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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
57/1996, de 26.09.1996
Data do Parecer: 
26-09-1996
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Ambiente
Relator: 
LUCAS COELHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
INSTITUTO DE METEOROLOGIA
PRESIDENTE
DECISÃO DISCIPLINAR
RECURSO HIERÁRQUICO
ADMINISTRAÇÃO INDIRECTA DO ESTADO
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
INSTITUTO PÚBLICO
SERVIÇO PERSONALIZADO
ESTABELECIMENTO PÚBLICO
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA
AUTONOMIA FINANCEIRA
TUTELA ADMINISTRATIVA
PODER DE DIRECÇÃO
PODER DISCIPLINAR
PODER DE REVOGAÇÃO
HIERÁRQUIA
SUPERINTENDÊNCIA
ACTO ADMINISTRATIVO
DIREITO DE RECURSO CONTENCIOSO
RECURSO CONTENCIOSO
RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO
RECURSO TUTELAR
Conclusões: 
1. Das decisões punitivas proferidas em processo disciplinar pelos dirigentes dos institutos públicos, ao abrigo do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, não cabe recurso contencioso, devendo ser previamente interposto recurso tutelar necessário, com efeito suspensivo, nos termos do artigo 75º, para o membro do Governo que exerce sobre o organismo poderes tutelares;

2. O Instituto de Meteorologia, em conformidade com o Decreto-Lei nº 192/93, de 24 de Maio (cfr. v.g. o artigo 1º), sua lei orgânica, é um instituto público do tipo dos serviços personalizados, tutelado pelo Ministro do Ambiente;

3. A decisão do Presidente do Instituto de Meteorologia, mediante a qual foi punido em processo disciplinar um funcionário do Instituto, de harmonia com o artigo 11º, nº 1, alínea c), do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, é subsumível ao regime definido na conclusão 1.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Ambiente,

Excelência:





I

Por decisão do Senhor Presidente do Instituto de Meteorologia, de 22 de Maio de 1996, um funcionário daquele Instituto foi punido em processo disciplinar nos termos do artigo 11º, nº 1, alínea c), do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.

Interpôs recurso hierárquico da decisão para Sua Excelência a Ministra do Ambiente, no termos do artigo 75º do referido Estatuto.

O Núcleo de Apoio ao Auditor Jurídico do Ministério emitiu parecer no sentido da inadmissibilidade do recurso - não cabe «recurso hierárquico da decisão punitiva de dirigente máximo de um instituto público para o ministro que tutela tal entidade».

O Exmº Senhor Auditor Jurídico entendeu ao invés ser admissível o recurso, subscrevendo, todavia, a sugestão do relator no sentido da audição do Conselho Consultivo, posto que «o problema se virá a pôr com relativa frequência e atentas as respectivas repercussões».

Dignou-se Vossa Excelência anuir a esta posição, ordenando a prossecução dos termos do recurso e solicitando do mesmo passo o parecer desta instância consultiva.

Cumpre, pois, emiti-lo.



II

Versando o dissídio subjacente à consulta sobre a impugna-bilidade por via de recurso administrativo de decisão disciplinar punitiva emitida pelo Presidente do Instituto de Meteorologia, importa liminarmente conhecer o estatuto jurídico-funcional do organismo.

1. As ciências meteorológicas e geofísicas experimentaram no decurso da 1ª Grande Guerra um extraordinário incremento que veio a determinar, findas as hostilidades, a constituição de estruturas centralizadas em serviços estaduais.

Nesta linha, o Decreto-Lei nº 35836, de 29 de Agosto de 1946, cria o Serviço Meteorológico Nacional, transitoriamente junto da Presidência do Conselho para subsequente integração no departamento governamental incumbido das comunicações (artigo 60º).

Os recentes desenvolvimentos da navegação aérea transatlântica e continental tinham, aliás, agravado os inconvenientes da dispersão, por diferentes departamentos da Administração Pública, de serviços meteorológicos independentes.

E as necessidades de unidade, coesão e disciplina, sem esquecer a representação do País em organismos internacionais - a Organização Meteorológica Mundial, embrionariamente dedicada desde meados do século transacto a acções de coordenação no sector sob a forma de associação de serviços, surge no ano seguinte como agência especializada das Nações Unidas -, tudo isso aconselhava a instituição de um organismo próprio centralizado (1).

O Serviço Meteorológico Nacional é assim incumbido de assegurar a unidade de orientação e de processos nos trabalhos e estudos de meteorologia e geofísica no território nacional, dispondo de competências adequadas ao desempenho de um semelhante escopo (artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 35836).

Os trabalhos e estudos de meteorologia e geofísica nas colónias competem a serviços meteorológicos regionais, administrativamente autónomos, mas tecnicamente dependentes do Serviço Meteorológico Nacional (artigo 3º) - regime similar vigorando no tocante ao arquipélago dos Açores (artigos 6º, § 3º, e 12º).

À frente do Serviço Meteorológico Nacional está o director, com a categoria de director-geral, coadjuvado por um subdirector, junto do qual funciona o Conselho Técnico de Meteorologia, por ele presidido.

A organização compreende serviços centrais - direcção, serviços de previsão do tempo, serviço de clima, serviço de material, repartição técnica e secretaria - e externos - observatórios, estações, centros e postos -, além dos serviços regionais já aludidos (artigos 6º e segs. e 34º e segs.).

O pessoal permanente consta de tabela anexa ao diploma, onde se encontram delineados os quadros, categorias e lugares - de pessoal técnico, administrativo, auxiliar e de pessoal menor - e bem assim a indicação das letras de vencimentos que lhes correspondem segundo o vigente sistema do artigo 12º do Decreto-Lei nº 26115, de 23 de Novembro de 1935 (artigos 13º e segs.).

Verificava-se entretanto um progresso notável no campo dos meios de observação com a disponibilidade de instrumentos meteorológicos sofisticados, dos satélites e do radar.

E simultaneamente, no domínio da exploração meteorológica, da análise e da previsão do tempo, da climatologia, da hidrologia, da meteorologia aplicada à protecção do ambiente, os métodos clássicos, sujeitos a um certo subjectivismo, tendem a ceder o passo a processos analíticos objectivos, de previsão e simulação matemática com recurso a métodos numéricos tratados electronicamente por computadores dotados de alta velocidade e capacidade de memória.

Firma-se indiscutível o valor económico da meteorologia e da geofísica no apoio às actividades agro-pecuárias, à indústria, transportes, gestão de recursos hídricos, poupança de energia, prospecção de minerais e pescas.

Os serviços meteorológicos do Estado são consequentemente colocados perante a necessidade de reestruturar e requalificar pessoal.

Iniciativas, porém, neste quadro empreendidas na década de 60, incluindo alterações do modelo gizado no Decreto-Lei nº 35836 introduzidas sob a égide do Ministério das Comunicações pelos Decretos-Leis nºs 46099, de 23 de Dezembro de 1964, e 48116, de 14 de Dezembro de 1967, constituíram tentativas de modernização do Serviço Meteorológico Nacional insuficientes face às circunstâncias da actualidade.



2. As grandes mutações apenas tiveram lugar com o Decreto-Lei nº 633/76, de 28 de Julho de 1976 - a que dentro de momentos se regressará.

O Decreto-Lei nº 35836 é revogado (artigo 140º, nº 2), e o Serviço Meteorológico Nacional, em veste orgânica e quadros de pessoal substancialmente modificados, passa a designar-se Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, assumindo a natureza de «organismo dotado de autonomia administrativa (...) na dependência do Ministro dos Transportes e Comunicações» (artigo 1º).

O novo Instituto conhece um longo período de relativa estabilidade estatutária, ainda que não despiciendas alterações tenham entretanto incidido sobre o diploma de 76.

Assim, o Decreto-Lei nº 314/80, de 19 de Agosto, veio modificar o regime legal dos serviços regionais da Madeira e dos Açores em sintonia com o quadro autonómico recém-consagrado na Constituição.

O Decreto-Lei nº 335/81, de 9 de Dezembro, substituiu, além do mais, os quadros de pessoal anexos ao Decreto-Lei nº 633/76 por outros, e deu nova redacção integral aos seus Capítulos II, IV, V e VI, substituindo-lhes novos Capítulos III, IV e V (artigo 1º, nºs. 2 e 3).

A fazer fé do relatório preambular, dois factores influíram decisivamente no sentido destas modificações.

Por um lado, a uniformização de carreiras na função pública levada a efeito pelo Decreto-Lei nº 191-C/79, de 25 de Junho, que não permitia enquadrar as carreiras chave de meteorologia e geofísica, originando no seio do Instituto situações de disfuncionalidade.

Por outro lado, um novo surto de expansão técnico-científica da meteorologia e geofísica, a par de progressos acelerados no domínio das telecomunicações e da electrónica, vinham tornar imperativa a reconversão de métodos de trabalho.

Assinale-se ainda, na evolução legislativa sumariada, que o regime geral de estruturação das carreiras do funcionalismo público definido pelo Decreto-Lei nº 248/85, de 15 de Julho, impôs a transformação do quadro de pessoal do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica.

Procedeu a essa remodelação a Portaria nº 506/88, de 28 de Julho, obtendo os grupos de pessoal, as áreas funcionais, carreiras, graus, categorias, lugares e letras de vencimentos dos funcionários do Instituto expressão acabada no Anexo I, enquanto o Anexo II detalha os conteúdos funcionais respectivos.

Refira-se, por último, a publicação do Decreto-Lei nº 295/88, de 24 de Agosto, que alargou a base de recrutamento de certas carreiras de pessoal de meteorologia e geofísica.



3. O estádio evolutivo em exame, no período iniciado pelo Decreto-Lei nº 633/76, conhece o seu epílogo com o Decreto-Lei nº 192/93, de 24 de Maio, mercê do qual se faz suceder ao Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica o Instituto de Meteorologia - previsto nos artigos 3º, nº 5, alínea b), e 7º, alínea b), da Lei Orgânica do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, aprovada pelo Decreto-Lei nº 187/93, da mesma data - e se estabelece a sua orgânica.

O Decreto-Lei nº 633/76 é logicamente revogado (artigo 31º, alínea a)), «com excepção dos capítulos III, IV, V e VI, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 335/81, de 9 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 295/88, de 24 de Agosto».

Recorde-se efectivamente que aos indicados capítulos, consubstanciando o regime do pessoal do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, havia o Decreto-Lei nº 335/81 substituído novos capítulos III, IV e V dedicados ao mesmo tema.

E relembre-se a propósito o papel que a Portaria nº 506/88, de 28 de Julho - não expressamente revogada pelo Decreto-Lei nº 192/93 - assumira na matéria.

Resta analisar sumariamente a nova disciplina estatutária do Instituto de Meteorologia.



3.1. A sistemática do Decreto-Lei nº 192/93 apresenta-se delineada em cinco capítulos: Capítulo I, «Natureza e atribuições» (artigos 1º e 2º); Capítulo II, «Órgãos e serviços» (artigos 3º a 24º); Capítulo III, «Funcionamento e gestão financeira» (artigos 25º e 27º); Capítulo IV, «Pessoal» (artigo 28º); Capítulo V, «Disposições finais e transitórias» (artigos 29º a 31º).

Interessam-nos fundamentalmente os Capítulos I, II e IV - natureza, atribuições, órgãos, serviços e pessoal.



3.2. No tocante à natureza, diz-nos o artigo 1º que o Instituto de Meteorologia «é uma pessoa colectiva pública dotada de autonomia administrativa e tutelada pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais» (2).

As suas atribuições desenvolvem-se no plano das actividades nacionais concernentes à meteorologia, sismologia e qualidade do ar, a saber (artigo 2º, nºs. 1 e 2, alíneas a) a d)): a vigilância e informação (alínea a)); o estudo e a formação a nível nacional e internacional (alínea b)); a prestação de serviços aos agentes económicos (alínea c)); o desenvolvimento das relações internacionais e da cooperação (alínea d)).

Atribuições para a prossecução das quais pode o Instituto de Meteorologia, precedendo autorização do Ministro do Ambiente, tornar-se membro de instituições, associações e fundações com elas relacionadas.



3.3. A tessitura organizatória do Instituto compreende órgãos e serviços, regulados no Capítulo II.

São órgãos o presidente, o conselho administrativo e o conselho técnico (artigo 3º, nº 1).

O presidente, equiparado para todos os efeitos legais a director-geral, é o «órgão que dirige o IM», sendo-lhe nessa qualidade assinadas vocacionais competências (artigo 4º, nº 1) e assegurada a coadjuvação de dois vice-presidentes, por seu turno equiparados a subdirectores-gerais (nº 2).

Preside ao conselho administrativo - o órgão deliberativo em matéria de gestão financeira e patrimonial (artigo 5º, nº 1); pode submeter-lhe qualquer assunto do âmbito das competências do conselho (nº 3, alínea g)); a sua assinatura é indispensável, com a de outro membro do órgão, para obrigar o Instituto (nº 5); designa o secretário das reuniões (nº 6); pratica actos de realização de despesas e de arrecadação de receitas por delegação do conselho administrativo (nº 7); procede à designação de qualquer funcionário do Instituto para participar nas reuniões, sem direito a voto, atentos os assuntos constantes da respectiva ordem de trabalhos (nº 8).

O presidente do Instituto de Meteorologia preside igualmente ao conselho técnico, órgão consultivo ao qual incumbe emitir parecer sobre matérias das atribuições do Instituto que aquele entenda dever submeter à sua apreciação (artigo 6º, nºs 1 e 2).

E pode similarmente convidar para as suas reuniões, sem direito a voto, os chefes de divisão e os especialistas das áreas envolvidas na ordem de trabalhos (nº 3).

Além dos órgãos, a operacionalidade do Instituto de Meteorologia é assegurada por uma estrutura hierarquizada de serviços centrais, dirigidos por directores de serviços e chefes de divisão (artigos 3º, nº 2, e 7º a 16º); de serviços nas Regiões Autónomas (artigos 3º, nº 3, e 17º) - as Delegações Regionais dos Açores e da Madeira, dirigidas por delegados regionais nomeados por despacho do Ministro do Ambiente sob proposta do presidente do Instituto, sujeitas à orientação global e coordenação dos órgãos e serviços centrais; e da denominada rede do Instituto de Meteorologia (artigos 3º, nº 4, e 18º a 24º), constituída por todo um complexo de centros de coordenação, centros meteorológicos para a aeronáutica, centros meteorológicos de apoio à navegação marítima, estações meteorológicas, observatórios, estações climatológicas, postos udométricos e estações costeiras, estações de medida de qualidade do ar, estações sismológicas e estações radiológicas.



3.4. Ao pessoal do Instituto de Meteorologia concerne, por fim, o Capítulo IV, integrado unicamente pelo artigo 28º, o qual, no tocante a pessoal dirigente se limita a fixar o respectivo quadro em anexo ao diploma (artigo 28º, nº 1), compreendendo os cargos já aludidos: presidente, vice-presidente, delegado regional, director de serviços e chefe de divisão.

O quadro do restante pessoal é aprovado por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e do Ambiente (nº 2).

Como, porém, a portaria prevista não foi, tanto quanto se sabe, até ao momento publicada, segue-se que o regime do pessoal não dirigente continua, em muitas das suas especialidades, a ter assento nos Capítulos III, IV e V do Decreto-Lei nº 633/76 e na Portaria nº 506/88, nas versões resultantes dos diferentes diplomas legais que os alteraram (3).

Não se reveste de particular importância, na óptica da consulta dirigida ao Conselho Consultivo, definir em detalhe esse regime, tarefa, aliás, extremamente complexa pela confluência e interpenetração de diplomas gerais da função pública e específicos do pessoal em questão, ao longo de décadas, muitas vezes ao sabor de opções político-gestionárias avulsas, que exorbitaria manifestamente da economia razoável do presente parecer.

Basta, por conseguinte, anotar que os aludidos instrumentos legais nada em especial preceituam no tocante a matéria disciplinar relativamente aos funcionários do Instituto de Meteorologia, seja na vertente das competências, seja nos planos substantivo e processual, maxime quanto aos meios de impugnação das decisões.



III

1. Sendo móbil principal da presente investigação precisar a natureza do Instituto de Meteorologia, e já se dispondo nesta altura de tópicos orgânico-funcionais suficientes no sentido da respectiva conceitualização, deixa-se para ulterior momento o recurso a quaisquer outros subsídios normativos que o desenvolvimento do parecer venha a tornar indispensáveis.



1.1. O artigo 1º do Decreto-Lei nº 192/93 declara que se trata de uma pessoa colectiva pública.

Se bem que a personalidade jurídica colectiva careça de atribuição por lei, poderia, contudo, pensar-se não ser decisiva a qualificação legal do ente personalizado numa ou noutra das categorias doutrinariamente aceites, posto que ao legislador cabe apenas normativizar realidades de facto e não teorias jurídicas (4).

Como quer que seja, não será com efeito outra a natureza do Instituto de Meteorologia.

Sabe-se como a doutrina se tem visto embaraçada na formulação de critérios seguros tendentes à delimitação do conceito de pessoa colectiva de direito público e o cepticismo com que por vezes se encara o acerto e as vantagens desta classificação (5).

MARCELLO CAETANO (6) definiu-as, atendendo ao acto de criação, aos fins e à capacidade (7), como as que, além do Estado, «sendo criadas por acto do poder público, existem para a prossecução necessária de interesses públicos e exercem em nome próprio poderes de autoridade».

FREITAS DO AMARAL perfilha o critério e o conceito, introduzindo neste algumas nuances ao definir pessoas colectivas públicas: «pessoas colectivas criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos» (8).

Ora, não deixa de se reconhecer a presença destes elementos caracterizadores no estatuto normativo do Instituto de Meteorologia precedentemente analisado.



1.2. Outra é a questão de saber em qual das diferentes categorias de pessoas colectivas públicas enquadrá-lo.

Importa primeiramente ensaiar uma abordagem angular do tema.

Escreveu-se no parecer deste Conselho nº 14/85 (9).

«A fim de aliviar o Estado, cada vez mais interventor, da multiplicidade de tarefas a que vai ficando obrigado, surgiu o expediente de confiar «o desempenho de alguma antiga ou nova tarefa a entidades jurídicas especialmente criadas para certo fim e cuja actividade fica sob a orientação e tutela do Governo».

«Na administração directa o Estado desempenha as atribuições «sob a gestão imediata dos seus órgãos e através dos serviços integrados na sua pessoa», enquanto na administração indirecta certas atribuições são transferidas para pessoas colectivas de direito público distintas do Estado, embora a este ligadas, agora de forma mais ténue que no primeiro caso».

Nestes casos "os fins do Estado são prosseguidos por outras entidades que não o Estado: o Estado confia a outros sujeitos de direito a realização dos seus próprios fins" (10).

De um ponto de vista objectivo ou material a administração estadual indirecta é, pois, uma "actividade administrativa do Estado, realizada, para a prossecução dos fins deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e financeira" (11).

Trata-se, em primeiro lugar, de uma forma de actividade administrativa, de uma modalidade, portanto, de administração pública em sentido objectivo (12).

E de uma actividade, em segundo lugar, que se destina à realização de fins do Estado, portanto, de natureza estadual, visando a realização de tarefas que são tarefas do Estado.

Não se trata, porém - em terceiro lugar -, de uma actividade exercida pelo próprio Estado, mas de uma actividade que o Estado transfere, por decisão sua, para outras entidades dele distintas.

É o fenómeno da denominada devolução de poderes: o Estado devolve, transfere ou transmite uma parte dos seus poderes para entidades que não se encontram nele integradas.

Quarto. A administração estadual indirecta é uma actividade exercida no interesse do Estado, mas desempenhada por essas entidades em nome próprio e não em nome do Estado. Os actos por elas praticados são actos delas, não são actos do Governo.

Ademais, o património e o pessoal ao seu serviço é das mesmas entidades e não do Estado; pelas suas dívidas responde esse património e não o património estadual.

A administração indirecta do Estado assim caracterizada fica, por força do artigo 199º, alínea d), da Constituição, sujeita à superintendência e à tutela do Governo (13).

Isto numa óptica, portanto, objectiva ou material.

De um ponto de vista subjectivo ou orgânico, a administração estadual indirecta pode, por seu turno, definir-se como «conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, uma actividade destinada à realização de fins do Estado» (14).

Está-se, pois, perante entes dotados de personalidade jurídica própria, verdadeiros sujeitos de direito distintos do Estado.

De entes, por outro lado, cuja criação e extinção, normalmente mediante acto legislativo, pertence à livre decisão do Estado (15).

O seu financiamento cabe também ao Estado, no todo ou em parte; podem cobrar receitas da sua actividade, mas se estas não forem suficientes só ao Estado assiste suprir a falta.

Acrescem a autonomia administrativa e financeira, de que em regra dispõem os entes em causa.

Numa noção clássica, a autonomia administrativa consiste no «poder conferido aos órgãos de uma pessoa colectiva de direito público de praticar actos definitivos, que serão executórios desde que obedeçam a todos os requisitos para tal efeito exigidos por lei» (16).

A autonomia financeira existe, por sua vez, «quando os rendimentos do património da pessoa colectiva e os outros que a lei lhe permite cobrar sejam considerados receita própria, aplicável livremente, segundo o orçamento privativo, às despesas ordenadas por exclusiva autoridade dos seus órgãos» (17).

Numa palavra. Mercê dos apontados caracteres, os organismos da administração estadual indirecta tomam as suas próprias decisões, gerem como entendem a sua organização, cobram eles mesmos as suas receitas - que não através das tesourarias da Fazenda Pública -, realizam as suas despesas sem necessidade de acordo da Contabilidade Pública, organizam eles próprios as suas contas (18).

Finalmente, as aludidas entidades dispõem, em regra, de dimensão nacional; a sua competência é extensiva a todo o território, sem embargo dos serviços locais que possuírem.

Ora, todas as apontadas características se reflectem grosso modo no regime estatutário do Instituto de Meteorologia: a personalidade jurídica de direito público, outorgada por acto do poder legislativo, nas suas implicações teleológico-finalísticas; o pessoal especificamente habilitado ao desempenho das atribuições do ente jurídico, segundo carreiras, categorias e dotações adequadas à consecução desse escopo, constantes de quadros privativos; a autonomia administrativa, enfim.

Observe-se a este propósito que o artigo 1º do Decreto-Lei nº 192/93 não lhe confere apertis verbis a autonomia financeira.

Todavia, não pode deixar de se concluir, em primeiro lugar, que o Instituto dispõe de um património.

Tal o permite induzir o artigo 29º do Decreto-Lei nº 192/93, norma transitória de sucessão mercê da qual «o activo, o passivo, os direitos e as obrigações, incluindo posições contratuais, de que é titular o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (INMG) são automaticamente transferidos para o IM, sem dependência de quaisquer formalidades» (nº 1) e se ressalvam ainda todos os «direitos e obrigações, incluindo os emergentes de contratos de arrendamento, bem como todos os valores patrimoniais existentes nos actuais serviços integrados no IM» (nº 3).

Por outro lado, o Instituto de Meteorologia é titular de receitas próprias, cuja arrecadação pela tesouraria da Repartição de Contabilidade, Aprovisionamento e Património (artigo 15º, nº 4, alínea a)) compete ao Conselho Administrativo promover (artigo 5º, nº 3, alínea e)), ficando o processamento e registo a cargo da Secção de Contabilidade daquela Repartição (artigo 15º, nº 2, alínea e)); possui orçamento privativo (artigos 5º, nº 3, alínea c), e 15º, nº 2, alínea a)); procede à realização de despesas por exclusiva autoridade dos seus órgãos (19); organiza por intermédio dos referidos serviços as suas contas (artigo 15º, nºs. 2, alíneas, b) e c), e 3, alínea c)).

E tudo isto se traduz, se bem pensamos, numa situação muito próxima da autonomia financeira.

Afigura-se, por todo o exposto, razoável a ilação de que o Instituto de Meteorologia é uma pessoa colectiva pública integrada na administração indirecta do Estado.

Convém, no entanto, precisar um pouco mais.



1.3. Distinguem-se doutrinariamente dois tipos fundamentais de organismos de administração indirecta: os institutos públicos e as empresas públicas (20).

Estas vêm definidas, como "organizações económicas de fim lucrativo criadas com capitais públicos e sob a direcção e superintendência de órgãos da Administração Pública".

Em termos de ciência do direito administrativo, possa a ideia não ser unívoca, concebem-se como unidades de produção visando um fim lucrativo, e tendo mesmo a "obrigação legal de dar lucro".

Ora, não é este seguramente o caso do Instituto de Meteorologia.

Restam os institutos públicos.

Trata-se, na construção exposta, de pessoas colectivas públicas de tipo institucional, criadas para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, funções pertencentes ao Estado ou a outra pessoal colectiva pública.

O carácter não empresarial diferencia os institutos públicos das empresas públicas.

E o vector institucional contradistingue-os das associações públicas: o seu substrato é uma instituição, não uma associação; assentam sobre uma organização de carácter material e não sobre um agrupamento de pessoas (21).

Na categoria dos institutos públicos é possível ademais considerar três espécies distintas de entes jurídicos: os serviços personalizados, as fundações públicas e os estabelecimentos públicos (22).

Serviços personalizados são "serviços públicos de carácter administrativo a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira".

Verdadeiros departamentos do tipo "direcção-geral", confere-lhes a lei personalidade e autonomia tão-só para poderem desempenhar cabalmente as suas funções - v.g., a Junta de Crédito Público, o Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

As fundações públicas traduzem-se essencialmente em patrimónios de afectação à prossecução de fins públicos especiais - v.g., o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, derradeiro sucessor do velho Fundo de Abastecimento, os serviços sociais existentes em diversos ministérios (23).

Por fim, os denominados estabelecimentos públicos configuram-se como institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados em serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam - v.g., as Universidades e os Hospitais públicos.

Não se oferecem, face ao exposto, grandes dúvidas no sentido de que o Instituto de Meteorologia é verdadeiramente um instituto público.

Maiores dificuldades apresenta, porém, a sua qualificação adentro de uma das três sub-espécies de institutos públicos apresentadas.

Mas é natural que determinados organismos existentes na cena da administração estadual indirecta possam, na sua multifacetada variedade, não encaixar com precisão na geometria desses modelos abstractos que unitariamente intentam apreendê-los.

Um critério prático pode em situações marginais proporcionar adjuvante contribuição (24).

Se o instituto público pertence ao organograma dos serviços centrais de um ministério, e desempenha atribuições deste no mesmo plano que as respectivas direcções-gerais, é um serviço personalizado.

Se assenta basicamente num património, existe para o administrar, subsistindo pelos resultados da respectiva gestão financeira, trata-se de uma fundação pública.

Não se verificando nenhuma das duas hipóteses, se o instituto público nem é uma direcção-geral personalizada, nem um património, mas um estabelecimento aberto ao público e destinado a efectuar prestações de carácter cultural ou social aos cidadãos, estar-se-á então perante o estabelecimento público.

Neste quadro, parece seguro que o Instituto de Meteorologia não é uma fundação.

Será serviço personalizado, ou estabelecimento público?

Conquanto a sua classificação numa ou noutra sub-espécie seja relativamente despicienda na dilucidação das questões postas, inclinamo-nos, tudo ponderado, para a primeira hipótese.

O Instituto de Meteorologia não deixa de realizar prestações em benefício dos agentes económicos, mas as suas atribuições transcendem substancialmente esse plano e o organismo não chega a configurar-se como estabelecimento de acesso aberto à procura sócio-cultural da generalidade dos cidadãos.

Actualmente previsto no organograma do Ministério do Ambiente ao lado dos institutos sob tutela do departamento, e participando grosso modo das suas atribuições, repugna menos, em contraponto, considerá-lo na tónica da direcção-geral personalizada, figurino, aliás, que a organização historicamente revestiu.

1.4. Sobre tudo releva, porém, que o Instituto de Meteorologia é um instituto público, partilhando nessa medida, em maior ou menor grau, do regime jurídico deste tipo de organismos, de que interessa realçar determinados traços significativos na óptica da consulta.

Em primeiro lugar, são pessoas colectivas públicas dotadas em maior ou menor medida de autonomia administrativa e financeira, atributos cujo significado se deixou oportunamente entrever (25).

Possuem órgãos próprios e serviços administrativos centrais, eventualmente locais.

Funcionam em regime de direito público, entre outros, nos aspectos seguintes: praticam actos administrativos, celebram contratos administrativos, e emanam regulamentos; o seu pessoal tem o estatuto de funcionário público; a sua actividade típica é de gestão pública; a sindicabilidade dos seus actos compete aos tribunais administrativos.

Estão sujeitos à superintendência e à tutela administrativa do Governo, por ditame expresso, já se viu, do artigo 199º, alínea d), da Constituição.



2. Recorte-se do elenco, justamente, o último ponto sumariado, no intuito de precisar as relações entre o Instituto de Meteorologia e o Ministério do Ambiente que estão no cerne da consulta.

O fenómeno da devolução de poderes em que se traduz a instituição de formas de administração indirecta apresenta indubitáveis vantagens de comodidade e eficiência na gestão da coisa pública, descongestionando e desburocratizando o exercício das atribuições da administração estadual.

Possibilita, em contrapartida, a proliferação de centros de decisão, de patrimónios separados, de toda uma engenharia financeira desenvolvendo-se à margem do controlo do Estado, com as inerentes riscos de desagregação e pulverização do poder, e de desgoverno na máquina da Administração Pública.

As vantagens sobrelevam, porém, os inconvenientes desde que ao sistema sejam definidos razoáveis limites.

Daí, precisamente, os poderes de superintendência e de tutela que o Estado se reservou sobre os institutos públicos.



2.1. Na verdade, entende-se, em primeiro lugar, por tutela administrativa «o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma - autorizando ou aprovando os seus actos ou, excepcionalmente, modificando-os, revogando-os ou suspendendo-os, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres legais -, no intuito de coordenar os interesses próprios da tutela com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar» (26).

Ou noutra acepção, e mais sinteticamente, o «conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação» (27).

A legalidade ou o mérito.

Com efeito, segundo o critério do fim, concebe-se uma modalidade de tutela que visa aferir da legalidade da decisão do instituto público tutelado, da sua conformidade à lei (tutela de legalidade); ao lado de outra modalidade que procura indagar do mérito, isto é, se a decisão, abstraindo da sua legalidade, é ou não conveniente e oportuna, correcta ou incorrecta, dos pontos de vista administrativo, técnico, financeiro, etc. (28).

Segundo o conteúdo consideram-se, por seu turno, três espécies de tutela:

a) a tutela "correctiva", tendente a corrigir os eventuais inconvenientes resultantes do conteúdo dos actos projectados ou decididos pelos órgãos tutelados;

b) a tutela "inspectiva", traduzindo o poder de fiscalizar órgãos e serviços do instituto tutelado, para o efeito de promover a aplicação de sanções por ilegalidades ou má gestão;

c) a tutela "substitutiva" ou "supletiva", que consiste no poder conferido à autoridade tutelar de suprir as omissões do órgão tutelado, praticando em seu lugar os actos devidos (29).

A doutrina sentiu, de resto, a necessidade de autonomizar dentro dessas categorias certas conformações que a tutela pode apresentar, a demandarem tratamento específico.

Num dos mais significativos reflexos dessa atitude dogmática, distinguem-se, efectivamente, no conteúdo da tutela "correctiva", por um lado, os poderes de autorização ou aprovação dos actos do instituto tutelado - havendo no primeiro caso uma tutela a priori e uma tutela a posteriori no segundo (30).

Por outro lado, os poderes de revogação, modificação ou suspensão dos actos da entidade sujeita a tutela.

Fala-se, a este propósito, de tutela "revogatória" - "o poder de revogar os actos administrativos praticados pela entidade tutelada", que só "excepcionalmente existe, na tutela administrativa" (31).

De facto, a doutrina administrativa portuguesa não incluía tradicionalmente estes últimos poderes no âmbito da tutela.

Em parte porque o Código Administrativo não os conferia à autoridade tutelar das autarquias locais (32).

E ainda por se considerarem dificilmente harmonizáveis a sindicabilidade contenciosa directa e a simultânea alterabilidade por via administrativa, ainda que ao abrigo de poderes tutelares, dos actos de pessoas colectivas públicas.

Mas se o rigor do princípio da autonomia e a geometria jurídica do acto definitivo exigiam primo conspectu que dos actos executórios dos órgãos de pessoas colectivas públicas dotadas de autonomia administrativa coubesse apenas recurso para os tribunais administrativos, a complexidade das relações sociais nas modernas sociedades industrializadas viria a impor desvios à pureza do sistema, justificando a consagração legal de recursos administrativos de actos de órgãos sujeitos em princípio a fiscalização jurisdicional de legalidade.

Surge, assim, para casos excepcionais previstos na lei, como expressão de uma tutela correctiva de revogação, modificação ou suspensão, o denominado recurso tutelar (33), que o artigo 177º do Código do Procedimento Administrativo veio recentemente consagrar de plano, nos termos que adiante se elucidarão.



2.2. Estando no cerne da tutela administrativa, como quer que seja, poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva diferente, em regra também pública, bem se compreende que tutela e hierarquia sejam realidades inconfundíveis.

Enquanto a tutela assenta numa relação jurídica entre duas pessoas colectivas diversas, a hierarquia pode na verdade conceber-se como modelo de organização dentro de cada pessoa colectiva pública (34), importando a estruturação desta em unidades e subunidades, por ordem decrescente de dimensão e competência em razão da matéria e do lugar.

Nos graus inferiores situam-se os serviços mais especializados ou de âmbito territorial mais restrito, agindo sob a orientação e coordenação de organismos de nível superior, dotados de competências mais complexas, extensivas a território mais amplo.

Tais competências são exercitadas pelos chefes, determinando uma correspondente hierarquização de pessoal e a superioridade hierárquica dos órgãos e agentes de grau mais elevado sobre os de grau inferior (35).

Típico da superioridade hierárquica é o poder de direcção, traduzindo a competência do superior para dar ordens e instruções tendentes a impor aos subordinados a prática dos actos necessários ao bom funcionamento do serviço ou à mais conveniente interpretação da lei (36).

Andam-lhe em regra associados outros poderes, de inspecção, de superintendência e disciplinar, que são então poderes hierárquicos, mas não exclusivos da hierarquia - a lei atribui muitas vezes a certa autoridade alguns deles, independentemente de qualquer relação hierárquica (37).

Mas a opinião não é unívoca.

Há quem considere o poder de direcção como o principal e mais característico poder hierárquico, entendendo, porém, que ele não se basta a si próprio, carecendo do concurso indispensável dos poderes de superintendência e disciplinar.

Nesta tese, seriam esses os três poderes hierárquicos típicos, residindo nos dois últimos a «eficácia do poder de direcção, que sem eles não passa de mera fachada» (38).

Enquanto o poder disciplinar tem no seu cerne o exercício do ius puniendi, o poder de superintendência consiste, por seu turno, numa acepção tradicional actualmente posta em causa como vamos ver, na faculdade que assiste ao superior de rever e confirmar, modificar ou revogar os actos administrativos praticados pelos subalternos, a qual tanto pode ser exercida por iniciativa do superior mediante avocação do assunto, como pela via de recurso hierárquico interposto pelo interessado (39).

Pois bem.

As notas caracterizadoras da hierarquia que acabam de se esboçar, não vão de modo algum pressupostas à tutela administrativa.

Mesmo que ambos os institutos envolvam «relações de controlo», não subjazem a estas, no âmbito da tutela, aqueles vínculos de supra-ordenação e subordinação que implicam, na cadeia hierárquica, os poderes de dar ordens, impor iniciativas, modificar ou revogar os actos praticados (40).

As aprovações ou autorizações em que na maioria dos casos se cifra a tutela podem na realidade embargar os actos da entidade tutelada, mas não oferecem à entidade tutelar ensejo para ordenar a sua prática ou determinar o seu conteúdo.

Semelhante possibilidade estaria nitidamente fora de questão no domínio da tutela inspectiva.

E os casos limite de tutela supletiva transcendem o círculo próprio do ente tutelado, agindo a autoridade tutelar no uso de competência própria, embora sob a condicionante da omissão do acto (ab initio) devido.

Excepcionalmente surgem, já se viu, faculdades de revogação ou modificação.

Contudo, mesmo nestas situações se distanciam a tutela e a relação hierárquica: a autonomia administrativa da entidade tutela queda intocada; continua a afirmar-se o carácter definitivo dos seus actos timbrado na recorribilidade contenciosa directa; trata-se, quando muito, de superintendência na acepção tradicional há pouco referida, não de direcção.

Os próprios actos tutelares são directamente impugnáveis pelo ente tutelado perante os tribunais administrativos, em flagrante contraste com os actos do poder hierárquico, que não abrem aos subalternos a mesma via contenciosa.

Ademais, o controlo hierárquico exerce-se, em princípio - posto que, como é normal, ao subalterno não sejam adstringidas competências exclusivas -, independentemente de específica previsão legal, e de forma ampla, tanto podendo traduzir a imposição de actos como a sua revogação.

Ao passo que, em quanto à tutela concerne, a regra é a liberdade e o controlo a excepção: a tutela há-de estar prevista em lei que, designando a autoridade tutelar, lhe defina o conteúdo e a forma do seu exercício (41); «só existe quando a lei expressamente a prevê e nos precisos termos em que a lei a estabelecer»; pelo simples «facto de a lei prever uma tutela inspectiva, não se segue que exista tutelada disciplinar, revogatória ou substitutiva»; a tutela «só existe nas modalidades que a lei consagrar, e nos termos e dentro dos limites que a lei impuser» (42).

Daí o clássico brocardo «pas de tutelle sans texte, pas de tutelle au delà des textes».

E daí que também a tutela revogatória seja, como dissemos, excepcional e limitada às formas e casos previstos na lei.

Seu privilegiado instrumento é, como sabemos, o recurso tutelar, enquanto o terreno da hierarquia é, ao invés, propício ao florescimento do recurso hierárquico, meios de impugnação dos actos sobre os quais centraremos a atenção dentro de momentos.
2.3. Importa entretanto rematar a moldura das relações entre Governo e administração estadual indirecta definidas no artigo 199º, alínea d), da Constituição, debruçando-nos agora sobre a figura da superintendência, tradicionalmente concebida como característico poder da hierarquia.

MARCELLO CAETANO, recorde-se, definia assim o poder de superintendência: «faculdade que o superior tem de rever e confirmar, modificar ou revogar os actos administrativos praticados pelos subalternos».

Pela antinomia entre tutela e hierarquia e pela inexistência de relação hierárquica entre o Governo e os institutos públicos, é manifesto que estes não estão sob a alçada de um semelhante poder.

Então é porque o poder de superintender na administração indirecta, outorgado ao Governo pelo citado normativo da lei fundamental, se deve compreender noutra diversa dimensão.

FREITAS DO AMARAL é peremptório no sentido de que aquela noção de superintendência «não pode ser mantida, depois da revisão constitucional de 1982» (43).

Primeiro, «porque a ideia de superintendência deixou de aparecer ligada à hierarquia para surgir ligada à Administração indirecta do Estado».

Segundo, «porque, no âmbito da administração indirecta do Estado, a superintendência tem agora um conteúdo jurídico diferente daquele que tinha no contexto da relação hierárquica».

Por isso que tenha experimentado a necessidade de adoptar uma terminologia diferente, passando a chamar à faculdade de revogação que o superior hierárquico tem sobre os actos do subalterno, em vez de poder de superintendência, poder de supervisão, e atribuindo, por sua vez, à «superintendência» a natureza de um poder de orientação (44).

Em sintonia com o pensamento exposto, e na esteira do artigo 199º, alínea d), da Constituição, o autor caracteriza, pois, a superintendência, como «poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa colectiva de fins múltiplos, de definir os objectivos e guiar a actuação das pessoas colectivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência».

Nesta concepção, a superintendência difere tanto dos poderes de controlo típicos da tutela administrativa como do poder de direcção típico da hierarquia.

Por um lado, é um poder mais forte do que a tutela porque se reclama definir e orientar condutas alheias, em lugar de apenas controlar a regularidade ou a adequação do funcionamento de certo organismo - a tutela controla, a superintendência orienta.

Por outro lado, é menos forte que o poder de direcção, típico da hierarquia, na medida em que este se traduz na faculdade de dar ordens ou instruções - comandos concretos e determinados impondo a imediata adopção da certa conduta -, às quais corresponde, consequentemente, um dever de obediência.

Enquanto a superintendência se analisa, por seu lado, na faculdade de emitir directivas ou recomendações, isto é, orientações genéricas que se limitam a definir objectivos, deixando aos destinatários a liberdade de decisão quanto aos meios e formas de os atingir, ou meros conselhos desprovidos de coercibilidade.

Tudo não significa, porém, que a superintendência assuma a natureza de uma tutela reforçada ou de uma hierarquia enfraquecida.

Que se trate de uma espécie de tutela ou de uma espécie de hierarquia, porque do que realmente se trata é de um tipo autónomo, com a natureza própria de um poder de orientação.

Nem menos do que isso, mas também não mais.

«A superintendência não se presume.»

«Os poderes em que ela se consubstancia são, em cada caso, aqueles que a lei conferir, e mais nenhuns» (45).

«A lei poderá aqui ou acolá estabelecer formas de intervenção exageradas; a Administração Pública é que não pode ultrapassar, com os seus excessos burocráticos, os limites legais.»



2.4. Resta neste passo da investigação aproximar as figuras do recurso hierárquico, cuja admissibilidade se contesta no caso subjacente à consulta, e, por conexão neste momento perfeitamente inteligível, do recurso tutelar.



2.4.1. O recurso hierárquico é um «meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o respectivo superior hierárquico, a fim de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido» (46).

Trata-se de uma garantia graciosa dos particulares que assenta, portanto, na própria ideia de hierarquia: só há recurso hierárquico quando há hierarquia, não há recurso hierárquico fora da relação de hierarquia, sendo esta condição, critério, fundamento e limite do recurso.

Dispõe nesta tónica o artigo 166º do Código do Procedimento Administrativo:



«Artigo 166º

Objecto

Podem ser objecto de recurso hierárquico todos os actos administrativos praticados por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos, desde que a lei não exclua tal possibilidade.»

Fora deste condicionalismo não há, pois, lugar a recurso hierárquico.

O que pode é haver recurso hierárquico impróprio, mas a hipótese não concerne pertinentemente à questão que nos cumpre examinar, como bem resulta do disposto no artigo 176º, nº 1, do mesmo Código:

«Artigo 176º

Recurso hierárquico impróprio

1. Considera-se impróprio o recurso hierárquico interposto para um órgão que exerça poder de supervisão sobre outro órgão da mesma pessoa colectiva, fora do âmbito da hierarquia administrativa.

2. (...)

3. (...).»

O artigo 167º, nº 1, do Código distingue duas modalidades de recurso hierárquico, consoante o acto recorrido seja ou não susceptível de recurso contencioso.

No primeiro caso, o recurso é facultativo; no segundo é necessário:

«Artigo 167º

Espécie e âmbito

1. O recurso hierárquico é necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso.

2. Ainda que o acto de que se interpõe recurso hierárquico seja susceptível de recurso contencioso, tanto a ilegalidade como a inconveniência do acto podem ser apreciadas naquele.»

Como é sabido, a classificação assenta na noção de definitividade vertical.

Determinados actos são verticalmente definitivos porque praticados por autoridades de cujos actos se pode recorrer directamente para os tribunais administrativos, verificando-se o inverso relativamente aos actos verticalmente não definitivos.

Tem, no entanto, sido questionada a tradicional dependência e subordinação da recorribilidade contenciosa directa à definitividade neste sentido, face à redacção introduzida no artigo 268º, nº 4, da Constituição pela revisão constitucional de 1989 (47).

Na verdade, a eliminação no correspondente nº 3 do inciso «definitivos e executórios» (48) deu azo ao entendimento de que similares atributos deixaram de constituir pressuposto de impugnação contenciosa directa.

É questão que adiante poderá retomar-se na medida indispensável à dilucidação da problemática que nos ocupa.

Por agora, tenha-se ainda presente a dicotomia recurso hierárquico necessário versus recurso facultativo.

Em conexão com esta classificação há que considerar, num outro plano, dois outros tipos de recursos estruturalmente bem diferenciados: o «reexame» e a «revisão».

Os do primeiro tipo têm por finalidade a reapreciação da questão decidida pelo órgão a quo, facultando à entidade ad quem novo julgamento da causa e a adopção da melhor solução para o caso decidendo, com a inerente substituição do acto recorrido na hipótese de provimento (49).

Os recursos do tipo revisão têm por simples escopo a apreciação do acto recorrido, a averiguação sobre a correcção ou incorrecção da decisão impugnada - sem implicarem o fundo e novo julgamento da questão subjacente -, com a consequente mera eliminação ou manutenção do acto.

A análise das variantes admitidas dentro de cada uma das duas categorias na sua pureza - o reexame «normal» e «ampliado», e a revisão «simples» e «reforçada» - torna-se neste momento dispensável.

Regista-se tão-somente que os recursos hierárquicos necessários são, em princípio, de reexame, e os facultativos, por via de regra, de revisão.

O artigo 174º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo aponta, em geral, para a «revisão», admitindo o «reexame» se a competência do autor do acto não for exclusiva.



2.4.2. Bosquejado a traços largos o perfil do recurso hierárquico, é o momento de esboçar os rasgos caracterizadores do recurso tutelar, a outra espécie de recursos administrativos há instantes deixada em suspenso quando abordámos a natureza vinculada da tutela revogatória às formas e casos previstos na lei.

Doutrinalmente definia-se a modalidade impugnatória em questão como «recurso administrativo mediante o qual se impugna um acto de uma pessoa colectiva autónoma, perante um órgão de outra pessoa colectiva pública que sobre ela exerça poderes tutelares ou de superintendência» (50).

O nº 1 do artigo 177º do Código do Procedimento Administrativo configura-o hoje em formulação muito semelhante - «O recurso tutelar tem por objecto actos administrativos praticados por órgãos de pessoas colectivas públicas sujeitas a tutela ou superintendência» -, acrescentando o nº 2 que uma similar espécie de recurso «só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo».

O seu carácter excepcional advém de que a competência correctiva do órgão tutelar - e o poder de superintendência, por natureza - não compreende normalmente poderes revogatórios, os quais só podem, portanto, ser exercidos, como se evidenciou, nos termos em que a lei directamente os confere, ou institui um recurso administrativo para a autoridade tutelar (51).

«Não basta, pois, que a lei preveja a existência de uma relação de tutela: é preciso que essa tutela abranja especificadamente poderes de supervisão (revogação ou recurso) do órgão tutelar em relação aos actos do tutelado (ou outros poderes que o pressuponham)» (52).

Incluído durante tempo na categoria dos recursos hierárquicos em sentido amplo, ou catalogado por alguns sectores como recurso hierárquico impróprio, o recurso tutelar viu progressivamente reconhecida a sua autonomia dogmática (53) obteve acolhimento nos artigos 269º e 270º do Projecto do Código de Processo Administrativo Gracioso (54), até receber consagração legal no novel Código do Procedimento Administrativo.

Mesmo antes do Código já não era efectivamente possível reconduzi-lo ao conceito de recurso hierárquico, posto que o traço característico deste, a subordinação hierárquica do órgão a quo ao órgão ad quem, cede o passo, na relação tutelar, à autonomia do primeiro em face do segundo.

Mercê, por conseguinte, da radical antinomia, já salientada, entre a hierarquia, vera essência do recurso hierárquico, e a tutela administrativa, não seria de todo possível enxertar no âmbito das relações tutelares uma tal espécie de recurso.

Inadequada, do mesmo modo, a classificação do recurso tutelar, por inspiração da doutrina italiana, na classe dos recursos hierárquicos impróprios, que assentam ainda numa relação análoga ou afim da hierarquia, numa relação de hierarquia imperfeita, enquanto aquele «se situa para lá das fronteiras da hierarquia - num terreno vizinho, é certo, pertencente à mesma região, sem dúvida, mas apesar de tudo estrangeiro».

É claro que a questão conceitual do nomen iuris era o menos, se a disciplina jurídica do recurso hierárquico impróprio valesse para o recurso tutelar.

Parece, contudo, que nem isso acontecia.

Aliás, não se encontrava definido para qualquer dos dois tipos um regime jurídico geral uniforme, mas regimes particulares, resultantes das normas especiais que tais recursos instituíam ou permitiam.

Em todo o caso, o rasgo de regime peculiar dos recursos tutelares por contraposição aos recursos hierárquicos residia verdadeiramente na amplitude dos poderes de cognição e decisão reservados à entidade ad quem num e noutro caso.

Sobrelevando, de facto, a existência ou inexistência de hierarquia, e o carácter geral ou excepcional dos recursos - aspectos já sublinhados como diferenciadores dos tipos em confronto -, perfilava-se o princípio expresso no adágio "os poderes de tutela não se presumem", significando além do mais que os poderes compreendidos na esfera do órgão tutelar são estritamente os que a lei prevê (55).

Mas, nesta óptica, compreendia-se então que, instituindo a lei o recurso tutelar sem especificação de poderes de decisão da instância de tutela, devessem estes confinar-se à faculdade de revogação.

Ou seja, na falta de específica disposição legal em sentido diverso o recurso tutelar permitia à entidade ad quem tão-só a mera "revisão" do acto recorrido, a eliminação ou manutenção deste, em lugar do seu "reexame", em lugar, vale dizer, de uma nova apreciação e decisão da questão subjacente, que já podia ter lugar no recurso hierárquico (56).

Tal como, se a lei atribuísse explicitamente a competência revogatória, deveria apenas considerar-se incluído o puro e simples poder de revogação, mas não o de emanar uma nova regulação material substitutiva.

Ora, vão precisamente no sentido exposto as disposições pertinentes do Código do Procedimento Administrativo.

O artigo 174º, nº 1, há momentos aludido, dispõe, estatuindo no tocante aos recursos hierárquicos:

«Artigo 174º

Decisão

1. O órgão competente para conhecer o recurso pode, sem sujeição ao pedido do recorrente, salvas as excepções previstas na lei, confirmar ou revogar o acto recorrido; se a competência do autor do acto recorrido não for exclusiva, pode também modificá-lo ou substituí-lo.

2. O órgão competente para decidir o recurso pode, se for caso disso, anular, no todo ou em parte, o procedimento administrativo e determinar a realização de nova instrução ou diligências complementares.»

E o artigo 176º, nº 3 preceitua serem aplicáveis ao recurso hierárquico impróprio, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do recurso hierárquico.

Quanto ao recurso tutelar providencia, como já sabemos, o artigo 177º, cujo nº 5 manda aplicar-lhe outrossim as disposições reguladoras do recurso hierárquico, mas agora unicamente na parte em que não contrariem a natureza própria do recurso tutelar, e o respeito devido à autonomia da entidade tutelada.

Ora, elemento não despiciendo na definição da natureza própria do recurso tutelar para além daqueles a que se referem os nºs 1 e 2, já recenseados, e também o nº 3, é, sem dúvida, a impossibilidade, estatuída no nº 4, de modificação ou substituição do acto recorrido, a menos que a lei confira poderes de tutela substitutiva e no âmbito destes:

"Artigo 177º

Recurso tutelar

1. O recurso tutelar tem por objecto actos administrativos praticados por órgãos de pessoas colectivas públicas sujeitos a tutela ou superintendência.

2. O recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo.

3. O recurso tutelar só pode ter por fundamento a inconveniência do acto recorrido nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de mérito.

4. A modificação ou substituição do acto recorrido só é possível se a lei conferir poderes de tutela substitutiva e no âmbito destes.

5. Ao recurso tutelar são aplicáveis as disposições reguladoras do recurso hierárquico, na parte em que não contrariem a natureza própria daquele e o respeito devido à autonomia da entidade tutelada.»



IV

1. O excurso antecedente insinua no espírito do intérprete a ideia de inadmissibilidade do recurso hierárquico que originou a consulta - e daí precisamente a posição assumida no Núcleo de Apoio ao Auditor Jurídico, de que este discordou.

Por um lado, o recurso hierárquico assenta na ideia de hierarquia e não pode conceber-se fora de uma relação hierárquica.

Vimos, porém, exaustivamente que não existe uma semelhante relação entre os institutos públicos e o Governo e, portanto, entre o Instituto de Meteorologia e o Ministério do Ambiente.

Ademais, as relações entre ambos intercedentes são antes de natureza tutelar, e de superintendência, vínculos inconfundíveis e antinómicos com a relação de hierarquia.

No domínio desse tipo de relações prefiguram-se, é certo, os denominados recursos tutelares.

Não basta, porém, que a lei se limite a estabelecer uma relação de tutela. É mister que nesta se compreendam poderes de revogação, ou que o recurso tutelar seja, pelo menos, admitido.

Sucede, no entanto, que um semelhante recurso não se encontra de qualquer modo previsto na disciplina orgânico-estatutária do Instituto de Meteorologia, actualmente consubstanciada no Decreto-Lei nº 192/93, de 24 de Maio.

E as aflorações de prerrogativas da tutela sobre o Instituto emergentes do diploma limitam-se a poderes de autorização ou aprovação de actos de órgãos do ente jurídico, configurando uma tutela correctiva atenuada, de tipo integrativo (57).

O recurso administrativo em causa, não poderia, por conseguinte, admitir-se como tutelar com fundamento no estatuto da pessoa colectiva pública - sendo por igual insusceptível de acomodação na classe dos recursos hierárquicos impróprios, tais como o artigo 176º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo os caracteriza -, visto que os poderes revogatórios têm que resultar especialmente da lei.

2. Só que este suporte legal não tem de confinar-se adentro dos estreitos limites daquela Lei Orgânica.

E se é verdade que os actos de órgãos dirigentes dos institutos públicos são, em princípio, actos definitivos e executórios, dos quais cabe recurso contencioso directo, como a seu tempo se notou, o certo é que a recorribilidade contenciosa não é incompatível com a recorribilidade administrativa (58).

Justamente nos é dado saber que o questionado recurso foi interposto de decisão disciplinar punitiva do Presidente do Instituto de Meteorologia, ao abrigo do artigo 75º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.

Reproduza-se, pois, o teor do citado preceito:





"Artigo 75º

(Recurso hierárquico)

1. O arguido e o participante podem recorrer hierarquicamente dos despachos que não sejam de mero expediente, proferidos por qualquer dos funcionários e agentes mencionados no artigo 16º.

2. O disposto no número anterior é aplicável ao recurso das decisões proferidas em processo disciplinar em que o arguido seja funcionário ou agente dos institutos públicos.

3. O recurso hierárquico interpõe-se directamente para o membro do Governo competente, no prazo (...)

4. Na administração local (...)

5. Se o arguido não tiver sido notificado (...)

6. A interposição do recurso hierárquico suspende a execução da decisão condenatória e devolve ao membro do Governo a competência para decidir definitivamente, podendo este mandar proceder a novas diligências, manter, diminuir ou anular a pena.

7.A pena só pode ser agravada ou substituída por pena mais grave em resultado de recurso do participante.

8. Da aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário.»

Nos termos do artigo 75º o recurso é hierárquico, mas a qualificação há-de naturalmente ser entendida em termos hábeis quando perspectivada na tónica das relações tutelares, mormente à luz da credencial plasmada no nº 2.

Neste domínio, o recurso reclama, porventura, com propriedade, a acreditação como recurso tutelar.

Mais, no entanto, do que um compromisso formal de conceptualização teorética importará a delimitação dos rasgos determinantes do seu regime jurídico.

Em primeiro lugar, o recurso tem efeito suspensivo (nº 6) e a decisão condenatória não será, portanto, executada antes da decisão do recurso.

Em segundo lugar, o membro do Governo ad quem pode mandar proceder a novas diligências, manter, diminuir ou anular a pena (nº 6).

Aliás, a pena só pode ser agravada ou substituída por pena mais grave em recurso do participante da infracção disciplinar (nº 7), ficando a reformatio in peius consequentemente arredada na hipótese de recurso do arguido, como é o caso da consulta, em sintonia, nesta medida, com o regime regra do nº 4 do artigo 177º do Código do Procedimento Administrativo.

Por último, o recurso sub iudicio tem carácter necessário (nº 8), devolvendo ao membro do Governo competente o poder de decidir definitivamente (nº 6, in fine), no que não deixa de harmonizar-se com o regime do nº 2 do mesmo artigo 177º, enquanto atribui ao recurso tutelar natureza facultativa, salvo disposição em contrário.

Em densificação do último aspecto focado, ponderadas alterações adrede introduzidas no Estatuto Disciplinar em 1984, escreveu-se no parecer deste corpo consultivo nº 52/87, citando o Supremo Tribunal Administrativo:

«Na verdade, o artigo 75º, nº 2 do E.D., exprimindo um intuito claramente centralizador, em matéria disciplinar, faculta aos arguidos que sejam funcionários ou agentes dos institutos públicos a interposição de recuso hierárquico (ou tutelar) dos despachos proferidos pelos seus superiores hierárquicos (no caso, o director-adjunto, no exercício por substituição, das funções de director), directamente para o membro do Governo competente (nº 3), ou seja, o que exerce o poder tutelar sobre o organismo. Este recurso administrativo, que devolve ao membro do Governo a competência para decidir definitivamente (nº 6), é necessário, como, sem ambiguidade, dispõe expressamente o nº 8; quer dizer, se o arguido pretender seguir a via contenciosa, tem de previamente interpor recurso administrativo, a fim de obter o acto definitivo susceptível de ser impugnado perante o tribunal administrativo.

«Falta, em suma, ao acto recorrido, um atributo - a definitividade - o que o torna insusceptível de recurso (artigo 25º do Decreto-Lei nº 267/85 - L.P.T.A.)»

Duas notas apenas, a finalizar, como que ultrapassando já os limites da consulta, e por isso prudencialmente sintéticas, mais na intencionalidade de memória futura.



3. Não se pense, em primeiro lugar, que o intuito centralizador referenciado no passo transcrito atinge de forma incontornável o estatuto constitucional dos institutos públicos como organismos de administração estadual indirecta, balizado pelas ideias da tutela e da superintendência (artigo 199º, alínea d), da lei fundamental).

Bastará notar que a alínea e) do mesmo artigo 199º confere ao Governo a competência para «praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas».

Assim, em matéria de funcionalismo público, a Constituição permite indubitavelmente que, por via de lei, «a autonomia administrativa das entidades integrantes da Administração indirecta ceda lugar à centralização de poderes no Governo», podendo, em consequência o Estatuto Disciplinar conferir a este validamente «competência disciplinar sobre os funcionários e agentes da Administração indirecta do Estado» (59).

4. Mas, tratando-se no artigo 75º do Estatuto Disciplinar de um recurso necessário, não será que assim se viola a garantia constitucional do recurso contencioso plasmada no artigo 268º, nº 4, da Constituição?

Recorde-se, com efeito (supra, III, 2.4.1.), que a revisão de 1989 eliminara o inciso «definitivos e executórios», permitindo entender que tais pressupostos deixavam de condicionar a impugnação contenciosa directa.

Permita-se, em síntese, trazer simplesmente à colação o entendimento do Tribunal Constitucional formulado no acórdão nº 9/95, de 11 de Janeiro de 1995, Proc. nº 728/92, 2ª secção (60).

O aresto confere relevo, inter alia, à prospectiva constituenda da 1ª revisão constitucional, segundo a qual a eliminação do citado segmento se justificava "não tanto (não só) em virtude das críticas que dogmaticamente lhe podem (com justiça) ser dirigidas, mas por levar a uma interpretação restritiva ou deformante da garantia contenciosa em causa".

Neste ponto de vista, o princípio constitucional que importava consagrar era "o da sindicabilidade de toda a actividade administrativa que afecte os direitos ou interesses dos administrados, ficando proibida à lei a exclusão de certos actos ou categorias de actos do seu âmbito ou a limitação abusiva, injustificada ou desproporcionada deste".

A partir de premissas teóricas assim congeminadas, concluiu o Tribunal Constitucional (itálicos nossos):

"O sentido da garantia constitucional de recurso contencioso contra actos administrativos ilegais é, portanto, este: ali onde haja um acto da Administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhes lesão efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de impugnação contenciosa já não existe, se o acto da Administração não produz efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou interesses apenas potencial.

«9 - Pois bem: in casu, o que, justamente, acontece é que o acto de que se interpôs recurso contencioso de anulação (...) não representa a última palavra da Administração na matéria: ela pode vir a ser revista, revogada ou reformada, máxime, na resolução final que vier a ser proferida no processo de aposentação (cfr. supra, nº 6).

«Sendo assim (isto é, não tendo a resolução recorrida definido a situação jurídica do interessado, no que concerne ao tempo de serviço relevante para efeitos do cálculo da pensão de aposentação, com carácter definitivo), não causou ela lesão efectiva do respectivo direito. Essa lesão, a existir, é meramente potencial.


«Deste modo, mesmo não podendo recorrer-se contenciosamente dessa resolução, não se viola a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais."

Afigura-se que o critério exposto, porventura susceptível ainda de modulação e de afinações na dialéctica evolutiva do problema em causa, se apresenta imbuído de razoabilidade e de objectividade em grau que nos estimula a dar-lhe uma adesão de princípio.


Entende-se, por isso, que de modo semelhante se poderia concluir na situação submetida à nossa apreciação, quando se pondere a natureza suspensiva do recurso previsto no artigo 75º do Estatuto Disciplinar.

Se bem se pensa, quedando suspensa a execução da decisão disciplinar primitiva, na realidade não haverá lesão efectiva, mas meramente potencial, dos direitos ou interesses legalmente protegidos do arguido.

Nesta medida, mesmo excluído, por ora, o recurso contencioso, permanecerá provavelmente inviolada a garantia constitucional de sindicabilidade dos actos administrativos ilegais (61).

Conclusão:
V

Do exposto se conclui:

1. Das decisões punitivas proferidas em processo disciplinar pelos dirigentes dos institutos públicos, ao abrigo do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, não cabe recurso contencioso, devendo ser previamente interposto recurso tutelar necessário, com efeito suspensivo, nos termos do artigo 75º, para o membro do Governo que exerce sobre o organismo poderes tutelares;

2. O Instituto de Meteorologia, em conformidade com o Decreto-Lei nº 192/93, de 24 de Maio (cfr. v.g. o artigo 1º), sua lei orgânica, é um instituto público do tipo dos serviços personalizados, tutelado pelo Ministro do Ambiente;

3. A decisão do Presidente do Instituto de Meteorologia, mediante a qual foi punido em processo disciplinar um funcionário do Instituto, de harmonia com o artigo 11º, nº 1,


alínea c), do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, é subsumível ao regime definido na conclusão 1.





______________________________________



1) Tópicos recolhidos dos preâmbulos de diplomas que neste momento se examinam, com relevo para o Decreto-Lei nº 633/76, subsequentemente aludido.

2) Hoje Ministro do Ambiente, segundo a Lei Orgânica do actual XIII Governo, aprovada pelo Decreto-Lei nº 296-A/95, de 17 de Novembro (cfr. o artigo 2º, alínea n), na redacção, por último, do artigo 1º do Decreto-Lei nº 55/98, de 16 de Março).

3) Mencione-se o recente Decreto-Lei nº 45/97, de 24 de Fevereiro, que, procurando nuclearmente obviar, inter alia, a disfuncionalidades nas carreiras de meteorologista operacional e de geofísico operacional, resultantes da aplicação do Decreto Regulamentar nº 16/91, de 11 de Abril, extinguiu aquelas carreiras, criando, em substituição, no "quadro de pessoal do ex-Instituto de Meteorologia e Geofísica (INMG) as carreiras de técnico meteorologista e de técnico geofísico" (artigo 1º).

Esclareça-se que o Decreto Regulamentar nº 16/91 teve como objectivo primordial definir, ao abrigo do artigo 27º do Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, as escalas indiciárias do novo sistema retributivo da função pública quanto a carreiras e categorias existentes no âmbito de serviços dependentes do então Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, entre os quais, além de outros (v.g., o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, a Direcção-Geral da Aviação Civil, a Junta Autónoma de Estradas, a Direcção-Geral de Viação, etc.), justamente o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica.

4) Parecer nº 24/88, de 9 de Fevereiro de 1989, "Diário da República", II Série, nº 232, de 9 de Outubro de 1989 (ponto III), que neste passo se acompanha.

5) Assim, SÉRVULO CORREIA, já em Natureza Jurídica dos Organismos Corporativos, separata de «Estudos Sociais e Corporativos», 1963, págs. 3 e segs., e, mais tarde, nas Noções de Direito Administrativo, Editora Danúbio, Lda., Lisboa, 1982, págs. 139 e segs.; também ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, 2ª Reimpressão, Coimbra, 1984, págs. 206 e seguintes.

6) Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição (5ª reimpressão), revista e actualizada por FREITAS DO AMARAL, Coimbra, 1991, pág. 184.

7) Para uma análise crítica de muitos outros critérios na doutrina nacional e estrangeira, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I (1ª edição), 1987, Coimbra, págs. 581 e segs.; ESTEVES DE OLIVEIRA, op. cit., págs. 207 e seguintes.

8) Curso, vol. I, 2ª edição, Coimbra, 1996, pág. 584, edição a que doravante exclusivamente nos reportamos.

O Autor prefere a expressão «poderes e deveres públicos» à de «poderes de autoridade» pela dupla razão (pág. 586) «de que há pessoas colectivas públicas - como as empresas públicas de interesse económico - que não exercem poderes de autoridade, embora sejam titulares de poderes públicos lato sensu; e de que o Direito Administrativo não se caracteriza apenas pelos poderes públicos que confere à Administração, mas também pelos deveres públicos a que a sujeita».

9) De 11 de Novembro de 1985, inédito.

10) FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 333.

11) FREITAS DO AMARAL, ibidem.

12) FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 337 e seguintes, cuja lição continuamos a acompanhar muito de perto.

13) Redacção da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro:

«Artigo 199º

(Competência administrativa)

Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas:

a) (...)

(...)

d) Dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma;

(...)

g) (...)».

A inovação de redacção, relativamente ao anterior artigo 202º, alínea d), traduziu-se na inserção da expressão destacada em itálico, destinada aparentemente a especificar a sujeição à tutela administrativa dos organismos de administração indirecta, em sintonia com a melhor doutrina - cfr., v.g., FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 716 e seguintes.

14) FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 333.

15) FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 339 e seguintes.

16) MARCELLO CAETANO, op.cit., pág. 222.

17) MARCELLO CAETANO, ibidem.

18) FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 340.

19) Assim, compete ao Conselho Administrativo «autorizar as despesas nos termos e até aos limites fixados na lei geral e na delegação de competências» (artigo 5º, nº 3, alínea d)) - o presidente, vimo-lo oportunamente, pode, por delegação do Conselho Administrativo, praticar actos de realização e pagamento de despesas e de arrecadação de receitas (artigo 5º, nº 7); o processamento e liquidação das despesas autorizadas compete, precedendo verificação da legalidade das mesmas, à Secção de Contabilidade da Repartição de Contabilidade, Aprovisionamento e Património (artigo 15, nº 2, alínea d)), e o seu pagamento à respectiva tesouraria (artigo 15º, nº 4, alínea b)).

20) FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 341 e segs. e 358 e seguintes.

Na sua perspectiva actual, as denominadas associações públicas, entes públicos de natureza associativa também estranhos ao perímetro da administração directa do Estado, ficam, a par das autarquias locais e das regiões autónomas - pessoas colectivas de população e território -, teoreticamente classificadas no sector da chamada administração autónoma, a terceira das modalidades de administração pública admitidas pelo artigo 199º, alínea d), da Constituição (págs. 393 e segs.).

21) Para outros desenvolvimentos no tocante a esta última distinção, cfr., nomeadamente, o parecer nº 24/88, citado supra, nota 4 (ponto III, 2.2.).

22) Continua a acompanhar-se o pensamento de FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 347 e seguintes. A classificação foi acolhida, v.g., no parecer nº 17/89, de 22 de Março de 1990, conforme os ensinamentos do mesmo autor, que propendia então ainda a incluir no conceito de institutos públicos as empresas públicas, agora deles autonomizadas. Cfr. também, com certas particularidades, PAULO OTERO, Institutos Públicos, «Dicionário Jurídico da Administração Pública», vol. V, Lisboa, 1993, págs. 255 e seguintes.

23) Cfr. FAUSTO DE QUADROS, Fundação de Direito Público, «Polis. Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado», vol. 2, Lisboa, 1984, cols. nºs. 1624 e seguintes.

24) FREITAS DO AMARAL, op.cit., pág. 353, que continuamos a seguir.

25) Consoante se ponderou no parecer nº 52/87, de 5 de Novembro de 1987 (ponto 6.), os institutos públicos, mercê da autonomia de que gozam, têm o poder de praticar actos administrativos definitivos e executórios através dos respectivos órgãos, dos quais cabe recurso contencioso. O artigo 51º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, é expresso em atribuir aos tribunais administrativos de círculo a competência para conhecerem dos «recursos de actos administrativos de serviços públicos dotados de personalidade jurídica e autonomia administrativa».

26) SÉRVULO CORREIA, Noções, pág. 202; MARCELLO CAETANO, op. cit., pág. 230; cfr. o parecer do Conselho nº 90/85, de 12 de Janeiro de 1989, «Diário da República», II Série, nº 69, de 23 de Março de 1990, pág. 2936, e «Boletim do Ministério da Justiça», nº 392, págs. 104 e segs. (ponto II, 3.).

27) FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 699 e seg., advertindo que a ideia de «coordenação de interesses» acentuada na outra noção vai longe de mais, abrindo caminho a um excessivo grau de intervenção estadual na vida das entidades descentralizadas.

28) FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 702.

29) MARCELLO CAETANO, op. cit., págs. 231 e segs.; SÉRVULO CORREIA, Noções, págs. 205, 210 e seguinte.

30) SÉRVULO CORREIA, Noções, págs. 205 e seg.; FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 703 e segs., reservando para esta categoria de tutela, cujo conteúdo se traduz em poderes de autorização ou aprovação, a designação de "tutela integrativa", considerada preferível à de "tutela correctiva", e autonomizando igualmente, no seio da tutela "inspectiva", o poder de aplicar sanções por irregularidades detectadas no exercício dos poderes de fiscalização, constituindo uma tutela "sancionatória" ou disciplinar.

31) FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 705. Cfr., elucidativamente, o artigo 142º, nº 3, do Código do Procedimento Administrativo.

32) A. PEDROSA PIRES DE LIMA, A Tutela Administrativa das Autarquias Locais, Coimbra, 1968, apud SÉRVULO CORREIA, Noções, pág. 206.

33) SÉRVULO CORREIA, Noções, págs. 207 e 210.

34) FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 631 e seguintes, e, para um maior desenvolvimento da caracterização da hierarquia, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, vol. I, Coimbra, 1981, págs. 44 e segs., e, especialmente, págs. 49 e segs. e 52 e seguintes; cfr. também o parecer nº 126/90, de 24 de Abril de 1991 (ponto III, 3.).

O autor distingue fundamentalmente as seguintes modalidades de hierarquia: hierarquia em sentido objectivo, ou sistema hierárquico - um modelo de organização administrativa; hierarquia em sentido subjectivo, ou em sentido estrito - correspondente a um conjunto de órgãos e agentes administrativos ordenados de certa forma e relacionados por um dado tipo de vínculo jurídico; hierarquia em sentido relacional, ou relação hierárquica - o peculiar vínculo de subordinação que liga os órgãos integrados numa hierarquia. Na perspectiva do recurso hierárquico relevam mais outras modalidades de hierarquia movendo-se em planos diversos. Por um lado, a hierarquia interna - uma hierarquia de agentes -, tendo por conteúdo vínculos de subordinação entre agentes administrativos e implicando essencialmente divisão de trabalho antes que repartição de competências, é simples modelo de organização da Administração Pública centrado no serviço administrativo; acantonada no interior de um organismo, sem projecção exterior, carece de t
odo o interesse na dogmática do recurso hierárquico. Por outro, a hierarquia externa - uma hierarquia de órgãos - não surge no âmbito do serviço administrativo, mas no da pessoa colectiva pública, compreendendo vínculos de subordinação entre órgãos da Administração e uma distribuição das inerentes competências; mediante o exercício destas, os subalternos praticam agora actos administrativos que se projectam na esfera jurídica de terceiros, atingem os particulares e criam, por isso, a possibilidade do recurso hierárquico.

O tema da hierarquia foi ultimamente reexaminado em profundidade por PAULO OTERO, Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, Coimbra, 1992 - apud FREITAS DO AMARAL, Curso, pág. 635 -, podendo também consultar-se uma recensão bibliográfica de âmbito quase universal na sua Anotação ao acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Julho de 1989, Procedimento disciplinar: início do prazo de prescrição e competência disciplinar sobre os funcionários da administração indirecta, "O Direito", Ano 123 (1991), I (Janeiro-Março), págs. 182 e segs., nota 1.

35) MARCELLO CAETANO, op. cit., págs. 245 e segs., e vol. II, 10ª edição (5ª reimpressão), 1994, págs. 731 e segs., que estamos a acompanhar, nas formulações quase textuais do parecer nº 90/85; cfr., também o parecer nº 17/89.

36) Veja-se, quanto a esta específica faceta, o recente parecer do Conselho Consultivo nº 62/96, votado na sessão de 28 de Maio de 1998, pendente de homologação, onde se assentou (conclusão 1ª) que "o poder de direcção típico da relação de hierarquia administrativa integra, entre outras, a faculdade de emanar circulares interpretativas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos, funcionários ou agentes subalternos, acerca do sentido em que devem - mediante interpretação ou integração - entender as normas ou princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar".

37) MARCELLO CAETANO, op. cit., vol. I, pág. 246; no mesmo sentido, MIGUEL GALVÃO TELLES, Hierarquia, Dir. Adm., "Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura", vol. 10º, Lisboa, colunas nºs 146 e seguintes.

38) FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza, págs. 50 e seguintes; SÉRVULO CORREIA, Noções, págs. 200 e seg., configura, por seu lado, a relação disciplinar como «exterior à relação hierárquica», recusando, por conseguinte, ao poder disciplinar a qualificação de poder hierárquico; no primeiro sentido, qualificando basicamente o poder disciplinar como atributo da superioridade hierárquica, o parecer nº 52/87 (ponto 4.).

39) Noção de MARCELLO CAETANO, op. cit., vol. I, pág. 247.

40) SÉRVULO CORREIA, Noções, págs. 202 e segs., cuja lição por momentos se retoma, na cunhagem dos pareceres nºs 90/85 e 17/89.

41) FAUSTO DE QUADROS, Anotação ao acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de Julho de 1979, «Revista da Ordem dos Advogados», Ano 41º (1981), III, pág. 767; CARVALHO JORDÃO, Tutela Administrativa dos Governos das Regiões Autónomas sobre as Autarquias Locais, «Scientia Ivridica», Tomo XXIX, nº 166- -168, 1980, pág. 306; GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra 1993, pág. 897, falam, a propósito, de um princípio de tipicidade legal das medidas de tutela.

42) FREITAS DO AMARAL, Curso, págs. 706 e seguintes; cfr. também o parecer nº 52/87 (ponto 6.).

43) FREITAS DO AMARAL, Curso, págs. 718 e seguintes.

44) ESTEVES DE OLIVEIRA/COSTA GONÇALVES/PACHECO DE AMORIM sufragam a construção e nomenclatura expostas, no Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição actualizada, revista e aumentada, Coimbra, 1997, págs. 799, 800 e 802; GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, op. cit., págs. 782, fazem também equivaler os poderes de superintendência a que alude o mencionado preceito da lei básica a uma «faculdade de orientação, que se traduz em várias faculdades de intervenção».

45) FREITAS DO AMARAL, Curso, pág. 723, que temos estado a acompanhar; PAULO OTERO, Procedimento disciplinar, pág. 191, afirmando que «a superintendência reveste carácter excepcional e obedece ao princípio da tipicidade».

46) FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. IV, Lições aos alunos do curso de Direito, em 1987/88, Lisboa, 1988, págs. 32 e segs.; cfr. também MARCELLO CAETANO, op.cit., vol. II, págs. 1264 e segs.; ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op.cit., págs. 770 e seguintes.

47) Ficando o mesmo com o seguinte teor:

«Artigo 268º

(Direitos e garantias dos administrados)

1. (...)

2. (...)

3. (...)

4. É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos

5. (...)

6. (...).»

Esclareça-se que as modificações introduzidas no artigo 268º pelo artigo 175º, da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho (Segunda Revisão), se cifraram no seguinte: foram aditados ex novo os nºs. 2, 5 e 6; o nº 2 passou a nº 3 com outra redacção; e o nº 3 passou a nº 4 com a redacção supra reproduzida.

48) O nº 3 do artigo 268º, na versão emergente da revisão de 1982, fora, de facto, gizado como segue:

«Artigo 268º

(Direitos e garantias dos administrados)

1. (...)

2. (...)

3. É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido.»

Vem a propósito conhecer a redacção actual do nº 4 do artigo 268º - sem implicações inovatórias, se bem se lê, no tocante ao problema ora aflorado -, observando-se, a título elucidativo, que pelo artigo 182º da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro (Quarta Revisão) aquele número foi reformulado e passou a incorporar o nº 5, que, por seu turno, se eliminou:

«4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas».

49) FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza, págs. 157 e segs., 223 e seg., 229 e seg., 236 e seg. e 248 e segs., e Direito Administrativo, vol. IV, págs. 37 e segs. e 48 e segs.; ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., págs. 772 e seguinte.

50) FEITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. IV, pág. 61, e também Conceito e Natureza, pág. 137, apud parecer nº 90/85, cujo roteiro brevemente ainda retomamos.

51) ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Actos Administrativos, 2ª edição, Coimbra, 1985, págs. 325 e segs.; FREITAS DE AMARAL, Conceito e Natureza, pág. 138, e Direito Administrativo, vol. IV, págs. 62 e seg., onde escreve: «Nomeadamente, não se pode extrair da existência de uma relação jurídica de tutela administrativa, ou de superintendência, o corolário da existência de recurso tutelar: não é pelo simples facto de haver tutela administrativa ou superintendência que existe recurso tutelar. Para que haja recurso tutelar é preciso que, para além de uma relação geral de tutela ou de superintendência, exista expressamente prevista na lei a própria possibilidade do recurso tutelar.»

52) ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., pág. 803, em anotação ao nº 2 do artigo 177º.

53) FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza, págs. 118 e segs. e 138 e segs., que ora se segue, Direito Administrativo, vol. III, Lições aos alunos do curso de Direito em 1983/84, Lisboa, 1984, págs. 367 e seguintes.

Cfr., v. g., os acórdãos da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: de 26 de Julho de 1970, «Apêndice ao Diário do Governo», de 27 de Janeiro de 1972, págs. 879 e segs., de 19 de Julho de 1973, «Apêndice», de 31 de Janeiro de 1975, págs. 1115 e segs., e de 28 de Novembro de 1974, «Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo», Ano XIV, nº 159, págs. 313 e segs., e «Apêndice», de 31 de Maio de 1976, págs. 1754 e seguintes.

54) Separata do «Boletim do Ministério da Justiça», nº 301.

55) Ilustre-se a asserção também com a jurisprudência da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: acórdãos de 24 de Março de 1977, "Acórdãos Doutrinais", Ano XVI, nº 191, págs. 972 e segs., e "Apêndice", de 30 de Junho de 1980, págs. 615 e segs.; e de 24 de Maio de 1979, "Boletim", nº 290, pág. 447.

56) Assim, FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza, págs. 157 e seguinte.

57) Citem-se, a título exemplificativo, os artigos 2º, nº 3 (participação do Instituto como membro de instituições, associações, fundações); 4º, nº 1 (criação ou extinção de centros, observatórios, etc.; cfr. também o artigo 8º, nº 5, alíneas i) e j)); 5º, nº 3, alínea c) (projectos de orçamentos anuais; cfr. também o artigo 13º, alínea d)); 10º, nº 3, alíneas b) e d) (aprovação de tabelas de preços de produtos, e estratégias de comercialização).

Índices, por sua vez, dos poderes de superintendência podem ver-se nos artigos 16º, alínea l) (execução de operações decorrentes da aplicação da política de informática definida pelo Governo) e 18º, nº 1 (coordenação pela Direcção Regional do Ambiente dos centros de coordenação).

58) Parecer nº 17/89 (ponto 4.2.).

59) PAULO OTERO, Procedimento disciplinar, págs. 188 e segs., tendo em estudo especialmente o artigo 17º, nº 4, do Estatuto, com outros desenvolvimentos.

60) "Diário da República", II Série, nº 69, de 22 de Março de 1995, págs. 3160 e seguintes.

61) No sentido exposto, ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., pág. 774, citando em seu apoio o acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de Fevereiro de 1994, "Acórdãos Doutrinais", Ano XXXIV, nº 400, págs. 383 e seguintes.

Na mesma orientação, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 499/96, Proc. nº 383/93, de 20 de Março de 1996, «Diário da República», II Série, nº 152, de 3 de Julho de 1996, e «Cadernos de Justiça Administrativa», Nº 0, Novembro/Dezembro de 1986, págs. 13 e segs., com Anotação concordante de VIEIRA DE ANDRADE (págs. 18 e segs.).

Na jurisprudência da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo destaquem-se, em sentido afim, os seguintes acórdãos: de 1 de Março de 1995, «Apêndice,» de 18 de Julho de 1997, págs. 2060 e segs.; de 4 de Maio de 1995, Recurso nº 35259, inédito; de 4 de Julho de 1995, «Boletim do Ministério da Justiça», nº 449, págs. 133 e segs.; de 28 de Setembro de 1995, «Acórdão Doutrinais, Ano XXXV, nº 411, págs. 282 e segs., e «Apêndice», de 27 de Janeiro de 1998, págs. 7132 e segs.; de 29 de Fevereiro de 1996, Recurso nº 39466, inédito; de 21 de Março de 1996, Recurso nº 39097, inédito.

Não parece, todavia, integrar-se na mesma linha, ao que se deduz do respectivo sumário, o acórdão de 6 de Fevereiro de 1997, Recurso nº 41453, inédito.

Nos elementos recenseados se faz o levantamento exaustivo das posições mais relevantes em confronto.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART199 D E ART268 N4.
CPADM91 ART166 ART167 ART174 ART176 ART177.
EDF84 ART11 N1 C ART75.
DL 35836 DE 1946/08/29 ART6 ART34 ART60.
DL 633/76 DE 1976/07/28 ART1 ART140 N2.
DL 314/80 DE 1980/08/19.
DL 355/81 DE 1981/12/09.
DL 187/93 DE 1993/05/24 ART3 N5 B ART7 B.
DL 192/93 DE 1993/05/24 ART1 ART3 ART4 ART5 ART6 ART28 ART29 ART31 A.
PORT 506/88 DE 1988/07/28.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL * DISC FUNC * GARANT ADM / DIR CONST.
Divulgação
Data: 
30-06-1999
Página: 
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