direitos do arguido, nem ser incompatíveis com eles.
3. As partes poderão apresentar provas que interessem ao caso, nos termos do artigo 64.º. O Tribunal será competente para solicitar oficiosamente a produção de todas as provas que entender necessárias para determinar a veracidade dos factos.
4. O Tribunal poderá decidir sobre a relevância ou admissibilidade de qualquer prova, tendo em conta, entre outras coisas, o seu valor probatório e qualquer prejuízo que possa acarretar para a realização de um julgamento equitativo ou para a avaliação equitativa dos depoimentos de uma testemunha, em conformidade com as regras de Procedimento e Prova.
5. O Tribunal respeitará e atenderá aos privilégios de confidencialidade estabelecidos nas Regras de Procedimento e Prova.
6. O Tribunal não exigirá prova dos factos do domínio público, mas poderá fazê-los constar dos autos.
7. Não serão admissíveis as provas obtidas com violação do presente Estatuto ou das normas de direitos humanos internacionalmente reconhecidas quando:
a) Essa violação suscite sérias dúvidas sobre a fiabilidade das provas; ou
b) A sua admissão atente contra a integridade do processo ou resulte em grave prejuízo deste.
8. O Tribunal, ao decidir sobre a relevância ou admissibilidade das provas apresentadas por um Estado, não poderá pronunciar-se sobre a aplicação do direito interno desse Estado.


Artigo 70.º
Infrações contra a administração da justiça

1. O Tribunal terá competência para conhecer das seguintes infrações contra a sua administração da justiça, quando cometidos intencionalmente:
a) Prestação de falso testemunho, quando há a obrigação de dizer a verdade, de acordo com o n.º 1 do artigo 69.º;
b) Apresentação de provas, tendo a parte conhecimento de que são falsas ou que foram falsificadas;
c) Suborno de uma testemunha, impedimento ou interferência na sua comparência ou depoimento, represálias contra uma testemunha por esta ter prestado depoimento, destruição ou alteração de provas ou interferência nas diligências de obtenção de prova;
d) Entrave, intimidação ou corrupção de um funcionário do Tribunal, com a finalidade de o obrigar ou o induzir a não cumprir as suas funções ou a fazê-lo de maneira indevida;
e) Represálias contra um funcionário do Tribunal, em virtude das funções que ele ou outro funcionário tenham desempenhado; e
f) Solicitação ou aceitação de suborno na qualidade de funcionário do Tribunal, e em relação com o desempenho das respectivas funções oficiais.
2. As Regras de Procedimento e Prova estabelecerão os princípios e procedimentos que regularão o exercício da competência do Tribunal relativamente às infracções a que se faz referência no presente artigo. As condições de cooperação internacional com o Tribunal, relativamente ao procedimento que adopte de acordo com o presente artigo, reger-se-ão pelo direito interno do Estado requerido.
3. Em caso de decisão condenatória, o Tribunal poderá impor uma pena de prisão não superior a cinco anos ou de multa, de harmonia com as Regras de Procedimento e Prova, ou ambas as penas.
4. a) Cada Estado Parte tornará as respectivas previsões penais que punem as infracções contra a integridade do inquérito ou desenvolvimento fase judicial extensivas às infracções contra a administração da justiça a que se faz referência no presente artigo, e que sejam cometidas no seu território ou por um dos seus nacionais;
b) A pedido do Tribunal, qualquer Estado Parte submeterá, sempre que o entender necessário, o caso à apreciação das suas autoridades competentes para fins de procedimento crime. Essas autoridades conhecerão do caso com diligência e accionarão os meios necessários para a sua eficaz condução.


Artigo 71.º
Sanções por desrespeito ao Tribunal

1. Em caso de atitudes de desrespeito ao Tribunal, tais como perturbar a audiência ou recusar-se deliberadamente a cumprir as suas instruções, o Tribunal poderá impor sanções administrativas que não impliquem privação de liberdade, como, por exemplo, a expulsão temporária ou permanente da sala de audiências, a multa ou outra medida semelhante prevista nas Regras de Procedimento e Prova.
2.O processo de imposição das medidas a que se refere o número anterior reger-se-á pelas Regras de Procedimento e Prova.


Artigo 72.º
Protecção de informação relativa à segurança nacional

1. O presente artigo aplicar-se-á a todos os casos em que a divulgação de informação ou de documentos de um Estado possa, no entender deste, afectar os interesses da sua segurança nacional. Tais casos incluem os abrangidos pelas disposições constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 56.º, n.º 3 do artigo 61.º, n.º 3 do artigo 64.º, n.º 2 do artigo 67.º, n.º 6 do artigo 68.º, n.º 6 do artigo 87.º e do artigo 93.º, assim como os que se apresentem em qualquer outra fase do processo em que uma tal divulgação possa estar em causa.
2. O presente artigo aplicar-se-á igualmente aos casos em que uma pessoa, a quem tenha sido solicitada a prestação de informação ou provas, se tenha recusado a apresentá-las ou tenha entregue a questão ao Estado, invocando que tal divulgação afectaria os interesses da segurança nacional do Estado, e o Estado em causa confirme que, no seu entender, essa divulgação afectaria os interesses da sua segurança nacional.
3. Nada no presente artigo afectará os privilégios de confidencialidade a que se referem as alíneas e) e f) do n.º 3 do artigo 54.º, nem a aplicação do artigo 73.º.
4. Se um Estado tiver conhecimento de que informações ou documentos do Estado estão a ser, ou poderão vir a ser, divulgados em qualquer fase do processo, e considerar que essa divulgação afectaria os seus interesses de segurança nacional, tal Estado terá o direito de intervir com vista a ver alcançada a resolução desta questão em conformidade com o presente artigo.
5. O Estado que considere que a divulgação de determinada informação poderá afectar os seus interesses de segurança nacional adoptará, em conjunto com o Procurador, a Defesa, o juízo de Instrução ou o juízo de julgamento em primeira instância, conforme o caso, todas as medidas razoavelmente possíveis para encontrar uma solução através da concertação. Estas medidas poderão incluir:
a) A alteração ou a clarificação do pedido;
b) Uma decisão do Tribunal relativa à relevância das informações ou dos elementos de prova solicitados, ou uma decisão sobre se as provas, ainda que relevantes, não poderiam ser ou ter sido obtidas junto de fonte distinta do Estado requerido;
c) A obtenção da informação ou de provas de fonte distinta ou numa forma diferente; ou
d) Um acordo sobre as condições em que a assistência poderá ser prestada, incluindo, entre outras, a disponibilização de resumos ou exposições, restrições à divulgação, recurso ao procedimento à porta fechada ou à revelia de uma das partes, ou aplicação de outras medidas de protecção permitidas pelo Estatuto ou pelas Regras de Procedimento e Prova.
6. Um vez feitas todas as diligências razoavelmente possíveis com vista a resolver a questão por meio de concertação, e se o Estado considerar não haver meios nem condições para que as informações ou os documentos possam ser facultados ou revelados sem prejuízo dos seus interesses de segurança nacional, notificará o Procurador ou o Tribunal nesse sentido, indicando as razões precisas que fundamentaram a sua decisão, a menos que a descrição específica dessas razões prejudique, necessariamente, os interesses de segurança nacional do Estado.
7. Posteriormente, se decidir que a prova é relevante e necessária para a determinação da culpa ou inocência do arguido, o Tribunal poderá adoptar as seguintes medidas:
a) Quando a divulgação da informação ou do documento for solicitada no âmbito de um pedido de cooperação, nos termos da Parte IX do presente Estatuto ou nas circunstâncias a que se refere o n.º 2 do presente artigo, e o Estado invocar o motivo de recusa estatuído no n.º 4 do artigo 93.º:
i) O Tribunal poderá, antes de chegar a qualquer uma das conclusões a que se refere o § ii) da alínea a) do n.º 7, solicitar consultas suplementares com o fim de ouvir o Estado, incluindo, se for caso disso, a sua realização à porta fechada ou à revelia de uma das partes;
ii) Se o Tribunal chegar à conclusão de que, ao invocar o motivo de recusa estatuído no n.º 4 do artigo 93.º, dadas as circunstâncias do caso, o Estado requerido não está a actuar de harmonia com as obrigações impostas pelo presente Estatuto, poderá remeter a questão nos termos do n.º 7 do artigo 87.º, especificando as razões da sua conclusão; e
iii) O Tribunal poderá tirar as conclusões, que entender apropriadas, em razão das circunstâncias, ao julgar o arguido, quanto à existência ou inexistência de um facto; ou
b) Em todas as restantes circunstâncias:
i) Ordenar a revelação; ou
ii) Se não ordenar a revelação, tirar qualquer conclusão no julgamento do arguido, quanto à existência ou inexistência de um facto, conforme se mostrar apropriado.


Artigo 73.º
Informação ou documentos disponibilizada por terceiros

Se um Estado Parte receber um pedido do Tribunal para que lhe forneça uma informação ou um documento que esteja sob sua custódia, posse ou controlo, e que lhe tenha sido comunicado a título confidencial por um Estado, uma organização intergovernamental ou uma organização internacional, tal Estado Parte deverá obter o consentimento do seu autor para a divulgação dessa informação ou documento. Se o autor for um Estado Parte, este poderá consentir em divulgar a referida informação ou documento ou comprometer-se a resolver a questão com o Tribunal, salvaguardando-se o disposto no artigo 72.º. Se o autor não for um Estado Parte e não consentir em divulgar a informação ou o documento, o Estado requerido comunicará ao Tribunal que não lhe será possível fornecer a informação ou o documento em causa, devido à obrigação previamente contraída com o respectivo autor de preservar o seu carácter confidencial.


Artigo 74.º
Requisitos para a decisão

1. Todos os juízes do juízo de julgamento em primeira instância estarão presentes em cada uma das fases do julgamento e nos debates. A Presidência poderá designar, conforme o caso específico, um ou vários juízes substitutos, em função das disponibilidades destes, para estarem presentes em todas as fases do julgamento, bem como para substituirem qualquer membro do juízo de julgamento em primeira instância que se encontre impossibilitado de continuar a participar no julgamento.
2. O juízo de julgamento em primeira instância fundamentará a sua decisão com base na apreciação das provas e do processo no seu conjunto. A decisão não exorbitará dos factos e circunstâncias descritos na acusação ou nas alterações que lhe tenham sido feitas. O Tribunal fundamentará a sua decisão exclusivamente nas provas produzidas ou examinadas em audiência de julgamento.
3. Os juízes procurarão tomar uma decisão por unanimidade e, não sendo possível, por maioria.
4. As deliberações do juízo de julgamento em primeira instância serão e permanecerão secretas.
5. A decisão será apresentada por escrito e conterá uma exposição completa e fundamentada da apreciação das provas e das conclusões pelo juízo de julgamento em primeira instância. Será proferida uma só decisão pelo juízo de julgamento em primeira instância. Se não houver unanimidade, a decisão do juízo de julgamento em primeira instância conterá as opiniões tanto da parte vincenda como da parte vencida. A leitura da decisão ou de uma sua súmula far-se-á em audiência pública.


Artigo 75.º
Reparação em favor das vítimas

1. O Tribunal estabelecerá princípios aplicáveis às formas de reparação, tais como a restituição, a indemnização ou a reabilitação, que hajam de ser atribuídas às vítimas ou aos titulares desse direito. Nesta base, o Tribunal poderá, oficiosamente ou por requerimento, em circunstâncias excepcionais, determinar a extensão e o nível dos danos, da perda ou do prejuízo causados às vítimas ou aos titulares do direito a reparação, com a indicação dos princípios nos quais fundamentou a sua decisão.
2. O Tribunal poderá lavrar despacho contra a pessoa condenada, no qual determinará a reparação adequada a ser atribuída às vítimas ou aos titulares de tal direito. Esta reparação poderá, nomeadamente, assumir a forma de restituição, indemnização ou reabilitação.
Se for caso disso, o Tribunal poderá ordenar que a indemnização atribuída a título de reparação seja paga por intermédio do Fundo previsto no artigo 79.º.
3. Antes de lavrar qualquer despacho ao abrigo do presente artigo, o Tribunal poderá solicitar e tomar em consideração as pretensões formuladas pela pessoa condenada, pelas vítimas, por outras pessoas interessadas ou por outros Estados interessados, bem como as observações formuladas em nome dessas pessoas ou desses Estados.
4. Ao exercer os poderes conferidos pelo presente artigo, o Tribunal poderá, após a condenação por crime que releve da sua competência, determinar se, para fins de aplicação dos despachos que lavrar ao abrigo do presente artigo, será necessário tomar quaisquer medidas em conformidade com o n.º 1 do artigo 93.º.
5. Os Estados-Parte observarão as decisões proferidas nos termos deste artigo como se as disposições do artigo 109.º se aplicassem ao presente artigo.
6. Nada no presente artigo será interpretado como prejudicando os direitos reconhecidos às vítimas pelo direito interno ou internacional.

Artigo 76.º
Aplicação da pena

1. Em caso de condenação, o juízo de julgamento em primeira instância determinará a pena a aplicar tendo em conta os elementos de prova e as exposições relevantes produzidos no decurso do julgamento.
2. Salvo nos casos em que seja aplicado o artigo 65.º e antes de concluído o julgamento, o juízo de julgamento em primeira instância poderá, oficiosamente, e deverá, a requerimento do Procurador ou do arguido, convocar uma audiência suplementar, a fim de conhecer de quaisquer novos elementos de prova ou exposições relevantes para a determinação da pena, de harmonia com as Regras de Procedimento e Prova.
3. Sempre que o n.º 2 for aplicável, as pretensões previstas no artigo 75.º serão ouvidas pelo juízo de julgamento em primeira instância no decorrer da audiência suplementar referida no n.º 2 e, se necessário, no decorrer de qualquer nova audiência.
4. A sentença será proferida em audiência pública e, sempre que possível, na presença do arguido.


Capítulo VII. as penas

Artigo 77.º
Penas aplicáveis

1. Salvo o disposto no artigo 110.º, o Tribunal poderá impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5.º do presente Estatuto uma das seguintes penas:
a) Pena de prisão determinada em anos, até ao limite máximo de 30 anos; ou
b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do facto e as condições pessoais do condenado o justificarem.
2. Além da pena de prisão, o Tribunal poderá aplicar:
a) Uma multa, de acordo com os critérios previstos nas Regras de Procedimento e Prova;
b) A perda de produtos, bens e haveres provenientes, directa ou indirectamente, do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa-fé.


Artigo 78.º
Determinação da pena

1. Na determinação da pena, o Tribunal atenderá, de harmonia com as Regras de Procedimento e Prova, a factores tais como a gravidade do crime e as condições pessoais do condenado.
2. O Tribunal descontará, na pena de prisão que vier a aplicar, o período durante o qual o condenado esteve sob detenção por ordem daquele. O Tribunal poderá ainda descontar qualquer outro período de detenção que tenha sido cumprido em razão de uma conduta constitutiva do crime.
3. Se uma pessoa for condenada pela prática de vários crimes, o Tribunal aplicará penas de prisão parcelares relativamente a cada um dos crimes e uma pena única, na qual será especificada a duração total da pena de prisão. Esta duração não poderá ser inferior à da pena parcelar mais elevada e não poderá ser superior a 30 anos de prisão ou ir além da pena de prisão perpétua prevista no artigo 77.º, n.º 1, alínea b).


Artigo 79.º
Fundo em favor das vítimas

1. Por decisão da Assembleia dos Estados-Parte, será criado um Fundo a favor das vítimas de crimes da competência do Tribunal, bem como das respectivas famílias.
2. O Tribunal poderá ordenar que o produto das multas e quaisquer outros bens declarados perdidos revertam para o Fundo.
3. O Fundo será gerido de harmonia com os critérios a serem adoptados pela Assembleia dos Estados-Parte.


Artigo 80.º
Não interferência no regime de aplicação de penas nacionais
e nos direitos internos

Nada no presente Capítulo prejudicará a aplicação, pelos Estados, das penas previstas nos respectivos direitos internos, ou a aplicação da legislação de Estados que não preveja as penas referidas neste capítulo.



Capítulo VIII. recurso e revisão

Artigo 81.º
Recurso da sentença condenatória ou absolutória ou da pena

1. Em conformidade com as Regras de Procedimento e Prova, poderá ser interposto recurso de uma sentença proferida nos termos do artigo 74.º nos seguintes termos:
a) O Procurador poderá interpor recurso com base num dos seguintes fundamentos:
i) Vício processual;
ii) Erro de facto; ou
iii) Erro de direito;
b) O condenado ou o Procurador, em nome daquele, poderá interpor recurso com base num dos seguintes fundamentos:
i) Vício processual;
ii) Erro de facto;
iii) Erro de direito; ou
iv) Qualquer outro motivo susceptível de afectar a equidade ou a regularidade do processo ou da sentença.
2. a) O Procurador ou o condenado poderá, em conformidade com as Regras de Procedimento e Prova, interpor recurso da pena decretada invocando desproporção entre esta e o crime;
b) Se, ao conhecer de recurso interposto da pena decretada, o Tribunal considerar que há fundamentos susceptíveis de justificar o repúdio, no todo ou em parte, da sentença condenatória, poderá convidará o Procurador e o condenado a motivarem a sua posição nos termos da alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 81.º, após o que poderá pronunciar-se sobre a sentença condenatória nos termos do artigo 83.º;
c) O mesmo procedimento será aplicado sempre que o Tribunal, ao conhecer de recurso interposto unicamente da sentença condenatória, considerar haver fundamentos comprovativos de uma redução da pena nos termos da alínea a) do n.º 2.
3. a) Salvo decisão em contrário do juízo de julgamento em primeira instância, o condenado permanecerá sob prisão preventiva durante a tramitação do recurso;
b) Se o período de prisão preventiva ultrapassar a duração da pena decretada, o condenado será posto em liberdade; todavia, se o Procurador também interpuser recurso, a libertação ficará sujeita às condições enunciadas na alínea c) infra;
c) Em caso de absolvição, o arguido será imediatamente posto em liberdade, sem prejuízo das seguintes condições:
i) Em circunstâncias excepcionais e tendo em conta, nomeadamente, o risco de fuga, a gravidade da infracção e as probabilidades de o recurso ser julgado procedente, a Câmara de primeira instância poderá, a requerimento do Procurador, ordenar que o arguido seja mantido em regime de prisão preventiva durante a tramitação do recurso;
ii) A decisão proferida pelo juízo de julgamento em primeira instância nos termos da sub-alínea i), será recorrível de harmonia com as Regras de Procedimento e Prova.
4. Sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 3, a execução da sentença condenatória ou da pena ficará suspensa pelo período fixado para a interposição do recurso, bem como durante a fase de tramitação do recurso.


Artigo 82.º
Recurso de outras decisões

1. Em conformidade com as Regras de Procedimento e Prova, qualquer uma das Partes poderá recorrer das seguintes decisões:
a) Decisão sobre a competência ou a admissibilidade de um caso;
b) Decisão que autorize ou recuse a libertação da pessoa objecto de inquérito ou de procedimento crime;
c) Decisão do juízo de Instrução de agir por iniciativa própria, nos termos do n.º 3 do artigo 56.º;
d) Decisão relativa a uma questão susceptível de afectar significativamente a tramitação equitativa e célere do processo ou o resultado do julgamento, e cuja resolução imediata pelo juízo de Recursos poderia, no entender do juízo de Instrução ou do juízo de julgamento em primeira instância, acelerar a marcha do processo.
2. Quer o Estado interessado quer o Procurador poderão recorrer da decisão proferida pelo juízo de Instrução, mediante autorização deste, nos termos do artigo 57.º, n.º 3, alínea d). Este recurso adoptará uma forma sumária.
3. O recurso só terá efeitos suspensivos se o juízo de Recursos assim o ordenar, mediante requerimento, em conformidade com as Regras de Procedimento e Prova.
4. O representante legal das vítimas, o condenado ou o proprietário de boa-fé de bens que hajam sido afectados por um despacho proferido ao abrigo do artigo 73.º poderá recorrer de tal despacho, em conformidade com as Regras de Procedimento e Prova.


Artigo 83.º
Processo sujeito a recurso

1. Para os fins do procedimentos referido no artigo 81.º e no presente artigo, o juízo de Recursos terá todos os poderes conferidos ao juízo de julgamento em primeira instância.
2. Se o juízo de Recursos concluir que o processo sujeito a recurso enferma de vícios tais que afectem a regularidade da decisão ou da sentença, ou que a decisão ou a sentença recorridas estão materialmente afectadas por erros de facto ou de direito, ou erros do processado, ela poderá:
a) Anular ou modificar a decisão ou a pena; ou
b) Ordenar um novo julgamento perante um outro juízo de julgamento em primeira instância.
Para os fins mencionados, poderá o juízo de Recursos reenviar uma questão de facto para o juízo de julgamento em primeira instância à qual foi submetida originariamente, a fim de que esta decida a questão e lhe apresente um relatório, ou pedir, ela própria, elementos de prova para decidir. Tendo o recurso da decisão ou da pena sido interposto somente pelo condenado, ou pelo Procurador em seu nome, não poderão aquelas ser modificadas em prejuízo do condenado.
3. Se, ao conhecer do recurso de uma pena, o juízo de Recursos considerar que a pena é desproporcionada relativamente ao crime, poderá modificá-la nos termos do Capítulo VII.
4. O acórdão do juízo de Recursos será tirado por maioria dos juízes e proferido em audiência pública. O acórdão será sempre fundamentado. Não havendo unanimidade, deverá conter as opiniões da parte vincenda e da parte vencida; contudo, qualquer juiz poderá exprimir uma opinião separada ou discordante sobre uma questão de direito.
5. O juízo de Recursos poderá emitir o seu acórdão na ausência da pessoa absolvida ou condenada.


Artigo 84.º
Revisão da sentença condenatória ou da pena

1. O condenado ou, se este tiver falecido, o cônjuge sobrevivo, os filhos, os pais ou qualquer pessoa que, em vida do condenado, dele tenha recebido incumbência expressa, por escrito, nesse sentido, ou o Procurador como seu representante, poderá submeter ao juízo de de Recursos um requerimento solicitando a revisão da sentença condenatória ou da pena pelos seguintes motivos:
a) A descoberta de novos elementos de prova:
i) De que não dispunha aquando do julgamento, sem que essa circunstância pudesse ser imputada, no todo ou em parte, ao requerente; e
ii) De tal forma importantes que, se tivessem ficado provados no julgamento, teriam provavelmente conduzido a um veredicto diferente;
b) A descoberta de que elementos de prova, apreciados no julgamento e decisivos para a determinação da culpa, eram falsos ou tinham sido objecto de contrafacção ou falsificação;
c) Um ou vários dos juízes que intervieram na sentença condenatória ou confirmaram a acusação hajam praticado actos de má conduta ou de incumprimento dos respectivos deveres de tal forma graves que justifiquem a sua cessação de funções nos termos do artigo 46.º.
2. O juízo de Recursos rejeitará o pedido se o considerar manifestamente infundado. Caso contrário, poderá o juízo, se julgar oportuno:
a) Convocar de novo o juízo de julgamento em primeira instância que proferiu a sentença inicial;
b) Constituir um novo juízo de julgamento em primeira instância; ou
c) Manter a sua competência para conhecer da causa, a fim de determinar se, após a audição das partes nos termos das Regras Processuais, haverá lugar à revisão da sentença.


Artigo 85.º
Indemnização do detido ou condenado

1. Quem tiver sido objecto de detenção ou prisão preventiva ilegal terá direito a reparação.
2. Sempre que uma decisão final seja posteriormente anulada em razão de factos novos ou recentemente descobertos que apontem inequivocamente para um erro judiciário, a pessoa que tiver cumprido pena em resultado de tal sentença condenatória será indemnizada, em conformidade com a lei, a menos que fique provado que a não revelação, em tempo útil, do facto desconhecido lhe seja imputável, no todo ou em parte.
3. Em circunstâncias excepcionais e em face de factos que conclusivamente demonstrem a existência de erro judiciário grave e manifesto, o Tribunal poderá, no uso do seu poder discricionário, atribuir uma indemnização, de acordo com os critérios enunciados nas Regras de Procedimento e Prova, à pessoa que, em virtude de sentença absolutória ou de extinção da instância por tal motivo, haja sido posta em liberdade.


Capítulo IX. cooperação internacional e auxílio judiciário

Artigo 86.º
Obrigação geral de cooperar

Os Estados-Parte deverão, em conformidade com o disposto no presente Estatuto, cooperar plenamente com o Tribunal no inquérito e em todo o procedimento desencadeado por crimes da competência deste.


Artigo 87.º
Pedidos de cooperação: disposições gerais

1. a) O Tribunal estará habilitado a dirigir pedidos de cooperação aos Estados-Parte. Estes pedidos serão transmitidos pela via diplomática ou por qualquer outra via apropriada escolhida pelo Estado Parte no momento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão ao presente Estatuto.
Qualquer Estado Parte poderá alterar posteriormente a escolha feita nos termos das Regras de Procedimento e Prova.
b) Se for caso disso, e sem prejuízo do disposto na alínea a), os pedidos poderão ser igualmente transmitidos pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL) ou por qualquer outra organização regional competente.
2. Os pedidos de cooperação e os documentos comprovativos que os instruam serão redigidos na língua oficial do Estado requerido ou acompanhados de uma tradução nessa língua, ou numa das línguas de trabalho do Tribunal ou acompanhados de uma tradução numa dessas línguas, de acordo com a escolha feita pelo Estado requerido no momento da ratificação, aceitação, aprovação ou adesão ao presente Estatuto.
Qualquer alteração posterior será feita de harmonia com as Regras de Procedimento e Prova.
3. O Estado requerido manterá a confidencialidade dos pedidos de cooperação e dos documentos comprovativos que os instruam, salvo quando a sua revelação for necessária para a execução do pedido.
4. Relativamente aos pedidos de auxílio formulados ao abrigo do presente Capítulo, o Tribunal poderá, nomeadamente em matéria de protecção da informação, tomar as medidas necessárias à garantia da segurança e do bem-estar físico ou psicológico das vítimas, das potenciais testemunhas e dos seus familiares. O Tribunal poderá solicitar que as informações fornecidas ao abrigo do presente Capítulo sejam comunicadas e tratadas por forma a que a segurança e o bem-estar físico ou psicológico das vítimas, das potenciais testemunhas e dos seus familiares sejam devidamente preservados.
5. O Tribunal poderá convidar qualquer Estado que não seja Parte no presente Estatuto a prestar auxílio ao abrigo do presente Capítulo com base num convénio ad hoc, num acordo celebrado com esse Estado ou por qualquer outro modo apropriado.
Se, após a celebração de um convénio ad hoc ou de um acordo com o Tribunal, um Estado que não seja Parte no presente Estatuto se recusar a cooperar nos termos de tal convénio ou acordo, o Tribunal dará conhecimento desse facto à Assembleia dos Estados-Parte ou o Conselho de Segurança, quando tiver sido este a referenciar o facto ao Tribunal.
6. O Tribunal poderá solicitar informações ou documentos a qualquer organização intergovernamental. Poderá igualmente requerer outras formas de cooperação e auxílio a serem acordadas com tal organização e que estejam em conformidade com a sua competência ou o seu mandato.
7. Se, contrariamente ao disposto no presente Estatuto, um Estado Parte recusar um pedido de cooperação formulado pelo Tribunal, impedindo-o assim de exercer os seus poderes e funções nos termos do presente Estatuto, o Tribunal poderá elaborar um relatório e remeter a questão à Assembleia dos Estados-Parte ou ao Conselho de Segurança, quando tiver sido este a submeter o facto ao Tribunal.


Artigo 88.º
Procedimentos previstos no direito interno

Os Estados-Parte deverão assegurar-se de que o seu direito interno prevê procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação especificadas neste Capítulo.


Artigo 89.º
Entrega de pessoas ao Tribunal

1. O Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa, instruído com os documentos comprovativos referidos no artigo 91.º, a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa. Os Estados-Parte darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega em conformidade com o presente Capítulo e com os procedimentos previstos nos respectivos direitos internos.
2. Sempre que a pessoa cuja entrega é solicitada impugnar a sua entrega perante um tribunal nacional com base no princípio ne bis in idem previsto no artigo 20.º, o Estado requerido consultará, de imediato, o Tribunal para determinar se houve uma decisão relevante sobre a admissibilidade. Se o caso for considerado admissível, o Estado requerido dará seguimento ao pedido. Se estiver pendente decisão sobre a admissibilidade, o Estado requerido poderá diferir a execução do pedido até que o Tribunal se pronuncie.
3. a) Os Estados-Parte autorizarão, de acordo com os procedimentos previstos na respectiva legislação nacional, o trânsito, pelo seu território, de uma pessoa entregue ao Tribunal por um outro Estado, salvo quando o trânsito por esse Estado impedir ou retardar a entrega.
b) Um pedido de trânsito formulado pelo Tribunal será transmitido em conformidade com o artigo 87.º. Do pedido de trânsito constarão:
i) A identificação da pessoa transportada;
ii) Um resumo dos factos e da respectiva qualificação jurídica;
iii) O mandado de detenção e entrega.
c) A pessoa transportada será mantida sob custódia no decurso do trânsito.
d) Nenhuma autorização será necessária se a pessoa for transportada por via aérea e não esteja prevista qualquer aterragem no território do Estado de trânsito.
e) Se ocorrer uma aterragem imprevista no território do Estado de trânsito, poderá este exigir ao Tribunal a apresentação de um pedido de trânsito nos termos previstos na alínea b). O Estado de trânsito manterá a pessoa sob detenção até à recepção do pedido de trânsito e à efectivação do trânsito. Todavia, a detenção ao abrigo da presente alínea não poderá prolongar-se para além das 96 horas subsequentes à aterragem imprevista se o pedido não for recebido dentro desse prazo.
4. Se a pessoa reclamada for objecto de procedimento crime ou estiver a cumprir uma pena no Estado requerido por crime diverso do que motivou o pedido de entrega ao Tribunal, este Estado consultará o Tribunal após ter decidido anuir ao pedido


Artigo 90.º
Pedidos concorrentes

1. Um Estado Parte que, nos termos do artigo 89.º, receba um pedido de entrega de uma pessoa formulado pelo Tribunal, e receba igualmente, de qualquer outro Estado, um pedido de extradição relativo à mesma pessoa, pelos mesmos factos que motivaram o pedido de entrega por parte do Tribunal, deverá notificar o Tribunal e o Estado requerente de tal facto.
2. Se o Estado requerente for um Estado Parte, o Estado requerido dará prioridade ao pedido do Tribunal:
a) Se o Tribunal tiver decidido, nos termos do artigo 18.º ou 19.º, da admissibilidade do caso a que respeita o pedido de entrega, e tal determinação tiver tido em conta o inquérito ou o procedimento crime conduzido pelo Estado requerente relativamente ao pedido de extradição por este formulado; ou
b) Se o Tribunal tiver tomado a decisão referida na alínea a) em conformidade com a notificação feita pelo Estado requerido, em aplicação do n.º 1.
3. Se o Tribunal não tiver tomado uma decisão nos termos da alínea a) do n.º 2, o Estado requerido poderá, se assim o entender, estando pendente a determinação do Tribunal nos termos da alínea b) do nº 2, dar seguimento ao pedido de extradição formulado pelo Estado requerente sem, contudo, extraditar a pessoa até que o Tribunal decida sobre a admissibilidade do caso. A decisão do Tribunal adquirirá a forma acelerada.
4. Se o Estado requerente não for Parte no presente Estatuto, o Estado requerido, desde que não esteja obrigado por uma norma internacional a extraditar o interessado para o Estado requerente, dará prioridade ao pedido de entrega formulado pelo Tribunal, no caso de este se ter decidido pela admissibilidade do caso.
5. Quando um caso previsto no nº 4 não tiver sido declarado admissível pelo Tribunal, o Estado requerido poderá, se assim o entender, dar seguimento ao pedido de extradição formulado pelo Estado requerente.
6. Relativamente aos casos em que o disposto no n.º 4 seja aplicável, mas o Estado requerido se veja obrigado, por força de uma norma internacional, a extraditar a pessoa para o Estado requerente que não seja Parte no presente Estatuto, o Estado requerido decidirá se procederá à entrega da pessoa em causa ao Tribunal ou se a extraditará para o Estado requerente. Na sua decisão, o Estado requerido terá em conta todos os factores relevantes, incluindo, entre outros:
a) A ordem cronológica dos pedidos;
b) Os interesses do Estado requerente, incluindo, se relevante, se o crime foi cometido no seu território bem como a nacionalidade das vítimas e da pessoa reclamada; e
c) A possibilidade de o Estado requerente vir a proceder posteriormente à entrega da pessoa ao Tribunal.
7. Se um Estado Parte receber um pedido de entrega de uma pessoa formulado pelo Tribunal e um pedido de extradição formulado por um outro Estado Parte relativamente à mesma pessoa, por factos diferentes dos que constituem o crime objecto do pedido de entrega:
a) O Estado requerido dará prioridade ao pedido do Tribunal, se não estiver obrigado por uma norma internacional a extraditar a pessoa para o Estado requerente;
b) O Estado requerido terá de decidir se entrega a pessoa ao Tribunal ou a extradita para o Estado requerente, se estiver obrigado por uma norma internacional a extraditar a pessoa para o Estado requerente. Na sua decisão, o Estado requerido considerará todos os factores relevantes, incluindo, entre outros, os constantes do n.º 6; todavia, deverá dar especial atenção à natureza e à gravidade dos factos em causa.
8. Se, em conformidade com a notificação prevista no presente artigo, o Tribunal se tiver pronunciar pela inadmissibilidade do caso e, posteriormente, a extradição para o Estado requerente for recusada, o Estado requerido notificará o Tribunal dessa decisão.


Artigo 91.º
Conteúdo do pedido de detenção e de entrega

1. O pedido de detenção e de entrega será formulado por escrito. Em caso de urgência, o pedido poderá ser feito através de qualquer outro meio de que fique registo escrito, devendo, no entanto, ser confirmado através dos canais previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 87º.

2. O pedido de detenção e entrega de uma pessoa relativamente à qual o juízo de Instrução tiver emitido um mandado de detenção ao abrigo do artigo 58.º, deverá conter ou ser acompanhado dos seguintes documentos:
a) Uma descrição da pessoa procurada, contendo informação suficiente que permita a sua identificação, bem como informação sobre a sua provável localização;
b) Uma cópia do mandado de detenção; e
c) Os documentos, declarações e informações necessários para satisfazer os requisitos do processo de entrega pelo Estado requerido; contudo, tais requisitos não deverão ser mais rigorosos dos que os que devem ser observados em caso de um pedido de extradição em conformidade com tratados ou convénios celebrados entre o Estado requerido e outros Estados, devendo, se possível, ser menos rigorosos face à natureza específica de que se reveste o Tribunal.
3. Se o pedido respeitar à detenção e à entrega de uma pessoa já condenada, deverá conter ou ser acompanhado dos seguintes documentos:
a) Uma cópia do mandado de detenção dessa pessoa;
b) Uma cópia da sentença condenatória;
c) Elementos que demonstrem que a pessoa procurada é a mesma a que se refere a sentença condenatória; e
d) Se à pessoa procurada já tiver sido imposta uma pena, uma cópia da pena imposta e, em caso de pena de prisão, a indicação do período que já tiver cumprido, bem como o período que ainda lhe falte cumprir.
4. Mediante requerimento do Tribunal, um Estado Parte manterá, no que respeite a questões genéricas ou a uma questão específica, consultas com o Tribunal sobre quaisquer requisitos previstos no seu direito interno que possam ser aplicados nos termos da alínea c) do nº 2. No decurso de tais consultas, o Estado Parte informará o Tribunal dos requisitos específicos constantes do seu direito interno.


Artigo 92.º
Prisão preventiva

1. Em caso de urgência, for aguardada, o Tribunal poderá solicitar a prisão preventiva da pessoa procurada enquanto a apresentação do pedido de entrega e os documentos de apoio referidos no artigo 91.º.
2. O pedido de prisão preventiva será transmitido por qualquer meio de que fique registo escrito e conterá:
a) Uma descrição da pessoa procurada, contendo informação suficiente que permita a sua identificação, bem como informação sobre a sua provável localização;
b) Uma exposição sucinta dos crimes pelos quais a pessoa é procurada, bem como dos factos alegadamente constitutivos de tais crimes incluindo, se possível, a data e o local da sua prática;
c) Uma declaração que certifique a existência de um mandado de detenção ou de uma decisão condenatória contra a pessoa procurada; e
d) Uma declaração de que o pedido de entrega relativo à pessoa procurada será enviado posteriormente.
3. Qualquer pessoa mantida sob prisão preventiva poderá ser posta em liberdade se o Estado requerido não tiver recebido, em conformidade com o artigo 91.º, o pedido de entrega e os respectivos documentos no prazo fixado pelas Regras de Procedimento e Prova. Todavia, essa pessoa poderá consentir na sua entrega antes do termo do período se a legislação do Estado requerido o permitir. Nesse caso, o Estado requerido procederá à entrega da pessoa reclamada ao Tribunal logo que possível.
4. O facto de a pessoa reclamada ter sido posta em liberdade em conformidade com o n.º 3 não obstará a que seja de novo detida e entregue se o pedido de entrega e os documentos em apoio, vierem a ser apresentados posteriormente.


Artigo 93.º
Outras formas de cooperação

1. Em conformidade com o disposto no presente Capítulo e nos termos dos procedimentos previstos nos respectivos direitos internos, os Estados-Parte darão seguimento aos pedidos formulados pelo Tribunal para concessão de auxílio, no âmbito de inquéritos ou procedimentos crime, no que se refere a:
a) Identificar uma pessoa e o local onde se encontra, ou localizar objectos;
b) Reunir elementos de prova, incluindo os depoimentos prestados sob juramento, bem como produzir elementos de prova, incluindo as perícias e os relatórios de que o Tribunal necessita;
c) Interrogar as pessoas que sejam objecto de inquérito ou de procedimento crime;
d) Notificar documentos, nomeadamente documentos judiciários;
e) Facilitar a comparência voluntária, perante o Tribunal, de pessoas que deponham na qualidade de testemunhas ou de peritos;
f) Proceder à transferência temporária de pessoas, em conformidade com o n.º 7;
g) Realizar inspecções a locais ou sítios, nomeadamente a exumação e o exame de cadáveres enterrados em fossas comuns;
h) Realizar buscas e apreensões;
i) Transmitir registos e documentos, nomeadamente registos e documentos oficiais;
j) Proteger vítimas e testemunhas, bem como preservar elementos de prova;
k) Identificar, localizar e congelar ou apreender o produto de crimes, bens, haveres e instrumentos ligados aos crimes, com vista à sua eventual declaração de perda, sem prejuízo dos direitos de terceiros agindo de boa-fé; e
l) Prestar qualquer outra forma de auxílio não proibida pela legislação do Estado requerido, destinada a facilitar o inquérito e o procedimento por crimes da competência do Tribunal.
2. O Tribunal terá poderes para garantir às testemunhas e aos peritos que perante ele compareçam de que não serão perseguidos, detidos ou sujeitos a qualquer outra restrição da sua liberdade pessoal, por facto ou omissão anteriores à sua saída do território do Estado requerido.
3. Se a execução de uma determinada medida de auxílio constante de um pedido apresentado ao abrigo do n.º 1 não for permitida no Estado requerido em virtude de um princípio jurídico fundamental de aplicação geral, o Estado em causa iniciará sem demora as consultas com o Tribunal com vista à solução dessa questão. No decurso das consultas, serão consideradas outras formas de auxílio, bem como as condições da sua realização. Se, concluídas as consultas, a questão não estiver resolvida, o Tribunal alterará o conteúdo do pedido conforme se mostrar necessário.
4. Nos termos do disposto no artigo 72.º, um Estado Parte só poderá recusar, no todo ou em parte, um pedido de auxílio formulado pelo Tribunal se tal pedido se reportar unicamente à produção de documentos ou à divulgação de elementos de prova que atentem contra a sua segurança nacional.
5. Antes de denegar o pedido de auxílio previsto na alínea l) do n.º 1, o Estado requerido considerará se o auxílio poderá ser concedido sob determinadas condições ou se poderá sê-lo em data ulterior ou sob uma outra forma, com a ressalva de que, se o Tribunal ou o Procurador aceitarem tais condições, deverão observá-las.
6. O Estado requerido que recusar um pedido de auxílio comunicará, sem demora, os motivos ao Tribunal ou ao Procurador.

7. a) O Tribunal poderá pedir a transferência temporária de uma pessoa detida para fins de identificação ou para obter um depoimento ou outras forma de auxílio. A transferência realizar-se-á sempre que:
i) A pessoa der o seu consentimento, livremente e com conhecimento de causa; e
ii) O Estado requerido concordar com a transferência, sem prejuízo das condições que esse Estado e o Tribunal possam acordar;
b) A pessoa transferida permanecerá detida. Uma vez atingido o objectivo da transferência, o Tribunal reenviá-la-á imediatamente para o Estado requerido.
8. a) O Tribunal garantirá a confidencialidade dos documentos e das informações recolhidas, excepto se necessários para o inquérito e os procedimentos descritos no pedido;
b) O Estado requerido poderá, se necessário, comunicar os documentos ou as informações ao Procurador a título confidencial. O Procurador só poderá utilizá-los para recolher novos elementos de prova;
c) O Estado requerido poderá, oficiosamente ou a pedido do Procurador, autorizar a divulgação posterior de tais documentos ou informações, os quais poderão ser utilizados como meios de prova, nos termos do disposto nos Capítulos V e VI e nas Regras de Procedimento e Prova.
9. a) i) Se um Estado Parte receber pedidos concorrentes formulados pelo Tribunal e por um outro Estado, no âmbito de uma obrigação internacional, e cujo objecto não seja nem a entrega nem a extradição, esforçar-se-á, mediante consultas com o Tribunal e esse outro Estado, por dar satisfação a ambos os pedidos adiando ou estabelecendo determinadas condições a um ou outro, se necessário.
ii) A não ser possível, os pedidos concorrentes observarão os princípios fixados no artigo 90.º.
b) Todavia, sempre que o pedido formulado pelo Tribunal respeitar a informações, bens ou pessoas que estejam sob o controlo de um Estado terceiro ou de uma organização internacional ao abrigo de um acordo internacional, o Estado requerido informará o Tribunal em conformidade, este dirigirá o seu pedido ao Estado terceiro ou à organização internacional.
10. a) Mediante pedido, o Tribunal cooperará com um Estado Parte e prestar-lhe-á auxílio na condução de um inquérito ou julgamento relacionado com factos que constituam um crime da jurisdição do Tribunal ou que constituam um crime grave à luz do direito interno do Estado requerente.
b) i) O auxílio previsto na alínea a) deve compreender a saber:
1. A transmissão de depoimentos, documentos e outros elementos de prova recolhidos no decurso do inquérito ou do julgamento conduzidos pelo Tribunal; e
2. O interrogatório de qualquer pessoa detida por ordem do Tribunal;
ii) No caso previsto na alínea b), i), 1):
1. A transmissão dos documentos e de outros elementos de prova obtidos com o auxílio de um Estado necessitará do consentimento desse Estado;
2. A transmissão de depoimentos, documentos e outros elementos de prova fornecidos quer por uma testemunha, quer por um perito, será feita em conformidade com o disposto no artigo 68.º.
c) O Tribunal poderá, em conformidade com as condições enunciadas neste número, deferir um pedido de auxílio formulado por um Estado que não seja parte no presente Estatuto.


Artigo 94.º
Suspensão da execução de um pedido relativamente a
um inquérito ou um procedimento crime em curso

1. Se a imediata execução de um pedido prejudicar o desenrolar de um inquérito ou de um procedimento crime relativos a um caso diferente daquele a que se reporta o pedido, o Estado requerido poderá suspender a execução do pedido por tempo determinado, acordado com o Tribunal. Contudo, a suspensão não deve prolongar-se além do necessário para que o inquérito ou o procedimento crime em causa sejam efectuados no Estado requerido. Este, antes de decidir suspender a execução do pedido, verificará se o auxílio não poderá ser concedido de imediato sob determinadas condições.
2. Se for decidida a suspensão de execução do pedido em conformidade com o n.º 1, o Procurador poderá, no entanto, solicitar que sejam adoptadas medidas para preservar os elementos de prova, nos termos da alínea j) do nº 1 do artigo 93º.

Artigo 95.º
Suspensão da execução de um pedido por
impugnação de admissibilidade

Se o Tribunal estiver a apreciar uma impugnação de admissibilidade, de acordo com os artigos 18.º ou 19.º, o Estado requerido poderá suspender a execução de um pedido formulado ao abrigo do presente Capítulo enquanto aguarda que o Tribunal se pronuncie, a menos que o Tribunal tenha especificamente ordenado que o Procurador continue a reunir elementos de prova, nos termos dos artigos 18.º ou 19.º.

Artigo 96.º
Conteúdo do pedido sob outras formas de cooperação
previstas no artigo 93.º

1. Todo o pedido relativo a outras formas de cooperação previstas no artigo 93.º será formulado por escrito. Em caso de urgência, o pedido poderá ser feito por qualquer meio que permita manter um registo escrito, desde que seja confirmado através dos canais indicados na alínea a) do n.º 1 do artigo 87.º.
2. O pedido deverá conter, ou ser instruído com, os seguintes documentos:
a) Um resumo do objecto do pedido, bem como da natureza do auxílio solicitado, incluindo os fundamentos jurídicos e os motivos do pedido;
b) Informações tão completas quanto possível sobre a pessoa ou o lugar a identificar ou a localizar, por forma a que o auxílio solicitado possa ser prestado;
c) Um exposição sucinta dos factos essenciais que fundamentam o pedido;
d) A exposição dos motivos e a explicação pormenorizada dos procedimentos ou das condições a respeitar;
e) Toda a informação que o Estado requerido possa exigir de acordo com o seu direito interno para dar seguimento ao pedido; e
f) Toda a informação útil para que o auxílio possa ser concedido.
3. A requerimento do Tribunal, um Estado Parte manterá, no que respeita a questões genéricas ou a uma questão específica, consultas com o Tribunal sobre as disposições aplicáveis do seu direito interno, susceptíveis de serem aplicadas em conformidade com a alínea e) do n.º 2. No decurso de tais consultas, o Estado Parte informará o Tribunal das disposições específicas constantes do seu direito interno.
4. O presente artigo aplicar-se-á, se for caso disso, a qualquer pedido de auxílio dirigido ao Tribunal.

Artigo 97.º
Consultas

Sempre que, ao abrigo do presente Capítulo, um Estado Parte receba um pedido e constate que este suscita dificuldades que possam obviar à sua execução ou impedi-la, o Estado em causa iniciará, sem demora, as consultas com o Tribunal com vista à solução desta questão. Tais dificuldades podem revestir as seguintes formas:
a) Informações insuficientes para dar seguimento ao pedido;
b) No caso de um pedido de entrega, o paradeiro da pessoa reclamada continuar desconhecido a despeito de todos os esforços ou a investigação realizada permitir determinar que a pessoa que se encontra no Estado de detenção não é manifestamente a pessoa identificada no mandado; ou
c) O Estado requerido se ver compelido, a fim de dar seguimento ao pedido na sua forma actual, a violar uma obrigação constante de um tratado anteriormente celebrado com outro Estado.


Artigo 98.º
Cooperação relativa à renúncia, à imunidade e ao consentimento na entrega

1. O Tribunal poderá não dar seguimento a um pedido de entrega ou de auxílio por força do qual o Estado requerido devesse actuar de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem à luz do direito internacional em matéria de imunidade dos Estados ou de imunidade diplomática de pessoa ou de bens de um Estado terceiro, a menos que obtenha previamente a cooperação desse Estado terceiro com vista ao levantamento da imunidade.
2. O Tribunal poderá não dar seguimento à execução de um pedido de entrega por força do qual o Estado requerido devesse actuar de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem em virtude de acordos internacionais à luz dos quais o consentimento do Estado de envio é necessário para que uma pessoa pertencente a esse Estado seja entregue ao Tribunal, a menos que o Tribunal consiga, previamente, obter a cooperação do Estado de envio para consentir na entrega.


Artigo 99.º
Execução dos pedidos apresentados ao abrigo dos artigos 93.º e 96.º

1. Os pedidos de auxílio serão executados de harmonia com os procedimentos previstos na legislação interna do Estado requerido e, a menos que o seu direito interno o proíba, na forma especificada no pedido, aplicando qualquer procedimento nele indicado ou autorizando as pessoas nele indicadas a estarem presentes e a participarem na execução do pedido.
2. Em caso de pedido urgente, os documentos e os elementos de prova produzidos na resposta serão, a requerimento do Tribunal, enviados com urgência.
3. As respostas do Estado requerido serão transmitidas na sua língua e forma originais.
4. Sem prejuízo dos demais artigos do presente Capítulo, sempre que for necessário para a execução com sucesso de um pedido, e não haja que recorrer a medidas coercivas, nomeadamente quando se trate de ouvir ou levar uma pessoa a depor de sua livre vontade, mesmo sem a presença das autoridades do Estado Parte requerido se tal for determinante para a execução do pedido, ou quando se trate de examinar, sem proceder a alterações, um sítio público ou um outro local público, o Procurador poderá dar cumprimento ao pedido directamente no território de um Estado, de acordo com as seguintes modalidades:
a) Quando o Estado requerido for o Estado em cujo território haja indícios de ter sido cometido o crime e existir uma decisão sobre a admissibilidade tal como previsto nos artigos 18.º e 19.º, o Procurador poderá executar directamente o pedido, depois de ter levado a cabo consultas tão amplas quanto possível com o Estado requerido;
b) Em outros casos, o Procurador poderá executar o pedido após consultas com o Estado Parte requerido e tendo em conta as condições ou as preocupações razoáveis que esse Estado tenha eventualmente argumentado. Sempre que o Estado requerido verificar que a execução de um pedido nos termos da presente alínea suscita dificuldades, consultará de imediato o Tribunal para resolver a questão.
5. As disposições que autorizam a pessoa ouvida ou interrogada pelo Tribunal ao abrigo do artigo 72.º, a invocar as restrições previstas para impedir a divulgação de informações confidenciais relacionadas com a segurança nacional, aplicar-se-ão de igual modo à execução dos pedidos de auxílio referidos no presente artigo.

Artigo 100.º
Despesas

1. As despesas ordinárias decorrentes da execução dos pedidos no território do Estado requerido serão por este suportadas, com excepção das seguintes, que correrão a cargo do Tribunal:
a) As despesas relacionadas com as viagens e a protecção das testemunhas e dos peritos ou com a transferência de detidos ao abrigo do artigo 93.º;
b) As despesas de tradução, de interpretação e de transcrição;
c) As despesas de deslocação e de estada dos juízes, do Procurador, dos Procuradores-adjuntos, do Secretário, do Secretário-Adjunto e dos membros do pessoal de todos os órgãos do Tribunal;
d) Os custos das perícias ou dos relatórios periciais solicitados pelo Tribunal;
e) As despesas decorrentes do transporte das pessoas entregues ao Tribunal pelo Estado de detenção; e
f) Após consulta, quaisquer despesas extraordinárias decorrentes da execução de um pedido.
2. O disposto no n.º 1 aplicar-se-á, sempre que necessário, aos pedidos dirigidos pelos Estados-Parte ao Tribunal. Neste caso, o Tribunal tomará a seu cargo as despesas ordinárias decorrentes da execução.


Artigo 101.º
Regra da especialidade

1. Nenhuma pessoa entregue ao Tribunal nos termos do presente Estatuto poderá ser perseguida, condenada ou detida por condutas anteriores à sua entrega, salvo quando estas constituam crimes que tenham fundamentado a sua entrega.
2. O Tribunal poderá solicitar uma derrogação dos requisitos estabelecidos no n.º 1 ao Estado que lhe tenha entregue uma pessoa e, se necessário, facultar-lhe-á, em conformidade com o artigo 91.º, informações complementares. Os Estados-Parte estarão habilitados a conceder uma derrogação ao Tribunal e deverão envidar esforços nesse sentido.




Artigo 102.º
Termos usados

Para os fins do presente Estatuto:
a) Por «entrega», entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal nos termos do presente Estatuto.
b) Por «extradição», entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado conforme previsto num tratado, numa convenção ou direito interno.


Capítulo X. execução da pena

Artigo 103.º
Função dos Estados na execução das penas privativas de liberdade

1. a) As penas privativas de liberdade serão cumpridas num Estado indicado pelo Tribunal a partir de uma lista de Estados que lhe tenham manifestado a sua disponibilidade para receber pessoas condenadas.
b) Ao declarar a sua disponibilidade para receber pessoas condenadas, um Estado poderá formular condições acordadas com o Tribunal e em conformidade com o presente Capítulo.
c) O Estado indicado no âmbito de um determinado caso dará prontamente a conhecer se aceita ou não a indicação do Tribunal.
2. a) O Estado da execução informará o Tribunal de qualquer circunstância, incluindo o cumprimento de quaisquer condições acordadas nos termos do n.º 1, que possam afectar materialmente as condições ou a duração da detenção. O Tribunal será informado com, pelo menos, 45 dias de antecedência sobre qualquer circunstância dessa natureza, conhecida ou previsível. Durante este período, o Estado da execução não tomará qualquer medida que possa ser contrária às suas obrigações ao abrigo do artigo 110.º.
b) Se o Tribunal não puder aceitar as circunstâncias referidas na alínea a), deverá informar o Estado da execução e proceder de harmonia com o n.º 1 do artigo 104.º.
3. Sempre que exercer o seu poder de indicação em conformidade com o n.º 1, o Tribunal tomará em consideração:
a) O princípio segundo o qual os Estados-Parte devem partilhar da responsabilidade na execução das penas privativas de liberdade, em conformidade com os princípios de distribuição equitativa estabelecidos nas Regras de Procedimento e Prova;
b) A aplicação de normas convencionais do direito internacional amplamente aceites, que regulam o tratamento dos reclusos;
c) A opinião da pessoa condenada; e
d) A nacionalidade da pessoa condenada;
e) Outros factores relativos às circunstâncias do crime, às condições pessoais da pessoa condenada ou à execução efectiva da pena, adequadas à indicação do Estado da execução.
4. Se nenhum Estado for designado nos termos do n.º 1, a pena privativa de liberdade será cumprida num estabelecimento prisional designado pelo Estado anfitrião, em conformidade com as condições estipuladas no acordo que determinou o local da sede previsto no n.º 2 do artigo 3.º. Neste caso, as despesas relacionadas com a execução da pena ficarão a cargo do Tribunal.


Artigo 104.º
Alteração da indicação do Estado da execução

1. O Tribunal poderá, a todo o momento, decidir transferir um condenado para uma prisão de um outro Estado.
2. A pessoa condenada pelo Tribunal poderá, a todo o momento, solicitar-lhe que o transfira do Estado encarregado da execução.


Artigo 105.º
Execução da pena

1. Sem prejuízo das condições que um Estado haja estabelecido nos termos do artigo 103.º, n.º 1, alínea b), a pena privativa de liberdade adquirirá força executória para os Estados-Parte, não podendo estes modificá-la em caso algum.
2. Será da exclusiva competência do Tribunal pronunciar-se sobre qualquer pedido de revisão ou recurso. O Estado da execução não obstará a que o condenado apresente um tal pedido.




Artigo 106.º
Controlo da execução da pena e das condições de detenção

1. A execução de uma pena privativa de liberdade será submetida ao controlo do Tribunal e observará as regras convencionais internacionais amplamente aceites em matéria de tratamento dos reclusos.
2. As condições de detenção serão reguladas pela legislação do Estado da execução e observarão as regras convencionais internacionais amplamente aceites em matéria de tratamento dos reclusos. Em caso algum devem ser menos ou mais favoráveis do que as aplicáveis aos reclusos condenados no Estado da execução por infracções análogas.
3. As comunicações entre o condenado e o Tribunal serão livres e terão carácter confidencial.


Artigo 107.º
Transferência do condenado depois de cumprida a pena

1. Cumprida a pena, a pessoa que não seja nacional do Estado da execução poderá, de acordo com a legislação desse mesmo Estado, ser transferida para um outro Estado obrigado a aceitá-lo ou ainda para um outro Estado que aceite acolhê-lo tendo em conta a vontade expressa pela pessoa em ser transferida para esse Estado, a menos que o Estado da execução autorize essa pessoa a permanecer no seu território.
2. As despesas relativas à transferência do condenado para um outro Estado nos termos do n.º 1 serão suportadas pelo Tribunal se nenhum Estado as tomar a seu cargo.
3. Sem prejuízo do disposto no artigo 108.º, o Estado da execução poderá igualmente, de harmonia com o seu direito interno, extraditar ou entregar por qualquer outro modo a pessoa a um Estado que tenha solicitado a sua extradição ou a sua entrega para fins de julgamento ou de cumprimento de uma pena.


Artigo 108.º
Restrições ao procedimento crime ou à condenação por outras infracções

1. A pessoa condenada que esteja detida no Estado da execução não poderá ser objecto de procedimento crime, condenação ou extradição para um Estado terceiro em virtude de uma conduta anterior à sua transferência para o Estado da execução, a menos que o Tribunal tenha dado a sua aprovação a tal procedimento, condenação ou extradição, a pedido do Estado da execução.
2. Ouvido o condenado, o Tribunal pronunciar-se-á sobre a questão.
3. O n.º 1 deixará de ser aplicável se o condenado permanecer voluntariamente no território do Estado da execução por um período superior a 30 dias após o cumprimento integral da pena proferida pelo Tribunal, ou se regressar ao território desse Estado após dele ter saído.


Artigo 109.º
Execução das penas de multa e das medidas de perda

1. Os Estados-Parte aplicarão as penas de multa, bem como as medidas de perda ordenadas pelo Tribunal ao abrigo do Capítulo VII, sem prejuízo dos direitos de terceiros agindo de boa-fé e em conformidade com os procedimentos previstos no respectivo direito interno.
2. Sempre que um Estado Parte não possa tornar efectiva a declaração de perda, deverá tomar medidas para recuperar o valor do produto, dos bens ou dos haveres cuja perda tenha sido declarada pelo Tribunal, sem prejuízo dos direitos de terceiros agindo de boa-fé.
3. Os bens, ou o produto da venda de bens imóveis ou, se for caso disso, da venda de outros bens, obtidos por um Estado Parte por força da execução de uma decisão do Tribunal, serão transferidos para o Tribunal.


Artigo 110.º
Reexame pelo Tribunal da questão de redução de pena

1. O Estado da execução não poderá libertar o recluso antes de cumprida a totalidade da pena proferida pelo Tribunal.
2. Somente o Tribunal terá a faculdade de decidir sobre qualquer redução da pena e, ouvido o condenado, pronunciar-se-á a tal respeito.
3. Quando a pessoa já tiver cumprido dois terços da pena, ou 25 anos de prisão em caso de pena de prisão perpétua, o Tribunal reexaminará a pena para determinar se haverá lugar à sua redução. Tal reexame só será efectuado transcorrido o período acima referido.
4. Aquando do reexame a que se refere o n.º 3, o Tribunal poderá reduzir a pena se constatar que se verificam uma ou várias das condições seguintes:
a) A pessoa tiver manifestado, desde o início e de forma contínua, a sua vontade em cooperar com o Tribunal no inquérito e no procedimento;
b) A pessoa tiver, voluntariamente, facilitado a execução das decisões e despachos do Tribunal em outros casos, nomeadamente ajudando-o a localizar bens sobre os quais recaíam decisões de perda, de multa ou de reparação que poderão ser usados em benefício das vítimas; ou
c) Outros factores que conduzam a uma clara e significativa alteração das circunstâncias suficiente para justificar a redução da pena, conforme previsto nas Regras de Procedimento e Prova;
Se, aquando do reexame inicial a que se refere o n.º 3, o Tribunal considerar não haver motivo para redução da pena, ele reexaminará subsequentemente a questão da redução da pena com a periodicidade e nos termos previstos nas Regras de Procedimento e Prova.


Artigo 111.º
Evasão

Se um condenado se evadir do seu local de detenção e fugir do território do Estado da execução, este poderá, depois de ter consultado o Tribunal, pedir ao Estado no qual se encontra localizado o condenado que lho entregue em conformidade com os acordos bilaterais ou multilaterais em vigor, ou requerer ao Tribunal que solicite a entrega dessa pessoa ao abrigo do Capítulo IX. O Tribunal poderá, ao solicitar a entrega da pessoa, determinar que esta seja entregue ao Estado no qual se encontrava a cumprir a sua pena, ou a outro Estado por ele indicado.



Capítulo XI. assembleia dos Estados-Parte

Artigo 112.º
Assembleia dos Estados-Parte

1. É constituída, pelo presente instrumento, uma Assembleia dos Estados-Parte. Cada um dos Estados-Parte nela disporá de um representante, que poderá ser coadjuvado por substitutos e assessores. Outros Estados signatários do Estatuto ou da Acta Final poderão participar nos trabalhos da Assembleia na qualidade de observadores.
2. A Assembleia:
a) Examinará e adoptará, se adequado, as recomendações da Comissão Preparatória;
b) Promoverá junto da Presidência, do Procurador e do Secretário as linhas orientadoras gerais no que toca à administração do Tribunal;
c) Examinará os relatórios e as actividades do Gabinete estabelecido nos termos do n.º3 e tomará as medidas apropriadas;
d) Examinará e aprovará o orçamento do Tribunal;
e) Decidirá, se for caso disso, alterar o número de juízes nos termos do artigo 36.º;
f) Examinará, de harmonia com os n.os 5 e 7 do artigo 87.º, qualquer questão relativa à não cooperação dos Estados;
g) Desempenhará qualquer outra função compatível com as disposições do presente Estatuto e das Regras de Procedimento e Prova;
3. a) A Assembleia será dotada de um Gabinete composto por um presidente, dois vice-presidentes e 18 membros por ela eleitos por períodos de três anos;
b) O Gabinete terá um carácter representativo, atendendo nomeadamente ao princípio da distribuição geográfica equitativa e à necessidade de assegurar uma representação adequada dos principais sistemas jurídicos do mundo;
c) O Gabinete reunir-se-á as vezes que forem necessárias, mas, pelo menos, uma vez por ano. Assistirá a Assembleia no desempenho das suas funções.
4. A Assembleia poderá criar outros órgãos subsidiários que julgue necessários, nomeadamente um mecanismo de controlo independente que proceda a inspecções, avaliações e inquéritos em ordem a melhorar a eficiência e economia da administração do Tribunal.
5. O Presidente do Tribunal, o Procurador e o Secretário ou os respectivos representantes poderão participar, sempre que julguem oportuno, nas reuniões da Assembleia e do Gabinete.
6. A Assembleia reunir-se-á na sede do Tribunal ou na sede da Organização das Nações Unidas uma vez por ano e, sempre que as circunstâncias o exigirem, reunir-se-á em sessão extraordinária. A menos que o presente Estatuto estabeleça em contrário, as sessões extraordinárias são convocadas pelo Gabinete, oficiosamente ou a pedido de um terço dos Estados-Parte.
7. Cada um dos Estados-Parte disporá de um voto. Todos os esforços deverão ser envidados para que as decisões da Assembleia e do Gabinete sejam adoptadas por consenso. Se tal não for possível, e a menos que o Estatuto estabeleça em contrário:
a) As decisões sobre as questões de fundo serão tomadas por maioria de dois terços dos membros presentes e votantes, sob a condição que a maioria absoluta dos Estados-Parte constitua quorum para o escrutínio;
b) As decisões sobre as questões de procedimento serão tomadas por maioria simples dos Estados-Parte presentes e votantes.
8. O Estado Parte em atraso no pagamento da sua contribuição financeira para as despesas do Tribunal não poderá votar nem na Assembleia nem no Gabinete se o total das suas contribuições em atraso igualar ou exceder a soma das contribuições correspondentes aos dois anos anteriores completos por ele devidos. A Assembleia Geral poderá, no entanto, autorizar o Estado em causa a votar na Assembleia ou no Gabinete se ficar provado que a falta de pagamento é devida a circunstâncias alheias ao controlo do Estado Parte.
9. A Assembleia adoptará o seu próprio Regulamento Interno.
10. As línguas oficiais e de trabalho da Assembleia dos Estados-Parte serão as línguas oficiais e de trabalho da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.


Capítulo XII. financiamento

Artigo 113.º
Regulamento financeiro

Salvo disposição expressa em contrário, todas as questões financeiras atinentes ao Tribunal e às reuniões da Assembleia dos Estados-Parte, incluindo o seu Gabinete e os seus órgãos subsidiários, serão reguladas pelo presente Estatuto, pelo Regulamento Financeiro e pelas normas de gestão financeira adoptados pela Assembleia dos Estados-Parte.


Artigo 114.º
Pagamento de despesas

As despesas do Tribunal e da Assembleia dos Estados-Parte, incluindo o seu Gabinete e os seus órgãos subsidiários, serão pagas pelos fundos do Tribunal.


Artigo 115.º
Fundos do Tribunal e da Assembleia dos Estados-Parte

As despesas do Tribunal e da Assembleia dos Estados-Parte, incluindo o seu Gabinete e os seus órgãos subsidiários, inscritas no orçamento aprovado pela Assembleia dos Estados-Parte, serão financiadas:
a) Pelas quotas dos Estados-Parte;
b) Pelos fundos provenientes da Organização das Nações Unidas, sujeitos à aprovação da Assembleia Geral, nomeadamente no que diz respeito às despesas relativas a questões remetidas para o Tribunal pelo Conselho de Segurança.


Artigo 116.º
Contribuições voluntárias

Sem prejuízo do artigo 115.º, o Tribunal poderá receber e utilizar, a título de fundos adicionais, as contribuições voluntárias dos Governos, das organizações internacionais, dos particulares, das empresas e demais entidades, de acordo com os critérios estabelecidos pela Assembleia dos Estados-Parte nesta matéria.


Artigo 117.º
Cálculo das quotas

As quotas dos Estados-Parte serão calculadas em conformidade com uma tabela de quotas que tenha sido acordada, com base na tabela adoptada pela Organização das Nações Unidas para o seu orçamento ordinário, e adaptada de harmonia com os princípios nos quais se baseia tal tabela.


Artigo 118.º
Verificação anual de contas

Os relatórios, livros e contas do Tribunal, incluindo os balanços financeiros anuais, serão verificados anualmente por um revisor de contas independente.

Capítulo XIII. cláusulas finais

Artigo 119.º
Resolução de diferendos

1. Qualquer diferendo relativo às funções judiciais do Tribunal será resolvido por decisão do Tribunal.
2. Quaisquer diferendos entre dois ou mais Estados-Parte relativos à interpretação ou à aplicação do presente Estatuto, que não forem resolvidos pela via negocial num período de três meses após o seu início, serão submetidos à Assembleia dos Estados-Parte. A Assembleia poderá procurar resolver o diferendo ou fazer recomendações relativas a outros métodos de resolução, incluindo a submissão do diferendo ao Tribunal Internacional de Justiça, em conformidade com o Estatuto desse Tribunal.


Artigo 120.º
Reservas

Nenhuma reserva será admitida pelo presente Estatuto.


Artigo 121.º
Alterações

1. Expirado o período de sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto, qualquer Estado Parte poderá propor alterações ao Estatuto. O texto das propostas de alterações será submetido ao Secretário–Geral da Organização das Nações Unidas, que o comunicará sem demora a todos os Estados-Parte.
2. Decorridos pelo menos três meses após a data desta notificação, a Assembleia dos Estados-Parte decidirá na reunião seguinte, por maioria dos seus membros presentes e votantes, se deverá examinar a proposta. A Assembleia poderá tratar desta proposta, ou convocar uma Conferência de Revisão se a questão suscitada o justificar.
3. A adopção de uma alteração numa reunião da Assembleia dos Estados-Parte ou numa Conferência de Revisão exigirá a maioria de dois terços dos Estados-Parte, quando não for possível chegar a um consenso.
4. Sem prejuízo do disposto no n.º 5, qualquer alteração entrará em vigor, para todos os Estados-Parte, um ano depois que sete oitavos de entre eles tenham depositado os respectivos instrumentos de ratificação ou de aceitação junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
5. Qualquer alteração ao artigo 5.º do presente Estatuto entrará em vigor, para todos os Estados-Parte que a tenham aceitado, um ano após o depósito dos seus instrumentos de ratificação ou de aceitação. O Tribunal não exercerá a sua competência relativamente a um crime abrangido pela alteração sempre que este tiver sido cometido por nacionais de um Estado Parte que não tenha aceitado a alteração, ou no território desse Estado Parte.
6. Se uma alteração tiver sido aceite por sete oitavos dos Estados-Parte nos termos do n.º 4, qualquer Estado Parte que a não tenha aceite poderá retirar-se do Estatuto com efeito imediato, não obstante o disposto no n.º 1 do artigo 127.º, mas sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 127.º, mediante notificação da sua retirada o mais tardar um ano após a entrada em vigor desta alteração.
7. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas comunicará a todos os Estados-Parte quaisquer alterações que tenham sido adoptadas em reunião da Assembleia dos Estados-Parte ou numa Conferência de Revisão.


Artigo 122.º
Alteração de disposições de carácter institucional

1. Não obstante o artigo 121.º, n.º 1, qualquer Estado Parte poderá, em qualquer momento, propor alterações às disposições do Estatuto, de carácter exclusivamente institucional, a saber, artigos 35.º, 36.º, n.os 8 e 9, artigos 37.º, 38.º, 39.º, n.os 1 (as primeiras duas frases), 2 e 4, artigo 42.º, n.os 4 a 9, artigo 43.º, n.os 2 e 3 e artigos 44.º, 46.º, 47.º e 49.º. O texto de qualquer proposta será submetido ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas ou a qualquer outra pessoa designada pela Assembleia dos Estados-Parte, que o comunicará sem demora a todos os Estados-Parte e aos outros participantes na Assembleia.
2. As alterações apresentadas nos termos deste artigo, sobre as quais não seja possível chegar a um consenso, serão adoptadas pela Assembleia dos Estados-Parte ou por uma Conferência de Revisão ,por uma maioria de dois terços dos Estados-Parte. Tais alterações entrarão em vigor, para todos os Estados-Parte, seis meses após a sua adopção pela Assembleia ou, conforme o caso, pela Conferência de Revisão.


Artigo 123.º
Revisão do Estatuto

1. Sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto, o
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convocará uma Conferência de Revisão para examinar qualquer alteração ao presente Estatuto. A revisão poderá incidir nomeadamente, mas não exclusivamente, sobre a lista de crimes que figura no artigo 5.º. A Conferência estará aberta aos participantes na Assembleia dos Estados-Parte, nas mesmas condições.
2. A todo o momento ulterior, a requerimento de um Estado Parte e para os fins enunciados no n.º 1, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, mediante aprovação da maioria dos Estados-Parte, convocará uma Conferência de Revisão.
3. A adopção e a entrada em vigor de qualquer alteração ao Estatuto examinada numa Conferência de Revisão serão reguladas pelas disposições do artigo 121.º, n.os 3 a 7.


Artigo 124.º
Disposição transitória

Não obstante o disposto no n.º 1 do artigo 12.º, um Estado que se torne Parte no presente Estatuto, poderá declarar que, durante um período de sete anos a contar da data da entrada em vigor do Estatuto no seu território, não aceitará a competência do Tribunal relativamente à categoria de crimes referidos no artigo 8.º, quando haja indícios de que um crime tenha sido praticado por nacionais seus ou no seu território. A declaração formulada ao abrigo deste artigo poderá ser retirada a qualquer momento. O disposto neste artigo será reexaminado na Conferência de Revisão a convocar em conformidade com o n.º 1 do artigo 123.º.





Artigo 125.º
Assinatura, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão

1. O presente Estatuto estará aberto à assinatura de todos os Estados na sede da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, em Roma, a 17 de Julho de 1998, continuando aberto à assinatura no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Itália, em Roma, até 17 de Outubro de 1998. Após esta data, o Estatuto continuará aberto na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, até 31 de Dezembro de 2000.
2. O presente Estatuto ficará sujeito a ratificação, aceitação ou aprovação dos Estados signatários. Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação serão depositados junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
3. O presente Estatuto ficará aberto à adesão de qualquer Estado. Os instrumentos de adesão serão depositados junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.


Artigo 126.º
Entrada em vigor

1. O presente Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
2. Em relação ao Estado que ratifique, aceite ou aprove o Estatuto ,ou a ele adira após o depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão, o Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de 60 dias após a data do depósito do respectivo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão.


Artigo 127.º
Retirada

1. Qualquer Estado Parte poderá, mediante notificação escrita e dirigida ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, retirar-se do presente Estatuto. A retirada produzirá efeitos um ano após a data de recepção da notificação, salvo se esta indicar uma data ulterior.
A retirada não isentará o Estado das obrigações que lhe incumbem em virtude do presente Estatuto enquanto Parte do mesmo, incluindo as obrigações financeiras que tiver assumido, não afectando também a cooperação com o Tribunal no âmbito de inquéritos e de procedimentos crime relativamente aos quais o Estado tinha o dever de cooperar e que se iniciaram antes da data em que a retirada começou a produzir efeitos; a retirada em nada afectará a prossecução da apreciação das causas que o Tribunal já tivesse começado a apreciar antes da data em que a retirada começou a produzir efeitos.


Artigo 128.º
Textos autênticos

O original do presente Estatuto, cujos textos em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo fazem igualmente fé, será depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas, que enviará cópia autenticada a todos os Estados.



Em fé do que, os abaixo assinados, devidamente autorizados pelos respectivos Governos, assinaram o presente Estatuto.

Feito em Roma, aos dezassete dias do mês de Julho de mil novecentos e noventa e oito.


IV


1. A apreciação do Estatuto do T.P.I. na sua globalidade prende-se obviamente com a delimitação do seu escopo, o qual resulta, desde logo, das considerações do preâmbulo respectivo. E se passarmos ao articulado, são também os objectivos que o T.P.I. se propõe prosseguir que o artigo 1º contempla.


1.1. A abordagem destes textos revela imediatamente um fim último de prossecução da justiça penal, interligado com os propósitos de manutenção da paz e segurança entre os Estados, e de segurança das populações em geral.

Confrontado com aquilo que apela de “crimes de maior gravidade, que afectam a comunidade internacional no seu conjunto”, ou “crimes de maior gravidade com alcance internacional”, o Estatuto quer evitar a todo custo a impunidade dos indivíduos, pessoas físicas seus agentes.

Mas porque tais agentes actuam, mais ou menos declaradamente, em nome ou por conta do Estado, a sua punição traduzir-se-á, por um lado, num contributo para a contenção de conflitos armados, quando tais Estados se propõem atingir a integridade territorial ou a independência política de outro Estado. E, por outro lado, no entrave a perseguições de que sejam alvo certas populações, já que é ainda na qualidade de autoridades estaduais que amiúde, certos agentes, se propõem atingir sectores étnicos, religiosos e outros, dos habitantes duma dada área.

Porque, como já alguém disse, não pode haver paz sem justiça, nem justiça sem lei, nem lei digna desse nome sem um tribunal encarregue de decidir o que é justo e legal num certo circunstan-cialismo concreto ([25]), daí a criação do T.P.I..


1.2. Este surge como instância internacional permanente e independente, com uma base convencional, criado no âmbito da O.N.U. e complementar das jurisdições nacionais. Assim se acolheu um perfil que permite prosseguir alguns objectivos instrumentais, e que no fundo se propõem responder a críticas a experiências pretéritas.

É que a criação de tribunais especiais ou “ad hoc”, designadamente “ex post facto”, pode levantar imediatamente objecções, decorrentes do desrespeito por princípios como o da legalidade ou do “juiz natural”. O tempo necessariamente longo para se criar e pôr em funcionamento uma instituição toda ela nova prejudica a justiça que se venha a fazer. Os tribunais “ad hoc” reportam-se a períodos limitados, deixando impunes os factos igualmente graves ocorridos fora de tais períodos.

Acresce que só um tribunal permanente e independente se defende convenientemente da crítica, segundo a qual, os tribunais internacionais só se criam para julgar vencidos, sendo os vencedores os julgadores.


1.3. Ao contrário do que ocorreu por exemplo com os Tribunais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda, criados por Resolução do Conselho de Segurança da O.N.U., como se viu atrás (II. 2.1.), a base constitutiva do T.P.I. é convencional. Assim sendo, se por um lado há uma maior garantia de eficácia da justiça penal internacional, entre os Estados que ratificarem o tratado, por outro, o Estatuto não contempla as situações em que os crimes são cometidos em Estados ou os responsáveis por eles são cidadãos de Estados que não reconhecem a competência do T.P.I. ([26]).


1.4. O artigo 1º do Estatuto classifica o Tribunal de “instituição permanente” o que aponta para a sua natureza de organização internacional independente e não de órgão das Nações Unidas ([27]). As relações entre o T.P.I. e a O.N.U. serão estabelecidas com base num acordo, tal como refere o artigo 2º do Estatuto. É, pois, matéria cuja regulamentação se remeteu para o futuro.


1.5. Finalmente, o T.P.I. surge com uma natureza complementar em relação às jurisdições nacionais, como já se viu do Preâmbulo e também resulta do artigo 1º. Os Estados poderão exercer em pleno a sua jurisdição nacional, o que em princípio afastará a actuação do T.P.I., mas a falta dos Estados em proceder, ou a falta de condições para o exercício da jurisdição nacional, acarretará a intervenção do T.P.I., ponderada nos termos previstos no artigo 17º do Estatuto.


2. Numa apreciação ainda genérica do Estatuto que criou o T.P.I. e prevê o acatamento da sua jurisdição, cumprirá de seguida ver se existem disposições constitucionais que colidam com o reconhecimento da existência do tribunal em si, independentemente da análise que se faça, posteriormente, das disposições do Estatuto, também numa perspectiva de compatibilidade constitucional.


2.1. Ora, como já referimos noutro local ([28]), enquanto questão prévia a tal tarefa “surge a da determinação do lugar que ocupam as normas de direito internacional público (D.I.PUB.) em relação à ordem jurídica constitucional. É sabido que a nossa doutrina se encontra dividida a tal respeito, havendo quem defenda que o D.I.PUB. cederá sempre perante a Constituição da República, (X) e quem se pronuncie pela supra-constitucionalidade das normas de D.I.PUB., pelo menos se se estiver em face de normas de direito internacional geral ou comum com a natureza de "jus cogens" (X1). Tal "jus cogens", a que também já se tem chamado "Direito Constitucional Internacional" ou "Constituição da Comunidade Internacional", inclui o costume internacional geral ou comum, (em que avulta a definição dos crimes internacionais) e o chamado "Direito Humanitário Internacional", as normas de convenções que digam respeito ao Direito Internacional geral, e no que toca ao direito internacional convencional geral sobre Direitos do Homem, pelo menos, os "direitos essenciais" dentro destes direitos. (X2)

Destas considerações resultará, então, que se nos situarmos no âmbito de uma fonte convencional, e não se tratando daquilo que a Constituição da República (C.R.) chama, no nº 1 do seu artigo 8º, “As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum”, terá que ser colocada a questão da compatibilidade com a C.R. das normas dessa convenção.

A norma que cria o T.P.I. está nessa situação.


2.2. O artigo 1º da C.R. refere que Portugal é uma República “soberana” com o que se pretende afirmar, antes do mais, uma eminente autonomia face à comunidade internacional. O artigo 110º da mesma C.R. estipula que “são órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais”, acrescentando que “A formação, a composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição”. A seu turno, o artigo 202º refere que “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”, e o artigo 209º elenca os tribunais que existem ou podem existir, sem qualquer menção de tribunais internacionais.

A questão é então a de saber, se Portugal está impedido pela Constituição de acatar a jurisdição de um tribunal internacional não previsto na mesma C.R.. A resposta, adiante-se desde já, parece-nos dever ser negativa, pelo menos no tocante ao T.P.I., única instância que ora nos preocupa.

O artigo 277º da C.R., embora tal possa resultar já de outras disposições constitucionais, impõe no seu nº 2 a necessidade de compatibilização com a Constituição, também das normas das convenções internacionais. A inconstitucionalidade cifra-se, nos termos do nº 1 do preceito, na violação do disposto na Constituição ou dos princípios nela consagrados. “Daqui se deduz que são geradores de inconstitucionalidade não apenas a violação das normas-disposição (sejam imediatamente perceptivas, sejam programáticas), mas também a violação dos princípios constitucionais, sejam eles expressos (normas-princípio), sejam eles apenas implícitos (na medida em que sejam admissíveis)” ([29]).

Na falta de qualquer norma constitucional referente explicitamente a tribunais internacionais, o vício apontado, a existir, adviria do confronto com princípios constitucionais. Ora, não descortinamos nenhum princípio implícito ou explícito, nos termos do qual o Estado esteja impedido de se auto-limitar na sua soberania, por via convencional, também em matéria de jurisdição.

E por isso é que tanto o acatamento das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como do Tribunal das Comunidades radicam numa adesão a organizações internacionais – Conselho da Europa, e, hoje, União Europeia, que foi feita através de tratados. Aliás, com a ratificação da “Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de genocídio, de 9 de Dezembro de 1948” ([30]), Portugal aceitou implicitamente a possibilidade de vir a acatar a jurisdição do T.P.I..

Mas cremos que a posição defendida se conforta ainda com as seguintes considerações:

A Constituição elege os tribunais que integram a organização judiciária portuguesa como “os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” ([31]), e com isso se pretende, sobretudo, evitar o exercício da função jurisdicional por outros órgãos de soberania. Na mesma lógica do legislador constitucional, só é admissível que seja uma instância de natureza jurisdicional, que bem pode ser o T.P.I., a realizar justiça em nome ou que releve da própria comunidade internacional.

O nº 1 do artigo 3º da C.R. estipula que a soberania, “una e indivisível reside no povo”. Tal implicará a proibição da alienação da soberania para outro Estado ou organização internacional, mas não a eventualidade da sua limitação, justificada à luz das próprias ideias--força constitucionais. Ora, evitar a impunidade dos criminosos sobretudo se são agentes de crimes internacionais, defender os direitos do homem, lutar pela segurança das populações, bem como a prossecução da paz, são finalidades que perpassam em vários preceitos da nossa Constituição, a começar pelos artigos 7º e 16º ([32]).
Acresce que a possível limitação de soberania que advenha do acatamento da jurisdição do T.P.I., será sempre diminuta, face ao princípio da complementaridade consagrado no Estatuto de Roma. Logo no Preâmbulo se afirma que “é dever de todo o Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais”. Depois, o mesmo Preâmbulo e o artigo 1º afirmam a complementaridade da jurisdição, questão que será retomada no artigo 7º.

Assim, sem excluir o efeito clarificador que poderia ter uma norma constitucional que o admitisse expressamente, cremos que o facto em si do acatamento da jurisdição do T.P.I., não colide com qualquer norma ou princípio ínsitos na Constituição actual.


V

Entrando de seguida na análise mais detalhada das disposições do Estatuto, por certo que a nossa preocupação fundamental será a de apurar se e em que medida aquelas disposições violam a Constituição. Porque, como é sabido, o nº 2 do artigo 8º da C.R. consagra um princípio de recepção automática das normas das convenções internacionais regularmente ratificadas e aprovadas. São consideradas direito interno ordinário uma vez publicadas no jornal oficial.

Depois, interessará ver em que medida é que as disposições do Estatuto colidem ou não têm equivalente nas normas internas que regulam as mesmas matérias. Isto, fundamentalmente, por duas ordens de factores, aliás interligados: a obrigação de cooperação com o T.P.I. e a natureza complementar da jurisdição deste.

A legislação nacional deve poder responder aos pedidos de cooperação que se regulam no artigo 86º e seguintes do Estatuto e, por outro lado, deve haver consonância entre um núcleo substancial de normas recebidas do Estatuto, e as que lhe pre-existissem internamente. A fim de que se possa concretizar a prioridade das jurisdições nacionais no julgamento dos crimes da competência do T.P.I.

Como refere BRUCE BROOMHALL:

“Os procedimentos levados a cabo a nível nacional de boa fé, de acordo com a definição dos crimes, os princípios de direito e as causas de exclusão da responsabilidade penal previstos no Estatuto, bem como conformes às exigências de um processo equitativo, não permitirão que o Tribunal considere um caso admissível por si próprio. Na verdade, de acordo com o Estatuto, um procedimento iniciado de acordo com o direito nacional só satisfaz as condições de admissibilidade perante o Tribunal, se ele tem por “propósito subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade penal” ou é levado a cabo de modo tal que “dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça”.

“O direito nacional definirá por vezes de modo mais amplo que o Estatuto os elementos da responsabilidade penal, prevendo uma definição mais abrangente dos crimes e dos princípios gerais, e nessa medida serão as jurisdições nacionais e não o Tribunal que cobrarão competência. Porém, a ausência no direito nacional das proibições, das causas de exclusão de responsabilidade penal, e das penas definidas no Estatuto, poderia motivar uma decisão de admissibilidade do tribunal com base na inacção do Estado” ([33]).

Quer dizer que a garantia para um Estado, de que só ele exercerá a sua jurisdição penal relativamente a certo caso, porque este não é admissível no T.P.I., (e nessa medida também não terá que cooperar com essa instância), exigirá que a legislação nacional viabilize o exercício da justiça penal, pelo menos quanto aos factos em que o procedimento é possível perante o T.P.I.

Também por isso é que o primeiro ponto a abordar será, assim, o das definições dos crimes dos artigos 5º a 8º do Estatuto ([34]).


1. Já antes nos referimos à classificação quadripartida ([35]) dos crimes internacionais cometidos por entes públicos, derivada da tríade crimes contra a paz, de guerra e contra a humanidade que remonta a Nuremberga (2.1.2.). O Estatuto acolhe aquela classificação quadripartida, e logo no artigo 5º refere que a competência “ratione materiae” do T.P.I. se limita aos “crimes mais graves, que afectem a comunidade internacional no seu conjunto”, considerando que eles são o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão.

Duas notas haverá que referir a este propósito. Em primeiro lugar, o Estatuto adiou para ulterior ocasião a definição do crime de agressão e a determinação das condições em que o T.P.I. terá competência em relação a tal crime. De acordo com o nº 2 do artigo 123º, isso ocorrerá sete anos depois da entrada em vigor do Estatuto, no seio de uma Comissão de Revisão, e se for entendido que o T.P.I. se deve ocupar desse tipo de crime. Não nos deteremos pois sobre ele.

Em segundo lugar, a definição dos crimes dos artigos 6º, 7º e 8º releva “para efeitos do Estatuto” e, portanto, para o efeito da delimitação da competência material do T.P.I.. Não se trata assim de tipificar certas infracções de tal modo que os Estados Parte as tenham que acolher no seu direito interno para todo e qualquer efeito. Porém, na prática, voltamos a sublinhar, haverá toda a vantagem na parificação entre as regras de responsabilização nacionais e as oriundas do Estatuto, face aos mecanismos de complementariedade neste introduzidos. O T.P.I. é uma extensão das jurisdições nacionais e não dos sistemas penais nacionais, pelo que só poderá caber a estes adaptar-se à disciplina do Estatuto.


1.1. Como refere um autor, o genocídio, “concebido como a negação do direito à existência de todo um grupo humano, constitui a mais grave violação dos direitos humanos, e, como tal, a sua proibição inscreve-se no campo normativo do “jus cogens”, ao ser aceite e reconhecida, neste sentido, pela comunidade internacional no seu conjunto, e ao não ser admissível qualquer acordo em contrário” ([36]).

A previsão do artigo 6º do Estatuto coincide com a definição de crime de genocídio para o efeito da Convenção homónima e que consta do respectivo artigo 2º. Portugal ratificou esta Convenção, como se viu, em 1998 ([37]).

Por outro lado, a revisão de 1995, deu uma redacção ao artigo 23º do Código Penal que acompanha deliberadamente aquela definição, indo até para além dela ([38]).


1.2. Os crimes contra a humanidade, previstos no artigo 7º do Estatuto, são comportamentos dolosos que sob variadas formas visam atingir a população civil, de modo generalizado ou sistemático.

Os crimes contra a humanidade não têm que surgir necessariamente em conexão com um conflito armado, e esta é uma nota importante a diferenciá-los da previsão equivalente do Estatuto de Nuremberga, e de posição doutrinárias assumidas na sequência deste.

Também não visam destruir um certo grupo populacional enquanto tal, como no genocídio. O ataque à população civil há-de consistir em actos múltiplos. Não pode ser um acto isolado, ainda que com muitas vítimas. O nº 2 do preceito esclarece, na sua alínea a), para além disso, que “a prática múltipla de actos” terá que enquadrar-se na política de um Estado ou organização, iniciada ou prosseguida através do ataque em causa.

Vejamos agora o que se passa com instrumentos convencionais ratificados por Portugal, e que incluem a obrigação de criminalização de comportamentos relacionados com os descritos no artigo 7º do Estatuto.


1.1.1. O artigo 4º da Convenção da O.N.U. “Contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes” ([39]) refere que “Os Estados-Parte providenciarão para que todos os actos de tortura sejam considerados infracções ao abrigo do seu direito criminal”. E o artigo 1º estabelece o significado do termo “tortura” para os efeitos da Convenção ([40]).

A “Convenção Relativa à Escravatura” de 25 de Setembro de 1926 ([41]) estipula no seu artigo 6º “As Altas Partes Contratantes, cuja legislação não for actualmente suficiente para reprimir as infracções às leis e regulamentos promulgados para dar cumprimento aos fins da presente Convenção, obrigam-se a tomar as medidas necessárias a fim de que as ditas infracções sejam punidas com penas graves”. Nos termos do § 1º do artigo 1º da Convenção, a escravatura é “o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou quaisquer atributos do direito de propriedade”. A “Convenção Suplementar Relativa à Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura”, de 7 de Setembro de 1956 ([42]), contempla nos seus artigos 1º e 2º “Instituições e práticas análogas à escravatura”, como a “servidão por dívidas” a “servidão da gleba” práticas envolvendo a exploração da condição da mulher ou dos menores. Nos artigos 3º e 4º aborda-se o “tráfico de escravos”. Os Estados ficam, segundo a Convençâo, encarregues da adopção das medidas legislativas que ponham cobro a tais procedimentos.

A “Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial”, de 21 de Dezembro de 1965 ([43]), obriga os Estados Parte a condenarem e combaterem por todos os meios aquela discriminação, meios que podem incluir medidas legislativas ([44]).

E são também medidas legislativas, eventualmente estabelecendo penas, que a “Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres”, de 17 de Dezembro de 1979, impõe, para acabar com este tipo de discriminação ([45]).

A “Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo” ([46]), através do do seu artigo 6º, pressupõe que os Estados contratantes incriminem os comportamentos terroristas previstos no artigo 1º, os quais, por força do mesmo preceito, não podem ser apelidados infracção política, conexa a uma infracção política, ou inspirada por móbil político, para efeitos de extradição ([47]).

Este percurso pelas convenções que nos vinculam, cujo conteúdo mais se aproxima de matéria do artigo 7º, e que contêm um imperativo de criminalização ([48]), revela-nos que houve necessidade de introduzir no Código Penal, designadamente nas últimas reformas ([49]) tipos legais que honrassem os compromissos assumidos.

E há, na verdade, correspondência entre as exigências daqueles dispositivos convencionais e, por exemplo, os artigos 243º e 244º (Tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves”), 154º (“Coacção”), 158º (“Sequestro”), 159º (“Escravidão”), 160º (“Rapto”), 161º (“Tomadas de refém”), 168º (“Procriação artificial não consentida”), 169º (Tráfico de pessoas”), 170º (“Lenocínio”), 176º (“Lenocínio e tráfico de menores”), 287º (“Captura ou desvio de aeronave, navio, comboio ou veículo de transporte colectivo de passageiros”), 240º (Discriminação racial”), 288º (“Atentado à segurança de transporte por ar, água ou caminho de ferro”), 300º (“Organizações terroristas”), ou 302º (“Terrorismo”), todos do Código Penal.


1.2.2. Será que dispomos já de tipos legais de crime suficientemente abrangentes para que se dispensem adaptações legislativas impostas pelo artigo 7º do Estatuto? A resposta deverá ser, a nosso ver, negativa.

Embora o capítulo II do Código Penal se intitule “Dos Crimes contra a Humanidade” não contém previsões que cubram a tipificação do artigo 7º do Estatuto. Poderá haver pontos de contacto entre este preceito e o disposto no artigo 241º do Código Penal, o qual porém exige que os factos sejam praticados “em tempo de guerra”, do mesmo modo que haverá tão só pontos de contacto, com o disposto no artigo 243º, relativo à tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos. Aqui prevêm-se comportamentos sempre enquadrados no âmbito da repressão penal, ou ainda contra-ordenacional e disciplinar.

Depois, e sobretudo, mesmo que ocorra uma coincidência de previsões entre o artigo 7º do Estatuto e preceitos do Código Penal, nunca, nestes, o núcleo do ilícito inclui os componentes “ataque contra uma população civil”, “generalizado ou sistemático”.

É evidente que com estas duas condicionantes, comuns a todos os comportamentos que configuram os crimes contra a humanidade, do artigo 7º do Estatuto, ficamos perante previsões mais exigentes do que aquelas que lhes possam corresponder, pelo menos nalguns casos, no nosso Código Penal. E o exemplo do homicídio seria paradigmático, para se defender que, na medida em que o artigo 131º do Código Penal, se basta com o facto de “matar outra pessoa”, estar-se-ia aqui “a proteger mais”, do que no caso de se incluirem ainda, outros elementos, na previsão do tipo de homicídio. Este um raciocínio, a nosso ver procedente, se nos situássemos no “mesmo escalão” de gravidade de ilícito. Se estivéssemos sempre e só a tratar do crime de homicídio. No fundo, se não tivesse sentido a diferença entre crimes “contra um homem ou mulher” e crimes “contra a humanidade”.

Como bem refere MARIA JOÃO ANTUNES, nestes, o bem jurídico cuja tutela se pretende é a comunidade internacional, e as previsões correspondem à “necessidade de tipificar determinadas condutas que violam valores que a comunidade internacional reconhece como essenciais ao seu desenvolvimento” ([50]).

Serve para dizer que os crimes referidos no artigo 7º do Estatuto têm um bem jurídico próprio, que ultrapassa bens jurídicos individuais como a vida, a integridade física ou a liberdade. Que, dada a especial natureza de tal bem jurídico, a sua violação assume uma gravidade excepcional, o que necessariamente tem que ter reflexos na punição proposta.

Acrescente-se que, para além disso, deparamos nas várias alíneas do nº 1 do artigo 7º do Estatuto, com comportamentos que não vemos, enquanto tais, referidos em nenhuma previsão penal interna. Será o caso do “Extermínio”, ou do “Desaparecimento forçado de pessoas”, o que sempre reclamaria uma intervenção legislativa interna. A tal propósito, diga-se desde já, sempre defrontará dificuldades, derivadas do respeito pelo princípio da legalidade, qualquer tipificação que pretendesse punir “Outros actos desumanos de carácter semelhante” ([51]), sem melhores precisões.


1.3. O artigo 8º do Estatuto, que se reporta aos “Crimes de Guerra”, teve bem presente o disposto nas quatro Convenções de Genebra de 1949 e respectivos protocolos ([52]). Aquelas Convenções tratam, primacialmente, de comportamentos que têm lugar em conexão com conflitos armados internacionais, e é no artigo 3º, comum às quatro Convenções, que se contemplam as infracções cometidas durante conflitos armados internos. O artigo 8º do Estatuto acolhe esta estrutura, separando os conflitos internacionais (alíneas a) e b) do nº 2), dos conflitos sem índole internacional (alínea c), d) e f) do nº 2), e, em conexão com estes, prevê não só os comportamentos que derivam daquele artigo 3º, comum às Convenções de Genebra, como vários outros, previstos para os conflitos internacionais. E é assim que na alínea e) do nº 2 do artigo 8º vamos encontrar descrições de actuações que já tinham sido incluídas nas alíneas a) ou b) do mesmo nº 2 ([53])

Seguindo-se num caminho diferente daquele que presidiu ao artigo 7º, qualquer acto isolado descrito no artigo 8º poderá\ desencadear o procedimento ([54]). Por outro lado, de acordo com o artigo 124º, qualquer Estado Parte poderá não aceitar a competência do TPI no seu território no tocante aos crimes do artigo 8º, durante sete anos contados a partir da entrada em vigor do Estatuto nesse território.

Todas as Convenções de Genebra contêm as mesmas disposições relativas à “repressão dos abusos e das infracções”, e, de acordo com elas, os Estados deverão legislar no sentido de serem punidos os comportamentos que sejam de considerar, sempre num contexto de conflito armado, “infracções graves”. As Convenções reputam estar nesse caso ”o homicídio intencional, a tortura ou os tratamentos desumanos, compreendendo as experiências biológicas, o facto de causar intencionalmente grandes sofrimentos ou de ofender gravemente a integridade física ou a saúde, a destruição e a apropriação de bens não justificadas por necessidades militares e executadas em grande escala, de forma ilícita e arbitrária”.

O 1º Protocolo às Convenções reporta-se no seu artigo 85º à repressão das infracções. Para o efeito de se punirem as violações dos comandos que contém, não só acolhe a definição de “infracções graves” das Convenções com a estende significativamente.

O artigo 241º do Código Penal, epigrafado “Crimes de guerra contra civis”, integra-se num Capítulo apelidado ”Dos crimes contra a humanidade”, em sentido necessariamente muito amplo. Face à sua descrição típica trata-se de um preceito em que o bem jurídico tutelado é a protecção devida às vítimas da guerra, de conflito armado ou de ocupação, e que claramente se aproxima mais do disposto no artigo 8º, do que no artigo 7º do Estatuto. O mesmo se poderá dizer do crime do artigo 242º do Código Penal, “Destruição de monumentos” ([55]).

É evidente que o disposto nestes preceitos está muito aquém da enorme variedade de previsões que o artigo 8º do Estatuto encerra.

Não só quanto aos crimes contra a humanidade mas também pois, no domínio dos crimes de guerra se impõe uma intervenção legislativa, se se quiser que, face à legislação de fonte interna portuguesa sejam considerados crimes os mesmos comportamentos que o são segundo o Estatuto.


1.4. Como se vê do artigo 126º do Estatuto, este entrará em vigor só depois de pelo menos 60 Estados o terem ratificado, aceite, aprovado ou a ele terem aderido. Após a sua entrada em vigor reunirá a Assembleia dos Estados-Parte prevista no artigo 112º, que entre muitas outras incumbências, orientadas para que o T.P.I. seja posto em funcionamento, adoptará os elementos constitutivos dos crimes a que vimos fazendo referência. Os representantes dos Estados que participaram na Conferência de Roma formarão entretanto uma “Comissão Preparatória” que se encarregará, entre o mais, de fazer a proposta relativa aos elementos constitutivos dos crimes. Isto, segundo a Acta Final da Conferência de Roma, até 30 de Junho do corrente ano.

À definição dos elementos constitutivos dos crimes se refere o nº 1 do artigo 9º do Estatuto, daí se retirando que tal tarefa ajudará o T.P.I. a interpretar e aplicar os crimes da sua competência. “Tratar–se–à de um texto suplementar que definirá os elementos materiais e intencionais desses crimes” ([56]).

Tanto a adopção dos elementos constitutivos dos crimes como a sua alteração, que o nº 2 do artigo 9º citado também prevê, terão que ser aprovados por uma maioria de pelo menos dois terços de membros da Assembleia de Estados Parte.


2. As regras dos artigos 10º a 16º do Estatuto não nos levantam quaisquer objecções e reportam-se às condições fundamentais do exercício da jurisdição do T.P.I. Delas destacaremos o facto de o tribunal só poder julgar os factos ocorridos depois da entrada em vigor do Estatuto, e, se um Estado se tornar parte depois daquela entrada em vigor, relevará para o efeito a data em vigor do Estatuto relativamente a tal Estado.

O T.P.I. julgará os factos ocorridos no território, ou em navio ou aeronave de um Estado Parte, e ainda, se o crime for imputado a pessoa nacional de Estado Parte, independentemente do “locus delicti”.

Se o Procurador não tomar ele a iniciativa de procedimento, a denúncia pode-lhe ser dirigida por um Estado Parte ou pelo Conselho de Segurança da O.N.U..

A abertura de um inquérito depende sempre da autorização do juízo de instrução ([57]).


3. Os artigos 17º a 20º reportam-se ao princípio da complementaridade das jurisdições, já aflorado (IV, 1.5. e V, 1), e ao princípio “non bis in idem”. O artigo 21º estabelece o direito aplicável pelo Tribunal.


3.1. Para além daquilo que já se referiu a propósito do primeiro princípio, anote-se que o disposto no artigo 17º do Estatuto se prende com o âmbito de aplicação da lei penal portuguesa no espaço, ou com os limites da jurisdição penal dos tribunais portugueses. Porém, tanto o artigo 4º como 5º do Código Penal consagram disciplinas, a ter em conta, sempre, “Salvo tratado ou convenção internacional em contrário”, pelo que não causará dificuldades previsíveis o mecanismo proposto de complementaridade ([58]).

Este assenta numa auto-atribuição de jurisdição, por parte do T.P.I., cabendo-lhe decidir se no caso concreto concorrem ou falecem o requisitos de não admissibilidade.

Dada a formulação pela negativa dos critérios de auto-atribuição de jurisdição, será “a contrario” que se poderá concluir que o T.P.I. exercerá as suas funções, de acordo com o nº 1 do artigo 17º do Estatuto, se o caso assumir gravidade suficiente e ocorrer uma de três hipóteses. Se o Estado com jurisdição nacional sobre o caso nada fizer; sendo o caso objecto de inquérito ou procedimento crime num dado Estado, se houver sinais de que este não tem na realidade vontade ou capacidade para levar a cabo o inquérito ou procedimento; se tiver havido inquérito sobre o caso num Estado, o inquérito tiver sido arquivado, e também houver sinais de que tal se ficou a dever a falta de vontade ou capacidade para proceder. A estes requisitos acrescerá o pressuposto negativo derivado do respeito pelo princípio “non bis in idem” tal como regulado no artigo 20º do Estatuto.


3.2. O nº 5 do artigo 29º da C.R. estipula que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, assim se dando corpo ao princípio do “non bis in idem” processual. Esta garantia constitucional visa proteger a segurança e a paz jurídica do arguido, mas tal como várias outras, não tem carácter absoluto. E da concordância prática com, por exemplo, o direito a uma tutela judiciária efectiva, previsto no artigo 20º, também da CR, resultou não só a possibilidade de recurso em geral, como, especialmente, o recurso de revisão previsto no artigo 449º e seguintes do Código de Processo Penal e que o nº 6 do artigo 29º da C.R. expressamente admite. Note--se que, entre outras causas de revisão, figura na alínea d) do nº 1 do preceito a descoberta “de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Serve para dizer que a compressão do princípio “non bis in idem” que se vê no nº 3 do artigo 20º do Estatuto se nos afigura aceitável.


3.3. A terminar o Capítulo II, o artigo 21º estabelece o direito aplicável pelo T.P.I. consagrando uma hierarquia de fontes

Em primeiro lugar será de atender à normação derivada do próprio Estatuto. Depois, serão tidos em conta “os tratados e os princípios e normas de direito internacional aplicáveis” e, “Na falta destes, os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes”.

Acentue-se que a disciplina do Estatuto inclui as suas normas próprias, mas, para além delas, dois textos complementares ainda a aprovar pela Assembleia dos Estados-Parte. O que incluirá os “Elementos Constitutivos do Crime” a que já nos referimos, e o que dirá respeito às “Regras de Procedimento e Prova” a aprovar nos termos do artigo 51º do Estatuto.


4. Sob a epígrafe “Princípios Gerais de Direito Penal” o Capítulo III reúne normas atinentes ao princípio da legalidade penal, à imputabilidade, à culpa, à prescrição do procedimento criminal, às causas de exclusão da ilicitude. Adoptam-se designações e uma sistematização que nem sempre acompanham as do nosso direito interno, se bem que, do ponto de vista substancial, a disciplina consagrada corresponda de um modo geral à vigente entre nós. Daí que nos não deteremos muito sobre tais preceitos.


4.1. Os artigos 22º e 23º consagram o princípio da legalidade quer na vertente da previsão – “nullum crimen sine lege”, quer na vertente da cominação - “nulla poena sine lege”.

Tanto o artigo 29º da C.R. como os artigos 1º e 2º do Código Penal a ele se referem em termos compatíveis com a disciplina do Estatuto. Note-se que o nº 2 daquele artigo 29º faculta importante abertura, ao admitir como crime uma conduta que como tal é considerada segundo “os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos” ([59]).

O nº 2º do artigo 22º do Estatuto estabelece uma importante garantia, corolário do princípio da legalidade, que se cifra no respeito pelo princípio da precisão dos tipos de crime e na proibição da analogia. Ambos serão tidos evidentemente em conta, no documento sobre os “Elementos Constitutivos do Crime”, a elaborar, e face a disposições que no Estatuto se revestem de um carácter excessivamente vago, como será o caso da alínea K) do nº 1 do artigo 7º.

O princípio da legalidade também se traduz na regra da proibição da retroactividade das normas que prevêem as condutas puníveis e as penas cominadas. A ela se refere o 24º do Estatuto com a consagração da excepção da aplicação retroactiva de lei penal mais favorável.


4.2. Em matéria de imputabilidade em razão da idade o Estatuto é mais exigente que a nossa lei penal porque estabelece um limiar de 18 anos (artigo 26º). Só serão responsáveis as pessoas singulares, analisando-se tal responsabilidade em termos de autoria singular ou de comparticipação, autoria imediata, mediata, ou de cumplicidade. O artigo 25º consagra assim, nas alíneas a), b), c), d) e e) do seu nº 3, várias modalidades de responsabilização do agente no cometimento do crime, que se coadunam com o disposto nos artigos 26º a 29º do nosso Código Penal. A alínea c) daquele nº 3 inclui a figura do “encobridor” na comparticipação, tal como entre nós acontecia face ao Código Penal de 1886. Como se sabe, tal figura desdobrou-se nos tipos autónomos de “receptação” e “favorecimento pessoal”, este previsto concretamente nos artigos 367º e 368º do Código Penal actual.

A alínea f) do nº 3 do artigo 25º do Estatuto consagra a punição da tentativa de qualquer dos crimes nele previstos, bem como a desistência da tentativa, ambas em consonância com o disposto nos artigos 22º, 23º 24º e 25º do Código Penal.


4.3. O artigo 27º, epigrafado “Irrelevância da qualidade oficial”, contém no seu nº 2 uma cláusula nos termos da qual, todas as imunidades ou normas especiais de procedimento, de que o agente do crime pudesse beneficiar segundo o direito interno ou mesmo internacional, não produzem qualquer efeito perante o T.P.I.

Cumpre portanto ver qual é a disciplina relativa a imunidades que o nosso direito interno consagra, começando pela que respeita ao Presidente da República.


4.3.1. Refere o artigo 130º da C.R.:

“1. Por crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça.
2. A iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.
3. A condenação implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição.
4. Por crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente da República responde depois do findo o mandato perante os tribunais comuns.”

Em face deste preceito, surgirá uma impossibilidade de fazer responder o Presidente da República durante o mandato, por crimes estranhos ao exercício das suas funções. Isto perante qualquer tribunal, incluindo T.P.I.. E das suas uma. Ou a própria natureza dos crimes do artigo 5º do Estatuto implica que, se for o Presidente da República a cometê-los, só os possa cometer no exercício das funções de Chefe de Estado, ou, não sendo esse o caso, a ratificação da Convenção que aprova o Estatuto de Roma poder reclamar, neste ponto, uma alteração à C.R. ([60]).

Reclamá-la-á?

O artigo 130º da C.R. não consagra qualquer irresponsabilidade do Presidente da República. Não há portanto qualquer disposição que o exima de responsabilidade criminal ou lhe reduza a pena em atenção ao exercício daquele cargo.

O foro especial previsto no nº 1 do artigo 130º da C.R. só interessará, obviamente, para o efeito de o Presidente da República responder perante tribunais portugueses.

Mas o nº 4 do preceito difere para depois do mandato o julgamento por crimes cometidos no decurso daquele, se forem crimes estranhos ao exercício das funções de Presidente da República. Este diferimento será um obstáculo ao exercício da competência do T.P.I., embora não seja um obstáculo definitivo. Ora, a cooperação entre os Estados Parte e o T.P.I. deverá ser plena e em conformidade com o Estatuto, segundo preceitua o artigo 86º respectivo.

De entre os vários pedidos de cooperação possíveis inclui-se o pedido de detenção e entrega de uma pessoa ao T.P.I., o qual será satisfeito, de acordo com o nº 1 do artigo 89º “em conformidade com o presente Capítulo e com os procedimentos previstos nos respectivos direitos internos”. Poderá incluir-se no âmbito da expressão “procedimentos previstos nos respectivos direitos internos” a regra de imunidade temporária do Presidente da República? Temos sérias dúvidas. Tanto mais que o nº 2 do artigo 92º do Estatuto prevê a possibilidade de se pedir a prisão preventiva da pessoa em questão, até à apresentação do pedido de entrega e dos documentos de apoio referidos no artigo 91º.

A dificuldade a que vimos de nos referir será naturalmente contornada se os crimes previstos no Estatuto só puderem ser cometidos pelo Presidente da República no exercício das suas funções.

Inclinamo-nos nesse sentido.

Já atrás se referiu que o direito internacional penal diz respeito a crimes que afectam a ordem jurídica internacional, e podem ser cometidos, tanto por indivíduos agindo enquanto meros agentes privados, como por pessoas actuando na qualidade de entes públicos (II, I.I. e nota (7)). Neste último caso, relevam os crimes da classificação tripartida de Nuremberga que está por detrás da tipologia do artigo 5º do Estatuto.

Aliás, a hipótese de o Presidente da República durante o seu mandato praticar um crime de genocídio, ou crimes de guerra que reclamam a existência de conflitos armados, independentemente das suas funções oficiais e enquanto mero cidadão, não é só académica porque toca as raias da mera ficção. De tal modo que a sua simples configuração não nos parece ter a seriedade suficiente, para que, se admita que pode causar entraves à cooperação com o T.P.I..

Os crimes contra a humanidade têm que ser cometidos no quadro de um ataque contra a população civil, ataque que há-de corresponder ao início ou à prossecução da política de um Estado ou de uma organização (nº 1 e alínea a) do nº 2 do artigo 7º).

Parece-nos assim que o disposto no artigo 130º da C.R, não constituirá entrave à cooperação com o T.P.I., porque os crimes previstos no artigo 5º do Estatuto pressupõem sempre, de algum modo, o respectivo cometimento em nome ou por conta do Estado.


4.3.2. De modo algo diverso parece passarem-se as coisas no tocante aos deputados. Dada a previsão no artigo 25º do Estatuto, das várias formas de responsabilização penal incluindo a autoria mediata e a cumplicidade, não é de excluir que um dos crimes referidos no artigo 5º seja cometido, porque uma lei o autoriza, ou impõe até que se pratique. Daí que também possam ser responsabilizados por tal crime os deputados que tenham votado essa lei.

O artigo 157º da C.R. estabelece que “Os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.”

Consagra-se assim uma irresponsabilidade penal total dos deputados, no respeitante ao seu contributo, por via do voto, para que uma lei ou outra decisão colectiva venha à luz. Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a irresponsabilidade dos deputados “só cobre os votos e opiniões emitidos “no exercício de funções”, expressão cujo sentido não é fácil precisar. Se é evidente que ela abrange as reuniões plenárias, de comissão e da Comissão Permanente, bem como as missões ou os grupos de trabalho formais, já não é seguro que abarque as opiniões expressas fora da A.R. (como artigos de jornal, reuniões com eleitores, debates públicos, etc.), mesmo que produzidas na qualidade de deputado” ([61]).

Também aqui, somos pois, postos, perante a necessidade de optar. Ou nos colocamos ao nível da configuração de uma hipótese meramente teórica, ou enveredamos por um caminho basicamente pragmático, no sentido de que só interessará operar modificações no direito interno, sobretudo se forem alterações à C.R., se elas se justificarem para obviar a dificuldades de cooperação que surjam no horizonte daquilo que for minimamente provável.

No primeiro caso, o nº 1 do artigo 157º da C.R. não pode permanecer com a actual redacção. No segundo, mostrar-se-á dispensável a sua alteração, por ser extremamente remota a possibilidade de se praticarem os crimes internacionais do artigo 5º do Estatuto, na circunstância de uma lei votada na Assembleia da República de Portugal, regularmente promulgada, referendada e entrada em vigor, a isso obrigou.

A via por que optamos é a segunda.

Como referem os autores ultimamente citados,

“Ao contrário do que sucede nos sistemas parlamentar e presidencial típicos, em que a articulação do sistema de governo é fundamentalmente bipolar (executivo-assembleia) – cabendo ao chefe do Estado essencialmente funções nominais de representação, no primeiro, e sendo ele mesmo o chefe do executivo, no segundo -, no sistema misto da CRP a articulação é triangular, protagonizada por três órgãos (PR, AR e Governo) ligados entre si por uma complexa teia de dependências e de poderes e contra-poderes recíprocos.” ([62])

Os projectos e as propostas de lei aprovados, os “decretos da Assembleia da República”, são enviados ao Presidente da República para promulgação ([63]), sabido que a falta de promulgação ou de assinatura do Presidente da República implica a inexistência da lei, de acordo com o artigo 137º da C.R.. O Presidente da República pode exercer um veto político ou requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas que entender. Sem se desconhecer que, no primeiro caso, o Presidente pode vir a ser obrigado a promulgar a lei ([64]), há que atentar no facto de uma lei que obrigue ao cometimento de um crime internacional ter de ser, necessariamente uma lei inconstitucional. Na hipótese que vimos a abordar, seria dificilmente concebível que não se desencadeasse a intervenção do Tribunal Constitucional e que a decisão deste não fosse no sentido de impedir a promulgação.

Aliás a fiscalização preventiva da inconstitucionalidade pode ser pedida pelo Primeiro Ministro ou por um quinto dos deputados em efectividade de funções, de acordo com o nº 4 do artigo 278º do C.R..

A promulgação das leis pelo Presidente da República carece de referenda do Governo, sob pena de inexistência do diploma, consoante estipula o artigo 140º da C.R..

Quer dizer que a votação de uma lei por hipótese iníqua, levada a cabo na Assembleia da República, só seria causal em relação aos crimes efectivamente cometidos ao seu abrigo, depois de ter havido uma corresponsabilização política do Chefe de Estado e do Governo, e muito provavelmente, o assentimento do tribunal Constitucional.

Este um cenário que num Estado de direito com a estrutura democrática como a nossa dificilmente se conceberá ([65]).


4.3.3. O artigo 196º da C.R. estipula:

“1. Nenhum membro do Governo pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia da República, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante delito.
2. Movido procedimento criminal contra algum membro do Governo, e acusado este definitivamente, a Assembleia da república decidirá se o membro do Governo deve ou não ser suspenso para efeito do seguimento do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de crime do tipo referido no número anterior.”

Assim se vê que os membros do Governo não beneficiam de qualquer cláusula de irresponsabilidade penal, tal como os deputados, antes são protegidos por um mecanismo de inviolabilidade pessoal que passa pela decisão da Assembleia da República.

Porque os crimes do artigo 5º do Estatuto são punidos, como se verá, com penas superiores a três anos de prisão, no seu limite máximo, o disposto no nº 2 do preceito não prejudicará qualquer cooperação com o T.I.P.. No tocante ao nº 1 do artigo 196º da C.R., porém, é configurável uma situação em que o T.P.I. solicite a detenção e entrega de um membro do Governo, ou a sua prisão preventiva não sendo caso, naturalmente, de flagrante delito. E, então, a Assembleia da República poderá ou não autorizar a detenção.

O nosso ponto de vista é o de que, na ponderação que faça sobre a concessão de autorização, a Assembleia da República terá agora que contar com as normas que vincularão o Estado português face à ratificação do Estatuto de Roma.

Se, em geral, aquela ponderação atenderá a razões substancialmente políticas, tratando-se de um pedido do T.P.I. de detenção, conflui um imperativo simplesmente jurídico. As normas que obrigam à cooperação com o T.P.I. impõem-se à Assembleia da República como lei feita interna, não podendo portanto este órgão deixar de conceder a autorização. A nosso ver, será um caso de autorização obrigatória não previsto na C.R. mas que nem por isso poderá deixar de orientar a opção do Parlamento. Razão pela qual, neste ponto, nenhum ajuste constitucional nos parece necessário.


4.3.4. Abordemos por último o estatuto dos magistrados judiciais e do Ministério Público, no que respeita à sua responsabilização penal ([66]).

O nº 2 do artigo 216º da C.R. refere que: “Os juizes não podem ser responsabilizados pelas suas decisõe, salvas as excepções consignadas na lei”.

Em consonância, o artigo 5º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho ([67]), Estatuto dos Magistrados Judiciais, dispõe:

“1. Os magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões.
2. Só nos casos especialmente previstos na lei os magistrados judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a responsabilidade civil, criminal ou disciplinar.
3. Fora dos casos em que falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivada mediante acção de regresso do Estado contra o respectivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave.”

Ao nível do Código Penal, a responsabilização dos magistrados judiciais pode advir do cometimento do crime do artigo 369º do Código Penal, que passamos a transcrever:

“1. O funcionário, que no âmbito de inquérito processual, processo judicial, por contra-ordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar acto, no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com multa até 120 dias.
2. Se o facto for praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, o funcionário é punido com pena de prisão até 5 anos.
3. Se, no caso do nº 2, resultar privação de liberdade de uma pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
4. Na pena prevista no número anterior incorre o funcionário que, sendo para tal competente, ordenar ou executar medida privativa da liberdade de forma ilegal, ou omitir ordená-la ou executá-la nos termos da lei.
5. No caso referido no número anterior, se o facto for praticado com negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa” ([68]).

Face ao disposto no Estatuto de Roma cremos estar criada uma situação concreta da responsabilização criminal dos juizes, nos termos das disposições combinadas relativas à previsão dos crimes por um lado, e aos pressupostos da responsabilização, por outro, em que se inclui a norma do artigo 27º. A qual, recorde-se consagra a “irrelevância da qualidade oficial”.

É a própria “lei” que expressamente nos vem dizer que a qualidade oficial é irrelevante, o que, a “contrário”, significa estar-se perante uma especial consagração de responsabilidade.

Em relação aos magistrados do Ministério Público, o nº 4 do artigo 219º da CR consagra uma regra de responsabilidade e o nº 2 do artigo 76º da Lei nº 60/99, de 27 de Agosto, esclarece que “A responsabilidade consiste em responderem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem”. O artigo 77º acrescenta que “Fora dos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivada mediante acção de regresso do Estado.” A questão da responsabilidade penal põe-se pois em moldes diferentes estando em causa esta magistratura.

Para ambas as magistraturas, porém, vigora a norma segundo a qual, fora de flagrante delito por crime punível com pena de prisão superior a três anos, os magistrados só podem ser presos ou detidos havendo designação de dia para julgamento ([69]). Há portanto um diferimento para esta fase do momento da privação de liberdade.

Entendemos que esta prerrogativa, consagrada na lei ordinária, e pensada tendo em conta a jurisdição dos tribunais portugueses, deverá ceder perante a norma do artigo 27º do Estatuto. Justifica-se que face à comunidade nacional, que é afinal aquela onde exercem funções, os magistrados só sejam presos havendo uma probalidade forte de terem cometido o crime. Face à comunidade internacional deixa de proceder aquela motivação.


4.4. O artigo 28º do Estatuto prevê a responsabilização de chefes militares por actos cometidos por subordinados sob a sua autoridade, e, ou, controle efectivo, conforme o caso, em termos que se coadunam com as regras da responsabilização da comissão por omissão, do artigo 10º, e da negligência, do artigo 15º, ambos do Código Penal.


4.5. A questão da imprescritibilidade dos crimes da competência do T.P.I., consagrado no artigo 29º do Estatuto, obriga necessariamente à revisão do disposto no artigo 118º do Código Penal, onde se estipulam prazos de prescrição. Seria então necessário iniciar o preceito, na sua redacção, com a expressão utilizada, por exemplo, nos artigos 4º e 5º do mesmo Código: “Salvo tratado ou convenção internacional em contrário …”.

Mais discutível é a questão da compatibilidade daquela regra de imprescritibilidade com o disposto na C.R. ([70]).

Na verdade, em lado algum da C.R. se proíbe expressamente a imprescritibilidade ([71]), pelo que, esta só poderia ser recusada, por influência indirecta de um princípio de salvaguarda da soberania nacional, ou de um princípio inerente a todo o “jus puniendi”, de necessidade da pena.

Quanto à primeira objecção, não se vê que a entrega ao T.P.I. de um indivíduo, em virtude da prática de crime, que segundo a nossa lei estaria prescrito, redunde em compressão intolerável da soberania. Poderiam recuperar-se aqui reflexões já atrás feitas a propósito da própria aceitação da jurisdição do T.P.I..

O argumento retirado da exigência da necessidade da pena no caso concreto, é mais dificilmente ultrapassável, já que, se não procederem ali razões de prevenção especial ou geral positiva, estar-se-á a instrumentalizar a pessoa do arguido ao serviço de finalidades extra-penais, com violação insuportável da dignidade inerente a toda a pessoa humana, sem excepção.

A dignidade da pessoa humana é, como se sabe, o ponto de partida e a base axiológica de toda a normação constitucional.

Algum auxílio nos pode ser prestado pelo artigo 40º do Código Penal, que em matéria de finalidades de pena assinala “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Ora, se este último propósito dificilmente poderá ser invocada a favor da imprescritibilidade, já em termos de prevenção geral positiva, da “defesa de bens jurídicos”, nas palavras da lei, a justificação poderá existir. Se ao que há que atender é às “expectativas comunitárias de reafirmação contrafáctica da validade da norma violada” ([72]), então cumprirá averiguar quais sejam tais expectativas e que comunidade está em causa.

À partida, não nos poderemos ater, simplesmente, às expectativas de uma comunidade portuguesa, sendo certo que várias legislações nacionais estrangeiras consagram o princípio da imprescritibilidade. Se, por definição, os crimes em questão atingem a própria comunidade internacional, será o sentimento difundido por toda ela ou parte substancial dela que relevará.

A extrema gravidade dos crimes previstos no artigo 5~º do Estatuto, a intensidade do sentimento de repulsa por tais crimes, vivo na colectividade, e o risco de cometimento de actos semelhantes, serão motivos a ponderar no sentido da necessidade da pena, pelo menos para além dos prazos previstos na nossa lei interna, e enquanto o autor do crime, obviamente, puder ser julgado. O que tudo apontaria para a aceitação da regra da imprescritibilidade do artigo 29º do Estatuto, sem que com isso se visse qualquer violação do nº 2 do artigo 18º da C.R. ([73]).


4.6. Sob a epígrafe “elemento psicológico” (com o que se procura traduzir a expressão “mental elemento”, por sua vez correspondente à usada no direito penal anglo-saxónico, “mens rea”), o artigo 30º consagra um princípio da culpa, sob a forma de dolo ou negligência. Mencionam-se quanto àquele tanto o elemento intelectual como o volitivo, parecendo à primeira vista que, a propósito da negligência, só se deverá punir a negligência consciente ([74]).

As alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 31º referem-se à inimputabilidade em razão de anomalia psíquica. A alínea c) e d) do mesmo número às causas de exclusão da ilicitude, legítima defesa e estado de necessidade, e o artigo 33º traduz uma causa de exclusão da culpa, a “obediência indevida desculpante” do nosso artigo 37º do Código Penal. O artigo 32º do Estatuto reporta-se ao erro de facto ou de direito.

Não é de assinalar qualquer discrepância entre estas disposições e o nosso direito interno.


5. O Capítulo IV do Estatuto debruça-se sobre a “composição e Administração do Tribunal”. Ao longo dos artigos 34º a 52º são definidos os órgãos do TPI (artigo 34º), a constituição da Presidência do Tribunal (artigo 38º), a organização das Secções do Tribunal em Juízes (artigo 39º), o recrutamento e estatuto dos juizes (artigos 35º, 36º, 37º, 40º e 41º), a organização do Gabinete do Procurador (artigo 42º), da Secretaria (artigo 43º), e o modo de recrutamento de pessoal (artigo 44º). O compromisso solene, a cessação de funções, as medidas disciplinares, os privilégios e imunidades, os vencimentos, subsídios e despesas, as línguas oficiais e de trabalho do TPI são matérias que interessam aos ocupantes dos vários cargos do Tribunal, estando reguladas nos artigos 45º a 50º.

Por último, os artigos 51º e 52º referem-se às “Regras de Procedimento de Prova” e ao “Regulamento” necessário ao normal funcionamento do Tribunal.

Dada a sua especificidade não é de estranhar que os temas referidos pouco possam interessar, na perspectiva da compatibilidade do Estatuto do T.P.I. com a nossa legislação. Mesmo assim,, dir-se-á que não nos apercebemos de qualquer fricção digna de menção. Ao invés, as regras destinadas a assegurar a independência dos juizes e do Procurador por exemplo, parecem-nos correctas, sendo também de saudar o impedimento que resulta do nº 4 do artigo 39º do Estatuto, expressão clara do princípio processual penal do acusatório.

Estes dois aspectos directamente ligados com a justiça material que venha a ser levada a cabo pelo TPI.


6. Com o Capítulo V do Estatuto, entra-se na tramitação processual propriamente dita, dizendo respeito os artigos 53º a 61º às fases que antecedem a de julgamento. Tais preceitos reportam-se ao inquérito, a cargo do Procurador, bem como à intervenção do juízo de Instrução, havendo clara similitude com as fases preliminares do novo processo penal.

Não se detectaram disposições que impliquem violação das garantias processuais penais, caras a um Estado-de-Direito, designadamente das consagradas entre nós, pelo que nos limitaremos a assinalar algumas notas distintivas da tramitação, porque tanto nos parece bastar à economia do parecer.


6.1. Porque detentor do exercício da acção penal, cabe ao Procurador a iniciativa processual, abrindo o inquérito (nº 1 do artigo 53º), abertura que, como resulta do artigo 15º, carece de autorização do juízo de Instrução.

Se, depois de realizado o inquérito, o Procurador decidir não proceder criminalmente, a sua opção é sindicada pelo juízo de Instrução ou pelo Estado que lhe submeteu o caso, de acordo com os nºs 2 e 3 daquele artigo 53º do Estatuto.

O artigo 54º trata do conteúdo do inquérito, podendo o Procurador realizar diligências no território de um Estado, nos termos do nº 2 do preceito, e cabendo-lhe investigar os factos que interessem tanto à acusação como à defesa (alínea a) do nº 1).

O artigo 55º respeita aos direitos das pessoas no decurso do inquérito, especialmente dos direitos do arguido nessa face.

No artigo 56º está em causa, basicamente, o procedimento a adoptar quando no decurso de certo inquérito se depare “uma oportunidade única”, de preservação de meios de prova que interessem à reconstituição de factos, que à partida não eram objecto da investigação. O possível alargamento do objecto do processo é feito sob controle do juízo de Instrução, e assegurando-se convenien-temente as garantias de defesa.


6.2. O artigo 57º elenca várias intervenções possíveis do juízo de Instrução durante o inquérito, no exercício de uma verdadeira função de “juiz das liberdades”, a culminar na competência para a emissão de mandatos de detenção, regulada autonomamente no artigo 58º. De notar, para além disso, a competência do juízo de Instrução para autorizar o Procurador a adoptar medidas específicas no âmbito de um inquérito, no território de certo Estado, fora do âmbito da cooperação deste, sempre que não haja condições para obter tal cooperação (alínea d), do nº 3 do artigo 57º).

Os pressupostos da detenção estão enunciados no nº 1 do artigo 58º em termos que se podem fazer equivaler dos pressupostos da prisão preventiva do nosso direito processual penal. A detenção é requerida pelo Procurador nos termos do nº 2 do preceito, e os mandados de detenção obedecem ao disposto no nº 3.

Porque com base no mandado de detenção, o tribunal poderá solicitar a um Estado a prisão preventiva ou a detenção e entrega de uma pessoa, o artigo 59º regula a cooperação pertinente da autoridade judiciária competente do Estado da detenção. Tal Cooperação não poderá perder de vista a obrigação de fundo imposta pelo artigo 86º, mas não deixará de se considerar prestada se a autoridade judiciária nacional optar, fundadamente, pela concessão da liberdade provisória.

O artigo 60º regula a manutenção da detenção ou a concessão da liberdade provisória, por parte do juízo de Instrução, se a pessoa detida ou simplesmente notificada para o efeito, de facto comparecer perante o Tribunal. Este comparecimento perante o Tribunal da pessoa a quem são imputados os crimes abre, segundo a epígrafe do dito artigo 60º, a fase instrutória.

Trata-se de uma fase que integrará fundamentalmente uma “audiência para apreciar os factos constantes da acusação com base nos quais o Procurador pretenderá requerer o julgamento”. O artigo 51º regula tal apreciação, saltando à vista a sua correspondência com a função do nosso debate instrutório.

De notar os cuidados postos na garantia de efectivação do contraditório e de organização ou reorganização da defesa no caso de alteração do objecto do processo.


7. No Capítulo VI do Estatuto reúnem-se as normas que interessam à fase de julgamento, tratando-se sucessivamente de matérias como a do local da audiência (artigo 62º), da proibição de julgamento à revelia (nº 1 do artigo 63º) da polícia da audiência (nº 2 do artigo 63º), dos poderes do Tribunal, da publicidade e da condução da audiência (artigo 64º), da confissão do arguido (artigo 65º), da presunção de inocência e do ónus da prova (artigo 66º), ou dos direitos do arguido nesta fase (artigo 67º).

O artigo 68º prevê várias medidas para protecção das vítimas e testemunhas ([75]) e o artigo 69º regula a produção de prova, no que deverá ser complementado pelo que vier a constar das “Regras de Procedimento e Prova” ([76]). As sanções por desrespeito ao Tribunal estão previstas no artigo 71º.

Nos preceitos seguintes regula-se o procedimento a adoptar, sempre que a divulgação de informação ou documentos de um Estado possa, no entender deste, afectar os interesses da sua segurança nacional, bem como no caso de um Estado ser chamado a divulgar informação ou documento que lhe tenha sido confidencialmente fornecido por outrem.

O artigo 74º refere-se ao processo de decisão. Esta deverá mover-se só dentro do objecto do processo, e respeitar o princípio segundo o qual só a prova produzida em audiência é relevante, entre o mais.

Prevê-se no artigo 75º a indemnização das vitimas ou outros titulares desse direito, regulando-se aquilo que poderia apelidar-se de “enxerto cível” no processo penal.

O artigo 76º refere-se à aplicação da pena, admitindo-se a requerimento do Procurador ou do arguido uma audiência suplementar, para determinação de pena, em tudo equivalente à “reabertura da audiência”, prevista no nosso artigo 371º, do Código de Processo Penal.

Passadas em revista todas estas disposições, verificamos que se consagram nelas princípios que integram a nossa Constituição Processual Penal, e se adoptam procedimentos que não colidem com as garantias do nosso direito interno. Daí que não constituam qualquer entrave à ratificação do Estatuto de Roma nem reclamem alteração no nosso processo penal, ao serviço da cooperação com o TPI.


7.1. O artigo 71º do Estatuto, integrado também no Capítulo referente ao julgamento, reporta-se às “Infracções contra a administração da justiça”.

No nº 1 do preceito prevê-se que as autoridades competentes dos Estados-Parte possam ser solicitadas pelo TPI para que procedam contra os agentes de qualquer daqueles crimes, com a condição de terem sido cometidos no seu território ou por um dos seus nacionais. E, determina-se expressamente que os Estados-Parte tornarão extensivas à jurisdição do TPI, as infracções contra a administração da justiça previstas nas respectivas legislações internas.

O Capítulo III, do Título V, do Livro II, do Código Penal contém os crimes contra a realização da justiça. Nos seus artigos 359º a 371º prevê-se um lote de comportamentos que correspondem em boa parte aos descritos no nº 1 do artigo 70º do Estatuto. A tais previsões poderíamos ainda acrescentar as dos crimes de ameaça (artigo 153º), coacção (artigo 154º), coacção grave (artigo 155º), sequestro (artigo 158º), resistência e coacção sobre funcionário (artigo 347º), ou corrupção (artigo 372º e seguintes), todos do Código Penal.

Ora, por um lado não há perfeita coincidência entre a previsão do Estatuto e os tipos legais de que já dispomos no nosso direito ([77]), por outro, mesmo que estes fossem reputados suficientes, poderiam não ser aplicáveis. Exactamente porque se não trata aqui de infracções contra a administração de justiça levada a cabo por tribunais portugueses, ou envolvendo funcionários portugueses.

A Lei nº 7/86, de 9 de Abril, procedeu ao enunciado dos crimes de “falso testemunho e equiparados cometidos perante o Tribunal de Justiça das Comunidades”. Na Proposta de Lei nº 243/VII, relativa à cooperação com os tribunais “ad hoc” para a ex-Jugoslávia e Ruanda incluiu-se a seguinte disposição:

“Artigo 15º
Falsidade de depoimento

1. O crime previsto no artigo 360º do Código Penal cometido em Portugal no decurso de diligência solicitada pelo Tribunal Internacional é, para todos os efeitos, considerado como cometido perante o tribunal português.
2. O procedimento criminal depende, porém, da participação do Tribunal Internacional, que, para o efeito, fornecerá todos os meios de prova de que disponha.”

Parece pois incontornável a necessidade de adaptação da nossa legislação interna no sentido de, por um lado, serem considerados crime todos os comportamentos referidos no nº 1 do artigo 70º do Estatuto, e, por outro, se admitir expressamente que o crime terá lugar quando estiver em causa a perturbação do exercício da justiça perante o T.P.I., e não só perante as instâncias jurisdicionais portuguesas.


8. O Capítulo VII, relativo às penas, levanta a dificuldade resultante de se prever, na alínea b) do nº 1 do artigo 77º, a possibilidade de aplicação da pena de prisão perpétua. Ora, como é sabido, o nº 1 do artigo 30º da C.R. estipula:

“Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”.

Por outro lado, o nº 5 do artigo 33º da mesma C.R. tem o seguinte teor:

“5. Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.”

Assim, haverá que ter em conta, em primeiro lugar, que o artigo 80º do Estatuto salvaguarda a aplicação das penas previstas nas legislações nacionais, ou da legislação que não preveja as penas do Estatuto, no caso de ser uma jurisdição nacional a aplicar a pena. Ou seja, a julgar o arguido. Deste modo, o comando do nº 1 do artigo 30º da C.R. não é atingido com a regra do Estatuto que prevê a pena de prisão perpétua.

Mas a dificuldade não desaparece se o nosso país for solicitado a cooperar com o T.P.I., sabido que, na sua decisão, esta instância poderá aplicar efectivamente a pena de prisão perpétua. Interessa aqui lembrar o que dispõe a este respeito a nossa lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, Lei nº 144/99 de 31 de Agosto.

Ora, esta lei refere a propósito dos requisitos gerais negativos da cooperação, no artigo 6º, que “O pedido de cooperação é recusado quando”, entre outros motivos, “respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida” (alínea f)).

No nº 2 do preceito acrescenta-se que o disposto nesta alínea não obstará à cooperação: “Se, com respeito a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requerente, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, o Estado requerente oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada”.

E para se poderem apreciar as garantias referidas fornecem-se critérios no nº 3 do artigo:

“Para efeitos de apreciação da suficiência das garantias a que se refere a alínea b) do número anterior, ter-se-á em conta, nomeadamente, nos termos da legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena, de reapreciação da situação da pessoa reclamada e de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente.”

Vê-se assim que, no caso de extradição, exactamente aquele em que Portugal deverá ser mais exigente, na qualidade de Estado requerido, foi introduzida com a última revisão constitucional uma importante nota de flexibilização. A qual se repercutiu no regime da lei ordinária, de tal modo que, nos termos desta, a cooperação deverá ter lugar sempre que afinal haja probabilidade de a pena de prisão perpétua não ser aplicada.

Entre a simples possibilidade de a pena não ser aplicada e a certeza de que não vai ser aplicada existem graus variados de probabilidade, sendo para nós seguro que, só não ocorrerá violentação do princípio subjacente à disciplina constitucional, se a probabilidade em foco for forte.

Face à cooperação que pode vir a ter lugar com o T.P.I. nem estará em causa a extradição, nem poderá ser um Estado a dar garantias de não aplicação da pena de prisão perpétua. Não poderá, porém, deixar de o ser apontado, o critério a acolher para se aferir da conformidade com a Constituição, neste ponto.

Confrontados com o conjunto das normas do Estatuto de Roma o cumprimento efectivo de uma pena de prisão perpétua é ou não uma possibilidade remota?

Antes do mais, dir-se-á que o carácter complementar da jurisdição do T.P.I. permitirá ao Estado-Parte interessado assumir o julgamento da pessoa em causa, nos termos do artigo 17º.

Também em matéria de execução de pena, qualquer Estado--Parte poderá recusar o cumprimento no seu território de qualquer pena de prisão perpétua, de acordo com o disposto no artigo 103 do Estatuto.

No entanto, o que se nos afigura de facto importante é o mecanismo de reapreciação da pena previsto no artigo 110º do Estatuto. No caso de condenação em pena de prisão perpétua, decorridos 25 anos de prisão, o Tribunal é obrigado a reexaminar a pena para determinar se haverá lugar à sua redução.

Ora, entre as circunstâncias que não poderão ser ignoradas pelo T.P.I., está a que resulta da observância a que se comprometeu, ([78]) de princípios que lhe pré-existem, e que se plasmaram em importantes instrumentos convencionais.

O nº 3 do artigo 10º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 16 de Dezembro de 1966, da O.N.U., assinala como fim essencial da fase de execução da pena a emenda e recuperação social do recluso.

Sem se escamotear a delicadeza da questão, propendemos a achar que o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 77º do Estatuto, prevendo a pena de prisão perpétua, não deverá ser impeditivo da ratificação do Estatuto de Roma, mesmo mantendo intocada a nossa legislação interna.


9. No capítulo VIII é contemplada a matéria dos recursos. Em relação àquilo a que poderíamos chamar o “recurso ordinário”, releva sobretudo o que é interposto da sentença final. Introduz-se aí um sistema de cassação alargada, exigindo-se “erro de facto ou de direito” ou “vício processual” como fundamento do recurso. Caberá ao juízo de Recursos anular ou modificar a decisão ou a pena, ou ordenar novo julgamento na primeira instância.

O “recurso de revisão” está previsto no artigo 84º. No artigo 85º prevê-se a indemnização do detido preso ou condenado indevidamente.

Nenhum comentário se justifica de momento quanto à matéria em foco.


10. O capítulo IX reporta-se à cooperação internacional e ao auxílio judiciário devidos.

Depois de, no artigo 86º, se enunciar uma obrigação geral de cooperação, o artigo 88º refere a exigência, de o direito interno dos Estados-Parte prever procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação. E a forma de cooperação quiçá mais importante é a que vem regulada a seguir, nos artigos 89º, 90º e 91º do Estatuto, e se prende com o pedido de detenção e entrega de uma pessoa.

Trata-se, no fundo, da transferência forçada de alguém para o local onde funciona o T.P.I., e da sua entrega a este fora dos mecanismos clássicos da extradição ([79]).


10.1. Do ponto de vista da sua fundamentação, a entrega em apreço não terá a natureza da extradição e por isso é que não poderá submeter-se às suas regras.

A natureza não é a mesma por o T.P.I. não poder ser considerado um tribunal estranho, estrangeiro mesmo, em relação aos tribunais portugueses. A propósito da relação de complementariedade entre um e os outros, já atrás referimos a ideia de o T.P.I. ser uma extensão das jurisdições nacionais. Ora, enquanto emanação da comunidade internacional, e órgão supra-nacional aceite livremente pelos Estados-Parte, o T.P.I. é, nalguma medida, um tribunal nacional que funciona no estrangeiro, e com regras próprias.

Depois, sobretudo, o relacionamento entre o T.P.I. e Portugal não tem que ver com a relação entre duas nações soberanas. Não estão em causa soberanias paralelas, em primeiro lugar, porque o T.P.I. não é um Estado, e em segundo lugar porque é um órgão a cujas decisões Portugal, na qualidade de Estado-Parte, tem que se submeter. Ora, a disciplina que integra todo o instituto da extradição está informada de um princípio de respeito pela soberania dos Estados, de que avulta, como emanação, a regra da reciprocidade. O artigo 102º do Estatuto não deixa de frisar a diferença entre “extradição” e “entrega”.

Cremos pois que a detenção e entrega ao T.P.I. terão que obedecer no seu processamento a regras que nem são as das convenções sobre extradição ratificadas por Portugal, nem as que na Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, se debruçam sobre extradição.

E assim sendo, parece óbvio que importa legislar internamente no sentido de se viabilizar a detenção e entrega de uma pessoa ao T.P.I. como forma de cooperação com este.


10.2. O artigo 92º do Estatuto refere-se ao pedido de prisão preventiva e o artigo 93º a todas as formas de cooperação, para além da detenção, entrega e prisão preventiva.

Trata-se de modos de colaboração com o T.P.I. extremamente variados, que correspondem àquilo que na Lei nº 144/99 se apelida de “auxílio judiciário mútuo”, e se vê regulado, especificamente, nos seus artigos 145º e seguintes.

Crê-se que a articulação entre as disposições desta lei e as do Estatuto não levanta especiais dificuldades.

Há no entanto um ponto que importa ter em conta. De acordo com os nºs 5 e 6 do artigo 145º, da Lei nº 144/99, a actuação de autoridade judiciária ou policial estrangeiras no território nacional tem que ser autorizada pelo Ministro da Justiça. O nº 2 do artigo 54º do Estatuto prevê a possibilidade de o Procurador realizar investigações no território de um Estado-Parte, as quais poderão ter lugar utilizando--se os mecanismos da cooperação ou não. No primeiro caso, a salvaguarda do respeito pelo processamento previsto na lei interna, conferida pelo nº 1 do artigo 93º do Estatuto, levará à necessidade de obtenção daquela autorização do Ministro da Justiça. Mas na situação extrema prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 54º o Procurador poderá actuar no território de um Estado-Parte à revelia das respectivas autoridades. Tal situação não está prevista na nossa lei interna.


11. A execução da pena, tratada no Capítulo X, é feita nos Estados que livremente a tal se predisponham, e na falta destes, nos Países-Baixos, como Estado-anfitrião (artigo 103º). Enquanto que as condições de detenção serão reguladas pela legislação do Estado da execução, este não poderá em caso algum modificar a pena (nºs 1 e 2, respectivamente dos artigos 105º e 106º) com o que se excluirá toda e qualquer incidência de perdões ou amnistias.

Porque o conjunto de disposições que formam este Capítulo, como aliás os preceitos que integram os restantes capítulos até final ([80]), não nos suscitam qualquer comentário na perspectiva da razão de ser do presente parecer, daremos por encerradas as nossas considerações.

Estas, Senhor Procurador-Geral, as reflexões possíveis no condicionalismo de urgência a que procurámos atender.

Fica-nos a convicção do carácter polémico de algumas afirmações produzidas, e a certeza de que, sobre um juízo de viabilidade jurídica, na vinculação ao Estatuto de Roma, assentarão motivações políticas para o fazer ou deixar de fazer. Neste campo, porém, não deve nem pode, naturalmente, o Conselho Consultivo entrar.


VI


Em conclusão:

1ª - A ratificação da Convenção relativa ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional, aprovado em Roma, a 17 de Julho de 1998, afigura-se-nos compatível com as normas e princípios da Constituição da República Portuguesa;

2ª - Os compromissos decorrentes daquela eventual ratificação reclamam, porém, diversas alterações legislativas, nos termos dos comentários que ficaram expressos acima.




Lisboa, 27 de Janeiro de 2000

O Procurador-Geral Adjunto,


(José Adriano Machado Souto de Moura)




[1]) A acompanhar o ofício nº 1641, datado de 20.5.1999, oriundo do Gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros, foi recebida a versão do Estatuto em inglês. Na elaboração do presente parecer, para além dessa versão, foi utilizada uma tradução elaborada no Gabinete de Documentação e Direito Comparado desta Procuradoria Geral da República, que procurámos rever só para o efeito de elaboração do presente parecer e não tem carácter oficial.
[2]) As ratificações são do Senegal (2.2.99), de Trinidad e Tobago (6.4.99), da República de San Marino (13.5.99), da Itália (26.7.99) e das Ilhas Fidji (29.11.99). Todos os Estados-membros da União Europeia assinaram a Convenção. Quanto aos restantes setenta e seis distribuem-se pela Europa, África e América, sendo notória a falta de países asiáticos. Não é o caso porém do Bangladesh, da Arménia, da Georgia, da Jordânia, do Quirgistão ou do Tadziquistão.
Os Estados Unidos da América, a China e a Índia contam-se entre os países que mantêm uma posição reticente em relação ao T.P.I..
[3]) Cfr. v.g. JESCHECK in “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, 1º vol. Bosch, Barcelona, 1981, tradução da 3ª edição alemã de 1978, pag. 159 e segs.
Este autor afirma nessa obra ser “altamente duvidosa a questão de saber se existe um Direito Internacional Penal que contenha algo mais que simples recomendação dirigidas aos Estados, para que promulguem determinados preceitos penais” (pag. 165). Igual asserção consta da 4ª edição alemã, de 1993 (cfr. tradução espanhola, Comares, Granada, 1993, pág. 109).
A problemática em questão é também abordada por F. MANTOVANI, in “Diritto Penale”, Padova, Cedam, 1988, pág. 917.
[4]) Sobre a questão v.g. MERLE/VITU in “Traité de Droit Criminel”, Paris, Cujas, 1997, pags. 358 e segs., e 433 e segs.
[5]) O Kaiser Guilherme II fugiu para os Países Baixos cujo Governo recusou a sua extradição pelo que o referido tribunal não chegou a funcionar. A Alemanha também não extraditou os seus compatriotas, e os Aliados renunciaram à aplicação dos artigos 228º, 229º e 230º do Tratado de Versalhes, a favor da jurisdição alemã através do tribunal de Leipzig. Não obstante, os Aliados reclamaram na altura 896 presumíveis criminosos, foram julgados 45 e só 9 condenados (cfr. NGUYEN QUOC DINH in “Droit International Public”, Paris, L.G.D.J., 6ª edição, 1999, pág. 682).
[6]) Sobre tal Estatuto se modelou o Estatuto anexo à Declaração do Comandante Supremo das Forças Aliadas para o Extremo Oriente, de 9 de Janeiro de 1946, que constituiu o Tribunal Militar Internacional de Tóquio para julgar os criminosos de guerra japoneses.
[7]) Por muito incipiente que ela se mostre, a sociedade internacional necessita, para sobreviver e progredir, de um sistema repressivo que é configurado exactamente, pelo direito internacional penal. Ora, os atentados a essa ordem internacional podem ser cometidos pelos Estados, por organizações ou por indivíduos, que podem agir como entes públicos, ou enquanto meros agentes privados. As infracções relevantes cometidas por simples entes privados, agindo como tal, são comportamentos excepcionalmente graves, que, sobretudo depois da segunda guerra mundial, foram sucessivamente erigidos em infracções internacionais. É o caso da pirataria em mar alto, crime de base consuetudinária, do tráfico de escravos, com base simultaneamente costumeira e convencional, e, com fundamento convencional claro, o caso das infracções relacionadas com a interferência ilícita na aviação civil internacional, e do terrorismo internacional. A esta lista há ainda quem acrescente a circulação e tráfico de publicações obscenas, as ofensas às normas de protecção de bens culturais em caso de conflito armado, ou de protecção física de materiais nucleares, e, muito recentemente, a própria corrupção ligada ao crime organizado.
[8]) Órgão auxiliar técnico composto por 34 juristas, eleitos pela Assembleia Geral, que se pretende que sejam peritos independentes, representativos das várias formas de civilização e dos vários sistemas de direito mundiais. Foi criado pela Resolução 174 (II) da Assembleia Geral.
[9]) Ao “Projecto de Código dos Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade” se reportam as informações-parecer deste corpo consultivo nºs 55/81, 55/81-Complementar, 55/81 2º- Complementar, e 62/84, todos inéditos.
[10]) In ob. cit., pág. 678. Neste ponto seguiremos este autor.
[11]) Cfr. QUOC DINH, ob. cit., pág. 678.
[12]) Cfr., “”Anuário da Comissão de Direito Internacional” 1984, vol. II, 2ª parte, pág. 18.
[13]) Trata-se das Convenções “para melhorar a situação dos feridos e doentes das forças armadas em campanha”, “para melhorar a situação dos feridos, doentes e naúfragos das forças armadas do mar”, “relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra”, e “relativa à protecção das pessoas civis em tempo de guerra”, todas aprovadas para ratificação pelo Decreto-Lei nº 42991 de 26.5.60, publicado no Diário do Governo nº 123-I Série, de 26.5.60.
[14]) Nenhuma delas vincula o nosso país.
A Convenção Europeia, em Junho de 1999, tinha sido assinada apenas pela Bélgica, França, Países Baixos e Roménia. A única ratificação existente à data era dos Países Baixos.
[15]) Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República, nº 37/98, de 30 de Abril, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 33/98 de 14 de Julho. Vigora entre nós desde 9.2.99, e está publicada no Diário da República I Série-A, de 14.7.98.
[16]) Cfr. “Crimes Against Humanity in International Criminal Law”, 2ª edição, Kluwer Law International, 1999, págs. 257 a 267.
[17]) In “Crimes against humanity”, Allen Lane, The Penguin Press, 1999, pág. 190.
[18]) Sobre o tema vide BASSIOUNI in “The Statute of the International Criminal Court. A Documentary History”, New York Transnational Publishers, 1998, págs. 1 e segs.
[19]) As normas sobre a cooperação entre Portugal e estes Tribunais constam da Proposta de Lei nº 243/VII apresentada pelo Governo anterior à Assembleia da República, e da Proposta de Lei nº 7/VIII da autoria do actual Governo.
Sobre a cooperação de Portugal com o Tribunal para a ex-Jugoslávia se pronunciou a informação-parecer nº 70/94, deste corpo consultivo, inédita.
[20]) Tal capítulo refere-se à “Acção em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e acto de agressão”.
[21]) Refira-se que o Procurador é comum a ambos os tribunais e a instância de recurso também.
[22]) Cfr. Resoluções nºs 49/53 e 50/46, respectivamente de 9.12.94 e 11.12.95.
[23]) Cfr. Resolução nº 52/160 de 15.12.97.
[24]) Simultaneamente, um grupo de peritos reuniu-se em Siracusa sob a égide do Instituto Superior Internacional de Ciências Criminais, em Junho de 1995, e, de modo não oficial, proprôs um projecto alternativo que haveria de ser usado, e exerceria importante influência nos trabalhos do “Comité Especial”.
Cfr. para além das ob. cit. nas notas (16) e (18) de E.P. REALE, “Lo Statuto di Roma della Corte Penale Internazionale” in “Lo Statuto della Corte Penale Internazionale”, Padova, Cedam, 1999, págs. 35 e segs.
x) Ver artigo 40º do 1º Protocolo às Convenções de Genebra.
[25]) A asserção é atribuída a B. FERENCZ, procurador do tribunal de Nuremberga.
[26]) Vide, supra o artigo 4º do Estatuto.
[27]) Uma ligação estreita à O.N.U. tem a vantagem de reforçar a eficácia do tribunal, lhe conferir especial autoridade moral e assegurar o seu carácter internacional especialmente abrangente.
[28]) Informação-parecer nº 70/94.
X) Diz-nos a tal respeito GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA:
"Como quer que seja concebida a prevalência do "direito supranacional" sobre o direito ordinário interno, é seguro, porém, que aquele não pode prevalecer sobre a Constituição, antes tem de ceder perante ela. Na verdade, sendo a Constituição a lei fundamental do país ela torna inconstitucionais todas as normas que contrariam os seus preceitos ou os seus princípios (artigo 277º, n º 1), qualquer que seja a natureza ou a origem da norma. Este é um princípio essencial, de aplicação geral, que só sofre derrogações nos casos expressamente admitidos pela própria Constituição (cfr. artigo 277º, nº 2). Em nenhum lugar a CRP faz qualquer distinção entre áreas ou categorias normativas para isentar alguma da obrigação de conformidade constitucional. Nem se compreenderia que fosse doutro modo, visto que se o direito "supranacional" pudesse contrariar a própria Constituição seria o mesmo que admitir a derrogação do princípio da soberania nacional no que ele tem de mais indisponível, ou seja, a autonomia constitucional, o poder de autonomamente decidir sobre a própria lei fundamental da comunidade (...); noutra perspectiva equivaleria a admitir a transformação da Constituição numa lei apenas nominal, deixando constituir um corpo normativo mais ou menos vasto à sua margem e imune aos seus comandos; finalmente, tudo se passaria como se a Constituição pudesse ser materialmente revista, por acto dum órgão externo, sem observância das regras formais, processuais e materiais que presidem à revisão constitucional" in "Constituição da República Portuguesa Anotada" Coimbra Editora, 1993, págs. 90 e segs.
X1) Vejamos o que nos dizem a tal respeito A. GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS:
"São três as razões pelos quais entendemos que o Direito Internacional geral ou comum prevalece sobre a Constituição.
Em primeiro lugar, a sua própria natureza e a sua composição.
Como vimos, ele é composto por regras consuetudinárias ou pactícias que se impõe a todos os Estados. Ora, dizer-se que o Direito Internacional Geral ou Comum cede perante as Constituições dos Estados é negar que ele obrigue todos os Estados, é ignorar que ele é geral ou comum.
Note-se que não é difícil ver este nosso raciocínio acolhido na Constituição. De facto, ao estabelecer que "os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes (...) das regras aplicáveis do Direito Internacional", o seu artigo 16º, nº 1, ainda que implicitamente, está a conceder grau supra constitucional a todo o Direito Internacional dos Direitos do Homem, tanto de fonte consuetudinária como convencional.
Mas, mais especificamente ainda, ao dispor que "os preceitos constitucionais (...) relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem" o mesmo artigo, no seu nº 2, está igualmente a conferir àquela Declaração Universal um nível hierárquico superior ao da Constituição na ordem interna portuguesa. (...)
A segunda razão, ainda mais sólida que a anterior, mas que decorre, em parte, dela, reside no facto do Direito Internacional geral ou comum ser, essencialmente, direito Internacional imperativo, ou seja, "jus cogens". Ora, não se vê como é que uma norma internacional pode ser imperativa para um Estado se não prevalecer sobre todas as suas fontes de direito interno, inclusive sobre a sua Constituição.
Em terceiro lugar, a nossa Constituição, no referido artigo 8º, nº 1, estabelece que "as normas e os princípios de Direito Internacional geral ou comum fazem parte integrante do Direito português". Ora esse resultado só será atingido dando-se prevalência ao Direito Internacional geral ou comum sobre todo o Direito português, inclusive, portanto, o de grau constitucional". in “Manual de Direito Internacional Público”, Coimbra, Almedina, 1993, págs. 117 e segs.
X2) Idem, pág. 283.
[29]) Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in ob. cit. na nota (X), pág. 990.
[30]) Vide nota (15).
O artigo 6º da Convenção em causa tem o seguinte teor:
“As pessoas acusadas de genocídio ou de qualquer dos outros actos enumerados no artigo 3º serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território o acto foi cometido ou pelo tribunal criminal internacional que tiver competência quanto às Partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdição”.
[31]) Cfr. nº 1 do artigo 202º.
[32]) Reproduzem-se tais preceitos:
“Artigo 7º
(Relações internacionais)
1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e op progresso da humanidade.
2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.
4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.
5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.
6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia.”
“Artigo 16º
(Âmbito e sentido dos direitos fundamentais)
1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.
2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.”
[33]) Cfr. “The International Criminal Court: Overview and Cooperation With States”, in “ICC Ratification and National Implementing Legislation”, A.I.D.P., érès, 1999, pág. 81.
[34]) Já antes nos referimos aos dois primeiros artigos do Estatuto. O artigo 3º elege a Haia para Sede do T.P.I., o artigo 4º atribui-lhe personalidade jurídica internacional, e permite que ele exerça poderes e funções, em princípio, só no território dos Estados Parte. Não nos suscitam especial comentário estes preceitos.
[35]) Deixamos ainda aqui de lado os crimes contra pessoal da O.N.U. ou seu associado dada a natureza muito particular deste tipo de infracções.
[36]) Cfr. A. BLANC ALTEMIR in “La Violación de los Derechos Humanos Fundamentales como Crimen Internacional”, Barcelona, Bosch 1990, pág. 210.
[37]) Vide nota (15).
[38]) É o seguinte o teor do preceito:
“(Genocídio)
1. Quem, com intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal, praticar:
a) Homicídio de membros do grupo;
b) Ofensa à integridade física grave de membros do grupo;
c) Sujeição do grupo a condições de existência ou a tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, susceptíveis de virem a provocar a sua destruição, total ou parcial;
d) Transferência por meios violentos de crianças do grupo para outro grupo; ou
e) Impedimento da procriação ou dos nascimentos no grupo;
é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.
2. Quem, pública e directamente, incitar ao genocídio é punido com a pena de prisão de 2 a 8 anos.
3. O acordo com vista à prática de genocídio é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”
[39]) Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 11/88 e publicada no Diário da República, I Série, de 21.5.88.
Sofreu emendas ratificadas por Decreto do Presidente da República e aprovadas para adesão por Resolução da Assembleia da República, ambos de 15.12.94 e publicados no Diário da República, 1ª Série-A da mesma data.
[40]) Transcreve-se o preceito:
“1- Para os fins da presente Convenção, o termo “tortura” significa qualquer acto por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa com os fins de, nomeadamente, obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões, a punir por um acto que ela ou uma terceira pessoa cometeu ou se suspeita que tenha cometido, intimidar ou pressionar essa ou uma terceira pessoa, ou qualquer outro motivo baseado numa forma de discriminação, desde que essa dor ou esses sofrimentos sejam infligidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou tácito. Este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legítimas, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionados.
2- O presente artigo não prejudica a aplicação de qualquer instrumento internacional ou lei nacional que contenha ou possa vir a conter disposições de âmbito mais vasto.”
[41]) Aprovada para ratificação pelo Decreto nº 14046, de 5 de Agosto de 1927, e publicada no Diário do Governo de 2 de Janeiro de 1929.
[42]) Aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº 42172, de 2 de Março de 1959, e publicada no Diário do Governo, de 2 de Março de 1959.
[43]) Aprovada para adesão pela Lei nº 7/82, de 29 de Abril, e publicada no Diário da República, I Série, da mesma data.
[44]) A “Discriminação racial” é definida como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, cor, ascedência, origem nacional ou étnica, que tenha como objectivo ou como efeito destruir ou comprometer o reconhecimento, gozo ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.”
[45]) Anote-se a definição de “discriminação contra as mulheres” do artigo 1º da Convenção: “qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha como objectivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou o exercício pelas mulheres, seja qual for o seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social, cultural e civil ou em qualquer outro domínio.”
[46]) Aprovada para ratificação pela Lei nº 19/81, de 18 de Agosto, publicada no Diário da República com a mesma data.
[47]) Os comportamentos em questão são:
“a) As infracções compreendidas no campo de aplicação da Convenção para a repressão da Captura Ilícita de Aeronaves, assinada na Haia em 16 de Dezembro de 1970.
b) As infracções compreendidas no campo da aplicação da Convenção para a repressão de Actos Ilícitos Dirigidos contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal em 23 de Setembro de 1971;
c) As infracções graves constituídas por um ataque contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas que gozam de protecção internacional, inclusive os agentes diplomáticos;
d) As infracções comportando o rapto, a detenção de reféns ou o sequestro arbitrário;
e) As infracções comportando a utilização de bombas, granadas, foguetões, armas de fogo automáticas ou cartas ou embrulhos armadilhados, na medida em que essa utilização apresente perigo para quaisquer pessoas;
f) A tentativa de cometer uma das infracções acima citadas ou a participação como co--autor ou cúmplice de uma pessoa que comete ou tenta cometer uma tal infracção.”
[48]) É nessa medida que, muito embora tenham um alcance muito mais vasto, a “Convenção Europeia dos Direitos do Homem” (aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, e publicada no Diário da República da mesma data), ou o “Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos”, de 16 de Dezembro de 1966 (aprovado para ratificação pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho, publicado no Diário da República da mesma data), por exemplo, não são chamados à colação neste momento.
[49]) Pensamos nas reformas operadas pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, e pela Lei nº 65/98, de 2 de Setembro.
[50]) Cfr. “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Parte especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 559.
[51]) Cfr. alínea k) do nº 1 do artigo 7º do Estatuto.
[52]) A 12 de Dezembro de 1977, concluiram-se em Genebra dois protocolos adicionais às Convenções, dizendo o primeiro respeito à protecção das vítimas de conflitos armados internacionais, e o segundo dos não internacionais. Foram ratificados por Decreto do Presidente da República, de 1 de Abril de 1992 e publicados no jornal oficial da mesma data.
[53]) Opção a que, estamos em crer, não foram nada estranhos os recentes conflitos da ex-Jugoslávia e Ruanda, e, sobretudo,o 2ª Protocolo às Convenções de Genebra.
[54]) O artigo 7º fala em “prática múltipla de actos” como se viu.
No artigo 8º, os actos podem, mas não têm que se integrar, num “plano” ou “política”, ou ser “parte de uma prática em longa escala” do tipo de crimes em causa.
[55]) Transcreve-se o artigo 241º:
“Crimes de guerra contra civis
1. Quem, violando normas ou princípios do direito internacional geral ou comum, em tempo de guerra, de conflito armado ou de ocupação, praticar sobre a população civil, sobre feridos, doentes ou prisioneiros de guerra:
a) Homicídio
b) Tortura ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos;
c) Ofensa à integridade física grave dolosa;
d) Tomada de reféns;
e) Constrangimento a servir nas forças armadas inimigas;
f) Deportação;
g) Restrições graves, prolongadas e injustificadas da liberdade das pessoas; ou
h) Subtracção ou destruição injustificadas de bens patrimoniais de grande valor;
é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.
2. A pena é agravada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo quando os actos referidos no número anterior forem praticados sobre membros de instituição humanitária.”

Bem como o artigo 242º:
“Destruição de momentos

Quem, violando normas ou princípios do direito internacional geral ou comum, em tempo de guerra, de conflito armado ou de ocupação, destruir ou danificar, sem necessidade militar, monumentos culturais ou históricos ou estabelecimentos culturais ou históricos ou estabelecimentos afectos à ciência, às artes, à cultura, à religião ou a fins humanitários é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.”
[56]) Ob. cit., na nota (33), pág. 65.
[57]) Traduzimos a expressão inglesa “Chamber”, a francesa “Chambre” ou a espanhola “Sala” por “juízo”.“Câmara” ou Sala” não têm a mínima tradição na nossa organização judiciária.
E chamamos a tal juízo, “de instrução” já que as suas atribuições se relacionam ou com funções jurisdicionais durante o inquérito, “ou com a realização de uma audiência para apreciar a acusação” que, manifestamente, equivale ao nosso debate instrutório.
[58]) Segundo MARIA LEONOR CAMPOS E ASSUNÇÂO, “complementaridade” é a “tradução literal da expressão original inglesa “complementarity”.
“Uma tradução do conceito um pouco mais ambiciosa conduz a entendê-lo como a classificação peculiar de um princípio de intervenção subsidiária do Tribunal, que resulta confinada às situações em que o Estado Parte revela má vontade ou é materialmente incapaz de perseguir criminalmente os agentes dos crimes tipificados no Estatuto” (In “O tribunal Internacional Penal Permanente e o Mito de Sísifo” “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 8, Fasc. 1, Janeiro-Março 1998, pág. 31).
[59]) O artigo 29º da CR estabelece, na parte que ora nos interessa:
“1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível e acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.
2. O disposto no número anterior não impede a punição, nos limites da lei interna, por acção ou omissão que no momento da sua prática seja considerada criminosa segundo os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos
........................................................................................................................................”
E o artigo 1º do Código Penal afirma:
“1. Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática:
.......................................................................................................................................”
Quanto ao artigo 2º do Código Penal é ele do seguinte teor:
“1. As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.
2. O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais.
3. Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante esse período.
4. quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado.”
[60]) Refira-se que o artigo 68º da Constituição da República Francesa estipula que “Le Président de la République n’est responsable des actes accomplis dans l’exercice de ses fonctions qu’en cas de haute trahison.”
Daí que, em França, houvesse uma incompatibilidade indisfarçável entre o que prevê a Constituição, neste particular, e a disciplina do Estatuto.
Para resolver esta e outras dificuladades, optou-se naquele país não por fazer alterações aqui e ali do articulado da Constituição, e antes por incluir, no diploma fundamental, uma “clausula de salvaguarda”, criada pela lei constitucional nº 99-568, de 8 de Julho de 1999.
Passamos, a transcrevê-la:
“Article unique
Il est inséré, au titre VI de la Constitution, um article 53-2 ainsi rédigé:
“Art. 53-2. – La République peut reconnaître la juridiction de la Cour pénale internationale dans les conditions prévues par le traité signé le 18 juillet 1998.”
La présente loi sera exécutée comme loi de l’État.”
[61]) Cfr. ob. cit. na nota (X), pág. 638.
[62]) Cfr. “Fundamentos da Constituição”, Coimbra Editora, 1991, pág. 213.
[63]) Cfr. alínea b) do artigo 134º e 136º da C.R.
Veja-se sobre este ponto JORGE MIRANDA in “Funções, Órgãos e Actos do Estado”, Lisboa, 1990, págs. 426 e segs.
[64]) JORGE MIRANDA não deixa de admitir para esta hipótese “in limite”, a possibilidade de renúncia do Presidente da República (ob. cit. na nota anterior, pág. 433).
[65]) Nem se curou de referir a possibilidade de fazer intervir o Tribunal Constitucional na fiscalização sucessiva da constitucionalidade.
[66]) A responsabilização em questão poderá ser originada, designadamente, pelo tipo de intervenção que tenham no exercício da justiça penal. Pense-se por exemplo no disposto nas alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 7º, parágrafo ii e vi da alínea a), ou parágrafo iv) da alínea c), do nº 2 do artigo 8º do Estatuto.
[67]) Sofreu inúmeras alterações, a última das quais, pela Lei nº 143/99, de 31 de Agosto.
[68]) Como é sabido, o conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal cobre os magistrados.
[69]) Cfr. Artigos 16º da Lei nº 21/85, e 91º da Lei nº 60/99.
[70]) Ao tema se referiu LOPES DA MOTA, in “Impunidade e direito à memória – a questão da imprescritibilidade dos crimes contra a paz e a humanidade no Estatuto do Tribunal Penal Internacional”, “Revista do Ministério Público”, Ano 20, Abril/Junho, 1999, nº 78, pág. 33 e segs.
[71]) O nº 2 do artigo 29º da C.R. remete para o sistema interno de punição a repressão dos crimes internacionais, se e quando a fonte destes for o “jus congens”. Mas não impede que uma fonte convencional subtraia aos “limites da lei interna” as regras da punição. Aliás o preceito surge e justifica-se num contexto de consagração do princípio da legalidade.
[72]) A expressão de JAKOBS também é utilizada por FIGUEIREDO DIAS exactamente a propósito da questão da imprescritibilidade. Este eminente penalista rejeita “in limine” aquela imprescritibilidade, num texto que é importante transcrever:
“e) A questão da imprescritibilidade
§1132 Ao instituto da prescrição estão sujeitos quaisquer tipos de crime, sem consideração pela sua natureza ou pela sua gravidade. Exacto é, porém, que este princípio sofre restrições em muitas ordens jurídicas, que conhecem uma listagem mais ou menos extensa de crimes imprescritíveis. E em data recente tem-se assistido, em várias instâncias internacionais, a um intenso requisitório favorável à imprescritibilidade (tanto do procedimento, como da pena) dos mais graves crimes contra a paz e a humanidade, nomeadamente o genocídio, previsto entre nós no artigo 189º-1º, assim como, por vezes, de todos os tipos de crime puníveis com pena de morte ou de prisão perpétua.
Este requisitório, do ponto de vista político-criminal, não é suficientemente fundado. Não há no catálogo penal crime algum, por mais repugnate que seja ao sentimento jurídico, relativamente ao qual possa dizer-se que as expectativas comunitárias de reafirmação contrafáctica da validade da norma violada e (porventura ainda menos!) as exigências de prevenção especial perduram indefinidamente. Pode naturalmente persistir o sentido geral de repugância e de reprovação, como ainda hoje sucede, v.g., quanto aos crimes da Inquisição, do nazi-facismo ou do estalinismo. Só que uma tal persistência possui, a partir de certo momento, o carácter da “memória histórica”, incapaz de fundar preventivamente a necessidade de punição. Só, por isso, (ilegítimas) necessidades “absolutas” de punição, baseadas em sentimentos de vigança e de retribuição, poderiam ser apontadas no sentido de fundar a imprescritibilidade.”
Cfr. “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 703 e 704.
[73]) É o seguinte o teor do preceito:
“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
[74]) Por isso é que a compabilização com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 28º do Estatuto exige algum trabalho hermenêutico.
[75]) Entre nós desempenha tal função, sobretudo, a Lei nº 93/99, de 14 de Julho.
[76]) W. SCHABAS elencou as seguintes matérias como integrando tais regras:
“Condições de intervenção das vítimas no processo, consideração de meios de defesa não expressamente contemplados no Estatuto, competência de um juiz singular do juízo de Instrução, aceitação da recusa de um juiz pelo Presidente, afastamento ou aplicação de sanções disciplinares a um juiz, ao Procurador, Procurador-Adjunto, Secretário ou Secretário-Adjunto, publicação das decisões do Tribunal e uso das línguas oficiais, medidas de protecção da propriedade ordenadas pelo juízo de Instrução, funções e poderes do juízo de julgamento em primeira instância, matéria probatória incluindo o juramento, a força o regime e a revelação de informação nacional protegida, infracções contra a administração da justiça, questões relacionadas com a punição, como multas e circunstâncias agravantes e atenuantes, processos de recurso, indemnização ao arguido libertado ou absolvido, formalidades de pedidos de cooperação aos Estados e partilha equitativa de responsabilidade dos Estados na prisão dos criminosos”. In “Follow up to Rome: preparing for entry in force of the International Criminal Court Statute”, Human Rights Law Journal”, 29 October 1999, vol. 20 No. 4-6,págs. 161 e 162.
[77]) Não é fácil por exemplo encontrar correspondência no nosso direito penal, ao crime de “represálias” previsto no Estatuto.
[78]) Cfr. artigo 21º do Estatuto.
[79]) A entrega de um suspeito fora dos mecanismos da extradição já está prevista nos Estatutos que criaram os Tribunais para a ex-Jugoslávioa e Ruanda.
A cooperação com esses tribunais foi contemplada nas Propostas de Lei nºs 243/VII e 7/VIII em que se aceita tal mecanismo.
A primeira daquelas Propostas de Lei foi votada favoravelmente na generalidade, baixando à comissão competente para apreciação na especialidade – Cfr. Diário da da Assembleia da República, I Série – Número 95 de 18 de Junho de 1999.
[80]) Respeitam, como já se viu, à “Assembleia dos Estados-Parte”, ao “Financiamento” e às “Cláusulas Finais”.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART1 ART3 N1 ART7 ART8 N1 N2 ART14 ART16 ART18 N2 ART20 ART29 N2 N5 N6 ART30 N1 ART33 N5 ART110 ART130 N1 N2 N3 N4 ART137 ART157 ART196 N1 N2 ART202 ART209 ART216 N2 ART219 N4 ART277 N1 N2 ART278 N4
CP82 ART1 ART2 ART4 ART5 ART10 ART15 ART22 ART23 ART24 ART25 ART26 ART27 ART28 ART29 ART37 ART40 ART118 ART131 ART153 ART154 ART155 ART158 ART159 ART160 ART161 ART168 ART169 ART170 ART176 ART240 ART241 ART242 ART243 ART244 ART287 ART288 ART300 ART302 ART347 ART359 ART367 ART368 ART369 N1 N2 N3 N4 N5 ART371 ART372
CP886
CPP87 ART371 ART449
L 21/85 DE 1985/07/30 ART5 N1 N2 N3
L 60/99 DE 1999/08/27 ART76 N2 ART77
L 7/86 DE 1986/04/09
PROPOSTA DE LEI 243/VII ART15 N1 N2
L 144/99 DE 1999/08/31 ART6 F N2 N3 ART145 N5 N6
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND * ORG PODER POL / DIR CRIM / DIR PROC PENAL / DIR INT PUBL * DIR PENAL INT * TRATADOS*****
T DE VERSALHES DE 1919 ART227 ART228
AC DE LONDRES DE 1945(01/08
PROJ DE CÓDIGO DE CRIMES CONTRA A PAZ E A SEGURANÇA DA HUMANIDADE DA COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL ART2
ESTATUTO DO TRIBUNAL DE NUREMBERGA ART6 B C
CONV DE GENEBRA PARA MELHORAR A SITUAÇÃO DOS FERIDOS E DOENTES DAS FORÇAS ARMADAS EM CAMPANHA DE 1949 ART3
CONV DE GENEBRA PARA MELHORAR A SITUAÇÃO DOS FERIDOS, DOENTES E NAÚFRAGOS DAS FORÇAS ARMADAS DO MAR DE 1949 ART3
CONV DE GENEBRA RELATIVA AO TRATAMENTO DE PRISIONEIROS DE GUERRA ART3
CONV DE GENEBRA RELATIVA À PROTECÇÃO DAS PESSOAS CIVIS EM TEMPO DE GUERRA DE 1949 ART3
PROT AD CONV RELATIVO ÀPROTECÇÃO DAS VÍTIMAS DE CONFLITOS ARMADOS INTERNACIONAIS DE 1977/12/12
PROT AD CONV RELATIVO À PROTECÇÃO DAS VÍTIMAS DE CONFLITOS ARMADOS NÃO INTERNACIONAIS DE 1977/12/12
CONV O N U DE1968/11/26
CONV EUROPEIA DE 1979/01/25
CONV PARA A PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO DA O N U DE 1948/12/09
COMISSÃO PARA O EXTREMO ORIENTE DE 1946
RES N 780 (1992) DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU
RES N 827 (1993) DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU
RES N 935 (1994) DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU
RES N 955 DE 1994/11/08 DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU
RES N 48/31 DE 1993/12/09
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS
CONV CONTRA A TORTURA E OUTRAS PENAS OU TRATAMENTOS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES ART4
CONV RELATIVA À ESCRAVATURA DE 1926/09/25 §1 ART1 ART6
CONV SUPL RELATIVA À ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA DO TRÁFICO DE ESCRAVOS E DAS INSTITUIÇÕES E PRÁTICAS ANÁLOGAS À ESCRAVATURA DE 1956/09/07 ART1 ART2 ART3 ART4
CONV SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL DE 1965/12/21
CONV SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES DE 1979/12/17
CONV EUROPEIA PARA A REPRESSÃO DO TERRORISMO ART6
PIDCP ART10 N3
Divulgação
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