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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
72/1991, de 01.04.1993
Data do Parecer: 
01-04-1993
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Trabalho e Segurança Social
Relator: 
OLIVEIRA BRANQUINHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
FUNDAÇÃO DA CASA DO SOITO
FUNDAÇÃO
RECONHECIMENTO
PATRIMÓNIO
QUINHÃO HEREDITÁRIO INDIVISO
Conclusões: 
1 - Não é, de per si, motivo de recusa de reconhecimento de uma fundação de solidariedade social, a circunstância de a dotação de bens a que se refere o disposto no n 4 do artigo 78 do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social aprovado pelo Decreto-Lei n 119/83, de 25 de Fevereiro, ser essencialmente constituída por quinhão do fundador em herança indivisa;
2 - Todavia, o reconhecimento deve ser recusado se, considerados em concreto os fins da fundação, o conteúdo da herança indivisa, o valor do dito quinhão e a quota de responsabilidade no passivo hereditário, houver de se concluir pela insuficiência da dotação e pela inexistência de fundadas expectativas de suprimento dessa insuficiência, nos termos do n 4 do artigo 79 do mesmo Estatuto;
3 - O regime de indivisão da herança é susceptível de se repercutir na administração e actividade de uma fundação cuja dotação fosse essencialmente constituída nos termos das anteriores conclusões, de maneira vária consoante os concretos fins fundacionais, o género e valor dos bens que a implementação desses fins tornasse necessários, a composição da herança, o valor do quinhão hereditário em causa e a quota de responsabilidade no passivo hereditário;
4 - Como causa dessa repercusão eventualmente dificultante da administração e actividade funcionais, são de referir, a título de exemplo, a indisponibilidade pelos herdeiros de uma herança indivisa de bens específicos desta (artigo 2091, n 1, do Código Civil), a limitação do direito a haver rendimentos dos bens da herança (artigos 2092 do mesmo Código), a responsabilidade no passivo hereditário (artigos 2097 e 2098, n 1) e a álea da composição do quinhão (artigos 1352, n 2, 1374, 1376 a 1378 do Código de Processo Civil).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Segurança Social,
Excelência:




1
Dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre as seguintes questões:
"a) Possibilidade de reconhecimento de uma fundação cujo património seja essencialmente constituído por bens que integram a quota de uma herança, antes de efectivada a partilha da herança, atentas as condições de recusa do reconhecimento estabelecidos no artigo 79º, nº 4 do Estatuto das IPSS aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro;
b) Consequências para a administração e funcionamento das actividades de uma fundação, no caso de se considerar viável o reconhecimento, de situações da indisponibilidade relativa dos bens que integram a herança, antes de concluída a partilha"(1) .
).
Cumpre emitir o parecer pedido.
2

As questões postas vêm colocado em sede geral, mas para melhor apreensão, será útil referir os antecedentes concretos que determinaram a consulta (2).

2.1. Por escritura pública de 14.10.88, celebrada no Cartório Notarial de Vouzela, Francisco Caetano da Cunha Coelho do Amaral declarou constituir "para efeito de oportuno reconhecimento, uma fundação de solidariedade social denominada Fundação da Casa do Soito-Santar" a qual se regeria "pelo disposto na lei, nomeadamente o Decreto-Lei nº cento e dezanove/oitenta e três, de vinte e cinco de Fevereiro, bem como pelos estatutos elaborados em documento à parte, nos termos do artigo setenta e oito do Código do Notariado".
E "para constituir o património da fundação" atribuiu-lhe e destinou--lhe, sob condição do reconhecimento oficial, "os bens que constam de uma relação elaborada em cem verbas, nos termos legais"(3).
A "relação de bens pertencentes a Francisco Caetano da Cunha Coelho do Amaral [...] destinados à "Fundação da Casa do Soito-Santar", que constitui o Doc. 36 relativo à escritura, contém cem verbas respeitantes: à fracção de um prédio urbano sito em Lisboa (verba 1), ao quinhão hereditário na herança do pai do fundador (verba nº 2), ao quinhão hereditário na herança da sua mãe (verba nº 3) à herança da sua irmã Amélia do Amaral Reis Mendonça Gouveia (verba nº 4) e coisas móveis várias (verbas 5 a 100).
Dos Estatutos, que constituem o Doc. 35 referente à mesma escritura, consta que a Fundação, com sede em Santar, concelho de Nelas, tem como âmbito de acção a área deste concelho (art. 3º) e sobre os objectivos dispõe-se nos seguintes termos:
"Artigo 4º
A Fundação terá por objectivos, a título principal: (4)

a) Apoiar obras de utilidade e solidariedade social, com vista a melhorar as condições materiais e culturais das comunidades carenciadas, em especial de Santar do concelho de Nelas, podendo privilegiar a criação e desenvolvimento de equipamentos com resposta no âmbito de segurança social e, de uma maneira geral, referentes à infância e juventude, idosos, deficientes e suas famílias quando carenciadas;
b) Contribuir para o desenvolvimento sócio-económico e agrícola, cultural e artístico das áreas populacionais carenciadas, como meio de integração social e comunitária dos cidadãos;
c) Promover a formação profissional dos cidadãos, criando para o efeito centros de formação e educação apropriados."
Tem como "único propósito a prestação desinteressada de serviços e benefícios com base num imperativo de solidariedade social" (artigo 5º), e o seu património e regime financeiro vêm definidos estatutariamente (Capítulo II) por esta forma:

"Artigo 6º
O património da Fundação é constituído pelos bens descritos em documento à parte (5), que fica integrando o acto de constituição, e pelos demais bens e valores que sejam adquiridos pela Fundação".


"Artigo 7º
Constituem receitas da Fundação:
a) Os rendimentos líquidos dos bens e capitais próprios e da exploração agro-pecuária;
b) Os rendimentos de heranças, legados ou doações;
c) Os rendimentos de serviços, produto de festas e subscrições ou semelhantes;
d) Os subsídios do Estado ou de outros organismos oficiais;
e) Os donativos ou apoios financeiros de quaisquer organizações nacionais ou estrangeiras".

2.2. Em requerimento dirigido ao Senhor Director-Geral da Segurança Social, datado de 9.2.89, foi pedido "nos termos e para os efeitos do artigo 79º do Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro", o reconhecimento da fundação como "fundação de solidariedade social".

O reconhecimento foi negado por despacho do Senhor Secretário de Estado de Segurança Social, de 6 de Julho de 1990, que, interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, veio a ser anulado por vício de forma - falta de clareza na motivação de facto e contradição lógica entre as afirmações que o integravam - artigos 1º, alíneas b) e d), 2º e 3º do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho.(6)

O despacho anulado fora exarado em Nota de 3.7.90, dirigida ao senhor Secretário de Estado da Segurança Social, e revestiu a forma de concordância com o conteúdo dessa nota (7), cuja fundamentação, por isso, assumiu.
O conteúdo textual dessa Nota é o seguinte:
"A consideração de Sua Exª o Secretário de Estado.
"Reconhecimento da Fundação da Casa do Soito (Santar) como IPSS.
"Como resulta do processo o dr. Francisco Pais do Amaral, residente em Santar (Nelas), outorgou em Outubro de 1988 no cartório notarial de Vouzela uma escritura de constituição da Fundação da Casa do Soito.
"O património a afectar à Fundação é constituído fundamentalmente por um prédio urbano sito em Lisboa, com o valor de 8000 contos e um quinhão hereditário de 74% da herança indivisa da família, avaliado em 75 mil contos.
"O fundador pediu, entretanto, o reconhecimento da Fundação como IPSS, não obstante correr seus termos um processo de inventário facultativo, para partilha da herança, a requerimento dos demais herdeiros.
"O fundador usa já no papel timbrado a indicação de que a mesma é uma IPSS o que, não tendo fundamento legal, pode induzir em erro o público em geral.
"Sendo legalmente possível o reconhecimento com base no quinhão hereditário, mantém-se contudo a indisponibilidade dos bens em concreto.
"Por outro lado, mesmo considerando apenas os bens próprios do fundador, permanecem dúvidas quanto à suficiência desse património para a realização dos fins de acção social da instituição, além dos objectivos culturais, já que parte considerável dos bens tem valor histórico e artístico.
"De qualquer modo, o plano apresentado seria susceptível de provocar a utilização de bens (por exemplo imóveis) o que iria decerto contrariar a referida indisponibilidade dos mesmos bens.
"Deste modo, dada a natureza litigiosa do substrato patrimonial, a confusão que na prática facilmente se pode estabelecer entre o reconhecimento do instituídor (8) e o prosseguimento do litígio e considerando ainda os inconvenientes que decorrem da pendência do processo, julga-se ser mais adequado tomar a decisão de não reconhecimento.
"Assim se evitará dar corpo a uma IPSS com base em indiscutível insegurança jurídica e em provável insegurança patrimonial, situações que não configuram as exigências básicas da solidariedade social e da convergência de objectivos e de acções" (9)

2.2.1. Esta decisão final foi precedida de actos preparatórios - informações e pareceres de serviços - sobre a decisão a tomar em face do pedido de reconhecimento, atendendo às características específicas da dotação de bens.
Esta, além de um imóvel concreto e de vários móveis, foi constituída com dois quinhões hereditários do fundador nas heranças de seu pai e de sua mãe, ainda indivisos e com a herança da irmã do fundador, que é integrada também, pelo menos em parte, pelo quinhão desta nas heranças dos pais.
Perante a circunstância de parte da dotação ser constituída pelos direitos sucessórios do fundador a quinhões hereditários, os serviços emitiram opiniões que se podem, essencialmente, resumir assim:
a) Impossibilidade de reconhecimento da Fundação, com tal dotação(10).

A situação de indivisão não permite ajuizar da suficiência patrimonial para a realização dos fins da Fundação, visto que, antes de ultimada a partilha, não é possível nem saber os bens que corresponderão às quotas hereditárias do instituidor nem saber da sua situação face aos encargos da herança, nem ajuizar dos eventuais encargos por cujo valor a Fundação poderia vir a responder para com o instituidor, em caso de haver encargos que ele tivesse de satisfazer e satisfizesse (artigos 2128 e 2129 nº 2, do Código Civil) (11) .
b) Possibilidade de reconhecimento imediato da Fundação com tal dotação por, em concreto, haver suficiência de bens para a realização dos fins imediatos (12). Na verdade, os quinhões hereditários representam o valor de 74% da herança, isto é, 55 580 100$00, o valor do imóvel estima--se em 7 000 000$00 como ainda o rendimento da herança correspondente aquela percentagem se avaliou em 6 965 000$00 no ano de 1988. O que significa que, sendo o fim imediato da fundação "a criação de um centro de dia", é suficiente o património afectado à Fundação constituído pelo quinhão hereditário do fundador porque "é extremamente valioso e tem capacidade de ser aumentado através de uma boa gestão".
Todavia, enquanto não for ultimada a partilha há "fortes dúvidas quanto à possibilidade de a Fundação poder iniciar a sua actividade", o que poderia apontar para diferir do reconhecimento para momento ulterior à conclusão da partilha da herança para a qual corre termos inventário facultativo (13), diferimento esse que se entende possível.
As dúvidas assentam, atento o regime legal de administração da herança indivisa (art. 2090º e seg. do Código Civil), na circunstância de certos equipamentos de acção social - centro de dia e jardim de infância - irem "ser implantados nas propriedades que constituem a herança indivisa, o que não sendo investimento lucrativo "poderia ser impugnado pelos restantes herdeiros, a menos que expressamente concordem com o facto" (nºs 11, 12 e 13) (14).
c) A opinião precedente - possibilidade de reconhecimento imediato ou seu diferimento - veio a ser acolhida em outra informação dos serviços(15)
Em apoio da possibilidade abstracta de imediato reconhecimento em hipóteses de herança indivisa pendente de partilha, depois de se evocarem casos de decisões administrativas num e noutro sentido, esta informação aduziu os seguintes argumentos:
"1º Que a indeterminação dos bens que concretamente virão a integrar o património da fundação - herdeira (16), não impede que o património seja desde logo integrado por um direito - o direito à herança ou ao quinhão hereditário - de indiscutível valor económico, tanto mais que a própria lei admite a alienabilidade desse direito, mesmo a título oneroso (x).
"2º Que de acordo com a lei (art. 79º, nº 4 do Estatuto dos IPSS) o que terá de comprovar-se é a insuficiência do património para a prossecução do fim visado enquanto fundamento de recusa do reconhecimento (xx) fundamento que também não se verificará se existirem fundadas expectativas de suprimento da insuficiência.
"3º Que, no caso de posteriormente ao reconhecimento, se vir a comprovar a impossibilidade de prossecução dos fins visados por insuficiência do património, a lei prevê mecanismos para pôr termo a tal situação, quer através de alteração dos fins da fundação (art. 82º do Estatuto dos IPSS), quer através da extinção da fundação (art. 83º).
"4º Que, embora a fundação se encontre, eventualmente impossibilitada de utilizar e dispor dos bens que integram a herança, antes de concluída a partilha, poderá ainda assim haver interesse no reconhecimento, por forma a assegurar a representação da fundação nas medidas indispensáveis à conservação e valorização do património e no próprio processo de inventário, visando acautelar e preparar a futura realização dos fins institucionais."
Em relação ao caso concreto da Fundação da Casa do Soito, pondera a informação que "admitindo que uma fundação pode ser reconhecida antes de efectuada a partilha dos bens, ainda assim não se excluem as hipóteses quer de imediata recusa do reconhecimento, quer da pendência de decisão sobre o reconhecimento até à partilha, caso não se verifiquem ou não sejam consistentes a "fundadas expectativas do suprimento da insuficiência" (xxx).
Ainda que se afigure ao subscritor da informação que, pelos valores indicados pela "Administração" da "Fundação"(17).
), "parece verificarem-se as condições mínimas de reconhecimento da fundação", faz o mesmo algumas precisões a ter em consideração.
Assim, o reconhecimento imediato não habilita a fundação a afectar afins institucionais os bens que ainda não foram partilhados e a dispor deles livremente. Por esse motivo o Centro Regional da Segurança Social deve ponderar devidamente "qualquer pedido de apoio, em especial qualquer pedido de comparticipação em investimentos a efectuar em prédios que ainda não tenham sido objecto de partilha".
Além disso a relativa indisponibilidade dos bens não partilhados não terá sido devidamente considerada pelo fundador, ou seus representantes, na medida em que o "plano de actividades" apresentado para instrução do pedido de reconhecimento pressupõe que a Fundação pode já dispor inteiramente de bens que integram os quinhões hereditários"(18), o que poderia "desaconselhar uma decisão imediata sobre o reconhecimento, por forma a obstar a que o reconhecimento seja interpretado como uma aceitação da imediata exequibilidade daquele 'plano'". Estes riscos, no entanto, "poderão ser evitados se a comunicação do reconhecimento for suficientemente explícita sobre as suas implicações".

2.2.2. A decisão quanto ao pretendido reconhecimento da Fundação foi negativa, como se viu.
Na fundamentação assumida pelo despacho de concordância, entendeu-se possível, em abstracto, a legalidade do reconhecimento de fundações cujo património consistisse em "quinhão" de herança indivisa.
Mas, em concreto, a indisponibilidade dos bens integrativos do quinhão do instituidor entendeu-se incompatível com o plano de actividades por esta supor disponíveis bens (por exemplo, imóveis) que o não são.
E quanto aos bens específicos, próprios do fundador não se removeram as dúvidas sobre a suficiência do património para a realização dos fins de acção social da instituição, além dos objectivos culturais, já que uma parte considerável desses bens têm valor histórico e cultural.
Por fim, alude-se à confusão que na prática se poderia estabelecer entre o reconhecimento da instituição e o prosseguimento do litígio sobre os bens a partilhar, assim como aos inconvenientes decorrentes da pendência do processo, para concluir, em suma, pela maior adequação de uma recusa de reconhecimento para evitar "dar corpo a uma IPSS com base em indiscutível insegurança jurídica e em provável insegurança patrimonial, situações que não configuram as exigências básicas da solidariedade social e da convergência de objectivos e de acções".

3
Passemos às questões colocadas à consulta, pela ordem por que vêm enunciadas.
3.1. A primeira questão visa dilucidar o problema da possibilidade ou não de reconhecimento de uma fundação cujo património seja essencialmente constituído por bens que integram a quota de uma herança, antes de concluída a partilha, atendendo às condições de recusa do reconhecimento estabelecidas no artigo 79º, nº 4, do Estatuto de Instituições Particulares de Solidariedade Social aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro.
Resolvê-la depende de uma prévia indagação do sentido que, na norma do nº 4 do art. 79º relativa à recusa de reconhecimento, têm os conceitos de bens e de suficiência.
Isso se fará de mediato (infra, 3.1.1.) para ensaiar, depois, a solução (infra, 3.1.2.).

3.1.1. Importará começar por registar os textos normativos vigentes e pertinentes, com alusão, parcial, à génese (infra, 3.1.1.1.), procedendo depois à análise, desdobrada, relativa aos conceitos "bens" (infra 3.1.1.2) e "suficiência/insuficiência" (infra 3.1.1.3).

3.1.1.1. Convém registar do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, anexo ao Decreto-Lei nº 119/83 e por este aprovado, algumas normas alusivas a bens e relativas às Fundações de Solidariedade Social (Secção V do Capítulo III). Assim, dispõe-se:
"Artigo 78º [Instituição]
1 - As fundações podem ser instituídas por acto entre vivos ou por testamento, valendo como aceitação dos bens a elas destinados, num caso e noutro, o reconhecimento respectivo.
2 - (...)
3 - (...)
4 - No acto de instituição, deve o instituidor indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe são destinados".
"Artigo 79º [Reconhecimento da fundação]
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - Será igualmente negado o reconhecimento quando os bens afectados à fundação se mostrem insuficientes para a prossecução do fim visado e não haja fundadas expectativas do suprimento da insuficiência.
5 - (...)"

"Artigo 82º [Alteração dos fins]
1 - Mediante proposta das administrações respectivas ou com sua concordância expressa, pode o ministro da tutela atribuir às fundações fins de solidariedade social diferentes daqueles para que tenham sido instituídas, desde que se verifiquem algumas das seguintes condições:
a) (...)
b (...)
c) Ser comprovadamente insuficiente o património da fundação para a realização dos fins previstos.
2 - (...)
3 - (...)".
O actual Estatuto dos IPSS foi precedido por outro, anexo ao Decreto-Lei nº 519-G2/79, de 29 de Dezembro (19), que o Decreto-Lei nº 119/83 revogou por substituição (art 1º), e no qual havia normas específicas de sentido idêntico nos aspectos que interessam, ao nº 4 do artigo 79º e à alínea c) do nº 1 do artigo 82º.
Dispunha-se aí, expressa e especificamente:

"Artigo 74º [Fins e reconhecimento das fundações de solidariedade social]
1 - (...)
2 - (...)
3 - O reconhecimento será negado quando os fins não coincidam com os do sistema de segurança social ou quando o património indicado seja manifestamente insuficiente para a prossecução dos fins visados e não haja expectativas fundadas de suprimento da insuficiência."

"Artigo 76º [Alteração de fins]
1 - Mediante proposta das administrações respectivas ou com sua audiência, pode o Ministro da Coordenação Social e dos Assuntos Sociais atribuir às fundações fins de segurança social diferentes daqueles para que tinham sido instituídas, quando se verifique alguma das condições seguintes:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) Ser insuficiente o património das fundações para a realização dos fins previstos.
2 - (...)."
Sendo manifesta a correspondência substancial das normas de ambos os Estatutos relativos à recusa de reconhecimento por insuficiência originária de bens atribuídos à fundação (artigo 79º, nº 4 do actual e 74º, nº 3, do anterior), bem como do relevo da insuficiência superveniente como condição de alteração de fins (artigo 82º, nº 1, alínea c), do actual e 76, nº 1, alínea d), do anterior) é tão-só aparente a falta no Estatuto anterior de normas correspondentes às que no actual se contêm no artigo 78º, nºs 1 e 4, no tocante à dotação patrimonial.
É que, por força da norma remissiva supletiva do artigo 79º, nº 2, do Estatuto anterior, em tudo o que não se encontrasse nele especialmente previsto, as fundações de solidariedade social regiam-se "pelo regime comum das fundações estabelecido na lei geral".
Por isso registe-se, nas matérias hoje expressamente reguladas no artigo 78º, nºs 1 e 4, do Estatuto vigente, o disposto nos artigos 185º, nº 1, e 186º, nº 2, do Código Civil, que dispõem:
"Artigo 185º (Instituição e sua revogação)
1 - As fundações podem ser instituídas por acto entre vivos ou por testamento, valendo como aceitação dos bens a elas destinados, num caso ou noutro, o reconhecimento respectivo.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)".
"Artigo 186º (Acto de instituição e estatutos)
1 - No acto de instituição deve o instituidor indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe são destinados.
2 - (...)".
Note-se, pois, a similitude dos regimes dos dois Estatutos nas matérias assinaladas, e também a similitude nessa área com o regime geral das fundações estabelecido no Código Civil, atendendo ainda a que também neste Código se prevê a alteração de fim das fundações "quando o património se tornar insuficiente para a realização do fim previsto" (artigo 190º, nº 1, alínea c)).
Foi preocupação e intuito na reforma do anterior Estatuto dos IPSS evitar "remissões frequentes e genéricas para o Código Civil, tendo em conta eventuais dificuldades de conciliação dos dois regimes, especialmente sentidas pelos dirigentes, associados e beneficiários das instituições, aos quais deverá ser facilitado o conhecimento do regime jurídico de instituições", diz-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 119/83. E acrescentou-se: "Assim, procurou, tanto quanto possível, reproduzir no novo estatuto as disposições da lei geral para que o estatuto revogado já remetia, procedendo-se, entretanto, à sua adaptação à natureza própria destas instituições".
Esta similitude com o regime geral permite, na pesquisa de elementos úteis à interpretação do Estatuto dos IPSS, nas matérias que nos ocupam, utilizar elementos relativos às disposições paralelas do regime geral contido no Código Civil.
São particularmente importantes, a este propósito, os relativos aos textos preparatórios deste Código.
Como é sabido, o regime específico das fundações que hoje é constituído pelos artigos 185º a 194º do Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 47344, de 25 de Novembro de 1966, teve por base um "Anteprojecto" intitulado "Pessoas Colectivas" (artigos 56º a 75º) da autoria de FERRER CORREIA (20), anteprojecto esse que foi objecto de duas revisões ministeriais (21), sofreu influência de um articulado proposto por MARCELLO CAETANO em estudo que publicou (22), e, finalmente, constou de um "Projecto de Código Civil", publicado pelo Governo (23).
No tocante ao nº 1 do artigo 186º do Código Civil assinale-se, como pormenor de interesse, que, por manifesta influência do texto proposto por Marcello Caetano quanto à dotação de bens pelo instituidor, se introduziu a explícita menção da relação de meio a fim entre bens e fundação -"... especificar os bens que lhe são destinados" -, ainda que no texto de Marcello Caetano essa relacionação se referisse claramente aos próprios fins da fundação (24), o que, todavia, não deixa de resultar do regime actual no seu conjunto (cfr. artigo 188º, nº 2, 190º, nº 1, alínea c), e 191º, nº 1 do Código Civil).
Quanto ao texto do nº 2 do artigo 188º, há uma influência importante de Marcello Caetano na formulação da insuficiência dos bens como motivo de recusa de reconhecimento.
Dispõe-se nesse normativo:
Artigo 188º
(Reconhecimento)
1. .........................................................................................................
2. Será igualmente negado o reconhecimento, quando os bens afectados à fundação se mostrem insuficientes para a prossecução do fim visado e não haja fundadas expectatitvas de suprimento da insuficiência.
3. .......................................................................................................".
O texto original, correspondente, do Anteprojecto (art. 56º, nº 1) limitava-se a consagrar como um dos motivos, taxativos, de recusa a manifesta insuficiência - "quando os meios para o (fim) atingir forem manifestamente insuficientes", texto que passou na 1ª revisão ministerial (artigo 147º, nº 2).
Marcello Caetano criticou esta fórmula entendendo que "o artigo deveria, aliás, prever a hipótese de o património inicial ser insuficiente, mas de haver no momento em que se tenha de decidir o reconhecimento fundadas esperanças de que esse núcleo seja pólo de aglutinação de novas liberalidades - por subscrição de sócios, donativos, subsídios oficiais, etc.", e correspondentemente veio a propor a substituição do texto criticado pelo seguinte (artigo L, nº 3): "Quando os bens afectados sejam insuficientes para a prossecução do fim visado e não houver fundados motivos para prever o oportuno suprimento dessa insuficiência, será negado o reconhecimento" (25).
O pensamento subjacente a esta proposta esclarece-se noutros passos da obra que a contém.
Assim, a propósito da afectação do património para instituir uma fundação, e em termos de direito comparado, alude o autor ao canon 1489 do Código de Direito Canónico (26) que proibia a concessão de personalidade às fundações que não contassem com um dote que bastasse, "ou prudentemente se preveja que pode vir a bastar", à consecução do fim, previsão que tinha de ser feita a partir de um património inicial, "embora se admita que a suficiência dependa da acumulação de rendimentos, do concurso de esmolas ou donativos, etc. Isto é: o que pode não ser certo no acto de instituição ou de reconhecimento, não é o património e sim a sua suficiência" (27).
A propósito da extinção da fundação por impossibilidade de facto de prosseguir os seus fins entende este autor que tal impossibilidade "resulta sobretudo da falta de recursos para realizar os fins institucionais, quando esteja perdida a esperança de reconstituir, aumentar ou fazer frutificar o património em condições satisfatórias".
E, aludindo a uma das hipóteses dessa impossibilidade, "o aniquilamento do património, invertido em dinheiro ou valores mobiliários pela depreciação da moeda", explicita que "só existe impossibilidade por aniquilamento de património quando tiverem de se considerar perdidas as esperanças de o reconstituir em condições de, pelos seus rendimentos, se poder acorrer às despesas consequentes do funcionamento normal da instituição" (28).
Discorrendo sobre o conceito de suficiência (29) do património como condicionante do reconhecimento da personalidade, afasta a possibilidade de imediato reconhecimento da fundação quando o património afectado for insuficiente e no próprio acto de instituição se formular a promessa de o acrescentar com novos bens, determinados, que de futuro nele ingressassem.
É que, escreve, "a simples manifestação de intenção do instituidor de no futuro doar ou deixar à fundação que se pretende criar novos bens, não pode, por si só, remediar à insuficiência do património afectado no momento", isto porque tal promessa seria destituída de valor jurídico, não dando lugar a acção da fundação, se não viesse a ser cumprida.
Nem, segundo o mesmo autor, podia ser diferente a solução - recusa de reconhecimento - se se hipotizasse um contrato-promessa com esse objecto porque tal contrato só poderia ser celebrado com a fundação, depois de criada, e do que aqui se tratava era da possibilidade de a criar sem recursos imediatamente suficientes; e também não seria bastante uma doação "mortis causa" para suprir a insuficiência da dotação inicial por via da liberdade de revogação em vida do doador, como resultava do artigo 1457º e 1754º e segs. do Código Civil de Seabra.
Concluía que "só poderá reconhecer-se a fundação à qual sejam imediata e definitivamente afectados bens, suficientes à realização do fim visado pelo instituidor, podendo apenas servir a promessa de afectação, no futuro, de novos bens, à previsão da ampliação do âmbito de acção da pessoa colectiva, por aditamento de novo fins, alargamento a nova áreas, etc."(30).
Deve advertir-se que estas considerações sobre a suficiência do património inicial, no contexto da obra, se insere, parece, na análise do regime então em vigor, compreendendo-se assim que contraste com certa maleabilidade que o autor depois preconiza na mesma obra ao comentar o artigo 147º, nº 2 do Anteprojecto (1ª revisão ministerial), propondo que a recusa de reconhecimento da fundação insuficientemente dotada só fosse possível se cumulativamente não houvesse fundados motivos para prever o oportuno suprimento da insuficiência (artigo L, nº 3).
Apoiando essa maleabilidade, entendia o autor que "deve deixar-se à autoridade administrativa certa liberdade de aprovação e decisão, pois, como atrás notámos, pode o Estado dispor-se a subsidiar a fundação ou ter elementos que lhe permitam crer que pela subscrição de sócios ou por outro meio legítimo, a insuficiência será suprida"(31).

3.1.1.2. O substrato das fundações é o elemento patrimonial, "o complexo de bens que o fundador afectou à consecução do fim fundacional", "massa de bens" que habitualmente se designa por dotação (32).
"Bens a elas destinados", bens que lhe são destinados", "bens afectados à fundação", são outras tantas expressões que designam na lei este elemento patrimonial (C. Civil e Estatuto da IPSS, já citados).
No direito comparado podem encontrar-se referências paralelas.
Assim, no direito brasileiro referem-se como objecto da dotação "bens livres" (33), no direito suiço "affectation de biens" (34), no direito alemão "bens garantidos pelo acto de fundação" (35), no direito espanhol "biennes" (36), no direito italiano "patrimonio" (37) (38).
"Bens" é equivalente a "património", como resulta da conjugação de várias disposições do Código Civil: artigos 185º, nº 1, 186º, nºs 1 e 2, em que o primeiro termo é empregado como significando objecto da dotação da fundação; artigo 188º, nº 2, onde também é empregado, ligado à falta de suficiência como condição de reconhecimento, e o artigo 188º, nº 3, onde se regulam as consequências da negação de reconhecimento decorrente da insuficiência dos bens, aqui complexivamente designados como "património". Este último termo também é usado no regime da transformação definido no artigo 190º, nº 1, quando aí se prevê a alteração de fim por "o património se tornar insuficiente para a realização de fim previsto" (alínea a).
E ocorre ainda a propósito do regime dos encargos prejudiciais à fundação e da extinção, quando aí se alude à "liquidação do património" (artigos 191º, nº 1, e 193º)
As disposições citadas têm correspondência no Estatuto das IPSS, como ressalta da leitura dos seus artigos 78º, nºs 1 e 4, 79º, nºs 4 e 5, 82º, nº 1, alínea c), e nº 2, e 84º, nº 3.
Juridicamente "património" é o "complexo de direitos e vinculações avaliáveis em dinheiro pertencentes a um titular, compreendendo o "património activo" (complexo de direitos) e o "património passivo" (complexo de vinculações) (39).
Porque os "bens" afectos à fundação são instrumento de realização dos seus fins e a sua capacidade para tal é indispensável, sob pena de não reconhecimento ou de alteração de fins, o termo tem o sentido de "património activo".
Não se vê, na verdade como um complexo de vinculações poderia ser instrumento de realização de fins, o que aliás se infere, de certo modo do regime de redução de encargos prejudiciais aos fins da fundação estabelecido no artigo 191º, nº 1, do Código Civil.
Especificar o elenco dos "bens" ou "património" constitutivo da dotação fundacional não é possível em abstracto.
A dotação fundacional tem por função garantir a viabilidade económica da fundação, evitando que seja personalizada quando lhe faltem, e não haja seguras probabilidades de os vir a obter, meios bastantes para que nasça viável (40).
A adequação a essa função depende certamente, quer do conteúdo dos direitos patrimoniais, abstractamente considerados - seu regime e objecto -, quer do seu objecto concreto e respectivo valor considerados os fins concretos para cuja realização servem de meio.
Como já foi notado, em face do disposto no nº 2 do artigo 188º, do Código Civil, pode uma fundação constituir-se por outra forma que não o "apport" de um capital inicial "desde que o financiamento das actividades projectadas seja assegurado por outra forma, isto é, através de outros recursos que não os rendimentos produzidos por um capital", visto que se não é possível fundação sem património não é essencial uma dotação inicial em capital (41) (42).
O que não significa que qualquer outro meio necessariamente sirva ou que se confunda a dotação fundacional e com o "património" adquirido ao longo da vida da fundação (43).

3.1.1.3. O "complexo de bens" da dotação fundacional tem, em princípio, de ser suficiente ao tempo do reconhecimento para a prossecução do fim visado pela fundação (artigo 188º, nº 2 do Código Civil, e 79º, nº 4, do Estatuto do IPSS). Não o sendo, todavia a recusa do reconhecimento só será proferida se não houver "fundadas expectativas de suprimento da insuficiência" (mesmas disposições).
Este regime, cuja génese ficou descrita (supra, 3.1.1.1.), apresenta-se com certa maleabilidade, não só pelo carácter algo indeterminado do que deve considerar-se "suficiente" como pela flexibilidade de juízo acerca do suprimento, enquanto tal, e da verificação do que sejam "fundadas expectativas".
Esta maleabilidade aponta, por isso, para o que os autores têm entendido acerca dos poderes relativos à decisão de reconhecimento ou de recusa, isto é, como envolvendo discricionaridade (44).
Como escreveu Marcello Caetano, "o juízo da sua suficiência - entenda-se, do património afectado - entra (...) no poder discricionário de quem decida. Só a autoridade que haja de reconhecer a pessoas colectiva poderá verificar se os bens afectados podem ou não bastar para justificar a criação de um novo sujeito de direito. Mas esta liberdade de apreciação tem de conter-se dentro das regras comuns da experiência e da boa administração, tendo de entender-se que há-de ser exercida com senso esclarecido e não por puro arbítrio. Trata-se de uma "verificação" e não, propriamente, duma "decisão" (45).
O juízo sobre a adequação ou suficiência do património formula-se em concreto, "tidas em conta todas as circunstâncias", como já se escreveu no tocante ao direito italiano, que como se viu, também subordina o reconhecimento à suficiência do património relativamente aos fins (46) . ).
No tocante às fontes do suprimento, parece-nos que poderão consistir tanto no eventual aumento de capacidade dos bens instituídos, por exemplo, pela sua valorização ou pelos rendimentos que possam produzir, como em entradas provenientes de terceiros, por exemplo, retribuição de serviços prestados, donativos, etc.
O texto da lei é suficientemente amplo para permitir este entendimento, e na génese do regime da insuficiência como requisito da recusa justificou-se o suprimento, designadamente, por "subscrições de sócios, donativos, subsídios oficiais" (47).
Ponto é que o suprimento da insuficiência assente em "fundadas expectativas", o que aponta para um juízo prudencial de prognose, de certa consistência previsional, ponderando todas as circunstâncias, um "juízo de probabilidade", não bastando a mera hipoticidade (48).
Não significará a fórmula constante do nº 3 do artigo 188º do Código Civil e do nº 4 do artigo 79º do Estatuto nas IPSS, coisa diferente da fórmula sugerida por MARCELLO CAETANO - "fundados motivos para provar o oportuno suprimento dessa insuficiência" (nº 3 do artigo L) (49).

3.1.2. É altura de procurar solução para a questão - possibilidade de reconhecimento de uma fundação cujo património seja essencialmente constituído por bens que integrassem a quota de uma herança, antes de efectuada a partilha, tendo em conta o regime de recusa estabelecido nos artigo 79º, nº 4, do Estatuto da IPSS, que, aliás, reproduz o regime geral do artigo 188º, nº 2 do Código Civil.
A formulação da pergunta, entendida no contexto em que surgiu, de uma instituição fundacional cuja dotação, além de bens "individualizados", ser integrada por "quinhões hereditários" (50), em rigor quererá significar: "cujo património seja essencialmente constituído por quinhão em herança indivisa".
A resposta será necessariamente matizada, em função, por um lado, do regime jurídico da herança indivisa quanto aos direitos dos co-herdeiros, por outro, do valor e composição do acervo hereditário, e, por último, dos fins da fundação relativamente aos meios patrimoniais necessários à sua realização.
Enquanto a herança permanecer indivisa os herdeiros são contitulares dela (51) (51) Cfr. GOMES DA SILVA, Curso de Direito de Sucessões (3ª edição), apontamentos das lições de 1953-1953. Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa 1955, pág. 300: "herança indivisa, no seu aspecto activo, é um caso de contitularidade de direitos".
), são "titulares do património hereditário" (52) e a sua situação relativamente a esse património rege-se fundamentalmente pelo artigo 2091º, nº 1, do Código Civil, nos termos do qual "os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros".
Esta regra tem quatro excepções (53):
a) Como há poderes, normalmente de mera administração, atribuídos ao cabeça de casal, ele tem, por isso, direito de ter os bens em seu poder (artigo 2078º, nº 2) (54);
b) Podem ser atribuídos ao cabeça de casal outros poderes mais vastos pelo testador ao testamenteiro, quando este for cabeça de casal (artigo 2091º, nº 2);
c) Qualquer co-herdeiro pode alienar livremente o seu quinhão hereditário, mas bens singulares só todos os podem alienar (55);
d) Qualquer co-herdeiro tem legitimidade para pedir bens que estejam em poder de terceiro, e pode, até, pedir a totalidade desses bens, sem que o demandante lhe possa opor que esses bens lhe não pertencem por inteiro (artigo 2087º, nº 1).
Se o herdeiro dispuser, não obstante a indivisão, de direitos determinados pertencentes a herança, são de aplicar as disposições sobre compropriedade, que "representam como que um fundo subsidiário em relação à indivisão" (56).
Tal resulta da regra do artigo 2091º, nº 1 - legitimidade conjunta de todos para dispor -, da circunstância de o Livro de Sucessões não conter regras sobre a matéria e também do artigo 2130º, quando apela para os "termos do direito de preferência que assiste aos comproprietários", ao regular o direito de preferência na venda ou dação em pagamento por qualquer herdeiro do seu quinhão hereditário (57).
Na compropriedade, o artigo 1408º, nº 2, estabelece que a disposição ou oneração de parte especificada sem consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia, o que quadra à indivisão, como resulta do disposto no artigo 2127º, nos termos do qual "o que aliena uma herança ou quinhão hereditário sem especificação de bens só responde pela alienação de coisa alheia se não vier a ser reconhecido como herdeiro".
Segundo os princípios sobre venda de bens alheios - artigos 892º e segs. - a lei fere de nulidade o acto de disposição, podendo o acto convalidar--se se o vendedor vier a adquirir por qualquer modo a titularidade do direito venido, como dispõe o artigo 895º. Assim torna-se então válido esse acto e o direito transfere-se "ope legis" para o comprador. É isso que acontece se o herdeiro vender coisa determinada e essa coisa lhe vier afinal a ser atribuída na partilha.
Há, pois, digamos assim, uma indisponibilidade pelo co-herdeiro de bens específicos da herança indivisa.
E é também limitado o seu direito de pedir parte dos rendimentos dos bens hereditários. Como dispõe o artigo 2092º, "qualquer dos herdeiros ou o cônjuge (...) tem o direito de exigir que o cabeça de casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhe caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação de encargos da administração".
Advirta-se que o activo da herança responde pelo passivo (artigo 2097º e 2091º), cada co-herdeiro, ultimada a partilha, responde pelos encargos em proporção da quota que lhe haja cabido na herança (artigo 2098º, nº 1), que o adquirente de quinhão hereditário sucede nos encargos respectivos (artigo 2128º); e que o adquirente a título gratuito é obrigado a reembolsar o alienante do que este tiver despendido na satisfação dos encargos da herança e a pagar-lhe o que a herança lhe dever (artigo 2129, nº 2).
Este regime não obsta, de per si, à possibilidade de reconhecimento de uma fundação cujo património fosse essencialmente constituído por quinhão hereditário de herança indivisa.
A indisponibilidade de bens concretos da herança, as limitações do direito a rendimentos desses bens, a responsabilidade por dívidas na proporção do quinhão, mesmo por parte do adquirente do quinhão alienado, ainda que por título gratuito, podem colocar, todavia, a questão da suficiência dos bens relativamente aos fins da fundação e, mostrando-se insuficientes, a questão da expectativa de suprimento da insuficiência.
Pense-se na álea da composição dos quinhões na partilha, no valor do activo face ao passivo a suportar proporcionalmente, e na eventualidade de pagamento de tornas, por exemplo.
Em suma, a possibilidade de reconhecimento de uma fundação com uma dotação composta conforme se configura na questão colocada à consulta reconduz-se a verificar, poderando todas as circunstâncias, se uma tal dotação, atentos os fins da instituição, é ou não suficiente para a prossecução desses fins, e não sendo, se há fundadas expectativas de suprimento da insuficiência.
Se é suficiente, ou, não sendo, há fundadas expectativas de suprimento da insuficiência, a dotação constituída essencialmente, e é essa a hipótese da consulta, por quinhão em herança indivisa não obsta ao reconhecimento da fundação (58).

3.2. A segunda questão é a de saber, recorde-se, quais são as consequências para a administração e funcionamento das actividades de uma fundação, suposta a viabilidade do reconhecimento, da situação de indisponibilidade relativa dos bens que integram a herança antes de concluir a partilha.
É claro que a fundação não pode realizar os fins próprios da instituição com bens certos e determinados da herança, a menos que celebrasse com todos os herdeiros negócios jurídicos que lhe permitissem usar de tais bens para esse efeito (artigo 2091º, nº 1 do Código Civil) ou, com o administrador da herança se tais negócios se pudessem conter dentro dos poderes de administração que lhe competem (artigo 2079º e segs).
Aliás, a utilização de bens concretos pela fundação para realização de fins fundacionais fora desse contexto, poderia dar lugar, designadamente, a acções prossessórias contra a fundação (artigo 2088º, nº 1, do mesmo Código), e a questões complexas quanto aos efeitos da posse (artigos 1268º e segs., do mesmo diploma).
Por outro lado, admitindo que a fundação não utilizasse bens concretos e determinados, teria de cingir-se à quota que poderia exigir no rendimento dos bens de herança (59), sujeitando-se, ao processo respectivo que constitui incidente de inventário (60).
Esse confinamento à quota de rendimentos, poderia repercutir-se variadamente, na prossecução concreta dos fins fundacionais, consoante, por exemplo, o montante recebido e o custo de implementação de tais fins, sem esquecer as despesas de organização que houvesse.
A partilha da herança indivisa reflecte-se, também, de qualquer modo, na administração da fundação enquanto a composição dos quinhões pode eventualmente colocar problemas repercutíveis na vida da fundação. Pense-se no preenchimento do quinhão respectivo em bens ou dinheiro, numa hipótese em que a realização do fim da fundação assentasse, precisamente, na disponibilidade de outros bens que não lhe viessem a caber, ou no prenchimento em bens que implicasse, por força da proporcionalidade dos valores das quotas, a obrigação de tornas aos demais interessados, e cuja satisfação dependeria de maior ou menor capacidade de pagamento por parte da fundação.
De considerar ainda os quinhões na sua relação com o passivo, quando o haja, e as repercussões que o montante do passivo correspondente à quota hereditária teria no desafogo da instituição (61).
Em matéria de consequências de uma situação de dotação em quinhão hereditário, não é possível mais do que imaginar um quadro de eventuais limitações à administração e actividades fundacionais, cuja importância, todavia, só afinal é susceptível de se avaliar em concreto, caso a caso, em função, designadamente, do conteúdo da herança, dos fins de cada instituição do valor do quinhão e da quota de responsabilidade no passivo hereditário.
Conclusão:
4
Concluindo:
1º-Não é, de per si, motivo de recusa de reconhecimento de uma fundação de solidariedade social, a circunstância de a dotação de bens a que se refere o disposto no nº 4 do artigo 78º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, ser essencialmente constituída por quinhão do fundador em herança indivisa;
2º-Todavia, o reconhecimento deve ser recusado se, considerados em concreto os fins da fundação, o conteúdo da herança indivisa, o valor do dito quinhão e a quota de responsabilidade no passivo hereditário, houver de se concluir pela insuficiência da dotação e pela inexistência de fundadas expectativas de suprimento dessa insuficiência, nos termos do nº 4 do artigo 79º do mesmo Estatuto;
3º-O regime de indivisão da herança é susceptível de se repercutir na administração e actividades de uma fundação cuja dotação fosse essencialmente constituída nos termos das anteriores conclusões, de maneira vária consoante os concretos fins fundacionais, o género e valor dos bens que a implementação desses fins tornasse necessários, a composição da herança, o valor do quinhão hereditário em causa e a quota de responsabilidade no passivo hereditário;
4º-Como causas dessa repercusão eventualmente dificultante da administração e actividades fundacionais, são de referir, a título de exemplo, a indisponibilidade pelos herdeiros de uma herança indivisa de bens específicos desta (artigo 2091º, nº 1, do Código Civil), a limitação do direito a haver rendimentos dos bens da herança (artigos 2092º do mesmo Código), a responsabilidade no passivo hereditário (artigos 2097º e 2098º, nº 1) e a álea da composição do quinhão (artigos 1352º, nº 2, 1374º, 1376º a 1378º, do Código de Processo Civil).



(1) A formulação da consulta vem feita no Parecer/Proposta nº 23/91, de 8.8.91, da Direcção-Geral da Acção Social sobre o qual incidiu o despacho solicitando parecer deste corpo consultivo
(2) Servimo-nos do processo VZ-NE/P-DSIPSS da Direcção-Geral da Segurança Social.
(3) Fotocópia da escritura constante do processo citado, lavrada a fs. 17v e 18 do Livro de Notas nº 334-B do Cartório Notarial de Vouzela.
(4) A outros se não referem os Estatutos.
(5) A já mencionada relação dos bens (Doc. 36 referente à escritura de constituição).
(6) Acórdão da 1ª subsecção da 1ª secção do S.T.A., de 16.5.91 (Procº nº 28715).
(7) O despacho é do seguinte teor: "Concordo. Não reconheço a Fundação da Casa do Soito- Santar como instituição particular de solidariedade social, 6.7.60 - a) José Luis Vieira de Castro.")
(8) Ter-se-á querido escrever "da instituição".
(9) Seguem-se a data (3 Julho 1990) e a assinatura do Senhor Director-Geral, Ilídio das Neves..
(10) Parecer/Proposta nº 214/88/AJI, Proc. VZ-NE/P-1, de 5.6.89 da D.G.S.S. e respectivo aditamento, subscrito por um Técnico Superior de 2ª classe.
(11) Concluía-se no sentido de não parecer que a presente fundação possa "desde já" ser reconhecida, porquanto não se dispõe de elementos concretos para a avaliação da sua suficiência patrimonial, "requisito essencial ao reconhecimento", que "além de conferir personalidade jurídica à instituição vale como aceitação dos bens destinados (artigo 185º, nº 1, do Código Civil)" (nº 5 do PAR/PROP. nº 214/88/AJI).
Em aditamento, atendendo à existência de um bem próprio do instituído, a fracção de um imóvel que faz parte da dotação, concluía-se poder-se encarar o reconhecimento da fundação apenas fazendo parte do seu património o dito prédio (nº 4 do aditamento).
(12) Informação nº 295/89, PROC. VZ-NE/P-1, de 25.8.89, subscrita por um Chefe de Divisão (cfr. nº 10).
(13) O inventário corre termos na Comarca de Nelas com o nº 8/89.
(14) Concluiu-se nesta informação "...não haver do ponto de vista legal impedimentos ao reconhecimento. Todavia, estando o exercício da actividade da fundação condicionado à conclusão de processo de partilhas que poderia demorar um ou dois anos, a entidade competente para o reconhecimento, ponderado este facto, pode proceder ao reconhecimento de imediato ou aguardar a conclusão do referido processo. Em abono da 1ª hipótese apenas se refere o facto de o instituído, pessoa idosa (80 anos), poder ver concretizado ainda em vida o seu "sonho" de reconhecimento de uma fundação à qual afectou todo o seu património" (nº 14).
(15) Informação 16-89/IPSS, PROC. VZ-NE, de 23.10.89, subscrita por um director de serviços.
(16) No contexto, esta designação referir-se-á a hipótese de fundação instituída por testamento (cfr. nº 31 da informação em conexão com o nº 3.3. onde se contém a argumentação aqui extractada).
(x) "A este respeito diz Rabindranath Capelo de Sousa: "É que por outro lado, sendo vários os herdeiros e antes de se efectuar a partilha, cada um deles, embora não tenha um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles, detém todavia um direito de quinhão hereditário ou seja, à respectiva quota--parte ideal da herança global em si mesma. Direitos estes de que tais herdeiros têm a propriedade, pelo que não se deve estranhar que os artigos 2124º e segs. do Código Civil actual (...) admitam a alienação da herança ou do quinhão hereditário, na sequência do direito de disposição de qualquer proprietário em geral... (Lições de Direito das Sucessões, II, 2ª ed., § 90, Coimbra, 1986)".
(xx) "Parece ter relevância, sobretudo em casos de dúvida sobre a suficiência do património, o facto de a lei não estabelecer a suficiência do património como condição de reconhecimento, mas sim da insuficiência como condição de recusa do mesmo".
(xxx) "O juízo acerca da suficiência do património entra no poder discricionário da actividade competente para o reconhecimento, conforme se refere da informação nº 217/89, do Sr. Dr. Simões Alves, citando Marcello Caetano".
(17) Requerimento dirigido ao Senhor Director-Geral da Segurança Social, de 19.7.89, em que, em suma, se estima em 55 585 100$00 o valor do quinhão do instituidor nos bens indivisos.
(18) O plano de actividades" aqui referido respeita a 1989. Nele se estabelece, como primeira preocupação, "pôr a funcionar um Centro de Dia para a Terceira Idade", na freguesia de Santar, a materializar em "edifício já existente da propriedade da Fundação", onde se fariam "obras de adaptação" programadas. Como se alcança da relação de bens, os imóveis, com excepção de uma fracção de um prédio urbano sito em Lisboa, fazem parte das heranças indivisas já referidas. A análise de balanços juntos revela também que respeitam a actividades assentes em bens indivisos.
(19) Publicado no 10º Suplemento à I Série, nº 299, do Diário da República, dessa data, e rectificado nos mesmos Diário e Série, nº 41, de 18.2.80.
(20) Publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 67, págs. 247 e segs.
(21) Os textos dessas revisões podem ver-se em JACINTO RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, segundo o Código Civil de 1966, II, 1986, págs. 66 e segs.
(22) Das Fundações - Subsídios para a interpretação e reforma da legislação portuguesa, Edições Ática, Lisboa 1962.
(23) Proveniente do Ministério da Justiça, e editado pela Imprensa Nacional em 1966.
(24) O texto do Anteprojecto (art. 57º, nº 1) consagrava "...e os bens com que esta é dotada pelo instituidor", que se reproduzia praticamente no artigo 148º, nº 1 da 1ª revisão ministerial. O texto proposto por Marcello Caetano era (artigo J) nº 1) "...especificará o instituidor os bens que destina à prossecução de um fim ou de fins de utilidade pública determinados" (obra citada - pág. 201). Na 2ª revisão ministerial e no Projecto lê-se (art. 186, nº 1) "especificar os bens que a ela são destinados".
(25) Obra citada, págs. 182 e 202.
(26) Era o Código de 1917. A matéria é regulada no actual Código de Direito Canónico de 1983.
(27) Obra citada págs. 10 e 11. No actual Código de Direito Canónico a matéria vem regulada nos câns. 1303, §1, nº 1º, relativo às "fundações pias autónomas", isto é, "as universalidades de coisas destinados para os fins referidos no can 114, §2 e erectas em pessoa jurídica pela autoridade eclesiástica competente". O §3 deste cân 114 prescreve que "a autoridade competente da Igreja não confira personalidade jurídica a não ser àquelas universalidades de pessoas ou de bens que prossigam um fim realmente útil, e, tudo ponderado, disponham de meios que se preveja possam bastar para atingir o fim proposto". Conforme uma anotação, este parágrafo "visa que a autoridade não conceda a personalidade jurídica [...] sem comprovar a suficiência de meios (...) para esses fins" (o fim útil) (Codigo de Derecho Canónico, edición bilingue comentada por los professores de Derecho Canonico de la Universidad Pontificia de Salamanca., Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, MCMLXXXIII pág. 89. Veja-se também GIANFRANCO GHIRLANDA, Il diritto nella Chiesa mistero di comunione, Compendio di dirittto eclesiale, Edzioni Paoline, Editrice Potificia Universitá Gregoriana, pág. 110.).
(28) Obra citada, págs.
(29) Obra citada, págs. 77 e 78.
(30) Idem, pág. 77.
(31) Obra citada, pág. 177.
(32) CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, 6ª reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, pág. 271.
Ainda que não se ocupando dos problemas que ora se apresentam, citem-se os Pareceres deste Conselho Consultivo nºs 46/69, de 26.11.69, e 30/70, de 22.10.70, onde há referências às fundações, reconhecimento, substracto, dotação. Não se encontram homologados nem, por isso, publicados.
(33) Código Civil, artigo 24º e PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Editora Borsoi, Rio de Janeiro, 1970, pág. 455. 456, e WASHINGTON BARROS MONTEIRO, Curso de Direito Civil - Parte Geral, 5ª edição, revista e aumentada, Edição Saraiva, São Paulo, 1967, pág. 128.
(34) Code Civil, artigo 80º, in Code Civil Suisse et Code des Obligations annotés, de GEORGE SCYBOS et PIERRE - ROBERT GILLIÉROM, 1983, Editions Payot Lausanne.
(35) Código Civil, artigo 82º, por tradução da versão francesa de "Codes Allemans - Code Civil et Code de Commerce", Editions Jupiter, Paris, 1973..
Segundo ENNECCERUS - NIPPERDEY "o negócio fundacional é uma declaração de vontade que indica o fim da fundação e, que, em regra, atribue um património (..)", por tradução, de Derecho Civil. Volume primero, segunda edición, Bosch, Casa Editorial, Barcelona, 1953, pág. 507.
(36) Citando, entre outras disposições, o artigo 39º do Código Civil espanhol, JORGE CAFFARENA LAPORTA. Comentário del Codigo Civil, Tomo I, Secretaria General Tecnica, Centro de Publicaciones, Ministerio de Justicia, Madrid, 1993, escreve: o "apoio no ordenamento positivo para exigir a dotação de um património na creação de uma fundação parece inquestionável".
Veja-se também FEDERICO PUIG PEÑA, Compendio de Derecho Civil Español, (Tercera. Edicón, revisada y puesta al dia), I Parte General, Ediciones Piramide, S.A., Madrid, 1976, pág. 338.
(37) Sobre o elemento patrimonial no direito italiano: FRANCESCO GALGANO, Le associazioni, le fondationi i Comitati, Cedam, Padova, 1987, pág. 366 e segs.; FRANCESCO MESSINEO, Manuale di Diritto Civile e Commerciale, Guiffrè, Milano, 1957, pág. 277; ROBERTO DE RUGGIERO E FLUVIO MAROI, Instituzioni di Diritto Privato, volume primo, octava edizione rinnovata, Casa Editrice Giuseppe Principato, Milano.Messina, 1950, págs. 211 e segs.; F. SANTORO PASSARELLI, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida Editora, S.A.R.L., Coimbra, 1967, págs. 21; PIETRO RESCIGNO, Fundazione (Diritto Civile) in "Enciclopedia del Diritto", Giuffrè Editore, pág. 801; GIUSEPPE GUARINO, Le Fondazioni. Alcune considerazione generali, in "Le Fondazioni in Italia e all Estero", Cedam, 1989, pág. 15; FRANCESCO GALGANO, Delle Personne Giuridiche, in Commentario del Codige Civile a cura de Antonio Scioloja e Giuseppe Branca, 1969, Nicola Zanichelli Editore, Bologna, e Soc. Ed. del Foro Italiano, Roma, pág. 159, e FRANCESCO FERRARA, Le Personne Guridiche, ristampa della seconde editione, in "Tratado di Diritto Civile Italiano", sotto la direzione de Filippo Vassali, volume secondo, tomo secondo, Torino, Unione Tipografico Editrice Torinese, 1958, pág. 240.
(38)) Sobre fundações em França vejam-se: MICHEL POMEY, Traité des Fondations d'utilité publique, PUF, 1980, e ERIC BARON e XAVIER DELSOL, Les Fondations reconnues d'utilité publique et d'entreprise, Les editions Juris Service e Agec, 1992; no U.S.A., Alemanha e França, GIULIO PONZANELLI, Le fundazioni in diritto comparato, in "Contrato e Impresa", 1, 1989, Cedam, Padova, págs. 230 e segs.; ainda para os USA e a Alemanha PIETRO RESCIGNO citado, págs. 793 e 795.
(39) CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1984, pág. 159.
(40) Cfr. FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ. Algumas notas sobre as Fundações, "Revista de Direito e Economia", Ano XV, 1989, pág. 332.
(41) AUTORES e obra citada, pág. 334, e ainda FERRER CORREIA. Le régime juridique des fondations privées, culturelles et scientifiques (droit portugais), in "Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra", Separata do vol. XLVI, 1970, pág. 13, e também, in "Estudos vários de Direito" (2ª tiragem). Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, 1982, págs. 484 e 485.
(42) Para o direito francês, a dotação inicial em capital pode ter por objecto qualquer elemento patrimonial e discute-se sobre a possibilidade de fundações sem dotação de capital, ver MICHEL POMEY, obra citada, págs. 123 a 138 e ERIC BARON e XAVIER DELSOL obra citada, pág. 20 a 25.
(43) FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ, na obra citada (págs. 332 a 334) recusaram que pudessem integrar o conceito de dotação de uma fundação as espécies assim previstas num projecto de Estatuto que analisaram: "b) As doações, heranças e legados e subsídios que lhe sejam atribuídos por entidades públicas ou privadas, quer portuguesas quer estrangeiros", e "d) Os donativos que receber de modo regular ou ocasional", por se não tratar de dados reais e efectivos que pudessem levar-se em conta na altura do reconhecimento, para aferir da viabilidade económica do ente colectivo, nem mesmo, sendo quando muito, bens "futuros", serem susceptíveis de um antecipado "juízo de probabilidade" acerca da sua entrada na esfera jurídica da fundação, por serem de si totalmente hipotéticos; "c) Todos os móveis e imóveis adquiridos para o seu funcionamento e instalação ou com os rendimentos provenientes de seus bens próprios" e "e) A receita dos serviços que venha a prestar ou da venda de qualquer tipo de publicações que venha a editar", porque tais bens não fazem parte da "massa de bens" afectados pelo fundador à realização do escopo fundacional e pressupõem, pelo contrário, uma "dotação" capaz de os adquirir, acrescendo quanto à alínea e) que não será legítimo esperar "grandes receitas" com essa origem tratando-se de uma fundação.
Havia uma outra componente: "a) Um fundo inicial próprio no valor da contribuição de todos os fundadores", sobre que exprimiram dúvidas, em face da sua imprecisão da qual decorre "uma extrema indeterminação nessa única e válida referência ao património que se pretendia afectar à consecução do escopo. Sendo este ponto vital para a criação da pessoa colectiva "fundação" e podendo mesmo originar a recusa de reconhecimento, notou-se ainda, nada se dizia a propósito da "pessoa" dos fundadores, o que vinha dificultar a apreciação do elemento patrimonial do substrato. Ainda que, acrescentavam, nada obstasse à criação de fundações de "instituição colectiva", os fundadores neste caso têm de ser identificados, se não nos Estatutos, pelo menos no acto de instituição da fundação. De qualquer modo, a dita alínea a) "é extremamente vaga, sendo certo que se torna imprescindível a especificação de bens destinados à prossecução do fim fundacional".
(44) Cfr. MARCELLO CAETANO, obra citada pág. 74; MOTA PINTO, Notas sumárias sobre alguns aspectos da doutrina das pessoas colectivas no Código Civil de 1966, in "Revista de Direito e Estudos Sociais", Ano XIV, nºs 1-2, Janeiro-Junho-1967, pág. 59; JACINTO RIDRIGUES BASTOS, Notas ao Código Civil, vol. I, Lisboa, 1987, pág. 246.
Também no direito brasileiro a mera insuficiência não é causa necessária de recusa de aprovação dos Estatutos. Sobre isso .PONTES DE MIRANDA, obra citada, págs. 454 e 456.
(45) Obra citada, pág. 74, sublinhado agora.
(46) GIUSEPPE GUARINO, obra citada, pág. 15Este autor apresenta alguns critérios para aferir da suficiência: dimensão do património correlativa dos objectivos, sem levar em conta os proventos da actividade a desenvolver; a dimensão da organização em concreto necessária aos objectivos propostos; a função de garantia para com terceiros quanto ao cumprimento das obrigações a assumir; a viabilidade da vida da fundação (pág. 16 e 17). MICHEL POMEY, Traité des Fondations..., pág. 124 assinala à dotação inicial vários objectivos: assegurar à fundação o seu primeiro estabelecimento, permitindo-lhe "dispor, ou adquirir, os imóveis necessários ao funcionamento, sejam os que ela possa ter de conservar (monumentos de arte ou história, propriedades rústicas, sítios ou reservas naturais) sejam os que são necessários à instalação e funcionamento dos seus préstimos (centros de saúde, sociais, de cultura, de formação, de pesquisa e de estudo...), seja, por último, os que se destinem à sua sede e seus serviços. E da mesma forma quanto a móveis que pode ter por missão conservar (colecções de obras ou objectos de arte, recordações históricas, arquivos, tradicionais ou audio-visuais, bibliotecas) ou de que precisa a título de equipamento (mobiliário); assegurar, o que não é de menor importância, o funcionamento da fundação ao longo da sua vida".
(47) MARCELLO CAETANO, obra citada pág. 182, (supra transcrito 3.1.1.1.). Antes notara a propósito da suficiência que "...se em certos casos a insuficiência é patente para o que o instituidor pretendeu, noutros casos - limite poderá haver dúvidas, e verificar-se a suficiência mas para uma actividade restrita e apagada. É nessas ocasiões que o problema se põe acerca da utilidade de erigir uma nova pessoa colectiva, mais do que a sua possibilidade ou viabilidade, dependendo do critério da autoridade a criação da obra, na esperança de que a vida a robusteça, ou o encaminhamento dos bens da instituição para outro destino mais eficaz". E acrescenta: "Não vale a pena discutir os casos excepcionais em que o Estado, perante uma iniciativa útil que venha a suprir certa deficiência e notória e, verificando não serem bastantes para alcançar os resultados necessários os bens afectados pelo instituidor resolve reconhecer a fundação assim mesmo, com a disposição de colaborar com ela, por meio de subsídios periódicos, ou juntando novos recursos aos da instituição" (pág. 74).
Advirta-se que os textos transcritos se inserem num contexto de análise geral do regime das fundações. Mas, a nosso ver, contribuem para iluminar a génese da inclusão, como condição de recusa de reconhecimento que o autor iria preconizar mais á frente (pág. 182 e 183), do inciso "e não houver fundados motivos para prever o oportuno suprimento dessa insuficiência" (nº 3 do artigo L do articulado que propôs para a reforma do Código Civil no tocante às fundações, pág. 202).
(48) Recorde-se a apreciação negativa de FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ, embora na perspectiva da possibilidade de se haverem, como dotação fundacional, de "doações, heranças, legados e subsídios que lhe (à fundação) sejam atribuídos por entidades públicas ou privadas, quer portuguesas quer estrangeiras" e de "donativos que (a fundação) receber de modo regular ou ocasional", precisamente pelo seu carácter hipotético. (Algumas Notas ...., pág. 333, supra).
Mas mesmo na perspectiva de meros meios de suprimento da insuficiência à "fundada expectativa" que a lei exige não basta a mera hipoticidade, sendo indispensável um juízo, fundado, de probabilidade.
(49) Obra citada, pág. 202.
(50) Cfr. escritura da constituição da Fundação da Casa do Soito, conjugada com a "relação de bens" para que remete e de que tais quinhões constam (verbas 2º e 3º), sabendo-se que a verba 4ª é composta, pelo menos, em parte, por quinhões das heranças mencionadas nas verbas 2ª e 3ª. Vejam-se também os Estatutos, artigo 6º.
(51) Cfr. GOMES DA SILVA, Curso de Direito de Sucessões (3ª edição), apontamentos das lições de 1953-1953. Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa 1955, pág. 300: "herança indivisa, no seu aspecto activo, é um caso de contitularidade de direitos".
(52) Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Sucessões, 4ª edição, revista, Coimbra Editora 1989, pág. 532. Sobre a situação jurídica do herdeiro, na indivisão, veja-se também RABINDRATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, 2ª edição, (Reimpressão) Coimbra Editora, Ldª, 1990, pág. 80 e 81; INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 6ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Ldª, 1991, págs. 186 e 187.
(53) Seguindo OLIVEIRA ASCENSÃO, obra citada, págs. 534 e segs.
(54) O cabeça de casal "administra os bens próprios do falecido, e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal" (artigo 2087, nº 1)". "os bens doados em vida pelo autor da sucessão não se consideram hereditários e continuam a ser administrados pelo donatário" (nº 2)
(55) Cfr. mesmo autor, pág. 497.
(56) Idem, pág. 535.
(57) Sobre este regime, mais especificamente, mesmo autor obra citados, págs. 538 e 539.
(58) Uma vez feito esse reconhecimento, que vale como aceitação dos bens, deverá proceder-se a inventário, se não estivesse já pendente no momento do reconhecimento. É o que resulta do espírito das disposições dos artigos 2053º e 2102º do Código Civil, ainda que a dotação em quinhão hereditário por "acto inter vivos" não seja uma instituição de herdeiro nem se trate, por isso, de aceitação de herança em sentido rigoroso.
(59) Sobre o que deve entender-se por rendimento de herança, veja-se LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, vol III, 4ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, pág. 82.
(60) Obra e autor citados, vol. II, págs. 72 e segs.
(61) Conforme fotocópia da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, o instituidor da "Fundação da Casa do Soito - Santar", no inventário a que respeita a nota (13), encontram-se relacionadas dívidas de herança à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Nelas e ao IFADP no montante de 3 428 000$00 (cfr. PROC. VZ-NE/P-DSIPSS, citado na nota (12)).
Anotações
Legislação: 
DL 119/83 DE 1983/02/25 ART78 N1 N4 ART79 N4 ART82 N1 C ART84 N3.
DL 519-G2/79 DE 1979/12/29 ART74 N3 ART76 N1 D.
CCIV66 ART185 N1 ART186 N2 ART188 N2 ART190 N1 C ART191 N1 ART193 ART1268 ART2088 N1 ART2091 N1 ART1092 ART2097 ART2098 N1 ART2128 ART2129 N2.
Referências Complementares: 
DIR CIV / DIR ADM / DIR SEG SOC.
Divulgação
Número: 
DR254
Data: 
29-10-1993
Página: 
11460
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