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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
93/1988, de 12.07.1990
Data do Parecer: 
12-07-1990
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
LUCAS COELHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CONSELHO SUPERIOR DE MEDICINA LEGAL
SENHAS DE PRESENÇA
CONSELHO MÉDICO LEGAL
LACUNA
Conclusões: 
1 - O Decreto-Lei n 387-C/87, de 29 de Dezembro, ao conferir no artigo 84 aos membros dos conselhos medico-legais o direito a uma gratificação por cada sessão em que participem (senhas de presença), omitindo do mesmo passo homologo preceito no concernente aos membros do Conselho Superior de Medicina Legal, não enferma, na optica desta omissão, de lacuna a integrar segundo os ditames heuristicos;
2 - Consequentemente, não tem, os titulares do Conselho Superior de Medicina Legal, segundo o mesmo Decreto-Lei, direito a aludida gratificação pelas reuniões a que assistem.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,Excelência:

I

O Senhor Presidente do Conselho Superior de Medicina Legal representou a Vossa Excelência a pretensão de os membros desse Conselho verem reconhecido o direito a uma gratificação por cada sessão em que participam, à semelhança do que acontece em estruturas congéneres, com destaque para os conselhos médico-legais, sugerindo a audição deste corpo consultivo.
Vossa Excelência, tendo consultado a Auditoria Jurídica e acolhendo sugestão no mesmo sentido formulada, dignou-se solicitar-nos parecer, que, por isso, cumpre emitir.
II 1. A posição do Conselho Superior de Medicina Legal fundamenta-se em razões sintetizadas na exposição do seu Presidente que, a título elucidativo, desde já se deixam registadas.
Afirma-se, por um lado, que o artigo 84º do Decreto-Lei nº 387-C/87, de 29 de Dezembro - diploma que procedeu à reorganização dos serviços médico-legais - "consigna o direito a senhas de presença na forma de gratificação aos membros dos conselhos médico-legais (Art.9º, 10º e 11º), sobre cujo montante (a fixar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Justiça), o Conselho Superior de Medicina Legal não tomou qualquer posição, pois que tal não cabe na alínea e) do artigo 5º".
Salienta-se, por outro lado, a "imprescindibilidade de reuniões com periodicidade de cerca de um mês", circunstância que "comete ao Conselho Superior de Medicina Legal uma actividade e uma dedicação muito mais sobrecarregada que aos conselhos médico-legais existentes na sede de cada circunscrição (Art.º. 9º, 10º e 11º)".
Nestes termos - conclui-se -, "se é facto que (Artº. 84º) os membros dos conselhos médico-legais têm direito a receber, por cada sessão em que participem, uma gratificação, a circunstância do Decreto-Lei nº 387-C/87, de 29 de Dezembro, não o consignar, expressamente, para o Conselho Superior de Medicina Legal (serviço médico-legal (art.º. 4º) de maior instância que os conselhos médico-legais) não invalida que os seus membros não devam ter esse direito, à semelhança do que acontece em estruturas congéneres".
2. A Auditoria Jurídica pronunciou-se claramente contra, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
"a) - O Decreto-Lei nº 387-C/87 de 29/12 não contém qualquer preceito que, explícita ou implicitamente permita a aplicação do regime estabelecido no seu artigo 84º aos membros do Conselho Superior de Medicina Legal;
b) - Nesta conformidade, a atribuição de senhas de presença àqueles membros, por cada sessão em que participam , só será possível mediante produção de providência legislativa que expressamente o contemple".
Equacionada, nos termos expostos, a questão colocada a esta instância consultiva, resta procurar dilucidá-la.
III 1. Conheça-se imediatamente a disposição do Decreto-Lei nº 387-C/87, de 29 de Dezembro, que atribui aos membros dos conselhos médico-legais a mencionada gratificação:
"Artigo 84
Senhas de presença
Os membros dos conselhos médico-legais terão direito a perceber, por cada sessão em que participem, uma gratificação, à qual acrescerá ainda, por cada parecer que elaborem , um quantitativo, sendo os respectivos montantes fixados por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Justiça."
Trata-se de norma inserida no Capítulo VI, "Disposições finais e transitórias" (artigos 79º a 88º), do Decreto-Lei nº 387-C/87, cuja sistemática compreende ainda os cinco capítulos anteriores: Capítulo I, "Disposições gerais" (artigos 1º a 4º); Capítulo II, "Serviços médico-legais" (artigos 5º a 28º); Capítulo III, "Das perícias médico-legais" (artigos 29º a 43º); Capítulo IV, "Do pessoal" (artigos 44º a 58º); Capítulo V, "Das carreiras específicas" (artigos 59º a 78º).
Observa-se, percorrendo estes capítulos, que o artigo 84º não encontra, na economia do diploma, homólogo preceito a conferir similares gratificações aos membros do Conselho Superior de Medicina Legal.
A boa compreensão da previsão e da omissão aconselha se aproximem os perfis normativos dos dois organismos.
2. Ambos se compreendem no conjunto dos "serviços médicos-legais" elencados no artigo 4º, que justamente dispõe (1:
"Artigo 4º
Estrutura orgânica
1 - São serviços médicos-legais:
a) O Conselho Superior de Medicina Legal;
b) Os conselhos médico-legais;
c) Os institutos de medicina-legal;
d) Os gabinetes médico-legais.
2 - Nas circunscrições judiciais onde não existam institutos de medicina legal ou gabinetes médico-legais, os exames médico-forenses são realizados por peritos."
A orgânica, competências, composição e funcionamento vêm detalhados no Capítulo II, Secção I ("Conselho Superior de Medicina Legal" - artigos 5º a 8º) e Secção II ("Conselho médico-legal" - artigos 9º a 11º) (2.
Passemo-los em revista.
2.1. æ natureza e competência do Conselho Superior de Medicina Legal refere-se o artigo 5º que importa transcrever na íntegra:
"Artigo 5º
Natureza e competência
Junto do Ministro da Justiça e na sua directa dependência reúne o Conselho Superior de Medicina Legal, ao qual compete:
a) Coordenar a actividade dos institutos de medicina legal, dos gabinetes médico-legais e dos peritos médico-legais, emitindo directivas científicas sobre a matéria;
b) Aprovar a planificação anual das acções científicas a desenvolver no âmbito dos serviços médico-legais;
c) Autorizar os diversos esquemas de colaboração pedagógica entre os institutos de medicina legal e as universidades ou escolas superiores, em especial no que concerne ao ensino pós-graduado de Medicina Legal;
d) Emitir parecer sobre as reformas a empreender no sistema médico-legal;
e) Propor ao Ministério da Justiça os preços dos exames médico-legais e as remunerações dos peritos médicos.
A sua composição está definida, por sua vez, no artigo 6º:
"Artigo 6º
Composição
1 - Compõem o Conselho Superior de Medicina Legal:
a) Os directores dos institutos de medicina legal;
b) O director-geral da Polícia Judiciária, ou quem o substitua;
c) Um representante do Conselho Superior da Magistratura;
d) Um representante da Procuradoria-Geral da República;
e) Um representante do Ministério da Justiça.
2 - Preside ao Conselho o director do instituto de medicina legal que há mais tempo exerça essas funções.
3 - O Conselho Superior de Medicina Legal tem a sua sede em Lisboa."
A estruturação, dir-se-ia pluridisciplinar, plasmada no artigo 6º há-de reconhecer-se bem vocacionada para enfrentar a "necessidade de compatibilizar os esforços desenvolvidos já pelas diversas estruturas interessadas na medicina forense no âmbito da administração judiciária já por aquelas a quem compete a realização dos exames periciais", imperativo que, no dizer do relatório preambular (nº 7), justificou a própria criação do Conselho Superior de Medicina Legal.
O funcionamento do órgão assim concebido está perfunctoriamente descrito no artigo 7º:
"Artigo 7º
Funcionamento
1 - O Conselho Superior de Medicina Legal reúne ordinariamente três vezes por ano, e extraordinariamente sempre que convocado pelo seu presidente, por iniciativa própria ou a solicitação do Ministro da Justiça.
2 - Para validade das deliberações exige-se a presença de, pelo menos, cinco membros.
3 - As deliberações são tomadas à pluralidade de votos, cabendo ao presidente voto de qualidade.
Anote-se apenas, em sede de formação das deliberações, a exigência de um quorum constitutivo de 5/7 em contraposição à simples maioria deliberativa suficiente para se considerarem tomadas (3.
2.2. A competência do conselho médico-legal vem configurada no artigo 9º:
"Artigo 9ºCompetência
1 - Na sede de cada circunscrição (4 e junto do respectivo instituto de medicina legal existirá um conselho médico-legal com funções de:
a) Consulta técnico-científica;
b) Apoio ao Conselho Superior de Medicina Legal na definição das orientações a seguir no ensino de Medicina Legal.
2 - A consulta técnico-científica pode ser solicitada pelo Ministro da Justiça, pelo Conselho Superior da Magistratura ou pela Procuradoria-Geral da República."
O exórdio do Decreto-Lei nº 387-C/87 (nº4) declara lapidarmente a este respeito:
"Os conselhos médico-legais vêem assim reduzida a sua competência. Isso não significa que vejam reduzida a sua importância. Como órgãos de ligação à universidade, deve ser inquestionável a sua prevalência em todas as matérias de carácter científico e pedagógico, e, nomeadamente, na orientação do ensino da Medicina Legal".
Com efeito, lê-se no mesmo passo do preâmbulo que uma inovação de tomo foi nesse capítulo introduzida:
"Trata-se da eliminação da competência atinente à revisão dos relatórios periciais. Esta inovação resulta directamente do regime instituído pelo novo Código de Processo Penal, que afasta decisivamente aquela possibilidade.
"Há lugar a nova perícia, nas situações previstas no artigo 158º daquele diploma, mas não à revisão".
Diverso, na realidade, o regime do artigo 200º do Código de Processo Penal de 1929, nos termos do qual estavam, em princípio, sujeitos a revisão do conselho médico-legal "todos os relatórios de exames microscópicos, químicos, bacteriológicos e mentais, e ainda todos os outros exames médico-forenses relativos a processos por infracções a que corresponda pena maior, efectuados nas comarcas da respectiva circunscrição" (5.
Simetricamente dispunham, aliás, as leis de organização médico-legal coetâneas, agora, por sua vez, revogadas (6.
Vejamos, porém, a composição assinada ao conselho médico-legal e outros aspectos conexos regulados no artigo 10º do Decreto-Lei nº 387-C/87:
"Artigo 10º
Composição 1 - O conselho médico-legal é composto pelos professores universitários das seguintes disciplinas científicas:
a) Medicina Legal e Toxicologia Forense;
b) Clínica Médica e Clínica Cirúrgica;
c) Higiene e Medicina Social;
d) Anatomia Patológica e Patologia Geral;
e) Psiquiatria;
f) Ortopedia e Traumatologia;
g) Neurologia;
h) Obstetrícia e Ginecologia;
i) Direito Penal ou Direito Processual Penal.
2 - Os membros do conselho médico-legal serão nomeados por despacho do Ministro da Justiça, sob proposta do Conselho Superior de Medicina Legal, ouvidos os conselhos científicos dos estabelecimentos universitários públicos onde sejam leccionadas as matérias constantes da lista referida no número anterior. 3 - O conselho médico-legal será presidido pelo professor de Medicina Legal e Toxicologia Forense.
4 - O conselho médico-legal pode convocar professores de outras disciplinas, para além das referidas no nº 1, quando tal se mostre necessário.
5 - Quando na sede da circunscrição não haja faculdade de direito de universidade pública, o professor de Direito Penal ou Direito Processual Penal será substituído por um juiz desembargador, designado pelo Conselho Superior da Magistratura."
Uma composição, observe-se, não exactamente coincidente, mas nuclearmente semelhante à que fora definida no artigo 23º do Decreto nº 5023, de 29 de Novembro de 1918, para o mesmo órgão.
Finalmente, o funcionamento do conselho.
O novo diploma dedica-lhe com parcimónia o artigo 11º:
"Artigo 11ºFuncionamento
Os conselhos médico-legais reúnem ordinariamente uma vez em cada dois meses e extraordinariamente sempre que convocados pelo respectivo presidente."
Assinale-se o espaçamento das reuniões relativamente ao regime do § 3º do citado artigo 23º do Decreto nº 5023 - sessões quinzenais em dia certo - motivado, decerto, pelo facto de os conselhos haverem sido desencarregados das pesadas tarefas de revisão dos relatórios periciais, sem menoscabo, como ficou salientado, das suas importantes incumbências.
Nenhumas referências, porém, alusivas à constituição do colégio, do estilo há pouco detectado na mecânica do Conselho Superior, a inculcarem a necessidade de o conselho médico-legal deliberar com a presença de certo número mínimo das personalidades que nele têm assento.
3. Não é, todavia, possível esquecer a importância das funções adstringidas ao conselho médico-legal e o valor determinante que reveste, na prossecução do seu escopo, a intervenção interessada das sumidades indigitadas pela lei.
Essa participação actuante, o legislador não confiou meramente abandoná-la ao governo aleatório das circunstâncias, pessoais e sócio-profissionais, relativas aos intervenientes.
Intentou, mais, assumir-lhe o controlo, estimulando-a mercê da concessão do que alguma doutrina qualifica como prémios de "assiduidade" (7: os membros dos conselhos médico-legais têm direito a perceber, nos termos do artigo 84º do Decreto-Lei nº 387-C/87, visto há instantes, uma gratificação (senha de presença) por cada sessão em que participem - à qual acresce, por cada parecer que elaborem, determinado quantitativo -, sendo o respectivo montante fixado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Justiça.
Entender-se-á que não tinha de ser forçosamente assim.
Os titulares do conselho são professores universitários de disciplinas científicas cujo objecto vai essencialmente implicado na consecução do escopo assinalado ao órgão, resumindo-se a essa sua qualidade, sem atender a requisitos de ordem pessoal, o fundamento da convocação para o exercício, no seio deste, de funções médico-legais.
Acopladas estas, por expressa disposição da lei, sob uma mesma causa, às específicas funções docentes, ser-se-ia tentado a pensar que todo o complexo de tarefas obtém correspectiva retribuição no vencimento que ao professor universitário, enquanto tal, incumbe.
Como quer que seja, as gratificações ou prémios traduzidos nas senhas de presença, postas em evidência na exposição do Conselho Superior de Medicina Legal, não podem, sem desdouro de critérios de justiça que lhes subjazam, deixar de revestir carácter de excepção (8.
Semelhante natureza ressalta, com maior ou menor impressividade, das disposições legais que genericamente lhes respeitam, e das que, em casos contados, se tornou indispensável editar com vista à sua atribuição. Poucos exemplos bastam para justificar a afirmação.
3.1. Recorde-se o Decreto-Lei nº 40 872, de 23 de Novembro de 1956, mediante o qual o Governo, em cumprimento do artigo 4º do Decreto-Lei nº 39 842, de 7 de Outubro de 1954, procedeu à revisão geral das gratificações, abonos e outras remunerações acessórias de idêntica natureza, tais, precisamente, as senhas de presença.
Quanto a estas, preceituava o artigo 8º:
"Os servidores do Estado que em representação do seu cargo, façam parte de conselhos, comissões, centros de estudos e outras organizações análogas de serviços do Estado passam a ter direito a senhas de presença, pela assistência às respectivas reuniões nas condições em que forem liquidados esses abonos aos restantes membros." (9
Ponderava-se, com efeito, no preâmbulo (nº 4), em justificação do normativo:
"A necessidade do alargamento dos contactos entre os vários serviços e a crescente intensificação das tarefas que lhes cabem aconselham a organização do trabalho em conjunto, que, as mais das vezes, só poderá ter eficiência quando os diversos interesses em causa sejam representados pelos próprios funcionários que a seu cargo têm a orientação dos respectivos sectores. Para garantia da eficiência dos serviços, só se vê vantagem em incentivar este processo de trabalho - solução que, aliás, não pode dizer-se corresponda, entre nós, a um género de labor muito ao gosto dos servidores do Estado. Pareceu, por isso, justo e conveniente pagar também senhas de presença aos funcionários nos casos em que presentemente as não recebem apenas e só por se encontrarem em representação dos seus cargos. Este alargamento e a consideração da posição especial daqueles funcionários conduziu, no entanto, a manter estas remunerações ao nível a que presentemente já se encontram."
A situação era, pois, esta. Havia organizações de índole colegial de serviços do Estado integradas, entre outros, por funcionários em representação dos cargos, os quais, por isto mesmo, e em contraste, porventura, com os seus confrades, não auferiam senhas de presença.
Atenuou-se, portanto, o circunstancialismo de excepção destes funcionários em ordem a incentivar um processo de trabalho colectivo, tornando-se, porém, mister editar a competente providência legislativa.
Mais recentemente, o Decreto-Lei nº 517/76, de 5 de Julho, veio introduzir uma limitação genérica ao abono de senhas de presença, estipulando, no artigo 1º, que aos "trabalhadores civis do Estado, serviços públicos, administração local ou regional, empresas públicas e outras pessoas colectivas de direito público só será permitido o abono de senhas de presença, devidas por força de lei pela participação em reuniões, desde que estas se realizem fora das horas de serviço".
E o artigo 8º do Decreto-Lei nº 106/78, de 24 de Maio, reafirmando a mesma restrição, fixou o seu quantitativo em 250$00 por sessão.
Finalmente, um conjunto de diplomas relativos ao estatuto remuneratório do funcionalismo público vinha proibir "a criação, aumento ou extensão de remunerações acessórias, nomeadamente ao pessoal dos serviços e unidades orgânicas que sejam criadas ou integradas, mantendo quadros de pessoal diferenciados e hierarquia própria, em departamentos em cujo âmbito as mesmas venham sendo praticadas" - transcrevemos do artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 204-A/79, de 3 de Julho, reproduzido, praticamente ipsis verbis, pelo artigo 8º, nº1, do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio, e pelo artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 57-C/84, de 20 de Fevereiro.
Acrescentava-se que em "casos devidamente fundamentados, mediante decreto assinado pelos Ministros (...) (...), sob parecer favorável da comissão interministerial para as remunerações acessórias, poderá ser excepcionado o disposto no número anterior" - artigo 4º, nº 2, do Decreto-Lei nº 204-A/79, e, com nuances despiciendas no nosso contexto, artigo 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 110-A/81, e artigo 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº 57-C/84.
Finalmente, preceituava-se que, para efeitos dos diplomas em causa e, portanto, da proibição aludida, se consideravam acessórias "as remunerações que acrescem ao vencimento", com exclusão de um certo número delas, aliás, detalhadas minuciosamente - v.g., abono de família e prestações complementares, diuturnidades, subsídios de refeição, de férias e de Natal, remuneração por trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso, abonos para falhas, ajudas de custo, subsídio de viagem e de marcha, despesas de representação, etc. (artigos 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 204-A/79, 8º, nº 3, do Decreto-Lei nº 110-A/81 e 7º, nº 3, do Decreto-Lei nº 57-C/84).
Pois bem. Nos dois primeiros diplomas figuram ainda no elenco as senhas de presença, mas estas deixam já de constar da enumeração do último Decreto-Lei citado (10.
Um índice, portanto, de que estes benefícios se tornam privilegiado objecto da referida proibição de "criação, aumento ou extensão de remunerações acessórias".
3.2. A singularidade e a natureza de excepção que lhes vão implicadas, permitem, de resto, facilmente entender que o legislador se tenha visto obrigado a emanar normativos indispensáveis à sua concessão, nas situações em que ditames diversificados do plano político-legislativo tal puderam recomendar.
Atente-se em alguns frisantes exemplos surgidos na actualidade a nossos olhos.
O Decreto-Lei nº 668/74, de 28 de Novembro, atribuiu aos membros do Conselho de Estado, exceptuando o Presidente da República e os Chefes de Estado-Maior, o direito a uma senha de presença no valor de 1 000$00 por cada sessão em que participem (artigo 1º), remuneração acumulável com quaisquer outras remunerações públicas ou privadas (artigo 3º).
Em justificação da medida a nota preambular sublinha "o grande volume de tarefas cometidas aos membros do Conselho de Estado e a grande frequência e duração das reuniões deste alto órgão de soberania".
O Decreto-Lei nº 677/75, de 6 de Dezembro conferiu idêntico benefício aos membros da Assembleia Constituinte pela comparência às sessões das comissões de que fizessem parte, e, ainda, aos secretários e vice-secretários da mesa daquela Assembleia, em determinadas condições.
Quanto aos primeiros, dando nova redacção, mediante o seu artigo 1º, ao nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 491/75, de 8 de Setembro, que ficou como segue:
"Artigo 1º - 1. Durante o funcionamento efectivo da Assembleia Constituinte todos os membros que a compõem têm direito a perceber um subsídio mensal de 10 000$00, percebendo ainda uma senha de presença no montante de 300$ diários, por cada dia de comparência aos trabalhos das comissões da Assembleia em que estiverem integrados."
No concernente aos aludidos membros da mesa, dedicando-lhes a norma do seu artigo 2º:
"Artigo 2º - Aos Secretários e vice-secretários da Mesa da Assembleia Constituinte quando em efectividade de funções e não integrados em qualquer comissão passa a ser abonado o subsídio de 200$, a título de senha de presença, por cada sessão plenária."
O carácter de excepção dos prémios em apreço, que vimos colocando em destaque, ressalta de algum modo do breve exórdio do Decreto-Lei nº 677/75.
O Decreto-Lei nº 491/75, de 8 de Setembro, atribuíra efectivamente aos deputados à Assembleia Constituinte o direito a determinado subsídio já anteriormente previsto, mas, apesar de se haver proposto ainda, no preâmbulo, "regular vários outros aspectos relativos a ajudas de custo e transporte, senhas de presença e outros", não providenciara nas suas disposições normativas pela concessão das senhas de presença às sessões das comissões.
Ponderou-se, no entanto, constatada a situação, que "a actividade exigida e o tempo tomado aos Deputados que integram essas diversas comissões são muito superiores aos daqueles que se limitam a participar nos plenários, pelo que não podem deixar de ser encarados por forma diversa também".
Posição similar se reconhecia, de resto, aos "Secretários e vice-secretários da Mesa quando em efectividade de funções e não estejam integrados em qualquer comissão".
Objectivo declarado do Decreto-Lei nº 677/75 foi, por todo o exposto, como se remata na mesma nota preambular, o de "suprir tais omissões, aproveitando-se o ensejo para introduzir uma norma que, embora contida no espírito do Decreto-Lei nº 491/75, dela não fluía com suficiente nitidez".
Permita-se-nos focar mais dois exemplos de recente data.
O Decreto-Lei nº 17/87, de 10 de Janeiro, veio conceder aos membros de certas comissões o direito a senhas de presença no valor de 5% do ordenado mínimo nacional por cada reunião, realizada fora do horário normal de serviço, em que compareçam (artigos 1º e 2º).
Trata-se, esclarece o relatório do diploma, de órgãos consultivos, na dependência hierárquica do Chefe do Estado-Maior da Armada, para as matérias relacionadas com o exercício global das actividades da autoridade marítima, cuja composição se alarga a um número considerável de departamentos do Estado vocacionados para tal fim.
Ora, tendo em vista "assegurar com eficácia a produção de estudos e pareceres requeridos a tais órgãos com um mínimo de prejuízo dos serviços dos departamentos de Estado que nos mesmos se fazem representar, as reuniões têm normalmente lugar fora do horário normal de serviço e com manifesto esforço acrescido dos respectivos representantes".
Nestas circunstâncias - finaliza o relatório - se tornou "necessário assegurar as condições que viabilizem o funcionamento dos órgãos acima citados dentro do regime geral do abono de senhas de presença".
O segundo exemplo é constituído pelo Decreto-Lei nº 117/87, de 20 de Abril.
Transcreva-se, a título elucidativo, o respectivo relatório preambular:
"Tanto o Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes (CSOPT) como a Comissão de Inscrição e Classificação dos Empreiteiros de Obras Públicas e dos Industriais de Construção Civil (CICEOPICC) funcionam em regime colegial, contando com a participação de personalidades de elevado estatuto profissional - directores-gerais e equiparados, professores universitários, técnicos especialistas dos mais variados domínios, representantes qualificados das associações profissionais e dos municípios, etc. - cuja prestimosa colaboração é remunerada de forma que pode considerar-se simbólica.
"Embora inserindo-se na filosofia geral do conceito de "senha de presença", a participação dos vogais do CSOPT e da CICEOPICC vai muito mais além e exige um esforço pessoal no estudo, preparação e elaboração de pareceres e relatórios, e na sua inerente discussão.
"Visto a esta luz, o montante das senhas de presença estabelecido na generalidade, e em abstracto, é, para os casos referidos, inadequado para retribuir uma colaboração especializada e de grande responsabilidade, não prestigiando quem o recebe e, menos ainda, quem o concede.
"Por outro lado, o seu valor (250$) encontra-se francamente desactualizado, pois foi fixado há nove anos pelo Decreto-Lei nº 106/78, de 24 de Maio.
"Há assim que corrigir, para os casos específicos dos vogais do CSOPT e da CICEOPICC, o quantitativo das senhas de presença por duas razões: inadequação e desactualização.
"Aproveita-se o ensejo para estender o mesmo direito aos vogais das comissões, subcomissões e grupos de trabalho do CSOPT, criados no seu âmbito e nele funcionando, bem como para consagrar, por via legal, o direito à percepção de ajudas de custo e subsídios de viagem e marcha (transportes) para os residentes fora de Lisboa, pois não faz sentido que personalidades como as que colaboram com o CSOPT, por exemplo nas subcomissões dos regulamentos técnicos, sejam oneradas com despesas que decorrem dessa mesma colaboração.
"Nestes termos:
"O Governo decreta (...) (...)".
No cumprimento do programa normativo assim esboçado, os artigos 1º, 2º e 3º do diploma referido alteraram em conformidade preceitos legais pertinentes dos diplomas relativos à matéria, procedendo à pretendida actualização e adequação.
4. Reverta-se às senhas de presença consignadas aos membros dos conselhos médico-legais.
A disposição do artigo 84º do Decreto-Lei nº 387-C/87, sua sede normativa, imbui-se do mesmo espírito de excepção e limitação enformador do sistema jurídico-retributivo na função pública, que induzimos do quadro legal passado em revista.
Observe-se, com efeito, em contraponto, como para o Conselho Superior de Medicina Legal não foi adoptada nenhuma paralela normação.
Será, neste contexto, compreensível a omissão?
Dir-se-á que o benefício em questão desde sempre foi estipulado aos membros dos conselhos médico-legais.
É uma realidade.
Já a Carta de Lei de 17 de Agosto de 1899, relativa à organização dos serviços médico-legais, previa no artigo 5º, §1º o direito de cada um dos membros efectivos do conselho médico-legal "a uma gratificação de exercício, que será determinada em regulamento, mas que não excederá 360$000 réis annuaes".
Gratificação que o artigo 31º do "Regulamento dos serviços médico-legais", de 16 de Novembro desse ano, fixou, correspondentemente, em "30$000 réis mensaes".
Mais significativo, porém, o Decreto-Lei nº 5023, de 23 de Novembro de 1918, editado com vista à organização dos mesmos serviços, cujo artigo 23º, §5º determinava, a respeito do "Conselho Médico-Legal":
"Cada vogal do Conselho terá direito às gratificações de 5$ por cada sessão do Conselho a que comparecer, e de 1$ por cada parecer de que for relator. O presidente e o secretário terão direito, além das precedentes, à gratificação de 120$ anuais".
Ultimamente, o Decreto-Lei nº 373/75, de 17 de Julho, declarando-se constituir "um primeiro passo na resolução do problema dos quadros do pessoal dos institutos de medicina legal, em virtude de as carências quantitativas de elementos técnicos, particularmente qualificados, estarem na base das maiores insuficiências dos serviços periciais", reafirmava, por seu turno, no artigo 3º:
"Artigo 3º - 1. Junto de cada Instituto funciona um conselho médico-legal com funções de revisão e consulta, dentro da respectiva circunscrição médico-legal.
2. Os membros do conselho médico-legal e outras pessoas especialmente convocadas para as suas sessões terão direito a senhas de presença".
Pensar-se-ia, assim, retomando a ideia há momentos aflorada, não ser de justiça agora, a pretexto de determinada reorganização dos serviços de medicina forense, perante a qual mantêm, os aludidos conselhos, não decrescida importância funcional, privar os respectivos membros daquele benefício, em violação, ademais, de expectativas, estatutariamente fundadas, de estabilidade remuneratória.
Bem, mas o certo é que o peso de uma tradição pode não se apresentar como suficiente justificação da disparidade de tratamento, na óptica ora prevalecente, entre Conselho Superior de Medicina Legal e conselhos médico-legais.
Uma diferença de funcionamento entre os dois conselhos se detecta, com eventual projecção teleológica, pensar-se-ia, na temática questionada.
A válida constituição do órgão colegial que é o Conselho Superior demanda uma maioria elevada: 5/7, como vimos, dos membros que legalmente o compõem.
Já para as deliberações do conselho médico-legal se não entendeu, porém, formular a exigência de um especial quorum constitutivo.
Poder-se-ia, pois, considerar, de certa óptica, que a lei, neste caso, decerto por motivos atendiveis, não dirigiu aos membros aquela injunção, no sentido da presença no conselho médico-legal, que de algum modo vai implicada no requisito do quorum de constituição.
Todavia, reputando importante a sua participação interessada, daí quiçá o mecanismo dos senhas de presença, erigidas, nessa perspectiva, em incentivo à desejada intervenção.
Recorde-se, complementarmente, a maior frequência, prevenida na lei, das sessões ordinárias do conselho médico-legal em confronto com as do Conselho Superior - o dobro, justamente (artigos 7º e 11º do Decreto-Lei nº 387-C/87.
Poder-se-á ir mais longe no sentido de explicar a omissão legal na não concessão de semelhantes prémios aos membros do Conselho Superior de Medicina Legal?
Ponhamos o problema noutros termos.
Não ocorrerá, no caso, uma lacuna da lei, a integrar mediante o instrumentário heurístico comum?
IV
1. Interessa, em primeiro lugar, apurar, teoricamente, em que condições se pode aferir da existência de lacunas.
A questão foi estudada no parecer nº 90/88, deste corpo consultivo (11, importando aqui extractar o passo respectivo, pese a sua extensão.
Ponderando, a propósito da aplicação analógica de certos normativos, que a existência de lacuna da lei supõe não se encontrar determinada situação "compreendida na letra nem no espírito", assim se distinguindo a analogia (11a da "interpretação extensiva em que a situação não está abrangida na letra, mas no espírito da lei", escreveu-se:
"5.2. Como ensina DIAS MARQUES (x12, é necessário que a lei, depois de devidamente interpretada, não comporte a solução do problema, pois é óbvio que se o caso estiver contemplado em algum preceito legal, ainda que extensivamente interpretado, não chega a surgir a lacuna; vistas as coisas sob este ângulo, importa reconhecer que o problema da interpretação tem sempre a natureza de questão prévia a respeito do da integração e que não é lícito passar a este quando para aquele tenha sido obtida uma solução positiva.
"Por outras palavras: se uma questão se pode resolver com base na interpretação extensiva não tem lugar a analogia, pois se trata dum caso já contemplado segundo o conceito da lei, embora fuja aparentemente à formulação do texto (x13.
"Ou seja: a integração supõe a interpretação (x14 .
"5.3. Sendo assim, cumpre salientar que ao elemento gramatical da interpretação é desde logo assinalada uma primeira função, de natureza negativa, eliminadora: a de eliminar dos sentidos possíveis da lei todos aqueles que, de qualquer modo, exorbitem do texto respectivo (x15.
"Como diz BAPTISTA MACHADO (x16, o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabendo-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer "correspondência" ou ressonância nas palavras da lei. E mais adiante (pág. 189): "A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do artigo 9º, nº 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) 'que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso'. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto 'falhado' se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador" (sublinhados nossos).
"A letra é, pois, não só o ponto de partida, mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito - assim se exprime OLIVEIRA ASCENSÃO (ob. cit., pág. 326) (x17.
"5.4. Certo é que, por mais esclarecido, diligente e hábil que seja, o legislador nunca consegue regular directamente todas as relações da vida social merecedoras de tutela jurídica; para lá das situações directamente disciplinadas, há sempre outras não regulamentadas e que todavia bem merecem a protecção do Direito (x18.
"Surgem, assim, na ordem jurídica, como uma fatalidade, as lacunas.
"5.4.1. O que é, porém, uma "lacuna da lei", é muito duvidoso, como desde logo adverte KARL LARENZ, para de seguida ponderar:
"Poderia pensar-se que existe uma lacuna onde a lei ... não contém uma regra para determinado caso, onde a lei se 'cala'. Simplesmente, também existe um 'silêncio eloquente' da lei. (...). Por outro lado, também há casos a que uma regra é, com efeito, segundo a sua letra, aplicável, mas a que não se adequa segundo o seu sentido ou fim (averiguado por interpretação). No primeiro caso, a lei não tem lacunas, embora 'guarde silêncio' sobre os casos não referidos, no segundo ela não 'guarda silêncio', mas necessita possivelmente dum complemento restritivo, cuja falta pode dar a impressão duma lacuna (x19".
"E mais adiante, após algumas considerações em que, nomeadamente, procura traçar a fronteira entre uma "lacuna de regulamentação, e um "defeito", escreve o mesmo autor (págs. 436-437):
"Posto tudo isto, podemos dizer que uma lacuna da lei (de lege lata) existe sempre e só quando a lei, a avaliar pela sua própria intenção e imanente teleologia, é incompleta e, portanto, carece de integração, e quando a sua integração não contradiz uma limitação (a determinados factos previstos) porventura querida pela lei. O mesmo se pode exprimir dizendo que se tem de tratar duma incompletude contrária ao plano do legislador (x".
"5.4.2. Neste mesmo sentido, BAPTISTA MACHADO (ob. e loc. cits., pág. 194), para quem a lacuna é sempre uma incompletude, uma falta ou falha, uma incompletude relativamente a algo que protende para a completude - uma lacuna é uma "incompletude contrária a um plano" ("planwidrige Unvollstandigkeit"). Tratando-se de uma lacuna jurídica - prossegue o mesmo autor -, dir-se-á que ela consiste numa incompletude contrária ao plano do Direito vigente, determinada segundo critérios eliciáveis da ordem jurídica global; existirá uma lacuna quando a lei (dentro dos limites de uma interpretação ainda possível) e o direito consuetudinário não contêm uma regulamentação exigida ou postulada pela ordem jurídica global - ou melhor: não contêm a resposta a uma questão jurídica.
"5.4.3. O mesmo ensinamento se pode colher em MÁRIO BIGOTTE CHORÃO (x20, o qual, após sublinhar que a definição de lacuna jurídica tem sido motivo de muitas dúvidas e controvérsias, escreve:
"Poderá dizer-se, porventura, que se verifica uma lacuna (em sentido próprio) quando falta nas fontes formais (Fontes do Direito) de determinado ordenamento jurídico (v.g. o estadual) norma sobre certa situação que exige ser regulada no âmbito desse ordenamento e que os tribunais têm de resolver se eventualmente forem solicitados a pronunciar-se acerca dela. Diz-se caso omisso essa situação desprovida de regulamentação jurídica. Está-se, pois, perante uma deficiência do ordenamento jurídico, consistente no inacabamento (ou 'incompletude') do respectivo tecido normativo".
"Reconhecendo que esta definição de lacuna carece, para seu melhor esclarecimento, de uma série de explicações complementares de grande interesse, prossegue BIGOTTE CHORÃO:
"a) Essa definição supõe que a ausência de regulamentação respeita a uma verdadeira questão jurídica. O que se situa no espaço ajurídico (rechtsfreier Raum) ou 'extramuros da cidadela jurídica' está fora de causa. (...)
"b) Para que se verifique uma lacuna em sentido próprio é ainda necessário que a falta de regulamentação seja contrária ao plano ordenador do sistema jurídico. Não basta, pois, que a situação se possa considerar, em abstracto, susceptível de tratamento jurídico, mas é preciso que este seja exigido pelo ordenamento jurídico concreto. Bem pode acontecer, com efeito, que certo caso não encontre cobertura normativa no sistema, sem que isso frustre as intenções ordenadoras deste. Razões político-jurídicas ponderosas podem estar na base da abstenção do legislador. Esses 'silêncios eloquentes da lei' não têm de ser supridos pelo juiz, ainda que este, porventura, em seu critério entenda o contrário. Diz-se por isso, que tais faltas de regulamentação constituem lacunas impróprias (de lege ferenda, de jure constituendo, político-jurídicas, críticas, etc.), que eventualmente poderão vir a desaparecer em futuros desenvolvimentos do sistema, a cargo dos órgãos normativos competentes" (sublinhados nossos)". Em elaboração da doutrina exposta, o parecer que vimos transcrevendo, prossegue:
"6.1. Decisivamente se dirá que para se poder afirmar a existência de uma lacuna não basta deparar com uma situação desprovida de regulamentação jurídica, com uma situação que se possa considerar, em abstracto, susceptível de tratamento jurídico.
"Indispensável se torna que a falta de regulamentação seja contrária ao plano ordenador do sistema jurídico.
"Dito de outro modo: é preciso que o tratamento da situação seja exigido pelo ordenamento jurídico concreto.
"Segundo DIAS MARQUES (x21, é necessária a verificação da necessidade de regulamentação jurídica - a matéria de que se trata, e que não se encontra prevista na lei, há-de ser realmente necessitada de regulamentação jurídica: "vale isto por dizer que a matéria omissa deve ser de tal natureza que a ausência de regras que especificamente a contemplem e a sua recondução ao campo do exercício material do direito de liberdade ou ao da aplicação de princípios gerais que contendem com a sua natureza, venha a conduzir a um resultado claramente oposto ao que o legislador prescreveria se fosse chamado a regular expressamente a hipótese".
"Quer dizer: não é suficiente concluir que o caso cabe dentro da descrição fundamental da ordem jurídica, sendo ainda necessário determinar se ele deve ser juridicamente regulado - tem, pois, de se encontrar algum indício normativo que permita concluir que o sistema jurídico requer a consideração e solução daquele caso (x22.
2. Perfilha-se a teorização desenvolvida no parecer nº 90/88 que acaba de se transcrever (12. A partir daí, também neste outro caso concluiremos que não se divisam razões para reputar lacunar o Decreto-Lei nº 387-C/87, na medida em que se absteve de conferir aos membros do Conselho Superior de Medicina Legal as senhas de presença que expressamente reconheceu aos titulares dos conselhos médico-legais.
Parafraseando ainda o citado parecer, diremos igualmente aqui que os caracteres da generalidade e abstracção das normas jurídicas e as necessidades da certeza e segurança do direito obrigam o legislador a uma "hierarquização de valores" originando a exclusão de situações que, embora apresentando-se originalmente como que carecidas de tutela, não foram realmente na hipótese contempladas.
E como o intérprete há-de presumir, em princípio, que o legislador elaborou um "sistema completo", não poderá, sem risco de subversão das regras hermenêuticas, recuperar por sua conta aquelas situações.
No caso sujeito à nossa apreciação não se vislumbram, portanto, "indícios normativos" que permitam concluir no sentido de o sistema jurídico reclamar a atribuição, por via interpretativa ou integrativa, dos benefícios remuneratórios citados na consulta.
Não nos cumpre, aliás, pronunciar-nos quanto a eventual adopção de uma providência legislativa destinada a responder à situação, dependendo semelhante iniciativa, obviamente, do exercício de critérios de política-legislativa para cuja ponderação em concreto esta instância consultiva não se acha estatutariamente vocacionada.
O percurso que efectuámos já possibilitou, em todo o caso, mediante a investigação de razões que justificaram em certas hipóteses a concessão de senhas de presença - essa também a intencionalidade que presidiu à indagação -, evidenciar e extrapolar tópicos de irrecusável significado na óptica referida.
Conclusão:

V

Termos em que se conclui:
1ª O Decreto-Lei nº 387-C/87, de 29 de Dezembro, ao conferir no artigo 84º aos membros dos conselhos médico-legais o direito a uma gratificação por cada sessão em que participem (senhas de presença), omitindo do mesmo passo homólogo preceito no concernente aos membros do Conselho Superior de Medicina Legal, não enferma, na óptica desta omissão, de lacuna a integrar segundo os ditames heurísticos;
2ª Consequentemente, não têm, os titulares do Conselho Superior de Medicina Legal, segundo o mesmo Decreto-Lei, direito à aludida gratificação pelas reuniões a que assistem.
_______________________________
(1) Os serviços médico-legais, esclareça-se, a cuja reorganização o Decreto-Lei nº 387-C/87 intentou proceder, posto que a respectiva estrutura remontava ainda, nas suas linhas fundamentais, aos princípios do século, têm genericamente como "atribuição coadjuvar os tribunais na aplicação da justiça, procedendo aos exames periciais de medicina legal que lhes forem solicitados nos termos do presente diploma" (artigo 1º, nº 1), "estão administrativamente organizados no âmbito do Ministério da Justiça" (nº 2) e "cumprem as suas atribuições e exercem a sua competência em colaboração com as escolas médicas das universidades públicas" também nos termos do mesmo Decreto-Lei (artigo 2º).
(2) As três secções que completam o Capítulo II referem-se, respectivamente, com estas mesmas epígrafes, aos "Institutos de medicina legal" (Secção III - artigos 12º a 24º), "Gabinetes médico-legais" (Secção IV - artigos 25º e 26º) e "Peritos médicos" (Secção V - artigos 27º e 28º), dos quais não vamos, todavia, curar.
(3) O Conselho é assistido por um secretariado, integrado pelo secretário e por pessoal a afectar da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, com a missão de assegurar "o apoio administrativo necessário à prossecução dos objectivos próprios desse órgão" (artigo 8º, nºs. 1 e 2).
O secretário - cargo "equiparado, em termos remuneratórios, ao de director de serviços e provido em comissão de serviço, por três anos, de entre licenciados em Direito com reconhecida competência na área da medicina forense e possuidores de vínculo à Administração Pública, sob proposta do referido Conselho" (nº 3) - é nomeado "por despacho do Ministro da Justiça, sob proposta do Conselho Superior de Medicina Legal" (nº 4). (4) Têm-se em mente, decerto, "circunscrições médico-legais", as três circunscrições médico-legais que, segundo o artigo 3º, partilham o território nacional, com sede em Lisboa, Porto e Coimbra, e cuja área geográfica, por círculos judiciais, se encontra definida em mapa anexo ao Decreto-Lei nº 387-C/87.
(5) Tal já a redacção original do corpo do artigo resultante do Decreto nº 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, a mesma que vigorava quando o velho Código foi revogado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o novo (artigos 1º e 2º).
(6) Assim, paradigmaticamente: o artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 373/75, de 17 de Julho ("Junto de cada Instituto funciona um conselho médico-legal com funções de revisão e consulta, dentro da respectiva circunscrição médico-legal"); o artigo 24º, nº 1, do Decreto nº 5023, de 29 de Novembro de 1918 ("Ao Conselho Médico-Legal competirá: 1º A revisão de todos os relatórios de exames microscópios, químicos, bacteriológicos e mentais e ainda de todos os outros relativos a processos a que possa corresponder a condenação a pena maior, efectuados nas comarcas da respectiva circunscrição"), fonte, como bem transparece, do artigo 200º do Código de 29 - LUÍS OSÓRIO, Comentário ao Código de Processo Penal Português, 3º volume, Coimbra, 1933, pág. 226.
(7) JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, 2º volume, Coimbra, 1988, págs. 874 e s.
(8) Abra-se, aliás, um parêntesis para anotar que a subsistência das gratificações em questão não parece que tenha sido atingida pelo novo regime remuneratório da função pública vertido nos Decretos-Leis nºs 184/89, de 2 de Junho, e 353-A/89, de 16 de Outubro - cfr., nomeadamente, os artigos 12º, 15º 19º e 38º do primeiro diploma e os artigos 11º e 37º do segundo.
Conforme o Decreto-Lei nº 184/89, as senhas de presença serão, de resto, classificáveis na categoria dos "suplementos" (artigos 15º, nº 1, alínea c), e 19º, nº 1, alínea f)) e, nos termos do nº 3 deste último artigo, a "fixação das condições de atribuição dos suplementos é estabelecida mediante decreto-lei", exigência também formulada pelo artigo 12º do Decreto-Lei nº 353-A/89: "O regime e as condições de atribuição de cada suplemento são fixados mediante decreto-lei".
(9) Atento similar condicionalismo, não seria, aliás, com base neste preceito, vigorasse ele, que poderia reconhecer-se aos membros do Conselho Superior de Medicina Legal o direito a senhas de presença.
(10) E a omissão subsiste nos diplomas relativos a vencimentos dos anos subsequentes: Decreto-Lei nº 40-A/85, de 11 de Fevereiro (artigos 15º e 17º, mediante os quais se revoga o Decreto-Lei nº 57-C/84, com excepção, justamente, do seu artigo 7º, entre outros), e Decreto-Lei nº 20-A/86, de 13 de Fevereiro (artigo 12º, nº 1, que, revogando o Decreto-Lei nº 40-A/85, manteve em vigor, além de alguns outros preceitos, o seu artigo 15º e, assim, por via deste, o artigo 7º do Decreto-Lei nº 57-C/84).
Acerca da evolução descrita cfr. o parecer deste Conselho nº 114/88, de 20 de Dezembro de 1988, homologado e aguardando publicação, ponto 4.2. e nota 14, que, aliás, a caracteriza pela tónica da "contenção das remunerações acessórias". Cfr. também o parecer nº 30/84, de 7 de Junho de 1984, inédito, pontos 2.1 e 2.2.
(11) De 9 de Março de 1989, "Diário da República", II Série, nº 129, de 6 de Junho de 1989. (11a) Advirta-se, em aparte, que o mecanismo da analogia sempre estaria excluído no caso que nos ocupa, dada a natureza excepcional do artigo 84º do Decreto-Lei nº 387-C/87.
(x12) Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979, págs. 268-269.
(x13) FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, 2ª edição, 1963, pág. 160.
(x14) JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENÇÃO, O Direito-Introdução e Teoria Geral, 4ª edição, revista, 1987, pág. 363.
(x15) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, vol.I, 6ª edição, 1965, pág. 159.
(x16) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, pág. 182.
(x17) No mesmo sentido, entre outros, DIAS MARQUES ob. e loc. cits., págs. 172-173, que faz apelo, para além do nº 2 do artigo 9º do Código Civil, aos artigos 220º e 238º do mesmo Código.
(x18) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA ob. e loc. cits., pág. 176. Sobre este ponto, vejam-se também FRANCESCO FERRARA, ob. e loc. cits., pág. 156; DIAS MARQUES, ob. cit., pág. 265; OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pág. 313; BAPTISTA MACHADO, ob. cit., págs. 192-193.
(x19) Metodologia da Ciência do Direito, tradução de JOSÉ DE SOUSA E BRITO e JOSÉ ANTÓNIO VELOSO, Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª edição, 1969, pág. 428.
Sobre os silêncios da lei, veja-se também BAPTISTA MACHADO, ob. e loc. cits., pág. 201.
(x) Que a "lacuna" é uma imperfeição contrária ao plano dentro de um todo, e a lacuna da lei, uma imperfeição contrária ao plano dentro da lei, disse-o já ELZE, Lücken im Gesetz, 1916, pp. 32 e segs. Também ENGISCH (Einführung, p.138) alude a uma "imperfeição contrária ao plano".
(x20) "Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado", 3, Integração de Lacunas, págs. 592-618.
(x21) Ob e loc. cits., pág. 269.
(x22) OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. e loc. cits., pág. 361.(12) Acerca da qual podem ainda consultar-se, na doutrina alemã, LARENZ, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, Studienausgabe, 5ª edição, 1983, págs. 244 e ss.; HANS-MARTIN PAWLOWSKI, Einführung in die Juristische Methodenlehre, Heidelberg, 1986, págs. 109 e ss. e passim; REINHOLD ZIPPELIUS, Juristische Methodenlehre, 4ª edição, München, 1985, págs. 10 e ss., 57 e ss., 65 e ss. e 104 e s.
Anotações
Legislação: 
DL 387-C/87 DE 1987/12/29 ART84 ART4 ART6 ART7 ART9 ART10 ART11.
DL 17/87 DE 1987/01/10.
DL 117/87 DE 1987/04/20.
DL 373/75 DE 1975/07/17 ART3.
D 5023 DE 1918/11/23 ART23 PAR5.
DL 40872 DE 1956/11/23 ART8.
DL 517/76 DE 1976/07/05 ART1.
DL 106/78 DE 1978/05/24 ART8.
DL 204-A/79 DE 1979/07/03 ART4 N1.
DL 110-A/81 DE 1981/05/14 ART8 N1.
DL 57-C/84 DE 1984/02/20 ART7 N1.
DL 688/74 DE 1974/11/28.
DL 677/75 DE 1975/12/06.
DL 491/75 DE 1975/09/08.
Referências Complementares: 
DIR ADM * FUNÇÃO PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL.
Divulgação
Número: 
DR111
Data: 
14-05-1992
Página: 
15
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