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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
104/1990, de 21.02.1991
Data do Parecer: 
21-02-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
EXECUÇÃO DE PENAS
PENA DE PRISÃO
MULTA
FINALIDADES DAS PENAS
RECLUSO
REINSERÇÃO SOCIAL
JURISDICIONALIZAÇÃO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
JUIZ
MODIFICAÇÃO
COMPETENCIA
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
DIRECTOR-GERAL DOS SERVIÇOS PRISIONAIS
REGIME ABERTO
MEDIDA DE FLEXIBILIZAÇÃO
SAIDA PRECARIA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
LICENÇA DE SAIDA
REGIME DE SEMIDETENÇÃO
Conclusões: 
1 - A execução das medidas privativas de liberdade que, nos termos do artigo 42 do Codigo Penal e objecto do diploma proprio - o Decreto-Lei n 265/79, de 1 de Agosto -, esta a cargo dos serviços da Administração especialmente constituidos para desempenhar esta função;
2 - A jurisdicionalização da fase de execução das medidas provativas de liberdade inscreve-se historicamente no ambito da protecção e defesa dos direitos do recluso, intervindo o juiz na decisão sobre as modificações ou alterações essenciais do estatuto do recluso durante a execução da medida;
3 - A licença de saida do estabelecimento prevista no artigo 58 do Decreto-Lei n 265/79, de 1 de Agosto, constitui um modo de flexibilizar a execução da medida privativa de liberdade, sem modificação juridica substancial no estatuto do recluso;
4 - A concessão da licença referida na conclusão anterior esta condicionada a verificação de pressupostos objectivos e subjectivos e a não ocorrencia de limites negativos legalmente previstos, mas não constitui, expressamente por imposição legal, um direito do recluso;
5 - A concessão da licença mencionada na conclusão 3 integra-se no plano de recuperação do recluso, constituindo um elemento do plano individual na preparação do condenado para a vida em liberdade;
6 - A decisão sobre a concessão da licença referida na conclusão 3 não se integra no ambito constitucional de reserva da função jurisdicional definido no artigo 205, n 2, da Constituição;
7 - Os artigos 27, n 2, 30, n 5 e 30, n 2 da Constituição (definição do titulo de execução da medida privativa de liberdade, garantia dos direitos fundamentais do recluso, e exigencia de decisão judicial sobre a prorrogação de medida de segurança) tambem não impõem a intervenção judicial na concessão da medida referida na conclusão 3;
8 - Não e, assim, inconstitucional, por violação do principio da reserva função jurisdicional, a norma do artigo 49, n 3, do Decreto-Lei n 265/79 de 1 de Agosto, que atribui a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais a competencia para conceder a licença prevista no artigo 58 deste diploma.
Texto Integral
Texto Integral: 
Excelentíssimo Senhor Conselheiro
Procurador-Geral da República:



I

O Senhor Juiz do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra sugeriu a Vossa Excelência a análise da constitucionalidade do regime aberto voltado para o exterior, "já que essa medida de 'flexibilização do cumprimento da pena' mais não é do que a alteração, por via administrativa, de uma pena de prisão, imposta por um Tribunal, numa pena de semi-detenção nos precisos termos em que é definida pelo artigo 45º, nº 2 do Código Penal" (1.
A concessão, nos moldes vigentes, do regime aberto voltado para o exterior "escapa totalmente ao controlo dos Tribunais, nomeadamente dosTribunais de Execução das Penas", que, por isso, não têm qualquer possibilidade de se pronunciar sobre a questão da sua constitucionalidade", afigurando-se àquele Magistrado que, por estar em causa a liberdade das pessoas, e enquanto não houver lei que o regulamente, o chamado regime aberto ou semidetenção' não será próprio de um Estado de Direito Democrático (2.
Vossa Excelência submeteu a questão ao Conselho Consultivo, cumprindo, assim, emitir parecer.

II

1. A pena privativa de liberdade (ou pena de prisão) e a pena de multa constituem no nosso sistema penal as penas principais, isto é, as que, encontrando-se expressamente previstas para cada tipo de crime, podem ser fixadas pelo juiz na sentença condenatória, independentemente de quaisquer outras; opõem-se às penas acessórias que são aquelas cuja aplicação pressupõe a fixação na sentença de uma pena principal.
O Código Penal de 1982 (CP/82), em lugar das espécies diversificadas de penas privativas de liberdade previstas nos códigos anteriores (3, consagrou uma pena de prisão de forma única e simples: única, enquanto desaparecem formas diversificadas de prisão; simples, enquanto à condenação em uma qualquer pena de prisão se não ligam, por força da sua natureza, efeitos jurídicos necessários ou automáticos que ultrapassem a execução daquela" (4.
A pena privativa de liberdade definida no artigo 40º do CP/82 é, pois, uma pena única e simples e temporária com limites mínimo e máximo de duração. Estes limites são suficientemente amplos para que possam ter consagração adequada os diferentes graus de gravidade dos vários crimes previstos na parte especial relativamente às exigências de culpa e de prevenção geral e especial de socialização. Assim, o artigo 40º, nº 1, fixou o limite máximo da prisão em vinte anos e o limite mínimo em um mês (5.
A circunstância de toda a pena privativa de liberdade ser única e temporária (6não significa que não tenha interesse distinguir nela vários tipos, consoante a sua mais ou menos longa duração. Tal distinção ganhou significado político-criminal com o desaparecimento das penas diferenciadas de prisão, nesta via se distinguindo as penas de prisão de curta, média e longa duração - não superiores a três meses, não superiores a três anos e as que excedem este limite.
Uma tal distinção está claramente reconhecida ou pressuposta, para diversos efeitos, no direito penal vigente. Ao limite de seis meses de pena de prisão ligam-se o princípio da sua substituição-regra por multa (artigo 43º, nº 1 do CP/82), a possibilidade de dispensa de pena (artigo 75º, nº 1) e de libertação condicional (artigo 61º, nº 1) e, no plano processual, a admissibilidade do processo sumaríssimo (artigo 392º CPP/87). O limite de três anos, por sua vez, está conexionado com a possibilidade de suspensão da pena ou de sujeição a regime de prova (artigos 48º, nº 1 e 53º, nº 1), e bem assim com determinadas implicações no plano processual (artigos 14º, nº 2, alínea b), 200º, 201º, 202º, alínea b), 288º, nº 1 e 344º, nº 3, alínea c) do CPP).

Ao tema da consulta, como se verá, importa apenas a consideração da pena privativa de liberdade com limite superior a seis meses, a executar como tal, segundo as regras próprias fixadas para a execução das penas privativas da liberdade.
2. "A execução das penas de prisão é regulada em legislação especial, na qual são fixados os deveres e os direitos dos reclusos", dispõe o artigo 42º do Código Penal.
A disciplina fundamental nesta matéria consta do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto (7, que constitui um verdadeiro código de execução das reacções criminais de natureza detentiva - penas e medidas de segurança privativas de liberdade, "cujas ideias mestras se casam completamente com as concepções político-criminais básicas do CP/82 em matéria de pena de prisão" (8(9.
O problema da execução das reacções criminais detentivas foi sentido nas últimas décadas com particular intensidade na generalidade dos países, desenvolvendo-se esforços, no âmbito das organizações internacionais, no sentido da codificação das exigências mínimas que todas as legislações deveriam aceitar em matéria de execução das sanções privativas de liberdade. Produto desses esforços foi a elaboração das Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisioners no 1º Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento do Delinquente (1955), a aprovação de uma nova redacção destas Regras Mínimas em Outubro de 1973 pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa e a Recomendação nº R(87)3 deste órgão sobre as Regras Penitenciárias Europeias (10.
Segundo FIGUEIREDO DIAS, uma comparação atenta das disposições do Decreto-Lei nº 265/79 com estas regras revela que aquelas respondem às exigências destas - e, em alguns outros pontos, notoriamente as ultrapassam. Existe nomeadamente um acordo absoluto entre o Decreto-Lei nº 265/79 e as Regras Penitenciárias Europeias sobre o ponto que estas quiseram antes de tudo esclarecer: o de que a privação de liberdade deve em todos os casos ser levada a cabo em condições morais e materiais que garantam o respeito pela dignidade do homem (regra 1.) (11.
Na abordagem introdutória sobre a execução das medidas privativas de liberdade, dois temas relevam fundamentalmente: o problema das finalidades da execução e a questão da posição jurídica do recluso durante a execução.
As finalidades da execução estão definidas no artigo 2º do Decreto-Lei nº 265/79. No nº 1 declara que "a execução das medidas privativas de liberdade deve orientar-se de forma a reintegrar o recluso na sociedade, preparando-o para, no futuro, conduzir a sua vida de forma socialmente responsável. sem que pratique crimes", acrescentando o nº 2 que "a execução serve também a defesa da sociedade, prevenindo a prática de outros factos criminosos".

Da perspectiva da lei resulta, assim, que a finalidade essencial da execução é a prevenção especial de socialização, finalidade que na síntese de FIGUEIREDO DIAS (12, se traduz concretamente em oferecer ao recluso as condições objectivas necessárias, não à sua emenda ou reforma moral, sequer a determinar a aceitação ou reconhecimento por aquele dos critérios de valor de ordem jurídica, mas à 'simples' prevenção da reincidência por reforço dos standards de comportamento e de interacção na vida comunitária (condução da vida 'de forma socialmente responsável')" (13.

As finalidades enunciadas (sendo que a exigência geral-preventiva do nº 2 do artigo 2º do diploma de execução limita a consecução da finalidade socializadora primária) concretizam-se, no sistema instituído pelo diploma, pelo desenvolvimento do princípio da "vocação educativa da pena", "por contraposição às doutrinas neo-clássicas dos fins essencialmente retributivos, expiatórios e de segregação do delinquente", e pela criação "das bases de um regime penitenciário humano e flexível, que não esteja vinculado a qualquer escola ou orientação pré-determinada. Por isso é utilizada a expressão reintegração social do recluso" (14.

Quanto à posição jurídica do recluso na execução, a nota fundamental reside na consideração deste, não mais como objecto, mas antes como sujeito da execução, podendo falar-se, a propósito da sua posição jurídica, como titular de direitos em relação ao Estado, em dimensão negativa e positiva do estatuto do recluso: aquela, como defesa legal perante os poderes públicos, integrada pelos direitos fundamentais 'clássicos'; esta, como estatuto de reintegração social, integrada "por um conjunto de direitos positivos cujo conteúdo ao legislador coube determinar" (15.

Assim, o artigo 4º do Decreto-Lei nº 265/79 dispõe no nº 1 que "o recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais do homem, salvas as limitações resultantes do sentido da sentença condenatória, bem como as impostas em nome da ordem e da segurança do estabelecimento" e o nº 2, conformando a dimensão positiva do estatuto, determina que o recluso "deve ter direito a um trabalho remunerado, aos benefícios da segurança social, assim como, na medida do possível, ao acesso à cultura e ao desenvolvimento integral da sua personalidade".

Conforme se expressa FIGUEIREDO DIAS (16, "ao preceito citado já não se encontra subjacente uma visão do recluso - típica, de alguma forma, do Estado-de-Direito liberal - como alguém submetido a uma 'relação especial de poder', em nome da qual lhe podiam ser discricionariamente limitados ou negados direitos fundamentais. A visão do recluso, promovida de certo modo pela cláusula da estadualidade de direito social, é agora a de uma pessoa sujeita a um mero 'estatuto especial', jurídico-constitucionalmente credenciado (CRP, artigo 27º, nº 2) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os direitos fundamentais, à excepção daqueles que seja indispensável sacrificar ou limitar (e só na medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-constitucional credenciou o estatuto especial respectivo" (17.
3. Assim, a reforma do sistema de execução das medidas privativas da liberdade instituída pelo Decreto-Lei nº 265/79, parte da ideia da corrigibilidade de todos os condenados, sem afectar as ideias de prevenção impostas pela defesa social, ideia que "corresponde a uma nobre tradição do nosso direito" (18.

As medidas que institui na prossecução deste programa, estão, por sua vez, pré-ordenadas a regras que as disciplinam, afastando a intervenção e desenvolvimentos arbitrários na execução.

Conforme se afirma no preâmbulo, "a flexibilidade que se dá à execução das medidas privativas de liberdade, o regime das licenças de saída, já entre nós ensaiado, os planos de tratamento, a preocupação de garantir a defesa dos reclusos, que logo se mostra na estruturação da sua vida intramuros - regulamentação da correspondência e visitas, o chamado 'ar fresco' que entra no estabelecimento -, as atenções devidas ao trabalho, formação e aperfeiçoamento profissionais, a ocupação dos tempos de lazer dos reclusos, a assistência religiosa, espiritual e médico-sanitária, se, por um lado, se aperfeiçoam e se concretizam, têm sempre lugar, por outro, no quadro de regras de disciplina não arbitrária, mas regulada de forma, tanto quanto possível, vinculada" (19.

Alguns grandes princípios programáticos sobre a execução das medidas privativas de liberdade estão presentes no sistema instituído pelo Decreto-Lei nº 265/79.

O tratamento dos reclusos com justiça e humanidade, a consideração de que continuam a fazer parte da sociedade livre e, por isso, devem merecer a ajuda da comunidade na sua reintegração social, a fixação do regime dos estabelecimentos de modo a procurar atenuar as diferenças entre a privação de liberdade e a vida livre, a colaboração dos reclusos nos programas a estabelecer e a garantia de que os reclusos são titulares de todos os direitos da pessoa, excepto dos que forem incompatíveis com a privação da liberdade, são princípios essenciais da filosofia do diploma, e, por isso, elementos de consideração na análise e interpretação das suas normas.

III

1. No direito de execução das medidas privativas de liberdade, "impropriamente chamado direito penitenciário" (20, há um âmbito integralmente jurisdicionalizado para controlo de domínios relevantíssimos da execução. Trata-se de um domínio recentemente adquirido (21, "por obra de evolução sofrida no âmbito da própria concepção jurídico-política do Estado, arrancado ao senhorio das chamadas 'relações especiais de poder, (...), do 'não direito' ou dos 'espaços livres de direito' onde, em vez de 'direitos' face ao Estado, o indivíduo unicamente podia arvorar 'privilégios".

A intervenção jurisdicionalizada no sistema de execução das penas, rectius, na execução das medidas privativas de liberdade, nos incidentes de execução, prende-se com a questão da interacção entre os diversos órgãos ou instâncias de administração da justiça penal, e com os diferentes critérios de avaliação de cada uma das instâncias, com as consequentes resistências à coordenação e integração dos diversos subsistemas.

A ideia de eficiência máxima, pressuposta numa integração absoluta, submetida a um sistema de direcção única, conduziria à supressão dos "freios e contrapesos" (22essenciais à liberdade do homem e das liberdades fundamentais indispensáveis num Estado de Direito democrático. "Quer isto dizer que uma fragmentação funcional é indispensável para a identificação das estratégias que visam melhorar as relações entre os diferentes órgãos do sistema de justiça penal" (23.

Diferentes critérios de avaliação, 'antagonismos' derivados de avaliações diferentes das questões submetidas em cada momento a cada uma das instâncias intervenientes no sistema, podem revelar-se particularmente salientes na aplicação e execução de uma pena, dada a diversidade de fins e de elementos de avaliação prevalecente num e noutro momento.

É, pois, numa perspectiva de coordenação, de equilíbrio de limites, de minoração da desfuncionalidade no sistema de execução, e de protecção dos direitos dos reclusos, que se situa o espaço jurisdicional da execução, aquisição relativamente recente do direito de execução das reacções penais.

A instituição do controlo judiciário da execução das penas, com efeito, desenvolve-se essencialmente na segunda metade do século XX, propagando-se como um fenómeno de contágio e de imitação legislativa (24.

No estádio actual de uma evolução marcada pela dialéctica dogmática e prática entre a intervenção judicial e as funções executórias e materiais da administração penitenciária, o controlo judiciário da execução das penas insere-se e prolonga a fase última do processo de promoção e protecção dos direitos individuais, característica da política criminal moderna.

O juiz de execução das penas, instância judicial de controlo de execução das reacções criminais, constitui, no momento actual de evolução da instituição, mais do que um magistrado que acompanhe a fase de execução, designadamente das medidas privativas de liberdade, um sistema judicial de defesa do estatuto do recluso, permitindo-lhe, quando se sinta prejudicado, recorrer a uma instância protectora dos seus direitos, e, nesta mesma perspectiva de protecção, decidir das modificações ou alterações relevantes e essenciais no estatuto jurídico do recluso durante a execução da medida (25.

2. A Lei nº 2000, de 16 de Maio de 1944, criou os tribunais de execução das penas, delimitou-lhes a competência e estabeleceu alguns princípios relativos à nova forma de processo que a jurisdicionalização da execução exigia.

O Decreto-Lei nº 34553, de 30 de Abril de 1945, veio regular a organização e competência dos tribunais de execução das penas - "competência para proferir as decisões destinadas a modificar ou substituir as penas ou medidas de segurança no tempo do seu cumprimento, tanto na duração como no regime prisional, se por lei não pertencessem a qualquer outro tribunal" (26-, tendo sido criado um tribunal com sede em Lisboa e jurisdição em todo o País (artigo 1º).

O Decreto-Lei nº 783/76, de 29 de Outubro, por sua vez, estabelece a orgânica, funcionamento e competência dos tribunais de execução das penas, consagrando a intervenção directa de uma magistratura especializada no cumprimento das penas e medidas de segurança privativas de liberdade e na reintegração social dos condenados (27.

Como se refere no preâmbulo, "o juiz prolonga a acção do poder judicial na fase do tratamento penitenciário, atenuando a descontinuidade que tradicionalmente tem existido entre julgamento e condenação, por um lado, e actuação penitenciária dirigida à reintegração social do recluso, pelo outro.

"A intervenção do juiz efectiva-se nas visitas, pelo menos mensais, que fará aos estabelecimentos, nos contactos regulares com os presos, na participação em conselhos técnicos em que se apreciem decisões de particular importância para os reclusos, na revisão periódica dos progressos feitos no sentido da liberdade condicional e vigiada, na concessão da medida inovadora da saída precária prolongada, na reapreciação anual do internamento dos inimputáveis perigosos e, já na fase pós-institucional, na coordenação das actividades de assistência social exercida em benefício dos libertados.

"Garantindo aos reclusos o acesso a uma entidade independente, pensou-se que beneficiaria o clima dos estabelecimentos e que se estimularia a adesão dos presos ao processo da sua reintegração social. Nesta medida, crê-se que a autoridade da administração penitenciária não sairá diminuída com a colaboração do poder judicial".

Nos artigos 22º e 23º o diploma fixou, respectivamente, a competência do tribunal de execução das penas e do juiz do tribunal de execução das penas (28.

No tocante à competência do tribunal de execução das penas, a intervenção sobre as medidas privativas de liberdade a executar, traduzia-se, essencialmente, em decidir sobre a alteração e ou cessação do estado de perigosidade criminal e a modificação ou substituição das penas ou medidas de segurança, em curso de execução.

Quanto à competência do juiz do tribunal de execução das penas, importava destacar - nº 4 do referido artigo 23º - a de "conceder e revogar saídas precárias prolongadas".

No tocante a essas saídas precárias, dispôs o Decreto-Lei nº 783/76:
"Artigo 34º - Aos condenados a penas e medidas de segurança privativas da liberdade de duração superior a seis meses podem ser autorizadas saídas precárias prolongadas quando tenham cumprido um quarto da pena ou seis meses da medida de segurança e se entenda que esta providência favorece a sua reintegração social.
"Artigo 35º - O período da saída precária prolongada é fixado por tempo não superior a oito dias e a sua concessão pode ser renovada de seis em seis meses.
"Artigo 36º-1. A saída precária prolongada obedece a condições a fixar para cada caso.
2. O tempo da saída precária prolongada não é descontado no cumprimento da pena ou da medida de segurança, salvo o que vai disposto nos artigos seguintes".
Actualmente a competência dos Tribunais de Execução das Penas (que são tribunais de competência especializada) encontra-se fixada nos artigos 68º e 69º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro - Lei Orgânica dos Tribunais judiciais.
Dispõem:
Artigo 68º
Competência
"Compete aos tribunais de execução das penas decidir sobre a modificação ou substituição das penas ou medidas de segurança, em curso de execução, e em especial:
a) Exercer jurisdição em matéria de execução de pena relativamente indeterminada;
b) Decidir sobre alterações do estado de perigosidade criminal anteriormente declarado relativamente a imputáveis;
c) Decidir sobre alteração de medidas de segurança aplicadas a delinquentes anormais perigosos;
d) Decidir sobre a cessação do estado de perigosidade criminal;
e) Conceder a liberdade condicional e decidir sobre a sua revogação;
f) Conceder e revogar a reabilitação dos condenados em quaisquer penas;
g) Apreciar da necessidade de perícia psiquiátrica suscitada no decurso da execução da pena ou de medida de segurança privativa de liberdade, ordenar as providências adequadas e proferir decisão;
h) Decidir sobre o cancelamento provisório no registo criminal de factos ou decisões nele inscritos;
i) Emitir parecer sobre a concessão e decidir sobre a revogação de indulto, bem como fazer a sua aplicação, e aplicar a amnistia e o perdão genérico sempre que os respectivos processos se encontrem na secretaria, ainda que transitoriamente".
Artigo 69º
Competência do juiz
"Sem prejuízo das funções jurisdicionais previstas no artigo anterior, compete ao juiz do tribunal de execução das penas:
a) Visitar os estabelecimentos prisionais da respectiva circunscrição, a fim de tomar conhecimento da forma como estão a ser executadas as condenações;
b) Apreciar, por ocasião da visita, as pretensões dos reclusos que para o efeito se inscrevam em livro próprio, ouvindo o director do estabelecimento;
c) Conhecer dos recursos interpostos pelos reclusos de decisões disciplinares que apliquem sanção de internamento em cela disciplinar por tempo superior a oito dias;
d) Conceder e revogar saídas precárias prolongadas;
e) Convocar e presidir ao conselho técnico dos estabelecimentos, sempre que o entenda necessário ou a lei o preveja;
f) Exercer as demais atribuições conferidas por lei."
Do elenco de competências (do Tribunal e do juiz) ressalta, assim, a jurisdicionalização das decisões sobre a modificação ou substituição das penas e medidas de segurança em curso de execução (pena relativamente indeterminada, liberdade condicional, alteração de estado de perigosidade - modificações essenciais no estatuto jurídico de recluso -, por um lado, e, por outro, a função de garante imediato dos direitos dos detidos nas relações destes com a administração penitenciária, isto é, da protecção de direitos a exercer na relação jurídica perante a administração e que não supõem uma modificação essencial ou substancial no respectivo estatuto.

IV

1. A execução das medidas privativas de liberdade, as finalidades da execução, os meios e formas respectivas e a definição do estatuto jurídico do recluso constam actualmente, como se referiu, do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto.
Para além das disposições gerais já mencionadas que interessam à definição das finalidades da execução e dos princípios rectores da posição jurídica do recluso na execução das medidas privativas de liberdade, dispõe-se neste diploma, na parte que releva para a economia do parecer:
"Artigo 3º- 1. ..............................
2. Tanto quanto possível, aproximar-se-á a execução das condições da vida livre, evitando-se as consequências nocivas da privação de liberdade.
3. Na modelação da execução das medidas privativas de liberdade não devem ser criadas situações que envolvam sérios perigos para a defesa da sociedade ou da própria comunidade prisional.
4. A execução deve, tanto quanto possível, estimular a participação do recluso na sua reinserção social, especialmente na elaboração do seu plano individual, e a colaboração da sociedade na realização desses fins.
5. ....................................".
"Artigo 8º -1. Após o ingresso, quando a duração da pena o justifique, mas sempre que a parte ainda não cumprida da medida privativa de liberdade seja superior a seis meses, ou no caso de pena relativamente indeterminada, dar-se-á início à observação sobre a personalidade e sobre o meio social, económico e familiar do recluso.
2. A observação terá por objecto averiguar todas as circunstâncias e elementos necessários a uma planificação do tratamento do recluso, durante a execução da medida privativa de liberdade, e à sua reinserção social, após a libertação.
3. .........................................".
"Artigo 9º -1. O plano individual de readaptação é elaborado com base nos resultados da observação referida no artigo anterior.
2. Do plano individual de readaptação deverão constar, pelo menos, as seguintes indicações:
a) Internamento em regime aberto ou fechado;
........................................
h) Medidas de flexibilidade na execução;
i) Medidas de preparação de libertação;
3. No decurso do cumprimento da medida privativa de liberdade deverão ser feitas as modificações no plano de readaptação que o progresso do recluso e outras circunstâncias relevantes exigirem.
............................................".
"Artigo 14º -1. O recluso que não reúna as condições referidas no nº 2 é internado em estabelecimento fechado.
2. O recluso pode ser internado, com o seu consentimento, num estabelecimento ou secção de regime aberto, quando estejam preenchidos os pressupostos deste, isto é, quando não seja de recear que ele se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir.
3. O recluso pode também ser internado num estabelecimento de regime fechado, ou regressar a este, quando isso se revelar necessário ao seu tratamento ou sempre que pelo seu comportamento se mostrar que não satisfaz as exigências do regime aberto.
4. O internamento em regime fechado é executado em condições de segurança capazes de prevenir o perigo de evasão dos reclusos.
5. O internamento em regime aberto é executado prescindindo-se, total ou parcialmente, de medidas contra o perigo de evasão dos reclusos".
"Artigo 15º -1. A fim de preparar a libertação pode:
a) Transferir-se o recluso para um estabelecimento ou secção de regime aberto;
b) Recorrer-se às medidas de flexibilidade na execução prevista no artigo 58º;
c) Autorizar-se o recluso a sair do estabelecimento pelo período máximo de oito dias, sem custódia, durante os últimos três meses do cumprimento da pena;
d) Autorizar-se o recluso que trabalhe ou frequente locais de ensaio no exterior a sair do estabelecimento seis dias por mês, seguidos ou interpolados, sem custódia, nos últimos nove meses do cumprimento da pena.
2. ..........................................
3. ........................................".
Artigo 49º
Competência para a concessão de licenças de saída
"1. Compete ao juiz do tribunal de execução das penas conceder e revogar as licenças de saída prolongadas.
2. A concessão das licenças de saída prolongadas pode condicionar-se à consulta de autoridades diferentes das penitenciárias.
3. Compete à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais ou ao director do estabelecimento conceder as outras licenças de saída previstas neste título" (29.
"Artigo 50º -1. As licenças de saída do estabelecimento não são um direito do recluso e na sua concessão deve tomar-se em conta:
a) Natureza e gravidade da infracção;
b) Duração da pena;
c) Eventual perigo para a sociedade do insucesso da aplicação da medida;
d) Situação familiar do recluso e ambiente social em que este se vai integrar;
e) Evolução da personalidade do recluso ao longo da execução da medida privativa de liberdade.
2. ......................................
4. As licenças de saída podem obedecer a condições a fixar para cada caso" (30.
"Artigo 52º - As licenças de saída prolongadas não podem ser concedidas relativamente a:
a) Reclusos sujeitos a prisão preventiva;
b) Reclusos em cumprimento de penas de duração inferior a seis meses;
c) Reclusos em regime de semidetenção;
d) Internados em centros de detenção com fins de preparação profissional acelerada;
e) Internados em estabelecimentos de segurança máxima".
.............................................
"Artigo 58º -1. A fim de tornar a execução das medidas privativas de liberdade mais flexível, nomeadamente nos aspectos referentes ao restabelecimento de relações com a sociedade, de forma geral e progressiva, pode o recluso internado em estabelecimento ou secção de regime aberto ser autorizado pela Direcção-Geral, sob proposta do respectivo director:
a) A sair do estabelecimento, com ou sem custódia, a fim de trabalhar ou frequentar estabelecimentos de ensino e aperfeiçoamento profissional;
b) A sair do estabelecimento durante determinadas horas do dia, com ou sem custódia.
2. As medidas de flexibilidade na execução só podem ser concedidas se não for de recear que o recluso se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tais benefícios lhe proporciona para delinquir, desde que a concessão da licença de saída não prejudique seriamente a segurança e a ordem públicas, nem ponha em causa as razões de prevenção geral e especial que sempre cabem à execução das medidas privativas de liberdade".
Artigo 59º
Licenças de saída prolongadas
1. Ao recluso internado em estabelecimento ou secção de regime aberto pode ser concedida uma licença de saída prolongada, depois de ter cumprido seis meses da medida privativa de liberdade, ou um quarto da pena, se este prazo lhe for mais favorável, durante um máximo de dezasseis dias por ano, seguidos ou interpolados.
2. No caso de se tratar de delinquentes primários, as licenças de saída prolongadas podem ser concedidas uma vez cumpridos dois meses da respectiva medida.
"Artigo 60º - O recluso internado em estabelecimento ou secção de regime aberto pode ser autorizado pelo respectivo director a sair, sem custódia, pelo prazo máximo de quarenta e oito horas, uma vez em cada trimestre".
..................................................
"Artigo 62º-A. O recluso pode ser autorizado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais a sair do estabelecimento, sob custódia, por tempo não superior a doze horas, quando deva comparecer em juízo ou por outro motivo justificado, nomeadamente sérias razões familiares ou profissionais que não sejam incompatíveis com a ordem e a segurança públicas".
"Artigo 62º -B. A fim de preparar a libertação, pode a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, sob proposta do director do estabelecimento, autorizar as saídas previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 15º".
2. Como se extrai da disciplina constante das normas transcritas, as medidas de execução previstas nos artigos 49º e seguintes prosseguem uma finalidade essencial do sistema: evitar o corte total do recluso com o meio exterior, garantindo o contacto com a vida fora do estabelecimento, necessário ao objectivo socializador e de preparação gradual para a vida em liberdade.
As licenças de saída, definidas nos artigos 59º e 60º (prolongadas ou de curta duração) são concedidas a reclusos relativamente aos quais se verifiquem os pressupostos enunciados - uns de natureza objectiva, outros de natureza subjectiva, destacando-se entre estes a evolução da personalidade do recluso ao longo da execução da medida privativa de liberdade.
Traduzem-se estas medidas numa autorização de saída do estabelecimento, sem custódia e por períodos de maior ou menor duração (até dezasseis dias por ano, seguidos ou interpolados, no caso de licença de saída prolongada, ou até quarenta e oito horas, uma vez em cada trimestre, no caso de licenças de saída de curta duração), durante os quais o recluso pode contactar com a vida livre, viver fora do estabelecimento, particularmente no respectivo ambiente familiar, aproximando-se, assim, tanto quanto possível, das condições de vida livre, evitando-se as consequências nocivas da privação de liberdade.
Entre as medidas desta espécie, prevêem-se no artigo 58º as designadas 'licenças de saída de estabelecimento ou secção de regime aberto', subordinando-se a disposição à epígrafe "flexibilidade na execução" (31.
A medida prevista nesta disposição, que pretende prosseguir uma finalidade de restabelecimento das relações do recluso com a sociedade de forma geral e progressiva, consiste numa autorização de saída do estabelecimento, com determinada duração e com prefixadas finalidades, durante certas horas do dia.
A saída pode ser autorizada com ou sem custódia (dependendo, naturalmente, da avaliação das condições pessoais do recluso e de um juízo de prognose sobre o efeito da medida) e destina-se a permitir ao recluso desenvolver fora do estabelecimento uma actividade laboral, ou frequentar estabelecimentos de ensino ou de aperfeiçoamento profissional.
Autorizada a saída sem custódia, o regime previsto aproxima-se, ou equipara-se ao regime designado de semi-liberdade (32, que tem como elementos caracterizadores a permanência do recluso durante parte do tempo e durante a noite no interior do estabelecimento e, durante certas horas do dia, pré-estabelecidas - o horário laboral ou escolar - fora do estabelecimento para desenvolver uma actividade no exterior, que constitui o elemento fundamental e a razão de ser da autorização de saída.
Todavia, para além da avaliação dos pressupostos gerais quanto à concessão das licenças de saída (artigo 50º, nº 1 e alíneas do Decreto-Lei nº 265/79), esta medida de 'flexibilização' na execução da medida privativa da liberdade só pode ser concedida se não for de recear que o recluso se subtraia à execução, se não forem de recear riscos de reincidência e desde que a concessão da licença não prejudique seriamente a segurança e a ordem públicas, nem ponha em causa as razões de prevenção geral e especial que sempre cabem à execução das medidas privativas de liberdade.
A natureza das medidas previstas nos artigos 49º e segs. do referido diploma, apreendida na intersecção conceitual com a medida privativa de liberdade, estará, naturalmente, tributária da respectiva conformação normativa através dos elementos pré-fixados na lei; a qualificação como medidas de flexibilização da execução, a afirmação legal expressa de que não constituem um direito do recluso e a possibilidade de condicionamento caso a caso (33- artigo 50º, nº 1 e 4.
3. A entrada do condenado em qualquer dos estabelecimentos destinados à execução das medidas privativas de liberdade, faz-se por mandado do juiz competente - artigo 474º do Código de Processo Penal (34.
A exigência de mandado para dar entrada em estabelecimento prisional constitui uma garantia da legalidade da pena de prisão, e traduz um natural desenvolvimento, numa perspectiva garantística, do princípio constitucional inscrito no artigo 27º, nº 2 da Constituição da República.
A execução das reacções criminais deve, por outro lado, como regra, ocorrer imediatamente ao trânsito em julgado das decisões que as imponham, e aquelas devem ser executadas de modo contínuo - princípios da execução imediata e da continuidade (35, que se justificam na necessidade de assegurar a natureza exemplar da condenação e em razão de eficácia da repressão penal.
No que se refere à execução de medida privativa de liberdade, a consideração do princípio da continuidade apresenta, todavia, algum abrandamento determinado pela necessidade de obviar aos malefícios que um prolongado e total afastamento da convivência em sociedade e do contacto com a vida em liberdade sempre produz. Daí, como se salientou, a justificação das medidas de flexibilidade previstas no diploma sobre execução: neste sentido e nesta finalidade se devem, pois, considerar as referidas e analisadas 'licenças de saída' do estabelecimento - a compatibilização e a concordância prática entre princípios gerais e as exigências individualizadas colocadas pela evolução da situação, das condições, das perspectivas, e dos resultados obtidos na execução da medida relativamente a cada recluso, perante as finalidades legalmente determinadas à execução.
A modelação da execução das medidas privativas de liberdade terá como matriz a apreciação individualizada dos diversos casos, na sequência da observação sobre a personalidade e sobre o meio social e económico do recluso, que terá lugar após o ingresso no estabelecimento e sempre que a parte a cumprir da medida seja superior a seis meses.
Na observação, averiguam-se as circunstâncias e elementos necessários à planificação da execução da medida privativa de liberdade (e à reinserção social, após a libertação), elaborando-se o plano individual de readaptação, com base nos elementos recolhidos. Esta observação é determinante para a escolha do regime de internamento (em regime aberto ou fechado, conforme as exigências de segurança) e para a programação da possibilidade e conveniência da aplicação de medidas de flexibilidade na execução - artigos 8º e 9º do Decreto-Lei nº 265/79.

V

1. A questão colocada radica essencialmente na consideração da medida prevista no artigo 58º do Decreto-Lei nº 265/79 e pressupõe a sua definição em termos conceituais; precisando, há que determinar se tal medida constitui uma alteração, ou modificação da medida privativa de liberdade, ou se, antes, deve ser qualificada no âmbito conceitual desta medida, como uma modalidade, legalmente prevista, da respectiva execução.
Alguns elementos de comparação conceitual com outras figuras podem auxiliar na compreensão do problema.
A começar pela análise da assimilação ou diferenciação entre a chamada 'semi-liberdade' e o regime de semidetenção.
2. Nos termos do artigo 45º, nº 1 do Código Penal, a pena de prisão não superior a três meses que não deva ser substituída por multa nem cumprida por dias livres pode ser executada em regime de semidetenção, se o condenado der o seu consentimento.
O regime de semidetenção, de acordo com o disposto no nº 2, consiste numa privação de liberdade que permita ao condenado prosseguir a sua actividade profissional normal, a sua formação profissional ou os seus estudos, por força de saídas estritamente limitadas ao cumprimento das suas obrigações.
O regime previsto no artigo 45º do Código Penal, com os seus limites e pressupostos, constitui, segundo o pensamento político-criminal do Código Penal de 1982, mais ou diferentemente do estabelecimento de uma modalidade específica de execução da pena de prisão, uma categoria conceitual autónoma (uma 'nova' pena), diferente da prisão e multa (penas principais), traduzindo uma "pena de substituição, uma "verdadeira pena", como tal com um conteúdo autónomo de censura medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (36.
O regime de semidetenção, como outras categorias previstas no regime sancionatório do Código Penal (prisão por dias livres - artigo 44º, regime de prova - artigo 53º) conforma, com efeito, "uma categoria nova, com o seu sentido e a sua teleologia próprias: a categoria das penas de substituição. Penas estas que, podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, radicam todavia, tanto histórica como teleologicamente, no (...) movimento político.criminal de luta contra a aplicação de penas privativas de liberdade, nomeadamente de penas curtas de prisão" (37.
A natureza e a categoria dogmática de pena de substituição do regime de semidetenção previsto no artigo 45º do CP, manifestam-se, também, no sistema de execução.
Dispõem, com efeito, os artigos 485º e 486º do Código de Processo Penal (38:
-"Artigo 435º
"1. A decisão que fixar o cumprimento da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção especifica os elementos necessários à sua execução, incluindo a data de início desta.
2. O tribunal envia imediatamente aos serviços prisionais cópia de sentença a que se refere o número anterior. Nos dez dias imediatos, os serviços prisionais comunicam ao tribunal o estabelecimento em que a pena deve ser cumprida, devendo indicá-lo de modo a facilitar a deslocação do condenado.
3. O tribunal entrega ao condenado cópia da decisão condenatória e guia de apresentação no estabelecimento prisional onde a pena deve ser cumprida.
4. O início da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção pode ser adiado, mediante autorização do tribunal, pelo tempo que parecer razoável, mas nunca excedente a três meses, por razões de saúde do condenado ou da sua vida profissional ou familiar".
Artigo 486º
"1. As entradas e saídas do estabelecimento prisional são anotadas em processo individual do condenado.
2. Não são passados mandados de condução nem de libertação.
3. As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal. Se o tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder à diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura.
4. As apresentações tardias, com demora não excedente a três horas, podem ser consideradas justificadas pelo director do estabelecimento prisional, depois de ouvido o condenado".
Verifica-se, assim, que a conformação desta "pena de substituição", com um conteúdo autónomo de censura (pena não superior a três meses, que não deva ser cumprida em dias livres ou substituído por multa), resulta inteiramente da sentença de condenação, que especifica logo os elementos necessários à execução. A avaliação do juízo de censura que determina a escolha concreta deste tipo de pena não se desliga de condições de execução; por isso, se o condenado faltar às obrigações que lhe são impostas, a modificação essencial depende de um novo juízo perante os motivos que, como razão, sejam invocados.
Além disso, os interesses profissionais e familiares do condenado são tidos em conta, não há mandados de captura, mas simples guia de apresentação, e anotação das entradas e saídas do estabelecimento prisional. Fora do estabelecimento, o condenado desenvolve livremente e sem entraves a sua vida, sem vigilância, controle ou qualquer limitação ou sujeição, quer ao tribunal, quer aos serviços da administração prisional.
3. Pese embora a semelhança formal, o sistema previsto no artigo 58º do Decreto-Lei nº 265/79, (semi-liberdade) é essencialmente diferente, nos planos material e jurídico, do regime de semidetenção.
Como a lei expressamente refere, trata-se de um espaço de flexibilidade na execução das medidas privativas de liberdade, de aplicação ou concessão subordinada a limites precisos e rigorosos - pressupostos objectivos e subjectivos e juízos de prognose (artigos 50º, nº 1, 52º a 58º, nº 2 do referido diploma).
As licenças de saída autorizadas ao recluso a fim de trabalhar ou frequentar estabelecimentos de ensino ou de aperfeiçoamento profissional, aplicam-se a reclusos condenados em pena de prisão e integram uma fase, inicialmente prevista ou posteriormente considerada, do plano traçado relativamente a cada caso, produto de observação do recluso, da sua evolução e das vantagens ressocializadoras inerentes ao restabelecimento de relações com a sociedade.
Fora do estabelecimento, o recluso não se assume, jurídica e materialmente, com liberdade incondicionada. As condições em que trabalhe, e os estabelecimentos de ensino que frequente, são consideradas necessariamente na aplicação do plano, e o resultado obtido constitui elemento relevante da evolução posterior. Mantém-se uma ligação jurídica e material entre o recluso e o estabelecimento prisional: juridicamente, o recluso mantêm integralmente o respectivo estatuto, cumprindo ainda, e nesta fase, uma medida privativa de liberdade.
Durante a saída para o exterior, nas formas e nas condições autorizadas, o recluso não se considera à margem do seu estatuto, devendo ser portador de elementos susceptíveis de fornecer dados sobre a sua situação - artigo 50º, nº 3 do Decreto-Lei nº 265/79.
Na licença de saída do estabelecimento (diga-se, semi-liberdade), o estado detentivo continua a permanecer, ainda que diariamente intervalado pelo contacto com o ambiente externo; constitui, por isso, uma especial modalidade de execução, uma fase da execução da pena privativa de liberdade (39.
A semidetenção, como verdadeira medida alternativa à prisão, diferentemente, implica apenas a obrigação do condenado de permanecer parte do dia e a noite no estabelecimento prisional, sendo indiferente o emprego, ou o modo como emprega o tempo residual (40. A semiliberdade supõe um estado de detenção prévia e significa um passo na evolução da privação da liberdade para a liberdade plena, enquanto que a semidetenção pressupõe um estado de liberdade, em relação ao qual constitui uma limitação (41.

VI


1. Os elementos doutrinais recolhidos e a análise do regime legal das "licenças de saída', e particularmente da medida prevista no artigo 58º, do Decreto-Lei nº 265/79, permitem concluir que, enquanto aplicável aos reclusos que possam seguir tal medida, não contende com a natureza da pena ou medida de segurança em curso de execução, de que constitui, apenas, uma fase normativamente delimitada da respectiva execução.

Feita esta delimitação, importa, então, numa perspectiva de análise positiva, aproximar as normas sobre a concessão da medida do regime da competência (de coordenação de competências), na fase de execução, do tribunal (e do juiz) de execução das penas e da administração prisional.

A intervenção jurisdicional na fase de execução, como se salientou, inscreve-se historicamente no âmbito da protecção e defesa do estatuto positivo do recluso, e na decisão sobre as modificações ou alterações essenciais do respectivo estatuto durante a execução da medida privativa de liberdade.

A competência do Tribunal de Execução das Penas abrange, como está definido no artigo 68º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, a decisão sobre a modificação ou substituição das penas ou medidas de segurança em curso de execução, enumerando-se nas alíneas a), b), c), d) e e) alguns casos de modificação substancial do estatuto do recluso em que se concretiza a fórmula de definição da competência.

Não constituindo a licença de saída do estabelecimento, em termos jurídicos e materiais, senão um modo, uma fase, um estádio de execução da própria medida privativa de liberdade, que não modifica, e muito menos em termos substanciais, a natureza desta, não traduz também uma alteração da posição jurídica do recluso, nem quanto ao conteúdo dos seus direitos, nem quanto à extensão dos respectivos deveres.

Em termos positivos, não está, assim, incluída na competência do tribunal de execução das penas.Com efeito, se a aludida licença prevista no artigo 58º do Decreto-Lei nº 265/79 pudesse ser qualificada como 'modificação da pena', então a competência radicaria no tribunal de execução das penas, devendo a regra da competência administrativa fixada no artigo 49º, nº 3 daquele diploma ser considerada revogada pelo disposto no artigo 68º da Lei nº 38/87.
2. Para além das funções jurisdicionais da competência do tribunal de execução das penas, ao juiz deste tribunal são cometidas outras funções mais directamente conexionadas com a posição de instância protectora dos direitos do recluso, de entidade independente a quem o recluso possa dirigir-se manifestando as suas pretensões e fazendo valer os seus direitos, do que verdadeiramente com o exercício de funções materialmente jurisdicionais.
As competências do juiz, nesta dimensão interventora, estão enumeradas no artigo 69º da Lei nº 38/87, definindo-se, umas como vigilância de funcionamento do sistema, (alíneas a) e e)), outras como de apreciação equitativa e informal das pretensões dos reclusos (alínea b), e ainda outras de apreciação dos pressupostos de autorizações de saída (alínea d). Verdadeiramente, revelando o exercício de funções jurisdicionais, apenas se inscreve neste elenco de competências, a referida na alínea c) (42.

Em termos positivos, pois, também na competência do juiz do tribunal de execução das penas definida na Lei nº 38/87, se não inclui a concessão de licenças de saída do estabelecimento, mantendo-se, integralmente, lege lata, a definição do artigo 49º, nº 3 do Decreto-Lei nº 265/79.

Neste aspecto poder-se-á, porventura, constatar algum elemento disfuncional na harmonia do sistema: a competência para conceder e revogar as saídas precárias prolongadas pertence ao juiz, ao passo que a competência para autorizar a 'licença da saída do estabelecimento', qualificável no mesmo grupo conceitual, cabe à administração prisional - director-geral dos Serviços Prisionais.

Elementos históricos e de conteúdo de uma e outra medida podem, porém, ter justificado a solução.

Na verdade, a licença de saída prolongada foi medida já prevista no Decreto-Lei nº 783/76, de 29 de Outubro (artigos 34º a 38º), atribuindo-se a competência para a concessão e revogação ao juiz do tribunal de execução das penas. Por outro lado, a licença de saída prolongada apresenta-se com um conteúdo mais aberto relativamente ao recluso do que a licença de saída do estabelecimento; naquela, e pelo tempo que durar, há como que uma suspensão formal do estatuto do recluso no que concerne a deveres.

De todo o modo, mesmo relativamente à concessão e funcionamento da medida prevista no artigo 58º do Decreto-Lei nº 265/79, o juiz do tribunal de execução das penas pode ter intervenção. Esta inscreve-se na competência definida no artigo 69º, alínea a), da Lei nº 38/87 ('tomar conhecimento da forma como estão a ser executadas as condenações), podendo o juiz determinar a discussão sobre a aplicação e funcionamento da medida, usando da faculdade de convocar e presidir ao conselho técnico do estabelecimento (artigo 69º, alínea e), da Lei nº 38/87, e artigo 187º do Decreto-Lei nº 265/79).

3. A definição da competência para determinar a aplicação ou concessão de medidas de flexibilização da execução de penas (e medidas de segurança) privativas de liberdade - saídas do estabelecimento, semi-liberdade, fraccionamento da execução - tem soluções diversas em sistemas próximos.
De interesse, pois, uma perspectiva breve de direito comparado.
A aplicação de medidas semelhantes, com efeito, em diversos sistemas, pertence ora a um juiz (ou jurisdição), ora está submetida ao controle e aprovação de um juiz, ou, simplesmente, se queda no âmbito da Administração. E, não obstante a divergência sobre as competências, os vários sistemas em comparação (nomeadamente os europeus) sobre a execução das medidas privativas de liberdade consagram a definição do estatuto do recluso conforme as recomendações e os textos internacionais produzidos sobre a matéria (43
Assim, exemplos de decisão administrativa encontram-se no sistema belga e inglês; a intervenção do juiz verifica-se em França e em Itália. No regime espanhol, o juiz intervém para aprovar ou revogar uma decisão anterior da Administração sobre a matéria, enquanto que no regime penitenciário alemão se consagra o direito do recluso a fazer valer perante uma jurisdição direitos seus que considere violados pela administração penitenciária; contudo, no curso da execução, a decisão sobre a concessão da liberdade condicional é em geral jurisdicionalmente reservada (44.

VII

1. A definição da medida de flexibilização de execução das penas (e medidas de segurança) privativas de liberdade prevista no artigo 58º do Decreto-Lei nº 265/79, os pressupostos e elementos objectivos e subjectivos, e a fixação em órgão da administração da competência para a respectiva concessão, constituiram opções positivas do legislador; os motivos determinantes da opção tomada e a concretização normativa de tal opção relevam nessa dimensão, e constituem dados assentes em sede interpretativa.

Na posição em que o intérprete se tem de situar, a análise da solução não poderá ser efectuada com base em pressupostos de razoabilidade do sistema, ou de opção, mas apenas no campo de eventual (des)conformidade ao nível da Constituição.

E é, essencialmente, nesta perspectiva que o problema vem suscitado (45. Há, pois, que indagar dos limites constitucionais positivos da função jurisdicional.
2. A função jurisdicional consiste na actividade pré-ordenada à resolução de uma lide, como conflito actual de interesses, mediante a aplicação do direito ao caso concreto; o juiz intervém na aplicação do direito estabelecendo na sentença a disciplina definitiva e imutável das relações controvertidas.
Em matéria penal o conflito surge entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade do acusado (46.

No artigo 205º, nº 2, a Constituição ensaia uma definição da função jurisdicional: "na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados".

São três as áreas especialmente mencionadas (47: "a) defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (o que aponta directamente para a justiça administrativa); b) a repressão das infracções da legalidade democrática (o que aponta especialmente para a justiça criminal): c) a resolução dos conflitos de interesses públicos e privados (o que abrange principalmente a justiça civel)".

"Além das funções tipicamente jurisdicionais, tais como resultam da definição deste preceito e da densificação do conceito sedimentado na doutrina e na jurisprudência, nada impede a jurisdicionalização de funções que até certo momento se encontravam fora da função judicial" (48.

No domínio da execução das penas, a conformação de momentos substanciais do estatuto do recluso e as suas garantias foram gradualmente assumindo dignidade de intervenção judicial, podendo a lei, dentro dos limites constitucionais, judicializar em maior ou menor grau certas fases ou momentos de execução.

Há que determinar, por isso, os limites constitucionais positivos da jurisdicionalização de execução da pena, ou seja, delimitar nesta matéria a reserva judicial de intervenção.

A lei estabelece, entre outras, a competência do juiz do tribunal de execução das penas para conceder ao recluso determinadas medidas favoráveis, verificados os respectivos pressupostos - as licenças de saída prolongadas. Neste nível de análise, o problema está essencialmente em saber se a Constituição impõe que a decisão sobre todas as medidas da mesma espécie, conceitualmente idênticas ou similares, nomeadamente a 'licença de saída do estabelecimento' prevista no artigo 58º do Decreto-Lei nº 265/79 (dita 'semi-liberdade'), se faça necessariamente por via jurisdicional (49.

Em matéria de execução de decisões penais, os únicos preceitos constitucionais relevantes são, de um lado, os artigos 27º, nº 2º (título de execução), 30º, nº 5º (garantia dos direitos fundamentais dos condenados em medida privativa de liberdade, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências da respectiva execução), 30º, nº 2º, (prorrogação, sempre por decisão judicial, da medida de segurança privativa de liberdade) e, por outro, os artigos 205º, nº 2º (reserva da função judicial) e 268º, nº 4º (garantia de recurso contencioso relativamente a actos administrativos ilegais, bem como para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido).

A concessão, ou revogação, de uma 'licença de saída do estabelecimento', ou de outras medidas da mesma espécie previstas, para certos casos, como um modo de flexibilizar a execução de medida privativa de liberdade, não se inclui na reserva constitucional de jurisdição.

A execução das medidas privativas de liberdade está a cargo de serviços da Administração, especialmente constituídos para desempenhar esta função. Nesta execução, há necessariamente espaços de certa margem de discricionaridade conferidos à administração penitenciária.

A actividade exercida pela Administração, sendo embora de execução vinculada (a lei determina logo as finalidades da execução e fixa pressupostos objectivos e subjectivos de actuação), comporta uma capacidade de conformação que melhor permita uma adequação às necessidades especiais da finalidade específica que compete satisfazer.

A concessão de licenças de saída constitui precisamente um dos casos em que tal margem de discricionaridade é mais visível (50.

Tal concessão não constitui, pois, um acto que dirima interesses públicos ou privados; integra-se na definição concreta dos modos possíveis de execução (na sequência da observação e comportamento do condenado), de uma medida judicialmente definida na decisão que constitui o título de execução, e a licença de saída, nos termos em que vem legalmente prevista, não é um direito do recluso - a lei expressamente refere não ser um direito - que lhe confira protecção contenciosa contra actos administrativos ilegais.

Porém, mesmo que a concessão da medida pudesse ser considerada um direito do recluso (ou um seu interesse legalmente protegido) verificados certos pressupostos determinados na lei, a reserva constitucional de jurisdição, nos termos definidos nesta matéria, não impunha a exigência da intervenção do juiz na concessão, mas apenas exigiria a admissibilidade de impugnação contenciosa contra o acto da Administração que, ilegalmente, a denegasse ou revogasse.

E o direito de exposição, de queixa, e de interposição do recurso está legalmente consagrado aos reclusos (artigos 138º a 151º do Decreto-Lei nº 265/79), em termos amplos, instituindo a lei no artigo 139º um procedimento de defesa dos direitos do recluso no qual o juiz de execução das penas intervém numa postura de equidade, prudência e influência (51.

O recluso é notificado das deliberações que lhe digam respeito - artigo 141º, podendo apresentar aos órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, petições, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos - artigo 150º.

Neste direito dos reclusos está incluída a interposição de recurso contencioso de uma deliberação que ilegalmente o afecte.

Nos termos do artigo 151º garantem-se, esgotados os recursos internos, os direitos reconhecidos nos artigos 25º e seguintes da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (52.


CONCLUSÕES:
VIII

Termos em que se conclui:
1ª - A execução das medidas privativas de liberdade que, nos termos do artigo 42º do Código Penal é objecto do diploma próprio - o Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto -, está a cargo dos serviços da Administração especialmente constituídos para desempenhar esta função;
2ª - A jurisdicionalização da fase de execução das medidas privativas de liberdade inscreve-se historicamente no âmbito da protecção e defesa dos direitos do recluso, intervindo o juiz na decisão sobre as modificações ou alterações essênciais do estatuto do recluso durante a execução da medida;
3ª - A licença de saída do estabelecimento prevista no artigo 58º do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto, constitui um modo de flexibilizar a execução da medida privativa de liberdade, sem modificação jurídica substancial no estatuto do recluso;
4ª - A concessão da licença referida na conclusão anterior está condicionada à verificação de pressupostos objectivos e subjectivos e à não ocorrência de limites negativos legalmente previstos, mas não constitui, expressamente por imposição legal, um direito do recluso;
5ª - A concessão da licença mencionada na conclusão 3ª integra-se no plano de recuperação do recluso, constituindo um elemento essencial do plano individual na preparação do condenado para a vida em liberdade;
6ª - A decisão sobre a concessão da licença referida na conclusão 3ª não se integra no âmbito constitucional de reserva da função jurisdicional definido no artigo 205º, nº 2, da Constituição;
7ª - Os artigos 27º, nº 2º, 30º, nº 5º e 30, nº 2º da Constituição (definição do título de execução da medida privativa de liberdade, garantia dos direitos fundamentais do recluso, e exigência de decisão judicial sobre a prorrogação de medida de segurança) também não impõem a intervenção judicial na concessão da medida referida na conclusão 3ª;
8ª - Não é, assim, inconstitucional, por violação do princípio da reserva da função jurisdicional, a norma do artigo 49º, nº 3, do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto, que atribui à Direcção- -Geral dos Serviços Prisionais a competência para conceder a licença prevista no artigo 58º deste diploma.





_________________________________________________________
(1Ofício de 15 de Março de 1990.
(2Ofício de 11 de Julho de 1990.
(3Artigo 55º a 56º do Código Penal de 1886.
Cfr. EDUARDO CORREA, "Estudo sobre a evolução das penas no direito português", Separata ao vol. LIII do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, págs. 74 e segs.
(4Citou-se de FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal 2, Parte Geral, As consequências jurídicas do crime, (ed. cop.), 1988, págs. 86 e segs., que neste ponto se acompanha de perto.
(5Em casos específicos, previstos na parte especial, o limite máximo pode chegar a 25 anos, - artigo 40º, nº 3 do CP/82.
(6Acompanha-se quase textualmente FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, cit., págs. 98 e segs.
(7Com importantes modificações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 49/80, de 22 de Março.
(8FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, cit., pág. 102.
(9Um anteprojecto do diploma sobre a execução das medidas privativas de liberdade foi apreciado por este Conselho no parecer nº 63/77, de 21 de Dezembro de 1977.
(10Cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, cit., pág. 104; ANABELA RODRIGUES, A Posição Jurídica do Recluso na Execução da Pena Privativa de Liberdade, Seu Fundamento e Âmbito, Separata do volume XXIII do suplemento ao 'Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra', pág. 27, nota 74.
(11Cfr. Direito Penal, cit., pág. 104.
(12Cfr., ibidem, pág. 106.
(13Cfr., sobre a problemática das finalidades da execução (reinserção social como finalidade de execução), ANABELA RODRIGUES, A Posição Jurídica, cit., capítulo III, pág. 99 e segs.
(14Cfr., o Parecer deste Conselho nº 63/77, cit. na nota (9).
(15Cfr., ANABELA RODRIGUES, A Posição Jurídica, cit., págs. 58-59.
(16Direito Penal, cit., pág. 108-109, que se vem acompanhando.
(17Este princípio acolheu dignidade constitucional na 2ª revisão da Constituição - artigo 30º, nº 5,
(18Do preâmbulo do diploma.
(19Referem-se expressamente no relatório diversas fontes (documentação de organismos internacionais e legislação comparada) que foram tidos em conta na elaboração do diploma: as regras mínimas para o tratamento de reclusos propostas pela ONU (1985) e pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa (1973), a Resolução (73)17, adoptada pelo mesmo Comité de Ministros em matéria de tratamento de delinquentes adultos (curta duração), a Resolução (73)24, em matéria de tratamento em grupo ou em comunidade, a Resolução (76)2 sobre tratamento de reclusos condenados a penas longas, o anteprojecto da resolução sobre licenças de saída (congé pénitentiaire), elaborado em 14 de Maio de 1979 pelo 'Comité Restreint d'Experts sur les Régimes des Institutions pènitentiaires et les Congés pénitentiaires', os resultados da 11ª Conferência dos Ministros da Justiça Europeus (1978), em matéria de tratamento de reclusos estrangeiros, e, igualmente, em termos comparados, as experiências legislativas francesa, espanhola e a lei italiana de execução das penas e medidas de segurança privativas de liberdade de 1975 a e lei alemã de 1977.
A lei italiana de 25 de Julho de 1975 foi modificada pela reforma penitenciária de 10 de Outubro de 1986.
(20Cfr. ANABELA RODRIGUES, A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português, Separata do 'Boletim do Ministério da Justiça', (nº 380), págs. 6-7 e nota (5), "porque a ele se ligava a execução da prisão intra-muros, em instituições penitenciárias. Hoje, devido à renovação das concepções sobre a sua execução, o designativo correcto será o de direito de execução das medidas privativas de liberdade".
(21Acompanha-se ANABELA RODRIGUES, ibidem págs 6-7.
(22Cfr. LOPES ROCHA, Execução das Penas e Medidas de Segurança Privativas de Liberdade, in, 'Jornadas de Direito Processual Penal - O novo Código de Processo Penal, ed. CEJ, 1988, pág. 477.
(23Cfr. ANABELA RODRIGUES, A Fase de Execução, cit., pág. 9.
(24Cfr., JACQUELINE SACOTTE, Le Controle Juridictionnel de l'Execution des Peines en Droit Positif Comparé, in, 'Archives de Politique Criminelle', nº 8, 1985, págs. 103 e segs.
Nesta evolução, é considerada marcante e pioneira a experiência portuguesa da Lei de 16 de Maio de 1944 - cfr. loc. cit., pág. 111.
(25Cfr., ibidem, págs. 133-136. Cfr., também, v.g. sobre a evolução do modelo francês, DELLA CASA, "Il 'juge de l'Application das Peines' fra Sviluppo e Declinio, in, "Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Fasc. 1, Janeiro, Março (1985) e Fasc. 2, Abril-Junho (1985), págs. 40 e segs., e 424 e 426, respectivamente.
(26Do preâmbulo do diploma.
(27Acompanha-se, neste ponto, a metodologia do parecer deste Conselho nº 98/89, votado na sessão de 25 de Janeiro de 1990, que se pronunciou sobre a aplicação das 'licenças de saída' a inimputáveis em cumprimento de medida de segurança privativa de liberdade.
(28O Decreto-Lei nº 783/76, sofreu modificações introduzidas pelos Decretos-Leis nº 222/77, de 30 de Maio, e 204/78, de 24 de Julho.
(29O nº 3 do artigo 49º foi acrescentado pelo Decreto-Lei nº 49/80.
(30Os artigos 50º a 62º, relativos a "licenças de saída do estabelecimento" têm a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 49/80, que reformulou todo o título V.
(31Os estabelecimentos de regime aberto constituem uma espécie dos estabelecimentos para a execução de medidas privativas de liberdade segundo a classificação em função da segurança. Quanto à segurança, os estabelecimentos podem ser de segurança máxima, fechados, abertos e mistos; a classificação dos estabelcimentos compete ao Ministro da Justiça, sob proposta do director-geral dos Serviços Prisionais - artigo 159º, nº 1, alínea a), b), c) e d) e nº 3 do Decreto-Lei nº 265/79.
(32Ou, como se diz na 'gíria', dos estabelecimentos, 'meia-liberdade' - cfr. ofício do Senhor Juiz da TEP de 10 de Abril de 1990.
(33Outras espécies de 'licenças de saída' estão previstas nos artigos 61º, 62º, 62º-A, e 62º-B do Decreto-Lei nº 265/79, supra transcritos.
(34"A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de primeira instância em que o processo tiver corrido" - artigo 470º, nº 1 do CPP.
(35Cfr., ANABELA RODRIGUES, A Fase de Execução, cit., págs. 12-13.
(36Cfr., FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal 2, cit., pág. 71-73.
(37Cfr., ibidem, págs. 72-73 e também, v..g., ANABELA RODRIGUES, Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português, in, "Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia", I, 1984, págs. 21 e segs..
(38Em termos inteiramente semelhantes ao disposto nos artigos 22º e 23º do Decreto-Lei nº 402/82, de 23 de Setembro, que adaptou as normas de execução às novas categorias de penas do Código Penal de 1982.
(39Cfr., PAOLO DI RONZA, Manuale di Diritto dell'Esecuzione Penale, ed. CEDAM, 1989, pág. 111.
(40Cfr., v.g. GIUSEPPE DI GENNARO e outros, Ordinamento Penitenziario e, Misure Alternativa alla Detenzione, ed. Giuffré, 1978, págs. 224-225; L'Ordinamento Penitenziario dopo la Reforma (L 10 ottobre 1986, nº 663), à cura di Vittorio Grevi, ed. Cedam, 1988, pág. 233.
(41Cfr., CARLOS GARCIA VALDÉS, Derecho Penitenciario, (Escritos, 1982-1989), ed. Centro de Publicaciones, Ministério de Justicia, 1989, pág. 311.
(42Recorde-se: conhecer dos recursos interpostos pelos reclusos de decisão displinar que aplique sanção de internamento em cela disciplinar por tempo superior a oito dias.
(43Cfr., "La Phase exécutoire du procès pénal en Droit comparé", (Actas do Seminário Internacional organizado pelo Instituto Superior Internacional de Ciências Criminais - Siracusa, 28 de Setembro a 2 de Outubro de 1988), na "Revue Internationale de Droit Pénal", 61 ème année, 3º e 4º trimestre 1990.
(44Cfr., ibidem, os relatórios nacionais, respectivamente, págs. 435, 583, 515, 686, e o "rapport de synthèse", págs. 767 e segs.
(45Cfr., o ofício mencionado na nota (1). Aí se refere que a medida em causa constitui "uma alteração por via administrativa de uma pena de prisão", não se adiantando, contudo, opinião sobre a fonte da (eventual) inconstitucionalidade, sobre as normas, ou princípios constitucionais ofendidos.
(46Cfr., GUSTAVO VIGNOCCHI e GIULIO GHETI, Corso di Diritto Pubblico, 3ª ed., ed. Giuffrè, 1989, págs. 331 e segs.; ANTONIO LORCA NAVARRETE, Derecho Procesal Organico, ed. Tecnos, págs. 31 e segs.
(47Cita-se de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª edição, 2º vol., pág. 312.
(48Cfr., ibidem, pág. 313.
(49Cfr., v.g. acórdão do Tribunal Constitucional nº 143/88, de 16/8/88, publicado no Diário da República, II Série, nº 214, de 15/9/1988.
Sobre reserva constitucional de jurisdição e função jurisdicional, v.g., os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 178/86, no Diário da República, I Série, de 23/6/86, nº 289/86, de 29/10/86, no Diário da República, II Série, nº 5, de 7/1/87, nº 98/88, de 28/4/88, no Diário da República, II Série, nº 193, de 22/8/88, e nº 217/89, de 9/3/89, no Diário da República, II Série, nº 136, de 16/6/89.
(50Cfr. ANABELA RODRIGUES, A Posição Jurídica, cit., págs. 50 e 51. Esta autora na nota 145 escreve: "A forma de licença que essa intervenção assume em matéria de saídas admite um certo grau de discricionaridade. No entanto, para que a Administração não fique com poderes demasiado latos observa-se que, para além da indicação dos pressupostos (nomeadamente, artigos 50º, nº 1, 59º, nºs 1 e 2, 61º, nºs 1 e 2) o legislador tipifica os casos de impossibilidade de concessão das licenças - artigo 52º".
(51Dispõe o artigo 139º sob a epígrafe 'Direito de exposição ao juiz do tribunal de execução das penas':
"1- Durante as visitas que os juízes do tribunal de execução das penas, nos termos do artigo 23º do Decreto-Lei nº 783/76, de 29 de Abril, devem fazer, pelo menos mensalmente, aos estabelecimentos, os reclusos preventivos e condenados que para o efeito se inscrevam em livro próprio podem apresentar àqueles magistrados as suas pretensões.
2- Os juízes do tribunal de execução das penas devem tentar resolver as pretensões referidas no número anterior de acordo com os directores dos estabelecimentos.
3- Sempre que não haja acordo entre o juiz e o director, será o assunto levado à consideração do conselho técnico do estabelecimento, que resolverá por maioria.
4- O conselho técnico referido no número anterior será presidido pelo juiz do tribunal de execução das penas, mas com voto meramente paritário.
5- Das deliberações do conselho técnico qualquer dos membros pode interpor recurso, com efeito suspensivo, para o Ministro da Justiça.
6- A declaração de interposição deve ser feita imediatamente e fica a constar da acta.
7- O recurso sobe instruído com a certidão da acta e mais elementos que forem considerados necessários, competindo ao juiz a sua tramitação".
(52O direito de petição dos reclusos perante a Comissão Europeia dos Direitos do Homem está regulamentado através do Despacho Normativo nº 130/80, de 17 de Abril.
Anotações
Legislação: 
CP82 ART45 ART40 ART43 N1 ART75 N1 ART61 N1 ART42.
CPP87 ART392 ART474 ART485 ART486.
DL 265/79 DE 1979/08/01 ART2 ART3 ART4 ART8 ART9 ART14 ART15 ART49 ART50 ART52 ART58 ART59 ART60 ART62 A B ART187 ART139.
CONST76 ART30 N5 ART27 N2 ART205 N2.
L 2000 DE 1944/05/16.
DL 34553 DE 1945/04/30 ART1.
DL 783/76 DE 1976/10/29 ART23 N4 ART34 ART35 ART36.
LOTJ87 ART68 ART69 A.
Jurisprudência: 
AC TC 143/88.
AC TC 178/86.
AC TC 217/89.
Referências Complementares: 
DIR JUDIC * ORG COMP TRIB / DIR PENIT / DIR PROC PENAL / DIR CRIM.
Divulgação
Número: 
DR196
Data: 
27-08-1991
Página: 
43
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