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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
9/2022, de 14.07.2022
Data do Parecer: 
14-07-2022
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Saúde
Relator: 
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
Amélia Maria Madeira Cordeiro

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Amélia Maria Madeira Cordeiro

Votou em conformidade



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou em conformidade



Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou em conformidade



João Conde Correia dos Santos

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade



Carlos Adérito da Silva Teixeira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Carlos Adérito da Silva Teixeira

Votou em conformidade

Descritores e Conclusões
Descritores: 
REGULAMENTO AUTÓNOMO
ORDEM DOS MÉDICOS
ASSOCIAÇÃO PÚBLICA PROFISSIONAL
SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE
SERVIÇO MÉDICO DE URGÊNCIA
NORMA TÉCNICA
DEONTOLOGIA MÉDICA
BOAS PRÁTICAS
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
SUPERINTENDÊNCIA
TUTELA DE LEGALIDADE
HOMOLOGAÇÃO
APROVAÇÃO
Conclusões: 
Conclusões
 
 
       Depois de ter apreciado as normas contidas no projeto de regulamento denominado Constituição de Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, aprovado e publicado pela Ordem dos Médicos (Diário da República, 2.ª Série, n.º 201, de 21 de outubro de 2021), na perspetiva da sua conformidade com o direito aplicável, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República conclui o seguinte:
 
                     1.ª — A Ordem dos Médicos é uma associação pública profissional, que se encontra vinculada ao Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, na sua atual redação, e à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro (Regime da Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais).
                     2.ª — Encontra-se, como tal, sujeita ao controlo tutelar de legalidade previsto no artigo 45.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, a exercer pela Ministra da Saúde, em conformidade com o artigo 158.º do Estatuto da Ordem dos Médicos.
                     3.ª — O projeto de regulamento denominado Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência versa especialidades e competências médicas, motivo por que a sua eficácia jurídica se encontra condicionada pela aprovação da Ministra da Saúde, nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.
                     4.ª — Não obstante tal preceito referir-se a homologação, dispõe que a sua prática é condição de eficácia do regulamento, o que significa tratar-se, na verdade, de um ato de tutela integrativa a posteriori, i.e. de aprovação, à semelhança do que se determina para os atos administrativos no artigo 157.º, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo.
                     5.ª — De resto, a homologação em sentido próprio seria incompatível com a tutela administrativa exercida sobre a administração autónoma, pois o órgão que homologa faz seu o ato homologado — como sucede, tipicamente, na hierarquia administrativa e, eventualmente, na superintendência sobre a administração indireta — o que subverteria a posição das associações públicas profissionais como sector da administração autónoma.   
                     6.ª — A Ministra da Saúde pode recusar a aprovação do Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, depois de verificar que as suas normas se revelam ilegais, como, em concreto, sucede.
                     7.ª — Com efeito, o Regulamento, a ser definitivamente aprovado, incorre em incompetência absoluta (também designada incompetência por falta de atribuições), pois estabelece parâmetros quantitativos e qualitativos que devem presidir à composição das equipas médicas nos serviços de urgência, repartidas por 28 especialidades, determina o conteúdo funcional do chefe de equipa e define os requisitos a serem cumpridos para os médicos em internato de formação especializada viabilizarem a operacionalidade de tais equipas, tudo isto configurando assuntos que exorbitam das atribuições da Ordem dos Médicos, tal como são enunciadas pelo artigo 3.º, n.º 1, do respetivo estatuto.
                     8.ª — O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência visa a produção de efeitos jurídicos externos, tendo, por isso, sido submetido a consulta pública, em conformidade com o artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que não pode filiar-se na atribuição enunciada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Médicos: «Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes».
                     9.ª — Contribuir, ao nível de atribuições e competências de natureza pública, significa participar, colaborar ou cooperar em ordem a um fim cuja prossecução não é privativa da Ordem dos Médicos.
                     10.ª — Por seu turno, a atribuição consignada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea a) — «Regular [] o exercício da profissão de médico» — não é suficiente para habilitar a Ordem dos Médicos a definir, de modo unilateral e vinculativo, critérios de organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, até porque as associações públicas profissionais não podem concorrer com as associações sindicais (artigo 267.º, n.º 4, da Constituição) e com o respetivo âmbito de atividade (artigo 56.º). 
                     11.ª — Ao princípio da especialidade, na delimitação das atribuições das associações públicas profissionais (artigo 6.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro), acresce um princípio de tipicidade dos seus regulamentos (artigo 9.º, n.º 1), o qual impede a aprovação de regulamentos não previstos no respetivo estatuto ou em outro ato legislativo, como precisamente sucede com a matéria em causa, em face do Estatuto da Ordem dos Médicos.
                     12.ª O Regulamento, a ser aprovado, invadiria atribuições próprias do Estado e das entidades públicas empresariais que administram os hospitais, centros hospitalares e unidades de saúde local do Serviço Nacional de Saúde.
                     13.ª A constituição das equipas médicas nos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde é definida pelo regulamento interno de cada unidade de saúde, a aprovar pelo conselho de administração do hospital, centro hospitalar ou unidade de saúde local (artigo 7.º, n.º 1, alínea i) dos Anexos II e III do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro), e a homologar pela Ministra da Saúde, no exercício dos poderes de superintendência que lhe assistem (artigo 20.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro).
                     14.ª Os regulamentos das associações públicas profissionais devem conformar-se com as normas regulamentares aprovadas pelo Governo, quer constem de regulamentos de execução das leis (artigo 199.º, alínea b) da Constituição) quer constem de regulamentos independentes (artigo 199.º, alínea g]).
                     15.ª — De acordo com o artigo 241.º da Constituição, os regulamentos dos municípios e das freguesias, não obstante representarem o mais elevado grau de autonomia administrativa, encontram-se condicionados pelas normas regulamentares emanadas das autoridades com poder tutelar que incidam em questões de interesse nacional, o que vale, por maioria de razão, para os regulamentos das associações públicas profissionais.          
                     16.ª — Além do regulamento interno de cada serviço de urgência, a constituição das equipas médicas no Serviço Nacional de Saúde é objeto do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, e dos regulamentos que o executam, todos eles veiculando uma clara preferência por equipas multidisciplinares de profissionais médicos, em dedicação privilegiada aos serviços de urgência.
                     17.ª Pelo contrário, o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência visa criar equipas monodisciplinares, segundo várias proporções entre médicos especialistas e internos, em presença permanente ou de prevenção, segundo critérios demográficos, número de camas e níveis de responsabilidade de cada serviço de urgência.
                     18.ª — Por conseguinte, as disposições do artigo 1.º e do artigo 2.º, n.º 1 e n.º 2, do projeto infringem o disposto no artigo 4.º do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, e o disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Despacho n.º 10 390/2014, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 25 de julho, incorrendo em violação de lei.
                     19.ª Infringem, de igual modo, o Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, em cujo n.º 7 se prevê que o modo de participação da Ordem dos Médicos na constituição das equipas médicas nos serviços de urgência consiste em normas técnicas — indicação dos níveis assistenciais considerados apropriados — e que, segundo o mesmo preceito regulamentar, os diretores clínicos e os conselhos de administração adotam «sempre que possível».
                     20.ª — A intervenção reservada à Ordem dos Médicos, no tocante à constituição de equipas médicas nos serviços de urgência, consiste, pois, na indicação dos níveis assistenciais que tem por convenientes ou desejáveis, o que corresponde ao papel dos regulamentos não jurídicos, previstos no artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, sob as designações seguintes, entre outras possíveis: diretivas, recomendações, instruções, códigos de conduta ou manuais de boas práticas.
                     21.ª — Ainda que o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência viesse a produzir efeitos jurídicos, o seu âmbito de aplicação teria sempre de circunscrever-se aos profissionais inscritos na Ordem dos Médicos e aos candidatos à profissão, em conformidade com o artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, não podendo vincular, por conseguinte, as instituições do Serviço Nacional de Saúde.
                     22.ª — O projeto, no artigo 4.º, em especial nos seus n.ºs 2 e 3, define o conteúdo funcional do chefe de equipa médica de urgência, em contradição com os regimes das carreiras médicas, assim violando, especificamente o artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009 e o artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, ambos de 4 de agosto.
                     23.ª — Onde a lei prevê que o chefe de equipa, subsidiariamente, presta funções assistenciais aos doentes — i.e. na margem de disponibilidade que as tarefas de direção lhe consintam — o projeto de regulamento priva-o, por completo, de tais funções.
                     24.ª — Além de a Ordem dos Médicos estar obrigada a conformar toda a sua atividade administrativa com a lei e com os regulamentos do Governo, não pode, em caso algum intervir em assuntos de cariz sindical (artigo 267.º, n.º 4 da Constituição) — como sucede com as carreiras médicas — nem pode condicionar as relações económicas ou profissionais dos seus membros (artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e artigo 3.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Médicos).
                     25.ª — O Regulamento incorre, ainda, em desvio de poder, pois o motivo principalmente determinante da sua aprovação — conformar as equipas médicas de urgência segundo o paradigma da Ordem dos Médicos — contradiz o fim próprio das normas de competência regulamentar — regular o exercício da profissão segundo os princípios éticos e deontológicos.
                     26.ª No artigo 2.º, n.º 3, as prescrições do Regulamento são consideradas referência deontológica para todos os médicos, não obstante faltar-lhes dimensão axiológica e reiteração ou permanência que, segundo o artigo 1.º do Código Deontológico, são elementos constitutivos dos princípios e regras da deontologia médica.
                     27.ª — O desenvolvimento de princípios e regras deontológicos não pode servir para inculcar entre os profissionais médicos — designadamente, diretores clínicos e diretores de serviços de urgência — a convicção de que o trabalho em equipa multidisciplinar, prestado segundo o modelo atualmente praticado, constitui exercício da profissão eticamente reprovável.
                     28.ª — São, simplesmente, normas técnicas, parâmetros quantitativos e qualitativos, cuja aplicação pertence à administração hospitalar e, não, aos médicos. Normas e parâmetros que, pela sua volatilidade e contingência, nunca poderiam constituir desenvolvimento de princípios deontológicos.
                     29.ª — O dever deontológico de exercer a profissão em conformidade com as leges artis diz respeito ao ato médico, (artigo 10.º, n.º 1, do Código Deontológico) competindo a cada profissional prestar os melhores cuidados ao seu alcance (artigo 5.º) e cumprir as ordens e instruções do superior hierárquico que não cerceiem a sua autonomia ética e técnico-científica (artigo 6.º) nem impliquem a prática de um crime (artigo 271.º, n.º 3 da Constituição).
                     30.ª — Por isso, a responsabilidade de cada médico é individualmente apreciada, ao prestar serviço em equipas multidisciplinares: forma de organização do trabalho médico que o Código Deontológico não ignora, muito menos condena (artigo 9.º, n.º 2).
                     31.ª — A ser aprovado o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência as suas normas devem considerar-se nulas.
                     32.ª À invalidade das normas regulamentares por incompetência absoluta, por violação de lei ou por desvio de poder encontra-se associada a nulidade, como valor jurídico negativo, considerando que o artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 74.º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, permitem que seja declarada a todo o tempo, como é próprio do regime dos atos nulos.
                     33.ª Conquanto o artigo 144.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 74.º, n.º 2, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, estabeleçam um prazo de apenas seis meses para a impugnação ou declaração oficiosa da ilegalidade de normas administrativas, ambas as disposições pressupõem tratar-se de vícios procedimentais ou de forma, o que não é o caso de nenhum dos vícios das normas do projeto de Regulamento.
 
 
Texto Integral
Texto Integral: 

                                                                                              Senhora Secretária de Estado da Saúde,

                                                                                              Excelência,

       No exercício da competência que o Estatuto do Ministério Público[1] atribui aos membros do Governo (cf. artigo 44.º, alínea a]), Vossa Excelência houve por bem consultar a Procuradoria-Geral da República[2] quanto à legalidade da denominada Proposta de Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência[3] que o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos tem em vista submeter à aprovação da Assembleia de Representantes.

       Pretende Vossa Excelência— não só, mas principalmente — que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República esclareça se das atribuições da Ordem dos Médicos, conjugadas com a competência dos seus órgãos, decorre habilitação suficiente para o aludido regulamento definir o modo como devem ser constituídas as equipas de profissionais, segundo as várias especialidades médicas, em serviço nas unidades de urgência.

       Tal como apresentado à consulta pública, o projeto não exclui — antes compreende — o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e as equipas de profissionais médicos que, em regime de trabalho subordinado, prestam cuidados de saúde inadiáveis nos centros hospitalares, hospitais, unidades locais de saúde e outras instituições com serviços de urgência, organizados de acordo com o Despacho n.º 10 319/2014, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 25 de julho de 2014[4].

       Com este regulamento, o Governo definiu a estrutura do Sistema de Emergência Médica (SIEM), ao nível hospitalar e de articulação com o nível pré-hospitalar, especificou os diferentes níveis dos Serviços de Urgência (SU) e estabeleceu padrões mínimos relativos à organização, aos recursos humanos e sua formação, aos critérios e indicadores de qualidade, além de ter fixado orientações quanto a procedimentos de monitorização e avaliação dos serviços.

       Pondera Vossa Excelência que, a ser aprovado pela Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos e oficialmente publicado, o regulamento venha, de imediato, a introduzir perturbações no SNS, motivo por que o pedido de parecer vem assinalado com nota de urgência.

       É previsível, com efeito, que os profissionais médicos, os diretores clínicos e os conselhos de administração se interroguem acerca da vinculação jurídica que o regulamento produz no exercício da atividade clínica, principalmente, ao ser credenciado pela Ordem dos Médicos como referência deontológica para o exercício da profissão.

       Não deve sequer excluir-se a eventualidade de alguns profissionais médicos recearem cometer uma infração deontológica, caso continuem a prestar cuidados de saúde nos serviços de urgência, de acordo com as escalas definidas pelos superiores hierárquicos, em conformidade com as normas regulamentares atualmente em vigor.

       Por entender que, além de excedidos os poderes regulamentares da Ordem dos Médicos, há outras razões de peso para considerar ilegal o projeto, Vossa Excelência solicita a este corpo consultivo que leve a cabo uma apreciação global do mesmo, enunciando o pedido de parecer nos seguintes termos:

              «Verifica-se que a Ordem dos Médicos discorda do entendimento do Ministério da Saúde e mantém a sua Proposta de Regulamento, pelo que, atendendo á complexidade e delicadeza de que esta matéria se reveste, e considerando os reflexos que terá nos serviços e estabelecimentos de saúde do SNS e no acesso e prestação dos cuidados de saúde que cumpre ao Estado garantir, solicito a V. Exa. que se digne determinar que, com urgência, dada a eventual iminente publicação do regulamento, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República emita parecer sobre a referida Proposta de Regulamento».

       Uma vez requerida a apreciação global do projeto de regulamento, por acréscimo à questão sobre os poderes da Ordem dos Médicos para o aprovar, a consulta adentra-se numa competência ligeiramente diferenciada deste corpo consultivo.

       Com efeito, de acordo com o Estatuto do Ministério Público, também pode o Governo instar o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a pronunciar-se sobre a formulação e conteúdo jurídico de projetos de diplomas:

«Artigo 44.º

(Competência)

              Compete ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República:

              […]

              b) Pronunciar-se, a pedido do Governo, acerca da formulação e conteúdo jurídico de projetos de diplomas legislativos, assim como das convenções internacionais a que Portugal pondere vincular-se;

              […]».

       O preceito refere-se literalmente a diplomas legislativos e a convenções internacionais, mas pode entender-se contemplar, igualmente, diplomas regulamentares que suscitem dúvidas de igual natureza e complexidade.

       No entanto — e diferentemente do que sucede com os pedidos de parecer formulados ao abrigo da alínea a) do mesmo preceito[5] —, no exercício desta competência, a inventariação das questões jurídicas relevantes é confiada pelo órgão consulente ao órgão consultado.

       É o que faremos, sobretudo, com base nos elementos que acompanham o pedido: a correspondência oficial trocada entre o Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos, por ocasião da consulta pública a que o projeto de regulamento foi submetido, iniciada com a publicação oficial, a fim de serem recolhidas sugestões (artigo 101.º, n.º 1 e n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo[6]).

       Cumpre-nos, assim, emitir parecer[7] e com a prioridade devida às consultas requeridas com nota de urgência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público[8].

I

Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência: o projeto de regulamento da Ordem dos Médicos.

       Com o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, a Ordem dos Médicos pretende fixar o número mínimo de profissionais médicos, nos serviços de urgência, de acordo com vários níveis de resposta, delineados para o SNS.

       Os médicos surgem repartidos por 28 equipas — tantas quantas as diferentes especialidades, clínicas ou não clínicas, que a Ordem entende necessárias — pelo menos, nos serviços de urgência com o nível mais elevado de responsabilidade (artigo 1.º, n.º 1, e Anexo), embora, genericamente, consinta derrogações sazonais ou justificadas por circunstâncias imprevisíveis (artigo 2.º, n.º 2).

       Na constituição de cada equipa — como iremos poder confirmar através da reprodução integral do projeto de regulamento — é especificado o número mínimo de médicos especialistas e o número máximo de médicos internos (cf. Anexo).

       Para esse efeito, os médicos internos no último ano de formação especializada consideram-se aptos a integrar equipas de urgência, desde que cumprido o número mínimo de especialistas e satisfeitas outras condições (artigo 3.º).

       De igual modo, preveem-se diferentes graus de disponibilidade dos elementos de cada equipa: em presença permanente, em prevenção ou de chamada.

       Mais se providencia por demarcar o conteúdo funcional do chefe de equipa de urgência, adstringindo-o inteiramente a tarefas de direção e coordenação (artigo 4.º, n.º 3), sem funções assistenciais.

       Como tal, o chefe de equipa não pode ser considerado para o cômputo do número mínimo de especialistas da equipa (artigo 4.º, n.º 2).

       É necessário, antes de mais, que nos detenhamos no projeto de regulamento — nota preambular, articulado e anexo — segundo a redação publicada oficialmente quando da consulta pública[9]:

              «Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Estatuto da Ordem dos Médicos e no artigo 101.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos convida todos os interessados a apresentar, no prazo de 30 dias a contar da presente publicação, quaisquer sugestões à proposta de regulamento Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência que, deste modo, se torna pública:

              Regulamento da Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Saúde

              Nos termos do disposto no artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, constante do Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, “São atribuições da Ordem dos Médicos: a) regular o acesso e o exercício da profissão de médico” e “b) contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes”.

              Aquela regulação do exercício da atividade médica e a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes tornam imperiosa a definição dos padrões mínimos que devem presidir à constituição das equipas médicas dos serviços de urgência, por forma a garantir a qualidade e segurança dos cuidados de saúde prestados aos doentes.

              O direito à saúde, manifestação do princípio da dignidade humana, é um dos pilares do Estado de Direito estando consagrado no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa. A concretização deste direito implica uma responsabilidade conjunta de todos — cidadãos, sociedade, médicos e Estado.

              Foi dado cumprimento ao n.º 2 do artigo 9.º do Estatuto da Ordem dos Médicos e ao artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo, tendo a proposta de regulamento sido submetida a consulta pública.

              Assim, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º e com observância da alínea j) do n.º 1 do artigo 58.º, conjugado com a alínea b) do artigo 49.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, a Assembleia de Representantes aprovou, na sua reunião de [a inserir], o seguinte:

              Regulamento da Constituição das Equipas nos Serviços de Urgência

Artigo 1.º

(Objeto)

              1 — O presente regulamento tem por objeto a definição da constituição das equipas de urgência médicas das diferentes especialidades e tipos de urgência.

              2 — As equipas e tipos de urgência são os que constam das tabelas do Anexo I que considerou as especialidades contempladas nos diferentes níveis de resposta da rede de serviços de urgência definidos pelo Despacho n.º 10319/2014, do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da saúde, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 153, de 11 de agosto.

Artigo 2.º

(Critérios de fixação das equipas de urgência)

              1 — As equipas de urgência têm em consideração as características próprias dos diferentes tipos de urgência e especialidades médicas, a autonomia e diferenciação dos seus profissionais, assim como a heterogeneidade dos serviços, unidades e hospitais em que as mesmas são colocadas em prática.

              2 — As regras de constituição das equipas de urgência são suscetíveis de adaptação à organização dos diferentes serviços de urgência, nomeadamente em virtude da natureza e características de afluência, das épocas do ano e de circunstâncias excecionais imprevisíveis, devendo em qualquer circunstância salvaguardar a segurança dos doentes e dos próprios médicos.

              3 — A constituição das equipas de urgência identificadas no presente regulamento constitui uma referência ética e deontológica para todos os médicos, e uma garantia de qualidade e segurança para os doentes e para a comunidade em geral.

Artigo 3.º

              (Presença de Médico Interno do último ano em substituição de Especialista na Equipa)

              Os médicos internos que se encontram a frequentar o último ano de formação especializada podem ser escalados sem um médico especialista em presença física desde que verificadas as seguintes condições:

              a) O diretor de serviço assuma responsabilidade pela necessidade e adequação de escalar o médico interno sem tutela do médico especialista em presença física;

              b) Existência de um médico especialista da mesma especialidade devidamente escalado, ainda que, se necessário, em regime de chamada ou prevenção;

              c) Existência de concordância expressa e por escrito do médico interno.

Artigo 4.º

(Chefes de Equipa de urgência)

              1 — Cada turno de urgência deve ser dirigido por um chefe de equipa de urgência preferencialmente com a categoria de assistente graduado.

              2 — Ao chefe da equipa de urgência não é atribuída função assistencial, pelo que o mesmo não é considerado no número de especialistas que compõem a equipa de urgência da especialidade a que pertence.

              3 — São competências do chefe de equipa de urgência, entre outras, a coordenação das atividades e da qualidade técnica da prestação dos serviços pela equipa de urgência que dirige, resolvendo as questões que lhe sejam colocadas durante a respetiva “escala”, incluindo a coordenação da transferência de doentes, dos serviços do hospital fora das horas normais de presença ou funcionamento do respetivo conselho de administração, do internamento, das entradas no bloco, e reportando-as superiormente, caso se mostre necessário.

Artigo 5.º

(Entrada em vigor)

              O presente regulamento entra em vigor no dia subsequente á sua publicação.

ANEXO

              Anestesiologia

              Na SUB[10] onde existe internamento de doentes operados tem de estar prevista resposta de Anestesiologia em apoio permanente.

              No SUMC[11] ou SUP[12], independentemente do volume de trabalho inerente ao seu funcionamento, é critério de segurança básico a presença mínima de 2 médicos especialistas (médicos IFE[13] do 5.º ano poderão assumir funções equiparadas a especialista, de acordo com o seu nível de preparação, desde que não haja interferência com o cumprimento do programa de formação do internato e desde que exista especialista em presença física no Hospital em apoio contínuo).

              Nos SUP com Centro de Trauma, acresce 1 especialista de apoio a outras áreas.

              Por cada sala de operações em funcionamento: 1 médico especialista em presença física.

              Unidade de Obstetrícia com atividade anual <2 mil partos/ano: 1 médico especialista em presença física (desde que a Unidade de Saúde tenha equipa de urgência com outro anestesiologista; se esta última condição não se verificar, é obrigatória a existência mínima de 2 especialistas em presença física).

              Unidade de Obstetrícia com atividade anual ≥2 mil partos/ano: 2 médicos especialistas em permanência.

              Angiologia e Cirurgia Vascular

              Equipa com 2 elementos, pelo menos 1 deles médico especialista, e pelo menos 1 deles em presença física.

              Cardiologia

              Nos Hospitais com UCI[14] Cardíacos e com SUMC ou SUP devem estar escalados em presença física (24h/7d) 2 elementos da Cardiologia (2 médicos especialistas ou 1 médico especialista + 1 médico IFE, que atua sob a supervisão do especialista), sendo 1 para a UCI e outro para consultoria a todo o hospital, incluindo o SU.

              Nos Hospitais com programa de angioplastia primária, esta deve ser providenciada através de uma escala de prevenção (24h/7d) com 1 Cardiologista de Intervenção e por outros elementos não médicos do serviço, que intervêm com o apoio dos cardiologistas da escala em presença física.

              Nos Hospitais com Unidades de Eletrofisiologia com casuística elevada poderá justificar-se uma escala de prevenção (24h/7d) de subespecialista deste campo.

              Cirurgia Cardiotorácica

              UCI Cardiotorácica: 1 especialista por cada 12 doentes em regime de cuidados intensivos/intermédios.

              Prevenção para cirurgia cardíaca emergente, transplantação e ECMO/assistência ventricular: 3 médicos especialistas.

              Prevenção para cirurgia torácica: 2 médicos especialistas.

              Cirurgia Geral

              Nos Hospitais com Serviço de Cirurgia Geral, que tenham SUB ou não tenham SU, é obrigatório que:

              a) Haja Serviço de Urgência Interna, com 1 médico especialista de Cirurgia Geral em presença física permanente;

              b) Haja circuitos rápidos de transferência de doentes internados para os SUMC ou SUP.

              Para os SUMC e SUP a equipa mínima, independentemente da dimensão do Hospital e da área de influência, deverá ser constituída por 3 médicos especialistas, podendo 1 ser substituído por IFE do 4.º a 6.º anos.

              A equipa deverá ser acrescida de 1 elemento por cada 100 000 habitantes na área de influência direta acima de 200 000 habitantes. Nos SUP, por cada 200 000 habitantes indiretos dos SUMC que serve, deve acrescer 1 elemento à equipa. Nestes dois últimos casos, 1 destes elementos poderá estar escalado de prevenção a partir das 24h.

              Cirurgia Maxilo-Facial

              Nos SU dos Hospitais com Centros de Trauma, são necessários 2 elementos desta especialidade (tipicamente 1 médico especialista e um IFE). 24h/7d em presença física, prevenção ou chamada, consoante a orgânica específica de cada hospital.

              Cirurgia Pediátrica

              Hospitais nível III: 2 elementos em presença física com obrigatoriedade de 1 ser médico especialista e, se possível, 1 médico especialista em prevenção nos hospitais que recebem doentes politraumatizados.

              Hospitais nível II: 1 elemento em presença física e 1 elemento em prevenção (obrigatoriamente médico especialista).

             

              Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética

              No mínimo 2 elementos, que devem ser, preferencialmente, médicos especialistas de CPRE[15]. Os médicos internos deverão contar como 3.º elemento e só excecionalmente como 2.º elemento.

              Estomatologia

              Equipas constituídas por 2 médicos especialistas, podendo ser acompanhados por IFE.

              A modalidade de urgência a privilegiar seria a de presença física dedicada, salvaguardando-se, no entanto, a possibilidade da passagem de 1 dos médicos especialistas ao regime de prevenção.

              Gastrenterologia

              Equipa deve possuir no mínimo 1 médico especialista (ou 1 médico IFE do 5.º ano) com experiência de endoscopia de urgência.

              Na ausência de serviço de pediatria ou acesso a cuidados diferenciados de gastrenterologia pediátrica, os profissionais da equipa de urgência devem ter experiência e meios para realizar exames a doentes com idade pediátrica.

              Sempre que possível, deve existir disponibilidade de suporte por anestesista experiente nas diferentes formas de sedação adequadas ao doente e gravidade da doença (incluindo na proteção da via aérea, suporte hemodinâmico, ressuscitação).

              Ginecologia/Obstetrícia

              Hospital de Apoio Perinatal (IG ≥32 – 34S):

              <1200 partos anuais: médicos especialistas em presença física;

              1200 a 2200 partos anuais: 3 médicos especialistas em presença física (IFE 5.º/6.º ano pode substituir 3.º médico especialista; IFE 2.º ao 6.º ano pode substituir 4.º médico especialista).

              Hospital de Apoio Perinatal Diferenciado (sem limite de IG):

              <1500 partos anuais: 3 médicos especialistas em presença física (IFE 2.º ao 6.º ano pode substituir 3.º médico especialista);

              1500 a 2500 partos anuais: 4 médicos especialistas em presença física (IFE 5.º/6.º ano pode excecionalmente substituir 4.º médico especialista; IFE 2.º ao 6.º ano pode substituir 5.º médico especialista);

              >3500 partos anuais: 6 médicos especialistas em presença física (IFE 5.º/6.º ano pode substituir 5.º médico especialista; IFE 2.º ao 6,º ano pode substituir 6.º médico especialista).

              As equipas devem assegurar a urgência interna e os IFE de 1.º ano devem ser sem Supranumerários.

              Imunohemoterapia

              Os SU para os diferentes níveis hospitalares carecem de cobertura médica especializada de pelo menos 1 médico especialista, 24h em presença física nos Serviços de Medicina Transfusional e Serviços de Sangue.

              Poderá existir a necessidade de um 2.º médico especialista, nomeadamente nos SUP em que o movimento transfusional o justifique e/ou naqueles que sejam Centro de Referência para Coagulopatias Congénitas.

              Em situações excecionais, o apoio em período noturno poderá ser realizado em regime de prevenção.

              Medicina Intensiva

              Em hospitais dotados de serviço de Medicina Intensiva com tutela organizacional de áreas de nível III/nível II:

              Os SUMC/SUP devem incluir na equipa tipo do serviço 1 intensivista, preferencialmente com funções de Coordenação da Equipa Multidisciplinar da SE.

              Medicina Interna

              Por cada 50 doentes que recorrem diariamente ao SU deve existir 1 médico especialista e 1 médico IFE.

              Qualquer que seja a dimensão do SU, devem estar presentes pelo menos 2 médicos especialistas.

              Em hospitais com mais de 100 camas, é obrigatória a existência de uma escala de urgência interna, devendo, no caso dos Serviços de Medicina Interna, haver 1 médico especialista por cada 50 doentes internados.

              Nefrologia

              Sempre que exista unidade de internamento em Nefrologia, deve haver 1 médico especialista em presença física e 1 em prevenção.

              Deve estar escalado 1 médico especialista em presença física no período de funcionamento das unidades de hemodiálise.

              Se existir unidade de transplantação, deve existir um médico especialista de prevenção.

              Neurocirurgia

              Equipa com 1 médico especialista em presença física (pode ser substituído por IFE de último ano) e outro em prevenção.

              Neurologia

              Nos SUMC:

              a) Com via verde AVC/trombólise:

              Das 8-24h, 2 médicos especialistas (ou 1 médico especialista + 1 IFE) em presença física;

              Das 24-8h, 1 médico especialista em presença física ou médico IFE de 5.º ano + 1 médico especialista de prevenção;

              b) Hospitais sem via verde AVC/trombólise: das 8-20h, 1 médico especialista em presença física ou 1 médico IFE de 5.º ano com 1 médico especialista de prevenção[16];

              Nos SUP:

              Das 8-24h, 2 médicos especialistas em presença física ou 1.º médico IFE 5.º ano em presença física + 1 médico especialista em prevenção.

              Urgência Metropolitana de Trombectomia deve ter escala própria 24h/7d com 1 médico especialista ou 1 médico Ife de 5.º ano.

              Hospitais especializados (IPO, p.e.): SU das 8-20h com 1 médico especialista ou médico IFE 5.º ano + 1 médico especialista de prevenção.

              Neurorradiologia

              Para relatar TC e RMN urgentes deve estar escalado 1 médico especialista ou 1 médico IFE de 5.º ano + 1 médico especialista de prevenção.

              A angiografia é efetuada exclusivamente por especialistas em Neurorradiologia com treino específico em Neurorradiologia de Intervenção (em equipas de 2 médicos).

              Oftalmologia

              SU com volume diário médio <20 doentes e sem cirurgia de urgência: 1 médico especialista.

              SU com volume diário médio> 20 doentes: 2 médicos especialistas em presença física.

              No SU Metropolitano acresce 1 médico especialista em regime de prevenção; nas equipas com mais que 1 elemento, o 2.º ou 3.º elementos podem ser substituídos por médico IFE dos 2 últimos anos de formação.

              Ortopedia

              SU com até 150 000 habitantes na área de referenciação: 2 médicos especialistas ou 1 médico especialista + 1 médico IFE do 4.º ao 6.º anos.

              SU com até 350 000 habitantes na área de referenciação: 3 médicos especialistas ou 2 médicos especialistas + 1 médico IFE do 4.º ao 6.º anos.

              SU com mais de 350 000 habitantes na área de referenciação: 4 médicos especialistas ou 2 médicos especialistas + 2 médicos IFE do 4.º ao 6.º anos.

              Otorrinolaringologia

              Equipa constituída por 1 médico especialista e 1 médico IFE em presença física + 1 médico especialista em prevenção para urgências cirúrgicas.

              Patologia Clínica

              Nos SUB, apoio laboratorial ao SU deve ser feito com supervisão de médico especialista.

              Nos hospitais com SUMC com apoio a camas de cuidados intensivos: 1 médico especialista 24 h em presença física. Se não houver apoio a UCI: 1 médico especialista em presença física ou prevenção (a definir localmente).

              Nos SUP deve haver 1 médico especialista em presença física 24h/dia.

              Pediatria

              O SU externo deve ter 1 elemento destacado para a unidade de observações + 1 elemento adicional por cada 20 doentes atendidos em período de 12h. Pelo menos metade da equipa deve ser constituída por médicos especialistas.

              Médicos IFE de 5.º ano podem desempenhar funções equiparadas a especialista, médico IFE de 1.º ano de Pediatria, médico IFE de outras especialidades ou IFG[17] são considerados supranumerários.

              Todos os hospitais com internamento de Pediatria devem ter escala de SU interno autónoma assegurada por um médico especialista (ou médico IFE de 5.º ano).

              Hospitais com Bloco de Partos devem ter assistência neonatal assegurada de forma independente da Urgência Externa.

              Unidades de Cuidados Intensivos e Intermédios devem também ter escala independente.

              Unidades de Nefrologia ou Hepatologia Pediátrica com programas de diálise e/ou transplantação renal/hepática devem ter 1 subespecialista de Nefrologia/Gastrenterologia Pediátrica (ou com diferenciação em Hepatologia Pediátrica) de urgência em regime de prevenção 24h.

              Pneumologia

              Nos SUB, Pneumologia deve poder garantir apoio ao SU sob a forma de consultadoria nas 12-24h imediatas à admissão do doente (no caso de internamento).

              Nos SUMC, poderá haver 1 médico especialista de prevenção ou em presença física.

              Nos SUP deve haver uma escala de prevenção da Pneumologia de Intervenção complexa a nível regional, assegurada por 1 médico especialista.

              Psiquiatria

              As equipas devem ser constituídas por 2 médicos especialistas em presença física (IFE do último ano pode substituir 1 médico especialista) em urgências com área de referenciação até 250 000 habitantes.

              Deve acrescer 1 médico especialista se a área de referenciação for superior a 250 000 e até 500 000 habitantes, e 2 médicos especialistas se superior a 500 000 habitantes.

              No período entre as 20-8h (ou 21-9h, dependendo da organização da respetiva instituição) a urgência presencial pode ser assegurada por menos 1 elemento do que os referidos anteriormente.

              As equipas mínimas poderão ser adequadas á média de atendimentos urgentes contabilizadas nos anos 2017-2019 no respetivo dia da semana, respeitando um rácio máximo de 12 atendimentos por cada 12 horas de serviço do médico especialista.

              Psiquiatria da infância e da Adolescência

              As equipas devem ser constituídas no mínimo por 1 médico especialista 1 médico IFE.

              Radiologia

              A adequada resposta num SUMC requer a disponibilidade de 1 médico especialista, idealmente em presença física 8eventualmente complementado pelo regime de prevenção). Num SUP, a resposta deve ser assegurada por 1 médico especialista obrigatoriamente em presença física.

              Os hospitais centrais com Centro de Trauma necessitam de equipas com o mínimo de 2 radiologistas gerais em presença física e 1 radiologista de intervenção em regime de prevenção.

              Urologia

              Equipa pode ser constituída por 1 médico especialista e 1 médico IFE em presença física ou por 2 médicos especialistas (podendo 1 deles estar em regime de prevenção).

              O regime de prevenção só pode ser assegurado por especialistas.

              6 de outubro de 2021. — O Bastonário da Ordem dos Médicos, José Miguel Guimarães».

       Passado o projeto em revista, encontramo-nos em melhores condições de recensear e alcançar o exato sentido das questões controvertidas que se suscitam para lá da competência.

       Socorremo-nos do contraditório entre a Senhora Ministra da Saúde e o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos, conhecido a partir da troca de correspondência oficial.

II

Das questões controvertidas.

       II.1. Ao tomar parte na consulta pública, iniciada após a publicação do projeto de regulamento, a Senhora Ministra da Saúde fez chegar ao Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos[18] as objeções que o Governo opõe ao mérito do projeto e um amplo conjunto de reservas suscitadas pelo confronto das disposições com a Constituição e com a lei, o que nos permitimos resumir e sistematizar, nos seguintes termos:    

              (i) Propondo-se definir a constituição das equipas de profissionais médicos nos serviços de urgência, em número de efetivos, por especialidades — internos e especialistas — segundo os diversos níveis de atendimento e cuidados de saúde e com definição do conteúdo funcional do chefe de equipa, o regulamento ultrapassa, em muito, as atribuições da Ordem dos Médicos, tal como enunciadas pelo artigo 3.º do respetivo Estatuto[19].

              (ii) O objeto e o conteúdo do regulamento dizem respeito ao Governo e à sua competência para aprovar os regulamentos necessários a executar as leis (artigo 199.º, alínea c) da Constituição[20]), em especial a competência do Ministro da Saúde, tal como é enunciada pela orgânica do Ministério da Saúde (Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de dezembro[21]) e que foi oportunamente exercida com a publicação do Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, o qual define os níveis de responsabilidade dos serviços de urgência do SNS, «incluindo os respetivos padrões mínimos de estrutura, recursos humanos, formação, critérios e indicadores de qualidade».

              (iii) Não cabe à Ordem dos Médicos aprovar um regulamento de execução do referido despacho. E, ainda que pudesse aprovar um regulamento independente, este teria de identificar, em cumprimento do disposto no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição, as pertinentes normas de habilitação: aquelas que definem a competência objetiva e subjetiva da Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos para aprovar normas de organização e funcionamento das unidades do SNS.

              (iv) Uma vez que definem, de modo unilateral, aspetos nucleares do funcionamento da rede hospitalar pública, as disposições do projeto mostram-se incompatíveis com o Regime Jurídico e Estatutos Aplicáveis às Unidades do SNS (Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro[22]), pois é desconsiderada a autonomia própria dos órgãos de direção e administração dos hospitais, centros hospitalares, unidades locais de saúde e outros estabelecimentos que prestam cuidados aos utentes do SNS, alguns em regime de parceria público‑privada.

              (v) O objeto e o conteúdo do projeto de regulamento comprometem, ainda, os poderes de superintendência e tutela administrativa do Governo, em especial, do Ministro da Saúde, com relação ao SNS, enquanto conjunto de institutos públicos e entidades públicas empresariais que fazem parte da administração indireta do Estado (artigo 199.º, alínea d), da Constituição).

              (vi) A eficácia externa que o regulamento visa alcançar ultrapassa largamente o âmbito pessoal de aplicação próprio dos regulamentos das associações públicas profissionais, violando, assim o artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro[23].

              (vii) O domínio material do projeto vai além do necessário para o desempenho das atribuições da Ordem dos Médicos, enunciadas no artigo 3.º do respetivo Estatuto, pelo que a sua aprovação infringirá o princípio da especialidade (cf. artigo 6.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

              (viii) Os parâmetros adotados, por exemplo, o número de especialistas e internos, por equipa, e a proporção entre ambos, não são acompanhados por estudos ou pareceres que lhes confiram um suporte empírico, além de não se harmonizarem com características muito peculiares dos serviços de urgência hospitalar, como é o caso da elevada procura em situações clínicas não urgentes ou de urgência muito relativa e cujo atendimento pode ser confiado aos cuidados de saúde não hospitalares ou mesmo ser programado para consulta médica.

              (ix) Tão-pouco são apresentadas pela Ordem dos Médicos soluções alternativas à afetação de especialistas aos serviços de urgência, «aparentando não equacionar sequer cenários de articulação de situações agudas não urgentes com outros níveis de prestação de cuidados, de especialização das equipas afetas aos serviços de urgência ou de concentração de recursos em alguns pontos da rede de serviços de urgência em alinhamento com as necessidades de saúde da população».

              (x) A Ordem dos Médicos, ao condicionar o exercício da profissão médica nos serviços de urgência a um mínimo de especialistas e internos, em cada equipa, pode estar a incentivar os profissionais médicos, com prejuízo da relação jurídica de trabalho com o SNS, a recusarem a prestação de cuidados de saúde, se os serviços de urgência não satisfizerem os parâmetros assistenciais impostos pelo futuro regulamento.

              (xi) Uma vez que ali se dispõe não competir ao chefe de equipa médica de urgência o desempenho de funções assistenciais, ocorre violação dos regimes das carreiras médicas: do artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto[24], e do artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto[25].

              (xii) O regulamento, a ser aprovado, deixa de fora os serviços de urgência ou de atendimento permanente não compreendidos no SNS, nomeadamente em unidades de saúde particulares com serviços de atendimento permanente, criando, deste modo, um fator de discriminação na prestação de cuidados de saúde, não raro, pelos mesmos profissionais médicos. 

       II.2. Às observações da Senhora Ministra da Saúde retorquiu o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos o que seguidamente enunciamos de forma condensada[26]:

              (1) O regulamento atém-se às atribuições da Ordem dos Médicos (artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Estatuto) e às competências da Assembleia de Representantes (artigo 58.º, n.º 1, alínea j) e artigo 49.º, alínea b) do Estatuto), pois trata-se de regular o exercício da profissão de médico e de contribuir para a proteção e promoção da saúde de todos.

              (2) O projeto identifica as normas habilitantes — aquelas que definem a competência objetiva e subjetiva para a sua aprovação — precisamente, ao invocar as referidas normas respeitantes às atribuições da Ordem dos Médicos e às competências do Conselho Nacional (iniciativa) e da Assembleia de Representantes (discussão e aprovação).

              (3) O regulamento não conflituará com as competências regulamentares do Governo, uma vez que se limita a definir a composição das equipas, «de acordo com aquilo que são as boas práticas médicas, isto é, a ética e a deontologia profissionais».

              (4) Sem o cumprimento dos parâmetros quantitativos e qualitativos mínimos que o projeto de regulamento enuncia, não podem os médicos corresponder às boas práticas clínicas e, por conseguinte, exercer a profissão de médico segundo os princípios e regras deontológicos próprios.

              (5) Justamente por representar um exercício da competência regulamentar no domínio deontológico, surge no artigo 2.º, n.º 3, a qualificação das suas disposições como «uma referência ética e deontológica, para todos os médicos, e uma garantia de qualidade e segurança para os doentes e para a comunidade em geral».

              (6) A aprovação dos regulamentos sobre ética e deontologia da profissão encontra-se reservada à Ordem dos Médicos (cf. alíneas a), b), e c) do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), artigo 58.º, n.º 1, alíneas j) e s), artigo 69.º, n.º 2, alínea b), e artigo 144.º do Estatuto), motivo por que o princípio da especialidade (cf. artigo 6.º) é observado.

              (7) Não se vislumbra desconformidade com o Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, por meio do qual o Governo exerceu a sua competência regulamentar, definindo «as coberturas que devem ser asseguradas aos utentes, isto é, as especialidades médicas que devem estar presentes nesses serviços de urgência».

              (8) As normas do regulamento deferem aos órgãos de administração hospitalar um poder discricionário que lhes consente enfrentarem circunstâncias atípicas.

              (9) O Governo continua a poder aprovar diretivas e recomendações dirigidas ao SNS, sem que o regulamento venha diminuir-lhe o poder de superintendência.

              (10) A iniciativa do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos insere-se na atividade regulamentar e, por isso, não se encontra vinculada pelo dever de fundamentação, próprio dos atos administrativos, motivo por que as observações formuladas quanto à falta de sustentação técnico-científica não colhem.

              (11) Os regimes das carreiras médicas permanecerão incólumes, mesmo no que diz respeito ao chefe de equipa, pois este terá como conteúdo funcional o trabalho de direção, sem prejuízo de «auxiliar as equipas no âmbito das suas especialidades, pois a isso se encontram ética e deontologicamente obrigados, sob pena de violação do dever de auxílio».

              (12) O futuro regulamento compreende os cuidados de saúde prestados no setor privado, não se circunscrevendo ao SNS.

              (13) Por fim, não há qualquer incitamento à recusa de prestação de cuidados de saúde por parte dos profissionais médicos, caso deparem com diferentes composições das equipas, pois tal comportamento só pode decorrer contra «ordens cujo cumprimento possa fazer incorrer os médicos na prática de crime».

       O contraditório vindo de expor proporciona uma adequada delimitação do objeto da consulta e permite sistematizar as questões controvertidas a abordar ao longo da exposição, de modo a serem formuladas, consequentemente, as conclusões finais.

       Previamente ao enunciado das perguntas que servirão de guia à investigação, importa sanear duas questões controvertidas — entre o Governo e a Ordem dos Médicos — que, por não serem de estrita legalidade, apenas abordaremos quanto a aspetos laterais.

III

Delimitação do objeto da consulta.

         III.1. Damo-nos conta, na verdade, de que duas questões — em parte, pelo menos — dizem respeito ao mérito do projeto, não podendo ser consideradas na apreciação de legalidade pedida a este corpo consultivo.

       O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República pronuncia-se, apenas e tão-só, sobre questões de legalidade, cumprindo-lhe abster-se de opinar acerca de questões de conveniência ou de oportunidade na prossecução do interesse público, tal como resulta da pertinente disposição do Estatuto do Ministério Público em norma que passamos a transcrever:

«Artigo 44.º

(Competência)

              Compete ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República:

              a) Emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou por solicitação do Presidente da Assembleia da República, dos membros do Governo, dos Representantes da República para as regiões autónomas ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas;

              […]».

       Como tal, apenas nos pronunciaremos acerca das questões de direito, mas não deixaremos de considerar o contraditório entre o Governo e a Ordem dos Médicos a respeito do mérito da iniciativa se isso contribuir para aclarar o sentido das normas contidas no projeto.

       III.2. A primeira dessas questões diz respeito à falta dos elementos em que a cada um dos colégios da especialidade se baseou para determinar os efetivos mínimos de cada equipa médica.

       A Senhora Ministra da Saúde objeta à Ordem dos Médicos que as opções quantitativas e qualitativas vertidas nos limiares mínimos de profissionais médicos por cada equipa não é sustentada em estudos nem outros elementos técnicos ou científicos que permitam fundamentar opções soluções concretas.

       E, com efeito, era de supor que as especificações oferecessem um fundamento estatístico ou se inspirassem em relatórios nacionais ou internacionais relativos a equipas de urgência.

       O dever de fundamentação decorre do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição[27] é concretizado pelo Código do Procedimento Administrativo, nos termos seguintes:

«Artigo 152.º

(Dever de fundamentação)

              1 — Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:

              a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;

              b) Decidam reclamação ou recurso;

              c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;

              d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;

              e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.

              2 — Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal».

       A fundamentação pratica-se por meio de «sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato» (artigo 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

       Nada, com efeito, obriga a fundamentar o regulamento, mas o dever de os órgãos da Administração Pública fundamentarem certos atos administrativos não impede que procedam de igual modo, tanto quanto possível, com relação aos regulamentos, servindo-se, designadamente, das exposições de motivos que precedem o articulado.

       Constitui, em todo o caso, uma questão de mérito e não de legalidade, salvo num outro aspeto.

       É que, ao submeterem projetos de regulamentos à recolha de sugestões, por consulta pública, os órgãos administrativos devem fazer acompanhá-los de um estudo acerca da razoabilidade das soluções.

       Com efeito, determina-se no Código do Procedimento Administrativo o seguinte[28]:

«Artigo 99.º

(Projeto de regulamento)

              Os regulamentos são aprovados com base num projeto, acompanhado de uma nota justificativa fundamentada, que deve incluir uma ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas».

       Embora o regulamento se encontre desobrigado de exibir fundamentação, o projeto que está na sua origem carecia de uma nota justificativa que, a fim de enriquecer a consulta pública, contivesse, pelo menos, uma estimativa de custos e benefícios das medidas.

       Não dispomos, porém, de elementos que permitam asseverar não ter a Ordem dos Médicos, entretanto, vindo a tornar pública a nota justificativa exigida pelo preceito transcrito.

       III.1.2. Por outro lado, a Senhora Ministra da Saúde criticou à Ordem dos Médicos abster-se de formular critérios de constituição das equipas médicas de urgência que permitam enfrentar circunstâncias excecionais, nomeadamente picos extraordinários de procura dos serviços de urgência, de modo genérico ou com maior sobrecarga para determinadas especialidades.

       A Ordem dos Médicos opõe ter conferido ao regime a necessária flexibilidade, permitindo adaptações cuja necessidade e oportunidade são, por natureza, imprevisíveis.

       Assim, no artigo 2.º, n.º 2, o futuro regulamento consente uma «adaptação à organização dos diferentes serviços de urgência» segundo a afluência, épocas do ano e circunstâncias excecionais imprevisíveis. Adaptação que, em qualquer caso, deve «salvaguardar a segurança dos doentes e dos próprios médicos».

       À partida, este aspeto tem a ver apenas com as qualidades do regulamento: se prossegue melhor ou pior o interesse público.

       No entanto, como a norma nada dispõe acerca da competência para levar a cabo tais adaptações conjunturais — com o que suscita uma questão de legalidade e não, de mérito — voltaremos a este ponto.

       III.2. Em vista do pedido de parecer e da análise que vimos de empreender ao contraditório desenvolvido entre o Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos, importa ordenarmos a apreciação da legalidade do projeto de regulamento e de cada uma das prescrições regulamentares que, a título individual, suscitam dúvidas.

       Com esse desiderato, iremos orientar-nos pelas questões seguidamente especificadas, sem embargo, naturalmente, de enfrentarmos outras problemáticas que venham a emergir.

              (a) As atribuições e normas de competência invocadas pela Ordem dos Médicos, à luz do princípio da especialidade, permitem aprovar um regulamento que define a composição das equipas dos serviços de urgência, em especial nas unidades do Serviço Nacional de Saúde?

              (b) Destinatários das normas são os profissionais médicos ou as administrações dos serviços e estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde?

              (c) Podem tais normas ser qualificadas como desenvolvimento dos princípios e regras deontológicos que orientam o exercício da profissão?

              (d) Os regulamentos da Ordem dos Médicos encontram-se subordinados aos regulamentos aprovados pelo Governo sobre organização e funcionamento do SNS, designadamente ao Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho, ou apenas devem obediência à Constituição e à lei?

              (e) A ser aprovado, o regulamento compromete os poderes de superintendência e de tutela exercidos pelo Ministro da Saúde sobre o SNS?

              (f) E interfere, de modo invasivo, nas competências próprias dos órgãos de administração das unidades de saúde?

              (g) Pode a regulamentação do exercício da profissão de médico delimitar as funções de chefia das equipas médicas de urgência, propondo-se interpretar o conteúdo funcional descrito nos regimes das carreiras médicas?

              (h) Que meios assistem ao Governo para fazer prevalecer a sua posição quanto à ilegalidade do regulamento e defender a unidade e autonomia do Serviço Nacional de Saúde, que considera comprometidas?

IV

Caracterização preliminar do projeto de regulamento.

       Há elementos literais e sistemáticos do projeto — uns de caráter formal, outros de conteúdo — que se prestam, de imediato, a observações.

       Perfunctórias, é certo, mas que permitem discernir contradições significativas e reconhecer algumas características das normas, cujo recenseamento não deve ser relegado para fase ulterior.

       IV.1. Em primeiro lugar, o elemento literal não deixa dúvidas quanto ao caráter imperativo que se pretende imprimir às normas.

       As disposições sobre a composição das equipas utilizam alternadamente os verbos «poder» e «dever», mas o primeiro é empregue, sobretudo, para desagravar exigências em situações consideradas excecionais ou para consentir no regime de prevenção ou na intervenção de médicos internos.

       Por via de regra, de modo expresso ou implícito, é usado o verbo «dever».

       É certo que, num ou outro caso, distingue-se a composição ideal de uma composição possível das equipas médicas de urgência, mais pragmática, em face das contingências de pessoal e dos recursos financeiros necessários:

              «A adequada resposta num SUMC requer a disponibilidade de 1 médico especialista, idealmente em presença física […]» (cf. Radiologia).

       Contudo, outras disposições acentuam, indiscutivelmente, um imperativo.

       Recenseamos três casos particularmente eloquentes:

              «Em hospitais com mais de 100 camas, é obrigatória a existência de uma escala de urgência interna, devendo, no caso dos Serviços de Medicina Interna, haver 1 médico especialista por cada 50 doentes internados» (cf. Medicina Interna);

              «Equipa constituída por 1 médico especialista e 1 médico IFE em presença física + 1 médico especialista em prevenção para urgências cirúrgicas». (cf. Otorrinolaringologia);

              «O regime de prevenção só pode ser assegurado por especialistas». (cf. Urologia).

       IV.2. Por outro lado, embora o regulamento discipline o exercício de certas especialidades médicas e sua expressão quantitativa, não convoca a competência «única e exclusiva» da Ordem dos Médicos, em matéria de «individualização das especialidades, subespecialidades e competências médicas e cirúrgicas» (cf. artigo 75.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Médicos).

       A diferenciação entre o médico especialista e o médico interno[29], com diferentes competências, segundo o número de anos de formação, parece constituir matéria de especialidades para tal efeito.

       De resto, o Anexo consagra, por especialidade médica, os efetivos mínimos e os efetivos desejáveis na composição das equipas, segundo critérios próprios de cada uma.

       IV.3. O regulamento concede poderes discricionários a órgãos absolutamente alheios à Ordem dos Médicos — não se sabe se aos conselhos de administração ou às direções clínicas — para introduzirem adaptações, ou mesmo derrogações, aos requisitos quantitativos e qualitativos das equipas, de acordo com circunstâncias anómalas.

       Assim, admite-se que as regras de constituição das equipas de urgência se adaptem «à organização dos diferentes serviços de urgência, nomeadamente em virtude da natureza e características de afluência, das épocas do ano e de circunstâncias excecionais imprevisíveis, devendo em qualquer circunstância salvaguardar a segurança dos doentes e dos próprios médicos» (artigo 2.º, n.º 2).

       A norma levanta dois problemas que podem comprometer a sua legalidade.

       Além de vigorar, na nossa ordem jurídica, o princípio da inderrogabilidade singular das normas regulamentares (artigo 142.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo), ocorre uma contradição entre a titularidade da competência para definir a constituição das equipas médicas das urgências hospitalares em circunstâncias comuns e em circunstâncias excecionais, que exigem um discernimento mais complexo e conhecimentos oriundos da experiência hospitalar.

       Se, por hipótese, a competência para definir a constituição das equipas de urgência pertencesse à Ordem dos Médicos, então, não poderia ser renunciada parcialmente sem incorrer na nulidade prevista pelo Código do Procedimento Administrativo:

«Artigo 36.º

(Irrenunciabilidade e inalienabilidade)

              1 — A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição.

              2 — É nulo todo o ato ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins legalmente previstas.

       Tão-pouco seria de admitir uma delegação de poderes, pois o n.º 2 do artigo 2.º do projeto não identifica sequer os órgãos aos quais competiria proceder às necessárias adaptações circunstanciais.

       A norma, de resto, é reveladora de uma contradição nos termos. Se competisse à Ordem dos Médicos definir como se constituem as equipas por se tratar de disciplinar o exercício da profissão, seria incongruente não conservar essa mesma definição em circunstâncias de especial adversidade para o exercício da profissão (picos de afluência, férias do pessoal médico, situações clínicas com regularidades sazonais), pois são estas circunstâncias a reclamar, mais instantemente, a definição de boas práticas.

       IV.4. Observamos, ainda, que as disposições enunciadas, no articulado como também no Anexo, apesar de consideradas referências éticas e deontológicas para os profissionais médicos (cf. artigo 2.º, n.º 3, do projeto), não sugerem qualquer dimensão axiológica própria e só constituiriam critério de conduta dos profissionais médicos caso os serviços de urgência funcionassem em autogestão.

       A autogestão constitui um direito, cuja titularidade e exercício, no entanto, são inteiramente deixados à lei[30] (artigo 61.º, n.º 5, da Constituição); não, ao regulamento.

De qualquer modo, a orientação de boas práticas é confundida com o desenvolvimento dos princípios éticos da profissão.

       O futuro regulamento propõe-se determinar quais são as especialidades médicas com presença obrigatória em todos os serviços de urgência e estabelece um quantitativo mínimo de profissionais médicos de cada especialidade, segundo critérios muito diferenciados — demográficos, nível do SU, ou estatísticos: volume de atos médicos praticados, número de camas ou de atendimentos.

       Preveem-se, ainda, equiparações, para efeitos de composição mínima de equipas, entre médicos especialistas e médicos internos de formação geral ou especial:

              «Médicos IFE de 5.º ano podem desempenhar funções equiparadas a especialista; médico IFE de 1.º ano de Pediatria, médico IFE de outras especialidades ou IFG são considerados supranumerários» (cf. Pediatria).

       Nenhum destes preceitos é revelador de critérios morais ou deontológicos. Tão-pouco a delimitação do conteúdo funcional próprio do chefe de equipa manifesta significado ético, ao nível da consciência moral, capaz de prevalecer sobre a relação jurídica de emprego público, definida por lei ou por contrato.

       Aquilo que, do ponto de vista médico, deve considerar-se conveniente — boas práticas, leis da arte — não deve confundir-se com os princípios comportamentais do médico na sua relação com o doente ou com os outros profissionais, segundo a valoração concedida a certos bens eticamente valiosos: a vida, a lealdade, a liberdade ou a reserva de intimidade.

       Paradoxalmente, não é invocado como competência subjetiva nem objetiva o artigo 144.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, apesar de conter uma norma de competência para desenvolver regras deontológicas. Tão-pouco é estabelecida no projeto qualquer conexão com o Código Deontológico[31].

       IV.5. A bem dizer, o futuro regulamento sugere uma vinculação das unidades de urgência médica do SNS, própria dos regulamentos internos de administração hospitalar.

       É certo que nunca o afirmam expressamente, pois o projeto abstém-se de indicar qual o âmbito de aplicação do futuro regulamento, mas, na verdade, as referências múltiplas à estrutura e organização do Sistema Integrado de Urgência Médica, definidas no Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, apresentam um teor muito próximo daquilo que poderia constituir um diploma regulamentar do Governo a ser aplicado ao Serviço Nacional de Saúde.

       E a centralidade do SNS não decorre, simplesmente, das referências à tipologia dos SU.

       O critério da população servida ou domiciliada na área de influência do SU, usado para algumas especialidades médicas, o volume médio de atendimentos ou o número de doentes só podem compreender-se em função da universalidade e generalidade do SNS (artigo 64.º, n.º 2, alínea a), da Constituição).

       As unidades de saúde privadas ou do setor social que disponham de serviços de atendimento permanente, ou mesmo de serviços de urgência não obedecem à tipologia usada pelo SNS. Tão-pouco se prestam a uma diferenciação baseada nos mesmos dados estatísticos, precisamente por não prestarem um serviço universal, geral nem tendencialmente gratuito.

       Com efeito, o alcance do projeto para ser verdadeiramente indiferenciado — geral, numa palavra — haveria de usar critérios compatíveis com as diversas instituições de saúde privadas e com os profissionais em regime liberal, que completam, no território nacional, a oferta de cuidados de saúde, prestando os seus serviços à população, mediante tarifário estipulado livremente, ou através de acordos ou convenções com o SNS e com os vários subsistemas de saúde — públicos, sociais e privados[32].

       Aliás, em rigor, este nunca seria um projeto de regulamento nacional, nem sequer para os cuidados de saúde prestados pelo setor público, pois deixa de fora os serviços de saúde próprios das regiões autónomas[33].

       Por conseguinte, não é prematuro afirmar que o projeto de regulamento trazido a consulta não diz respeito ao exercício da profissão de médico, em geral, mas apenas aos cuidados de saúde urgentes, prestados em equipa, nas unidades do SNS e em regime de trabalho subordinado.

       IV.6. Se, do ponto de vista material, o projeto tende a constituir um regulamento de execução do Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, já do ponto de vista formal, a Ordem dos Médicos configura-o como um regulamento autónomo, ao invocar a competência da Assembleia de Representantes para «discutir e aprovar os regulamentos que lhe forem submetidos para apreciação pelo conselho nacional» (cf. artigo 49.º, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Médicos) e a competência do Conselho Nacional para elaborar os regulamentos de âmbito nacional da Ordem dos Médicos e de os submeter à aprovação da Assembleia de Representantes (cf. artigo 58.º, n.º 1, alínea j]).

       A competência objetiva, por sua vez, diz-se suportada nas atribuições da Ordem dos Médicos consignadas no artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b): «Regular o acesso e o exercício da profissão de médico», por um lado, e «Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes», por outro.

       A verdade é que atribuições e normas de habilitação regulamentar não formam uma equação.

       IV.7. Refira-se, por último, que, acerca da recusa a ordens e instruções concedidas aos profissionais médicos do SNS, respondeu o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos, que a legitimidade da desobediência se circunscreve aos comandos hierárquicos de cujo cumprimento possa decorrer a prática de crime.

       É, na verdade, o que admite o artigo 271.º, n.º 3, da Constituição: o dever de obediência cessa logo que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.

       Contudo, o exercício livre e independente da profissão médica nem sempre se coaduna com a subordinação hierárquica, o que pode gerar conflitos de deveres.

       IV.8. Sem prejuízo das considerações que antecipámos, as questões suscitadas pela consulta convocam-nos para a análise sucessiva de seis diferentes problemáticas à luz do direito positivo e da dogmática do direito administrativo:

              — O papel do regulamento enquanto fonte de direito e, ao mesmo tempo, produto da atividade administrativa na satisfação das necessidades coletivas incumbidas à administração pública, compreendendo os regulamentos da administração autónoma;

              — O lugar das associações públicas profissionais na organização administrativa, em especial, o poder regulamentar dos seus órgãos;

              — A Ordem dos Médicos, como associação pública profissional, os poderes regulamentares que lhe assistem;

              — A caracterização dos princípios e normas deontológicos;

              — O Serviço Nacional de Saúde, sua autonomia de organização e funcionamento, bem como a superintendência e a tutela administrativa exercidas pelo Ministro da Saúde;

              — O Serviço Integrado de Emergência Médica e, dentro deste, os Serviços de Urgência, sob a disciplina de um conjunto de regulamentos aprovados pelo Governo e que importa conhecer com alguma detenção.

       Em seguida, cuidaremos de confrontar e aplicar os elementos coligidos ao projeto de regulamento cuja apreciação nos é solicitada, individualizando e concretizando eventuais vícios das suas normas e que possam comprometer a sua validade ou a sua eficácia jurídica.

V

O regulamento administrativo.

       Começamos por demarcar o lugar que o regulamento possui na ordem jurídica, ao mesmo tempo que constitui uma forma da atividade administrativa.

       A norma regulamentar providencia pela satisfação de necessidades coletivas, ao mesmo tempo que cria direito, vinculando o seu autor.

       V.1. Embora nenhuma lei possa conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos (artigo 112.º, n.º 5, da Constituição) e apesar do caráter secundário ou acessório das normas produzidas pela administração pública, a atividade regulamentar não se limita à formulação de instruções restritas ao poder de direção sobre os subalternos.

       Os regulamentos internos que ordenam a organização e funcionamento dos serviços públicos, bem como os regimentos dos órgãos colegiais, apenas representam um domínio restrito da atividade regulamentar e que se estende por quase todos os setores e tarefas da administração pública: de fomento, de polícia e de prestação.

       Na verdade, o regulamento conhece na ordem jurídica muitas outras funções[34]: instrumento de dinamização da lei, vetor de autonomia administrativa (de desconcentração e de descentralização) e, não menos relevante, fator de abertura da administração pública ao pluralismo democrático.

       Descentralização administrativa e pluralismo democrático que, «sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela» (artigo 267.º, n.º 2, da Constituição), promovem e garantem formações organizadas segundo princípios democráticos, incumbidas de prosseguir importantes parcelas do interesse público, aprovando regulamentos autónomos, como é o caso das associações públicas (artigo 267.º, n.º 1) — nomeadamente, as ordens profissionais — mas também as universidades (artigo 76.º, n.º 2), as autarquias locais (artigo 65.º, n.º 4, e artigo 241.º) e, no seu expoente máximo — porque se eleva à autonomia política e legislativa — as regiões autónomas (artigo 227.º, n.º 1, alínea d]).

       O regulamento — ato jurídico-público contendo comandos gerais e abstratos, à semelhança da lei — revela-se um instrumento indispensável ao desempenho da função administrativa.

       É essa, porventura, a sua principal valia: produzir normas jurídicas, algumas com eficácia externa, diretamente ordenadas à satisfação das necessidades coletivas a cargo da administração pública.

       Eficácia externa que, não se confundindo com a força de lei[35] (artigo 112.º, n.º 5, da Constituição), conforma relações jurídicas na sociedade, obriga a administração pública, a começar pelo próprio órgão que aprova o regulamento, impedido de o derrogar singularmente, e vincula os tribunais na administração da justiça[36]

       Raramente as leis civis e comerciais precisam de execução ou complemento regulamentar. É a autonomia privada que o faz espontaneamente. Pelo contrário, as leis que moldam a atividade administrativa e financeira precisam, quase sempre, de um estrato normativo secundário, mais denso e mais próximo das diferentes morfologias setoriais, territoriais, populacionais ou até coletivas, como é o caso das profissões regulamentadas.

       Todavia, se o paradigma do regulamento é avistado na conformação de aspetos técnicos ou logísticos, de espaço e de tempo, de modo ou circunstância, que o legislador considerou sem interesse político, ele nem sempre se confina à execução das leis.

       Daí, a dicotomia que o artigo 112.º, n.º 7, da Constituição permite descortinar:

              «Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão».

       Regulamentos de execução de certas leis, por um lado, e regulamentos independentes, por outro[37].

       Estes, quando aprovados pelo Governo, tomam, necessariamente, a forma de decreto regulamentar (artigo 112.º, n.º 6). Por isso, em conformidade com a hábil solução compromissória delineada pelo poder constituinte, ficam sujeitos à promulgação ou veto do Presidente da República (artigo 134.º, alínea b), e artigo 136.º, n.º 4). Não, todavia, à fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigo 278.º, n.º 1) nem ao bloqueio parlamentar facultado pelo artigo 169.º (apreciação parlamentar de decretos-leis), precisamente, por traduzirem o exercício de uma competência administrativa governamental[38].

       Assim, apesar da ampla competência legislativa que assiste ao Governo (cf. artigo 198.º da Constituição), os seus regulamentos não se encontram circunscritos à boa execução das leis (artigo 199.º, alínea c]).

       A competência para «praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas» (artigo 199.º, alínea g]) manifesta-se em atos administrativos, porventura em contratos, mas também em regulamentos.

       Regulamentos indispensáveis a dar resposta às necessidades coletivas de bem-estar, segurança e cultura, seguindo o critério de DIOGO FREITAS DO AMARAL[39], uma vez que a administração da justiça, essa respeita exclusivamente aos tribunais (cf. artigo 202.º, n.º 1, da Constituição).

       Vale o que enunciámos para dizer que a função administrativa mostra, absolutamente, ser elemento constitutivo do regulamento[40], como frisava AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ[41], e como, de certo modo, resulta da definição que o Código do Procedimento Administrativo adotou:

«Artigo 135.º

(Conceito de regulamento administrativo)

              Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos».

       Apesar de a Constituição não consagrar — pelo menos, expressamente — nenhuma reserva de norma regulamentar[42], o regulamento encontra na nossa ordem constitucional um estatuto nada modesto.

       Com efeito, o regulamento só não pode surgir — pelo menos, com inovações significativas — nos domínios que a Constituição colocou sob a reserva de lei. Não somente de lei parlamentar, pois a reserva de lei não se mede pelas reservas de competência legislativa da Assembleia da República (v.g. artigos 164.º e 165.º). Reserva de lei é reserva de ato legislativo (lei, decreto-lei e decreto legislativo regional, em sintonia com o artigo 112.º, n.º 1).

       A reserva de lei pode assumir diversos contornos na sua revelação. Um deles — não decerto o mais evidente — encontra-se na relação entre a lei de bases e o decreto-lei de desenvolvimento (artigo 112.º, n.º 2) e tem em vista, justamente, encurtar a extensão do poder regulamentar.

       Ali onde a lei se circunscreveu aos princípios ou bases gerais de certo regime ou setor, a execução regulamentar não pode fazer-se sem um prévio desenvolvimento, operado, ainda, por ato legislativo[43]: o decreto-lei de desenvolvimento (artigo 198.º, n.º 1, alínea c]).

       Quer isto dizer que «as bases do serviço nacional de saúde», sob reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea f), da Constituição) não podem ser executadas por via regulamentar sem ter o Governo cumprido o desenvolvimento por decreto-lei (cf. artigo 198.º, n.º 1, alínea c]).

       Em todo o caso, no seu espaço próprio — fora da reserva de lei — a posição do regulamento na ordem jurídica é sempre inferior, sob pena de frustrar o princípio da legalidade, segundo o qual, toda a atividade administrativa (e não apenas o ato administrativo) encontra na lei o seu fundamento e limite de validade (artigo 266.º, n.º 2).

       Qualquer norma contida em ato legislativo (válido) prevalece sobre toda e qualquer norma regulamentar.

       Por isso, encontram-se constitucionalmente proibidos os regulamentos delegados[44] (artigo 112.º, n.º 5).

       Ainda que o legislador pretenda o contrário, a lei prevalece, porque regulamentar é administrar e, por conseguinte, a legalidade é condição de validade das normas administrativas (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição).

       Legalidade que, por vezes, se fica pela compatibilidade, em outras reclama uma estreita conformidade, num dualismo subtil que o enunciado do Código do Procedimento Administrativo permite observar:

«Artigo 3.º

(Princípio da legalidade)

              1 — Os órgãos da Administração Publica devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes foram conferidos e em conformidade com os respetivos fins.

              2 — Os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração».

       A prevalência tem como pressuposto a precedência de lei, conquanto esta, por vezes, se mostre reduzida a uma expressão elementar: a identificação da norma que consigna competência subjetiva (o poder de certo órgão aprovar normas regulamentares) e daquela que defere competência objetiva (o poder de certo órgão praticar atividade administrativa em certo domínio material, territorial, pessoal) ou, no caso dos regulamentos de execução, da lei a que concedem ou incrementam as condições de exequibilidade (artigo 112.º, n.º 7, da Constituição).

       Algo que o Código do Procedimento Administrativo refinou, do seguinte modo:

«Artigo 136.º

(Habilitação legal)

              1 — A emissão de regulamentos depende sempre de lei habilitante.

              2 — Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou, no caso de regulamentos independentes, as leis que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão.

              3 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se independentes os regulamentos que visam introduzir uma disciplina jurídica inovadora no âmbito das atribuições das entidades que os emitam.

              4 — Embora não tenham natureza regulamentar para efeitos do disposto no presente capítulo, carecem de lei habilitante quaisquer comunicações dos órgãos da Administração Pública que enunciem de modo orientador padrões de conduta na vida em sociedade com, entre outras, as denominações de “diretiva”, “recomendação”, “instruções”, “código de conduta” ou “manual de boas práticas”».

       E dizemos ter refinado, pois, o n.º 4, pese embora cuide de regulamentos em sentido impróprio — desprovidos de eficácia jurídica plena — exige que a produção de normas simplesmente orientadoras — frequentes na indicação de critérios de ética profissional ou para validar critérios técnicos ou científicos — obriga o órgão administrativo a fundear a sua aprovação em norma legislativa que o habilite.

       Os regulamentos podem, ainda, cuidar da boa execução de outros regulamentos, «num exercício de segundo grau do poder regulamentar» (PAULO OTERO[45]). Segundo grau do poder regulamentar que iremos encontrar na organização das urgências hospitalares do SNS[46].

       Apenas o regulamento interno dispensa norma habilitante. Ele encontra-se à margem do conceito de regulamento, para efeito de aplicação do Código do Procedimento Administrativo (cf. artigo 135.º) e, por outro lado, «todas as entidades públicas e todas as suas estruturas orgânicas possuem competência para, em nome da boa administração, emanar regulamentos internos[47]».

       V.2. Por fim — e de novo — a reserva de lei, surgida, historicamente, como baluarte contra normas gerais e abstratas, aprovadas pelo executivo, e que podiam minar as competências parlamentares, arrebatadas pelo triunfo do constitucionalismo.

       De certo modo, a reserva de lei surgiu como afirmação da legitimidade democrática soberana que faltava aos regulamentos dos ministros, dos estamentos e corporações ou às posturas municipais.

       O triunfo do liberalismo oitocentista e do princípio da separação de poderes, como circuito de interdependências cruzadas entre os órgãos do Estado, deparava, a cada instante, com o concurso do regulamento — contendo normas gerais e abstratas — à semelhança da lei, mas à margem das câmaras legislativas.

       Mesmo as conceções de monarquia limitada, típicas dos impérios centrais, em que subsistia a legitimidade própria do monarca, cuidaram de salvaguardar a função da lei parlamentar contra as incursões do rei e do seu governo em dois domínios sagrados para o liberalismo: a liberdade individual e a propriedade privada.

       O Estado Social, por um lado, e, por outro, o paulatino incremento de formas de administração autónoma — territorial e corporativa — legitimariam, já no século XX, o revigoramento do poder regulamentar, ora pela finalidade de realizar programas económicos e sociais, ora pelo princípio democrático participativo e descentralizador[48].

       O regulamento revelar-se-ia veículo de um pluralismo na ordem jurídica que o monismo da lei e da vontade geral vinham de erradicar. 

       No entanto, a disseminação de poderes regulamentares traz consigo uma crescente complexidade: o concurso de normas regulamentares, incompatíveis entre si, sem que os critérios da supremacia, da especialidade e da posterioridade temporal se mostrem aptos a oferecer soluções lineares[49].

       V.3. Se a Constituição de 1976 confia ao Governo «fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis» (artigo 199.º, alínea c]), e um amplo poder regulamentar aos órgãos de governo próprios das regiões autónomas (artigo 227.º, n.º 1, alínea d]), reconhece às autarquias locais um «poder regulamentar próprio» (artigo 241.º) em sintonia com os interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º, n.º 1) cuja amplitude não se divisa em mais nenhum ramo da administração autónoma.

       Aqui, porém, a Constituição delineou critérios de solução para a conflitualidade entre normas regulamentares, pois, com efeito, relativamente aos regulamentos municipais e das freguesias, determina o seguinte:

«Artigo 241.º

(Poder regulamentar)

              As autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar».

       Fora da reserva de lei e até onde as atribuições respetivas não comprometam o interesse nacional, nem os interesses regionais, os regulamentos dos municípios e das freguesias são autónomos. Não se limitam a executar ou complementar os atos legislativos que deles careçam.

       Todavia, além de subordinados à Constituição e à lei os regulamentos municipais têm ainda de conformar-se com os regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar[50]: o Governo da República e as regiões autónomas[51].

       Dir-se-ia, no entanto, que o Código do Procedimento Administrativo quebrara este primado, circunscrevendo-o:

«Artigo 138.º

(Relações entre regulamentos)

              1 — Os regulamentos governamentais, no domínio das atribuições concorrentes do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, prevalecem sobre os regulamentos regionais e autárquicos e das demais entidades dotadas de autonomia regulamentar, salvo se estes configurarem normas especiais.

              2 — Os regulamentos municipais prevalecem sobre os regulamentos das freguesias, salvo se estes configurarem normas especiais.

              3 – Entre os regulamentos governamentais estabelece-se a seguinte ordem de prevalência:

              a) Decretos regulamentares;

              b) Resoluções do Conselho de Ministros com conteúdo normativo;

              c) Portarias;

              d) Despachos».

       Ter-se-ia quebrado a proeminência, porque, em face do n.º 1, ficavam à margem os regulamentos aprovados fora do domínio das atribuições concorrentes[52]. Aí sem garantia de prevalência dos regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar, desvirtuando parcialmente a norma constitucional.

       A verdade, porém, é que, a contrario sensu, tais regulamentos pertencem às atribuições exclusivas do Estado ou de outra entidade com autonomia regulamentar. O primado decorre da competência.

       No primeiro caso, as normas regulamentares de uma associação pública, mais do que declinarem perante norma regulamentar do Governo serão inválidas por incompetência absoluta.

       No segundo — o de normas regulamentares de uma associação pública no domínio de atribuições exclusivas suas — das duas, uma: ou o regulamento do Governo é independente, tendo, assim, invadido as atribuições alheias, com a consequente nulidade das suas normas, ou o regulamento é de execução, caso em que a atribuição exclusiva da associação pública deixou de o ser, na medida em que certa lei confiou ao Governo a tarefa de a regulamentar.

       Por conseguinte, só os regulamentos independentes do Governo aprovados no domínio de atribuições exclusivas de pessoas coletivas públicas investidas de poder regulamentar cedem perante regulamentos destas entidades[53]

       Algo que não contraria o artigo 241.º da Constituição, no tocante às autarquias locais — e, por maioria de razão, aos demais setores da administração autónoma — na medida em que aquela norma constitucional, começa por referir-se aos limites decorrentes da Constituição e das leis.

       O Código do Procedimento Administrativo veio, assim, na condição de ato legislativo, determinar tais limites, ao atenuar a prevalência dos regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar que invadam atribuições exclusivas de entidades autónomas (por isso mesmo, já inválidos).

       A inovação reside na possibilidade de tais normas serem declinadas pela autarquia local ou pela associação pública, antes mesmo da declaração de ilegalidade. 

       

VI

Associações públicas e autonomia regulamentar.

       VI.1. Constitucionalmente reconhecido é ainda um considerável poder regulamentar autónomo às universidades públicas — pelo menos, no espaço da autonomia estatutária —, «a exercer nos termos da lei» (artigo 76.º, n.º 2, da Constituição).

       Não porém das associações públicas. Com efeito, o artigo 267.º, n.º 4, da Constituição revela-se inteiramente omisso a respeito do poder regulamentar das associações públicas:

              «As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos».

       E em nenhuma outra disposição constitucional se encontra previsto o poder de as associações públicas aprovarem regulamentos autónomos com eficácia externa.

       Não obstante, há um consenso doutrinário em torno da imbricação entre este setor da administração autónoma e a produção de normas gerais e abstratas que vinculem os membros inscritos ou candidatos à inscrição em cada uma das ordens profissionais, pois ali assenta a razão de ser dos seus poderes públicos[54]

       A produção de regulamentos autónomos pelas associações públicas profissionais é habitualmente apresentada como corolário do artigo 267.º, n.º 4, satisfazendo à necessidade de definir o modo como se acede e como devem ser exercidas cada uma das profissões com necessidades específicas, segundo os padrões técnicos e deontológicos em que os representantes da comunidade profissional se reveem.

       A designação dos titulares dos órgãos deliberativos das ordens profissionais por sufrágio eleitoral democrático conforta tal legitimidade com o «aprofundamento da democracia participativa» (cf. artigo 2.º da Constituição).

       VI.2. Não é de estranhar, pois, que a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, considere o poder regulamentar das associações públicas profissionais como seu elemento constitutivo:

«Artigo 2.º

(Associações públicas profissionais)

              Para efeitos da presente lei, consideram-se associações públicas profissionais as entidades públicas de estrutura associativa que devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por motivo do interesse público prosseguido».

       De acordo com tal definição, as necessidades específicas decorrem de profissões que justifiquem uma disciplina própria, relativamente:

              — Ao controlo do respetivo acesso e exercício;

              — À elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos; e,

              — A um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público prosseguido.

       Em parte, a razão de ser destas associações públicas radica na aprovação de regulamentos profissionais. Por um lado, regulamentos técnicos respeitantes ao exercício da profissão. Por outro, regulamentos deontológicos.

       Um Estado empenhado no aprofundamento da democracia participativa confia a regulamentação de certas profissões aos próprios profissionais, organizados colegialmente, em vez de, por avulso, encetar procedimentos de participação aptos a discernir um mínimo consenso deontológico entre os pares e identificar o acerto das práticas profissionais. 

       Tais organizações colegiais, por sua vez, exigem poderes e destes decorre alguma complexidade. Às associações públicas não lhes basta aprovar os regimentos dos órgãos colegiais e o regulamento dos seus próprios serviços administrativos e financeiros.

       Sem um mínimo de competências regulamentares externas (sobre os seus membros e candidatos a sê-lo), as associações públicas profissionais dificilmente poderiam satisfazer a necessidade coletiva de precisar o modo como se acede e como deve ser exercida cada uma das profissões e de como deve ser administrada a justiça disciplinar entre os pares.

       Dificilmente se reuniria de outro modo um necessário consenso, com um mínimo de estabilidade, em torno dos padrões técnicos e deontológicos que os representantes da comunidade profissional praticam convictamente.

       Em todo o caso, o acesso e exercício de cada uma das profissões reguladas, protegidos pela liberdade de profissão, consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, são tributários da reserva, precedência e prevalência da lei.

       Da liberdade profissão decorre, não apenas a proibição de restrições por regulamento (artigo 18.º, n.º 2), como também a necessidade de uma considerável margem de disciplina legislativa primária, reservada à Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea b])[55].

       Margem decerto mais densa e mais extensa para o acesso às profissões do que para o respetivo exercício[56], se tivermos presente a maior vulnerabilidade a que se expõe o primeiro e a amplitude técnica e deontológica a que se presta a conformação do segundo.

       E se os regimes disciplinares dos respetivos profissionais figuram no articulado dos estatutos ou em anexos, aí está a reserva de lei. Sem embargo, porém, de muitas das infrações previstas remeterem para o incumprimento de normas relativas ao exercício da profissão ou de princípios e regras de deontologia, reconhecidas segundo critérios democráticos.

       O princípio democrático a que obedece a designação dos titulares dos órgãos cimeiros das ordens profissionais não pode fazer esquecer, porém, o seu caráter autorreferencial.

       JORGE MIRANDA[57] retrata, de forma ímpar, este dualismo ontológico:

              «Não seremos nós a ignorar ou a negar a dialética que ocorre nas associações públicas entre a associação e o regime administrativo; entre o elemento pessoal do substrato e o elemento institucional das atribuições; entre a possibilidade de escolha dos meios e a fixidez (ou fixidez relativa) dos fins; entre um conteúdo essencial ou mínimo de liberdade, senão na formação, pelo menos na condução da associação, e a constante referência ao bem público.

              Todavia, reside aí justamente o cerne do conceito, aquilo que lhe confere irredutibilidade».

       Se a democracia interna conforta a legitimidade da associação profissional para governar com autonomia e autoridade pública o exercício de certa profissão, isso não faz do substrato pessoal associativo uma comunidade política. O interesse público não passa a ficar cativo do interesse coletivo.

       VI.3. Consequentemente, a Lei n.º 2/2013, de 10 de fevereiro, fixa a tais regulamentos um limite acrescido, conforme com o substrato associativo e corporativo das associações públicas profissionais:

«Artigo 17.º

(Poder regulamentar)

              1 — Os regulamentos das associações públicas profissionais aplicam-se aos seus membros e, bem assim, aos candidatos ao exercício da profissão.

              (…)».

       Ao contrário dos regulamentos municipais, cuja aplicação se faz segundo um princípio territorial[58], os regulamentos de cada ordem profissional só se aplicam aos profissionais respetivos, aos candidatos à profissão e apenas nessa estrita qualidade ou estatuto (artigo 17.º, n.º 1).

       Além disso, os regulamentos das associações públicas profissionais não podem beneficiar de uma margem de autonomia mais extensa do que a do regulamento autónomo municipal, uma vez que este é o regulamento autónomo, por excelência, radicado em interesses próprios de uma população (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição).

       Devem conformar-se, de igual modo, com os regulamentos emanados do Governo[59]: órgão que exerce poder tutelar sobre as associações públicas profissionais, nos termos da Lei n.º 2/2013, de 10 de fevereiro.

       As associações públicas profissionais encontram-se «sujeitas a tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo sobre a administração autónoma territorial» (artigo 45.º, n.º 2), sem prejuízo de casos expressamente previstos na lei de tutela de mérito[60] (n.º 1).

       Por isso, alguns regulamentos das associações públicas profissionais encontram-se sujeitos a tutela integrativa, permitindo ao ministro competente impedir que entrem em vigor se ali encontrar desconformidade ou incompatibilidade com o bloco de legalidade (cf. n.º 5 do artigo 45): os regulamentos que versem sobre os estágios profissionais, as provas profissionais de acesso à profissão e as especialidades profissionais.

VII

A autonomia regulamentar da Ordem dos Médicos.

       VII.1. Aquilo que vimos de recensear vale plenamente em relação à Ordem dos Médicos[61], enquanto associação pública profissional, sob o regime da Lei n.º 2/2013, de 10 de fevereiro.      

       O associativismo particular dos profissionais médicos remonta à Associação dos Médicos Portugueses, fundada em 1898, conquanto a Real Escola de Cirurgia de Lisboa, instituída em 1826, já viesse congregando os médicos nacionais.

       A Caixa de Previdência dos Médicos Portugueses deve-se ao Decreto n.º 11 487, de 8 de março de 1926, e, através do Decreto-Lei n.º 29 171, de 24 de novembro de 1938, o Governo instituía o Sindicato dos Médicos sob a designação Ordem dos Médicos, como «organismo de utilidade pública» (cf. artigo 3.º), de inscrição obrigatória para o exercício da medicina (cf. artigo 7.º).

       Eximindo-se a obter o acordo da Ordem dos Médicos, o Governo revogaria o Estatuto, substituindo-o pelo Decreto-Lei n.º 40 651, de 21 de junho de 1956, o qual se aplicaria, sem alterações, até à publicação do Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, que consigna, com as modificações veiculadas pelo Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto, e pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, o atual Estatuto da Ordem dos Médicos.

       A Ordem dos Médicos é a associação pública profissional representativa dos licenciados em Ciências Médicas que, em conformidade com os preceitos estatutários e as demais disposições aplicáveis, exercem a profissão de médico (artigo 1.º, n.º 1).

       O conhecimento das suas atribuições é tão mais relevante quanto as associações públicas profissionais — como a generalidade das pessoas coletivas — obedece a um princípio de especialidade, no que diz respeito à sua atividade (artigo 6.º).

       Se a capacidade jurídica compreende a prática de todos os atos jurídicos, o gozo de todos os direitos e a sujeição a todas obrigações necessárias «à prossecução dos respetivos fins e atribuições», o critério da necessidade produz uma limitação negativa: não mais do que a capacidade jurídica necessária (artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

       O uso dos seus poderes, quando praticado ultra vires, importa a invalidade dos atos, até porque o princípio de especialidade não se substitui — antes se coordena com — o princípio da legalidade administrativa, de modo que a conformidade com a lei é fundamento e limite de cada um dos atos praticados pelos seus órgãos, dos regulamentos aprovados e dos contratos administrativos outorgados.

       VITAL MOREIRA[62] faz notar, sagazmente, que, a bem dizer, o princípio da especialidade, quando aplicado às pessoas coletivas públicas, não é mais do que o princípio da legalidade administrativa. Se as pessoas coletivas privadas encontram na lei apenas um limite, já as pessoas coletivas públicas devem à lei o fundamento de todos os seus atos, em todos os seus elementos vinculados.

       Por isso, a validade de um regulamento da Ordem dos Médicos começa por depender não só da conformidade aparente com as suas atribuições, mas também de um juízo de necessidade.

       VII.2. O enunciado das atribuições de uma pessoa coletiva pública constitui uma relação funcional entre a toda a sua atividade administrativa e a medida do interesse público que lhe cumpre prosseguir.

       É a boa prossecução de tais parcelas — ou fins, quando vistos de outra perspetiva — que justifica a personalidade jurídica de direito público[63] e, ao mesmo tempo, põe em marcha o princípio da especialidade.

       As normas regulamentares que produz têm, ainda, de conformar-se com a distribuição de competências entre os seus órgãos, com o fim ínsito à norma que concretiza o poder normativo, com requisitos de forma e de procedimento e com todas as prescrições constitucionais, legais e regulamentares que ocupem uma posição de superioridade na ordem jurídica.

       Passemos em revista as atribuições da Ordem dos Médicos para, em seguida, as conjugarmos com as competências regulamentares dos seus órgãos:

«Artigo 3.º

(Atribuições)

              1 — São atribuições da Ordem:

              a) Regular o acesso e o exercício da profissão de médico;

              b) Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes;

              c) Representar e defender os interesses gerais da profissão;

              d) Conceder o título profissional e os títulos de especialização profissional;

              e) Atribuir prémios ou títulos honoríficos;

              f) Elaborar e atualizar o registo profissional;

              g) Exercer o poder disciplinar sobre os médicos, nos termos do presente Estatuto;

              h) Prestar serviços aos médicos, no que respeita ao exercício profissional, designadamente em relação à informação e à formação profissional;

              i) Colaborar com as demais entidades da Administração Pública nas questões de interesse público relacionadas com a profissão médica;

              j) Participar na elaboração da legislação que diga respeito ao acesso e exercício da profissão médica;

              k) Participar nos processos oficiais de acreditação e na avaliação dos cursos que dão acesso à profissão médica;

              l) Reconhecer as qualificações profissionais obtidas fora do território nacional, nos termos da lei, do direito da União Europeia ou de convenção internacional;

              m) Organizar eventos de caráter científico, cultural e recreativo;

              n) Atribuir prestações de solidariedade aos médicos carenciados, através do Fundo de Solidariedade;

              o) Prosseguir quaisquer outras que lhe sejam cometidas por lei.

              2 — A Ordem está impedida de exercer ou de participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros».

       O projeto do regulamento denominado Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência invoca como habilitação regulamentar as duas primeiras atribuições: «a) Regular o acesso e o exercício da profissão de médico; b) Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes».

       Uma e outra revelam diferenças de monta, que, literalmente, se observam no infinitivo dos verbos regular e contribuir.

       A primeira respeita ao âmbito pessoal da Ordem dos Médicos: o acesso à profissão e o seu exercício, excluídas as relações económicas ou profissionais dos médicos (artigo 3.º, n.º 2).

       A segunda é uma atribuição ad extram, voltada para a comunidade nacional e que, ilustrando o papel insubstituível da profissão de médico na proteção da vida, da integridade física e moral e na promoção da saúde, concorre, de modo muito notório, com as atribuições de outras pessoas coletivas públicas, a começar pelo Estado e pela administração estadual indireta com atribuições de saúde.

       A regulação do acesso e do exercício da profissão permite descortinar um poder regulamentar, que os órgãos próprios da Ordem dos Médicos exercem em estrita conformidade com a lei, mas, pelo contrário, a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes surge como contributo da Ordem dos Médicos, o que inculca uma posição acessória no contexto das atribuições do Estado, das regiões autónomas e das administrações indiretas respetivas.

       De resto, outras atribuições apresentam-se recortadas com o mesmo intuito do legislador: «Colaborar com as demais entidades da Administração Pública nas questões de interesse público relacionadas com a profissão médica» (artigo 3.º, n.º 1, alínea i]); «Participar na elaboração da legislação que diga respeito ao acesso e exercício da profissão médica» (alínea j]); «Participar nos processos oficiais de acreditação e na avaliação dos cursos que dão acesso à profissão médica» (alínea k]).

       VII.3. Se é certo que o Estado não pode prestar cuidados de saúde sem profissionais médicos, não é menos certo que o exercício da medicina é praticado em serviços públicos, coordenado com o exercício de outras profissões ordenadas à saúde e bem-estar, apoiado por instalações, equipamentos e recursos financeiros públicos.

       O profissional médico e a sua atividade não se esgotam na condição de membro inscrito na respetiva ordem profissional. O médico quando se apresenta como prestador de serviço público, como prestador de trabalho, é sujeito de relações jurídicas alheias às atribuições da Ordem dos Médicos; do interesse, contudo, das associações sindicais.

       A missão de contributo para a defesa da saúde e para a defesa dos direitos dos doentes não sugere, à partida, competências regulamentares próprias. Antes aponta preferencialmente para a participação na formação dos regulamentos do Governo em que o contributo médico se mostre pertinente.

       Importa confirmá-lo e, por outro lado, recensear as competências regulamentares atinentes ao exercício da profissão médica.

       O artigo 58.º, n.º 1, alínea j), confere ao Conselho Nacional o poder de «Elaborar os regulamentos de âmbito nacional da Ordem e submetê-los à aprovação da assembleia de representantes». E, correspetivamente, o artigo 49.º, alínea b), dá resposta a esse poder de iniciativa, ao dispor que compete à Assembleia de Representantes «Discutir e aprovar os regulamentos que lhe forem submetidos para apreciação pelo conselho nacional».

       Não quer isto dizer, porém, que todo e qualquer regulamento teleologicamente ordenado às atribuições da Ordem dos Médicos seja comportado por tais normas, uma vez que o Estatuto aponta inequivocamente para a tipicidade dos regulamentos:

«Artigo 4.º

(Autonomia administrativa)

              1 — A Ordem, no exercício dos seus poderes públicos, pratica os atos administrativos necessários à prossecução das suas atribuições e aprova os regulamentos previstos na lei e no presente Estatuto.

              2 — Ressalvados os casos previstos na lei, os atos e os regulamentos da Ordem não estão sujeitos a aprovação governamental».

       Dispor que a Ordem dos Médicos aprova os regulamentos previstos na lei e no seu Estatuto significa, à luz do princípio da competência, estar incumbida de aprovar os regulamentos previstos na lei e no Estatuto e não poder aprovar outros regulamentos senão estes.       

       Ao percorrermos o Estatuto da Ordem dos Médicos, encontramos previstos os regulamentos seguintes:

              — As normas técnicas aplicáveis aos profissionais médicos (artigo 7.º, alínea b]);

              — O regulamento eleitoral, aprovado pelo Conselho Geral (artigo 14.º);

              — O regulamento geral da Ordem dos Médicos, aprovado pela Assembleia de Representantes, e que, entre outros aspetos, fixa as remunerações dos titulares de cargos executivos (artigo 19.º);

              — Os regulamentos internos dos conselhos regionais (artigo 38.º, n.º 1, alínea m]);

              — As normas técnicas, normas de orientação clínica e outras normas de caráter indicativo oriundas dos conselhos nacionais consultivos e dos colégios da especialidade, cuja aprovação compete ao Conselho Nacional (artigo 58.º, n.º 1, alínea s]);

              — Os regulamentos internos dos colégios da especialidade, a propor ao Conselho Nacional (artigo 72.º, alínea i]);

              — O regulamento de recertificação dos médicos, da iniciativa do Conselho Nacional para a formação profissional contínua (artigo 81.º, alínea a]);

              — O regulamento do Fundo de Solidariedade (artigo 94.º, n.º 2);

              — O regulamento de inscrição na Ordem dos Médicos (artigo 102.º, n.º 1, alínea e) e artigo 123.º, n.º 2);

              — O regulamento de licenças temporárias (artigo 131.º, n.º 2);

              — O Código Deontológico, a aprovar pela Assembleia de Representantes (artigo 144.º).

       Isto, sem prejuízo de outras incumbências regulamentares da Ordem dos Médicos, previstas em legislação setorial da saúde[64].

       É útil estabelecer entre os regulamentos da Ordem dos Médicos algumas classificações.

       Assim, por um lado, preveem-se regulamentos puramente internos e, por outro, regulamentos com eficácia externa, na linha do conceito de regulamento usado pelo Código do Procedimento Administrativo (artigo 135.º). Eficácia externa contida ao substrato associativo (artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

       Quanto ao âmbito territorial, encontramos regulamentos regionais e regulamentos nacionais.

       Por fim, quanto ao valor jurídico, regulamentos vinculativos e regulamentos ordenadores ou indicativos.

       A estes últimos refere-se o já mencionado artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, nos termos que recapitulamos:

              «Embora não tenham natureza regulamentar para efeitos do disposto no presente capítulo, carecem de lei habilitante quaisquer comunicações dos órgãos da Administração Pública que enunciem de modo orientador padrões de conduta na vida em sociedade com, entre outras, as denominações de “diretiva”, “recomendação”, “instruções”, “código de conduta” ou “manual de boas práticas”».

       Estas comunicações são, no dizer de RUI MACHETE[65], «formulações da chamada soft law, indicando condutas, de que a administração não deve afastar-se sem fundamentos ponderosos, sob pena de cometer violações de boa-fé, geradoras de responsabilidade civil».

       A função que desempenham — no exercício de poderes discricionários e na interpretação de conceitos indeterminados — levou o legislador a exigir-lhes lei habilitante, de modo a conter a proliferação desregrada de orientações com esta natureza por parte de órgãos e serviços da administração pública.

       A valorização de indicações técnicas e boas práticas profissionais encontra-se na raiz das associações públicas profissionais. A referência que lhe faz o artigo 2.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, confere-lhes um papel constitutivo.

       Tais orientações, porém, não devem ser confundidas com os princípios e regras de deontologia que cada profissão vai praticando reiteradamente e, por vezes, codificando.

VIII

Normas técnicas e deontologia da profissão médica.

       VIII.1. Deparámos, no precedente excurso pelas competências regulamentares da Ordem dos Médicos com o desenvolvimento de princípios e regras deontológicos, cuja codificação compete à Assembleia de Representantes (artigo 144.º do Estatuto).

       Tal competência surge no termo de um conjunto de preceitos do Estatuto da Ordem dos Médicos que revelam critérios de comportamento dos médicos com uma forte raiz ética (artigos 135.º a 143.º).

       E, com efeito, a Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos aprovou um Regulamento de Deontologia Médica, em 20 de maio de 2016, que compilou os princípios e regras deontológicos da profissão médica, sob a designação Código Deontológico.

       Pode ler-se no seu preâmbulo o seguinte:

              «O Código Deontológico da Ordem dos Médicos é um conjunto de normas de comportamento que serve de orientação nos diferentes aspetos das relações humanas que se estabelecem no decurso do exercício profissional da medicina.

              As condutas que o Código estabelece são condicionadas pela informação científica disponível, pelas recomendações da Ordem que, por seu lado, estão balizadas pelos princípios éticos fundamentais que constituem os pilares da profissão médica.

              Um Código Deontológico, para plasmar em cada realidade temporal os valores da Ética Médica que lhe dá origem, é algo em permanente evolução, atualização e adaptação. Por outro lado, inscrevendo-se o Código Deontológico no acervo jurídico da sociedade, e retirando a sua força vinculativa da autorregulação outorgada à Ordem dos Médicos, integra-se no quadro legislativo geral.

              Nas normas do presente Código foram consagradas as regras deontológicas fundamentais, atualizando-se aspetos relacionados com os conhecimentos atuais da ciência médica e procurando-se encontrar as soluções bioéticas mais consonantes com o estado da arte».

       Se os princípios e regras deontológicos são portadores de um quadro axiológico, por outro lado, carecem de uma aceitação reiterada que lhes confere a natureza de usos, não raro, adquirindo convicção de juridicidade.

       Neste sentido, o conceito de deontologia médica do Código aponta para um caráter de permanência:

«Artigo 1.º

(Deontologia médica)

              A Deontologia Médica é o conjunto de regras de natureza ética que, com caráter de permanência e a necessária adequação histórica, o médico deve observar no exercício da sua atividade profissional».

       Para se reconhecer uma regra ou princípio deontológico, não basta divisar-lhe um fundo moral. É preciso que ela sirva reiteradamente de critério, reflexo de um consenso amplo em torno da sua validade e que se mostre compatível com a lei.

       Acompanhamos a observação de SANDRA PASSINHAS[66], quando escreve:

              «O Código Deontológico dos Médicos parte da legislação em vigor, das normas aprovadas de acordo com as regras da legitimidade democrática, mas acrescenta-lhe uma dimensão ética, que deve permear o desenvolvimento de toda a sua atividade».

       De igual modo, podemos observar no conceito que o destinatário das regras deontológicas é o profissional médico; não o administrador hospitalar.

        

       VIII.2. Os princípios e regras deontológicos confluem num ponto com as normas técnicas da arte, com as boas práticas ou leges artis: o profissional médico deve exercer «em condições que não prejudiquem a qualidade dos seus serviços e a especificidade da sua ação, não aceitando situações de interferência externa que lhe cerceiem a liberdade de fazer juízos clínicos e éticos e de atuar em conformidade com as leges artis» (artigo 8.º, n.º 1, do Código Deontológico); o médico deve exercer a sua profissão de acordo com as leges artis com o maior respeito pelo direito à saúde das pessoas e da comunidade (artigo 135.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Médicos, e artigo 4.º, n.º 1, do Código Deontológico).

       Umas e outras não se confundem, como deixa bem claro o citado preceito, apartando duas categorias de referências para o médico: a liberdade de fazer juízos clínicos e éticos; a conformidade com as boas práticas.

       Tão-pouco o dever deontológico de seguir as boas práticas da profissão convola essas mesmas boas práticas em normas deontológicas[67].

       No plano ético é a consciência do médico a determinar os seus juízos, como recorda o Código Deontológico:

«Artigo 7.º

(Isenção e liberdade profissionais)

              1 — O médico só deve tomar decisões ditadas pela ciência e pela sua consciência.

              2 — O médico tem liberdade de escolha de meios de diagnóstico e terapêutica, devendo, porém, abster-se de prescrever desnecessariamente exames ou tratamentos onerosos ou de realizar atos médicos supérfluos».

       As prescrições éticas ressoam na consciência moral e o seu cumprimento, ainda que possa ser induzido pelo temor da reprovação corporativa, obedece a uma motivação interior[68].

       As normas técnicas, ao invés, são axiologicamente neutras. A sua autoridade é aquela que a validação científica lhes confere. Ainda que importem opções — por isso se fala de discricionariedade técnica — a ponderação nada deve à consciência moral. Aqui, o médico apela à sabedoria: por outras palavras, aos conhecimentos teóricos adquiridos e aos frutos da experiência profissional. Numa palavra, à sua ciência.

       «O dever, que está ínsito na formulação das leis técnicas» — ensina JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO[69] — pode induzir a pensar que estas são ainda leis éticas, por exprimirem um dever ser. Mas não é assim. A eticidade não se satisfaz com uma referência formal a um dever, antes tem de traduzir-se numa qualquer forma de imperatividade. Ora as leis técnicas não têm imperatividade: a sua própria formulação condicional o demonstra, pois se começa sempre por “se queres”(X). Caso o sujeito não queira obter aquele resultado, não violou nenhum dever».

       VIII.3. O Código Deontológico[70], no artigo 6.º, n.º 1, dispõe que o médico, no exercício da profissão é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus atos, acrescentando o n.º 2 que, «em caso algum […] pode ser subordinado à orientação técnica e deontológica de estranhos à profissão médica no exercício das funções clínicas».

       Tais garantias, contudo, não impedem o exercício da medicina em regime de trabalho subordinado.

       Por isso, o mesmo artigo 6.º, no seu n.º 3, vem esclarecer que ao médico é lícito obedecer a ordens e instruções técnicas dos superiores hierárquicos, em conformidade com a lei ou com o contrato de trabalho. E, conquanto não possa, em nenhum caso, ser constrangido a praticar atos médicos contra a sua vontade, o citado preceito deontológico, ressalva as situações de urgência.

       Até porque a recusa de auxílio médico é criminalmente ilícita, nos seguintes termos do Código Penal[71]:

«Artigo 284.º

(Recusa de médico)

              O médico que recusar o auxílio da sua profissão em caso de perigo para a vida ou de perigo grave para a integridade física de outra pessoa, que não possa ser removido de outra maneira, é punido com pena de prisão até 5 anos».

       E mesmo fora de situações de perigo grave, a licitude da recusa de prestação de cuidados de saúde, em regime de trabalho subordinado, circunscreve-se a casos bem demarcados:

              — A objeção de consciência (artigo 12.º do Código Deontológico e artigo 138.º do Estatuto), que, ainda assim, não pode ser invocada «em situação urgente e que implique perigo de vida ou grave, se não houver outro médico disponível a quem o doente possa recorrer» (cf. n.º 3), e,

              — A objeção técnica devidamente fundamentada, pressupondo o constrangimento a praticar ou deixar de praticar atos médicos contrários à sua convicção técnica, e aos casos enunciados como direito de recusa de assistência (artigo 13.º).

       E, não obstante o Código Deontológico consignar um outro direito de recusa, com maior latitude, o seu exercício confina-se ao exercício liberal da atividade:

«Artigo 16.º

(Direito de recusa de assistência)

              1 — O médico pode recusar-se a prestar assistência a um doente, exceto quando este se encontrar em perigo iminente de vida ou não existir outro médico com a qualificação adequada a quem o doente possa recorrer.

              2 — O médico pode recusar continuar a prestar assistência a um doente, quando se verifique, cumulativamente, os seguintes requisitos:

              a) Não haja prejuízo para o doente, por lhe ser possível assegurar assistência por médico com qualificação adequada;

              b) O médico forneça os esclarecimentos necessários para a regular continuidade do tratamento;

              c) O médico advirta o doente ou a família com a antecedência necessária a assegurar a substituição.

              3 — A incapacidade para controlar a doença não justifica o abandono do doente».

       Tal direito não prevalece sobre o dever de obediência a ordem legítima do superior hierárquico, a menos que a lei ou o contrato reconheçam ao médico a possibilidade de escolher ad nutum os doentes a quem presta assistência.

IX

O Serviço Nacional de Saúde.

       IX.1. A garantia de um serviço nacional de saúde universal, geral e tendencialmente gratuito constitui a pedra angular do direito fundamental de proteção e promoção da saúde, como resulta das três referências que o preceito constitucional lhe dedica[72]:

«Artigo 64.º

(Saúde)

              1 — Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.

              2 — O direito à proteção da saúde é realizado:

              a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;

              b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.

              3 — Para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

              a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

              b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;

              c) Orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;

              d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;

              e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;

              f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.

              4 — O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.»

Nas palavras de LICÍNIO LOPES[73], «o Estado não tem apenas uma responsabilidade na definição da política nacional de saúde, mas também, e em primeira linha, uma responsabilidade direta de execução».

       IX.2. Se à Ordem dos Médicos é atribuída a missão de contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos (artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto), é ao Estado que compete prioritariamente «garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação» (artigo 64.º, n.º 3, alínea a), da Constituição), como também lhe cumpre «garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde» (cf. alínea b]).

       Por conseguinte, a garantia de um serviço nacional de saúde universal, geral e tendencialmente gratuito (tendo em conta as condições económicas e sociais dos utentes) constitui incumbência prioritária do Estado (artigo 64.º, n.º 2 e n.º 3, da Constituição), sem prejuízo da «gestão descentralizada e participada» que as condições propiciem (n.º 4).

       É este último vetor aquele que corresponde à intervenção das associações públicas profissionais na administração do SNS: o vetor participação.

       O artigo 267.º, n.º 1, da Constituição conjuga estreitamente as associações públicas com a participação:

              «A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática».

       A marca descentralizada[74] e participada que o artigo 64.º, n.º 4, da Constituição consigna à gestão do SNS não perde de vista que é do Governo a competência para conduzir a política geral do país e preservar a unidade da administração pública, enquanto seu órgão superior (artigo 182.º da Constituição).

       O Serviço Nacional de Saúde[75] observa o referido desiderato descentralizador de acordo com as opções que, em cada conjuntura, o legislador adote, mas nem por isso deve ver comprometida a unidade necessária a toda a atividade administrativa (artigo 267.º, n.º 2, da Constituição).

       IX.3. Como não podia deixar de ser, a Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro) confere ao Serviço Nacional um papel ancilar na promoção e garantia do direito à proteção da saúde. Fundamental, mas não único.

       Assim, pode ler-se na Base 1-4:

              «O Estado promove e garante o direito à proteção da saúde através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dos Serviços Regionais de Saúde e de outras instituições públicas, centrais, regionais e locais».

       Tal enunciado adquire um significado mais claro por via da contraposição entre o Sistema de Saúde — conceito mais amplo — e o Serviço Nacional de Saúde:

«Base 19

(Sistema de Saúde)

              1 — O funcionamento do sistema de saúde não pode pôr em causa o papel central do SNS enquanto garante do cumprimento do direito à saúde.

              2 — A lei prevê os requisitos para a abertura, modificação e funcionamento dos estabelecimentos que prestem cuidados de saúde, independentemente da sua natureza jurídica ou do seu titular, com vista a garantir a qualidade e segurança necessárias».

       Todos têm direito a «intervir nos processos de tomada de decisão em saúde e na gestão participada das instituições do SNS (Base 2-1, alínea j]), individualmente ou por meio de entidades que constituam para as representar e defender os seus direitos e interesses, nomeadamente as denominadas ligas de amigos e as associações de promoção da saúde e de prevenção da doença (alínea k]).

       Cuida-se, a título especial da participação na Base 5, reiterando que ela pode ser praticada individualmente ou por associações constituídas para esse efeito (n.º 2).

       Já os sistemas locais de saúde parecem ir ao encontro do programa descentralizador, concretizado pelo quadro da transferência de atribuições e competências do Estado para as autarquias locais[76]:

«Base 9

(Sistemas locais de saúde)

              Aos sistemas locais de saúde, constituídos pelos serviços e estabelecimentos do SNS e demais instituições públicas com intervenção direta ou indireta na saúde, cabe assegurar, no âmbito da respetiva área geográfica, a promoção da saúde, a continuidade da prestação dos cuidados e a racionalização da utilização dos recursos».

       Para esse efeito, cumpre às autarquias locais acompanharem, em especial, os cuidados de proximidade e os cuidados de continuidade, o planeamento da rede de estabelecimentos e participarem nos órgãos consultivos e de avaliação do sistema de saúde (Base 8-2).

       A Lei de Bases da Saúde não deixou por definir o SNS:

«Base 20

(Serviço Nacional de Saúde)

              1 — O SNS é o conjunto organizado e articulado de estabelecimentos e serviços públicos prestadores de cuidados de saúde, dirigido pelo ministério responsável pela área da saúde, que efetiva a responsabilidade que cabe ao Estado na proteção da saúde.

              (…)».

       No teor desta disposição, ressalta uma função diretiva do Ministério da Saúde e dos institutos públicos que compõem a sua administração indireta. Função diretiva que, relativamente à administração indireta, deve ser entendida como direção política[77], sob pena de inculcar, indevidamente, a ideia de uma relação hierárquica que o artigo 199.º, alínea d), da Constituição não consente.

       Beneficiários do SNS são os portugueses, todos os portugueses — sem exclusão dos portugueses no estrangeiro quando se encontrem em território nacional —, mas também quaisquer outras pessoas que residam no território nacional de forma permanente ou aqui se encontrem em estada ou residência temporária, contanto que «sejam nacionais de Estados Membros da União Europeia ou equiparados, nacionais de países terceiros ou apátridas, requerentes de proteção internacional e migrantes com ou sem a respetiva situação legalizada, nos termos do regime jurídico aplicável» (Base 21-1).

       Por seu turno, em matéria de organização e funcionamento do SNS, a Lei de Bases assentou no seguinte:

«Base 22

(Organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde)

              1 — A lei regula a organização e o funcionamento do SNS e a natureza jurídica dos vários estabelecimentos e serviços prestadores que o integram, devendo o Estado assegurar os recursos necessários à efetivação do direito à proteção da saúde.

              2 — A organização e funcionamento do SNS sustenta-se em diferentes níveis de cuidados e tipologias das unidades de saúde, que trabalham de forma articulada, integrada e intersectorial.

              3 — A organização interna dos estabelecimentos e serviços do SNS deve basear-se em modelos que privilegiam a autonomia de gestão, os níveis intermédios de responsabilidade e o trabalho de equipa.

              4 — O funcionamento dos estabelecimentos e serviços do SNS deve apoiar-se em instrumentos e técnicas de planeamento, gestão e avaliação que garantam que é retirado o maior proveito, socialmente útil, dos recursos públicos que lhe são alocados.

              5 — O funcionamento do SNS sustenta-se numa força de trabalho planeada e organizada de modo a satisfazer as necessidades assistenciais da população, em termos de disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade, evoluindo progressivamente para a criação de mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas, estruturadas em carreiras, devendo ser garantidas condições e ambientes de trabalho promotores de satisfação e desenvolvimento profissionais e da conciliação da vida profissional, pessoal e familiar.

              6 — Ao SNS incumbe promover, nos seus estabelecimentos e serviços e consoante a respetiva missão, as condições adequadas ao desenvolvimento de atividades de ensino e de investigação clínica».

       Na disciplina geral da organização e funcionamento (Base 22) importa reter duas referências significativas para a economia do parecer: o trabalho em equipa e a autonomia de gestão do SNS, ou melhor, dos institutos públicos e entidades públicas empresariais que o integram.

       A respeito dos profissionais de saúde, a Base 28-2 vem recordar a relevante função social que desempenham, assim como a sujeição a deveres éticos e deontológicos «acrescidos».

       Inseridos em carreiras, os profissionais de saúde do SNS têm o direito e o dever de «exercer a sua atividade de acordo com a leges artis e com as regras deontológicas» (Base 28-4).

       A Lei de Bases prossegue com as coordenadas elementares do seu estatuto:

«Base 29

(Profissionais do SNS)

              1 — Todos os profissionais de saúde que trabalham no SNS têm direito a uma carreira profissional que reconheça a sua diferenciação na área da saúde.

              2 — O Estado deve promover uma política de recursos humanos que garanta:

              a) A estabilidade do vínculo aos profissionais;

              b) O combate à precariedade e à existência de trabalhadores sem vínculo.

              c) O trabalho em equipa, multidisciplinar e de complementaridade entre os diferentes profissionais de saúde;

              d) A formação profissional contínua e permanente dos seus profissionais.

              3 — O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize a dedicação plena como regime de trabalho dos profissionais do SNS, podendo, para isso, estabelecer incentivos».

       Ressalta do n.º 2, alínea c), uma vez mais, a valorização do trabalho em equipa como marca distintiva do SNS, mas ressalta, de igual modo, que é ao Estado que cumpre promover políticas de recursos humanos que garantam «o trabalho em equipa, multidisciplinar e de complementaridade entre os diferentes profissionais de saúde».

       IX.4. Instituído o SNS pela Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, o seu Estatuto veio a ser aprovado pela Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro[78].

       O SNS é definido no artigo 1.º do Estatuto como «um conjunto ordenado e hierarquizado de instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, funcionando sob a superintendência ou a tutela do Ministro da Saúde».

       Organiza-se em cinco regiões, cada qual com a sua Administração Regional de Saúde, IP, repartidas estas por sub-regiões, correspondentes aos 18 distritos do território continental.

       O artigo 18.º, n.º 1, manda aplicar ao pessoal do SNS o regime que hoje corresponde à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas[79], embora com as adaptações previstas no próprio Estatuto e em legislação especial.

       Contudo, esta norma mostra-se de reduzido âmbito, dirigindo-se aos trabalhadores que prestam serviço em hospitais que permanecem no setor público administrativo, pois os trabalhadores das E.P.E. do SNS «estão sujeitos ao contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho», sem prejuízo dos regimes próprios das carreiras de profissões de saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos» (artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro[80]).

       Legislação especial que, nos termos do n.º 2, «pode estatuir sobre carreiras próprias, duração dos períodos de trabalho, defesa contra os riscos do exercício profissional e garantia de independência técnica e científica quanto a profissionais que prestam cuidados diretos».

       Os serviços de urgência são mencionados a respeito da organização do tempo de trabalho:

«Artigo 22.º-B

              (Organização do tempo de trabalho no âmbito do Serviço Nacional de Saúde)

              1 — A realização de trabalho suplementar ou extraordinário no âmbito do SNS não está sujeita a limites máximos quando seja necessária ao funcionamento de serviços de urgência ou de atendimento permanente, não podendo os trabalhadores realizar mais de 48 horas por semana, incluindo trabalho suplementar ou extraordinário, num período de referência de seis meses.

              2 — A prestação de trabalho suplementar ou extraordinário e noturno deve, sem prejuízo do cumprimento do período normal de trabalho, garantir o descanso entre jornadas de trabalho, de modo a proporcionar a necessária segurança do doente e do profissional na prestação de cuidados de saúde».

       A gestão de instituições e serviços do SNS chegou a poder ser confiada a grupos de médicos por convenção (artigo 28.º, n.º 1), os quais deviam constituir uma pessoa coletiva para esse efeito (artigo 30.º, n.º 6).

       Em certa medida, tal modelo correspondia ou podia corresponder ao exercício do aludido direito de autogestão, consignado pelo artigo 61.º, n.º 5, da Constituição[81].

       IX.5. Entre as unidades de saúde e o Governo situa-se a administração direta sob os poderes hierárquicos do Ministro da Saúde, em que relevam, a título principal a Secretaria-Geral, a Direção-Geral de Saúde e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, de acordo o Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de dezembro (orgânica do Ministério da Saúde).

       É na administração indireta sob superintendência do Ministro da Saúde que se encontram os institutos públicos especialmente vocacionados para o SNS e que, por sua vez, coordenam a atividade das entidades públicas empresariais (EPE) e dos respetivos hospitais, centros hospitalares e unidades de saúde local:

«Artigo 5.º

(Administração indireta do Estado)

              1 — Prosseguem atribuições do MS, sob superintendência e tutela do respetivo ministro, os seguintes organismos:

              a) A Administração Central do Sistema de Saúde, I. P.;

              b) O INFARMED — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P.;

              c) O Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P.;

              d) O Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I. P.;

              e) O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, I.P.

              2 — Prosseguem ainda atribuições do MS, sob a superintendência e tutela do respetivo ministro, os seguintes organismos periféricos:

              a) A Administração Regional de Saúde do Norte, I. P.;

              b) A Administração Regional de Saúde do Centro, I. P.;

              c) A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.;

              d) A Administração Regional de Saúde do Alentejo, I. P.;

              e) A Administração Regional de Saúde do Algarve, I. P.»

       A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), I.P., tem por missão «assegurar a gestão de recursos financeiros e humanos do Ministério da Saúde (MS) e do Serviço Nacional de saúde (SNS), bem como dos equipamentos e instalações do SNS, proceder à definição e implementação de políticas, normalização, regulamentação e planeamento em saúde, nas áreas da sua intervenção, em articulação com as Administrações Regionais de Saúde, I.P., no domínio da contratação da prestação de cuidados» (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 35/2012, de 15 de fevereiro[82]).

       Por seu turno, as Administrações Regionais de Saúde (ARS), I.P. «têm por missão garantir à população da respetiva área geográfica de intervenção o acesso à prestação de cuidados de saúde, adequando os recursos disponíveis às necessidades e cumprir e fazer cumprir políticas e programas de saúde na sua área de intervenção» (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 22/2012, de 30 de janeiro[83]).

       É aos conselhos diretivos das ARS que compete «coordenar a organização e o funcionamento das instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde da respetiva região» (artigo 5.º, n.º 2, alínea a]), assim como propor ao Ministro da Saúde «a constituição ou reorganização de serviços prestadores de cuidados de saúde» (cf. alínea c]) e «a criação, modificação ou extinção de unidades funcionais», além de «definir as regras necessárias ao seu funcionamento, articulação e, quando existam, formas de partilha de funções comuns» (alínea d])

       IX.6. A gestão dos hospitais e de outras unidades do SNS tem hoje a sua matriz normativa no já citado Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, o qual se propõe regular o regime jurídico e os estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de entidades públicas empresariais.

       A rede compreende entidades públicas — umas com, outras sem personalidade jurídica — e entidades privadas contratadas para prestarem cuidados de saúde em estabelecimentos integrados ou a integrar no SNS, em regime de parcerias público-privadas[84] (artigo 2.º).

       Na sua maioria, os hospitais, centros hospitalares, institutos de oncologia e unidades locais de saúde do SNS encontram-se sob a administração de entidades públicas empresariais (E.P.E.) cuja organização interna obedece a «normas e critérios técnicos definidos pela tutela em função das suas atribuições e áreas de atuação específicas, devendo os respetivos regulamentos internos prever a estrutura orgânica com base em serviços agregados em departamentos e englobando unidades funcionais, bem como estruturas orgânicas de gestão intermédia» (artigo 23.º, n.º 1).

       O pagamento dos atos e serviços prestados faz-se, segundo contrato-programa plurianual, a celebrar com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS, I.P.) e com a Administração Regional de Saúde territorialmente competente (artigo 25.º, n.º 2).

       Sem prejuízo da autonomia destas entidades, o Estado, através do Governo, e em consonância com o artigo 199.º, alínea d), da Constituição, exerce importantes poderes de superintendência e tutela:

«Artigo 6.º

(Poderes do Estado)

              1 — O membro do Governo responsável pela área da saúde exerce em relação às entidades referidas nas alíneas a) e b) do artigo 2.º e na parte das áreas e atividade, centros e serviços integrados em rede, os seguintes poderes:

              a) Definição das normas e critérios de atuação hospitalar;

              b) Definição das diretrizes a que devem obedecer os planos e programas de ação, bem como a avaliação da qualidade dos resultados obtidos nos cuidados prestados à população;

              c) Acesso a todas as informações julgadas necessárias ao acompanhamento da atividade;

              d) Determinação da restrição da autonomia gestionária na situação de desequilíbrio económico-financeiro;

              e) Determinação de auditorias e inspeções ao seu funcionamento, nos termos da legislação aplicável.

              2 — Sem prejuízo da prestação de outras informações legalmente exigíveis, as entidades referidas no artigo 2.º fornecem, para efeitos de acompanhamento e controlo, ao membro do Governo responsável pela área da saúde os seguintes elementos:

              a) Os documentos de prestação de contas, de acordo com o sistema de normalização contabilística que lhes for legalmente aplicável;

              b) Informação sobre o desempenho económico-financeiro e sobre a atividade realizada».    

       De modo específico, com relação às entidades públicas empresariais (E.P.E.) e que constituem a larga maioria das pessoas coletivas públicas integradas no SNS, acresce o seguinte regime:

«Artigo 19.º

(Superintendência)

              1 — Compete ao membro do Governo responsável pela área da saúde:

              a) Definir os objetivos e as estratégias das E.P.E. integradas no SNS;

              b) Emitir orientações, recomendações e diretivas específicas para a prossecução da atividade operacional das E.P.E. integradas no SNS;

              c) Definir normas de organização e atuação hospitalar.

              2 — O membro do Governo responsável pela área da saúde pode delegar os poderes referidos no número anterior nos conselhos diretivos da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS, I.P.), e da Administração Regional de Saúde territorialmente competente».

       Importa, em especial, darmo-nos conta do poder regulamentar do Ministro da Saúde em matéria de organização e atuação hospitalar (artigo 19.º, n.º 1, alínea c]), o que não pode deixar de compreender a organização dos serviços de urgência.

       Quanto aos poderes de tutela, dispõe-se o que vai transcrito:

«Artigo 20.º

(Tutela setorial e financeira)

              1 — Compete ao membro do Governo responsável pela área da saúde:

              a) Exigir todas as informações julgadas necessárias ao acompanhamento da atividade das E.P.E., integradas no SNS, sem prejuízo da prestação de outras legalmente exigíveis;

              b) Determinar auditorias e inspeções ao funcionamento das E.P.E. integradas no SNS, de acordo com a legislação aplicável;

              c) Homologar os regulamentos internos das E.P.E. integradas no SNS;

              d) Praticar outros atos que, nos termos da lei, careçam de autorização prévia ou aprovação tutelar.

              2 — Compete ao membro do Governo responsável pela área das finanças:

              a) Aprovar os planos de atividade e orçamento;

              b) Aprovar os documentos anuais de prestação de contas;

              c) Autorizar a aquisição e venda de imoveis, bem como a sua oneração, mediante parecer prévio do conselho fiscal e do revisor oficial de contas ou do fiscal único, consoante o modelo adotado;

              d) Autorizar a realização de investimentos, quando as verbas globais correspondentes não estejam previstas nos orçamentos aprovados e sejam de valor superior a 2/prct. do capital estatutário, mediante parecer prévio do conselho fiscal e do revisor oficial de contas ou do fiscal único, consoante o modelo adotado;

              e) Autorizar os aumentos e reduções do capital estatutário;

              f) Autorizar os demais atos que, nos termos da legislação aplicável, necessitem de aprovação tutelar.

              3 — Compete aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde:

              a) Determinar a restrição da autonomia gestionária em caso de desequilíbrio financeiro;

              b) Autorizar cedências de exploração de serviços hospitalares bem como a constituição de associações com outras entidades públicas para a melhor prossecução das atribuições das E.P.E. integradas no SNS;

              c) Autorizar a participação das E.P.E. integradas no SNS em sociedades anónimas que tenham por objeto a prestação de cuidados de saúde, nos termos do regime jurídico do setor empresarial, cujo capital social seja por eles maioritariamente detido;

              d) Autorizar, sem prejuízo do disposto na alínea anterior, para a prossecução dos objetivos estratégicos, a participação das E.P.E. integradas no SNS no capital social de outras sociedades, nos termos do regime jurídico do setor empresarial».

       Às competências enunciadas nas disposições vindas de reproduzir acresce a necessária autorização (tutela integrativa a priori) do Ministro das Finanças e do Ministro da Saúde dos contratos-programa de financiamento das entidades públicas empresariais integradas no SNS (artigo 25.º, n.º 4).

       O regulamento interno, que compete ao Ministro da Saúde homologar, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea c), é o instrumento normativo idóneo para fixar a composição das equipas médicas, nomeadamente dos serviços de urgência, sem embargo de nelas refletir, tanto quanto possível, os parâmetros que a Ordem dos Médicos reconheça como convenientes ao bom exercício da profissão.

       Com efeito, dispõe-se no Anexo II, que aprova os estatutos dos hospitais, centros hospitalares e institutos portugueses de oncologia E.P.E. o seguinte:

«Artigo 7.º

(Competências do conselho de administração)

              1 — Compete ao conselho de administração garantir o cumprimento dos objetivos básicos, bem como o exercício de todos poderes de gestão que não estejam reservados a outros órgãos, em especial:

              (…)

              c) Definir as linhas de orientação a que devam obedecer a organização e o funcionamento do hospital E.P.E. nas áreas clínicas e não clínicas, de novos serviços, sua extinção ou modificação;

              d) Definir as políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores e dos titulares dos cargos de direção e de chefia;

              e) Autorizar a realização de trabalho extraordinário e de prevenção dos trabalhadores do hospital E.P.E., independentemente do seu estatuto, bem como autorizar o seu pagamento;

              f) Designar o pessoal para cargos de direção e de chefia;

              g) Aprovar o regulamento disciplinar do pessoal e as condições de prestação e disciplina do trabalho;

              (…)

              i) Aprovar e submeter ao membro do Governo responsável pela área da saúde o regulamento interno e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares aplicáveis;

              (…)».

       Em cada unidade de saúde E.P.E., o conselho de administração estabelece critérios de composição das equipas médicas dos serviços de urgência, executando as pertinentes normas regulamentares aprovadas pelo Governo em face das concretas necessidades e disponibilidades.

       Isto, sem prejuízo das funções próprias do diretor clínico:

«Artigo 9.º

(Diretor clínico)

              Ao diretor clínico compete a direção da produção clínica do hospital E.P.E. que compreende a coordenação da assistência prestada aos doentes e a qualidade, correção e prontidão dos cuidados de saúde prestados, designadamente:

              a) Coordenar a elaboração dos planos de ação apresentados pelos vários serviços e departamentos de ação médica a integrar no plano de ação global do hospital;

              b) Assegurar uma integração adequada da atividade médica dos departamentos e serviços, designadamente através de uma utilização não compartimentada da capacidade instalada;

              c) Propor medidas necessárias à melhoria das estruturas organizativas, funcionais e físicas dos serviços de ação médica, dentro de parâmetros de eficiência e eficácia reconhecidos, que produzam os melhores resultados face às tecnologias disponíveis;

              d) Aprovar as orientações clínicas relativas à prescrição de medicamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica, bem como os protocolos clínicos adequados às patologias mais frequentes, respondendo perante o conselho de administração pela sua adequação em termos de qualidade e de custo-benefício;

              e) Propor ao conselho de administração a realização, sempre que necessário, da avaliação externa do cumprimento das orientações clínicas e protocolos mencionados, em colaboração com a Ordem dos Médicos e instituições de ensino médico e sociedades científicas;

              f) Desenvolver a implementação de instrumentos de garantia de qualidade técnica dos cuidados de saúde, em especial no que diz respeito aos indicadores de desempenho assistencial e segurança dos doentes, reportando e propondo correção em caso de desvios;

              g) Decidir sobre conflitos de natureza técnica entre serviços de ação médica;

              h) Decidir as dúvidas que lhe sejam presentes sobre deontologia médica, desde que não seja possível o recurso, em tempo útil, à comissão de ética;

              i) Participar na gestão do pessoal médico, designadamente nos processos de admissão e mobilidade interna, ouvidos os respetivos diretores de serviço;

              j) Velar pela constante atualização do pessoal médico;

              k) Acompanhar e avaliar sistematicamente outros aspetos relacionados com o exercício da medicina e com a formação dos médicos».

       Além de importantes competências do diretor clínico que incidem na configuração das equipas médicas, viemos encontrar um exemplo de participação colaborativa da Ordem dos Médicos, na alínea e), e que ilustra bem o papel que pode ter na gestão hospitalar. Um papel relativo ao cumprimento das orientações clínicas e dos protocolos usados nas patologias mais frequentes. Um papel que claramente corresponde às atribuições contributivas e de colaboração da Ordem dos Médicos na promoção e defesa da saúde.

       Sem termos identificado uma norma habilitante para a Ordem dos Médicos definir, por regulamento, a composição de equipas médicas, passaremos ao enquadramento normativo específico dos Serviços de Urgência.

  

X

Os Serviços de Urgência.

       X.1. A disciplina jurídica dos serviços de urgência do SNS é assente, quase totalmente, em regulamentos do Governo.

       E não dizemos totalmente, pois encontram-se referências em leis especiais e setoriais, designadamente, em matéria de direitos e deveres do utente do SNS (Lei n.º 15/2014, de 21 de março[85]).

       O exato sentido e alcance do projeto ficarão mais bem retratados, em face do contexto regulamentar que o envolve.

       Posição nuclear e função primária competem ao Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março[86], que criou o, então denominado, Serviço de Urgência Hospitalar.

       Pode ler-se na sua exposição de motivos o seguinte:

              «A reorganização da urgência hospitalar, integrada no âmbito das linhas gerais definidas para a reforma do Serviço Nacional de Saúde, tem por objetivo adequar a resposta do sistema de saúde às necessidades impostas pela situação aguda do utente e pressupõe um conjunto de intervenções nos vários elos da cadeia de prestação de cuidados de saúde e uma progressiva e permanente diferenciação de todos os profissionais intervenientes nos processos de socorro, transporte, reanimação e tratamento.

              A reestruturação dos serviços de urgência nos hospitais da rede nacional de urgência/emergência, respondendo a uma exigência funcional e organizativa do hospital, constitui um passo fundamental para uma melhoria efetiva e sustentada dos cuidados de saúde e uma medida essencial para uma melhor e mais racional política de recursos humanos e para uma programação e planeamento adequados dos investimentos nesta área.

              A recente criação, pela Ordem dos Médicos, da competência em emergência médica vem reconhecer a necessidade de uma elevada diferenciação técnica e científica dos médicos que trabalham nos serviços de urgência e vai permitir a progressiva profissionalização dos mesmos, bem como a sua autonomização funcional e orgânica.

              O presente despacho vem criar o serviço de urgência hospitalar, enquanto serviço de ação médica hospitalar, criação essa dirigida à progressiva diferenciação e maior disponibilidade dos profissionais neles integrados».

       Em conformidade com tais propósitos — de diferenciação dos serviços de urgência hospitalar com o reconhecimento, pela Ordem dos Médicos, de uma competência em emergência médica — os serviços de urgência foram qualificados como «serviços multidisciplinares e multiprofissionais que têm como objetivo a prestação de cuidados de saúde em todas as situações enquadradas nas definições de urgência e emergência médicas» (artigo 1.º, n.º 2), considerando-se «situações de urgência e emergência médicas aquelas cuja gravidade, de acordo com critérios clínicos adequados, exijam uma intervenção médica imediata» (artigo 1.º, n.º 3).

       Cada serviço de urgência médica dispõe de um diretor com regime análogo ao de diretor de serviço hospitalar (artigo 2.º).

       Com relação às equipas de profissionais médicos, pode ler-se:

«Artigo 3.º

(Equipas do serviço de urgência)

              1 — No serviço de urgência devem exercer funções médicos da carreira com competência, preferencialmente, em emergência médica.

              2 — As equipas de médicos dos serviços de urgência devem ter uma constituição adequada ao movimento assistencial do serviço».

       A composição das equipas multidisciplinares e multiprofissionais constitui matéria de regulamento interno:

«Artigo 4.º

(Regulamento interno)

              O serviço de urgência deve ter regulamento interno que contemple o modelo global de funcionamento, a estrutura hierárquica do serviço e a constituição das respetivas equipas multidisciplinares e multiprofissionais».

       Mais se determina que cada serviço de urgência providencie por «uma relação estreita e claramente definida com o Instituto Nacional de Emergência Médica, com os demais organismos estatais de intervenção em situações de urgência ou emergência e com as estruturas do sistema de prestação de cuidados de saúde em estreita articulação com a estrutura interna de prestação de cuidados intensivos das diversas áreas clínicas do hospital por forma a garantir a continuidade e qualidade de cuidados de elevada diferenciação» (artigo 5.º).

       A aprovação do regulamento interno a que se refere o artigo 4.º cumpre aos conselhos de administração das entidades públicas empresariais do SNS, embora sujeita a homologação pelo Ministro da Saúde[87].

         X.2. O Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro[88], veio executar algumas disposições do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, sob o desiderato de harmonizar procedimentos na denominada Rede de Serviços de Urgência:

              «O Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, criou o serviço de urgência hospitalar enquanto serviço de ação médica, preconizando a constituição de equipas médicas adequadas ao seu movimento assistencial e prevendo que haverá uma progressiva dedicação ao trabalho naquele serviço, por parte de médicos dotados de competências e qualificações médicas.

              Para o favorecimento da eficiência e da qualidade do serviço de urgência e tendo em conta que o mesmo se reveste de características muito próprias e diferenciadas, reconhece-se a importância da utilização efetiva de instrumentos facilitadores da organização do trabalho médico, designadamente as escalas-tipo e as escalas de serviço.

              No âmbito da requalificação da Rede de Serviços de Urgência Geral e de forma a evitar práticas diversas entre as diferentes instituições, entende-se adequado, desde já, harmonizar procedimentos, a aplicar pelos estabelecimentos da Rede e por cuja execução respondem em primeira linha os respetivos órgãos máximos».

       De acordo com o n.º 4 do Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, é aos conselhos de administração dos hospitais que compete promover a constituição de equipas dedicadas, compostas por médicos que «afetem a totalidade ou parte do seu horário semanal de trabalho ao SU, com caráter definitivo ou temporário».

       Assim, cumpre ao diretores dos serviços de urgência propor ao diretores clínicos uma escala-tipo. O diretor clinico, concordando com o teor da proposta, apresenta-a ao conselho de administração (n.º 6).

       Aprovada a escala-tipo, «o Diretor do Serviço do SU acorda com os Diretores de Serviço dos respetivos Serviços de Especialidade a distribuição nominal dos médicos especialistas e internos que prestam serviço de urgência, por dias da semana e por turnos» (n.º 11).

       Sem prejuízo de revisões extraordinárias que se justifiquem, a escala-tipo deve ser revista anualmente (n.º 12) e deve conter adaptações relativas a «períodos de férias, comissões gratuitas de serviço e licenças, os quais devem (…) ser acordados entre os respetivos diretores de serviço, por forma a evitar ruturas no funcionamento do SU e, sempre que possível, encargos suplementares».

       Mais se prevê que o trabalho médico no Serviço de Urgência (SU) seja prestado em equipas com facultativos de várias especialidades e cuja formação se mostre minimamente estável (n.º 3).

       A integração de cada médico em equipas dedicadas, por período não inferior a seis meses, depende do seu acordo (n.º 6).

       No n.º 7, encontra-se uma remissão para níveis assistenciais reconhecidos pela Ordem dos Médicos que em muito se presta a descortinar o papel que lhe está confiado, em matéria de constituição das equipas médicas dos serviços de urgência:

              «As escalas-tipo devem respeitar, sempre que possível, os níveis assistenciais definidos pela Ordem dos Médicos para as diversas valências e, na sua inexistência ou impossibilidade, os níveis assistenciais definidos para o SU pelo Diretor Clínico, com a justificação devida, quer quanto à dotação dos recursos, quer quanto à dimensão e estrutura demográfica da população abrangida pela área de influência da urgência e à evolução e características da respetiva procura».

       Com efeito, a norma concede um valor indicativo aos «níveis assistenciais definidos pela Ordem dos Médicos».

       Não lhe devolve, porém, os critérios da chamada escala-tipo dos serviços de urgência, muito menos habilita um regulamento com eficácia externa.

       Prevê-se que a Ordem dos Médicos se disponha a fornecer indicadores dos níveis assistenciais. O diretor do serviço e o diretor clínico devem segui-los, tanto quanto as contingências o permitam: «sempre que possível» Trata-se de recomendações, indicações e referências de ordem técnica, baseadas na experiência. Por outras palavras, o cumprimento dos níveis assistenciais desejáveis, dentro dos níveis logísticos possíveis.

       «Com a justificação devida» prevalecem, no entanto, os critérios do diretor clínico. Melhor do que ninguém, o diretor clínico conhece as variações pendulares de afluência, as características da procura, os recursos humanos e logísticos. Cumpre-lhe, por conseguinte, substituir os critérios gerais por critérios excecionais para enfrentar situações atípicas.

       A escala-tipo, nos termos do n.º 8, deve discriminar «o número de médicos, em presença física e prevenção, por especialidade, distribuídos por dias da semana e turnos e ainda as especialidades de apoio ao SU e demais Serviços do Hospital».

       No n.º 9, cuida-se da prestação de serviço em prevenção e do modo como deve poder convolar-se em presencial:

              «As especialidades que asseguram a prestação de serviço de urgência em regime de prevenção devem estar expressas na escala-tipo e aquele regime aplica-se sempre que a presença física do médico da respetiva especialidade não se mostre indispensável, mas haja que garantir a sua comparência no SU quando necessário, num período máximo de 30 minutos após a chamada».

       X.3. Em terceiro lugar deve referir-se o Despacho n.º 14 041/2012, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 23 de outubro de 2012[89].

       Contudo, não se justifica um tratamento exaustivo do seu teor, pois, fundamentalmente diz respeito aos centros de orientação de doentes urgentes (CODU), cujas atribuições são de natureza pré-hospitalar, sem que o projeto de regulamento da Ordem dos Médicos incida no seu funcionamento.

       Em todo o caso, importa enunciá-las:

              — Garantir a triagem das chamadas de emergência (112);

              — Realizar a triagem médica segundo os algoritmos de decisão definidos pelo INEM, I.P., com base na melhor evidência científica e validados por peritos;

              — Realizar, após triagem, o acionamento dos meios de emergência médica;

              — Prestar aconselhamento médico a situações de urgência e de emergência e transferir chamadas não urgentes da Linha Saúde 24;

              — Prestar o atendimento telefónico do Centro de Informação Antivenenos;

              — Coordenar a decisão sobre a referenciação primária e secundária de todos os doentes urgentes e ou emergentes na rede nacional de Serviços de Urgência e ou Cuidados Intensivos, em particular a referenciação das Vias Verdes.

       X.4. É o já citado Despacho n.º 10 319/2014, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 25 de julho de 2014, que firma a estrutura do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM), ao nível do atendimento hospitalar e em articulação com os cuidados de saúde pré-hospitalares. Despacho aliás invocado no projeto de regulamento da Ordem dos Médicos (artigo 1.º, n.º 2).

       Define a missão dos Serviços de Urgência (SU) e «estabelece padrões mínimos relativos à sua estrutura, recursos humanos, formação, critérios e indicadores de qualidade», além de regular o «processo de monitorização e avaliação» (artigo 1.º).

       Nos termos do artigo 2.º, a rede dos SU reparte-se, «por ordem crescente de recursos e capacidade de resposta», entre os seguintes tipos:

— Serviço de Urgência Básico (SUB);

— Serviço de Urgência Médico-Cirúrgico (SUMC);

— Serviço de Urgência Polivalente (SUP).

       Para cada um destes níveis são definidas as valências a que resposta, segundo as especialidades médicas, sem prejuízo de outras prescrições atinentes à sua organização, funcionamento e distribuição pelo território continental (artigo 3.º e seguintes).

       Todavia, o Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM) não se esgota na rede de Serviços de Urgência (SU), pois compreende também os Centros de Trauma (CT), consignados no artigo 6.º, outros centros específicos[90] (artigo 7.º) e as unidades vocacionadas para o atendimento infantil: o Atendimento Urgente a Crianças (artigo 8.º), impondo adaptações nos SUB (artigo 9.º), nos SUMC e nos SUP (artigo 10.º), além do Serviço de Urgência Polivalente Pediátrica que efetua atendimento de crianças com situações de doença ou trauma grave, já referenciadas ou primárias (artigo 11.º).

       O Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, fixa a organização dos meios de triagem e encaminhamento no SU (artigo 12.º), programa a instalação e crescimento dos Sistemas de Resposta Rápida (artigo 13.º), que se desdobram pela Via Verde AVC (artigo 14.º), a Via Verde AVC Coronária (artigo 15.º), a Via Verde Sépsis (artigo 16.º) e a Via Verde Trauma (artigo 18.º).

       Regula ainda os sistemas telefónicos de triagem, orientação e aconselhamento de doentes: os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), ao nível do Instituto Nacional de Emergência Médica INEM), IP, e a Linha Saúde 24, da Direção-Geral da Saúde (artigo 18.º).

       O mapa das estruturas, recursos e valências, das relações de complementaridade, de subordinação e de apoio técnico, dos circuitos e das condições de articulação e referenciação entre unidades dos sistemas Pré- Hospitalar e Hospitalar de Urgência toma a designação de Rede de Referenciação de Urgência e Emergência (RRUE), «constituindo estrutura do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM) ao nível da responsabilidade hospitalar e sua interface com o pré-hospitalar» (artigo 19.º, n.º 1).

       Nos artigos 20.º e 21.º, concretiza-se a organização dos SU, segundo uma clara opção preferencial por equipas médicas multidisciplinares.

       As suas disposições relevam, de modo especial, para o tema sob consulta, motivo por que as reproduzimos integralmente:

«Artigo 20º

(Estrutura Física e Recursos Materiais)

              1   — O SU deve, necessariamente, incluir as seguintes áreas:

              a)  Área de admissão e registo;

              b) Área de triagem de prioridades;

              c)  Área de espera;

              d) Área de avaliação clínica;

              e)  Sala de emergência para doentes críticos com condições para suporte avançado de vida;

              f)  Área de ortotraumatologia;

              g)  Área de curta permanência e observação;

              h) Área de informação e comunicação com familiares.

              2   — Deve ser garantido o acesso fácil a meios complementares de diagnóstico, e no caso do SUMC e do SUP, também a bloco operatório.

              3   — Devem existir fluxos de doentes pré-estabelecidos, absolutamente claros e sinalizados, diferenciados por tipo de problemas e/ou por prioridade de observação, com a definição clara das atividades que são realizadas em cada uma das áreas e como se relacionam com as restantes.

              4   — Devem ser respeitados a privacidade, o conforto, a comunicação e a informação personalizada e humanizada, as condições de visualização e fácil acesso ao doente, e deve ser facilitado o acompanhamento do doente por familiar, nos termos do disposto na Lei n.º 33/2009, de 14 de julho.

              5   — As áreas de circulação, nomeadamente os corredores, devem manter-se livres, sem estacionamento de doentes ou macas.

Artigo 21º

(Recursos Humanos e Formação)

              1   — O Conselho de Administração Hospitalar deve possuir uma política institucional, plasmada no seu Plano e Relatório de Atividades, que promova o SU como Serviço de Ação Médica, incluindo como objetivos:

              a)  A constituição preferencial do SU por equipas de profissionais de saúde dedicados à Urgência, ou seja, profissionais que trabalham na sua totalidade ou maioritariamente apenas no SU, sobretudo nos períodos do dia de maior procura, no cumprimento do Despacho nº 47/SEAS/2006;

              b) A articulação e integração de processos e de cuidados entre os SU e restantes serviços hospitalares, quer os que prestam apoio direto, quer os que recebem doentes internados, numa perspetiva de cuidados centrados no doente, de forma humana, célere e eficiente.

              c)  A promoção das competências e as capacidades mínimas de Médicos, Enfermeiros e restante pessoal e definir claramente a sua formação, titulação e creditação;

              2   — Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a formação e o currículo dos profissionais de atendimento da Rede nos SUB, no SUMC e no SUP devem obrigatoriamente contemplar:

              a)  Relativamente aos Médicos e Enfermeiros:

              I.   Formação em Suporte Avançado de Vida;

              b) Relativamente aos Médicos e Enfermeiros envolvidos no atendimento pediátrico num SU:

              I.   Formação em Suporte Avançado de Vida Pediátrico (SAVP) ou, quando impossível, em Suporte Imediato de Vida Pediátrico (SIVP);

              c)  Relativamente aos Assistentes Operacionais:

              I.   Formação em Suporte Básico de Vida;

              3   — Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a formação e o currículo de, pelo menos, 50/prct. dos profissionais nas equipas de atendimento da Rede, em exercício em qualquer um momento, nos SUB, no SUMC e no SUP devem contemplar:

              a)  Relativamente aos Médicos e Enfermeiros:

              I.   Formação em Suporte Avançado de Vida em Trauma (nos Centros de Trauma, todos os profissionais de saúde têm que ter esta formação);

              II.  Formação em Ventilação e Controle Hemodinâmico;

              III. Formação em Transporte de Doentes Críticos;

              IV. Formação em VV;

              V.  Formação em Comunicação e Relacionamento em Equipa, Gestão de Stress e de Conflitos, Comunicação do risco e transmissão de más notícias.

              b) Relativamente aos Médicos:

              I.   Competência em Emergência Médica, atribuída pela Ordem dos Médicos.

              c)  Relativamente aos Enfermeiros:

              I.   Competências específicas do Enfermeiro Especialista em enfermagem de pessoa em situação crítica, atribuída pela Ordem dos Enfermeiros;

              d) Relativamente aos Assistentes Operacionais:

              I.   Formação em Técnicas de Trauma e Imobilização;

              II.  Formação em Comunicação e Relacionamento em Equipa, Gestão de Stress e de Conflitos.

              4   — Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a formação e o currículo de, pelo menos 50/prct., dos Médicos e Enfermeiros de atendimento da Rede, em exercício em qualquer um momento, envolvidos no atendimento pediátrico num SU devem contemplar ainda a formação em Suporte Avançado de Vida Pediátrico e Formação Avançada em Trauma Pediátrico».

       Note-se que às ordens profissionais dos médicos e dos enfermeiros é devolvido o reconhecimento das qualificações, respetivamente, de ‘competência em emergência médica’ e de ‘enfermeiro especialista em enfermagem de pessoa em situação crítica’ (artigo 21.º, n.º 3, alíneas b) e c]).

       Por seu turno, no artigo 22.º, n.º 2, estabelecem-se padrões qualitativos e quantitativos, considerados como mínimos para o acesso, triagem, definição dos níveis de SU e Rede de Referenciação, qualificação dos profissionais de saúde, adaptação a situações de catástrofe, passagens de turno, transferências entre hospitais, equipamento, informação e controlo de qualidade.

       São considerados padrões mínimos para o SIEM, de acordo com o n.º 3:

              — De acesso: o acesso a cuidados de Urgência/Emergência deve ser acompanhado, permanentemente, por uma linha de atendimento 112 ou pela Linha Saúde 24, que orientam para o local o meio mais adequado; devendo haver um SU à distância máxima de 60 minutos de trajeto.

             

              — De triagem: em todos os SU, qualquer que seja o nível, deve existir um sistema de triagem que permita distinguir os doentes por gravidade clínica, de modo a que, se houver tempo de espera, se ponham em prática os critérios preestabelecidos de observação.

              — De definição dos níveis de SU e da Rede de Referenciação: os diferentes SU devem estar articulados em rede de modo a permitir o tratamento dos doentes atempadamente no local próprio; cada SU deve conhecer o seu papel na Rede e o modo de articulação com outros Serviços.

              — De qualificação dos profissionais de saúde: cumpre a cada SU promover a formação dos seus profissionais de saúde e providenciar por que o atendimento seja prestado por profissionais com as qualificações especificadas no artigo 21.º.

              — De planeamento para a eventualidade de catástrofes: cada SU deve dispor de um plano de catástrofe/contingência, que inclua a resposta a situações como elevado número de sinistrados, seguindo as orientações emanadas pela Direção-Geral da Saúde, além de o divulgar e simular periodicamente.

              — Das passagens de turno: a fim de evitar perdas na comunicação, devem ser feitas verbalmente a partir da informação atualizada e mantida em registos clínicos; por outro lado, deve ocorrer uma margem de sobreposição dos turnos, de modo a que os profissionais possam cumprir a passagem eficazmente.

              — Das transferências de doentes entre hospitais: o SU no qual se encontra o doente é responsável pelo seu tratamento; apenas se não tiver capacidade de resposta deve promover a transferência atempada e em segurança para o SU adequado de nível superior, isto é, com as capacidades necessárias, e mais próximo; revelando-se impraticável o SU adequado mais próximo receber o doente, uma de três situações deve ocorrer: (i) o SU adequado mais próximo encontra meios em tempo útil; (ii) o SU adequado mais próximo auxilia o SU que tem o doente a encontrar alternativa e essa iniciativa tem rápido sucesso; (iii) em último caso, o SU adequado mais próximo recebe o doente, ativando o seu plano de catástrofe/contingência; as situações mais comuns e previsíveis de transferência devem estar previstas na carta de Rede de Referenciação.

              — Do equipamento: definidos segundo a tipologia e níveis.

              — Da informação: em cada SU, acesso a fontes e bibliografia relevantes de informação técnica médica em formato eletrónico.

              — Do controlo de qualidade: todos os SU devem assegurar funções de Controlo de Qualidade, com o objetivo de monitorizar o desempenho, baseando-se, nomeadamente nos Indicadores de Qualidade.

       Os Indicadores de Qualidade, por sua vez, devem perseguir os seguintes objetivos:

              — Proporcionar compatibilidade com os sistemas de informação utilizados ou, pelo menos, suscetíveis de serem postos em prática com facilidade, prestando informação de forma contínua e imediata a partir destes sistemas de informação.

              — Refletir áreas clínicas com significativa relevância de certas patologias (incidência, prevalência e custos associados) e que tenham sido contempladas no Plano Nacional de Saúde, programas prioritários e demais documentos estratégicos internacionais, nacionais ou regionais relevantes.

              — Permitir acompanhar processos e resultados, incluindo resultados clínicos e os que se relacionam com a perspetiva do doente.

              — Permitir a vigilância epidemiológica, a geração de sinal atempado e o acionamento de planos de readequação de recursos e de respostas a nível institucional e de saúde pública.

              — Mostrar-se de largo alcance, permitindo seguir de perto os aspetos mais relevantes da saúde na área da urgência/emergência.

              — Refletir o grau de articulação entre cuidados de saúde primários, sistemas de atendimento telefónico, o Sistema de Emergência Pré-hospitalar e o Sistema Hospitalar de Urgência.

              — Satisfazer às principais necessidades dos utentes.

              — Ser apto a apontar possíveis direções de melhoria por metas ou objetivos.

              — Utilizar, partilhar informação e facultar termos de comparação compatíveis com a informação de outros Sistemas e Organizações (EUROSTAT, OCDE, NICE, TARN).

              — Refletir o desenvolvimento da acessibilidade, qualidade e desempenho do SIEM e das suas unidades, através do seu histórico e da proposta de metas progressivamente mais ambiciosas.

              — Ser útil para a comparação do desempenho entre unidades, a identificação de boas-práticas e benchmarking.

       O artigo 22.º, n.º 5, dispõe que os indicadores de qualidade devem encontrar-se incorporados num painel nacional estável de indicadores, sem prejuízo de poder ser reiteradamente atualizado, a definir pela Direção-Geral de Saúde com a colaboração da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., das Administrações Regionais de Saúde (ARS) e do INEM, I.P., do qual constam a designação, objetivos, forma de cálculo, situações de exceção, padrão mínimo e meta.

       O quadro regulamentar não ficaria completo sem os níveis de responsabilidade de avaliação, definidos no n.º 9:

              — Ao nível singular, das próprias instituições;

              — Ao nível regional, das ARS, que deverão refletir a evolução do desempenho dos SU sobre sua responsabilidade;

              — Ao nível nacional, do INEM, I.P., relativamente ao Sistema de Emergência Pré-hospitalar e da articulação com o Sistema Hospitalar de Urgência; da ACSS, I.P. e da Direção-Geral de Saúde com relação ao desempenho da gestão e da qualidade clínica, respetivamente.

       Em face do exposto, é preciso insistir num ponto. O Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho, conserva a opção por equipas médicas multidisciplinares, na linha do Despacho n.º 11/2002, de 6 de março. Uma opção preferencial por médicos dedicados à urgência, pelo menos, nos períodos de maior afluência (artigo 21.º, n.º 1, alínea]).

       X.5. A Portaria n.º 147/2016, de 19 de maio[91], embora não cuide especificamente da prestação de cuidados de saúde urgentes, é importante para conhecer o grau de exigência e diferenciação das unidades hospitalares, acabando por se refletir nos serviços de urgência.

       Estabelece «o processo de classificação dos hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica, tendo como princípio a definição das Redes de Referenciação Hospitalar (RRH)» (artigo 1.º).

       Os hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde devem ser classificados em grupos, «de acordo com as respetivas especialidades desenvolvidas, a população abrangida, a capacidade de formação, a diferenciação dos recursos humanos, o modelo de financiamento, a classificação dos seus serviços de urgência e a complexidade da produção hospitalar» (artigo 3.º, n.º 1) e «as especialidades são incluídas nos respetivos grupos de classificação das instituições hospitalares por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde, após concluído o processo de aprovação de todas as RRH» (n.º 2).

       X.6. Por seu turno, a definição e classificação dos serviços de urgência que constituem a Rede de Urgência/Emergência é objeto do Despacho n.º 13 427/2015, do Ministro da Saúde, de 16 de novembro de 2015[92].

       Em conformidade com o Despacho n.º 10 319/2014, os serviços de urgência compreendidos em hospitais, unidades hospitalares e centros de saúde são classificados como Serviço de Urgência Polivalente (SUP), Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica (SUMC) e Serviço de Urgência Básica (SUB).

       O mais elevado grau é atribuído aos SUP que integram Centros de Trauma (CT): a Unidade Hospitalar de Vila Nova de Gaia, em articulação com o Hospital Geral de Santo António, no Porto; os hospitais de Santa Maria e de São José, em Lisboa; os Hospitais da Universidade de Coimbra; o Hospital de São João, no Porto, e o Hospital de São Pedro, em Vila Real.

       O nível mais elementar (SUB) encontra-se em hospitais e unidades hospitalares, mas também em centros de saúde, devidamente apetrechados e com profissionais de saúde dispondo das pertinentes qualificações.

       Já a definição tipológica da prestação de serviços de urgência nos hospitais cuja gestão tenha sido convencionada com as misericórdias é deixada, em função do acordo de gestão, às administrações regionais de saúde (ARS).

       Remete-se para regulamento próprio a tipologia específica dos serviços de urgência pediátrica e das denominadas vias verdes.

       X.7. Importa, por fim, fazer menção à Regulamentação do Sistema de Gestão do Acesso dos Utentes ao SNS, aprovada pela Portaria n.º 147/2017, de 27 de abril, pois contém disposições relativas ao acesso de utentes aos SU.

       Este sistema, sob o acrónimo SIGA, visa o acompanhamento, controlo e prestação de informação integrada com o objetivo, entre outros, de assegurar a continuidade dos cuidados de saúde e de conceder aos utentes uma resposta equitativa e atempada (artigo 2.º, n.º 1).

       Incentivar a prestação de cuidados de saúde em equipa multidisciplinar e multiprofissional é outros dos objetivos do SIGA SNS (artigo 3.º, alínea i]).

       Os Cuidados de Urgência (artigo 2.º, n.º 2, alínea d]) são objeto de tratamento específico, nos termos seguidamente reproduzidos:

«Artigo 12.º

(SIGA Urgência)

              O SIGA Urgência obedece às seguintes regras específicas de funcionamento:

              a) Os utentes podem optar livremente por qualquer Serviço de Urgência da Rede do SNS, independentemente da sua área geográfica de residência;

              b) O acesso aos serviços referidos na alínea anterior deve preferencialmente ser precedido de contacto com os cuidados de saúde primários, com o Centro de Contactos do SNS ou com o Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P. (INEM);

              c) Os tempos de resposta dos vários serviços referidos na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º são atualizados e publicados em local próprio do Portal do SNS;

              d) A informação sobre a atividade dos Serviços de Urgência da Rede do SNS é disponibilizada às instituições hospitalares e no Portal do SNS».

       Resultando da alínea a) o direito de os utentes optarem por um qualquer serviço de urgência, deixando de se encontrar adstritos ao hospital ou centro hospitalar da área de residência, é bem de ver que a indexação das equipas a este critério, feita no projeto de regulamento, mostra-se inadequada.

XI

Do exercício da profissão nas carreiras médicas do SNS.

       O Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 177/2009, com a mesma data, definem os regimes das carreiras médicas no SNS[93].

       O primeiro cuida da carreira dos médicos que prestam trabalho nas unidades de saúde de entidades públicas empresariais ou de parcerias de gestão.

       O segundo diz respeito à carreira especial médica, i.e. dos médicos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas (artigo 2.º).

       Médico é, neste âmbito, «o profissional legalmente habilitado ao exercício da medicina, capacitado para o diagnóstico, tratamento, prevenção ou recuperação de doenças ou outros problemas de saúde, e apto a prestar cuidados e a intervir sobre indivíduos, conjuntos de indivíduos ou grupos populacionais, doentes ou saudáveis, tendo em vista a proteção, melhoria ou manutenção do seu estado e nível de saúde» (artigo 9.º, n.º 1).

       Ambas as carreiras médicas oferecem a progressão por três categorias com conteúdos funcionais sucessivamente diferenciados — assistente, assistente graduado e assistente graduado sénior (artigo 8.º) — sendo os médicos profissionalmente qualificados segundo os graus de especialista ou de consultor (artigo 4.º, n.º 1).

       O grau de especialista adquire-se pela conclusão do internato da especialidade, com aproveitamento (artigo 5.º, n.º 1). Cinco anos de experiência permitem ao médico especialista concorrer ao grau de consultor (n.º 2). 

No artigo 10.º, n.º 2, é expressamente salvaguardada a autonomia técnica e científica do médico e ali se garante que o cumprimento dos seus deveres funcionais tem como pressuposto o respeito pelas leges artis.

       Um dos seus deveres é exercer as «suas funções com zelo e diligência, assegurando o trabalho em equipa, tendo em vista a continuidade e garantia da qualidade da prestação de cuidados e a efetiva articulação de todos os intervenientes» (artigo 10.º, n.º 2, alínea c]).

       Na área hospitalar, o conteúdo funcional do médico assistente vincula-o a «integrar e chefiar equipas de urgência, interna e externa» (artigo 7.º-A, n.º 1, alínea d]).

       Determina-se, com relação às duas carreiras, que o exercício das funções de direção e chefia «não impede a manutenção da atividade de prestação de cuidados de saúde por parte dos médicos, mas prevalece sobre a mesma» (artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto, e artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto).

       A norma estabelece, pois, uma relação de subsidiariedade entre as funções de direção e chefia e a prestação de cuidados de saúde com o sentido de o desempenho de funções assistenciais preencher a eventual disponibilidade das funções de direção e chefia — as quais prevalecem.

       Se, porventura, precisasse de execução por via regulamentar, não seria a Ordem dos Médicos a fazê-lo por manifesta falta de atribuições e de habilitação regulamentar.

       A autonomia regulamentar da Ordem dos Médicos, em matéria de exercício da profissão, não lhe permite dispor acerca das carreiras médicas, pois, como associação pública profissional, encontra-se absolutamente impedida de intervir «nas relações económicas ou profissionais dos seus membros» (artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

XII

Invalidade e ineficácia jurídica das normas regulamentares.

       Ao longo dos capítulos precedentes, pudemos identificar, situar e comentar o enquadramento jurídico próprio de cada uma das questões controvertidas e oportunamente inventariadas, em ordem à sua resposta que estaremos em condições de prestar.

       Cumpre, assim, aplicar ao projeto o resultado da investigação concluída e concretizar os motivos por que as normas, a serem aprovadas e publicadas, devem ter-se por inválidas e juridicamente ineficazes.

       Cuida-se, igualmente, de identificar os meios que ao Governo assistem para impedir a sua entrada em vigor.

       XII.1. Nem as atribuições estatutárias invocadas pela Ordem dos Médicos nem as normas sobre a competência regulamentar da Assembleia de Representantes permitem a esse órgão aprovar o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência sem deixar de incorrer num vício de incompetência absoluta (por falta de atribuições).

       O projeto de regulamento louva-se, como pudemos observar, em duas atribuições enunciadas pelo artigo 3.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Médicos, mas que não pertencem, de modo exclusivo, a esta associação pública.

       E por não pertencerem de modo exclusivo à Ordem dos Médicos, o Estatuto não faculta aos seus órgãos todos os meios e poderes convenientes ou necessários. A concreta amplitude dos poderes só pode ser corretamente delimitada pelo confronto com as atribuições de outras pessoas coletivas públicas, nomeadamente as do Estado, e pela extensão concedida às normas de competência dos seus órgãos.

       Atribuições são domínios materiais ou temáticos de intervenção administrativa — sociais, culturais, económicos ou de administração geral[94] — ordenados de modo teleológico ou programático mediante um fim ou um objetivo.

       Devemos considerar perfeitas as atribuições que combinam objeto e fim, sem perder de vista, no entanto, que, não raro, o legislador enuncia as atribuições de modo imperfeito, induzindo o intérprete a crer tratar-se de verdadeiras normas de competência.           Por vezes, ainda, surgem normas com atribuições acessórias ou secundárias e que é possível repartir entre atribuições auxiliares e de comando. A sua extensão só pode ser compreendida em vista das atribuições principais.

       As atribuições de cada pessoa coletiva pública (ou de cada ministério) emprestam conteúdo, objeto e, muitas vezes, o fim próprio ao âmbito material das normas de competência dos vários órgãos, mas não constituem poderes, em si mesmas, nem permitem identificar poderes implícitos.

       Vale a pena recapitular os particularismos que rodeiam as atribuições das associações públicas profissionais, decorrentes do artigo 267.º, n.º 4, da Constituição: porque a sua criação obedece a um princípio de especificidade (só podem ser criadas para satisfazer necessidades coletivas específicas) toda a sua atividade obedece a um princípio de especialidade (artigo 6.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro) e porque proibidas de assumir atribuições de natureza sindical, estão impedidas de exercer ou praticar qualquer atividade que se relacione com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros (artigo 5.º, n.º 2).

       A esta luz, revisitemos as atribuições invocadas como habilitação legal do regulamento: as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Médicos.

       Quanto à alínea b) — «contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes» — a própria atribuição é delimitada pelo verbo usado. Contribuir, mas não mais do que contribuir, querendo isto dizer que não pode a Ordem dos Médicos exercer um poder regulamentar sobre terceiros, com este desiderato, pois incorre em algo que ultrapassa o contributo, entendido como participação ou colaboração[95].

       A atribuição em causa é apenas de ordem finalística e não demarca, propriamente, um específico domínio material de intervenção[96].

       As ordens profissionais não são criadas por conta dos interesses homogéneos partilhados pelo grupo profissional e que formam um interesse coletivo. Tal interesse não é, em si, um interesse público.

       A sua criação deve-se, antes, à conveniência para o interesse público em que certas profissões sejam regulamentadas e governadas com o mais elevado rigor[97] e que só os próprios profissionais, através dos seus representantes, estão em condições de imprimir.

       A Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, no artigo 3.º, considera excecional a criação de uma nova associação pública profissional (n.º 1). É preciso identificar «um interesse público de especial relevo que o Estado não possa assegurar diretamente» (alínea a]), o que não sucede com todas as profissões. Apenas se admite criar novas associações públicas com relação a profissões «que devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público prosseguido» (artigo 2.º). Ademais, só pode existir uma para cada profissão ou conjunto de profissões afins (artigo 3.º, n.º 3).

       Por isso, como bem observa PEDRO COSTA GONÇALVES[98], a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, não toma a regulação «como um interesse público específico da coletividade de profissionais».

       A razão de ser das ordens profissionais encontra-se na defesa das pessoas que recorrem aos seus serviços e não para defesa do interesse coletivo radicado em cada profissão.

        Nas palavras deste corpo consultivo, visam garantir «confiança no exercício de determinadas profissões, envolvendo particulares exigências de natureza científica, técnica e deontológica[99]».

       E faz notar JOÃO PACHECO DE AMORIM[100]:

              «Com o exercício destas profissões intelectuais protegidas (ou liberais, ou universitariamente tituladas), sobretudo quando a prestação do serviço profissional corresponda, juridicamente (mais) a uma obrigação de meios, e não (ou menos) de resultados, nos termos do Código Civil (como sucede, por exemplo, com a medicina e com a advocacia), dá-se uma combinação de elementos que deixa de algum modo indefeso o destinatário dos serviços face ao profissional titulado».

       Por conseguinte, toda a atividade da Ordem dos Médicos deve «contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes», seja pelo dever fundamental que recai sobre todos de promover e proteger a saúde (artigo 64.º, n.º 1, da Constituição), seja pelo interesse público que levou o legislador a criar a Ordem dos Médicos e a confiar-lhe poder regulamentar.

       É esse o alcance daquela norma de atribuição. Não basta um fim objetivamente virtuoso para facultar à Ordem dos Médicos a definição unilateral da organização administrativa de um conjunto de serviços públicos. Definição que excede largamente o exercício individual da profissão médica ao ser praticado numa estrutura administrativa ou empresarial de elevada complexidade e cujos recursos humanos e materiais são custeados a partir do Orçamento do Estado.

       Por seu turno, o exercício da profissão — alínea a) — compreenderia todos os serviços prestados por médicos, isoladamente ou em equipa, se a atividade destes profissionais fosse praticada apenas em regime liberal.

       Já o exercício profissional dos médicos, em regime de trabalho subordinado, integrado em estruturas complexas (empresariais ou administrativas), com ou sem fins lucrativos, suscita questões de caráter laboral.

       Veja-se o caso do direito à greve e que suscita preocupações de ordem ética. Só razões deontológicas justificam a intervenção da Ordem numa greve de médicos. Motivo por que no artigo 135.º, n.º 7, do Estatuto se dispõe que o exercício do direito de participar numa greve conhece limites deontológicos com que outras profissões não se confrontam:

              «O exercício do direito à greve não pode violar os princípios da deontologia médica, devendo os médicos assegurar os cuidados inadiáveis aos doentes».

       No exercício liberal da profissão, a greve não tem sentido.   

       Sem dúvida, há aspetos concernentes aos atos médicos praticados em equipa que relevam para as atribuições da Ordem dos Médicos: por exemplo, a cooperação entre médicos de uma mesma equipa ou entre diferentes equipas médicas, como também a imputação de responsabilidade disciplinar — «Nas equipas multidisciplinares, a responsabilidade de cada médico deve ser apreciada individualmente» (artigo 9.º, n.º 2, do Código Deontológico) — ou a repartição de honorários — «Na prestação de serviços médicos por equipa médica ou multiprofissional, os honorários podem ser reclamados por cada um dos intervenientes ou só por um, sem prejuízo de terem de ser sempre discriminados» (artigo 53.º, n.º 1).

       Não, contudo, a definição, com eficácia externa, dos níveis assistenciais das equipas de urgência, em unidades de saúde cuja administração não compete aos profissionais médicos, nessa qualidade. Já, sim, como norma de orientação técnica, sugerida às administrações das unidades de saúde.

       Em conformidade com o artigo 4.º, n.º 1, do Estatuto, a habilitação regulamentar, para ser válida, teria de encontrar respaldo em norma de competência, porquanto a Ordem dos Médicos não pode aprovar toda a sorte de regulamentos que possuam mera afinidade semântica com as suas atribuições.

       Seria preciso que tal competência regulamentar se encontrasse prevista no Estatuto da Ordem dos Médicos ou em outra lei — o que vimos não ser o caso.

       Entre as habilitações regulamentares consignadas pelo Estatuto nenhuma se refere à composição de equipas médicas nem a outros aspetos próprios da organização e funcionamento das unidades de saúde. Apenas, a título indicativo.

       Aliás, a Ordem dos Médicos, teve oportunidade de se pronunciar a respeito da composição de outras equipas médicas — no âmbito da cirurgia —, limitando-se a delinear orientações técnicas[101], acompanhadas pelos pareceres dos colégios de especialidade e que se focam nas respetivas áreas de atuação.

       XII.2. O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência abstém-se de identificar os seus destinatários, mas não pode ter outros senão os profissionais médicos.

       Por conseguinte, os órgãos das instituições que integram o SNS não se encontram obrigados ao seu cumprimento.

A eficácia externa dos regulamentos das associações públicas profissionais circunscreve-se aos respetivos membros e aos candidatos ao exercício da profissão (artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

Ainda que para o diretor clínico, como profissional médico, o teor do regulamento constitua uma referência técnica autorizada, as suas disposições em nada o vinculam no desempenho de um cargo que não constitui exercício da medicina.

Até mesmo o direito à objeção técnica, consignado pelo artigo 13.º do Código Deontológico, só justifica «a recusa de subordinação a ordens técnicas oriundas de hierarquias institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas» na eventualidade de «o médico se sentir constrangido a praticar ou deixar de praticar atos médicos, contra a sua opinião médica».

Só o ato médico — e não a organização do serviço — fundamentam a referida objeção técnica, a qual, em todo o caso, não prevalece sobre o dever de obediência funcional.

O artigo 10.º, n.º 1, do Código Deontológico, é bastante revelador, ao determinar o seguinte: «O médico deve abster-se de praticar atos que não estejam de acordo com as leges artis».

A centralidade do ato médico na deontologia profissional é um contributo derradeiro para recusar natureza deontológica às normas contidas no projeto de regulamento, ao que passaremos, de imediato.

XII.3. Apesar de o disposto no artigo 2.º, n.º 3, do projeto determinar aos profissionais médicos que o modelo de constituição das equipas de urgência «constitui uma referência ética e deontológica para todos os médicos» tais normas não devem nem podem ser consideradas desenvolvimento de princípios e regras deontológicos.

Como tivemos oportunidade de observar[102], o dever deontológico do médico para com as boas práticas não altera a natureza destas. Elas não se transmutam em regras deontológicas pelo facto de haver um dever deontológico de as tomar em consideração.

Diante do risco de uma expansão imoderada dos preceitos deontológicos, há quem, como JOÃO PACHECO DE AMORIM[103], recu s e a tais regulamentos a qualificação de regulamentos autónomos:

              «Tais normas, ainda que eventualmente sujeitas a uma codificação pela autoridade profissional, através (e sob a forma) de regulamento administrativo, reconduzem-se no ordenamento jurídico ao conceito de lei material, nunca a título de regulamentos autónomos (como expressão de um poder normativo próprio das Ordens, praeter legem — isto é, de livre conformação do conteúdo das respetivas normas), mas de costume, como legítima fonte de direito, no nosso ordenamento jurídico (ainda que fonte material, e não formal, e desde que praeter legem, incluindo nós no conceito de legem os princípios gerais de direito) — nada impedindo, dadas as especificidades que apresentam, o serem elas aplicadas por juízes‑peritos»

Aquela norma do projeto faz, por isso, incorrer o ato regulamentar em desvio de poder com a consequente invalidade.

       O vício «consiste na utilização dos seus poderes por uma autoridade administrativa com vista a um fim outro que não aquele para o qual lhe foram conferidos» (GEORGES VEDEL/ PIERRE DELVOLVÉ[104]) ou, em linha com a pregressa definição do § único do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 40 768, de 8 de setembro de 1956[105], o desvio de poder[106] «traduz-se no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante desconforme com a finalidade para que a lei atribuiu tal poder» (JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ[107]).

       Isto, ainda que o motivo principalmente determinante se mostre lícito e conforme com o interesse público.

       O Código do Procedimento Administrativo faz eco desta eventualidade, ao dispor, no artigo 161.º, n.º 2, alínea e), que são nulos os atos praticados com desvio de poder para fins privados, significando que, ao invés, o desvio de poder para fim público diverso cai no domínio da anulabilidade do ato administrativo (artigo 163.º, n.º 1).

       A pretensão de encontrar respaldo para aprovar certo regulamento na definição de critérios éticos e deontológicos da profissão médica revelaria um desvio do poder regulamentar assente no artigo 144.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, provando-se que o motivo principalmente determinante da deliberação fora obter a relutância ética dos profissionais médicos contra a constituição de equipas de urgência no modo que vem sendo praticado.

       O motivo principalmente determinante seria, pois, o de vincular o SNS a um determinado paradigma de composição das equipas médicas nos serviços de urgência, em contradição com o fim ínsito ao desenvolvimento regulamentar dos princípios e regras deontológicos.

       O raciocínio de base configura, mais ou menos, o seguinte silogismo:

              — O profissional médico encontra-se eticamente obrigado a exercer a sua atividade segundo as boas práticas clínicas (artigo 135.º, n.º 1, do Estatuto, e artigo 6.º, n.º 2, do Código Deontológico);

              — Sendo a composição das equipas de urgência, tal como definidas por regulamento da Ordem dos Médicos, o paradigma, não só das leges artis, como «uma referência ética e deontológica para todos os médicos» (artigo 2.º, n.º 3, do projeto),

              — Então, todo o profissional médico deve considerar-se deontologicamente em falta se prestar serviço nas equipas hospitalares de urgência constituídas segundo parâmetros menos exigentes.

       Se, por outro lado, a Ordem dos Médicos se abstém de invocar como norma habilitante o artigo 144.º do Estatuto que, justamente, prevê o desenvolvimento de princípios e regras deontológicos, e, na verdade, for esse o fim que principalmente a motiva, ocorre, de igual modo, uma contradição típica do desvio de poder.

       Contradição que é agravada se o motivo principalmente determinante, não sendo de natureza deontológica, for de cariz laboral, e, no entanto, as normas receberem uma moldura ética que visa subtrair a associação pública profissional à proibição de «exercer funções próprias das associações sindicais» (artigo 267.º, n.º 4, da Constituição).

       A proibição, no enunciado da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro (artigo 5.º, n.º 2) é formulada com estes termos:

              «As associações públicas profissionais estão impedidas de exercer ou de participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros».

       Conforme oportunamente foi assinalado[108], as normas deontológicas possuem um fundamento axiológico e manifestam caraterísticas de permanência e adequação histórica que não se encontram nas disposições em causa.

       A ponderação entre o ponto ótimo ou desejável das práticas profissionais, por um lado, e a contingências dos recursos e meios, por outro, é um juízo que compete a cada médico, como prudentemente sugere o Código Deontológico:

«Artigo 5.º

(Qualidade dos cuidados médicos)

              O médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance[109], agindo sempre com correção e delicadeza, no intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no respeito pela dignidade do ser humano».

       A formulação realçada — prestação dos melhores cuidados ao seu alcance — mostra-se valiosa para situar o médico no contexto do trabalho em equipa e das limitações que a escassez de recursos impõe ao exercício da profissão.

       O profissional médico convive com as condições que o empregador proporciona à prestação de cuidados de saúde até ao limite de o seu desempenho individual se encontrar intoleravelmente comprometido, agindo até esse limite com os meios de assistência que tiver ao seu alcance.

       Tal ponderação não pode ser substituída por um regulamento.

       De outro modo, se o exercício da profissão for condicionado por normas técnicas que os empregadores não estão em condições de satisfazer — apresentadas, no entanto, como regras da deontologia médica — os profissionais podem ver-se confrontados com a impossibilidade de prestar trabalho subordinado.

       Contra esse condicionalismo dispõe o artigo 28.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro:

              «Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 33.º[110], não pode ser proibido o exercício da atividade profissional em regime de subordinação jurídica, nem exigido que o empregador seja profissional qualificado ou sociedade de profissionais, desde que sejam observados os princípios e regras deontológicos e o respeito pela autonomia técnica e científica e pelas garantias conferidas aos profissionais pelos respetivos estatutos, e cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 30.º[111]».

       A tudo isto acresce que o Código Deontológico não ignora, muito menos condena, as equipas médicas multidisciplinares, chegando a precisar (artigo 9.º, n.º 2) que em tais equipas, «a responsabilidade de cada médico deve ser apreciada individualmente).

       Naturalmente que os médicos são livres de se opor a equipas multidisciplinares nos serviços de urgência e podem exercer todos os meios lícitos ao seu alcance, a fim de persuadirem os poderes públicos quanto à conveniência em reforçar a composição das equipas médicas de urgência. Fazem-no individualmente ou através das associações sindicais, mas não da associação pública profissional.

       A Ordem dos Médicos, por seu turno, dispõe da faculdade de se dirigir à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) que, nos termos da do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto[112], tem por incumbência a supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, no que respeita «à garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados de saúde de qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes». Um dos objetivos da regulação a cargo da ERS é, precisamente, «zelar pela prestação de cuidados de saúde de qualidade» (artigo 10.º, alínea d]).

       Por isso, dispõe-se no Estatuto da ERS o que vai transcrito:

«Artigo 14.º

(Garantia da prestação de cuidados de saúde de qualidade)

              Para efeitos do disposto na alínea d) do artigo 10.º, incumbe à ERS:

              a) Promover um sistema de âmbito nacional de classificação dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde quanto à sua qualidade global, de acordo com critérios objetivos e verificáveis, incluindo os índices de satisfação dos utentes;

              b) Verificar o não cumprimento das obrigações legais e regulamentares relativas à acreditação e certificação dos estabelecimentos.

              c) Garantir o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde de qualidade, sem prejuízo das competências da Direção-Geral da Saúde;

              d) Propor e homologar códigos de conduta e manuais de boas práticas dos destinatários da atividade objeto de regulação pela ERS».

       Dito isto, uma coisa fica bem clara. As disposições contidas no projeto de regulamento sob consulta podem constituir boas práticas médicas na prestação de cuidados de saúde em contexto de urgência hospitalar, mas, de modo algum podem considerar-se referências éticas de comportamento para os profissionais médicos.

       E, a constituírem boas práticas médicas, não pode a Ordem dos Médicos dotá-las da força jurídica própria de um regulamento com eficácia jurídica externa.

       As normas simplesmente orientadoras a que se refere o artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo não podem, em simultâneo, ser aprovadas e publicadas como normas regulamentares em sentido próprio, dotadas de eficácia jurídica externa (artigo 135.º).

       O desvio de poder em que as normas incorrem, a serem aprovadas, determina a sua invalidade sob o valor jurídico negativo da nulidade (artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

       XII.4. Os regulamentos aprovados sob a competência exclusiva da Ordem dos Médicos são regulamentos autónomos cuja validade depende de serem compatíveis com a lei e conformes às normas e princípios constitucionais.

       Todos os demais regulamentos da Ordem dos Médicos — autónomos ou de execução — devem subordinar-se aos regulamentos aprovados pelo Governo, em matéria de administração da saúde.

       Vimos que os regulamentos das autarquias locais, correspondendo ao grau mais elevado de autonomia regulamentar, têm como limite as normas emanadas das autoridades com poder tutelar (cf. artigo 241.º da Constituição) [113].

       As autoridades com poder tutelar surgem no preceito constitucional como forma abreviada de identificar o Governo da República e os governos regionais.

       Cumprindo ao Ministro da Saúde exercer o poder tutelar sobre a Ordem dos Médicos (artigo 158.º do Estatuto), compete-lhe lançar mão dos instrumentos jurídicos ao seu alcance para impedir a aplicação de regulamentos corporativos desconformes com normas regulamentares aprovadas pelo Governo.

       O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência mostra-se desconforme com o Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, pois, de acordo com o seu artigo 4.º, é o regulamento interno de cada serviço de urgência a estabelecer «o modelo global de funcionamento, a estrutura hierárquica do serviço e a constituição das equipas multidisciplinares e multiprofissionais».

       Trata-se do exercício de um poder discricionário[114] que assiste aos conselhos de administração, sem prejuízo da necessária homologação pelo Ministro da Saúde, em conformidade com o Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro (cf. artigo 38.º e artigo 7.º, n.º 1, alínea i) do Anexo II[115] e artigo 7.º, n.º 1, alínea i), do Anexo III[116]).

       Mostra-se desconforme também com o n.º 4 e com o n.º 6 do Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, pois ali se dispõe, de novo, que a competência para definir a constituição das equipas médicas de urgência pertence aos conselhos de administração e que compete ao diretor do Serviço de Urgência e ao diretor clínico proporem ao conselho de administração uma escala-tipo.

       Aprovada a escala-tipo, o diretor do SU acorda com os vários diretores de serviço «a distribuição nominal dos médicos especialistas e internos que prestam serviço de urgência, por dias da semana e por turnos» (n.º 11).

       E, como tivemos oportunidade de observar, este mesmo Despacho n.º 47/SEAS/2006 determina o modo como é veiculado o contributo da Ordem dos Médicos para a defesa da saúde e dos direitos dos doentes, em matéria de constituição de equipas médicas dos serviços de urgência.

       Assim, no n.º 7, dispõe-se que as escalas-tipo devem respeitar, sempre que possível, os níveis assistenciais definidos pela Ordem dos Médicos.

       São justamente estes níveis assistenciais boas práticas clínicas que cumpre à Ordem dos Médicos elaborar e fazer chegar ao Ministro da Saúde, no âmbito da atribuição enunciada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto: «Colaborar com as demais entidades da Administração Pública nas questões de interesse público relacionadas com a profissão médica».

       Assiste aos colégios de especialidade um papel ativo na definição dos níveis assistenciais mínimos em serviços de urgência, porquanto se dispõe no artigo 69.º, n.º 2, do Estatuto que, através dos colégios, a Ordem «formula normas técnicas, de orientação clínica e outras relativas ao exercício profissional» (alínea b]). Dispõe o Conselho Nacional de competência para «solicitar e ou aprovar pareceres, normas técnicas, normas de orientação clínica, e outros normativos da competência consultiva dos conselhos nacionais consultivos e dos colégios da especialidade e competências» (artigo 58.º, n.º 1, alínea s), do Estatuto).

       A formulação de orientações ou boas práticas na constituição das equipas médicas em serviços de urgência encontra aqui a habilitação legal que lhe pede o artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, a respeito de regulamentos informais, de orientação, não jurídicos.

       Por último, o projeto de regulamento colide materialmente com a preferência por médicos dedicados aos serviços de urgência, em equipas multidisciplinares, em violação do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho, e do artigo 4.º do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março.

       A Ordem dos Médicos mostra-se contrária ao paradigma que inspira o Governo e a favor da constituição de equipas médicas de urgência monodisciplinares — uma por cada especialidade — mas não dispõe de competência para impor ao SNS um modelo em contramão e obliterar a «condução da política geral do país» que compete ao Governo (artigo 182.º) e por ela responde.  

       XII.5. Os poderes de superintendência e de tutela do Ministro da Saúde relativamente ao SNS podem considerar-se atingidos pelas disposições do Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, embora estas não vinculem o Ministro da Saúde nem os órgãos próprios do SNS. Atingidos porque, de certo modo, a Ordem dos Médicos se propõe exercer uma função concorrente.

       A superintendência é, nas palavras de DIOGO FREITAS DO AMARAL[117], «o poder conferido ao Estado ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência». Considera o Autor[118] que se trata de «um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela administrativa», pois «esta tem apenas por fim controlar a atuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a superintendência se destina a orientar a ação das entidades a ela submetidas».

       Do exercício deste poder resultam diretrizes ou diretivas e orientações estratégicas, cuja vinculação ocorre ao nível dos resultados, mas deixando a escolha dos meios à autonomia própria da entidade superintendida.

       Se esta é a conceção tradicional da superintendência — que oscilou entre uma hierarquia enfraquecida e a tutela de mérito[119] — a verdade é que tem vindo a alargar-se, como observa JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE[120]:

              «A superintendência pode englobar outros poderes — de nomeação ou de demissão de titulares de órgãos, de controlo preventivo (parecer vinculante, autorização, aprovação), de correção (anulação, revogação), de substituição (incluindo a modificação), de aplicação de sanções — mas só nas matérias e na medida em que sejam expressamente previstos na lei (…)».

       A superintendência tende, cada vez mais, a acomodar poderes dispersos do órgão em posição de supremacia e que não encontram acolhimento na hierarquia nem na tutela.

       Se a autorização e a aprovação, mesmo que permitindo a recusa com motivações de conveniência, constituem poderes tipicamente tutelares, num equilíbrio entre autonomia e controlo, já a homologação de regulamentos deve considerar-se um poder de superintendência, senão hierárquico.

       O órgão com poderes de homologação exerce uma verdadeira competência dispositiva, pois faz seu o ato homologado. Ocorre uma «incorporação do conteúdo de um ato alheio» (JOSÉ GABRIEL QUEIRÓ[121]). O órgão com poderes de homologação está, no entanto, privado da iniciativa, motivo por que não pode modificar o ato.

       Se, como vimos, a homologação do regulamento interno das unidades de urgência, compreendendo a constituição das equipas médicas, compete ao Ministro da Saúde, pode dizer-se que a aprovação do Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência representaria uma ingerência nos poderes de superintendência.

         XII.6. Pelas mesmas razões pode dizer-se que, a ser aprovado, o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência atropelaria competências próprias dos conselhos de administração, dos diretores clínicos e até dos diretores dos serviços de urgência.

       Vimos, com efeito, que o Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, reserva à Ordem dos Médicos um importante papel orientador, de definição dos níveis assistenciais que tem como adequados. E vimos outrossim que esses níveis devem, sempre que possível, conformar o exercício do poder discricionário dos órgãos aos quais compete aprovar as escalas-tipo.

       O teor do Anexo ao projeto de regulamento, não fora o caráter imperativo que a Ordem dos Médicos lhe imprimiu, poderia prestar-se a essa função.

       Todavia, a Ordem dos Médicos não enveredou por esse caminho, antes procurando exorbitar das suas atribuições e competências, ao pretender que os níveis assistenciais que sustenta sejam imperativos.

       Assim, uma vez mais, há que assinalar a incompetência absoluta da Ordem dos Médicos para aprovar o regulamento em questão. Além de preterir a competência regulamentar do Governo, invade atribuições das entidades públicas empresariais que integram o SNS, ignorando a competência própria dos respetivos conselhos de administração e dos outros órgãos diretivos.

       XII.7. O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência não pode delimitar o conteúdo funcional do cargo de chefe de equipa médica de urgência, nem sequer interpretar com eficácia externa as pertinentes disposições legais que versam sobre o assunto.

       Assim, deve considerar-se inválido, por violação de lei, o disposto no artigo 4.º, n.º 2, do projeto, ao prever que o chefe da equipa de urgência deixa de prestar funções assistenciais diretas, pois incorre em contradição com o conteúdo funcional definido para este cargo pelos regimes das carreiras médicas: o Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto (carreira dos médicos que prestam trabalho nas unidades de saúde confiadas a entidades públicas empresariais ou sob parcerias de gestão) e o Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto (regime da carreira especial médica, i.e. dos médicos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas).

       Segundo tal norma do projeto, o médico designado para chefiar a equipa de urgência tão-pouco contaria para o apuramento dos efetivos mínimos em cada equipa.

       O chefe de uma equipa de urgência de otorrinolaringologia, não obstante especialista, seria absolutamente irrelevante para o cômputo de três profissionais médicos — número considerado no projeto como o limite mínimo.

       Com efeito, para esta especialidade, a Ordem dos Médicos considerou necessária a presença permanente de um especialista e de um interno de formação específica, mas no pressuposto de um terceiro médico (especialista) se encontrar de prevenção para eventuais cirurgias.

       O chefe de equipa tem por missão coordenar as atividades e a qualidade técnica da prestação de serviços, resolver questões suscitadas pelos colegas e, fora do horário de funcionamento do conselho de administração, providenciar por transferências de doentes, internamentos ou entradas no bloco operatório, mas, na margem de disponibilidade residual, ficaria impedido de exercer funções assistenciais.

       Os regimes das carreiras médicas, ao invés, consignam ao chefe de equipa a prestação de cuidados de saúde, embora na estrita medida do que o desempenho das funções de direção e coordenação lhe consintam.

       Em ambos os regimes determina-se que o exercício das funções de direção e chefia «não impede a manutenção da atividade de prestação de cuidados de saúde por parte dos médicos, mas prevalece sobre a mesma» (artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto, e artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto).

       A incompatibilidade entre o artigo 2.º, n.º 4, do projeto de regulamento e as citadas disposições dos regimes das carreiras médicas mostra-se evidente, pois onde a lei determina que o exercício de funções de direção ou chefia não isenta o profissional médico da prestação assistencial possível (que as tarefas de direção lhe possibilitem), o regulamento, pelo contrário, obriga-o exclusivamente a tarefas de coordenação, a ponto de não poder contar como um dos especialistas da equipa.

       A ponderação deste especialista — que se encontra presente no serviço — para o efeito de preencher os requisitos de constituição das equipas acaba por se revelar menor do que a de um médico ausente, em regime de prevenção.

       Sustenta o Senhor Bastonário que o projeto de regulamento não inova, pois o chefe de equipa de urgência encontra-se sempre vinculado pelo dever de auxílio. Como médico, não pode furtar-se a exercer funções assistenciais perante circunstâncias que reclamem, em absoluto, a sua intervenção salvífica.

       Ora, as intervenções salvíficas dos profissionais médicos em nada pressupõem o exercício de funções ou o conteúdo funcional, como decorre, aliás, do crime de recusa de médico p.p. nos termos do artigo 284.º do Código Penal[122].

       Para que o chefe de equipa cumpra o dever de auxílio, sob pena de incorrer na prática do referido crime, não é necessário prever nos regimes das carreiras médicas uma permissão excecional para, em caso de grave perigo para a vida ou para integridade física de alguém, prestar assistência.

       As normas dos regimes de carreiras médicas, ao disporem que as funções de direção ou chefia não impedem a prestação de funções assistenciais obrigam a uma atividade residual — tanto quanto possível. Não, à prestação de auxílio mencionada pela norma criminal, pois qualquer profissional médico — com ou sem funções de chefia, encontrando-se, ou não, em serviço — incorre na imputação pela prática do referido crime.

       Diga-se, por fim, mesmo deixando de lado a incompatibilidade da norma regulamentar com as normas legislativas a que sempre deveria conformidade, que a prescrição regulamentar em causa (artigo 4.º, n.º 2) representa uma intromissão nas relações jurídicas laborais dos profissionais médicos.

       Intromissão que diríamos exceder a que é própria das associações sindicais. É que os sindicatos, não possuindo poder regulamentar, participam na contratação coletiva (artigo 56.º, n.º 3, da Constituição), mas em caso algum definem, unilateralmente, o conteúdo funcional dos cargos e das categorias profissionais.

       XII.8. À invalidade das normas regulamentares por incompetência absoluta, violação de lei e desvio de poder encontra-se associada a nulidade, como valor jurídico negativo, considerando que o artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, permite que tal invalidade seja declarada a todo o tempo, por iniciativa de qualquer interessado (como é próprio dos atos nulos[123]).

       De igual modo, o artigo 74.º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos[124] (CPTA) permite a declaração de ilegalidade de normas administrativas a todo o tempo, e o artigo 73.º, n.º 1, contempla um regime alargado de legitimidade processual.

       Embora o artigo 144.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, e o artigo 74.º, n.º 2, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos estabeleçam um prazo de seis meses para a impugnação ou declaração oficiosa de invalidade, trata-se de normas especiais, estritamente aplicáveis a vícios formais ou procedimentais das normas regulamentares, o que não é o caso do projeto trazido a consulta.

       XII.9. O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência é insuscetível de produzir efeitos jurídicos sem antes ser aprovado pela Senhora Ministra da Saúde.

       Ao analisarmos o poder regulamentar das associações públicas profissionais[125] vimos que certos regulamentos, em função do objeto, encontram-se sujeitos a homologação governamental: (i) sobre estágios profissionais, (ii) sobre as provas de acesso à profissão e (iii) sobre as especialidades profissionais.

       Com efeito, dispõe-se na Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, em matéria de tutela administrativa exercida sobre as associações públicas profissionais, o seguinte:

«Artigo 45.º

(Tutela administrativa)

              1 — As associações públicas profissionais não estão sujeitas a superintendência governamental nem a tutela de mérito, ressalvados, quanto a esta, os casos especialmente previstos na lei.

              2 — As associações públicas profissionais estão sujeitas a tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo sobre a administração autónoma territorial.

              3 — A lei de criação ou os estatutos de cada associação pública profissional estabelecem qual o membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre cada associação pública profissional.

              4 — Ressalvado o disposto no número seguinte, a tutela administrativa sobre as associações públicas profissionais é de natureza inspetiva.

              5 — No âmbito da tutela de legalidade, os regulamentos que versem sobre os estágios profissionais, as provas profissionais de acesso à profissão e as especialidades profissionais só produzem efeitos após homologação da respetiva tutela, que se considera dada se não houver decisão em contrário nos 90 dias seguintes ao da sua receção.

              6 — Para efeitos do número anterior, o membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre a associação pública profissional deve solicitar os esclarecimentos e os documentos necessários à decisão sobre a homologação dos regulamentos nos 45 dias posteriores à receção do requerimento da associação pública profissional.

              7 — A associação pública profissional deve responder às solicitações do membro do Governo que exerce os poderes de tutela nos 10 dias seguintes, não se suspendendo o prazo previsto no n.º 5, salvo se este prazo for ultrapassado.

              8 — É aplicável às associações públicas profissionais, com as necessárias adaptações, o disposto na Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, alterada pela Lei Orgânica n.º1/2011, de 30 de novembro».

       A generalidade das disposições contidas no projeto de regulamento da Ordem dos Médicos dizem respeito e conformam 28 especialidades da profissão médica, quer na definição de um mínimo de especialistas por equipa de urgência médica, quer ao nível das competências dos médicos internos, como sucede nas equiparações dos internos do último ano a especialistas: o que recai na previsão do transcrito n.º 5. 

       Por conseguinte, o projeto de regulamento encontra-se sujeito a homologação da Senhora Ministra da Saúde, pois, de acordo com o artigo 158.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, é ao membro do Governo responsável pela área da saúde que compete exercer os poderes de tutela sobre esta associação pública.

       Cumpre-nos observar, contudo, que a homologação a que se refere o artigo 45.º, n.º 5, é-o em sentido impróprio. Deve antes ser qualificada como aprovação.

       A homologação faria do ato e das suas disposições um regulamento do Governo. Por isso, a homologação não faz parte dos instrumentos próprios da tutela administrativa[126].

       É típica da hierarquia administrativa e pode, eventualmente, fazer parte dos poderes de superintendência, mas incompatível com o grau de autonomia que a tutela administrativa pressupõe[127].

       Os meios tutelares de controlo integrativo repartem-se entre a autorização e a aprovação[128].

       A autorização constitui um pressuposto do exercício de certas competências e é praticada num momento que precede a prática do ato ou do regulamento (ou a conclusão do contrato administrativo, se for esse o caso) e da sua falta decorre anulabilidade nos atos e nulidade nos regulamentos (artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).  

       Pelo contrário, a aprovação é deferida pela autoridade tutelar depois de praticado o ato ou aprovado o regulamento.

       Sem aprovação, o ato ou o regulamento permanecem desprovidos de eficácia jurídica (artigo 157.º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo).

       Ora, o artigo 45.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, refere-se, nem mais nem menos, à produção de efeitos, o que significa ter o legislador considerado o instrumento próprio da tutela integrativa a posteriori — a aprovação — não obstante o recurso menos rigoroso a outra expressão[129].

       O elenco dos vícios encontrados no projeto de regulamento e nas suas disposições permite recusar a aprovação por estritos motivos de legalidade.

       Vale dizer, pois então, que o regulamento, a ser aprovado e publicado sem a intervenção integrativa da Ministra da Saúde — a menos que ocorra aprovação tácita ao fim de 90 dias (artigo 45.º, n.º 5) — é juridicamente ineficaz, mesmo para a Ordem dos Médicos e para os seus membros.

      

XIII

Conclusões

       Depois de ter apreciado as normas contidas no projeto de regulamento denominado Constituição de Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, aprovado e publicado pela Ordem dos Médicos (Diário da República, 2.ª Série, n.º 201, de 21 de outubro de 2021), na perspetiva da sua conformidade com o direito aplicável, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República conclui o seguinte:

                     1.ª — A Ordem dos Médicos é uma associação pública profissional, que se encontra vinculada ao Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, na sua atual redação, e à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro (Regime da Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais).

                     2.ª — Encontra-se, como tal, sujeita ao controlo tutelar de legalidade previsto no artigo 45.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, a exercer pela Ministra da Saúde, em conformidade com o artigo 158.º do Estatuto da Ordem dos Médicos.

                     3.ª — O projeto de regulamento denominado Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência versa especialidades e competências médicas, motivo por que a sua eficácia jurídica se encontra condicionada pela aprovação da Ministra da Saúde, nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.

                     4.ª — Não obstante tal preceito referir-se a homologação, dispõe que a sua prática é condição de eficácia do regulamento, o que significa tratar-se, na verdade, de um ato de tutela integrativa a posteriori, i.e. de aprovação, à semelhança do que se determina para os atos administrativos no artigo 157.º, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo.

                     5.ª — De resto, a homologação em sentido próprio seria incompatível com a tutela administrativa exercida sobre a administração autónoma, pois o órgão que homologa faz seu o ato homologado — como sucede, tipicamente, na hierarquia administrativa e, eventualmente, na superintendência sobre a administração indireta — o que subverteria a posição das associações públicas profissionais como sector da administração autónoma.   

                     6.ª — A Ministra da Saúde pode recusar a aprovação do Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, depois de verificar que as suas normas se revelam ilegais, como, em concreto, sucede.

                     7.ª — Com efeito, o Regulamento, a ser definitivamente aprovado, incorre em incompetência absoluta (também designada incompetência por falta de atribuições), pois estabelece parâmetros quantitativos e qualitativos que devem presidir à composição das equipas médicas nos serviços de urgência, repartidas por 28 especialidades, determina o conteúdo funcional do chefe de equipa e define os requisitos a serem cumpridos para os médicos em internato de formação especializada viabilizarem a operacionalidade de tais equipas, tudo isto configurando assuntos que exorbitam das atribuições da Ordem dos Médicos, tal como são enunciadas pelo artigo 3.º, n.º 1, do respetivo estatuto.

                     8.ª — O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência visa a produção de efeitos jurídicos externos, tendo, por isso, sido submetido a consulta pública, em conformidade com o artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que não pode filiar-se na atribuição enunciada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Médicos: «Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes».

                     9.ª — Contribuir, ao nível de atribuições e competências de natureza pública, significa participar, colaborar ou cooperar em ordem a um fim cuja prossecução não é privativa da Ordem dos Médicos.

                     10.ª — Por seu turno, a atribuição consignada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea a) — «Regular [] o exercício da profissão de médico» — não é suficiente para habilitar a Ordem dos Médicos a definir, de modo unilateral e vinculativo, critérios de organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, até porque as associações públicas profissionais não podem concorrer com as associações sindicais (artigo 267.º, n.º 4, da Constituição) e com o respetivo âmbito de atividade (artigo 56.º). 

                     11.ª — Ao princípio da especialidade, na delimitação das atribuições das associações públicas profissionais (artigo 6.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro), acresce um princípio de tipicidade dos seus regulamentos (artigo 9.º, n.º 1), o qual impede a aprovação de regulamentos não previstos no respetivo estatuto ou em outro ato legislativo, como precisamente sucede com a matéria em causa, em face do Estatuto da Ordem dos Médicos.

                     12.ª O Regulamento, a ser aprovado, invadiria atribuições próprias do Estado e das entidades públicas empresariais que administram os hospitais, centros hospitalares e unidades de saúde local do Serviço Nacional de Saúde.

                     13.ª A constituição das equipas médicas nos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde é definida pelo regulamento interno de cada unidade de saúde, a aprovar pelo conselho de administração do hospital, centro hospitalar ou unidade de saúde local (artigo 7.º, n.º 1, alínea i) dos Anexos II e III do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro), e a homologar pela Ministra da Saúde, no exercício dos poderes de superintendência que lhe assistem (artigo 20.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro).

                     14.ª Os regulamentos das associações públicas profissionais devem conformar-se com as normas regulamentares aprovadas pelo Governo, quer constem de regulamentos de execução das leis (artigo 199.º, alínea b) da Constituição) quer constem de regulamentos independentes (artigo 199.º, alínea g]).

                     15.ª — De acordo com o artigo 241.º da Constituição, os regulamentos dos municípios e das freguesias, não obstante representarem o mais elevado grau de autonomia administrativa, encontram-se condicionados pelas normas regulamentares emanadas das autoridades com poder tutelar que incidam em questões de interesse nacional, o que vale, por maioria de razão, para os regulamentos das associações públicas profissionais.          

                     16.ª — Além do regulamento interno de cada serviço de urgência, a constituição das equipas médicas no Serviço Nacional de Saúde é objeto do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, e dos regulamentos que o executam, todos eles veiculando uma clara preferência por equipas multidisciplinares de profissionais médicos, em dedicação privilegiada aos serviços de urgência.

                     17.ª Pelo contrário, o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência visa criar equipas monodisciplinares, segundo várias proporções entre médicos especialistas e internos, em presença permanente ou de prevenção, segundo critérios demográficos, número de camas e níveis de responsabilidade de cada serviço de urgência.

                     18.ª — Por conseguinte, as disposições do artigo 1.º e do artigo 2.º, n.º 1 e n.º 2, do projeto infringem o disposto no artigo 4.º do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, e o disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Despacho n.º 10 390/2014, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 25 de julho, incorrendo em violação de lei.

                     19.ª Infringem, de igual modo, o Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, em cujo n.º 7 se prevê que o modo de participação da Ordem dos Médicos na constituição das equipas médicas nos serviços de urgência consiste em normas técnicas — indicação dos níveis assistenciais considerados apropriados — e que, segundo o mesmo preceito regulamentar, os diretores clínicos e os conselhos de administração adotam «sempre que possível».

                     20.ª — A intervenção reservada à Ordem dos Médicos, no tocante à constituição de equipas médicas nos serviços de urgência, consiste, pois, na indicação dos níveis assistenciais que tem por convenientes ou desejáveis, o que corresponde ao papel dos regulamentos não jurídicos, previstos no artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, sob as designações seguintes, entre outras possíveis: diretivas, recomendações, instruções, códigos de conduta ou manuais de boas práticas.

                     21.ª — Ainda que o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência viesse a produzir efeitos jurídicos, o seu âmbito de aplicação teria sempre de circunscrever-se aos profissionais inscritos na Ordem dos Médicos e aos candidatos à profissão, em conformidade com o artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, não podendo vincular, por conseguinte, as instituições do Serviço Nacional de Saúde.

                     22.ª — O projeto, no artigo 4.º, em especial nos seus n.ºs 2 e 3, define o conteúdo funcional do chefe de equipa médica de urgência, em contradição com os regimes das carreiras médicas, assim violando, especificamente o artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009 e o artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, ambos de 4 de agosto.

                     23.ª — Onde a lei prevê que o chefe de equipa, subsidiariamente, presta funções assistenciais aos doentes — i.e. na margem de disponibilidade que as tarefas de direção lhe consintam — o projeto de regulamento priva-o, por completo, de tais funções.

                     24.ª — Além de a Ordem dos Médicos estar obrigada a conformar toda a sua atividade administrativa com a lei e com os regulamentos do Governo, não pode, em caso algum intervir em assuntos de cariz sindical (artigo 267.º, n.º 4 da Constituição) — como sucede com as carreiras médicas — nem pode condicionar as relações económicas ou profissionais dos seus membros (artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e artigo 3.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Médicos).

                     25.ª — O Regulamento incorre, ainda, em desvio de poder, pois o motivo principalmente determinante da sua aprovação — conformar as equipas médicas de urgência segundo o paradigma da Ordem dos Médicos — contradiz o fim próprio das normas de competência regulamentar — regular o exercício da profissão segundo os princípios éticos e deontológicos.

                     26.ª No artigo 2.º, n.º 3, as prescrições do Regulamento são consideradas referência deontológica para todos os médicos, não obstante faltar-lhes dimensão axiológica e reiteração ou permanência que, segundo o artigo 1.º do Código Deontológico, são elementos constitutivos dos princípios e regras da deontologia médica.

                     27.ª — O desenvolvimento de princípios e regras deontológicos não pode servir para inculcar entre os profissionais médicos — designadamente, diretores clínicos e diretores de serviços de urgência — a convicção de que o trabalho em equipa multidisciplinar, prestado segundo o modelo atualmente praticado, constitui exercício da profissão eticamente reprovável.

                     28.ª — São, simplesmente, normas técnicas, parâmetros quantitativos e qualitativos, cuja aplicação pertence à administração hospitalar e, não, aos médicos. Normas e parâmetros que, pela sua volatilidade e contingência, nunca poderiam constituir desenvolvimento de princípios deontológicos.

                     29.ª — O dever deontológico de exercer a profissão em conformidade com as leges artis diz respeito ao ato médico, (artigo 10.º, n.º 1, do Código Deontológico) competindo a cada profissional prestar os melhores cuidados ao seu alcance (artigo 5.º) e cumprir as ordens e instruções do superior hierárquico que não cerceiem a sua autonomia ética e técnico-científica (artigo 6.º) nem impliquem a prática de um crime (artigo 271.º, n.º 3 da Constituição).

                     30.ª — Por isso, a responsabilidade de cada médico é individualmente apreciada, ao prestar serviço em equipas multidisciplinares: forma de organização do trabalho médico que o Código Deontológico não ignora, muito menos condena (artigo 9.º, n.º 2).

                     31.ª — A ser aprovado o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência as suas normas devem considerar-se nulas.

                     32.ª À invalidade das normas regulamentares por incompetência absoluta, por violação de lei ou por desvio de poder encontra-se associada a nulidade, como valor jurídico negativo, considerando que o artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 74.º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, permitem que seja declarada a todo o tempo, como é próprio do regime dos atos nulos.

                     33.ª Conquanto o artigo 144.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 74.º, n.º 2, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, estabeleçam um prazo de apenas seis meses para a impugnação ou declaração oficiosa da ilegalidade de normas administrativas, ambas as disposições pressupõem tratar-se de vícios procedimentais ou de forma, o que não é o caso de nenhum dos vícios das normas do projeto de Regulamento.

 

[1] Trata-se da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

[2] Através do Ofício SES|S 2914/2022|P 000 01.03 – 342/2021, de 3 de junho de 2022. O pedido de parecer vem acompanhado pela correspondência oficial trocada entre Sua Excelência a Ministra da Saúde e o Exmo. Bastonário da Ordem dos Médicos, quando da consulta pública do projeto de regulamento.

[3] Diário da República, 2.ª Série, n.º 201, de 21 de outubro de 2021. Para efeito da consulta pública a que foi submetido, foi publicado como Projeto de Regulamento n.º 915/2021, de 6 de outubro.

[4] Diário da República, 2.ª Série, n.º 153, de 11 de agosto de 2014. Revogou o Despacho n.º 18 459/2006, de 30 de julho, o Despacho n.º 24 681/2006, de 25 de outubro e o Despacho n.º 727/2007, de 18 de dezembro de 2006. Conheceu aditamentos e modificações por via do Despacho n.º 5058-D/2016, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 12 de abril de 2016 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 72, de 13 de abril de 2016).

[5] Cujo teor é o seguinte: «Emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou por solicitação do Presidente da Assembleia da República, dos membros do Governo, dos Representantes da República para as regiões autónomas ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas».

[6] O Código do Procedimento Administrativo (CPA) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e alterado pela Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro.

[7] O relator foi designado por despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, proferido em 9 de junho de 2022 sobre o expediente recebido.

[8] O Conselho Consultivo deve conceder prioridade à elaboração, discussão e aprovação dos pareceres urgentes sobre as demais consultas que se encontrem pendentes.

[9] Seguimos a redação publicada sob a designação projeto de Regulamento n.º 915/2021, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 201, de 21 de outubro de 2021, embora com as adaptações gráficas e de formato necessárias.

[10] Serviço de Urgência Básico.

[11] Serviço de urgência Médico-Cirúrgico.

[12] Serviço de Urgência Polivalente.

[13] Interno de Formação Especializada.

[14] Unidade de Cuidados Intensivos.

[15] Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética.

[16] Ponderar extensão do horário (8-24h) e da escala de 2 elementos quando n.º admissões ultrapasse 250/dia ou tenha que ser prestada assistência à Urgência de Pediatria.

[17] Interno de Formação Geral.

[18] Através do Ofício MS|S 6080/2021|P 000.01.03 – 342/2021, de 12 de novembro de 2021.

[19] O Estatuto da Ordem dos Médicos (EOM), republicado com as alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, remonta, originariamente, ao Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto.

[20] Salvo indicação em contrário, todas as referências a normas constitucionais dizem respeito à Constituição da República Portuguesa, publicada por decreto de 10 de abril de 1976, na redação atual, i.e., a redação republicada com a Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto, no termo da VII Revisão Constitucional.

[21] A atual orgânica do Ministério da Saúde conheceu alterações operadas, sucessivamente, pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 173/2014, de 19 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 152/2015, de 7 de agosto, pelo Decreto-lei n.º 7/2017, de 9 de janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de dezembro. O Decreto-Lei n.º 32/2022, de 9 de maio (regime de organização e funcionamento do XXIII Governo Constitucional) confirma as competências da Ministra da Saúde.

[22] A denominação oficial é a seguinte: Regime Jurídico e Estatutos Aplicáveis às Unidades do Serviço Nacional de Saúde com a Natureza de Entidades Públicas Empresariais, bem como às Unidades de Saúde Integradas no Setor Público Administrativo. A atual redação compreende as alterações efetuadas pelo Decreto-Lei n.º 44/2018, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 75/2019, de 30 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 33/2021, de 12 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 100-A/2021, de 17 de novembro.

[23] Regime Jurídico da Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais.

[24] Estabelece o regime da carreira dos médicos nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica. A atual redação conta com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 266-D/2012, de 31 de dezembro.

[25] Estabelece o regime da carreira especial médica, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional. A atual redação conta com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 266-D/2012, de 31 de dezembro.

[26] Através do Ofício ARO/S2021-39277cn/P3204cn, de 21 de dezembro de 2021.

[27] «Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível, quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos».

[28] Sobre esta exigência procedimental na formação dos regulamentos com eficácia externa, v. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Novidades em matéria de disciplina dos regulamentos no Código do Procedimento Administrativo, ICJP, Lisboa, s.d., p. 32 e seguinte; ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, Procedimento Regulamentar, in CARLA AMADO GOMES/ ANA F. NEVES/ TIAGO SERRÃO (coordenação), Comentários ao Código do Procedimento Administrativo, volume II, 5.ª edição, Ed. AAFDL, Lisboa, 2020, p. 164 e seguintes.

[29] O Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26 de fevereiro, define o regime jurídico da formação médica pós-graduada — internato médico — e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respetivo processo. Foi alterado, por apreciação parlamentar, através da Lei n.º 34/2018, de 19 de julho, e ainda pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. De acordo com o artigo 2.º, «O internato médico corresponde a um processo de formação médica, teórica e prática, que tem como objetivo habilitar o médico ao exercício da medicina ou ao exercício tecnicamente diferenciado numa determinada área de especialização, com a atribuição do correspondente grau de especialista». Dispõe-se no artigo 13.º, n.º 6, que, sem prejuízo do horário semanal de 40 horas, «a prestação de trabalho extraordinário dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas, e de natureza excecional, apenas pode ter lugar quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades, e está sujeita, em cada semana de trabalho, ao limite máximo de 12 horas, a cumprir num único período».

[30] Autogestão encontra-se, por exemplo, nas universidades públicas, justificada pela autonomia científica e pedagógica, garantidas no artigo 76.º da Constituição. V. VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 72.

[31] O Regulamento de Deontologia Médica, aprovado pela Assembleia de Representantes, em 20 de maio de 2016, foi publicado como Regulamento n.º 707/2016, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 21 de julho de 2016. Ali se aprova o Código Deontológico. Conheceu alterações efetuadas através do Regulamento n.º 498/2020, de 26 de maio, cuja redação ficou assente com a Declaração de Retificação n.º 438/2020, de 12 de junho.

[32] De natureza pública, ADSE — Assistência na Doença aos Servidores do Estado, a cargo do Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P., ADM — Assistência na Doença dos Militares das Forças Armadas, SAD – PSP (Serviços de Assistência na Doença — Polícia de Segurança Pública) e SAD – GNR (Serviços de Assistência na Doença — Guarda Nacional Republicana. De natureza particular, v.g. SAMS — Serviços de Assistência Médico-Social, administrado pelo Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias – MAIS Sindicato, SSINCM (Serviços Sociais da Imprensa Nacional Casa da Moeda) ou SSCGD (Serviços Sociais da Caixa Geral de Depósitos). Estes não se confundem com as empresas prestadoras de seguros privados de saúde, seja por terem uma vocação pessoal específica (de grupo), seja por assentarem em princípios de solidariedade social entre os aderentes.

[33] As Regiões Autónomas dispõem de serviços regionais de saúde próprios: o Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma dos Açores (cf. Decreto Legislativo Regional n.º 28/99/A, de 31 de julho) e o SESARAM — Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E.P.E. (cf. Decreto Legislativo Regional n.º 13/2019/M, de 22 de agosto).

[34] Acerca das funções do regulamento, v. MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III (Atividade Administrativa), 2.ª edição, Ed. Dom Quixote, Alfragide, 2009, p. 255 e seguinte; ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fundamento em Invalidade: Contributo para a Teoria dos Regulamentos, Ed. Almedina, Coimbra, 2012, p. 94 e seguintes.

[35] PAULO OTERO refere-se a uma específica força de regulamento (Legalidade e Administração Pública — O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Ed. Almedina, Coimbra, 2003, p. 628).

[36] V. JUAN ALFONSO SANTAMARÍA PASTOR, Principios de Derecho Administrativo General, I, 2.ª edição, Ed. Iustel, Madrid, 2009, p. 240 e seguintes.

[37] Sendo controvertida a autonomia conceptual dos regulamentos complementares. Aqueles que, não sendo indispensáveis à execução de normas legislativas, são julgados convenientes.

[38] Algo que, admite PAULO OTERO, permite ao Governo, em alguns setores, optar entre a aprovação de um decreto-lei ou de um decreto regulamentar, diretamente fundado na Constituição (Direito do Procedimento Administrativo, volume I, Ed. Almedina, Coimbra, 2016, p. 300).

[39] Curso de Direito Administrativo, volume I, 4.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 35.

[40] Expressão que usamos por antonomásia para designar as normas regulamentares.

[41] Teoria dos Regulamentos, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXVII, 1980, n.ºs 1-2-3-4, p. 5 e seguintes.

[42] No sentido de que o reconhecimento de reservas de administração importa reservas de regulamento, v. MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I (Introdução e princípios fundamentais), Editora Dom Quixote, Lisboa, 2004, p. 133 e seguinte.

[43] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 209/87, de 25 de junho de 1987, Plenário, processo n.º 74/86.

[44] A norma que hoje impede regulamentos delegados (atual artigo 112.º, n.º 5) foi aditada pela 1Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro (1.ª Revisão Constitucional). Sobre regulamentos delegados, v. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Teoria dos Regulamentos, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXVII, 1980 (n.ºs 1-2-3-4), p. 11; JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Liv. Almedina, Coimbra, 1987, p. 88 e seguintes.

[45] Direito do Procedimento Administrativo, citado, p. 301.

[46] Infra, XII.

[47]  Idem, p. 303. O Autor sugere, porém, que a falta de um regime para os regulamentos internos constituiu um retrocesso do novo Código, porventura, inconstitucional (p. 305).

[48] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Participação e Descentralização – Democratização e Neutralidade na Constituição de 1976, Liv. Almedina, Coimbra, 1982.

[49] Acerca dos conflitos entre normas regulamentares oriundas de diferentes órgãos, v. PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública — O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Ed. Almedina, Coimbra, 2003, p. 630 e seguintes; CARLOS BLANCO DE MORAIS, Curso de Direito Constitucional, Tomo I (Lei e Sistema Normativo), Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 114 e seguintes; PEDRO MONIZ LOPES, O regime substantivo dos regulamentos no projeto de revisão do Código do Procedimento Administrativo: algumas considerações estruturantes, in e-Pública - Revista Eletrónica de Direito Público, Lisboa, vol. 1, n.º 1 (Janeiro 2014), pp. 257-283; Objeto, condições e consequências da invalidade regulamentar no Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES/ ANA F. NEVES/ TIAGO SERRÃO (coordenação), Comentários ao Código do Procedimento Administrativo, volume II, 5.ª edição, Ed. AAFDL, Lisboa, 2020, p. 418 e seguintes.

[50] Sobre os regulamentos das freguesias recai ainda a sua conformação com os regulamentos do município: autarquia de grau superior.

[51] No sentido de os regulamentos regionais e de os regulamentos do Governo da República constituírem as normas regulamentares emanadas das autoridades com poderes tutelares a que se refere a parte final do artigo 241.º, v. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III (Atividade Administrativa), 2.ª edição, Ed. D. Quixote, Alfragide, 2009, p. 252 e seguintes; ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, 2004, p. 137 e seguintes. Admitindo, no entanto, uma «reserva de regulamento local», onde o primado dos regulamentos nacionais não tem lugar v. JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 743. Com limitações, de modo a excluir regulamentos governamentais invasivos das atribuições autárquicas, RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada (JORGE MIRANDA/ RUI MEDEIROS), 2.ª ed. Ed. Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2020, p. 432 e seguinte; No sentido de não haver uma hierarquia entre uns e outros, apenas devendo prevalecer regulamentos de interesse nacional ou supramunicipal, v. ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, A titularidade do poder regulamentar no direito administrativo português, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, n.º 80 (2004), p. 543 e seguintes; A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fundamento em Invalidade: Contributo para a Teoria dos Regulamentos, Ed. Almedina, Coimbra, 2012, p. 493 e seguinte. Em sentido contrário, v. JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Ed. Almedina, Coimbra, 1987, p. 277 e seguinte, para quem a expressão «regulamentos emanados (…) das autoridades com poder tutelar» apenas compreende as normas administrativas que conformem o próprio exercício do poder tutelar. Por seu turno, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA refere-se a regulamentos aprovados no exercício do poder de tutela, perspetivando o seu âmbito, de modo singular, muito para além de um pouvoir d’empêcher (Teoria Geral do Direito Administrativo, 9.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 252).

[52] O conceito de atribuições comuns ou em condomínio foi elaborado, paulatinamente, pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, primeiro, de modo larvar, no Parecer n.º 93/80, de 23 de outubro (Diário da República, 2.ª Série, de 10 de março de 1981), depois, consolidando-se, de modo especial quanto a atribuições de urbanismo e ordenamento do território, no Parecer n.º 90/85, de 12 de janeiro de 1989 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 392, 1990, p. 104 e seguintes), no Parecer n.º 53/87, de 22 de outubro de 1987 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 377, 1988, p. 131 e seguintes), no Parecer n.º 66/89, de 23 de novembro de 1989 (Diário da República, 2.ª Série, de 23 de março de 1990) e no Parecer n.º 124/90, de 21 de março de 1991 (Diário da República, 2.ª Série, de 9 de julho de 1991).

[53] PEDRO MONIZ LOPES, Objeto, condições e consequências da invalidade regulamentar no Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES/ ANA F. NEVES/ TIAGO SERRÃO (coordenação), Comentários ao Código do Procedimento Administrativo, volume II, 5.ª edição, Ed. AAFDL, Lisboa, 2020, p. 418 e seguintes.

[54] Amplo consenso, mas com dissonâncias significativas, como é o caso de JOÃO PACHECO DE AMORIM, Autonomia regulamentar das ordens profissionais e reserva de lei, in Estudos em Homenagem a Rui Pena (NUNO PENA/ PEDRO MELO), Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 396 e seguintes.

[55] Sobre esta precisão acerca do alcance da reserva de competência legislativa, v. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 19/2019, de 8 de agosto de 2019, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 222, de 19 de novembro de 2019.

[56] Neste sentido, v. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, número especial, 1984, p. 17.

[57] As associações públicas no direito português, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, vol. XXVII, 1986, p. 67.

[58] O substrato populacional e territorial das autarquias locais justifica uma multiplicidade de atribuições cuja coordenação dá corpo a uma verdadeira função política — protagonizada pelo binómio maioria/oposição — e contrasta com os fins específicos para que é criada cada associação pública profissional, de acordo com o n.º 4 do artigo 267.º da Constituição. Acerca da autonomia municipal como autonomia político-administrativa, v. ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, 2004, p. 122 2 seguintes.

[59] No sentido da prevalência dos regulamentos do Governo sobre os regulamentos da administração autónoma corporativa, por maioria de razão, relativamente às autarquias locais, v. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, I, Coimbra, 1976, p. 439.

[60] Acerca da distinção entre tutela da legalidade e tutela de mérito, por todos v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, I, Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 731.

[61] A respeito da Ordem dos Médicos, deste Conselho Consultivo, v. Parecer n.º 193/79, de 8 de maio de 1980 (atribuições), Parecer n.º 41/86, de 19 de março de 1987 (greve do pessoal médico), Parecer n.º 35/89, de 25 de outubro de 1990 (encerramento administrativo de consultório médicos), Parecer n.º 47/2007, de 13 de setembro de 2007 (aborto e deontologia), in Diário da República, 2.ª Série, n.º 217, de 12 de novembro de 2007.

[62] Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 501: «No fundo, o princípio da especialidade das pessoas coletivas públicas não passa de uma expressão particular do princípio de legalidade da administração».

[63] Cf. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª edição, Liv. Almedina, 1982, p. 202.

[64] Por vezes, de participação constitutiva, como sucede com relação a normas regulamentares em matéria de internato médico: cumpre-lhe propor ao Ministro da Saúde «a definição e a revisão dos critérios para determinação da idoneidade e capacidade formativa dos estabelecimentos e serviços» (artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26 de fevereiro).

[65] FAUSTO DE QUADROS/ JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA/ RUI CHANCERELLE DE MACHETE/ JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE/ MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA/ MÁRIO AROSO DE ALMEIDA7 ANTÓNIO POLÍBIO HENRIQUES/ JOSÉ MIGUEL SARDINHA, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 290

[66] Responsabilidade Disciplinar Médica, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 5.

[67] Pode dizer-se que conhecer os efeitos secundários adversos de uma terapêutica, segundo a informação disponível, é conforme com as leges artis, mas ponderar, em concreto, a sua prescrição a uma mulher grávida já compreende um juízo ético.

[68] Por todos, v. A. SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 12.ª edição, Petrony Editora, 2021, p. 9 e seguintes.

[69] O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2005, p. 32.

(X) «Pode porém — mas isso já é fenómeno diferente — o conteúdo da regra técnica ser assumido por uma verdadeira ordem ética. O trabalhador deve respeitar as regras técnicas, não por estas terem imperatividade, mas por força da regra moral que lhe impõe a perfeição da obra e por força da regra jurídica que lhe impõe o contrato de trabalho».

[70] Publicado como Regulamento n.º 707/2016, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 21 de julho de 2016. A atual redação conta com as modificações introduzidas pelo Regulamento n.º 498/2020, de 26 de maio, cuja redação apenas ficaria assente com a Declaração de Retificação n.º 438/2020, de 12 de junho.

[71] Referimo-nos ao Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que, depois da ampla revisão empreendida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, conheceu 51 redações, última das quais por via da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro.

[72] Negrito nosso, na reprodução do artigo 64.º da Constituição.

[73] Direito Administrativo da Saúde, in Tratado de Direito Administrativo Especial (PAULO OTERO/ PEDRO GONÇALVES), volume III, Ed. Almedina, Coimbra, 2010, p. 230 e seguintes,

[74] Acerca da descentralização do Serviço Nacional de Saúde, v. ISA ANTÓNIO, As Parcerias Público-Privadas no Sector da Saúde, Ed. Almedina, Coimbra, 2018, p. 130 e seguintes.

[75] Do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a respeito do Serviço Nacional de Saúde, v. Parecer n.º 37/2016, de 29 de junho de 2017 (inédito), Parecer n.º 33/2015, de 25 de maio de 2016 (inédito), Parecer n.º 26/2014, de 16 de outubro de 2014 (inédito), Parecer n.º 69/2007, de 17 de abril de 2008 (Diário da República, 2.ª Série, de 3 de julho de 2008), Parecer n.º 83/99, 9 de março de 2000 (Diário da República, 2.ª Série, de 10 de abril de 2002), Parecer n.º 1/95, de 9 de março de 1995 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 150, de 1 de julho de 1995), Parecer n.º 34/92, de 9 de julho de 1992 (inédito), Parecer n.º 65/91, de 5 de dezembro de 1991 (inédito), Parecer n.º 121/90, de 10 de janeiro de 1991 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 137, de 4 de junho de 1991).

[76] O artigo 13.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, previu atribuir aos municípios a participação no planeamento, na gestão e na realização de investimentos relativos a novas unidades de prestação de cuidados de saúde primários, nomeadamente na sua construção, equipamento e manutenção (n.º 1). De igual modo, a incumbência de gerirem, manterem e conservarem outros equipamentos afetos aos cuidados de saúde primários; gerirem os assistentes operacionais ao serviço das unidades funcionais dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) que integram o Serviço Nacional de Saúde; administrarem os serviços de apoio logístico das unidades funcionais dos ACES (n.º 2). Ao nível participativo, dizem-lhes respeito os programas de promoção de saúde pública, comunitária e vida saudável e de envelhecimento ativo (alínea d) do n.º 2). O Decreto-Lei n.º 33/2019, de 23 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de junho, e pelo Decreto-Lei n.º 56/2020, de 12 de agosto (que prorrogou prazos) executou as transferências previstas na área da saúde.

[77] Cf. VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 209.

[78] A versão originária do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, cuja redação ficaria assente pela Declaração de Retificação n.º 42/93, de 31 de março, veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 77/96, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 53/98, de 11 de março, pelo Decreto-Lei n.º 97/98, de 18 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 401/98, de 17 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de maio, pelo Decreto-lei n.º 157/99, de 10 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 68/2000, de 26 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 223/2004, de 3 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 222/2007, de 29 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 276-A/2007, de 31 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 177/2009, de4 de agosto, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

[79] Referimo-nos, sob a designação de Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) ao corpo normativo aprovado como anexo da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na redação fixada pela Declaração de Retificação n.º 37-A/2014, de 19 de agosto, com alterações introduzidas sucessivamente pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 84/2015, de 7 de agosto, pela Lei n.º 18/2016, de 20 de junho, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, pela Lei n.º 25/2017, de 30 de maio, pela Lei n.º 70/2017, de 14 de agosto, pela Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 6/2019, de 14 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 29/2019, de 20 de fevereiro, pela Lei n.º 79/2019, de 2 de setembro, pela Lei n.º 82/2019, de 2 de setembro, e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

[80] Há, contudo, um regime transitório, previsto pelo artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, relativamente aos trabalhadores com vínculo de emprego público que, quando da entrada em vigor deste diploma, se encontrassem providos em postos de trabalho dos mapas de pessoal das unidades de saúde. Mantêm o seu estatuto, sem prejuízo da LGTFP, e de poderem optar pelo contrato individual de trabalho (artigo 30.º).

[81] O artigo 82.º, n.º 4, alínea c), da Constituição cuida do subsetor autogestionário, dentro do setor cooperativo e social, compreendendo «os meios de produção objeto de exploração coletiva por trabalhadores».

[82] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 173/2014, de 19 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 206/2015, de 23 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 38/2018, de 11 de junho

[83] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 67/2013, de 17 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto.

[84] O Decreto-Lei n.º 23/2020, de 22 de maio, define o regime dos contratos de parceria de gestão, com caráter supletivo e temporário e em casos de necessidade fundamentada, na área da saúde e define os termos da gestão dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde. Contudo, não prejudica a aplicação do regime previsto no Regime das Parcerias Público-Privadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de junho, nem do Decreto-Lei n.º 138/2013, de 9 de outubro, mesmo às parcerias cujo procedimento se tenha apenas iniciado anteriormente à sua entrada em vigor.

[85] Alterada pelo Decreto-Lei n.º 44/2017, de 20 de abril, e pela Lei n.º 110/2019, de 9 de setembro.

[86] Diário da República, Série I-B, n.º 55, 6 de março de 2002. Sob a epígrafe (Adaptação dos serviços de urgência do SNS ao direito de acompanhamento) dispõe-se no artigo 31.º o seguinte:

      «1 — Os estabelecimentos do SNS que disponham de serviço de urgência devem proceder às alterações necessárias nas instalações, organização e funcionamento dos respetivos serviços de urgência, de forma a permitir que o utente possa usufruir do direito de acompanhamento sem causar qualquer prejuízo ao normal funcionamento daqueles serviços.

      2 — O direito de acompanhamento nos serviços de urgência deve estar consagrado no regulamento da respetiva instituição de saúde, o qual deve definir com clareza e rigor as respetivas normas e condições de aplicação».

[87] Cf. Artigo 7.º, n.º 1, alínea i) do Anexo II e artigo 7.º, n.º 1, alínea i), do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro

[88] Divulgada por meio da Circular Informativa n.º 64, da Secretaria-geral do Ministério da Saúde, de 28 de dezembro de 2006. Da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.

[89] Diário da República, 2.ª Série, n.º 209, de 29 de outubro de 2012.

[90] De criação obrigatória, são (i) os Centros de Oxigenação por Membrana Extracorporal, instalados nos hospitais com SUP e com Serviços de Medicina Intensiva e Serviço de Medicina Cardiotorácica, e (ii) os Serviços de Medicina Hiperbárica. A título eventual, (iii) os Centros de ECMO Cardíaco, em hospitais com Programa de Transplante Cardíaco Ativo.

[91] Alterada pela Portaria n.º 331-B/2021, de 31 de dezembro.

[92] Diário da República, 2.ª Série, n.º 228, de 20 de novembro de 2015. Viria a ser republicado sob a Declaração de Retificação n.º 1032-A/2015, de 24 de novembro de 2015, e alterado pelo Despacho n.º 10438/2016, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 8 de agosto de 2016 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 159, de 19 de agosto de 2016).

[93] O articulado de ambos coincide em grande parte, pelo que, sem indicação contrária, os preceitos mencionados referem-se a ambos.

[94] Seguimos a classificação de MARCELO REBELO DE SOUSA (Lições de Direito Administrativo, Volume I, Editora Lex, Lisboa, 1999, p. 240).

[95] Os médicos prestam cuidados de saúde: previnem a doença, providenciam pelos meios mais adequados ao tratamento e cura das enfermidades ou promovem a reabilitação possível. A Ordem dos Médicos contribui para que os serviços prestados pelos profissionais médicos obedeçam a critérios de rigor e humanidade.

[96] É, de certo modo, uma atribuição imperfeita, pois limita-se a representar um dos fins que vinculam o exercício dos poderes discricionários de todos os órgãos da Ordem dos Médicos. A Ordem dos Farmacêuticos e a Ordem dos Enfermeiros prosseguem atribuições semelhantes. Quanto à primeira, cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 288/2001, de 10 de novembro, na redação republicada com a Lei n.º 131/2015, de 4 de setembro. Quanto à segunda, cf. n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de abril, na redação republicada com a Lei n.º 156/2015, de 16 de setembro.

[97] V. Parecer n.º 2/78 da Comissão Constitucional (Pareceres da Comissão Constitucional, 4.º volume, Imprensa Nacional, Lisboa, 1979, p. 152 e seguintes; Parecer n.º 111/92, de 25 de fevereiro de 1993, deste corpo consultivo. Ali se considera haver profissões de interesse público, não no interesse dos profissionais, mas por motivo de «um elevado grau de formação científica e técnica, regras de exercício ou de prática de atos extremamente relevantes e exigentes, necessidade de confiança social tão marcada, que se torna indispensável uma disciplina capaz de abranger todos os profissionais». E logo após: «É do interesse dos próprios profissionais que a disciplina jurídica do exercício da profissão seja definida e cumprida, mas é isso também (ou sobretudo) do interesse dos que recebem os serviços desses profissionais (que podem ser quaisquer cidadãos) e do interesse da sociedade no seu conjunto».

[98] Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 894.

[99] V. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 11/92, de 25 de fevereiro de 1993.

[100] Autonomia regulamentar das ordens profissionais e reserva de lei, in Estudos em Homenagem a Rui Pena (NUNO PENA/ PEDRO MELO), Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 416.

[101] Orientações para a constituição das equipas por atos cirúrgicos ou equiparados, aprovadas pelo Conselho Nacional Executivo, reunido em 28 de fevereiro de 2014.

[102] Supra, VIII.

[103] Autonomia regulamentar das ordens profissionais e reserva de lei, in Estudos em Homenagem a Rui Pena (NUNO PENA/ PEDRO MELO), Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 432.

[104] Droit administratif, Tome 2, 12.ª edição, Ed. PUF, Paris, 1992, p. p. 331.

[105] Antiga Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (LOSTA), revogada pela lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro. Ali se dispunha o seguinte: «A anulação por desvio de poder terá lugar sempre que da prova exibida resultar para o Tribunal a convicção de que o motivo principalmente determinante da prática do ato recorrido não condizia com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário».

[106] Para maiores desenvolvimentos sobre o desvio de poder, v. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Reflexões sobre a teoria do desvio de poderem direito administrativo, Coimbra, 1940.

[107] Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª edição, Âncora Editora, Lisboa, p. 240.

[108] Supra, VIII.

[109] Itálico nosso.

[110] O artigo 33.º, n.º 1, refere-se a «profissões que prossigam, na globalidade ou em alguns dos seus atos e atividades, missões específicas de interesse público» bem como a «profissões cuja globalidade de atos ou atividades tenha uma ligação direta e específica ao exercício de poderes de autoridade pública».

[111] O artigo 30.º, n.º 2, dispõe o seguinte: «Os serviços profissionais que envolvam a prática de atos próprios de cada profissão e se destinem a terceiros, ainda que prestados em regime de subordinação jurídica, são exclusivamente assegurados por profissionais legalmente habilitados para praticar aqueles atos».

  Senhora Secretária de Estado da Saúde,

              Excelência,

       No exercício da competência que o Estatuto do Ministério Público[1] atribui aos membros do Governo (cf. artigo 44.º, alínea a]), Vossa Excelência houve por bem consultar a Procuradoria-Geral da República[2] quanto à legalidade da denominada Proposta de Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência[3] que o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos tem em vista submeter à aprovação da Assembleia de Representantes.

       Pretende Vossa Excelência— não só, mas principalmente — que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República esclareça se das atribuições da Ordem dos Médicos, conjugadas com a competência dos seus órgãos, decorre habilitação suficiente para o aludido regulamento definir o modo como devem ser constituídas as equipas de profissionais, segundo as várias especialidades médicas, em serviço nas unidades de urgência.

       Tal como apresentado à consulta pública, o projeto não exclui — antes compreende — o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e as equipas de profissionais médicos que, em regime de trabalho subordinado, prestam cuidados de saúde inadiáveis nos centros hospitalares, hospitais, unidades locais de saúde e outras instituições com serviços de urgência, organizados de acordo com o Despacho n.º 10 319/2014, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 25 de julho de 2014[4].

       Com este regulamento, o Governo definiu a estrutura do Sistema de Emergência Médica (SIEM), ao nível hospitalar e de articulação com o nível pré-hospitalar, especificou os diferentes níveis dos Serviços de Urgência (SU) e estabeleceu padrões mínimos relativos à organização, aos recursos humanos e sua formação, aos critérios e indicadores de qualidade, além de ter fixado orientações quanto a procedimentos de monitorização e avaliação dos serviços.

       Pondera Vossa Excelência que, a ser aprovado pela Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos e oficialmente publicado, o regulamento venha, de imediato, a introduzir perturbações no SNS, motivo por que o pedido de parecer vem assinalado com nota de urgência.

       É previsível, com efeito, que os profissionais médicos, os diretores clínicos e os conselhos de administração se interroguem acerca da vinculação jurídica que o regulamento produz no exercício da atividade clínica, principalmente, ao ser credenciado pela Ordem dos Médicos como referência deontológica para o exercício da profissão.

       Não deve sequer excluir-se a eventualidade de alguns profissionais médicos recearem cometer uma infração deontológica, caso continuem a prestar cuidados de saúde nos serviços de urgência, de acordo com as escalas definidas pelos superiores hierárquicos, em conformidade com as normas regulamentares atualmente em vigor.

       Por entender que, além de excedidos os poderes regulamentares da Ordem dos Médicos, há outras razões de peso para considerar ilegal o projeto, Vossa Excelência solicita a este corpo consultivo que leve a cabo uma apreciação global do mesmo, enunciando o pedido de parecer nos seguintes termos:

              «Verifica-se que a Ordem dos Médicos discorda do entendimento do Ministério da Saúde e mantém a sua Proposta de Regulamento, pelo que, atendendo á complexidade e delicadeza de que esta matéria se reveste, e considerando os reflexos que terá nos serviços e estabelecimentos de saúde do SNS e no acesso e prestação dos cuidados de saúde que cumpre ao Estado garantir, solicito a V. Exa. que se digne determinar que, com urgência, dada a eventual iminente publicação do regulamento, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República emita parecer sobre a referida Proposta de Regulamento».

       Uma vez requerida a apreciação global do projeto de regulamento, por acréscimo à questão sobre os poderes da Ordem dos Médicos para o aprovar, a consulta adentra-se numa competência ligeiramente diferenciada deste corpo consultivo.

       Com efeito, de acordo com o Estatuto do Ministério Público, também pode o Governo instar o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a pronunciar-se sobre a formulação e conteúdo jurídico de projetos de diplomas:

«Artigo 44.º

(Competência)

              Compete ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República:

              […]

              b) Pronunciar-se, a pedido do Governo, acerca da formulação e conteúdo jurídico de projetos de diplomas legislativos, assim como das convenções internacionais a que Portugal pondere vincular-se;

              […]».

       O preceito refere-se literalmente a diplomas legislativos e a convenções internacionais, mas pode entender-se contemplar, igualmente, diplomas regulamentares que suscitem dúvidas de igual natureza e complexidade.

       No entanto — e diferentemente do que sucede com os pedidos de parecer formulados ao abrigo da alínea a) do mesmo preceito[5] —, no exercício desta competência, a inventariação das questões jurídicas relevantes é confiada pelo órgão consulente ao órgão consultado.

       É o que faremos, sobretudo, com base nos elementos que acompanham o pedido: a correspondência oficial trocada entre o Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos, por ocasião da consulta pública a que o projeto de regulamento foi submetido, iniciada com a publicação oficial, a fim de serem recolhidas sugestões (artigo 101.º, n.º 1 e n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo[6]).

       Cumpre-nos, assim, emitir parecer[7] e com a prioridade devida às consultas requeridas com nota de urgência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público[8].

I

Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência: o projeto de regulamento da Ordem dos Médicos.

       Com o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, a Ordem dos Médicos pretende fixar o número mínimo de profissionais médicos, nos serviços de urgência, de acordo com vários níveis de resposta, delineados para o SNS.

       Os médicos surgem repartidos por 28 equipas — tantas quantas as diferentes especialidades, clínicas ou não clínicas, que a Ordem entende necessárias — pelo menos, nos serviços de urgência com o nível mais elevado de responsabilidade (artigo 1.º, n.º 1, e Anexo), embora, genericamente, consinta derrogações sazonais ou justificadas por circunstâncias imprevisíveis (artigo 2.º, n.º 2).

       Na constituição de cada equipa — como iremos poder confirmar através da reprodução integral do projeto de regulamento — é especificado o número mínimo de médicos especialistas e o número máximo de médicos internos (cf. Anexo).

       Para esse efeito, os médicos internos no último ano de formação especializada consideram-se aptos a integrar equipas de urgência, desde que cumprido o número mínimo de especialistas e satisfeitas outras condições (artigo 3.º).

       De igual modo, preveem-se diferentes graus de disponibilidade dos elementos de cada equipa: em presença permanente, em prevenção ou de chamada.

       Mais se providencia por demarcar o conteúdo funcional do chefe de equipa de urgência, adstringindo-o inteiramente a tarefas de direção e coordenação (artigo 4.º, n.º 3), sem funções assistenciais.

       Como tal, o chefe de equipa não pode ser considerado para o cômputo do número mínimo de especialistas da equipa (artigo 4.º, n.º 2).

       É necessário, antes de mais, que nos detenhamos no projeto de regulamento — nota preambular, articulado e anexo — segundo a redação publicada oficialmente quando da consulta pública[9]:

              «Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Estatuto da Ordem dos Médicos e no artigo 101.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos convida todos os interessados a apresentar, no prazo de 30 dias a contar da presente publicação, quaisquer sugestões à proposta de regulamento Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência que, deste modo, se torna pública:

              Regulamento da Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Saúde

              Nos termos do disposto no artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, constante do Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, “São atribuições da Ordem dos Médicos: a) regular o acesso e o exercício da profissão de médico” e “b) contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes”.

              Aquela regulação do exercício da atividade médica e a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes tornam imperiosa a definição dos padrões mínimos que devem presidir à constituição das equipas médicas dos serviços de urgência, por forma a garantir a qualidade e segurança dos cuidados de saúde prestados aos doentes.

              O direito à saúde, manifestação do princípio da dignidade humana, é um dos pilares do Estado de Direito estando consagrado no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa. A concretização deste direito implica uma responsabilidade conjunta de todos — cidadãos, sociedade, médicos e Estado.

              Foi dado cumprimento ao n.º 2 do artigo 9.º do Estatuto da Ordem dos Médicos e ao artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo, tendo a proposta de regulamento sido submetida a consulta pública.

              Assim, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º e com observância da alínea j) do n.º 1 do artigo 58.º, conjugado com a alínea b) do artigo 49.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, a Assembleia de Representantes aprovou, na sua reunião de [a inserir], o seguinte:

              Regulamento da Constituição das Equipas nos Serviços de Urgência

Artigo 1.º

(Objeto)

              1 — O presente regulamento tem por objeto a definição da constituição das equipas de urgência médicas das diferentes especialidades e tipos de urgência.

              2 — As equipas e tipos de urgência são os que constam das tabelas do Anexo I que considerou as especialidades contempladas nos diferentes níveis de resposta da rede de serviços de urgência definidos pelo Despacho n.º 10319/2014, do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da saúde, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 153, de 11 de agosto.

Artigo 2.º

(Critérios de fixação das equipas de urgência)

              1 — As equipas de urgência têm em consideração as características próprias dos diferentes tipos de urgência e especialidades médicas, a autonomia e diferenciação dos seus profissionais, assim como a heterogeneidade dos serviços, unidades e hospitais em que as mesmas são colocadas em prática.

              2 — As regras de constituição das equipas de urgência são suscetíveis de adaptação à organização dos diferentes serviços de urgência, nomeadamente em virtude da natureza e características de afluência, das épocas do ano e de circunstâncias excecionais imprevisíveis, devendo em qualquer circunstância salvaguardar a segurança dos doentes e dos próprios médicos.

              3 — A constituição das equipas de urgência identificadas no presente regulamento constitui uma referência ética e deontológica para todos os médicos, e uma garantia de qualidade e segurança para os doentes e para a comunidade em geral.

Artigo 3.º

              (Presença de Médico Interno do último ano em substituição de Especialista na Equipa)

              Os médicos internos que se encontram a frequentar o último ano de formação especializada podem ser escalados sem um médico especialista em presença física desde que verificadas as seguintes condições:

              a) O diretor de serviço assuma responsabilidade pela necessidade e adequação de escalar o médico interno sem tutela do médico especialista em presença física;

              b) Existência de um médico especialista da mesma especialidade devidamente escalado, ainda que, se necessário, em regime de chamada ou prevenção;

              c) Existência de concordância expressa e por escrito do médico interno.

Artigo 4.º

(Chefes de Equipa de urgência)

              1 — Cada turno de urgência deve ser dirigido por um chefe de equipa de urgência preferencialmente com a categoria de assistente graduado.

              2 — Ao chefe da equipa de urgência não é atribuída função assistencial, pelo que o mesmo não é considerado no número de especialistas que compõem a equipa de urgência da especialidade a que pertence.

              3 — São competências do chefe de equipa de urgência, entre outras, a coordenação das atividades e da qualidade técnica da prestação dos serviços pela equipa de urgência que dirige, resolvendo as questões que lhe sejam colocadas durante a respetiva “escala”, incluindo a coordenação da transferência de doentes, dos serviços do hospital fora das horas normais de presença ou funcionamento do respetivo conselho de administração, do internamento, das entradas no bloco, e reportando-as superiormente, caso se mostre necessário.

Artigo 5.º

(Entrada em vigor)

              O presente regulamento entra em vigor no dia subsequente á sua publicação.

ANEXO

              Anestesiologia

              Na SUB[10] onde existe internamento de doentes operados tem de estar prevista resposta de Anestesiologia em apoio permanente.

              No SUMC[11] ou SUP[12], independentemente do volume de trabalho inerente ao seu funcionamento, é critério de segurança básico a presença mínima de 2 médicos especialistas (médicos IFE[13] do 5.º ano poderão assumir funções equiparadas a especialista, de acordo com o seu nível de preparação, desde que não haja interferência com o cumprimento do programa de formação do internato e desde que exista especialista em presença física no Hospital em apoio contínuo).

              Nos SUP com Centro de Trauma, acresce 1 especialista de apoio a outras áreas.

              Por cada sala de operações em funcionamento: 1 médico especialista em presença física.

              Unidade de Obstetrícia com atividade anual <2 mil partos/ano: 1 médico especialista em presença física (desde que a Unidade de Saúde tenha equipa de urgência com outro anestesiologista; se esta última condição não se verificar, é obrigatória a existência mínima de 2 especialistas em presença física).

              Unidade de Obstetrícia com atividade anual ≥2 mil partos/ano: 2 médicos especialistas em permanência.

              Angiologia e Cirurgia Vascular

              Equipa com 2 elementos, pelo menos 1 deles médico especialista, e pelo menos 1 deles em presença física.

              Cardiologia

              Nos Hospitais com UCI[14] Cardíacos e com SUMC ou SUP devem estar escalados em presença física (24h/7d) 2 elementos da Cardiologia (2 médicos especialistas ou 1 médico especialista + 1 médico IFE, que atua sob a supervisão do especialista), sendo 1 para a UCI e outro para consultoria a todo o hospital, incluindo o SU.

              Nos Hospitais com programa de angioplastia primária, esta deve ser providenciada através de uma escala de prevenção (24h/7d) com 1 Cardiologista de Intervenção e por outros elementos não médicos do serviço, que intervêm com o apoio dos cardiologistas da escala em presença física.

              Nos Hospitais com Unidades de Eletrofisiologia com casuística elevada poderá justificar-se uma escala de prevenção (24h/7d) de subespecialista deste campo.

              Cirurgia Cardiotorácica

              UCI Cardiotorácica: 1 especialista por cada 12 doentes em regime de cuidados intensivos/intermédios.

              Prevenção para cirurgia cardíaca emergente, transplantação e ECMO/assistência ventricular: 3 médicos especialistas.

              Prevenção para cirurgia torácica: 2 médicos especialistas.

              Cirurgia Geral

              Nos Hospitais com Serviço de Cirurgia Geral, que tenham SUB ou não tenham SU, é obrigatório que:

              a) Haja Serviço de Urgência Interna, com 1 médico especialista de Cirurgia Geral em presença física permanente;

              b) Haja circuitos rápidos de transferência de doentes internados para os SUMC ou SUP.

              Para os SUMC e SUP a equipa mínima, independentemente da dimensão do Hospital e da área de influência, deverá ser constituída por 3 médicos especialistas, podendo 1 ser substituído por IFE do 4.º a 6.º anos.

              A equipa deverá ser acrescida de 1 elemento por cada 100 000 habitantes na área de influência direta acima de 200 000 habitantes. Nos SUP, por cada 200 000 habitantes indiretos dos SUMC que serve, deve acrescer 1 elemento à equipa. Nestes dois últimos casos, 1 destes elementos poderá estar escalado de prevenção a partir das 24h.

              Cirurgia Maxilo-Facial

              Nos SU dos Hospitais com Centros de Trauma, são necessários 2 elementos desta especialidade (tipicamente 1 médico especialista e um IFE). 24h/7d em presença física, prevenção ou chamada, consoante a orgânica específica de cada hospital.

              Cirurgia Pediátrica

              Hospitais nível III: 2 elementos em presença física com obrigatoriedade de 1 ser médico especialista e, se possível, 1 médico especialista em prevenção nos hospitais que recebem doentes politraumatizados.

              Hospitais nível II: 1 elemento em presença física e 1 elemento em prevenção (obrigatoriamente médico especialista).

             

              Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética

              No mínimo 2 elementos, que devem ser, preferencialmente, médicos especialistas de CPRE[15]. Os médicos internos deverão contar como 3.º elemento e só excecionalmente como 2.º elemento.

              Estomatologia

              Equipas constituídas por 2 médicos especialistas, podendo ser acompanhados por IFE.

              A modalidade de urgência a privilegiar seria a de presença física dedicada, salvaguardando-se, no entanto, a possibilidade da passagem de 1 dos médicos especialistas ao regime de prevenção.

              Gastrenterologia

              Equipa deve possuir no mínimo 1 médico especialista (ou 1 médico IFE do 5.º ano) com experiência de endoscopia de urgência.

              Na ausência de serviço de pediatria ou acesso a cuidados diferenciados de gastrenterologia pediátrica, os profissionais da equipa de urgência devem ter experiência e meios para realizar exames a doentes com idade pediátrica.

              Sempre que possível, deve existir disponibilidade de suporte por anestesista experiente nas diferentes formas de sedação adequadas ao doente e gravidade da doença (incluindo na proteção da via aérea, suporte hemodinâmico, ressuscitação).

              Ginecologia/Obstetrícia

              Hospital de Apoio Perinatal (IG ≥32 – 34S):

              <1200 partos anuais: médicos especialistas em presença física;

              1200 a 2200 partos anuais: 3 médicos especialistas em presença física (IFE 5.º/6.º ano pode substituir 3.º médico especialista; IFE 2.º ao 6.º ano pode substituir 4.º médico especialista).

              Hospital de Apoio Perinatal Diferenciado (sem limite de IG):

              <1500 partos anuais: 3 médicos especialistas em presença física (IFE 2.º ao 6.º ano pode substituir 3.º médico especialista);

              1500 a 2500 partos anuais: 4 médicos especialistas em presença física (IFE 5.º/6.º ano pode excecionalmente substituir 4.º médico especialista; IFE 2.º ao 6.º ano pode substituir 5.º médico especialista);

              >3500 partos anuais: 6 médicos especialistas em presença física (IFE 5.º/6.º ano pode substituir 5.º médico especialista; IFE 2.º ao 6,º ano pode substituir 6.º médico especialista).

              As equipas devem assegurar a urgência interna e os IFE de 1.º ano devem ser sem Supranumerários.

              Imunohemoterapia

              Os SU para os diferentes níveis hospitalares carecem de cobertura médica especializada de pelo menos 1 médico especialista, 24h em presença física nos Serviços de Medicina Transfusional e Serviços de Sangue.

              Poderá existir a necessidade de um 2.º médico especialista, nomeadamente nos SUP em que o movimento transfusional o justifique e/ou naqueles que sejam Centro de Referência para Coagulopatias Congénitas.

              Em situações excecionais, o apoio em período noturno poderá ser realizado em regime de prevenção.

              Medicina Intensiva

              Em hospitais dotados de serviço de Medicina Intensiva com tutela organizacional de áreas de nível III/nível II:

              Os SUMC/SUP devem incluir na equipa tipo do serviço 1 intensivista, preferencialmente com funções de Coordenação da Equipa Multidisciplinar da SE.

              Medicina Interna

              Por cada 50 doentes que recorrem diariamente ao SU deve existir 1 médico especialista e 1 médico IFE.

              Qualquer que seja a dimensão do SU, devem estar presentes pelo menos 2 médicos especialistas.

              Em hospitais com mais de 100 camas, é obrigatória a existência de uma escala de urgência interna, devendo, no caso dos Serviços de Medicina Interna, haver 1 médico especialista por cada 50 doentes internados.

              Nefrologia

              Sempre que exista unidade de internamento em Nefrologia, deve haver 1 médico especialista em presença física e 1 em prevenção.

              Deve estar escalado 1 médico especialista em presença física no período de funcionamento das unidades de hemodiálise.

              Se existir unidade de transplantação, deve existir um médico especialista de prevenção.

              Neurocirurgia

              Equipa com 1 médico especialista em presença física (pode ser substituído por IFE de último ano) e outro em prevenção.

              Neurologia

              Nos SUMC:

              a) Com via verde AVC/trombólise:

              Das 8-24h, 2 médicos especialistas (ou 1 médico especialista + 1 IFE) em presença física;

              Das 24-8h, 1 médico especialista em presença física ou médico IFE de 5.º ano + 1 médico especialista de prevenção;

              b) Hospitais sem via verde AVC/trombólise: das 8-20h, 1 médico especialista em presença física ou 1 médico IFE de 5.º ano com 1 médico especialista de prevenção[16];

              Nos SUP:

              Das 8-24h, 2 médicos especialistas em presença física ou 1.º médico IFE 5.º ano em presença física + 1 médico especialista em prevenção.

              Urgência Metropolitana de Trombectomia deve ter escala própria 24h/7d com 1 médico especialista ou 1 médico Ife de 5.º ano.

              Hospitais especializados (IPO, p.e.): SU das 8-20h com 1 médico especialista ou médico IFE 5.º ano + 1 médico especialista de prevenção.

              Neurorradiologia

              Para relatar TC e RMN urgentes deve estar escalado 1 médico especialista ou 1 médico IFE de 5.º ano + 1 médico especialista de prevenção.

              A angiografia é efetuada exclusivamente por especialistas em Neurorradiologia com treino específico em Neurorradiologia de Intervenção (em equipas de 2 médicos).

              Oftalmologia

              SU com volume diário médio <20 doentes e sem cirurgia de urgência: 1 médico especialista.

              SU com volume diário médio> 20 doentes: 2 médicos especialistas em presença física.

              No SU Metropolitano acresce 1 médico especialista em regime de prevenção; nas equipas com mais que 1 elemento, o 2.º ou 3.º elementos podem ser substituídos por médico IFE dos 2 últimos anos de formação.

              Ortopedia

              SU com até 150 000 habitantes na área de referenciação: 2 médicos especialistas ou 1 médico especialista + 1 médico IFE do 4.º ao 6.º anos.

              SU com até 350 000 habitantes na área de referenciação: 3 médicos especialistas ou 2 médicos especialistas + 1 médico IFE do 4.º ao 6.º anos.

              SU com mais de 350 000 habitantes na área de referenciação: 4 médicos especialistas ou 2 médicos especialistas + 2 médicos IFE do 4.º ao 6.º anos.

              Otorrinolaringologia

              Equipa constituída por 1 médico especialista e 1 médico IFE em presença física + 1 médico especialista em prevenção para urgências cirúrgicas.

              Patologia Clínica

              Nos SUB, apoio laboratorial ao SU deve ser feito com supervisão de médico especialista.

              Nos hospitais com SUMC com apoio a camas de cuidados intensivos: 1 médico especialista 24 h em presença física. Se não houver apoio a UCI: 1 médico especialista em presença física ou prevenção (a definir localmente).

              Nos SUP deve haver 1 médico especialista em presença física 24h/dia.

              Pediatria

              O SU externo deve ter 1 elemento destacado para a unidade de observações + 1 elemento adicional por cada 20 doentes atendidos em período de 12h. Pelo menos metade da equipa deve ser constituída por médicos especialistas.

              Médicos IFE de 5.º ano podem desempenhar funções equiparadas a especialista, médico IFE de 1.º ano de Pediatria, médico IFE de outras especialidades ou IFG[17] são considerados supranumerários.

              Todos os hospitais com internamento de Pediatria devem ter escala de SU interno autónoma assegurada por um médico especialista (ou médico IFE de 5.º ano).

              Hospitais com Bloco de Partos devem ter assistência neonatal assegurada de forma independente da Urgência Externa.

              Unidades de Cuidados Intensivos e Intermédios devem também ter escala independente.

              Unidades de Nefrologia ou Hepatologia Pediátrica com programas de diálise e/ou transplantação renal/hepática devem ter 1 subespecialista de Nefrologia/Gastrenterologia Pediátrica (ou com diferenciação em Hepatologia Pediátrica) de urgência em regime de prevenção 24h.

              Pneumologia

              Nos SUB, Pneumologia deve poder garantir apoio ao SU sob a forma de consultadoria nas 12-24h imediatas à admissão do doente (no caso de internamento).

              Nos SUMC, poderá haver 1 médico especialista de prevenção ou em presença física.

              Nos SUP deve haver uma escala de prevenção da Pneumologia de Intervenção complexa a nível regional, assegurada por 1 médico especialista.

              Psiquiatria

              As equipas devem ser constituídas por 2 médicos especialistas em presença física (IFE do último ano pode substituir 1 médico especialista) em urgências com área de referenciação até 250 000 habitantes.

              Deve acrescer 1 médico especialista se a área de referenciação for superior a 250 000 e até 500 000 habitantes, e 2 médicos especialistas se superior a 500 000 habitantes.

              No período entre as 20-8h (ou 21-9h, dependendo da organização da respetiva instituição) a urgência presencial pode ser assegurada por menos 1 elemento do que os referidos anteriormente.

              As equipas mínimas poderão ser adequadas á média de atendimentos urgentes contabilizadas nos anos 2017-2019 no respetivo dia da semana, respeitando um rácio máximo de 12 atendimentos por cada 12 horas de serviço do médico especialista.

              Psiquiatria da infância e da Adolescência

              As equipas devem ser constituídas no mínimo por 1 médico especialista 1 médico IFE.

              Radiologia

              A adequada resposta num SUMC requer a disponibilidade de 1 médico especialista, idealmente em presença física 8eventualmente complementado pelo regime de prevenção). Num SUP, a resposta deve ser assegurada por 1 médico especialista obrigatoriamente em presença física.

              Os hospitais centrais com Centro de Trauma necessitam de equipas com o mínimo de 2 radiologistas gerais em presença física e 1 radiologista de intervenção em regime de prevenção.

              Urologia

              Equipa pode ser constituída por 1 médico especialista e 1 médico IFE em presença física ou por 2 médicos especialistas (podendo 1 deles estar em regime de prevenção).

              O regime de prevenção só pode ser assegurado por especialistas.

              6 de outubro de 2021. — O Bastonário da Ordem dos Médicos, José Miguel Guimarães».

       Passado o projeto em revista, encontramo-nos em melhores condições de recensear e alcançar o exato sentido das questões controvertidas que se suscitam para lá da competência.

       Socorremo-nos do contraditório entre a Senhora Ministra da Saúde e o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos, conhecido a partir da troca de correspondência oficial.

II

Das questões controvertidas.

       II.1. Ao tomar parte na consulta pública, iniciada após a publicação do projeto de regulamento, a Senhora Ministra da Saúde fez chegar ao Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos[18] as objeções que o Governo opõe ao mérito do projeto e um amplo conjunto de reservas suscitadas pelo confronto das disposições com a Constituição e com a lei, o que nos permitimos resumir e sistematizar, nos seguintes termos:    

              (i) Propondo-se definir a constituição das equipas de profissionais médicos nos serviços de urgência, em número de efetivos, por especialidades — internos e especialistas — segundo os diversos níveis de atendimento e cuidados de saúde e com definição do conteúdo funcional do chefe de equipa, o regulamento ultrapassa, em muito, as atribuições da Ordem dos Médicos, tal como enunciadas pelo artigo 3.º do respetivo Estatuto[19].

              (ii) O objeto e o conteúdo do regulamento dizem respeito ao Governo e à sua competência para aprovar os regulamentos necessários a executar as leis (artigo 199.º, alínea c) da Constituição[20]), em especial a competência do Ministro da Saúde, tal como é enunciada pela orgânica do Ministério da Saúde (Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de dezembro[21]) e que foi oportunamente exercida com a publicação do Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, o qual define os níveis de responsabilidade dos serviços de urgência do SNS, «incluindo os respetivos padrões mínimos de estrutura, recursos humanos, formação, critérios e indicadores de qualidade».

              (iii) Não cabe à Ordem dos Médicos aprovar um regulamento de execução do referido despacho. E, ainda que pudesse aprovar um regulamento independente, este teria de identificar, em cumprimento do disposto no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição, as pertinentes normas de habilitação: aquelas que definem a competência objetiva e subjetiva da Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos para aprovar normas de organização e funcionamento das unidades do SNS.

              (iv) Uma vez que definem, de modo unilateral, aspetos nucleares do funcionamento da rede hospitalar pública, as disposições do projeto mostram-se incompatíveis com o Regime Jurídico e Estatutos Aplicáveis às Unidades do SNS (Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro[22]), pois é desconsiderada a autonomia própria dos órgãos de direção e administração dos hospitais, centros hospitalares, unidades locais de saúde e outros estabelecimentos que prestam cuidados aos utentes do SNS, alguns em regime de parceria público‑privada.

              (v) O objeto e o conteúdo do projeto de regulamento comprometem, ainda, os poderes de superintendência e tutela administrativa do Governo, em especial, do Ministro da Saúde, com relação ao SNS, enquanto conjunto de institutos públicos e entidades públicas empresariais que fazem parte da administração indireta do Estado (artigo 199.º, alínea d), da Constituição).

              (vi) A eficácia externa que o regulamento visa alcançar ultrapassa largamente o âmbito pessoal de aplicação próprio dos regulamentos das associações públicas profissionais, violando, assim o artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro[23].

              (vii) O domínio material do projeto vai além do necessário para o desempenho das atribuições da Ordem dos Médicos, enunciadas no artigo 3.º do respetivo Estatuto, pelo que a sua aprovação infringirá o princípio da especialidade (cf. artigo 6.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

              (viii) Os parâmetros adotados, por exemplo, o número de especialistas e internos, por equipa, e a proporção entre ambos, não são acompanhados por estudos ou pareceres que lhes confiram um suporte empírico, além de não se harmonizarem com características muito peculiares dos serviços de urgência hospitalar, como é o caso da elevada procura em situações clínicas não urgentes ou de urgência muito relativa e cujo atendimento pode ser confiado aos cuidados de saúde não hospitalares ou mesmo ser programado para consulta médica.

              (ix) Tão-pouco são apresentadas pela Ordem dos Médicos soluções alternativas à afetação de especialistas aos serviços de urgência, «aparentando não equacionar sequer cenários de articulação de situações agudas não urgentes com outros níveis de prestação de cuidados, de especialização das equipas afetas aos serviços de urgência ou de concentração de recursos em alguns pontos da rede de serviços de urgência em alinhamento com as necessidades de saúde da população».

              (x) A Ordem dos Médicos, ao condicionar o exercício da profissão médica nos serviços de urgência a um mínimo de especialistas e internos, em cada equipa, pode estar a incentivar os profissionais médicos, com prejuízo da relação jurídica de trabalho com o SNS, a recusarem a prestação de cuidados de saúde, se os serviços de urgência não satisfizerem os parâmetros assistenciais impostos pelo futuro regulamento.

              (xi) Uma vez que ali se dispõe não competir ao chefe de equipa médica de urgência o desempenho de funções assistenciais, ocorre violação dos regimes das carreiras médicas: do artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto[24], e do artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto[25].

              (xii) O regulamento, a ser aprovado, deixa de fora os serviços de urgência ou de atendimento permanente não compreendidos no SNS, nomeadamente em unidades de saúde particulares com serviços de atendimento permanente, criando, deste modo, um fator de discriminação na prestação de cuidados de saúde, não raro, pelos mesmos profissionais médicos. 

       II.2. Às observações da Senhora Ministra da Saúde retorquiu o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos o que seguidamente enunciamos de forma condensada[26]:

              (1) O regulamento atém-se às atribuições da Ordem dos Médicos (artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Estatuto) e às competências da Assembleia de Representantes (artigo 58.º, n.º 1, alínea j) e artigo 49.º, alínea b) do Estatuto), pois trata-se de regular o exercício da profissão de médico e de contribuir para a proteção e promoção da saúde de todos.

              (2) O projeto identifica as normas habilitantes — aquelas que definem a competência objetiva e subjetiva para a sua aprovação — precisamente, ao invocar as referidas normas respeitantes às atribuições da Ordem dos Médicos e às competências do Conselho Nacional (iniciativa) e da Assembleia de Representantes (discussão e aprovação).

              (3) O regulamento não conflituará com as competências regulamentares do Governo, uma vez que se limita a definir a composição das equipas, «de acordo com aquilo que são as boas práticas médicas, isto é, a ética e a deontologia profissionais».

              (4) Sem o cumprimento dos parâmetros quantitativos e qualitativos mínimos que o projeto de regulamento enuncia, não podem os médicos corresponder às boas práticas clínicas e, por conseguinte, exercer a profissão de médico segundo os princípios e regras deontológicos próprios.

              (5) Justamente por representar um exercício da competência regulamentar no domínio deontológico, surge no artigo 2.º, n.º 3, a qualificação das suas disposições como «uma referência ética e deontológica, para todos os médicos, e uma garantia de qualidade e segurança para os doentes e para a comunidade em geral».

              (6) A aprovação dos regulamentos sobre ética e deontologia da profissão encontra-se reservada à Ordem dos Médicos (cf. alíneas a), b), e c) do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), artigo 58.º, n.º 1, alíneas j) e s), artigo 69.º, n.º 2, alínea b), e artigo 144.º do Estatuto), motivo por que o princípio da especialidade (cf. artigo 6.º) é observado.

              (7) Não se vislumbra desconformidade com o Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, por meio do qual o Governo exerceu a sua competência regulamentar, definindo «as coberturas que devem ser asseguradas aos utentes, isto é, as especialidades médicas que devem estar presentes nesses serviços de urgência».

              (8) As normas do regulamento deferem aos órgãos de administração hospitalar um poder discricionário que lhes consente enfrentarem circunstâncias atípicas.

              (9) O Governo continua a poder aprovar diretivas e recomendações dirigidas ao SNS, sem que o regulamento venha diminuir-lhe o poder de superintendência.

              (10) A iniciativa do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos insere-se na atividade regulamentar e, por isso, não se encontra vinculada pelo dever de fundamentação, próprio dos atos administrativos, motivo por que as observações formuladas quanto à falta de sustentação técnico-científica não colhem.

              (11) Os regimes das carreiras médicas permanecerão incólumes, mesmo no que diz respeito ao chefe de equipa, pois este terá como conteúdo funcional o trabalho de direção, sem prejuízo de «auxiliar as equipas no âmbito das suas especialidades, pois a isso se encontram ética e deontologicamente obrigados, sob pena de violação do dever de auxílio».

              (12) O futuro regulamento compreende os cuidados de saúde prestados no setor privado, não se circunscrevendo ao SNS.

              (13) Por fim, não há qualquer incitamento à recusa de prestação de cuidados de saúde por parte dos profissionais médicos, caso deparem com diferentes composições das equipas, pois tal comportamento só pode decorrer contra «ordens cujo cumprimento possa fazer incorrer os médicos na prática de crime».

       O contraditório vindo de expor proporciona uma adequada delimitação do objeto da consulta e permite sistematizar as questões controvertidas a abordar ao longo da exposição, de modo a serem formuladas, consequentemente, as conclusões finais.

       Previamente ao enunciado das perguntas que servirão de guia à investigação, importa sanear duas questões controvertidas — entre o Governo e a Ordem dos Médicos — que, por não serem de estrita legalidade, apenas abordaremos quanto a aspetos laterais.

III

Delimitação do objeto da consulta.

         III.1. Damo-nos conta, na verdade, de que duas questões — em parte, pelo menos — dizem respeito ao mérito do projeto, não podendo ser consideradas na apreciação de legalidade pedida a este corpo consultivo.

       O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República pronuncia-se, apenas e tão-só, sobre questões de legalidade, cumprindo-lhe abster-se de opinar acerca de questões de conveniência ou de oportunidade na prossecução do interesse público, tal como resulta da pertinente disposição do Estatuto do Ministério Público em norma que passamos a transcrever:

«Artigo 44.º

(Competência)

              Compete ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República:

              a) Emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou por solicitação do Presidente da Assembleia da República, dos membros do Governo, dos Representantes da República para as regiões autónomas ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas;

              […]».

       Como tal, apenas nos pronunciaremos acerca das questões de direito, mas não deixaremos de considerar o contraditório entre o Governo e a Ordem dos Médicos a respeito do mérito da iniciativa se isso contribuir para aclarar o sentido das normas contidas no projeto.

       III.2. A primeira dessas questões diz respeito à falta dos elementos em que a cada um dos colégios da especialidade se baseou para determinar os efetivos mínimos de cada equipa médica.

       A Senhora Ministra da Saúde objeta à Ordem dos Médicos que as opções quantitativas e qualitativas vertidas nos limiares mínimos de profissionais médicos por cada equipa não é sustentada em estudos nem outros elementos técnicos ou científicos que permitam fundamentar opções soluções concretas.

       E, com efeito, era de supor que as especificações oferecessem um fundamento estatístico ou se inspirassem em relatórios nacionais ou internacionais relativos a equipas de urgência.

       O dever de fundamentação decorre do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição[27] é concretizado pelo Código do Procedimento Administrativo, nos termos seguintes:

«Artigo 152.º

(Dever de fundamentação)

              1 — Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:

              a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;

              b) Decidam reclamação ou recurso;

              c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;

              d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;

              e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.

              2 — Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal».

       A fundamentação pratica-se por meio de «sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato» (artigo 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

       Nada, com efeito, obriga a fundamentar o regulamento, mas o dever de os órgãos da Administração Pública fundamentarem certos atos administrativos não impede que procedam de igual modo, tanto quanto possível, com relação aos regulamentos, servindo-se, designadamente, das exposições de motivos que precedem o articulado.

       Constitui, em todo o caso, uma questão de mérito e não de legalidade, salvo num outro aspeto.

       É que, ao submeterem projetos de regulamentos à recolha de sugestões, por consulta pública, os órgãos administrativos devem fazer acompanhá-los de um estudo acerca da razoabilidade das soluções.

       Com efeito, determina-se no Código do Procedimento Administrativo o seguinte[28]:

«Artigo 99.º

(Projeto de regulamento)

              Os regulamentos são aprovados com base num projeto, acompanhado de uma nota justificativa fundamentada, que deve incluir uma ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas».

       Embora o regulamento se encontre desobrigado de exibir fundamentação, o projeto que está na sua origem carecia de uma nota justificativa que, a fim de enriquecer a consulta pública, contivesse, pelo menos, uma estimativa de custos e benefícios das medidas.

       Não dispomos, porém, de elementos que permitam asseverar não ter a Ordem dos Médicos, entretanto, vindo a tornar pública a nota justificativa exigida pelo preceito transcrito.

       III.1.2. Por outro lado, a Senhora Ministra da Saúde criticou à Ordem dos Médicos abster-se de formular critérios de constituição das equipas médicas de urgência que permitam enfrentar circunstâncias excecionais, nomeadamente picos extraordinários de procura dos serviços de urgência, de modo genérico ou com maior sobrecarga para determinadas especialidades.

       A Ordem dos Médicos opõe ter conferido ao regime a necessária flexibilidade, permitindo adaptações cuja necessidade e oportunidade são, por natureza, imprevisíveis.

       Assim, no artigo 2.º, n.º 2, o futuro regulamento consente uma «adaptação à organização dos diferentes serviços de urgência» segundo a afluência, épocas do ano e circunstâncias excecionais imprevisíveis. Adaptação que, em qualquer caso, deve «salvaguardar a segurança dos doentes e dos próprios médicos».

       À partida, este aspeto tem a ver apenas com as qualidades do regulamento: se prossegue melhor ou pior o interesse público.

       No entanto, como a norma nada dispõe acerca da competência para levar a cabo tais adaptações conjunturais — com o que suscita uma questão de legalidade e não, de mérito — voltaremos a este ponto.

       III.2. Em vista do pedido de parecer e da análise que vimos de empreender ao contraditório desenvolvido entre o Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos, importa ordenarmos a apreciação da legalidade do projeto de regulamento e de cada uma das prescrições regulamentares que, a título individual, suscitam dúvidas.

       Com esse desiderato, iremos orientar-nos pelas questões seguidamente especificadas, sem embargo, naturalmente, de enfrentarmos outras problemáticas que venham a emergir.

              (a) As atribuições e normas de competência invocadas pela Ordem dos Médicos, à luz do princípio da especialidade, permitem aprovar um regulamento que define a composição das equipas dos serviços de urgência, em especial nas unidades do Serviço Nacional de Saúde?

              (b) Destinatários das normas são os profissionais médicos ou as administrações dos serviços e estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde?

              (c) Podem tais normas ser qualificadas como desenvolvimento dos princípios e regras deontológicos que orientam o exercício da profissão?

              (d) Os regulamentos da Ordem dos Médicos encontram-se subordinados aos regulamentos aprovados pelo Governo sobre organização e funcionamento do SNS, designadamente ao Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho, ou apenas devem obediência à Constituição e à lei?

              (e) A ser aprovado, o regulamento compromete os poderes de superintendência e de tutela exercidos pelo Ministro da Saúde sobre o SNS?

              (f) E interfere, de modo invasivo, nas competências próprias dos órgãos de administração das unidades de saúde?

              (g) Pode a regulamentação do exercício da profissão de médico delimitar as funções de chefia das equipas médicas de urgência, propondo-se interpretar o conteúdo funcional descrito nos regimes das carreiras médicas?

              (h) Que meios assistem ao Governo para fazer prevalecer a sua posição quanto à ilegalidade do regulamento e defender a unidade e autonomia do Serviço Nacional de Saúde, que considera comprometidas?

IV

Caracterização preliminar do projeto de regulamento.

       Há elementos literais e sistemáticos do projeto — uns de caráter formal, outros de conteúdo — que se prestam, de imediato, a observações.

       Perfunctórias, é certo, mas que permitem discernir contradições significativas e reconhecer algumas características das normas, cujo recenseamento não deve ser relegado para fase ulterior.

       IV.1. Em primeiro lugar, o elemento literal não deixa dúvidas quanto ao caráter imperativo que se pretende imprimir às normas.

       As disposições sobre a composição das equipas utilizam alternadamente os verbos «poder» e «dever», mas o primeiro é empregue, sobretudo, para desagravar exigências em situações consideradas excecionais ou para consentir no regime de prevenção ou na intervenção de médicos internos.

       Por via de regra, de modo expresso ou implícito, é usado o verbo «dever».

       É certo que, num ou outro caso, distingue-se a composição ideal de uma composição possível das equipas médicas de urgência, mais pragmática, em face das contingências de pessoal e dos recursos financeiros necessários:

              «A adequada resposta num SUMC requer a disponibilidade de 1 médico especialista, idealmente em presença física […]» (cf. Radiologia).

       Contudo, outras disposições acentuam, indiscutivelmente, um imperativo.

       Recenseamos três casos particularmente eloquentes:

              «Em hospitais com mais de 100 camas, é obrigatória a existência de uma escala de urgência interna, devendo, no caso dos Serviços de Medicina Interna, haver 1 médico especialista por cada 50 doentes internados» (cf. Medicina Interna);

              «Equipa constituída por 1 médico especialista e 1 médico IFE em presença física + 1 médico especialista em prevenção para urgências cirúrgicas». (cf. Otorrinolaringologia);

              «O regime de prevenção só pode ser assegurado por especialistas». (cf. Urologia).

       IV.2. Por outro lado, embora o regulamento discipline o exercício de certas especialidades médicas e sua expressão quantitativa, não convoca a competência «única e exclusiva» da Ordem dos Médicos, em matéria de «individualização das especialidades, subespecialidades e competências médicas e cirúrgicas» (cf. artigo 75.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Médicos).

       A diferenciação entre o médico especialista e o médico interno[29], com diferentes competências, segundo o número de anos de formação, parece constituir matéria de especialidades para tal efeito.

       De resto, o Anexo consagra, por especialidade médica, os efetivos mínimos e os efetivos desejáveis na composição das equipas, segundo critérios próprios de cada uma.

       IV.3. O regulamento concede poderes discricionários a órgãos absolutamente alheios à Ordem dos Médicos — não se sabe se aos conselhos de administração ou às direções clínicas — para introduzirem adaptações, ou mesmo derrogações, aos requisitos quantitativos e qualitativos das equipas, de acordo com circunstâncias anómalas.

       Assim, admite-se que as regras de constituição das equipas de urgência se adaptem «à organização dos diferentes serviços de urgência, nomeadamente em virtude da natureza e características de afluência, das épocas do ano e de circunstâncias excecionais imprevisíveis, devendo em qualquer circunstância salvaguardar a segurança dos doentes e dos próprios médicos» (artigo 2.º, n.º 2).

       A norma levanta dois problemas que podem comprometer a sua legalidade.

       Além de vigorar, na nossa ordem jurídica, o princípio da inderrogabilidade singular das normas regulamentares (artigo 142.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo), ocorre uma contradição entre a titularidade da competência para definir a constituição das equipas médicas das urgências hospitalares em circunstâncias comuns e em circunstâncias excecionais, que exigem um discernimento mais complexo e conhecimentos oriundos da experiência hospitalar.

       Se, por hipótese, a competência para definir a constituição das equipas de urgência pertencesse à Ordem dos Médicos, então, não poderia ser renunciada parcialmente sem incorrer na nulidade prevista pelo Código do Procedimento Administrativo:

«Artigo 36.º

(Irrenunciabilidade e inalienabilidade)

              1 — A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição.

              2 — É nulo todo o ato ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins legalmente previstas.

       Tão-pouco seria de admitir uma delegação de poderes, pois o n.º 2 do artigo 2.º do projeto não identifica sequer os órgãos aos quais competiria proceder às necessárias adaptações circunstanciais.

       A norma, de resto, é reveladora de uma contradição nos termos. Se competisse à Ordem dos Médicos definir como se constituem as equipas por se tratar de disciplinar o exercício da profissão, seria incongruente não conservar essa mesma definição em circunstâncias de especial adversidade para o exercício da profissão (picos de afluência, férias do pessoal médico, situações clínicas com regularidades sazonais), pois são estas circunstâncias a reclamar, mais instantemente, a definição de boas práticas.

       IV.4. Observamos, ainda, que as disposições enunciadas, no articulado como também no Anexo, apesar de consideradas referências éticas e deontológicas para os profissionais médicos (cf. artigo 2.º, n.º 3, do projeto), não sugerem qualquer dimensão axiológica própria e só constituiriam critério de conduta dos profissionais médicos caso os serviços de urgência funcionassem em autogestão.

       A autogestão constitui um direito, cuja titularidade e exercício, no entanto, são inteiramente deixados à lei[30] (artigo 61.º, n.º 5, da Constituição); não, ao regulamento.

De qualquer modo, a orientação de boas práticas é confundida com o desenvolvimento dos princípios éticos da profissão.

       O futuro regulamento propõe-se determinar quais são as especialidades médicas com presença obrigatória em todos os serviços de urgência e estabelece um quantitativo mínimo de profissionais médicos de cada especialidade, segundo critérios muito diferenciados — demográficos, nível do SU, ou estatísticos: volume de atos médicos praticados, número de camas ou de atendimentos.

       Preveem-se, ainda, equiparações, para efeitos de composição mínima de equipas, entre médicos especialistas e médicos internos de formação geral ou especial:

              «Médicos IFE de 5.º ano podem desempenhar funções equiparadas a especialista; médico IFE de 1.º ano de Pediatria, médico IFE de outras especialidades ou IFG são considerados supranumerários» (cf. Pediatria).

       Nenhum destes preceitos é revelador de critérios morais ou deontológicos. Tão-pouco a delimitação do conteúdo funcional próprio do chefe de equipa manifesta significado ético, ao nível da consciência moral, capaz de prevalecer sobre a relação jurídica de emprego público, definida por lei ou por contrato.

       Aquilo que, do ponto de vista médico, deve considerar-se conveniente — boas práticas, leis da arte — não deve confundir-se com os princípios comportamentais do médico na sua relação com o doente ou com os outros profissionais, segundo a valoração concedida a certos bens eticamente valiosos: a vida, a lealdade, a liberdade ou a reserva de intimidade.

       Paradoxalmente, não é invocado como competência subjetiva nem objetiva o artigo 144.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, apesar de conter uma norma de competência para desenvolver regras deontológicas. Tão-pouco é estabelecida no projeto qualquer conexão com o Código Deontológico[31].

       IV.5. A bem dizer, o futuro regulamento sugere uma vinculação das unidades de urgência médica do SNS, própria dos regulamentos internos de administração hospitalar.

       É certo que nunca o afirmam expressamente, pois o projeto abstém-se de indicar qual o âmbito de aplicação do futuro regulamento, mas, na verdade, as referências múltiplas à estrutura e organização do Sistema Integrado de Urgência Médica, definidas no Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, apresentam um teor muito próximo daquilo que poderia constituir um diploma regulamentar do Governo a ser aplicado ao Serviço Nacional de Saúde.

       E a centralidade do SNS não decorre, simplesmente, das referências à tipologia dos SU.

       O critério da população servida ou domiciliada na área de influência do SU, usado para algumas especialidades médicas, o volume médio de atendimentos ou o número de doentes só podem compreender-se em função da universalidade e generalidade do SNS (artigo 64.º, n.º 2, alínea a), da Constituição).

       As unidades de saúde privadas ou do setor social que disponham de serviços de atendimento permanente, ou mesmo de serviços de urgência não obedecem à tipologia usada pelo SNS. Tão-pouco se prestam a uma diferenciação baseada nos mesmos dados estatísticos, precisamente por não prestarem um serviço universal, geral nem tendencialmente gratuito.

       Com efeito, o alcance do projeto para ser verdadeiramente indiferenciado — geral, numa palavra — haveria de usar critérios compatíveis com as diversas instituições de saúde privadas e com os profissionais em regime liberal, que completam, no território nacional, a oferta de cuidados de saúde, prestando os seus serviços à população, mediante tarifário estipulado livremente, ou através de acordos ou convenções com o SNS e com os vários subsistemas de saúde — públicos, sociais e privados[32].

       Aliás, em rigor, este nunca seria um projeto de regulamento nacional, nem sequer para os cuidados de saúde prestados pelo setor público, pois deixa de fora os serviços de saúde próprios das regiões autónomas[33].

       Por conseguinte, não é prematuro afirmar que o projeto de regulamento trazido a consulta não diz respeito ao exercício da profissão de médico, em geral, mas apenas aos cuidados de saúde urgentes, prestados em equipa, nas unidades do SNS e em regime de trabalho subordinado.

       IV.6. Se, do ponto de vista material, o projeto tende a constituir um regulamento de execução do Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, já do ponto de vista formal, a Ordem dos Médicos configura-o como um regulamento autónomo, ao invocar a competência da Assembleia de Representantes para «discutir e aprovar os regulamentos que lhe forem submetidos para apreciação pelo conselho nacional» (cf. artigo 49.º, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Médicos) e a competência do Conselho Nacional para elaborar os regulamentos de âmbito nacional da Ordem dos Médicos e de os submeter à aprovação da Assembleia de Representantes (cf. artigo 58.º, n.º 1, alínea j]).

       A competência objetiva, por sua vez, diz-se suportada nas atribuições da Ordem dos Médicos consignadas no artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b): «Regular o acesso e o exercício da profissão de médico», por um lado, e «Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes», por outro.

       A verdade é que atribuições e normas de habilitação regulamentar não formam uma equação.

       IV.7. Refira-se, por último, que, acerca da recusa a ordens e instruções concedidas aos profissionais médicos do SNS, respondeu o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos, que a legitimidade da desobediência se circunscreve aos comandos hierárquicos de cujo cumprimento possa decorrer a prática de crime.

       É, na verdade, o que admite o artigo 271.º, n.º 3, da Constituição: o dever de obediência cessa logo que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.

       Contudo, o exercício livre e independente da profissão médica nem sempre se coaduna com a subordinação hierárquica, o que pode gerar conflitos de deveres.

       IV.8. Sem prejuízo das considerações que antecipámos, as questões suscitadas pela consulta convocam-nos para a análise sucessiva de seis diferentes problemáticas à luz do direito positivo e da dogmática do direito administrativo:

              — O papel do regulamento enquanto fonte de direito e, ao mesmo tempo, produto da atividade administrativa na satisfação das necessidades coletivas incumbidas à administração pública, compreendendo os regulamentos da administração autónoma;

              — O lugar das associações públicas profissionais na organização administrativa, em especial, o poder regulamentar dos seus órgãos;

              — A Ordem dos Médicos, como associação pública profissional, os poderes regulamentares que lhe assistem;

              — A caracterização dos princípios e normas deontológicos;

              — O Serviço Nacional de Saúde, sua autonomia de organização e funcionamento, bem como a superintendência e a tutela administrativa exercidas pelo Ministro da Saúde;

              — O Serviço Integrado de Emergência Médica e, dentro deste, os Serviços de Urgência, sob a disciplina de um conjunto de regulamentos aprovados pelo Governo e que importa conhecer com alguma detenção.

       Em seguida, cuidaremos de confrontar e aplicar os elementos coligidos ao projeto de regulamento cuja apreciação nos é solicitada, individualizando e concretizando eventuais vícios das suas normas e que possam comprometer a sua validade ou a sua eficácia jurídica.

V

O regulamento administrativo.

       Começamos por demarcar o lugar que o regulamento possui na ordem jurídica, ao mesmo tempo que constitui uma forma da atividade administrativa.

       A norma regulamentar providencia pela satisfação de necessidades coletivas, ao mesmo tempo que cria direito, vinculando o seu autor.

       V.1. Embora nenhuma lei possa conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos (artigo 112.º, n.º 5, da Constituição) e apesar do caráter secundário ou acessório das normas produzidas pela administração pública, a atividade regulamentar não se limita à formulação de instruções restritas ao poder de direção sobre os subalternos.

       Os regulamentos internos que ordenam a organização e funcionamento dos serviços públicos, bem como os regimentos dos órgãos colegiais, apenas representam um domínio restrito da atividade regulamentar e que se estende por quase todos os setores e tarefas da administração pública: de fomento, de polícia e de prestação.

       Na verdade, o regulamento conhece na ordem jurídica muitas outras funções[34]: instrumento de dinamização da lei, vetor de autonomia administrativa (de desconcentração e de descentralização) e, não menos relevante, fator de abertura da administração pública ao pluralismo democrático.

       Descentralização administrativa e pluralismo democrático que, «sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela» (artigo 267.º, n.º 2, da Constituição), promovem e garantem formações organizadas segundo princípios democráticos, incumbidas de prosseguir importantes parcelas do interesse público, aprovando regulamentos autónomos, como é o caso das associações públicas (artigo 267.º, n.º 1) — nomeadamente, as ordens profissionais — mas também as universidades (artigo 76.º, n.º 2), as autarquias locais (artigo 65.º, n.º 4, e artigo 241.º) e, no seu expoente máximo — porque se eleva à autonomia política e legislativa — as regiões autónomas (artigo 227.º, n.º 1, alínea d]).

       O regulamento — ato jurídico-público contendo comandos gerais e abstratos, à semelhança da lei — revela-se um instrumento indispensável ao desempenho da função administrativa.

       É essa, porventura, a sua principal valia: produzir normas jurídicas, algumas com eficácia externa, diretamente ordenadas à satisfação das necessidades coletivas a cargo da administração pública.

       Eficácia externa que, não se confundindo com a força de lei[35] (artigo 112.º, n.º 5, da Constituição), conforma relações jurídicas na sociedade, obriga a administração pública, a começar pelo próprio órgão que aprova o regulamento, impedido de o derrogar singularmente, e vincula os tribunais na administração da justiça[36]

       Raramente as leis civis e comerciais precisam de execução ou complemento regulamentar. É a autonomia privada que o faz espontaneamente. Pelo contrário, as leis que moldam a atividade administrativa e financeira precisam, quase sempre, de um estrato normativo secundário, mais denso e mais próximo das diferentes morfologias setoriais, territoriais, populacionais ou até coletivas, como é o caso das profissões regulamentadas.

       Todavia, se o paradigma do regulamento é avistado na conformação de aspetos técnicos ou logísticos, de espaço e de tempo, de modo ou circunstância, que o legislador considerou sem interesse político, ele nem sempre se confina à execução das leis.

       Daí, a dicotomia que o artigo 112.º, n.º 7, da Constituição permite descortinar:

              «Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão».

       Regulamentos de execução de certas leis, por um lado, e regulamentos independentes, por outro[37].

       Estes, quando aprovados pelo Governo, tomam, necessariamente, a forma de decreto regulamentar (artigo 112.º, n.º 6). Por isso, em conformidade com a hábil solução compromissória delineada pelo poder constituinte, ficam sujeitos à promulgação ou veto do Presidente da República (artigo 134.º, alínea b), e artigo 136.º, n.º 4). Não, todavia, à fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigo 278.º, n.º 1) nem ao bloqueio parlamentar facultado pelo artigo 169.º (apreciação parlamentar de decretos-leis), precisamente, por traduzirem o exercício de uma competência administrativa governamental[38].

       Assim, apesar da ampla competência legislativa que assiste ao Governo (cf. artigo 198.º da Constituição), os seus regulamentos não se encontram circunscritos à boa execução das leis (artigo 199.º, alínea c]).

       A competência para «praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas» (artigo 199.º, alínea g]) manifesta-se em atos administrativos, porventura em contratos, mas também em regulamentos.

       Regulamentos indispensáveis a dar resposta às necessidades coletivas de bem-estar, segurança e cultura, seguindo o critério de DIOGO FREITAS DO AMARAL[39], uma vez que a administração da justiça, essa respeita exclusivamente aos tribunais (cf. artigo 202.º, n.º 1, da Constituição).

       Vale o que enunciámos para dizer que a função administrativa mostra, absolutamente, ser elemento constitutivo do regulamento[40], como frisava AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ[41], e como, de certo modo, resulta da definição que o Código do Procedimento Administrativo adotou:

«Artigo 135.º

(Conceito de regulamento administrativo)

              Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos».

       Apesar de a Constituição não consagrar — pelo menos, expressamente — nenhuma reserva de norma regulamentar[42], o regulamento encontra na nossa ordem constitucional um estatuto nada modesto.

       Com efeito, o regulamento só não pode surgir — pelo menos, com inovações significativas — nos domínios que a Constituição colocou sob a reserva de lei. Não somente de lei parlamentar, pois a reserva de lei não se mede pelas reservas de competência legislativa da Assembleia da República (v.g. artigos 164.º e 165.º). Reserva de lei é reserva de ato legislativo (lei, decreto-lei e decreto legislativo regional, em sintonia com o artigo 112.º, n.º 1).

       A reserva de lei pode assumir diversos contornos na sua revelação. Um deles — não decerto o mais evidente — encontra-se na relação entre a lei de bases e o decreto-lei de desenvolvimento (artigo 112.º, n.º 2) e tem em vista, justamente, encurtar a extensão do poder regulamentar.

       Ali onde a lei se circunscreveu aos princípios ou bases gerais de certo regime ou setor, a execução regulamentar não pode fazer-se sem um prévio desenvolvimento, operado, ainda, por ato legislativo[43]: o decreto-lei de desenvolvimento (artigo 198.º, n.º 1, alínea c]).

       Quer isto dizer que «as bases do serviço nacional de saúde», sob reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea f), da Constituição) não podem ser executadas por via regulamentar sem ter o Governo cumprido o desenvolvimento por decreto-lei (cf. artigo 198.º, n.º 1, alínea c]).

       Em todo o caso, no seu espaço próprio — fora da reserva de lei — a posição do regulamento na ordem jurídica é sempre inferior, sob pena de frustrar o princípio da legalidade, segundo o qual, toda a atividade administrativa (e não apenas o ato administrativo) encontra na lei o seu fundamento e limite de validade (artigo 266.º, n.º 2).

       Qualquer norma contida em ato legislativo (válido) prevalece sobre toda e qualquer norma regulamentar.

       Por isso, encontram-se constitucionalmente proibidos os regulamentos delegados[44] (artigo 112.º, n.º 5).

       Ainda que o legislador pretenda o contrário, a lei prevalece, porque regulamentar é administrar e, por conseguinte, a legalidade é condição de validade das normas administrativas (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição).

       Legalidade que, por vezes, se fica pela compatibilidade, em outras reclama uma estreita conformidade, num dualismo subtil que o enunciado do Código do Procedimento Administrativo permite observar:

«Artigo 3.º

(Princípio da legalidade)

              1 — Os órgãos da Administração Publica devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes foram conferidos e em conformidade com os respetivos fins.

              2 — Os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração».

       A prevalência tem como pressuposto a precedência de lei, conquanto esta, por vezes, se mostre reduzida a uma expressão elementar: a identificação da norma que consigna competência subjetiva (o poder de certo órgão aprovar normas regulamentares) e daquela que defere competência objetiva (o poder de certo órgão praticar atividade administrativa em certo domínio material, territorial, pessoal) ou, no caso dos regulamentos de execução, da lei a que concedem ou incrementam as condições de exequibilidade (artigo 112.º, n.º 7, da Constituição).

       Algo que o Código do Procedimento Administrativo refinou, do seguinte modo:

«Artigo 136.º

(Habilitação legal)

              1 — A emissão de regulamentos depende sempre de lei habilitante.

              2 — Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou, no caso de regulamentos independentes, as leis que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão.

              3 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se independentes os regulamentos que visam introduzir uma disciplina jurídica inovadora no âmbito das atribuições das entidades que os emitam.

              4 — Embora não tenham natureza regulamentar para efeitos do disposto no presente capítulo, carecem de lei habilitante quaisquer comunicações dos órgãos da Administração Pública que enunciem de modo orientador padrões de conduta na vida em sociedade com, entre outras, as denominações de “diretiva”, “recomendação”, “instruções”, “código de conduta” ou “manual de boas práticas”».

       E dizemos ter refinado, pois, o n.º 4, pese embora cuide de regulamentos em sentido impróprio — desprovidos de eficácia jurídica plena — exige que a produção de normas simplesmente orientadoras — frequentes na indicação de critérios de ética profissional ou para validar critérios técnicos ou científicos — obriga o órgão administrativo a fundear a sua aprovação em norma legislativa que o habilite.

       Os regulamentos podem, ainda, cuidar da boa execução de outros regulamentos, «num exercício de segundo grau do poder regulamentar» (PAULO OTERO[45]). Segundo grau do poder regulamentar que iremos encontrar na organização das urgências hospitalares do SNS[46].

       Apenas o regulamento interno dispensa norma habilitante. Ele encontra-se à margem do conceito de regulamento, para efeito de aplicação do Código do Procedimento Administrativo (cf. artigo 135.º) e, por outro lado, «todas as entidades públicas e todas as suas estruturas orgânicas possuem competência para, em nome da boa administração, emanar regulamentos internos[47]».

       V.2. Por fim — e de novo — a reserva de lei, surgida, historicamente, como baluarte contra normas gerais e abstratas, aprovadas pelo executivo, e que podiam minar as competências parlamentares, arrebatadas pelo triunfo do constitucionalismo.

       De certo modo, a reserva de lei surgiu como afirmação da legitimidade democrática soberana que faltava aos regulamentos dos ministros, dos estamentos e corporações ou às posturas municipais.

       O triunfo do liberalismo oitocentista e do princípio da separação de poderes, como circuito de interdependências cruzadas entre os órgãos do Estado, deparava, a cada instante, com o concurso do regulamento — contendo normas gerais e abstratas — à semelhança da lei, mas à margem das câmaras legislativas.

       Mesmo as conceções de monarquia limitada, típicas dos impérios centrais, em que subsistia a legitimidade própria do monarca, cuidaram de salvaguardar a função da lei parlamentar contra as incursões do rei e do seu governo em dois domínios sagrados para o liberalismo: a liberdade individual e a propriedade privada.

       O Estado Social, por um lado, e, por outro, o paulatino incremento de formas de administração autónoma — territorial e corporativa — legitimariam, já no século XX, o revigoramento do poder regulamentar, ora pela finalidade de realizar programas económicos e sociais, ora pelo princípio democrático participativo e descentralizador[48].

       O regulamento revelar-se-ia veículo de um pluralismo na ordem jurídica que o monismo da lei e da vontade geral vinham de erradicar. 

       No entanto, a disseminação de poderes regulamentares traz consigo uma crescente complexidade: o concurso de normas regulamentares, incompatíveis entre si, sem que os critérios da supremacia, da especialidade e da posterioridade temporal se mostrem aptos a oferecer soluções lineares[49].

       V.3. Se a Constituição de 1976 confia ao Governo «fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis» (artigo 199.º, alínea c]), e um amplo poder regulamentar aos órgãos de governo próprios das regiões autónomas (artigo 227.º, n.º 1, alínea d]), reconhece às autarquias locais um «poder regulamentar próprio» (artigo 241.º) em sintonia com os interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º, n.º 1) cuja amplitude não se divisa em mais nenhum ramo da administração autónoma.

       Aqui, porém, a Constituição delineou critérios de solução para a conflitualidade entre normas regulamentares, pois, com efeito, relativamente aos regulamentos municipais e das freguesias, determina o seguinte:

«Artigo 241.º

(Poder regulamentar)

              As autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar».

       Fora da reserva de lei e até onde as atribuições respetivas não comprometam o interesse nacional, nem os interesses regionais, os regulamentos dos municípios e das freguesias são autónomos. Não se limitam a executar ou complementar os atos legislativos que deles careçam.

       Todavia, além de subordinados à Constituição e à lei os regulamentos municipais têm ainda de conformar-se com os regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar[50]: o Governo da República e as regiões autónomas[51].

       Dir-se-ia, no entanto, que o Código do Procedimento Administrativo quebrara este primado, circunscrevendo-o:

«Artigo 138.º

(Relações entre regulamentos)

              1 — Os regulamentos governamentais, no domínio das atribuições concorrentes do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, prevalecem sobre os regulamentos regionais e autárquicos e das demais entidades dotadas de autonomia regulamentar, salvo se estes configurarem normas especiais.

              2 — Os regulamentos municipais prevalecem sobre os regulamentos das freguesias, salvo se estes configurarem normas especiais.

              3 – Entre os regulamentos governamentais estabelece-se a seguinte ordem de prevalência:

              a) Decretos regulamentares;

              b) Resoluções do Conselho de Ministros com conteúdo normativo;

              c) Portarias;

              d) Despachos».

       Ter-se-ia quebrado a proeminência, porque, em face do n.º 1, ficavam à margem os regulamentos aprovados fora do domínio das atribuições concorrentes[52]. Aí sem garantia de prevalência dos regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar, desvirtuando parcialmente a norma constitucional.

       A verdade, porém, é que, a contrario sensu, tais regulamentos pertencem às atribuições exclusivas do Estado ou de outra entidade com autonomia regulamentar. O primado decorre da competência.

       No primeiro caso, as normas regulamentares de uma associação pública, mais do que declinarem perante norma regulamentar do Governo serão inválidas por incompetência absoluta.

       No segundo — o de normas regulamentares de uma associação pública no domínio de atribuições exclusivas suas — das duas, uma: ou o regulamento do Governo é independente, tendo, assim, invadido as atribuições alheias, com a consequente nulidade das suas normas, ou o regulamento é de execução, caso em que a atribuição exclusiva da associação pública deixou de o ser, na medida em que certa lei confiou ao Governo a tarefa de a regulamentar.

       Por conseguinte, só os regulamentos independentes do Governo aprovados no domínio de atribuições exclusivas de pessoas coletivas públicas investidas de poder regulamentar cedem perante regulamentos destas entidades[53]

       Algo que não contraria o artigo 241.º da Constituição, no tocante às autarquias locais — e, por maioria de razão, aos demais setores da administração autónoma — na medida em que aquela norma constitucional, começa por referir-se aos limites decorrentes da Constituição e das leis.

       O Código do Procedimento Administrativo veio, assim, na condição de ato legislativo, determinar tais limites, ao atenuar a prevalência dos regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar que invadam atribuições exclusivas de entidades autónomas (por isso mesmo, já inválidos).

       A inovação reside na possibilidade de tais normas serem declinadas pela autarquia local ou pela associação pública, antes mesmo da declaração de ilegalidade. 

       

VI

Associações públicas e autonomia regulamentar.

       VI.1. Constitucionalmente reconhecido é ainda um considerável poder regulamentar autónomo às universidades públicas — pelo menos, no espaço da autonomia estatutária —, «a exercer nos termos da lei» (artigo 76.º, n.º 2, da Constituição).

       Não porém das associações públicas. Com efeito, o artigo 267.º, n.º 4, da Constituição revela-se inteiramente omisso a respeito do poder regulamentar das associações públicas:

              «As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos».

       E em nenhuma outra disposição constitucional se encontra previsto o poder de as associações públicas aprovarem regulamentos autónomos com eficácia externa.

       Não obstante, há um consenso doutrinário em torno da imbricação entre este setor da administração autónoma e a produção de normas gerais e abstratas que vinculem os membros inscritos ou candidatos à inscrição em cada uma das ordens profissionais, pois ali assenta a razão de ser dos seus poderes públicos[54]

       A produção de regulamentos autónomos pelas associações públicas profissionais é habitualmente apresentada como corolário do artigo 267.º, n.º 4, satisfazendo à necessidade de definir o modo como se acede e como devem ser exercidas cada uma das profissões com necessidades específicas, segundo os padrões técnicos e deontológicos em que os representantes da comunidade profissional se reveem.

       A designação dos titulares dos órgãos deliberativos das ordens profissionais por sufrágio eleitoral democrático conforta tal legitimidade com o «aprofundamento da democracia participativa» (cf. artigo 2.º da Constituição).

       VI.2. Não é de estranhar, pois, que a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, considere o poder regulamentar das associações públicas profissionais como seu elemento constitutivo:

«Artigo 2.º

(Associações públicas profissionais)

              Para efeitos da presente lei, consideram-se associações públicas profissionais as entidades públicas de estrutura associativa que devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por motivo do interesse público prosseguido».

       De acordo com tal definição, as necessidades específicas decorrem de profissões que justifiquem uma disciplina própria, relativamente:

              — Ao controlo do respetivo acesso e exercício;

              — À elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos; e,

              — A um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público prosseguido.

       Em parte, a razão de ser destas associações públicas radica na aprovação de regulamentos profissionais. Por um lado, regulamentos técnicos respeitantes ao exercício da profissão. Por outro, regulamentos deontológicos.

       Um Estado empenhado no aprofundamento da democracia participativa confia a regulamentação de certas profissões aos próprios profissionais, organizados colegialmente, em vez de, por avulso, encetar procedimentos de participação aptos a discernir um mínimo consenso deontológico entre os pares e identificar o acerto das práticas profissionais. 

       Tais organizações colegiais, por sua vez, exigem poderes e destes decorre alguma complexidade. Às associações públicas não lhes basta aprovar os regimentos dos órgãos colegiais e o regulamento dos seus próprios serviços administrativos e financeiros.

       Sem um mínimo de competências regulamentares externas (sobre os seus membros e candidatos a sê-lo), as associações públicas profissionais dificilmente poderiam satisfazer a necessidade coletiva de precisar o modo como se acede e como deve ser exercida cada uma das profissões e de como deve ser administrada a justiça disciplinar entre os pares.

       Dificilmente se reuniria de outro modo um necessário consenso, com um mínimo de estabilidade, em torno dos padrões técnicos e deontológicos que os representantes da comunidade profissional praticam convictamente.

       Em todo o caso, o acesso e exercício de cada uma das profissões reguladas, protegidos pela liberdade de profissão, consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, são tributários da reserva, precedência e prevalência da lei.

       Da liberdade profissão decorre, não apenas a proibição de restrições por regulamento (artigo 18.º, n.º 2), como também a necessidade de uma considerável margem de disciplina legislativa primária, reservada à Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea b])[55].

       Margem decerto mais densa e mais extensa para o acesso às profissões do que para o respetivo exercício[56], se tivermos presente a maior vulnerabilidade a que se expõe o primeiro e a amplitude técnica e deontológica a que se presta a conformação do segundo.

       E se os regimes disciplinares dos respetivos profissionais figuram no articulado dos estatutos ou em anexos, aí está a reserva de lei. Sem embargo, porém, de muitas das infrações previstas remeterem para o incumprimento de normas relativas ao exercício da profissão ou de princípios e regras de deontologia, reconhecidas segundo critérios democráticos.

       O princípio democrático a que obedece a designação dos titulares dos órgãos cimeiros das ordens profissionais não pode fazer esquecer, porém, o seu caráter autorreferencial.

       JORGE MIRANDA[57] retrata, de forma ímpar, este dualismo ontológico:

              «Não seremos nós a ignorar ou a negar a dialética que ocorre nas associações públicas entre a associação e o regime administrativo; entre o elemento pessoal do substrato e o elemento institucional das atribuições; entre a possibilidade de escolha dos meios e a fixidez (ou fixidez relativa) dos fins; entre um conteúdo essencial ou mínimo de liberdade, senão na formação, pelo menos na condução da associação, e a constante referência ao bem público.

              Todavia, reside aí justamente o cerne do conceito, aquilo que lhe confere irredutibilidade».

       Se a democracia interna conforta a legitimidade da associação profissional para governar com autonomia e autoridade pública o exercício de certa profissão, isso não faz do substrato pessoal associativo uma comunidade política. O interesse público não passa a ficar cativo do interesse coletivo.

       VI.3. Consequentemente, a Lei n.º 2/2013, de 10 de fevereiro, fixa a tais regulamentos um limite acrescido, conforme com o substrato associativo e corporativo das associações públicas profissionais:

«Artigo 17.º

(Poder regulamentar)

              1 — Os regulamentos das associações públicas profissionais aplicam-se aos seus membros e, bem assim, aos candidatos ao exercício da profissão.

              (…)».

       Ao contrário dos regulamentos municipais, cuja aplicação se faz segundo um princípio territorial[58], os regulamentos de cada ordem profissional só se aplicam aos profissionais respetivos, aos candidatos à profissão e apenas nessa estrita qualidade ou estatuto (artigo 17.º, n.º 1).

       Além disso, os regulamentos das associações públicas profissionais não podem beneficiar de uma margem de autonomia mais extensa do que a do regulamento autónomo municipal, uma vez que este é o regulamento autónomo, por excelência, radicado em interesses próprios de uma população (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição).

       Devem conformar-se, de igual modo, com os regulamentos emanados do Governo[59]: órgão que exerce poder tutelar sobre as associações públicas profissionais, nos termos da Lei n.º 2/2013, de 10 de fevereiro.

       As associações públicas profissionais encontram-se «sujeitas a tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo sobre a administração autónoma territorial» (artigo 45.º, n.º 2), sem prejuízo de casos expressamente previstos na lei de tutela de mérito[60] (n.º 1).

       Por isso, alguns regulamentos das associações públicas profissionais encontram-se sujeitos a tutela integrativa, permitindo ao ministro competente impedir que entrem em vigor se ali encontrar desconformidade ou incompatibilidade com o bloco de legalidade (cf. n.º 5 do artigo 45): os regulamentos que versem sobre os estágios profissionais, as provas profissionais de acesso à profissão e as especialidades profissionais.

VII

A autonomia regulamentar da Ordem dos Médicos.

       VII.1. Aquilo que vimos de recensear vale plenamente em relação à Ordem dos Médicos[61], enquanto associação pública profissional, sob o regime da Lei n.º 2/2013, de 10 de fevereiro.      

       O associativismo particular dos profissionais médicos remonta à Associação dos Médicos Portugueses, fundada em 1898, conquanto a Real Escola de Cirurgia de Lisboa, instituída em 1826, já viesse congregando os médicos nacionais.

       A Caixa de Previdência dos Médicos Portugueses deve-se ao Decreto n.º 11 487, de 8 de março de 1926, e, através do Decreto-Lei n.º 29 171, de 24 de novembro de 1938, o Governo instituía o Sindicato dos Médicos sob a designação Ordem dos Médicos, como «organismo de utilidade pública» (cf. artigo 3.º), de inscrição obrigatória para o exercício da medicina (cf. artigo 7.º).

       Eximindo-se a obter o acordo da Ordem dos Médicos, o Governo revogaria o Estatuto, substituindo-o pelo Decreto-Lei n.º 40 651, de 21 de junho de 1956, o qual se aplicaria, sem alterações, até à publicação do Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, que consigna, com as modificações veiculadas pelo Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto, e pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, o atual Estatuto da Ordem dos Médicos.

       A Ordem dos Médicos é a associação pública profissional representativa dos licenciados em Ciências Médicas que, em conformidade com os preceitos estatutários e as demais disposições aplicáveis, exercem a profissão de médico (artigo 1.º, n.º 1).

       O conhecimento das suas atribuições é tão mais relevante quanto as associações públicas profissionais — como a generalidade das pessoas coletivas — obedece a um princípio de especialidade, no que diz respeito à sua atividade (artigo 6.º).

       Se a capacidade jurídica compreende a prática de todos os atos jurídicos, o gozo de todos os direitos e a sujeição a todas obrigações necessárias «à prossecução dos respetivos fins e atribuições», o critério da necessidade produz uma limitação negativa: não mais do que a capacidade jurídica necessária (artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

       O uso dos seus poderes, quando praticado ultra vires, importa a invalidade dos atos, até porque o princípio de especialidade não se substitui — antes se coordena com — o princípio da legalidade administrativa, de modo que a conformidade com a lei é fundamento e limite de cada um dos atos praticados pelos seus órgãos, dos regulamentos aprovados e dos contratos administrativos outorgados.

       VITAL MOREIRA[62] faz notar, sagazmente, que, a bem dizer, o princípio da especialidade, quando aplicado às pessoas coletivas públicas, não é mais do que o princípio da legalidade administrativa. Se as pessoas coletivas privadas encontram na lei apenas um limite, já as pessoas coletivas públicas devem à lei o fundamento de todos os seus atos, em todos os seus elementos vinculados.

       Por isso, a validade de um regulamento da Ordem dos Médicos começa por depender não só da conformidade aparente com as suas atribuições, mas também de um juízo de necessidade.

       VII.2. O enunciado das atribuições de uma pessoa coletiva pública constitui uma relação funcional entre a toda a sua atividade administrativa e a medida do interesse público que lhe cumpre prosseguir.

       É a boa prossecução de tais parcelas — ou fins, quando vistos de outra perspetiva — que justifica a personalidade jurídica de direito público[63] e, ao mesmo tempo, põe em marcha o princípio da especialidade.

       As normas regulamentares que produz têm, ainda, de conformar-se com a distribuição de competências entre os seus órgãos, com o fim ínsito à norma que concretiza o poder normativo, com requisitos de forma e de procedimento e com todas as prescrições constitucionais, legais e regulamentares que ocupem uma posição de superioridade na ordem jurídica.

       Passemos em revista as atribuições da Ordem dos Médicos para, em seguida, as conjugarmos com as competências regulamentares dos seus órgãos:

«Artigo 3.º

(Atribuições)

              1 — São atribuições da Ordem:

              a) Regular o acesso e o exercício da profissão de médico;

              b) Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes;

              c) Representar e defender os interesses gerais da profissão;

              d) Conceder o título profissional e os títulos de especialização profissional;

              e) Atribuir prémios ou títulos honoríficos;

              f) Elaborar e atualizar o registo profissional;

              g) Exercer o poder disciplinar sobre os médicos, nos termos do presente Estatuto;

              h) Prestar serviços aos médicos, no que respeita ao exercício profissional, designadamente em relação à informação e à formação profissional;

              i) Colaborar com as demais entidades da Administração Pública nas questões de interesse público relacionadas com a profissão médica;

              j) Participar na elaboração da legislação que diga respeito ao acesso e exercício da profissão médica;

              k) Participar nos processos oficiais de acreditação e na avaliação dos cursos que dão acesso à profissão médica;

              l) Reconhecer as qualificações profissionais obtidas fora do território nacional, nos termos da lei, do direito da União Europeia ou de convenção internacional;

              m) Organizar eventos de caráter científico, cultural e recreativo;

              n) Atribuir prestações de solidariedade aos médicos carenciados, através do Fundo de Solidariedade;

              o) Prosseguir quaisquer outras que lhe sejam cometidas por lei.

              2 — A Ordem está impedida de exercer ou de participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros».

       O projeto do regulamento denominado Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência invoca como habilitação regulamentar as duas primeiras atribuições: «a) Regular o acesso e o exercício da profissão de médico; b) Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes».

       Uma e outra revelam diferenças de monta, que, literalmente, se observam no infinitivo dos verbos regular e contribuir.

       A primeira respeita ao âmbito pessoal da Ordem dos Médicos: o acesso à profissão e o seu exercício, excluídas as relações económicas ou profissionais dos médicos (artigo 3.º, n.º 2).

       A segunda é uma atribuição ad extram, voltada para a comunidade nacional e que, ilustrando o papel insubstituível da profissão de médico na proteção da vida, da integridade física e moral e na promoção da saúde, concorre, de modo muito notório, com as atribuições de outras pessoas coletivas públicas, a começar pelo Estado e pela administração estadual indireta com atribuições de saúde.

       A regulação do acesso e do exercício da profissão permite descortinar um poder regulamentar, que os órgãos próprios da Ordem dos Médicos exercem em estrita conformidade com a lei, mas, pelo contrário, a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes surge como contributo da Ordem dos Médicos, o que inculca uma posição acessória no contexto das atribuições do Estado, das regiões autónomas e das administrações indiretas respetivas.

       De resto, outras atribuições apresentam-se recortadas com o mesmo intuito do legislador: «Colaborar com as demais entidades da Administração Pública nas questões de interesse público relacionadas com a profissão médica» (artigo 3.º, n.º 1, alínea i]); «Participar na elaboração da legislação que diga respeito ao acesso e exercício da profissão médica» (alínea j]); «Participar nos processos oficiais de acreditação e na avaliação dos cursos que dão acesso à profissão médica» (alínea k]).

       VII.3. Se é certo que o Estado não pode prestar cuidados de saúde sem profissionais médicos, não é menos certo que o exercício da medicina é praticado em serviços públicos, coordenado com o exercício de outras profissões ordenadas à saúde e bem-estar, apoiado por instalações, equipamentos e recursos financeiros públicos.

       O profissional médico e a sua atividade não se esgotam na condição de membro inscrito na respetiva ordem profissional. O médico quando se apresenta como prestador de serviço público, como prestador de trabalho, é sujeito de relações jurídicas alheias às atribuições da Ordem dos Médicos; do interesse, contudo, das associações sindicais.

       A missão de contributo para a defesa da saúde e para a defesa dos direitos dos doentes não sugere, à partida, competências regulamentares próprias. Antes aponta preferencialmente para a participação na formação dos regulamentos do Governo em que o contributo médico se mostre pertinente.

       Importa confirmá-lo e, por outro lado, recensear as competências regulamentares atinentes ao exercício da profissão médica.

       O artigo 58.º, n.º 1, alínea j), confere ao Conselho Nacional o poder de «Elaborar os regulamentos de âmbito nacional da Ordem e submetê-los à aprovação da assembleia de representantes». E, correspetivamente, o artigo 49.º, alínea b), dá resposta a esse poder de iniciativa, ao dispor que compete à Assembleia de Representantes «Discutir e aprovar os regulamentos que lhe forem submetidos para apreciação pelo conselho nacional».

       Não quer isto dizer, porém, que todo e qualquer regulamento teleologicamente ordenado às atribuições da Ordem dos Médicos seja comportado por tais normas, uma vez que o Estatuto aponta inequivocamente para a tipicidade dos regulamentos:

«Artigo 4.º

(Autonomia administrativa)

              1 — A Ordem, no exercício dos seus poderes públicos, pratica os atos administrativos necessários à prossecução das suas atribuições e aprova os regulamentos previstos na lei e no presente Estatuto.

              2 — Ressalvados os casos previstos na lei, os atos e os regulamentos da Ordem não estão sujeitos a aprovação governamental».

       Dispor que a Ordem dos Médicos aprova os regulamentos previstos na lei e no seu Estatuto significa, à luz do princípio da competência, estar incumbida de aprovar os regulamentos previstos na lei e no Estatuto e não poder aprovar outros regulamentos senão estes.       

       Ao percorrermos o Estatuto da Ordem dos Médicos, encontramos previstos os regulamentos seguintes:

              — As normas técnicas aplicáveis aos profissionais médicos (artigo 7.º, alínea b]);

              — O regulamento eleitoral, aprovado pelo Conselho Geral (artigo 14.º);

              — O regulamento geral da Ordem dos Médicos, aprovado pela Assembleia de Representantes, e que, entre outros aspetos, fixa as remunerações dos titulares de cargos executivos (artigo 19.º);

              — Os regulamentos internos dos conselhos regionais (artigo 38.º, n.º 1, alínea m]);

              — As normas técnicas, normas de orientação clínica e outras normas de caráter indicativo oriundas dos conselhos nacionais consultivos e dos colégios da especialidade, cuja aprovação compete ao Conselho Nacional (artigo 58.º, n.º 1, alínea s]);

              — Os regulamentos internos dos colégios da especialidade, a propor ao Conselho Nacional (artigo 72.º, alínea i]);

              — O regulamento de recertificação dos médicos, da iniciativa do Conselho Nacional para a formação profissional contínua (artigo 81.º, alínea a]);

              — O regulamento do Fundo de Solidariedade (artigo 94.º, n.º 2);

              — O regulamento de inscrição na Ordem dos Médicos (artigo 102.º, n.º 1, alínea e) e artigo 123.º, n.º 2);

              — O regulamento de licenças temporárias (artigo 131.º, n.º 2);

              — O Código Deontológico, a aprovar pela Assembleia de Representantes (artigo 144.º).

       Isto, sem prejuízo de outras incumbências regulamentares da Ordem dos Médicos, previstas em legislação setorial da saúde[64].

       É útil estabelecer entre os regulamentos da Ordem dos Médicos algumas classificações.

       Assim, por um lado, preveem-se regulamentos puramente internos e, por outro, regulamentos com eficácia externa, na linha do conceito de regulamento usado pelo Código do Procedimento Administrativo (artigo 135.º). Eficácia externa contida ao substrato associativo (artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

       Quanto ao âmbito territorial, encontramos regulamentos regionais e regulamentos nacionais.

       Por fim, quanto ao valor jurídico, regulamentos vinculativos e regulamentos ordenadores ou indicativos.

       A estes últimos refere-se o já mencionado artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, nos termos que recapitulamos:

              «Embora não tenham natureza regulamentar para efeitos do disposto no presente capítulo, carecem de lei habilitante quaisquer comunicações dos órgãos da Administração Pública que enunciem de modo orientador padrões de conduta na vida em sociedade com, entre outras, as denominações de “diretiva”, “recomendação”, “instruções”, “código de conduta” ou “manual de boas práticas”».

       Estas comunicações são, no dizer de RUI MACHETE[65], «formulações da chamada soft law, indicando condutas, de que a administração não deve afastar-se sem fundamentos ponderosos, sob pena de cometer violações de boa-fé, geradoras de responsabilidade civil».

       A função que desempenham — no exercício de poderes discricionários e na interpretação de conceitos indeterminados — levou o legislador a exigir-lhes lei habilitante, de modo a conter a proliferação desregrada de orientações com esta natureza por parte de órgãos e serviços da administração pública.

       A valorização de indicações técnicas e boas práticas profissionais encontra-se na raiz das associações públicas profissionais. A referência que lhe faz o artigo 2.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, confere-lhes um papel constitutivo.

       Tais orientações, porém, não devem ser confundidas com os princípios e regras de deontologia que cada profissão vai praticando reiteradamente e, por vezes, codificando.

VIII

Normas técnicas e deontologia da profissão médica.

       VIII.1. Deparámos, no precedente excurso pelas competências regulamentares da Ordem dos Médicos com o desenvolvimento de princípios e regras deontológicos, cuja codificação compete à Assembleia de Representantes (artigo 144.º do Estatuto).

       Tal competência surge no termo de um conjunto de preceitos do Estatuto da Ordem dos Médicos que revelam critérios de comportamento dos médicos com uma forte raiz ética (artigos 135.º a 143.º).

       E, com efeito, a Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos aprovou um Regulamento de Deontologia Médica, em 20 de maio de 2016, que compilou os princípios e regras deontológicos da profissão médica, sob a designação Código Deontológico.

       Pode ler-se no seu preâmbulo o seguinte:

              «O Código Deontológico da Ordem dos Médicos é um conjunto de normas de comportamento que serve de orientação nos diferentes aspetos das relações humanas que se estabelecem no decurso do exercício profissional da medicina.

              As condutas que o Código estabelece são condicionadas pela informação científica disponível, pelas recomendações da Ordem que, por seu lado, estão balizadas pelos princípios éticos fundamentais que constituem os pilares da profissão médica.

              Um Código Deontológico, para plasmar em cada realidade temporal os valores da Ética Médica que lhe dá origem, é algo em permanente evolução, atualização e adaptação. Por outro lado, inscrevendo-se o Código Deontológico no acervo jurídico da sociedade, e retirando a sua força vinculativa da autorregulação outorgada à Ordem dos Médicos, integra-se no quadro legislativo geral.

              Nas normas do presente Código foram consagradas as regras deontológicas fundamentais, atualizando-se aspetos relacionados com os conhecimentos atuais da ciência médica e procurando-se encontrar as soluções bioéticas mais consonantes com o estado da arte».

       Se os princípios e regras deontológicos são portadores de um quadro axiológico, por outro lado, carecem de uma aceitação reiterada que lhes confere a natureza de usos, não raro, adquirindo convicção de juridicidade.

       Neste sentido, o conceito de deontologia médica do Código aponta para um caráter de permanência:

«Artigo 1.º

(Deontologia médica)

              A Deontologia Médica é o conjunto de regras de natureza ética que, com caráter de permanência e a necessária adequação histórica, o médico deve observar no exercício da sua atividade profissional».

       Para se reconhecer uma regra ou princípio deontológico, não basta divisar-lhe um fundo moral. É preciso que ela sirva reiteradamente de critério, reflexo de um consenso amplo em torno da sua validade e que se mostre compatível com a lei.

       Acompanhamos a observação de SANDRA PASSINHAS[66], quando escreve:

              «O Código Deontológico dos Médicos parte da legislação em vigor, das normas aprovadas de acordo com as regras da legitimidade democrática, mas acrescenta-lhe uma dimensão ética, que deve permear o desenvolvimento de toda a sua atividade».

       De igual modo, podemos observar no conceito que o destinatário das regras deontológicas é o profissional médico; não o administrador hospitalar.

        

       VIII.2. Os princípios e regras deontológicos confluem num ponto com as normas técnicas da arte, com as boas práticas ou leges artis: o profissional médico deve exercer «em condições que não prejudiquem a qualidade dos seus serviços e a especificidade da sua ação, não aceitando situações de interferência externa que lhe cerceiem a liberdade de fazer juízos clínicos e éticos e de atuar em conformidade com as leges artis» (artigo 8.º, n.º 1, do Código Deontológico); o médico deve exercer a sua profissão de acordo com as leges artis com o maior respeito pelo direito à saúde das pessoas e da comunidade (artigo 135.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Médicos, e artigo 4.º, n.º 1, do Código Deontológico).

       Umas e outras não se confundem, como deixa bem claro o citado preceito, apartando duas categorias de referências para o médico: a liberdade de fazer juízos clínicos e éticos; a conformidade com as boas práticas.

       Tão-pouco o dever deontológico de seguir as boas práticas da profissão convola essas mesmas boas práticas em normas deontológicas[67].

       No plano ético é a consciência do médico a determinar os seus juízos, como recorda o Código Deontológico:

«Artigo 7.º

(Isenção e liberdade profissionais)

              1 — O médico só deve tomar decisões ditadas pela ciência e pela sua consciência.

              2 — O médico tem liberdade de escolha de meios de diagnóstico e terapêutica, devendo, porém, abster-se de prescrever desnecessariamente exames ou tratamentos onerosos ou de realizar atos médicos supérfluos».

       As prescrições éticas ressoam na consciência moral e o seu cumprimento, ainda que possa ser induzido pelo temor da reprovação corporativa, obedece a uma motivação interior[68].

       As normas técnicas, ao invés, são axiologicamente neutras. A sua autoridade é aquela que a validação científica lhes confere. Ainda que importem opções — por isso se fala de discricionariedade técnica — a ponderação nada deve à consciência moral. Aqui, o médico apela à sabedoria: por outras palavras, aos conhecimentos teóricos adquiridos e aos frutos da experiência profissional. Numa palavra, à sua ciência.

       «O dever, que está ínsito na formulação das leis técnicas» — ensina JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO[69] — pode induzir a pensar que estas são ainda leis éticas, por exprimirem um dever ser. Mas não é assim. A eticidade não se satisfaz com uma referência formal a um dever, antes tem de traduzir-se numa qualquer forma de imperatividade. Ora as leis técnicas não têm imperatividade: a sua própria formulação condicional o demonstra, pois se começa sempre por “se queres”(X). Caso o sujeito não queira obter aquele resultado, não violou nenhum dever».

       VIII.3. O Código Deontológico[70], no artigo 6.º, n.º 1, dispõe que o médico, no exercício da profissão é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus atos, acrescentando o n.º 2 que, «em caso algum […] pode ser subordinado à orientação técnica e deontológica de estranhos à profissão médica no exercício das funções clínicas».

       Tais garantias, contudo, não impedem o exercício da medicina em regime de trabalho subordinado.

       Por isso, o mesmo artigo 6.º, no seu n.º 3, vem esclarecer que ao médico é lícito obedecer a ordens e instruções técnicas dos superiores hierárquicos, em conformidade com a lei ou com o contrato de trabalho. E, conquanto não possa, em nenhum caso, ser constrangido a praticar atos médicos contra a sua vontade, o citado preceito deontológico, ressalva as situações de urgência.

       Até porque a recusa de auxílio médico é criminalmente ilícita, nos seguintes termos do Código Penal[71]:

«Artigo 284.º

(Recusa de médico)

              O médico que recusar o auxílio da sua profissão em caso de perigo para a vida ou de perigo grave para a integridade física de outra pessoa, que não possa ser removido de outra maneira, é punido com pena de prisão até 5 anos».

       E mesmo fora de situações de perigo grave, a licitude da recusa de prestação de cuidados de saúde, em regime de trabalho subordinado, circunscreve-se a casos bem demarcados:

              — A objeção de consciência (artigo 12.º do Código Deontológico e artigo 138.º do Estatuto), que, ainda assim, não pode ser invocada «em situação urgente e que implique perigo de vida ou grave, se não houver outro médico disponível a quem o doente possa recorrer» (cf. n.º 3), e,

              — A objeção técnica devidamente fundamentada, pressupondo o constrangimento a praticar ou deixar de praticar atos médicos contrários à sua convicção técnica, e aos casos enunciados como direito de recusa de assistência (artigo 13.º).

       E, não obstante o Código Deontológico consignar um outro direito de recusa, com maior latitude, o seu exercício confina-se ao exercício liberal da atividade:

«Artigo 16.º

(Direito de recusa de assistência)

              1 — O médico pode recusar-se a prestar assistência a um doente, exceto quando este se encontrar em perigo iminente de vida ou não existir outro médico com a qualificação adequada a quem o doente possa recorrer.

              2 — O médico pode recusar continuar a prestar assistência a um doente, quando se verifique, cumulativamente, os seguintes requisitos:

              a) Não haja prejuízo para o doente, por lhe ser possível assegurar assistência por médico com qualificação adequada;

              b) O médico forneça os esclarecimentos necessários para a regular continuidade do tratamento;

              c) O médico advirta o doente ou a família com a antecedência necessária a assegurar a substituição.

              3 — A incapacidade para controlar a doença não justifica o abandono do doente».

       Tal direito não prevalece sobre o dever de obediência a ordem legítima do superior hierárquico, a menos que a lei ou o contrato reconheçam ao médico a possibilidade de escolher ad nutum os doentes a quem presta assistência.

IX

O Serviço Nacional de Saúde.

       IX.1. A garantia de um serviço nacional de saúde universal, geral e tendencialmente gratuito constitui a pedra angular do direito fundamental de proteção e promoção da saúde, como resulta das três referências que o preceito constitucional lhe dedica[72]:

«Artigo 64.º

(Saúde)

              1 — Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.

              2 — O direito à proteção da saúde é realizado:

              a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;

              b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.

              3 — Para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

              a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

              b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;

              c) Orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;

              d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;

              e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;

              f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.

              4 — O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.»

Nas palavras de LICÍNIO LOPES[73], «o Estado não tem apenas uma responsabilidade na definição da política nacional de saúde, mas também, e em primeira linha, uma responsabilidade direta de execução».

       IX.2. Se à Ordem dos Médicos é atribuída a missão de contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos (artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto), é ao Estado que compete prioritariamente «garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação» (artigo 64.º, n.º 3, alínea a), da Constituição), como também lhe cumpre «garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde» (cf. alínea b]).

       Por conseguinte, a garantia de um serviço nacional de saúde universal, geral e tendencialmente gratuito (tendo em conta as condições económicas e sociais dos utentes) constitui incumbência prioritária do Estado (artigo 64.º, n.º 2 e n.º 3, da Constituição), sem prejuízo da «gestão descentralizada e participada» que as condições propiciem (n.º 4).

       É este último vetor aquele que corresponde à intervenção das associações públicas profissionais na administração do SNS: o vetor participação.

       O artigo 267.º, n.º 1, da Constituição conjuga estreitamente as associações públicas com a participação:

              «A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática».

       A marca descentralizada[74] e participada que o artigo 64.º, n.º 4, da Constituição consigna à gestão do SNS não perde de vista que é do Governo a competência para conduzir a política geral do país e preservar a unidade da administração pública, enquanto seu órgão superior (artigo 182.º da Constituição).

       O Serviço Nacional de Saúde[75] observa o referido desiderato descentralizador de acordo com as opções que, em cada conjuntura, o legislador adote, mas nem por isso deve ver comprometida a unidade necessária a toda a atividade administrativa (artigo 267.º, n.º 2, da Constituição).

       IX.3. Como não podia deixar de ser, a Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro) confere ao Serviço Nacional um papel ancilar na promoção e garantia do direito à proteção da saúde. Fundamental, mas não único.

       Assim, pode ler-se na Base 1-4:

              «O Estado promove e garante o direito à proteção da saúde através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dos Serviços Regionais de Saúde e de outras instituições públicas, centrais, regionais e locais».

       Tal enunciado adquire um significado mais claro por via da contraposição entre o Sistema de Saúde — conceito mais amplo — e o Serviço Nacional de Saúde:

«Base 19

(Sistema de Saúde)

              1 — O funcionamento do sistema de saúde não pode pôr em causa o papel central do SNS enquanto garante do cumprimento do direito à saúde.

              2 — A lei prevê os requisitos para a abertura, modificação e funcionamento dos estabelecimentos que prestem cuidados de saúde, independentemente da sua natureza jurídica ou do seu titular, com vista a garantir a qualidade e segurança necessárias».

       Todos têm direito a «intervir nos processos de tomada de decisão em saúde e na gestão participada das instituições do SNS (Base 2-1, alínea j]), individualmente ou por meio de entidades que constituam para as representar e defender os seus direitos e interesses, nomeadamente as denominadas ligas de amigos e as associações de promoção da saúde e de prevenção da doença (alínea k]).

       Cuida-se, a título especial da participação na Base 5, reiterando que ela pode ser praticada individualmente ou por associações constituídas para esse efeito (n.º 2).

       Já os sistemas locais de saúde parecem ir ao encontro do programa descentralizador, concretizado pelo quadro da transferência de atribuições e competências do Estado para as autarquias locais[76]:

«Base 9

(Sistemas locais de saúde)

              Aos sistemas locais de saúde, constituídos pelos serviços e estabelecimentos do SNS e demais instituições públicas com intervenção direta ou indireta na saúde, cabe assegurar, no âmbito da respetiva área geográfica, a promoção da saúde, a continuidade da prestação dos cuidados e a racionalização da utilização dos recursos».

       Para esse efeito, cumpre às autarquias locais acompanharem, em especial, os cuidados de proximidade e os cuidados de continuidade, o planeamento da rede de estabelecimentos e participarem nos órgãos consultivos e de avaliação do sistema de saúde (Base 8-2).

       A Lei de Bases da Saúde não deixou por definir o SNS:

«Base 20

(Serviço Nacional de Saúde)

              1 — O SNS é o conjunto organizado e articulado de estabelecimentos e serviços públicos prestadores de cuidados de saúde, dirigido pelo ministério responsável pela área da saúde, que efetiva a responsabilidade que cabe ao Estado na proteção da saúde.

              (…)».

       No teor desta disposição, ressalta uma função diretiva do Ministério da Saúde e dos institutos públicos que compõem a sua administração indireta. Função diretiva que, relativamente à administração indireta, deve ser entendida como direção política[77], sob pena de inculcar, indevidamente, a ideia de uma relação hierárquica que o artigo 199.º, alínea d), da Constituição não consente.

       Beneficiários do SNS são os portugueses, todos os portugueses — sem exclusão dos portugueses no estrangeiro quando se encontrem em território nacional —, mas também quaisquer outras pessoas que residam no território nacional de forma permanente ou aqui se encontrem em estada ou residência temporária, contanto que «sejam nacionais de Estados Membros da União Europeia ou equiparados, nacionais de países terceiros ou apátridas, requerentes de proteção internacional e migrantes com ou sem a respetiva situação legalizada, nos termos do regime jurídico aplicável» (Base 21-1).

       Por seu turno, em matéria de organização e funcionamento do SNS, a Lei de Bases assentou no seguinte:

«Base 22

(Organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde)

              1 — A lei regula a organização e o funcionamento do SNS e a natureza jurídica dos vários estabelecimentos e serviços prestadores que o integram, devendo o Estado assegurar os recursos necessários à efetivação do direito à proteção da saúde.

              2 — A organização e funcionamento do SNS sustenta-se em diferentes níveis de cuidados e tipologias das unidades de saúde, que trabalham de forma articulada, integrada e intersectorial.

              3 — A organização interna dos estabelecimentos e serviços do SNS deve basear-se em modelos que privilegiam a autonomia de gestão, os níveis intermédios de responsabilidade e o trabalho de equipa.

              4 — O funcionamento dos estabelecimentos e serviços do SNS deve apoiar-se em instrumentos e técnicas de planeamento, gestão e avaliação que garantam que é retirado o maior proveito, socialmente útil, dos recursos públicos que lhe são alocados.

              5 — O funcionamento do SNS sustenta-se numa força de trabalho planeada e organizada de modo a satisfazer as necessidades assistenciais da população, em termos de disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade, evoluindo progressivamente para a criação de mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas, estruturadas em carreiras, devendo ser garantidas condições e ambientes de trabalho promotores de satisfação e desenvolvimento profissionais e da conciliação da vida profissional, pessoal e familiar.

              6 — Ao SNS incumbe promover, nos seus estabelecimentos e serviços e consoante a respetiva missão, as condições adequadas ao desenvolvimento de atividades de ensino e de investigação clínica».

       Na disciplina geral da organização e funcionamento (Base 22) importa reter duas referências significativas para a economia do parecer: o trabalho em equipa e a autonomia de gestão do SNS, ou melhor, dos institutos públicos e entidades públicas empresariais que o integram.

       A respeito dos profissionais de saúde, a Base 28-2 vem recordar a relevante função social que desempenham, assim como a sujeição a deveres éticos e deontológicos «acrescidos».

       Inseridos em carreiras, os profissionais de saúde do SNS têm o direito e o dever de «exercer a sua atividade de acordo com a leges artis e com as regras deontológicas» (Base 28-4).

       A Lei de Bases prossegue com as coordenadas elementares do seu estatuto:

«Base 29

(Profissionais do SNS)

              1 — Todos os profissionais de saúde que trabalham no SNS têm direito a uma carreira profissional que reconheça a sua diferenciação na área da saúde.

              2 — O Estado deve promover uma política de recursos humanos que garanta:

              a) A estabilidade do vínculo aos profissionais;

              b) O combate à precariedade e à existência de trabalhadores sem vínculo.

              c) O trabalho em equipa, multidisciplinar e de complementaridade entre os diferentes profissionais de saúde;

              d) A formação profissional contínua e permanente dos seus profissionais.

              3 — O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize a dedicação plena como regime de trabalho dos profissionais do SNS, podendo, para isso, estabelecer incentivos».

       Ressalta do n.º 2, alínea c), uma vez mais, a valorização do trabalho em equipa como marca distintiva do SNS, mas ressalta, de igual modo, que é ao Estado que cumpre promover políticas de recursos humanos que garantam «o trabalho em equipa, multidisciplinar e de complementaridade entre os diferentes profissionais de saúde».

       IX.4. Instituído o SNS pela Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, o seu Estatuto veio a ser aprovado pela Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro[78].

       O SNS é definido no artigo 1.º do Estatuto como «um conjunto ordenado e hierarquizado de instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, funcionando sob a superintendência ou a tutela do Ministro da Saúde».

       Organiza-se em cinco regiões, cada qual com a sua Administração Regional de Saúde, IP, repartidas estas por sub-regiões, correspondentes aos 18 distritos do território continental.

       O artigo 18.º, n.º 1, manda aplicar ao pessoal do SNS o regime que hoje corresponde à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas[79], embora com as adaptações previstas no próprio Estatuto e em legislação especial.

       Contudo, esta norma mostra-se de reduzido âmbito, dirigindo-se aos trabalhadores que prestam serviço em hospitais que permanecem no setor público administrativo, pois os trabalhadores das E.P.E. do SNS «estão sujeitos ao contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho», sem prejuízo dos regimes próprios das carreiras de profissões de saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos» (artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro[80]).

       Legislação especial que, nos termos do n.º 2, «pode estatuir sobre carreiras próprias, duração dos períodos de trabalho, defesa contra os riscos do exercício profissional e garantia de independência técnica e científica quanto a profissionais que prestam cuidados diretos».

       Os serviços de urgência são mencionados a respeito da organização do tempo de trabalho:

«Artigo 22.º-B

              (Organização do tempo de trabalho no âmbito do Serviço Nacional de Saúde)

              1 — A realização de trabalho suplementar ou extraordinário no âmbito do SNS não está sujeita a limites máximos quando seja necessária ao funcionamento de serviços de urgência ou de atendimento permanente, não podendo os trabalhadores realizar mais de 48 horas por semana, incluindo trabalho suplementar ou extraordinário, num período de referência de seis meses.

              2 — A prestação de trabalho suplementar ou extraordinário e noturno deve, sem prejuízo do cumprimento do período normal de trabalho, garantir o descanso entre jornadas de trabalho, de modo a proporcionar a necessária segurança do doente e do profissional na prestação de cuidados de saúde».

       A gestão de instituições e serviços do SNS chegou a poder ser confiada a grupos de médicos por convenção (artigo 28.º, n.º 1), os quais deviam constituir uma pessoa coletiva para esse efeito (artigo 30.º, n.º 6).

       Em certa medida, tal modelo correspondia ou podia corresponder ao exercício do aludido direito de autogestão, consignado pelo artigo 61.º, n.º 5, da Constituição[81].

       IX.5. Entre as unidades de saúde e o Governo situa-se a administração direta sob os poderes hierárquicos do Ministro da Saúde, em que relevam, a título principal a Secretaria-Geral, a Direção-Geral de Saúde e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, de acordo o Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de dezembro (orgânica do Ministério da Saúde).

       É na administração indireta sob superintendência do Ministro da Saúde que se encontram os institutos públicos especialmente vocacionados para o SNS e que, por sua vez, coordenam a atividade das entidades públicas empresariais (EPE) e dos respetivos hospitais, centros hospitalares e unidades de saúde local:

«Artigo 5.º

(Administração indireta do Estado)

              1 — Prosseguem atribuições do MS, sob superintendência e tutela do respetivo ministro, os seguintes organismos:

              a) A Administração Central do Sistema de Saúde, I. P.;

              b) O INFARMED — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P.;

              c) O Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P.;

              d) O Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I. P.;

              e) O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, I.P.

              2 — Prosseguem ainda atribuições do MS, sob a superintendência e tutela do respetivo ministro, os seguintes organismos periféricos:

              a) A Administração Regional de Saúde do Norte, I. P.;

              b) A Administração Regional de Saúde do Centro, I. P.;

              c) A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.;

              d) A Administração Regional de Saúde do Alentejo, I. P.;

              e) A Administração Regional de Saúde do Algarve, I. P.»

       A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), I.P., tem por missão «assegurar a gestão de recursos financeiros e humanos do Ministério da Saúde (MS) e do Serviço Nacional de saúde (SNS), bem como dos equipamentos e instalações do SNS, proceder à definição e implementação de políticas, normalização, regulamentação e planeamento em saúde, nas áreas da sua intervenção, em articulação com as Administrações Regionais de Saúde, I.P., no domínio da contratação da prestação de cuidados» (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 35/2012, de 15 de fevereiro[82]).

       Por seu turno, as Administrações Regionais de Saúde (ARS), I.P. «têm por missão garantir à população da respetiva área geográfica de intervenção o acesso à prestação de cuidados de saúde, adequando os recursos disponíveis às necessidades e cumprir e fazer cumprir políticas e programas de saúde na sua área de intervenção» (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 22/2012, de 30 de janeiro[83]).

       É aos conselhos diretivos das ARS que compete «coordenar a organização e o funcionamento das instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde da respetiva região» (artigo 5.º, n.º 2, alínea a]), assim como propor ao Ministro da Saúde «a constituição ou reorganização de serviços prestadores de cuidados de saúde» (cf. alínea c]) e «a criação, modificação ou extinção de unidades funcionais», além de «definir as regras necessárias ao seu funcionamento, articulação e, quando existam, formas de partilha de funções comuns» (alínea d])

       IX.6. A gestão dos hospitais e de outras unidades do SNS tem hoje a sua matriz normativa no já citado Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, o qual se propõe regular o regime jurídico e os estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de entidades públicas empresariais.

       A rede compreende entidades públicas — umas com, outras sem personalidade jurídica — e entidades privadas contratadas para prestarem cuidados de saúde em estabelecimentos integrados ou a integrar no SNS, em regime de parcerias público-privadas[84] (artigo 2.º).

       Na sua maioria, os hospitais, centros hospitalares, institutos de oncologia e unidades locais de saúde do SNS encontram-se sob a administração de entidades públicas empresariais (E.P.E.) cuja organização interna obedece a «normas e critérios técnicos definidos pela tutela em função das suas atribuições e áreas de atuação específicas, devendo os respetivos regulamentos internos prever a estrutura orgânica com base em serviços agregados em departamentos e englobando unidades funcionais, bem como estruturas orgânicas de gestão intermédia» (artigo 23.º, n.º 1).

       O pagamento dos atos e serviços prestados faz-se, segundo contrato-programa plurianual, a celebrar com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS, I.P.) e com a Administração Regional de Saúde territorialmente competente (artigo 25.º, n.º 2).

       Sem prejuízo da autonomia destas entidades, o Estado, através do Governo, e em consonância com o artigo 199.º, alínea d), da Constituição, exerce importantes poderes de superintendência e tutela:

«Artigo 6.º

(Poderes do Estado)

              1 — O membro do Governo responsável pela área da saúde exerce em relação às entidades referidas nas alíneas a) e b) do artigo 2.º e na parte das áreas e atividade, centros e serviços integrados em rede, os seguintes poderes:

              a) Definição das normas e critérios de atuação hospitalar;

              b) Definição das diretrizes a que devem obedecer os planos e programas de ação, bem como a avaliação da qualidade dos resultados obtidos nos cuidados prestados à população;

              c) Acesso a todas as informações julgadas necessárias ao acompanhamento da atividade;

              d) Determinação da restrição da autonomia gestionária na situação de desequilíbrio económico-financeiro;

              e) Determinação de auditorias e inspeções ao seu funcionamento, nos termos da legislação aplicável.

              2 — Sem prejuízo da prestação de outras informações legalmente exigíveis, as entidades referidas no artigo 2.º fornecem, para efeitos de acompanhamento e controlo, ao membro do Governo responsável pela área da saúde os seguintes elementos:

              a) Os documentos de prestação de contas, de acordo com o sistema de normalização contabilística que lhes for legalmente aplicável;

              b) Informação sobre o desempenho económico-financeiro e sobre a atividade realizada».    

       De modo específico, com relação às entidades públicas empresariais (E.P.E.) e que constituem a larga maioria das pessoas coletivas públicas integradas no SNS, acresce o seguinte regime:

«Artigo 19.º

(Superintendência)

              1 — Compete ao membro do Governo responsável pela área da saúde:

              a) Definir os objetivos e as estratégias das E.P.E. integradas no SNS;

              b) Emitir orientações, recomendações e diretivas específicas para a prossecução da atividade operacional das E.P.E. integradas no SNS;

              c) Definir normas de organização e atuação hospitalar.

              2 — O membro do Governo responsável pela área da saúde pode delegar os poderes referidos no número anterior nos conselhos diretivos da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS, I.P.), e da Administração Regional de Saúde territorialmente competente».

       Importa, em especial, darmo-nos conta do poder regulamentar do Ministro da Saúde em matéria de organização e atuação hospitalar (artigo 19.º, n.º 1, alínea c]), o que não pode deixar de compreender a organização dos serviços de urgência.

       Quanto aos poderes de tutela, dispõe-se o que vai transcrito:

«Artigo 20.º

(Tutela setorial e financeira)

              1 — Compete ao membro do Governo responsável pela área da saúde:

              a) Exigir todas as informações julgadas necessárias ao acompanhamento da atividade das E.P.E., integradas no SNS, sem prejuízo da prestação de outras legalmente exigíveis;

              b) Determinar auditorias e inspeções ao funcionamento das E.P.E. integradas no SNS, de acordo com a legislação aplicável;

              c) Homologar os regulamentos internos das E.P.E. integradas no SNS;

              d) Praticar outros atos que, nos termos da lei, careçam de autorização prévia ou aprovação tutelar.

              2 — Compete ao membro do Governo responsável pela área das finanças:

              a) Aprovar os planos de atividade e orçamento;

              b) Aprovar os documentos anuais de prestação de contas;

              c) Autorizar a aquisição e venda de imoveis, bem como a sua oneração, mediante parecer prévio do conselho fiscal e do revisor oficial de contas ou do fiscal único, consoante o modelo adotado;

              d) Autorizar a realização de investimentos, quando as verbas globais correspondentes não estejam previstas nos orçamentos aprovados e sejam de valor superior a 2/prct. do capital estatutário, mediante parecer prévio do conselho fiscal e do revisor oficial de contas ou do fiscal único, consoante o modelo adotado;

              e) Autorizar os aumentos e reduções do capital estatutário;

              f) Autorizar os demais atos que, nos termos da legislação aplicável, necessitem de aprovação tutelar.

              3 — Compete aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde:

              a) Determinar a restrição da autonomia gestionária em caso de desequilíbrio financeiro;

              b) Autorizar cedências de exploração de serviços hospitalares bem como a constituição de associações com outras entidades públicas para a melhor prossecução das atribuições das E.P.E. integradas no SNS;

              c) Autorizar a participação das E.P.E. integradas no SNS em sociedades anónimas que tenham por objeto a prestação de cuidados de saúde, nos termos do regime jurídico do setor empresarial, cujo capital social seja por eles maioritariamente detido;

              d) Autorizar, sem prejuízo do disposto na alínea anterior, para a prossecução dos objetivos estratégicos, a participação das E.P.E. integradas no SNS no capital social de outras sociedades, nos termos do regime jurídico do setor empresarial».

       Às competências enunciadas nas disposições vindas de reproduzir acresce a necessária autorização (tutela integrativa a priori) do Ministro das Finanças e do Ministro da Saúde dos contratos-programa de financiamento das entidades públicas empresariais integradas no SNS (artigo 25.º, n.º 4).

       O regulamento interno, que compete ao Ministro da Saúde homologar, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea c), é o instrumento normativo idóneo para fixar a composição das equipas médicas, nomeadamente dos serviços de urgência, sem embargo de nelas refletir, tanto quanto possível, os parâmetros que a Ordem dos Médicos reconheça como convenientes ao bom exercício da profissão.

       Com efeito, dispõe-se no Anexo II, que aprova os estatutos dos hospitais, centros hospitalares e institutos portugueses de oncologia E.P.E. o seguinte:

«Artigo 7.º

(Competências do conselho de administração)

              1 — Compete ao conselho de administração garantir o cumprimento dos objetivos básicos, bem como o exercício de todos poderes de gestão que não estejam reservados a outros órgãos, em especial:

              (…)

              c) Definir as linhas de orientação a que devam obedecer a organização e o funcionamento do hospital E.P.E. nas áreas clínicas e não clínicas, de novos serviços, sua extinção ou modificação;

              d) Definir as políticas referentes a recursos humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores e dos titulares dos cargos de direção e de chefia;

              e) Autorizar a realização de trabalho extraordinário e de prevenção dos trabalhadores do hospital E.P.E., independentemente do seu estatuto, bem como autorizar o seu pagamento;

              f) Designar o pessoal para cargos de direção e de chefia;

              g) Aprovar o regulamento disciplinar do pessoal e as condições de prestação e disciplina do trabalho;

              (…)

              i) Aprovar e submeter ao membro do Governo responsável pela área da saúde o regulamento interno e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares aplicáveis;

              (…)».

       Em cada unidade de saúde E.P.E., o conselho de administração estabelece critérios de composição das equipas médicas dos serviços de urgência, executando as pertinentes normas regulamentares aprovadas pelo Governo em face das concretas necessidades e disponibilidades.

       Isto, sem prejuízo das funções próprias do diretor clínico:

«Artigo 9.º

(Diretor clínico)

              Ao diretor clínico compete a direção da produção clínica do hospital E.P.E. que compreende a coordenação da assistência prestada aos doentes e a qualidade, correção e prontidão dos cuidados de saúde prestados, designadamente:

              a) Coordenar a elaboração dos planos de ação apresentados pelos vários serviços e departamentos de ação médica a integrar no plano de ação global do hospital;

              b) Assegurar uma integração adequada da atividade médica dos departamentos e serviços, designadamente através de uma utilização não compartimentada da capacidade instalada;

              c) Propor medidas necessárias à melhoria das estruturas organizativas, funcionais e físicas dos serviços de ação médica, dentro de parâmetros de eficiência e eficácia reconhecidos, que produzam os melhores resultados face às tecnologias disponíveis;

              d) Aprovar as orientações clínicas relativas à prescrição de medicamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica, bem como os protocolos clínicos adequados às patologias mais frequentes, respondendo perante o conselho de administração pela sua adequação em termos de qualidade e de custo-benefício;

              e) Propor ao conselho de administração a realização, sempre que necessário, da avaliação externa do cumprimento das orientações clínicas e protocolos mencionados, em colaboração com a Ordem dos Médicos e instituições de ensino médico e sociedades científicas;

              f) Desenvolver a implementação de instrumentos de garantia de qualidade técnica dos cuidados de saúde, em especial no que diz respeito aos indicadores de desempenho assistencial e segurança dos doentes, reportando e propondo correção em caso de desvios;

              g) Decidir sobre conflitos de natureza técnica entre serviços de ação médica;

              h) Decidir as dúvidas que lhe sejam presentes sobre deontologia médica, desde que não seja possível o recurso, em tempo útil, à comissão de ética;

              i) Participar na gestão do pessoal médico, designadamente nos processos de admissão e mobilidade interna, ouvidos os respetivos diretores de serviço;

              j) Velar pela constante atualização do pessoal médico;

              k) Acompanhar e avaliar sistematicamente outros aspetos relacionados com o exercício da medicina e com a formação dos médicos».

       Além de importantes competências do diretor clínico que incidem na configuração das equipas médicas, viemos encontrar um exemplo de participação colaborativa da Ordem dos Médicos, na alínea e), e que ilustra bem o papel que pode ter na gestão hospitalar. Um papel relativo ao cumprimento das orientações clínicas e dos protocolos usados nas patologias mais frequentes. Um papel que claramente corresponde às atribuições contributivas e de colaboração da Ordem dos Médicos na promoção e defesa da saúde.

       Sem termos identificado uma norma habilitante para a Ordem dos Médicos definir, por regulamento, a composição de equipas médicas, passaremos ao enquadramento normativo específico dos Serviços de Urgência.

  

X

Os Serviços de Urgência.

       X.1. A disciplina jurídica dos serviços de urgência do SNS é assente, quase totalmente, em regulamentos do Governo.

       E não dizemos totalmente, pois encontram-se referências em leis especiais e setoriais, designadamente, em matéria de direitos e deveres do utente do SNS (Lei n.º 15/2014, de 21 de março[85]).

       O exato sentido e alcance do projeto ficarão mais bem retratados, em face do contexto regulamentar que o envolve.

       Posição nuclear e função primária competem ao Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março[86], que criou o, então denominado, Serviço de Urgência Hospitalar.

       Pode ler-se na sua exposição de motivos o seguinte:

              «A reorganização da urgência hospitalar, integrada no âmbito das linhas gerais definidas para a reforma do Serviço Nacional de Saúde, tem por objetivo adequar a resposta do sistema de saúde às necessidades impostas pela situação aguda do utente e pressupõe um conjunto de intervenções nos vários elos da cadeia de prestação de cuidados de saúde e uma progressiva e permanente diferenciação de todos os profissionais intervenientes nos processos de socorro, transporte, reanimação e tratamento.

              A reestruturação dos serviços de urgência nos hospitais da rede nacional de urgência/emergência, respondendo a uma exigência funcional e organizativa do hospital, constitui um passo fundamental para uma melhoria efetiva e sustentada dos cuidados de saúde e uma medida essencial para uma melhor e mais racional política de recursos humanos e para uma programação e planeamento adequados dos investimentos nesta área.

              A recente criação, pela Ordem dos Médicos, da competência em emergência médica vem reconhecer a necessidade de uma elevada diferenciação técnica e científica dos médicos que trabalham nos serviços de urgência e vai permitir a progressiva profissionalização dos mesmos, bem como a sua autonomização funcional e orgânica.

              O presente despacho vem criar o serviço de urgência hospitalar, enquanto serviço de ação médica hospitalar, criação essa dirigida à progressiva diferenciação e maior disponibilidade dos profissionais neles integrados».

       Em conformidade com tais propósitos — de diferenciação dos serviços de urgência hospitalar com o reconhecimento, pela Ordem dos Médicos, de uma competência em emergência médica — os serviços de urgência foram qualificados como «serviços multidisciplinares e multiprofissionais que têm como objetivo a prestação de cuidados de saúde em todas as situações enquadradas nas definições de urgência e emergência médicas» (artigo 1.º, n.º 2), considerando-se «situações de urgência e emergência médicas aquelas cuja gravidade, de acordo com critérios clínicos adequados, exijam uma intervenção médica imediata» (artigo 1.º, n.º 3).

       Cada serviço de urgência médica dispõe de um diretor com regime análogo ao de diretor de serviço hospitalar (artigo 2.º).

       Com relação às equipas de profissionais médicos, pode ler-se:

«Artigo 3.º

(Equipas do serviço de urgência)

              1 — No serviço de urgência devem exercer funções médicos da carreira com competência, preferencialmente, em emergência médica.

              2 — As equipas de médicos dos serviços de urgência devem ter uma constituição adequada ao movimento assistencial do serviço».

       A composição das equipas multidisciplinares e multiprofissionais constitui matéria de regulamento interno:

«Artigo 4.º

(Regulamento interno)

              O serviço de urgência deve ter regulamento interno que contemple o modelo global de funcionamento, a estrutura hierárquica do serviço e a constituição das respetivas equipas multidisciplinares e multiprofissionais».

       Mais se determina que cada serviço de urgência providencie por «uma relação estreita e claramente definida com o Instituto Nacional de Emergência Médica, com os demais organismos estatais de intervenção em situações de urgência ou emergência e com as estruturas do sistema de prestação de cuidados de saúde em estreita articulação com a estrutura interna de prestação de cuidados intensivos das diversas áreas clínicas do hospital por forma a garantir a continuidade e qualidade de cuidados de elevada diferenciação» (artigo 5.º).

       A aprovação do regulamento interno a que se refere o artigo 4.º cumpre aos conselhos de administração das entidades públicas empresariais do SNS, embora sujeita a homologação pelo Ministro da Saúde[87].

         X.2. O Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro[88], veio executar algumas disposições do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, sob o desiderato de harmonizar procedimentos na denominada Rede de Serviços de Urgência:

              «O Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, criou o serviço de urgência hospitalar enquanto serviço de ação médica, preconizando a constituição de equipas médicas adequadas ao seu movimento assistencial e prevendo que haverá uma progressiva dedicação ao trabalho naquele serviço, por parte de médicos dotados de competências e qualificações médicas.

              Para o favorecimento da eficiência e da qualidade do serviço de urgência e tendo em conta que o mesmo se reveste de características muito próprias e diferenciadas, reconhece-se a importância da utilização efetiva de instrumentos facilitadores da organização do trabalho médico, designadamente as escalas-tipo e as escalas de serviço.

              No âmbito da requalificação da Rede de Serviços de Urgência Geral e de forma a evitar práticas diversas entre as diferentes instituições, entende-se adequado, desde já, harmonizar procedimentos, a aplicar pelos estabelecimentos da Rede e por cuja execução respondem em primeira linha os respetivos órgãos máximos».

       De acordo com o n.º 4 do Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, é aos conselhos de administração dos hospitais que compete promover a constituição de equipas dedicadas, compostas por médicos que «afetem a totalidade ou parte do seu horário semanal de trabalho ao SU, com caráter definitivo ou temporário».

       Assim, cumpre ao diretores dos serviços de urgência propor ao diretores clínicos uma escala-tipo. O diretor clinico, concordando com o teor da proposta, apresenta-a ao conselho de administração (n.º 6).

       Aprovada a escala-tipo, «o Diretor do Serviço do SU acorda com os Diretores de Serviço dos respetivos Serviços de Especialidade a distribuição nominal dos médicos especialistas e internos que prestam serviço de urgência, por dias da semana e por turnos» (n.º 11).

       Sem prejuízo de revisões extraordinárias que se justifiquem, a escala-tipo deve ser revista anualmente (n.º 12) e deve conter adaptações relativas a «períodos de férias, comissões gratuitas de serviço e licenças, os quais devem (…) ser acordados entre os respetivos diretores de serviço, por forma a evitar ruturas no funcionamento do SU e, sempre que possível, encargos suplementares».

       Mais se prevê que o trabalho médico no Serviço de Urgência (SU) seja prestado em equipas com facultativos de várias especialidades e cuja formação se mostre minimamente estável (n.º 3).

       A integração de cada médico em equipas dedicadas, por período não inferior a seis meses, depende do seu acordo (n.º 6).

       No n.º 7, encontra-se uma remissão para níveis assistenciais reconhecidos pela Ordem dos Médicos que em muito se presta a descortinar o papel que lhe está confiado, em matéria de constituição das equipas médicas dos serviços de urgência:

              «As escalas-tipo devem respeitar, sempre que possível, os níveis assistenciais definidos pela Ordem dos Médicos para as diversas valências e, na sua inexistência ou impossibilidade, os níveis assistenciais definidos para o SU pelo Diretor Clínico, com a justificação devida, quer quanto à dotação dos recursos, quer quanto à dimensão e estrutura demográfica da população abrangida pela área de influência da urgência e à evolução e características da respetiva procura».

       Com efeito, a norma concede um valor indicativo aos «níveis assistenciais definidos pela Ordem dos Médicos».

       Não lhe devolve, porém, os critérios da chamada escala-tipo dos serviços de urgência, muito menos habilita um regulamento com eficácia externa.

       Prevê-se que a Ordem dos Médicos se disponha a fornecer indicadores dos níveis assistenciais. O diretor do serviço e o diretor clínico devem segui-los, tanto quanto as contingências o permitam: «sempre que possível» Trata-se de recomendações, indicações e referências de ordem técnica, baseadas na experiência. Por outras palavras, o cumprimento dos níveis assistenciais desejáveis, dentro dos níveis logísticos possíveis.

       «Com a justificação devida» prevalecem, no entanto, os critérios do diretor clínico. Melhor do que ninguém, o diretor clínico conhece as variações pendulares de afluência, as características da procura, os recursos humanos e logísticos. Cumpre-lhe, por conseguinte, substituir os critérios gerais por critérios excecionais para enfrentar situações atípicas.

       A escala-tipo, nos termos do n.º 8, deve discriminar «o número de médicos, em presença física e prevenção, por especialidade, distribuídos por dias da semana e turnos e ainda as especialidades de apoio ao SU e demais Serviços do Hospital».

       No n.º 9, cuida-se da prestação de serviço em prevenção e do modo como deve poder convolar-se em presencial:

              «As especialidades que asseguram a prestação de serviço de urgência em regime de prevenção devem estar expressas na escala-tipo e aquele regime aplica-se sempre que a presença física do médico da respetiva especialidade não se mostre indispensável, mas haja que garantir a sua comparência no SU quando necessário, num período máximo de 30 minutos após a chamada».

       X.3. Em terceiro lugar deve referir-se o Despacho n.º 14 041/2012, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 23 de outubro de 2012[89].

       Contudo, não se justifica um tratamento exaustivo do seu teor, pois, fundamentalmente diz respeito aos centros de orientação de doentes urgentes (CODU), cujas atribuições são de natureza pré-hospitalar, sem que o projeto de regulamento da Ordem dos Médicos incida no seu funcionamento.

       Em todo o caso, importa enunciá-las:

              — Garantir a triagem das chamadas de emergência (112);

              — Realizar a triagem médica segundo os algoritmos de decisão definidos pelo INEM, I.P., com base na melhor evidência científica e validados por peritos;

              — Realizar, após triagem, o acionamento dos meios de emergência médica;

              — Prestar aconselhamento médico a situações de urgência e de emergência e transferir chamadas não urgentes da Linha Saúde 24;

              — Prestar o atendimento telefónico do Centro de Informação Antivenenos;

              — Coordenar a decisão sobre a referenciação primária e secundária de todos os doentes urgentes e ou emergentes na rede nacional de Serviços de Urgência e ou Cuidados Intensivos, em particular a referenciação das Vias Verdes.

       X.4. É o já citado Despacho n.º 10 319/2014, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 25 de julho de 2014, que firma a estrutura do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM), ao nível do atendimento hospitalar e em articulação com os cuidados de saúde pré-hospitalares. Despacho aliás invocado no projeto de regulamento da Ordem dos Médicos (artigo 1.º, n.º 2).

       Define a missão dos Serviços de Urgência (SU) e «estabelece padrões mínimos relativos à sua estrutura, recursos humanos, formação, critérios e indicadores de qualidade», além de regular o «processo de monitorização e avaliação» (artigo 1.º).

       Nos termos do artigo 2.º, a rede dos SU reparte-se, «por ordem crescente de recursos e capacidade de resposta», entre os seguintes tipos:

— Serviço de Urgência Básico (SUB);

— Serviço de Urgência Médico-Cirúrgico (SUMC);

— Serviço de Urgência Polivalente (SUP).

       Para cada um destes níveis são definidas as valências a que resposta, segundo as especialidades médicas, sem prejuízo de outras prescrições atinentes à sua organização, funcionamento e distribuição pelo território continental (artigo 3.º e seguintes).

       Todavia, o Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM) não se esgota na rede de Serviços de Urgência (SU), pois compreende também os Centros de Trauma (CT), consignados no artigo 6.º, outros centros específicos[90] (artigo 7.º) e as unidades vocacionadas para o atendimento infantil: o Atendimento Urgente a Crianças (artigo 8.º), impondo adaptações nos SUB (artigo 9.º), nos SUMC e nos SUP (artigo 10.º), além do Serviço de Urgência Polivalente Pediátrica que efetua atendimento de crianças com situações de doença ou trauma grave, já referenciadas ou primárias (artigo 11.º).

       O Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho de 2014, fixa a organização dos meios de triagem e encaminhamento no SU (artigo 12.º), programa a instalação e crescimento dos Sistemas de Resposta Rápida (artigo 13.º), que se desdobram pela Via Verde AVC (artigo 14.º), a Via Verde AVC Coronária (artigo 15.º), a Via Verde Sépsis (artigo 16.º) e a Via Verde Trauma (artigo 18.º).

       Regula ainda os sistemas telefónicos de triagem, orientação e aconselhamento de doentes: os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), ao nível do Instituto Nacional de Emergência Médica INEM), IP, e a Linha Saúde 24, da Direção-Geral da Saúde (artigo 18.º).

       O mapa das estruturas, recursos e valências, das relações de complementaridade, de subordinação e de apoio técnico, dos circuitos e das condições de articulação e referenciação entre unidades dos sistemas Pré- Hospitalar e Hospitalar de Urgência toma a designação de Rede de Referenciação de Urgência e Emergência (RRUE), «constituindo estrutura do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM) ao nível da responsabilidade hospitalar e sua interface com o pré-hospitalar» (artigo 19.º, n.º 1).

       Nos artigos 20.º e 21.º, concretiza-se a organização dos SU, segundo uma clara opção preferencial por equipas médicas multidisciplinares.

       As suas disposições relevam, de modo especial, para o tema sob consulta, motivo por que as reproduzimos integralmente:

«Artigo 20º

(Estrutura Física e Recursos Materiais)

              1   — O SU deve, necessariamente, incluir as seguintes áreas:

              a)  Área de admissão e registo;

              b) Área de triagem de prioridades;

              c)  Área de espera;

              d) Área de avaliação clínica;

              e)  Sala de emergência para doentes críticos com condições para suporte avançado de vida;

              f)  Área de ortotraumatologia;

              g)  Área de curta permanência e observação;

              h) Área de informação e comunicação com familiares.

              2   — Deve ser garantido o acesso fácil a meios complementares de diagnóstico, e no caso do SUMC e do SUP, também a bloco operatório.

              3   — Devem existir fluxos de doentes pré-estabelecidos, absolutamente claros e sinalizados, diferenciados por tipo de problemas e/ou por prioridade de observação, com a definição clara das atividades que são realizadas em cada uma das áreas e como se relacionam com as restantes.

              4   — Devem ser respeitados a privacidade, o conforto, a comunicação e a informação personalizada e humanizada, as condições de visualização e fácil acesso ao doente, e deve ser facilitado o acompanhamento do doente por familiar, nos termos do disposto na Lei n.º 33/2009, de 14 de julho.

              5   — As áreas de circulação, nomeadamente os corredores, devem manter-se livres, sem estacionamento de doentes ou macas.

Artigo 21º

(Recursos Humanos e Formação)

              1   — O Conselho de Administração Hospitalar deve possuir uma política institucional, plasmada no seu Plano e Relatório de Atividades, que promova o SU como Serviço de Ação Médica, incluindo como objetivos:

              a)  A constituição preferencial do SU por equipas de profissionais de saúde dedicados à Urgência, ou seja, profissionais que trabalham na sua totalidade ou maioritariamente apenas no SU, sobretudo nos períodos do dia de maior procura, no cumprimento do Despacho nº 47/SEAS/2006;

              b) A articulação e integração de processos e de cuidados entre os SU e restantes serviços hospitalares, quer os que prestam apoio direto, quer os que recebem doentes internados, numa perspetiva de cuidados centrados no doente, de forma humana, célere e eficiente.

              c)  A promoção das competências e as capacidades mínimas de Médicos, Enfermeiros e restante pessoal e definir claramente a sua formação, titulação e creditação;

              2   — Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a formação e o currículo dos profissionais de atendimento da Rede nos SUB, no SUMC e no SUP devem obrigatoriamente contemplar:

              a)  Relativamente aos Médicos e Enfermeiros:

              I.   Formação em Suporte Avançado de Vida;

              b) Relativamente aos Médicos e Enfermeiros envolvidos no atendimento pediátrico num SU:

              I.   Formação em Suporte Avançado de Vida Pediátrico (SAVP) ou, quando impossível, em Suporte Imediato de Vida Pediátrico (SIVP);

              c)  Relativamente aos Assistentes Operacionais:

              I.   Formação em Suporte Básico de Vida;

              3   — Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a formação e o currículo de, pelo menos, 50/prct. dos profissionais nas equipas de atendimento da Rede, em exercício em qualquer um momento, nos SUB, no SUMC e no SUP devem contemplar:

              a)  Relativamente aos Médicos e Enfermeiros:

              I.   Formação em Suporte Avançado de Vida em Trauma (nos Centros de Trauma, todos os profissionais de saúde têm que ter esta formação);

              II.  Formação em Ventilação e Controle Hemodinâmico;

              III. Formação em Transporte de Doentes Críticos;

              IV. Formação em VV;

              V.  Formação em Comunicação e Relacionamento em Equipa, Gestão de Stress e de Conflitos, Comunicação do risco e transmissão de más notícias.

              b) Relativamente aos Médicos:

              I.   Competência em Emergência Médica, atribuída pela Ordem dos Médicos.

              c)  Relativamente aos Enfermeiros:

              I.   Competências específicas do Enfermeiro Especialista em enfermagem de pessoa em situação crítica, atribuída pela Ordem dos Enfermeiros;

              d) Relativamente aos Assistentes Operacionais:

              I.   Formação em Técnicas de Trauma e Imobilização;

              II.  Formação em Comunicação e Relacionamento em Equipa, Gestão de Stress e de Conflitos.

              4   — Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a formação e o currículo de, pelo menos 50/prct., dos Médicos e Enfermeiros de atendimento da Rede, em exercício em qualquer um momento, envolvidos no atendimento pediátrico num SU devem contemplar ainda a formação em Suporte Avançado de Vida Pediátrico e Formação Avançada em Trauma Pediátrico».

       Note-se que às ordens profissionais dos médicos e dos enfermeiros é devolvido o reconhecimento das qualificações, respetivamente, de ‘competência em emergência médica’ e de ‘enfermeiro especialista em enfermagem de pessoa em situação crítica’ (artigo 21.º, n.º 3, alíneas b) e c]).

       Por seu turno, no artigo 22.º, n.º 2, estabelecem-se padrões qualitativos e quantitativos, considerados como mínimos para o acesso, triagem, definição dos níveis de SU e Rede de Referenciação, qualificação dos profissionais de saúde, adaptação a situações de catástrofe, passagens de turno, transferências entre hospitais, equipamento, informação e controlo de qualidade.

       São considerados padrões mínimos para o SIEM, de acordo com o n.º 3:

              — De acesso: o acesso a cuidados de Urgência/Emergência deve ser acompanhado, permanentemente, por uma linha de atendimento 112 ou pela Linha Saúde 24, que orientam para o local o meio mais adequado; devendo haver um SU à distância máxima de 60 minutos de trajeto.

             

              — De triagem: em todos os SU, qualquer que seja o nível, deve existir um sistema de triagem que permita distinguir os doentes por gravidade clínica, de modo a que, se houver tempo de espera, se ponham em prática os critérios preestabelecidos de observação.

              — De definição dos níveis de SU e da Rede de Referenciação: os diferentes SU devem estar articulados em rede de modo a permitir o tratamento dos doentes atempadamente no local próprio; cada SU deve conhecer o seu papel na Rede e o modo de articulação com outros Serviços.

              — De qualificação dos profissionais de saúde: cumpre a cada SU promover a formação dos seus profissionais de saúde e providenciar por que o atendimento seja prestado por profissionais com as qualificações especificadas no artigo 21.º.

              — De planeamento para a eventualidade de catástrofes: cada SU deve dispor de um plano de catástrofe/contingência, que inclua a resposta a situações como elevado número de sinistrados, seguindo as orientações emanadas pela Direção-Geral da Saúde, além de o divulgar e simular periodicamente.

              — Das passagens de turno: a fim de evitar perdas na comunicação, devem ser feitas verbalmente a partir da informação atualizada e mantida em registos clínicos; por outro lado, deve ocorrer uma margem de sobreposição dos turnos, de modo a que os profissionais possam cumprir a passagem eficazmente.

              — Das transferências de doentes entre hospitais: o SU no qual se encontra o doente é responsável pelo seu tratamento; apenas se não tiver capacidade de resposta deve promover a transferência atempada e em segurança para o SU adequado de nível superior, isto é, com as capacidades necessárias, e mais próximo; revelando-se impraticável o SU adequado mais próximo receber o doente, uma de três situações deve ocorrer: (i) o SU adequado mais próximo encontra meios em tempo útil; (ii) o SU adequado mais próximo auxilia o SU que tem o doente a encontrar alternativa e essa iniciativa tem rápido sucesso; (iii) em último caso, o SU adequado mais próximo recebe o doente, ativando o seu plano de catástrofe/contingência; as situações mais comuns e previsíveis de transferência devem estar previstas na carta de Rede de Referenciação.

              — Do equipamento: definidos segundo a tipologia e níveis.

              — Da informação: em cada SU, acesso a fontes e bibliografia relevantes de informação técnica médica em formato eletrónico.

              — Do controlo de qualidade: todos os SU devem assegurar funções de Controlo de Qualidade, com o objetivo de monitorizar o desempenho, baseando-se, nomeadamente nos Indicadores de Qualidade.

       Os Indicadores de Qualidade, por sua vez, devem perseguir os seguintes objetivos:

              — Proporcionar compatibilidade com os sistemas de informação utilizados ou, pelo menos, suscetíveis de serem postos em prática com facilidade, prestando informação de forma contínua e imediata a partir destes sistemas de informação.

              — Refletir áreas clínicas com significativa relevância de certas patologias (incidência, prevalência e custos associados) e que tenham sido contempladas no Plano Nacional de Saúde, programas prioritários e demais documentos estratégicos internacionais, nacionais ou regionais relevantes.

              — Permitir acompanhar processos e resultados, incluindo resultados clínicos e os que se relacionam com a perspetiva do doente.

              — Permitir a vigilância epidemiológica, a geração de sinal atempado e o acionamento de planos de readequação de recursos e de respostas a nível institucional e de saúde pública.

              — Mostrar-se de largo alcance, permitindo seguir de perto os aspetos mais relevantes da saúde na área da urgência/emergência.

              — Refletir o grau de articulação entre cuidados de saúde primários, sistemas de atendimento telefónico, o Sistema de Emergência Pré-hospitalar e o Sistema Hospitalar de Urgência.

              — Satisfazer às principais necessidades dos utentes.

              — Ser apto a apontar possíveis direções de melhoria por metas ou objetivos.

              — Utilizar, partilhar informação e facultar termos de comparação compatíveis com a informação de outros Sistemas e Organizações (EUROSTAT, OCDE, NICE, TARN).

              — Refletir o desenvolvimento da acessibilidade, qualidade e desempenho do SIEM e das suas unidades, através do seu histórico e da proposta de metas progressivamente mais ambiciosas.

              — Ser útil para a comparação do desempenho entre unidades, a identificação de boas-práticas e benchmarking.

       O artigo 22.º, n.º 5, dispõe que os indicadores de qualidade devem encontrar-se incorporados num painel nacional estável de indicadores, sem prejuízo de poder ser reiteradamente atualizado, a definir pela Direção-Geral de Saúde com a colaboração da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., das Administrações Regionais de Saúde (ARS) e do INEM, I.P., do qual constam a designação, objetivos, forma de cálculo, situações de exceção, padrão mínimo e meta.

       O quadro regulamentar não ficaria completo sem os níveis de responsabilidade de avaliação, definidos no n.º 9:

              — Ao nível singular, das próprias instituições;

              — Ao nível regional, das ARS, que deverão refletir a evolução do desempenho dos SU sobre sua responsabilidade;

              — Ao nível nacional, do INEM, I.P., relativamente ao Sistema de Emergência Pré-hospitalar e da articulação com o Sistema Hospitalar de Urgência; da ACSS, I.P. e da Direção-Geral de Saúde com relação ao desempenho da gestão e da qualidade clínica, respetivamente.

       Em face do exposto, é preciso insistir num ponto. O Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho, conserva a opção por equipas médicas multidisciplinares, na linha do Despacho n.º 11/2002, de 6 de março. Uma opção preferencial por médicos dedicados à urgência, pelo menos, nos períodos de maior afluência (artigo 21.º, n.º 1, alínea]).

       X.5. A Portaria n.º 147/2016, de 19 de maio[91], embora não cuide especificamente da prestação de cuidados de saúde urgentes, é importante para conhecer o grau de exigência e diferenciação das unidades hospitalares, acabando por se refletir nos serviços de urgência.

       Estabelece «o processo de classificação dos hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica, tendo como princípio a definição das Redes de Referenciação Hospitalar (RRH)» (artigo 1.º).

       Os hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde devem ser classificados em grupos, «de acordo com as respetivas especialidades desenvolvidas, a população abrangida, a capacidade de formação, a diferenciação dos recursos humanos, o modelo de financiamento, a classificação dos seus serviços de urgência e a complexidade da produção hospitalar» (artigo 3.º, n.º 1) e «as especialidades são incluídas nos respetivos grupos de classificação das instituições hospitalares por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde, após concluído o processo de aprovação de todas as RRH» (n.º 2).

       X.6. Por seu turno, a definição e classificação dos serviços de urgência que constituem a Rede de Urgência/Emergência é objeto do Despacho n.º 13 427/2015, do Ministro da Saúde, de 16 de novembro de 2015[92].

       Em conformidade com o Despacho n.º 10 319/2014, os serviços de urgência compreendidos em hospitais, unidades hospitalares e centros de saúde são classificados como Serviço de Urgência Polivalente (SUP), Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica (SUMC) e Serviço de Urgência Básica (SUB).

       O mais elevado grau é atribuído aos SUP que integram Centros de Trauma (CT): a Unidade Hospitalar de Vila Nova de Gaia, em articulação com o Hospital Geral de Santo António, no Porto; os hospitais de Santa Maria e de São José, em Lisboa; os Hospitais da Universidade de Coimbra; o Hospital de São João, no Porto, e o Hospital de São Pedro, em Vila Real.

       O nível mais elementar (SUB) encontra-se em hospitais e unidades hospitalares, mas também em centros de saúde, devidamente apetrechados e com profissionais de saúde dispondo das pertinentes qualificações.

       Já a definição tipológica da prestação de serviços de urgência nos hospitais cuja gestão tenha sido convencionada com as misericórdias é deixada, em função do acordo de gestão, às administrações regionais de saúde (ARS).

       Remete-se para regulamento próprio a tipologia específica dos serviços de urgência pediátrica e das denominadas vias verdes.

       X.7. Importa, por fim, fazer menção à Regulamentação do Sistema de Gestão do Acesso dos Utentes ao SNS, aprovada pela Portaria n.º 147/2017, de 27 de abril, pois contém disposições relativas ao acesso de utentes aos SU.

       Este sistema, sob o acrónimo SIGA, visa o acompanhamento, controlo e prestação de informação integrada com o objetivo, entre outros, de assegurar a continuidade dos cuidados de saúde e de conceder aos utentes uma resposta equitativa e atempada (artigo 2.º, n.º 1).

       Incentivar a prestação de cuidados de saúde em equipa multidisciplinar e multiprofissional é outros dos objetivos do SIGA SNS (artigo 3.º, alínea i]).

       Os Cuidados de Urgência (artigo 2.º, n.º 2, alínea d]) são objeto de tratamento específico, nos termos seguidamente reproduzidos:

«Artigo 12.º

(SIGA Urgência)

              O SIGA Urgência obedece às seguintes regras específicas de funcionamento:

              a) Os utentes podem optar livremente por qualquer Serviço de Urgência da Rede do SNS, independentemente da sua área geográfica de residência;

              b) O acesso aos serviços referidos na alínea anterior deve preferencialmente ser precedido de contacto com os cuidados de saúde primários, com o Centro de Contactos do SNS ou com o Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P. (INEM);

              c) Os tempos de resposta dos vários serviços referidos na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º são atualizados e publicados em local próprio do Portal do SNS;

              d) A informação sobre a atividade dos Serviços de Urgência da Rede do SNS é disponibilizada às instituições hospitalares e no Portal do SNS».

       Resultando da alínea a) o direito de os utentes optarem por um qualquer serviço de urgência, deixando de se encontrar adstritos ao hospital ou centro hospitalar da área de residência, é bem de ver que a indexação das equipas a este critério, feita no projeto de regulamento, mostra-se inadequada.

XI

Do exercício da profissão nas carreiras médicas do SNS.

       O Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 177/2009, com a mesma data, definem os regimes das carreiras médicas no SNS[93].

       O primeiro cuida da carreira dos médicos que prestam trabalho nas unidades de saúde de entidades públicas empresariais ou de parcerias de gestão.

       O segundo diz respeito à carreira especial médica, i.e. dos médicos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas (artigo 2.º).

       Médico é, neste âmbito, «o profissional legalmente habilitado ao exercício da medicina, capacitado para o diagnóstico, tratamento, prevenção ou recuperação de doenças ou outros problemas de saúde, e apto a prestar cuidados e a intervir sobre indivíduos, conjuntos de indivíduos ou grupos populacionais, doentes ou saudáveis, tendo em vista a proteção, melhoria ou manutenção do seu estado e nível de saúde» (artigo 9.º, n.º 1).

       Ambas as carreiras médicas oferecem a progressão por três categorias com conteúdos funcionais sucessivamente diferenciados — assistente, assistente graduado e assistente graduado sénior (artigo 8.º) — sendo os médicos profissionalmente qualificados segundo os graus de especialista ou de consultor (artigo 4.º, n.º 1).

       O grau de especialista adquire-se pela conclusão do internato da especialidade, com aproveitamento (artigo 5.º, n.º 1). Cinco anos de experiência permitem ao médico especialista concorrer ao grau de consultor (n.º 2). 

No artigo 10.º, n.º 2, é expressamente salvaguardada a autonomia técnica e científica do médico e ali se garante que o cumprimento dos seus deveres funcionais tem como pressuposto o respeito pelas leges artis.

       Um dos seus deveres é exercer as «suas funções com zelo e diligência, assegurando o trabalho em equipa, tendo em vista a continuidade e garantia da qualidade da prestação de cuidados e a efetiva articulação de todos os intervenientes» (artigo 10.º, n.º 2, alínea c]).

       Na área hospitalar, o conteúdo funcional do médico assistente vincula-o a «integrar e chefiar equipas de urgência, interna e externa» (artigo 7.º-A, n.º 1, alínea d]).

       Determina-se, com relação às duas carreiras, que o exercício das funções de direção e chefia «não impede a manutenção da atividade de prestação de cuidados de saúde por parte dos médicos, mas prevalece sobre a mesma» (artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto, e artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto).

       A norma estabelece, pois, uma relação de subsidiariedade entre as funções de direção e chefia e a prestação de cuidados de saúde com o sentido de o desempenho de funções assistenciais preencher a eventual disponibilidade das funções de direção e chefia — as quais prevalecem.

       Se, porventura, precisasse de execução por via regulamentar, não seria a Ordem dos Médicos a fazê-lo por manifesta falta de atribuições e de habilitação regulamentar.

       A autonomia regulamentar da Ordem dos Médicos, em matéria de exercício da profissão, não lhe permite dispor acerca das carreiras médicas, pois, como associação pública profissional, encontra-se absolutamente impedida de intervir «nas relações económicas ou profissionais dos seus membros» (artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

XII

Invalidade e ineficácia jurídica das normas regulamentares.

       Ao longo dos capítulos precedentes, pudemos identificar, situar e comentar o enquadramento jurídico próprio de cada uma das questões controvertidas e oportunamente inventariadas, em ordem à sua resposta que estaremos em condições de prestar.

       Cumpre, assim, aplicar ao projeto o resultado da investigação concluída e concretizar os motivos por que as normas, a serem aprovadas e publicadas, devem ter-se por inválidas e juridicamente ineficazes.

       Cuida-se, igualmente, de identificar os meios que ao Governo assistem para impedir a sua entrada em vigor.

       XII.1. Nem as atribuições estatutárias invocadas pela Ordem dos Médicos nem as normas sobre a competência regulamentar da Assembleia de Representantes permitem a esse órgão aprovar o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência sem deixar de incorrer num vício de incompetência absoluta (por falta de atribuições).

       O projeto de regulamento louva-se, como pudemos observar, em duas atribuições enunciadas pelo artigo 3.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Médicos, mas que não pertencem, de modo exclusivo, a esta associação pública.

       E por não pertencerem de modo exclusivo à Ordem dos Médicos, o Estatuto não faculta aos seus órgãos todos os meios e poderes convenientes ou necessários. A concreta amplitude dos poderes só pode ser corretamente delimitada pelo confronto com as atribuições de outras pessoas coletivas públicas, nomeadamente as do Estado, e pela extensão concedida às normas de competência dos seus órgãos.

       Atribuições são domínios materiais ou temáticos de intervenção administrativa — sociais, culturais, económicos ou de administração geral[94] — ordenados de modo teleológico ou programático mediante um fim ou um objetivo.

       Devemos considerar perfeitas as atribuições que combinam objeto e fim, sem perder de vista, no entanto, que, não raro, o legislador enuncia as atribuições de modo imperfeito, induzindo o intérprete a crer tratar-se de verdadeiras normas de competência.           Por vezes, ainda, surgem normas com atribuições acessórias ou secundárias e que é possível repartir entre atribuições auxiliares e de comando. A sua extensão só pode ser compreendida em vista das atribuições principais.

       As atribuições de cada pessoa coletiva pública (ou de cada ministério) emprestam conteúdo, objeto e, muitas vezes, o fim próprio ao âmbito material das normas de competência dos vários órgãos, mas não constituem poderes, em si mesmas, nem permitem identificar poderes implícitos.

       Vale a pena recapitular os particularismos que rodeiam as atribuições das associações públicas profissionais, decorrentes do artigo 267.º, n.º 4, da Constituição: porque a sua criação obedece a um princípio de especificidade (só podem ser criadas para satisfazer necessidades coletivas específicas) toda a sua atividade obedece a um princípio de especialidade (artigo 6.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro) e porque proibidas de assumir atribuições de natureza sindical, estão impedidas de exercer ou praticar qualquer atividade que se relacione com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros (artigo 5.º, n.º 2).

       A esta luz, revisitemos as atribuições invocadas como habilitação legal do regulamento: as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Médicos.

       Quanto à alínea b) — «contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes» — a própria atribuição é delimitada pelo verbo usado. Contribuir, mas não mais do que contribuir, querendo isto dizer que não pode a Ordem dos Médicos exercer um poder regulamentar sobre terceiros, com este desiderato, pois incorre em algo que ultrapassa o contributo, entendido como participação ou colaboração[95].

       A atribuição em causa é apenas de ordem finalística e não demarca, propriamente, um específico domínio material de intervenção[96].

       As ordens profissionais não são criadas por conta dos interesses homogéneos partilhados pelo grupo profissional e que formam um interesse coletivo. Tal interesse não é, em si, um interesse público.

       A sua criação deve-se, antes, à conveniência para o interesse público em que certas profissões sejam regulamentadas e governadas com o mais elevado rigor[97] e que só os próprios profissionais, através dos seus representantes, estão em condições de imprimir.

       A Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, no artigo 3.º, considera excecional a criação de uma nova associação pública profissional (n.º 1). É preciso identificar «um interesse público de especial relevo que o Estado não possa assegurar diretamente» (alínea a]), o que não sucede com todas as profissões. Apenas se admite criar novas associações públicas com relação a profissões «que devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público prosseguido» (artigo 2.º). Ademais, só pode existir uma para cada profissão ou conjunto de profissões afins (artigo 3.º, n.º 3).

       Por isso, como bem observa PEDRO COSTA GONÇALVES[98], a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, não toma a regulação «como um interesse público específico da coletividade de profissionais».

       A razão de ser das ordens profissionais encontra-se na defesa das pessoas que recorrem aos seus serviços e não para defesa do interesse coletivo radicado em cada profissão.

        Nas palavras deste corpo consultivo, visam garantir «confiança no exercício de determinadas profissões, envolvendo particulares exigências de natureza científica, técnica e deontológica[99]».

       E faz notar JOÃO PACHECO DE AMORIM[100]:

              «Com o exercício destas profissões intelectuais protegidas (ou liberais, ou universitariamente tituladas), sobretudo quando a prestação do serviço profissional corresponda, juridicamente (mais) a uma obrigação de meios, e não (ou menos) de resultados, nos termos do Código Civil (como sucede, por exemplo, com a medicina e com a advocacia), dá-se uma combinação de elementos que deixa de algum modo indefeso o destinatário dos serviços face ao profissional titulado».

       Por conseguinte, toda a atividade da Ordem dos Médicos deve «contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes», seja pelo dever fundamental que recai sobre todos de promover e proteger a saúde (artigo 64.º, n.º 1, da Constituição), seja pelo interesse público que levou o legislador a criar a Ordem dos Médicos e a confiar-lhe poder regulamentar.

       É esse o alcance daquela norma de atribuição. Não basta um fim objetivamente virtuoso para facultar à Ordem dos Médicos a definição unilateral da organização administrativa de um conjunto de serviços públicos. Definição que excede largamente o exercício individual da profissão médica ao ser praticado numa estrutura administrativa ou empresarial de elevada complexidade e cujos recursos humanos e materiais são custeados a partir do Orçamento do Estado.

       Por seu turno, o exercício da profissão — alínea a) — compreenderia todos os serviços prestados por médicos, isoladamente ou em equipa, se a atividade destes profissionais fosse praticada apenas em regime liberal.

       Já o exercício profissional dos médicos, em regime de trabalho subordinado, integrado em estruturas complexas (empresariais ou administrativas), com ou sem fins lucrativos, suscita questões de caráter laboral.

       Veja-se o caso do direito à greve e que suscita preocupações de ordem ética. Só razões deontológicas justificam a intervenção da Ordem numa greve de médicos. Motivo por que no artigo 135.º, n.º 7, do Estatuto se dispõe que o exercício do direito de participar numa greve conhece limites deontológicos com que outras profissões não se confrontam:

              «O exercício do direito à greve não pode violar os princípios da deontologia médica, devendo os médicos assegurar os cuidados inadiáveis aos doentes».

       No exercício liberal da profissão, a greve não tem sentido.   

       Sem dúvida, há aspetos concernentes aos atos médicos praticados em equipa que relevam para as atribuições da Ordem dos Médicos: por exemplo, a cooperação entre médicos de uma mesma equipa ou entre diferentes equipas médicas, como também a imputação de responsabilidade disciplinar — «Nas equipas multidisciplinares, a responsabilidade de cada médico deve ser apreciada individualmente» (artigo 9.º, n.º 2, do Código Deontológico) — ou a repartição de honorários — «Na prestação de serviços médicos por equipa médica ou multiprofissional, os honorários podem ser reclamados por cada um dos intervenientes ou só por um, sem prejuízo de terem de ser sempre discriminados» (artigo 53.º, n.º 1).

       Não, contudo, a definição, com eficácia externa, dos níveis assistenciais das equipas de urgência, em unidades de saúde cuja administração não compete aos profissionais médicos, nessa qualidade. Já, sim, como norma de orientação técnica, sugerida às administrações das unidades de saúde.

       Em conformidade com o artigo 4.º, n.º 1, do Estatuto, a habilitação regulamentar, para ser válida, teria de encontrar respaldo em norma de competência, porquanto a Ordem dos Médicos não pode aprovar toda a sorte de regulamentos que possuam mera afinidade semântica com as suas atribuições.

       Seria preciso que tal competência regulamentar se encontrasse prevista no Estatuto da Ordem dos Médicos ou em outra lei — o que vimos não ser o caso.

       Entre as habilitações regulamentares consignadas pelo Estatuto nenhuma se refere à composição de equipas médicas nem a outros aspetos próprios da organização e funcionamento das unidades de saúde. Apenas, a título indicativo.

       Aliás, a Ordem dos Médicos, teve oportunidade de se pronunciar a respeito da composição de outras equipas médicas — no âmbito da cirurgia —, limitando-se a delinear orientações técnicas[101], acompanhadas pelos pareceres dos colégios de especialidade e que se focam nas respetivas áreas de atuação.

       XII.2. O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência abstém-se de identificar os seus destinatários, mas não pode ter outros senão os profissionais médicos.

       Por conseguinte, os órgãos das instituições que integram o SNS não se encontram obrigados ao seu cumprimento.

A eficácia externa dos regulamentos das associações públicas profissionais circunscreve-se aos respetivos membros e aos candidatos ao exercício da profissão (artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

Ainda que para o diretor clínico, como profissional médico, o teor do regulamento constitua uma referência técnica autorizada, as suas disposições em nada o vinculam no desempenho de um cargo que não constitui exercício da medicina.

Até mesmo o direito à objeção técnica, consignado pelo artigo 13.º do Código Deontológico, só justifica «a recusa de subordinação a ordens técnicas oriundas de hierarquias institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas» na eventualidade de «o médico se sentir constrangido a praticar ou deixar de praticar atos médicos, contra a sua opinião médica».

Só o ato médico — e não a organização do serviço — fundamentam a referida objeção técnica, a qual, em todo o caso, não prevalece sobre o dever de obediência funcional.

O artigo 10.º, n.º 1, do Código Deontológico, é bastante revelador, ao determinar o seguinte: «O médico deve abster-se de praticar atos que não estejam de acordo com as leges artis».

A centralidade do ato médico na deontologia profissional é um contributo derradeiro para recusar natureza deontológica às normas contidas no projeto de regulamento, ao que passaremos, de imediato.

XII.3. Apesar de o disposto no artigo 2.º, n.º 3, do projeto determinar aos profissionais médicos que o modelo de constituição das equipas de urgência «constitui uma referência ética e deontológica para todos os médicos» tais normas não devem nem podem ser consideradas desenvolvimento de princípios e regras deontológicos.

Como tivemos oportunidade de observar[102], o dever deontológico do médico para com as boas práticas não altera a natureza destas. Elas não se transmutam em regras deontológicas pelo facto de haver um dever deontológico de as tomar em consideração.

Diante do risco de uma expansão imoderada dos preceitos deontológicos, há quem, como JOÃO PACHECO DE AMORIM[103], recu s e a tais regulamentos a qualificação de regulamentos autónomos:

              «Tais normas, ainda que eventualmente sujeitas a uma codificação pela autoridade profissional, através (e sob a forma) de regulamento administrativo, reconduzem-se no ordenamento jurídico ao conceito de lei material, nunca a título de regulamentos autónomos (como expressão de um poder normativo próprio das Ordens, praeter legem — isto é, de livre conformação do conteúdo das respetivas normas), mas de costume, como legítima fonte de direito, no nosso ordenamento jurídico (ainda que fonte material, e não formal, e desde que praeter legem, incluindo nós no conceito de legem os princípios gerais de direito) — nada impedindo, dadas as especificidades que apresentam, o serem elas aplicadas por juízes‑peritos»

Aquela norma do projeto faz, por isso, incorrer o ato regulamentar em desvio de poder com a consequente invalidade.

       O vício «consiste na utilização dos seus poderes por uma autoridade administrativa com vista a um fim outro que não aquele para o qual lhe foram conferidos» (GEORGES VEDEL/ PIERRE DELVOLVÉ[104]) ou, em linha com a pregressa definição do § único do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 40 768, de 8 de setembro de 1956[105], o desvio de poder[106] «traduz-se no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante desconforme com a finalidade para que a lei atribuiu tal poder» (JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ[107]).

       Isto, ainda que o motivo principalmente determinante se mostre lícito e conforme com o interesse público.

       O Código do Procedimento Administrativo faz eco desta eventualidade, ao dispor, no artigo 161.º, n.º 2, alínea e), que são nulos os atos praticados com desvio de poder para fins privados, significando que, ao invés, o desvio de poder para fim público diverso cai no domínio da anulabilidade do ato administrativo (artigo 163.º, n.º 1).

       A pretensão de encontrar respaldo para aprovar certo regulamento na definição de critérios éticos e deontológicos da profissão médica revelaria um desvio do poder regulamentar assente no artigo 144.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, provando-se que o motivo principalmente determinante da deliberação fora obter a relutância ética dos profissionais médicos contra a constituição de equipas de urgência no modo que vem sendo praticado.

       O motivo principalmente determinante seria, pois, o de vincular o SNS a um determinado paradigma de composição das equipas médicas nos serviços de urgência, em contradição com o fim ínsito ao desenvolvimento regulamentar dos princípios e regras deontológicos.

       O raciocínio de base configura, mais ou menos, o seguinte silogismo:

              — O profissional médico encontra-se eticamente obrigado a exercer a sua atividade segundo as boas práticas clínicas (artigo 135.º, n.º 1, do Estatuto, e artigo 6.º, n.º 2, do Código Deontológico);

              — Sendo a composição das equipas de urgência, tal como definidas por regulamento da Ordem dos Médicos, o paradigma, não só das leges artis, como «uma referência ética e deontológica para todos os médicos» (artigo 2.º, n.º 3, do projeto),

              — Então, todo o profissional médico deve considerar-se deontologicamente em falta se prestar serviço nas equipas hospitalares de urgência constituídas segundo parâmetros menos exigentes.

       Se, por outro lado, a Ordem dos Médicos se abstém de invocar como norma habilitante o artigo 144.º do Estatuto que, justamente, prevê o desenvolvimento de princípios e regras deontológicos, e, na verdade, for esse o fim que principalmente a motiva, ocorre, de igual modo, uma contradição típica do desvio de poder.

       Contradição que é agravada se o motivo principalmente determinante, não sendo de natureza deontológica, for de cariz laboral, e, no entanto, as normas receberem uma moldura ética que visa subtrair a associação pública profissional à proibição de «exercer funções próprias das associações sindicais» (artigo 267.º, n.º 4, da Constituição).

       A proibição, no enunciado da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro (artigo 5.º, n.º 2) é formulada com estes termos:

              «As associações públicas profissionais estão impedidas de exercer ou de participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros».

       Conforme oportunamente foi assinalado[108], as normas deontológicas possuem um fundamento axiológico e manifestam caraterísticas de permanência e adequação histórica que não se encontram nas disposições em causa.

       A ponderação entre o ponto ótimo ou desejável das práticas profissionais, por um lado, e a contingências dos recursos e meios, por outro, é um juízo que compete a cada médico, como prudentemente sugere o Código Deontológico:

«Artigo 5.º

(Qualidade dos cuidados médicos)

              O médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance[109], agindo sempre com correção e delicadeza, no intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no respeito pela dignidade do ser humano».

       A formulação realçada — prestação dos melhores cuidados ao seu alcance — mostra-se valiosa para situar o médico no contexto do trabalho em equipa e das limitações que a escassez de recursos impõe ao exercício da profissão.

       O profissional médico convive com as condições que o empregador proporciona à prestação de cuidados de saúde até ao limite de o seu desempenho individual se encontrar intoleravelmente comprometido, agindo até esse limite com os meios de assistência que tiver ao seu alcance.

       Tal ponderação não pode ser substituída por um regulamento.

       De outro modo, se o exercício da profissão for condicionado por normas técnicas que os empregadores não estão em condições de satisfazer — apresentadas, no entanto, como regras da deontologia médica — os profissionais podem ver-se confrontados com a impossibilidade de prestar trabalho subordinado.

       Contra esse condicionalismo dispõe o artigo 28.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro:

              «Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 33.º[110], não pode ser proibido o exercício da atividade profissional em regime de subordinação jurídica, nem exigido que o empregador seja profissional qualificado ou sociedade de profissionais, desde que sejam observados os princípios e regras deontológicos e o respeito pela autonomia técnica e científica e pelas garantias conferidas aos profissionais pelos respetivos estatutos, e cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 30.º[111]».

       A tudo isto acresce que o Código Deontológico não ignora, muito menos condena, as equipas médicas multidisciplinares, chegando a precisar (artigo 9.º, n.º 2) que em tais equipas, «a responsabilidade de cada médico deve ser apreciada individualmente).

       Naturalmente que os médicos são livres de se opor a equipas multidisciplinares nos serviços de urgência e podem exercer todos os meios lícitos ao seu alcance, a fim de persuadirem os poderes públicos quanto à conveniência em reforçar a composição das equipas médicas de urgência. Fazem-no individualmente ou através das associações sindicais, mas não da associação pública profissional.

       A Ordem dos Médicos, por seu turno, dispõe da faculdade de se dirigir à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) que, nos termos da do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto[112], tem por incumbência a supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, no que respeita «à garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados de saúde de qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes». Um dos objetivos da regulação a cargo da ERS é, precisamente, «zelar pela prestação de cuidados de saúde de qualidade» (artigo 10.º, alínea d]).

       Por isso, dispõe-se no Estatuto da ERS o que vai transcrito:

«Artigo 14.º

(Garantia da prestação de cuidados de saúde de qualidade)

              Para efeitos do disposto na alínea d) do artigo 10.º, incumbe à ERS:

              a) Promover um sistema de âmbito nacional de classificação dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde quanto à sua qualidade global, de acordo com critérios objetivos e verificáveis, incluindo os índices de satisfação dos utentes;

              b) Verificar o não cumprimento das obrigações legais e regulamentares relativas à acreditação e certificação dos estabelecimentos.

              c) Garantir o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde de qualidade, sem prejuízo das competências da Direção-Geral da Saúde;

              d) Propor e homologar códigos de conduta e manuais de boas práticas dos destinatários da atividade objeto de regulação pela ERS».

       Dito isto, uma coisa fica bem clara. As disposições contidas no projeto de regulamento sob consulta podem constituir boas práticas médicas na prestação de cuidados de saúde em contexto de urgência hospitalar, mas, de modo algum podem considerar-se referências éticas de comportamento para os profissionais médicos.

       E, a constituírem boas práticas médicas, não pode a Ordem dos Médicos dotá-las da força jurídica própria de um regulamento com eficácia jurídica externa.

       As normas simplesmente orientadoras a que se refere o artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo não podem, em simultâneo, ser aprovadas e publicadas como normas regulamentares em sentido próprio, dotadas de eficácia jurídica externa (artigo 135.º).

       O desvio de poder em que as normas incorrem, a serem aprovadas, determina a sua invalidade sob o valor jurídico negativo da nulidade (artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

       XII.4. Os regulamentos aprovados sob a competência exclusiva da Ordem dos Médicos são regulamentos autónomos cuja validade depende de serem compatíveis com a lei e conformes às normas e princípios constitucionais.

       Todos os demais regulamentos da Ordem dos Médicos — autónomos ou de execução — devem subordinar-se aos regulamentos aprovados pelo Governo, em matéria de administração da saúde.

       Vimos que os regulamentos das autarquias locais, correspondendo ao grau mais elevado de autonomia regulamentar, têm como limite as normas emanadas das autoridades com poder tutelar (cf. artigo 241.º da Constituição) [113].

       As autoridades com poder tutelar surgem no preceito constitucional como forma abreviada de identificar o Governo da República e os governos regionais.

       Cumprindo ao Ministro da Saúde exercer o poder tutelar sobre a Ordem dos Médicos (artigo 158.º do Estatuto), compete-lhe lançar mão dos instrumentos jurídicos ao seu alcance para impedir a aplicação de regulamentos corporativos desconformes com normas regulamentares aprovadas pelo Governo.

       O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência mostra-se desconforme com o Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, pois, de acordo com o seu artigo 4.º, é o regulamento interno de cada serviço de urgência a estabelecer «o modelo global de funcionamento, a estrutura hierárquica do serviço e a constituição das equipas multidisciplinares e multiprofissionais».

       Trata-se do exercício de um poder discricionário[114] que assiste aos conselhos de administração, sem prejuízo da necessária homologação pelo Ministro da Saúde, em conformidade com o Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro (cf. artigo 38.º e artigo 7.º, n.º 1, alínea i) do Anexo II[115] e artigo 7.º, n.º 1, alínea i), do Anexo III[116]).

       Mostra-se desconforme também com o n.º 4 e com o n.º 6 do Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, pois ali se dispõe, de novo, que a competência para definir a constituição das equipas médicas de urgência pertence aos conselhos de administração e que compete ao diretor do Serviço de Urgência e ao diretor clínico proporem ao conselho de administração uma escala-tipo.

       Aprovada a escala-tipo, o diretor do SU acorda com os vários diretores de serviço «a distribuição nominal dos médicos especialistas e internos que prestam serviço de urgência, por dias da semana e por turnos» (n.º 11).

       E, como tivemos oportunidade de observar, este mesmo Despacho n.º 47/SEAS/2006 determina o modo como é veiculado o contributo da Ordem dos Médicos para a defesa da saúde e dos direitos dos doentes, em matéria de constituição de equipas médicas dos serviços de urgência.

       Assim, no n.º 7, dispõe-se que as escalas-tipo devem respeitar, sempre que possível, os níveis assistenciais definidos pela Ordem dos Médicos.

       São justamente estes níveis assistenciais boas práticas clínicas que cumpre à Ordem dos Médicos elaborar e fazer chegar ao Ministro da Saúde, no âmbito da atribuição enunciada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto: «Colaborar com as demais entidades da Administração Pública nas questões de interesse público relacionadas com a profissão médica».

       Assiste aos colégios de especialidade um papel ativo na definição dos níveis assistenciais mínimos em serviços de urgência, porquanto se dispõe no artigo 69.º, n.º 2, do Estatuto que, através dos colégios, a Ordem «formula normas técnicas, de orientação clínica e outras relativas ao exercício profissional» (alínea b]). Dispõe o Conselho Nacional de competência para «solicitar e ou aprovar pareceres, normas técnicas, normas de orientação clínica, e outros normativos da competência consultiva dos conselhos nacionais consultivos e dos colégios da especialidade e competências» (artigo 58.º, n.º 1, alínea s), do Estatuto).

       A formulação de orientações ou boas práticas na constituição das equipas médicas em serviços de urgência encontra aqui a habilitação legal que lhe pede o artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, a respeito de regulamentos informais, de orientação, não jurídicos.

       Por último, o projeto de regulamento colide materialmente com a preferência por médicos dedicados aos serviços de urgência, em equipas multidisciplinares, em violação do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Despacho n.º 10 319/2014, de 25 de julho, e do artigo 4.º do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março.

       A Ordem dos Médicos mostra-se contrária ao paradigma que inspira o Governo e a favor da constituição de equipas médicas de urgência monodisciplinares — uma por cada especialidade — mas não dispõe de competência para impor ao SNS um modelo em contramão e obliterar a «condução da política geral do país» que compete ao Governo (artigo 182.º) e por ela responde.  

       XII.5. Os poderes de superintendência e de tutela do Ministro da Saúde relativamente ao SNS podem considerar-se atingidos pelas disposições do Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, embora estas não vinculem o Ministro da Saúde nem os órgãos próprios do SNS. Atingidos porque, de certo modo, a Ordem dos Médicos se propõe exercer uma função concorrente.

       A superintendência é, nas palavras de DIOGO FREITAS DO AMARAL[117], «o poder conferido ao Estado ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência». Considera o Autor[118] que se trata de «um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela administrativa», pois «esta tem apenas por fim controlar a atuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a superintendência se destina a orientar a ação das entidades a ela submetidas».

       Do exercício deste poder resultam diretrizes ou diretivas e orientações estratégicas, cuja vinculação ocorre ao nível dos resultados, mas deixando a escolha dos meios à autonomia própria da entidade superintendida.

       Se esta é a conceção tradicional da superintendência — que oscilou entre uma hierarquia enfraquecida e a tutela de mérito[119] — a verdade é que tem vindo a alargar-se, como observa JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE[120]:

              «A superintendência pode englobar outros poderes — de nomeação ou de demissão de titulares de órgãos, de controlo preventivo (parecer vinculante, autorização, aprovação), de correção (anulação, revogação), de substituição (incluindo a modificação), de aplicação de sanções — mas só nas matérias e na medida em que sejam expressamente previstos na lei (…)».

       A superintendência tende, cada vez mais, a acomodar poderes dispersos do órgão em posição de supremacia e que não encontram acolhimento na hierarquia nem na tutela.

       Se a autorização e a aprovação, mesmo que permitindo a recusa com motivações de conveniência, constituem poderes tipicamente tutelares, num equilíbrio entre autonomia e controlo, já a homologação de regulamentos deve considerar-se um poder de superintendência, senão hierárquico.

       O órgão com poderes de homologação exerce uma verdadeira competência dispositiva, pois faz seu o ato homologado. Ocorre uma «incorporação do conteúdo de um ato alheio» (JOSÉ GABRIEL QUEIRÓ[121]). O órgão com poderes de homologação está, no entanto, privado da iniciativa, motivo por que não pode modificar o ato.

       Se, como vimos, a homologação do regulamento interno das unidades de urgência, compreendendo a constituição das equipas médicas, compete ao Ministro da Saúde, pode dizer-se que a aprovação do Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência representaria uma ingerência nos poderes de superintendência.

         XII.6. Pelas mesmas razões pode dizer-se que, a ser aprovado, o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência atropelaria competências próprias dos conselhos de administração, dos diretores clínicos e até dos diretores dos serviços de urgência.

       Vimos, com efeito, que o Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, reserva à Ordem dos Médicos um importante papel orientador, de definição dos níveis assistenciais que tem como adequados. E vimos outrossim que esses níveis devem, sempre que possível, conformar o exercício do poder discricionário dos órgãos aos quais compete aprovar as escalas-tipo.

       O teor do Anexo ao projeto de regulamento, não fora o caráter imperativo que a Ordem dos Médicos lhe imprimiu, poderia prestar-se a essa função.

       Todavia, a Ordem dos Médicos não enveredou por esse caminho, antes procurando exorbitar das suas atribuições e competências, ao pretender que os níveis assistenciais que sustenta sejam imperativos.

       Assim, uma vez mais, há que assinalar a incompetência absoluta da Ordem dos Médicos para aprovar o regulamento em questão. Além de preterir a competência regulamentar do Governo, invade atribuições das entidades públicas empresariais que integram o SNS, ignorando a competência própria dos respetivos conselhos de administração e dos outros órgãos diretivos.

       XII.7. O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência não pode delimitar o conteúdo funcional do cargo de chefe de equipa médica de urgência, nem sequer interpretar com eficácia externa as pertinentes disposições legais que versam sobre o assunto.

       Assim, deve considerar-se inválido, por violação de lei, o disposto no artigo 4.º, n.º 2, do projeto, ao prever que o chefe da equipa de urgência deixa de prestar funções assistenciais diretas, pois incorre em contradição com o conteúdo funcional definido para este cargo pelos regimes das carreiras médicas: o Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto (carreira dos médicos que prestam trabalho nas unidades de saúde confiadas a entidades públicas empresariais ou sob parcerias de gestão) e o Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto (regime da carreira especial médica, i.e. dos médicos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas).

       Segundo tal norma do projeto, o médico designado para chefiar a equipa de urgência tão-pouco contaria para o apuramento dos efetivos mínimos em cada equipa.

       O chefe de uma equipa de urgência de otorrinolaringologia, não obstante especialista, seria absolutamente irrelevante para o cômputo de três profissionais médicos — número considerado no projeto como o limite mínimo.

       Com efeito, para esta especialidade, a Ordem dos Médicos considerou necessária a presença permanente de um especialista e de um interno de formação específica, mas no pressuposto de um terceiro médico (especialista) se encontrar de prevenção para eventuais cirurgias.

       O chefe de equipa tem por missão coordenar as atividades e a qualidade técnica da prestação de serviços, resolver questões suscitadas pelos colegas e, fora do horário de funcionamento do conselho de administração, providenciar por transferências de doentes, internamentos ou entradas no bloco operatório, mas, na margem de disponibilidade residual, ficaria impedido de exercer funções assistenciais.

       Os regimes das carreiras médicas, ao invés, consignam ao chefe de equipa a prestação de cuidados de saúde, embora na estrita medida do que o desempenho das funções de direção e coordenação lhe consintam.

       Em ambos os regimes determina-se que o exercício das funções de direção e chefia «não impede a manutenção da atividade de prestação de cuidados de saúde por parte dos médicos, mas prevalece sobre a mesma» (artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto, e artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto).

       A incompatibilidade entre o artigo 2.º, n.º 4, do projeto de regulamento e as citadas disposições dos regimes das carreiras médicas mostra-se evidente, pois onde a lei determina que o exercício de funções de direção ou chefia não isenta o profissional médico da prestação assistencial possível (que as tarefas de direção lhe possibilitem), o regulamento, pelo contrário, obriga-o exclusivamente a tarefas de coordenação, a ponto de não poder contar como um dos especialistas da equipa.

       A ponderação deste especialista — que se encontra presente no serviço — para o efeito de preencher os requisitos de constituição das equipas acaba por se revelar menor do que a de um médico ausente, em regime de prevenção.

       Sustenta o Senhor Bastonário que o projeto de regulamento não inova, pois o chefe de equipa de urgência encontra-se sempre vinculado pelo dever de auxílio. Como médico, não pode furtar-se a exercer funções assistenciais perante circunstâncias que reclamem, em absoluto, a sua intervenção salvífica.

       Ora, as intervenções salvíficas dos profissionais médicos em nada pressupõem o exercício de funções ou o conteúdo funcional, como decorre, aliás, do crime de recusa de médico p.p. nos termos do artigo 284.º do Código Penal[122].

       Para que o chefe de equipa cumpra o dever de auxílio, sob pena de incorrer na prática do referido crime, não é necessário prever nos regimes das carreiras médicas uma permissão excecional para, em caso de grave perigo para a vida ou para integridade física de alguém, prestar assistência.

       As normas dos regimes de carreiras médicas, ao disporem que as funções de direção ou chefia não impedem a prestação de funções assistenciais obrigam a uma atividade residual — tanto quanto possível. Não, à prestação de auxílio mencionada pela norma criminal, pois qualquer profissional médico — com ou sem funções de chefia, encontrando-se, ou não, em serviço — incorre na imputação pela prática do referido crime.

       Diga-se, por fim, mesmo deixando de lado a incompatibilidade da norma regulamentar com as normas legislativas a que sempre deveria conformidade, que a prescrição regulamentar em causa (artigo 4.º, n.º 2) representa uma intromissão nas relações jurídicas laborais dos profissionais médicos.

       Intromissão que diríamos exceder a que é própria das associações sindicais. É que os sindicatos, não possuindo poder regulamentar, participam na contratação coletiva (artigo 56.º, n.º 3, da Constituição), mas em caso algum definem, unilateralmente, o conteúdo funcional dos cargos e das categorias profissionais.

       XII.8. À invalidade das normas regulamentares por incompetência absoluta, violação de lei e desvio de poder encontra-se associada a nulidade, como valor jurídico negativo, considerando que o artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, permite que tal invalidade seja declarada a todo o tempo, por iniciativa de qualquer interessado (como é próprio dos atos nulos[123]).

       De igual modo, o artigo 74.º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos[124] (CPTA) permite a declaração de ilegalidade de normas administrativas a todo o tempo, e o artigo 73.º, n.º 1, contempla um regime alargado de legitimidade processual.

       Embora o artigo 144.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, e o artigo 74.º, n.º 2, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos estabeleçam um prazo de seis meses para a impugnação ou declaração oficiosa de invalidade, trata-se de normas especiais, estritamente aplicáveis a vícios formais ou procedimentais das normas regulamentares, o que não é o caso do projeto trazido a consulta.

       XII.9. O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência é insuscetível de produzir efeitos jurídicos sem antes ser aprovado pela Senhora Ministra da Saúde.

       Ao analisarmos o poder regulamentar das associações públicas profissionais[125] vimos que certos regulamentos, em função do objeto, encontram-se sujeitos a homologação governamental: (i) sobre estágios profissionais, (ii) sobre as provas de acesso à profissão e (iii) sobre as especialidades profissionais.

       Com efeito, dispõe-se na Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, em matéria de tutela administrativa exercida sobre as associações públicas profissionais, o seguinte:

«Artigo 45.º

(Tutela administrativa)

              1 — As associações públicas profissionais não estão sujeitas a superintendência governamental nem a tutela de mérito, ressalvados, quanto a esta, os casos especialmente previstos na lei.

              2 — As associações públicas profissionais estão sujeitas a tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo sobre a administração autónoma territorial.

              3 — A lei de criação ou os estatutos de cada associação pública profissional estabelecem qual o membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre cada associação pública profissional.

              4 — Ressalvado o disposto no número seguinte, a tutela administrativa sobre as associações públicas profissionais é de natureza inspetiva.

              5 — No âmbito da tutela de legalidade, os regulamentos que versem sobre os estágios profissionais, as provas profissionais de acesso à profissão e as especialidades profissionais só produzem efeitos após homologação da respetiva tutela, que se considera dada se não houver decisão em contrário nos 90 dias seguintes ao da sua receção.

              6 — Para efeitos do número anterior, o membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre a associação pública profissional deve solicitar os esclarecimentos e os documentos necessários à decisão sobre a homologação dos regulamentos nos 45 dias posteriores à receção do requerimento da associação pública profissional.

              7 — A associação pública profissional deve responder às solicitações do membro do Governo que exerce os poderes de tutela nos 10 dias seguintes, não se suspendendo o prazo previsto no n.º 5, salvo se este prazo for ultrapassado.

              8 — É aplicável às associações públicas profissionais, com as necessárias adaptações, o disposto na Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, alterada pela Lei Orgânica n.º1/2011, de 30 de novembro».

       A generalidade das disposições contidas no projeto de regulamento da Ordem dos Médicos dizem respeito e conformam 28 especialidades da profissão médica, quer na definição de um mínimo de especialistas por equipa de urgência médica, quer ao nível das competências dos médicos internos, como sucede nas equiparações dos internos do último ano a especialistas: o que recai na previsão do transcrito n.º 5. 

       Por conseguinte, o projeto de regulamento encontra-se sujeito a homologação da Senhora Ministra da Saúde, pois, de acordo com o artigo 158.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, é ao membro do Governo responsável pela área da saúde que compete exercer os poderes de tutela sobre esta associação pública.

       Cumpre-nos observar, contudo, que a homologação a que se refere o artigo 45.º, n.º 5, é-o em sentido impróprio. Deve antes ser qualificada como aprovação.

       A homologação faria do ato e das suas disposições um regulamento do Governo. Por isso, a homologação não faz parte dos instrumentos próprios da tutela administrativa[126].

       É típica da hierarquia administrativa e pode, eventualmente, fazer parte dos poderes de superintendência, mas incompatível com o grau de autonomia que a tutela administrativa pressupõe[127].

       Os meios tutelares de controlo integrativo repartem-se entre a autorização e a aprovação[128].

       A autorização constitui um pressuposto do exercício de certas competências e é praticada num momento que precede a prática do ato ou do regulamento (ou a conclusão do contrato administrativo, se for esse o caso) e da sua falta decorre anulabilidade nos atos e nulidade nos regulamentos (artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).  

       Pelo contrário, a aprovação é deferida pela autoridade tutelar depois de praticado o ato ou aprovado o regulamento.

       Sem aprovação, o ato ou o regulamento permanecem desprovidos de eficácia jurídica (artigo 157.º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo).

       Ora, o artigo 45.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, refere-se, nem mais nem menos, à produção de efeitos, o que significa ter o legislador considerado o instrumento próprio da tutela integrativa a posteriori — a aprovação — não obstante o recurso menos rigoroso a outra expressão[129].

       O elenco dos vícios encontrados no projeto de regulamento e nas suas disposições permite recusar a aprovação por estritos motivos de legalidade.

       Vale dizer, pois então, que o regulamento, a ser aprovado e publicado sem a intervenção integrativa da Ministra da Saúde — a menos que ocorra aprovação tácita ao fim de 90 dias (artigo 45.º, n.º 5) — é juridicamente ineficaz, mesmo para a Ordem dos Médicos e para os seus membros.

      

XIII

Conclusões

       Depois de ter apreciado as normas contidas no projeto de regulamento denominado Constituição de Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, aprovado e publicado pela Ordem dos Médicos (Diário da República, 2.ª Série, n.º 201, de 21 de outubro de 2021), na perspetiva da sua conformidade com o direito aplicável, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República conclui o seguinte:

                     1.ª — A Ordem dos Médicos é uma associação pública profissional, que se encontra vinculada ao Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, na sua atual redação, e à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro (Regime da Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais).

                     2.ª — Encontra-se, como tal, sujeita ao controlo tutelar de legalidade previsto no artigo 45.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, a exercer pela Ministra da Saúde, em conformidade com o artigo 158.º do Estatuto da Ordem dos Médicos.

                     3.ª — O projeto de regulamento denominado Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência versa especialidades e competências médicas, motivo por que a sua eficácia jurídica se encontra condicionada pela aprovação da Ministra da Saúde, nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.

                     4.ª — Não obstante tal preceito referir-se a homologação, dispõe que a sua prática é condição de eficácia do regulamento, o que significa tratar-se, na verdade, de um ato de tutela integrativa a posteriori, i.e. de aprovação, à semelhança do que se determina para os atos administrativos no artigo 157.º, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo.

                     5.ª — De resto, a homologação em sentido próprio seria incompatível com a tutela administrativa exercida sobre a administração autónoma, pois o órgão que homologa faz seu o ato homologado — como sucede, tipicamente, na hierarquia administrativa e, eventualmente, na superintendência sobre a administração indireta — o que subverteria a posição das associações públicas profissionais como sector da administração autónoma.   

                     6.ª — A Ministra da Saúde pode recusar a aprovação do Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência, depois de verificar que as suas normas se revelam ilegais, como, em concreto, sucede.

                     7.ª — Com efeito, o Regulamento, a ser definitivamente aprovado, incorre em incompetência absoluta (também designada incompetência por falta de atribuições), pois estabelece parâmetros quantitativos e qualitativos que devem presidir à composição das equipas médicas nos serviços de urgência, repartidas por 28 especialidades, determina o conteúdo funcional do chefe de equipa e define os requisitos a serem cumpridos para os médicos em internato de formação especializada viabilizarem a operacionalidade de tais equipas, tudo isto configurando assuntos que exorbitam das atribuições da Ordem dos Médicos, tal como são enunciadas pelo artigo 3.º, n.º 1, do respetivo estatuto.

                     8.ª — O Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência visa a produção de efeitos jurídicos externos, tendo, por isso, sido submetido a consulta pública, em conformidade com o artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que não pode filiar-se na atribuição enunciada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Médicos: «Contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes».

                     9.ª — Contribuir, ao nível de atribuições e competências de natureza pública, significa participar, colaborar ou cooperar em ordem a um fim cuja prossecução não é privativa da Ordem dos Médicos.

                     10.ª — Por seu turno, a atribuição consignada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea a) — «Regular [] o exercício da profissão de médico» — não é suficiente para habilitar a Ordem dos Médicos a definir, de modo unilateral e vinculativo, critérios de organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, até porque as associações públicas profissionais não podem concorrer com as associações sindicais (artigo 267.º, n.º 4, da Constituição) e com o respetivo âmbito de atividade (artigo 56.º). 

                     11.ª — Ao princípio da especialidade, na delimitação das atribuições das associações públicas profissionais (artigo 6.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro), acresce um princípio de tipicidade dos seus regulamentos (artigo 9.º, n.º 1), o qual impede a aprovação de regulamentos não previstos no respetivo estatuto ou em outro ato legislativo, como precisamente sucede com a matéria em causa, em face do Estatuto da Ordem dos Médicos.

                     12.ª O Regulamento, a ser aprovado, invadiria atribuições próprias do Estado e das entidades públicas empresariais que administram os hospitais, centros hospitalares e unidades de saúde local do Serviço Nacional de Saúde.

                     13.ª A constituição das equipas médicas nos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde é definida pelo regulamento interno de cada unidade de saúde, a aprovar pelo conselho de administração do hospital, centro hospitalar ou unidade de saúde local (artigo 7.º, n.º 1, alínea i) dos Anexos II e III do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro), e a homologar pela Ministra da Saúde, no exercício dos poderes de superintendência que lhe assistem (artigo 20.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro).

                     14.ª Os regulamentos das associações públicas profissionais devem conformar-se com as normas regulamentares aprovadas pelo Governo, quer constem de regulamentos de execução das leis (artigo 199.º, alínea b) da Constituição) quer constem de regulamentos independentes (artigo 199.º, alínea g]).

                     15.ª — De acordo com o artigo 241.º da Constituição, os regulamentos dos municípios e das freguesias, não obstante representarem o mais elevado grau de autonomia administrativa, encontram-se condicionados pelas normas regulamentares emanadas das autoridades com poder tutelar que incidam em questões de interesse nacional, o que vale, por maioria de razão, para os regulamentos das associações públicas profissionais.          

                     16.ª — Além do regulamento interno de cada serviço de urgência, a constituição das equipas médicas no Serviço Nacional de Saúde é objeto do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, e dos regulamentos que o executam, todos eles veiculando uma clara preferência por equipas multidisciplinares de profissionais médicos, em dedicação privilegiada aos serviços de urgência.

                     17.ª Pelo contrário, o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência visa criar equipas monodisciplinares, segundo várias proporções entre médicos especialistas e internos, em presença permanente ou de prevenção, segundo critérios demográficos, número de camas e níveis de responsabilidade de cada serviço de urgência.

                     18.ª — Por conseguinte, as disposições do artigo 1.º e do artigo 2.º, n.º 1 e n.º 2, do projeto infringem o disposto no artigo 4.º do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 6 de março, e o disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Despacho n.º 10 390/2014, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, de 25 de julho, incorrendo em violação de lei.

                     19.ª Infringem, de igual modo, o Despacho n.º 47/SEAS/2006, de 19 de dezembro, em cujo n.º 7 se prevê que o modo de participação da Ordem dos Médicos na constituição das equipas médicas nos serviços de urgência consiste em normas técnicas — indicação dos níveis assistenciais considerados apropriados — e que, segundo o mesmo preceito regulamentar, os diretores clínicos e os conselhos de administração adotam «sempre que possível».

                     20.ª — A intervenção reservada à Ordem dos Médicos, no tocante à constituição de equipas médicas nos serviços de urgência, consiste, pois, na indicação dos níveis assistenciais que tem por convenientes ou desejáveis, o que corresponde ao papel dos regulamentos não jurídicos, previstos no artigo 136.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, sob as designações seguintes, entre outras possíveis: diretivas, recomendações, instruções, códigos de conduta ou manuais de boas práticas.

                     21.ª — Ainda que o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência viesse a produzir efeitos jurídicos, o seu âmbito de aplicação teria sempre de circunscrever-se aos profissionais inscritos na Ordem dos Médicos e aos candidatos à profissão, em conformidade com o artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, não podendo vincular, por conseguinte, as instituições do Serviço Nacional de Saúde.

                     22.ª — O projeto, no artigo 4.º, em especial nos seus n.ºs 2 e 3, define o conteúdo funcional do chefe de equipa médica de urgência, em contradição com os regimes das carreiras médicas, assim violando, especificamente o artigo 17.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/2009 e o artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 177/2009, ambos de 4 de agosto.

                     23.ª — Onde a lei prevê que o chefe de equipa, subsidiariamente, presta funções assistenciais aos doentes — i.e. na margem de disponibilidade que as tarefas de direção lhe consintam — o projeto de regulamento priva-o, por completo, de tais funções.

                     24.ª — Além de a Ordem dos Médicos estar obrigada a conformar toda a sua atividade administrativa com a lei e com os regulamentos do Governo, não pode, em caso algum intervir em assuntos de cariz sindical (artigo 267.º, n.º 4 da Constituição) — como sucede com as carreiras médicas — nem pode condicionar as relações económicas ou profissionais dos seus membros (artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e artigo 3.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Médicos).

                     25.ª — O Regulamento incorre, ainda, em desvio de poder, pois o motivo principalmente determinante da sua aprovação — conformar as equipas médicas de urgência segundo o paradigma da Ordem dos Médicos — contradiz o fim próprio das normas de competência regulamentar — regular o exercício da profissão segundo os princípios éticos e deontológicos.

                     26.ª No artigo 2.º, n.º 3, as prescrições do Regulamento são consideradas referência deontológica para todos os médicos, não obstante faltar-lhes dimensão axiológica e reiteração ou permanência que, segundo o artigo 1.º do Código Deontológico, são elementos constitutivos dos princípios e regras da deontologia médica.

                     27.ª — O desenvolvimento de princípios e regras deontológicos não pode servir para inculcar entre os profissionais médicos — designadamente, diretores clínicos e diretores de serviços de urgência — a convicção de que o trabalho em equipa multidisciplinar, prestado segundo o modelo atualmente praticado, constitui exercício da profissão eticamente reprovável.

                     28.ª — São, simplesmente, normas técnicas, parâmetros quantitativos e qualitativos, cuja aplicação pertence à administração hospitalar e, não, aos médicos. Normas e parâmetros que, pela sua volatilidade e contingência, nunca poderiam constituir desenvolvimento de princípios deontológicos.

                     29.ª — O dever deontológico de exercer a profissão em conformidade com as leges artis diz respeito ao ato médico, (artigo 10.º, n.º 1, do Código Deontológico) competindo a cada profissional prestar os melhores cuidados ao seu alcance (artigo 5.º) e cumprir as ordens e instruções do superior hierárquico que não cerceiem a sua autonomia ética e técnico-científica (artigo 6.º) nem impliquem a prática de um crime (artigo 271.º, n.º 3 da Constituição).

                     30.ª — Por isso, a responsabilidade de cada médico é individualmente apreciada, ao prestar serviço em equipas multidisciplinares: forma de organização do trabalho médico que o Código Deontológico não ignora, muito menos condena (artigo 9.º, n.º 2).

                     31.ª — A ser aprovado o Regulamento — Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência as suas normas devem considerar-se nulas.

                     32.ª À invalidade das normas regulamentares por incompetência absoluta, por violação de lei ou por desvio de poder encontra-se associada a nulidade, como valor jurídico negativo, considerando que o artigo 144.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 74.º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, permitem que seja declarada a todo o tempo, como é próprio do regime dos atos nulos.

                     33.ª Conquanto o artigo 144.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 74.º, n.º 2, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, estabeleçam um prazo de apenas seis meses para a impugnação ou declaração oficiosa da ilegalidade de normas administrativas, ambas as disposições pressupõem tratar-se de vícios procedimentais ou de forma, o que não é o caso de nenhum dos vícios das normas do projeto de Regulamento.

 

[1] Trata-se da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

[2] Através do Ofício SES|S 2914/2022|P 000 01.03 – 342/2021, de 3 de junho de 2022. O pedido de parecer vem acompanhado pela correspondência oficial trocada entre Sua Excelência a Ministra da Saúde e o Exmo. Bastonário da Ordem dos Médicos, quando da consulta pública do projeto de regulamento.

[3] Diário da República, 2.ª Série, n.º 201, de 21 de outubro de 2021. Para efeito da consulta pública a que foi submetido, foi publicado como Projeto de Regulamento n.º 915/2021, de 6 de outubro.

[4] Diário da República, 2.ª Série, n.º 153, de 11 de agosto de 2014. Revogou o Despacho n.º 18 459/2006, de 30 de julho, o Despacho n.º 24 681/2006, de 25 de outubro e o Despacho n.º 727/2007, de 18 de dezembro de 2006. Conheceu aditamentos e modificações por via do Despacho n.º 5058-D/2016, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 12 de abril de 2016 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 72, de 13 de abril de 2016).

[5] Cujo teor é o seguinte: «Emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou por solicitação do Presidente da Assembleia da República, dos membros do Governo, dos Representantes da República para as regiões autónomas ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas».

[6] O Código do Procedimento Administrativo (CPA) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e alterado pela Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro.

[7] O relator foi designado por despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, proferido em 9 de junho de 2022 sobre o expediente recebido.

[8] O Conselho Consultivo deve conceder prioridade à elaboração, discussão e aprovação dos pareceres urgentes sobre as demais consultas que se encontrem pendentes.

[9] Seguimos a redação publicada sob a designação projeto de Regulamento n.º 915/2021, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 201, de 21 de outubro de 2021, embora com as adaptações gráficas e de formato necessárias.

[10] Serviço de Urgência Básico.

[11] Serviço de urgência Médico-Cirúrgico.

[12] Serviço de Urgência Polivalente.

[13] Interno de Formação Especializada.

[14] Unidade de Cuidados Intensivos.

[15] Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética.

[16] Ponderar extensão do horário (8-24h) e da escala de 2 elementos quando n.º admissões ultrapasse 250/dia ou tenha que ser prestada assistência à Urgência de Pediatria.

[17] Interno de Formação Geral.

[18] Através do Ofício MS|S 6080/2021|P 000.01.03 – 342/2021, de 12 de novembro de 2021.

[19] O Estatuto da Ordem dos Médicos (EOM), republicado com as alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, remonta, originariamente, ao Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto.

[20] Salvo indicação em contrário, todas as referências a normas constitucionais dizem respeito à Constituição da República Portuguesa, publicada por decreto de 10 de abril de 1976, na redação atual, i.e., a redação republicada com a Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto, no termo da VII Revisão Constitucional.

[21] A atual orgânica do Ministério da Saúde conheceu alterações operadas, sucessivamente, pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 173/2014, de 19 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 152/2015, de 7 de agosto, pelo Decreto-lei n.º 7/2017, de 9 de janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de dezembro. O Decreto-Lei n.º 32/2022, de 9 de maio (regime de organização e funcionamento do XXIII Governo Constitucional) confirma as competências da Ministra da Saúde.

[22] A denominação oficial é a seguinte: Regime Jurídico e Estatutos Aplicáveis às Unidades do Serviço Nacional de Saúde com a Natureza de Entidades Públicas Empresariais, bem como às Unidades de Saúde Integradas no Setor Público Administrativo. A atual redação compreende as alterações efetuadas pelo Decreto-Lei n.º 44/2018, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 75/2019, de 30 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 33/2021, de 12 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 100-A/2021, de 17 de novembro.

[23] Regime Jurídico da Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais.

[24] Estabelece o regime da carreira dos médicos nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica. A atual redação conta com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 266-D/2012, de 31 de dezembro.

[25] Estabelece o regime da carreira especial médica, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional. A atual redação conta com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 266-D/2012, de 31 de dezembro.

[26] Através do Ofício ARO/S2021-39277cn/P3204cn, de 21 de dezembro de 2021.

[27] «Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível, quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos».

[28] Sobre esta exigência procedimental na formação dos regulamentos com eficácia externa, v. CARLOS BLANCO DE MORAIS, Novidades em matéria de disciplina dos regulamentos no Código do Procedimento Administrativo, ICJP, Lisboa, s.d., p. 32 e seguinte; ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, Procedimento Regulamentar, in CARLA AMADO GOMES/ ANA F. NEVES/ TIAGO SERRÃO (coordenação), Comentários ao Código do Procedimento Administrativo, volume II, 5.ª edição, Ed. AAFDL, Lisboa, 2020, p. 164 e seguintes.

[29] O Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26 de fevereiro, define o regime jurídico da formação médica pós-graduada — internato médico — e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respetivo processo. Foi alterado, por apreciação parlamentar, através da Lei n.º 34/2018, de 19 de julho, e ainda pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. De acordo com o artigo 2.º, «O internato médico corresponde a um processo de formação médica, teórica e prática, que tem como objetivo habilitar o médico ao exercício da medicina ou ao exercício tecnicamente diferenciado numa determinada área de especialização, com a atribuição do correspondente grau de especialista». Dispõe-se no artigo 13.º, n.º 6, que, sem prejuízo do horário semanal de 40 horas, «a prestação de trabalho extraordinário dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas, e de natureza excecional, apenas pode ter lugar quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades, e está sujeita, em cada semana de trabalho, ao limite máximo de 12 horas, a cumprir num único período».

[30] Autogestão encontra-se, por exemplo, nas universidades públicas, justificada pela autonomia científica e pedagógica, garantidas no artigo 76.º da Constituição. V. VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 72.

[31] O Regulamento de Deontologia Médica, aprovado pela Assembleia de Representantes, em 20 de maio de 2016, foi publicado como Regulamento n.º 707/2016, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 21 de julho de 2016. Ali se aprova o Código Deontológico. Conheceu alterações efetuadas através do Regulamento n.º 498/2020, de 26 de maio, cuja redação ficou assente com a Declaração de Retificação n.º 438/2020, de 12 de junho.

[32] De natureza pública, ADSE — Assistência na Doença aos Servidores do Estado, a cargo do Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P., ADM — Assistência na Doença dos Militares das Forças Armadas, SAD – PSP (Serviços de Assistência na Doença — Polícia de Segurança Pública) e SAD – GNR (Serviços de Assistência na Doença — Guarda Nacional Republicana. De natureza particular, v.g. SAMS — Serviços de Assistência Médico-Social, administrado pelo Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias – MAIS Sindicato, SSINCM (Serviços Sociais da Imprensa Nacional Casa da Moeda) ou SSCGD (Serviços Sociais da Caixa Geral de Depósitos). Estes não se confundem com as empresas prestadoras de seguros privados de saúde, seja por terem uma vocação pessoal específica (de grupo), seja por assentarem em princípios de solidariedade social entre os aderentes.

[33] As Regiões Autónomas dispõem de serviços regionais de saúde próprios: o Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma dos Açores (cf. Decreto Legislativo Regional n.º 28/99/A, de 31 de julho) e o SESARAM — Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E.P.E. (cf. Decreto Legislativo Regional n.º 13/2019/M, de 22 de agosto).

[34] Acerca das funções do regulamento, v. MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III (Atividade Administrativa), 2.ª edição, Ed. Dom Quixote, Alfragide, 2009, p. 255 e seguinte; ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fundamento em Invalidade: Contributo para a Teoria dos Regulamentos, Ed. Almedina, Coimbra, 2012, p. 94 e seguintes.

[35] PAULO OTERO refere-se a uma específica força de regulamento (Legalidade e Administração Pública — O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Ed. Almedina, Coimbra, 2003, p. 628).

[36] V. JUAN ALFONSO SANTAMARÍA PASTOR, Principios de Derecho Administrativo General, I, 2.ª edição, Ed. Iustel, Madrid, 2009, p. 240 e seguintes.

[37] Sendo controvertida a autonomia conceptual dos regulamentos complementares. Aqueles que, não sendo indispensáveis à execução de normas legislativas, são julgados convenientes.

[38] Algo que, admite PAULO OTERO, permite ao Governo, em alguns setores, optar entre a aprovação de um decreto-lei ou de um decreto regulamentar, diretamente fundado na Constituição (Direito do Procedimento Administrativo, volume I, Ed. Almedina, Coimbra, 2016, p. 300).

[39] Curso de Direito Administrativo, volume I, 4.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 35.

[40] Expressão que usamos por antonomásia para designar as normas regulamentares.

[41] Teoria dos Regulamentos, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXVII, 1980, n.ºs 1-2-3-4, p. 5 e seguintes.

[42] No sentido de que o reconhecimento de reservas de administração importa reservas de regulamento, v. MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I (Introdução e princípios fundamentais), Editora Dom Quixote, Lisboa, 2004, p. 133 e seguinte.

[43] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 209/87, de 25 de junho de 1987, Plenário, processo n.º 74/86.

[44] A norma que hoje impede regulamentos delegados (atual artigo 112.º, n.º 5) foi aditada pela 1Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro (1.ª Revisão Constitucional). Sobre regulamentos delegados, v. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Teoria dos Regulamentos, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXVII, 1980 (n.ºs 1-2-3-4), p. 11; JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Liv. Almedina, Coimbra, 1987, p. 88 e seguintes.

[45] Direito do Procedimento Administrativo, citado, p. 301.

[46] Infra, XII.

[47]  Idem, p. 303. O Autor sugere, porém, que a falta de um regime para os regulamentos internos constituiu um retrocesso do novo Código, porventura, inconstitucional (p. 305).

[48] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Participação e Descentralização – Democratização e Neutralidade na Constituição de 1976, Liv. Almedina, Coimbra, 1982.

[49] Acerca dos conflitos entre normas regulamentares oriundas de diferentes órgãos, v. PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública — O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Ed. Almedina, Coimbra, 2003, p. 630 e seguintes; CARLOS BLANCO DE MORAIS, Curso de Direito Constitucional, Tomo I (Lei e Sistema Normativo), Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 114 e seguintes; PEDRO MONIZ LOPES, O regime substantivo dos regulamentos no projeto de revisão do Código do Procedimento Administrativo: algumas considerações estruturantes, in e-Pública - Revista Eletrónica de Direito Público, Lisboa, vol. 1, n.º 1 (Janeiro 2014), pp. 257-283; Objeto, condições e consequências da invalidade regulamentar no Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES/ ANA F. NEVES/ TIAGO SERRÃO (coordenação), Comentários ao Código do Procedimento Administrativo, volume II, 5.ª edição, Ed. AAFDL, Lisboa, 2020, p. 418 e seguintes.

[50] Sobre os regulamentos das freguesias recai ainda a sua conformação com os regulamentos do município: autarquia de grau superior.

[51] No sentido de os regulamentos regionais e de os regulamentos do Governo da República constituírem as normas regulamentares emanadas das autoridades com poderes tutelares a que se refere a parte final do artigo 241.º, v. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III (Atividade Administrativa), 2.ª edição, Ed. D. Quixote, Alfragide, 2009, p. 252 e seguintes; ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, 2004, p. 137 e seguintes. Admitindo, no entanto, uma «reserva de regulamento local», onde o primado dos regulamentos nacionais não tem lugar v. JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 743. Com limitações, de modo a excluir regulamentos governamentais invasivos das atribuições autárquicas, RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada (JORGE MIRANDA/ RUI MEDEIROS), 2.ª ed. Ed. Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2020, p. 432 e seguinte; No sentido de não haver uma hierarquia entre uns e outros, apenas devendo prevalecer regulamentos de interesse nacional ou supramunicipal, v. ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, A titularidade do poder regulamentar no direito administrativo português, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, n.º 80 (2004), p. 543 e seguintes; A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fundamento em Invalidade: Contributo para a Teoria dos Regulamentos, Ed. Almedina, Coimbra, 2012, p. 493 e seguinte. Em sentido contrário, v. JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Ed. Almedina, Coimbra, 1987, p. 277 e seguinte, para quem a expressão «regulamentos emanados (…) das autoridades com poder tutelar» apenas compreende as normas administrativas que conformem o próprio exercício do poder tutelar. Por seu turno, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA refere-se a regulamentos aprovados no exercício do poder de tutela, perspetivando o seu âmbito, de modo singular, muito para além de um pouvoir d’empêcher (Teoria Geral do Direito Administrativo, 9.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 252).

[52] O conceito de atribuições comuns ou em condomínio foi elaborado, paulatinamente, pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, primeiro, de modo larvar, no Parecer n.º 93/80, de 23 de outubro (Diário da República, 2.ª Série, de 10 de março de 1981), depois, consolidando-se, de modo especial quanto a atribuições de urbanismo e ordenamento do território, no Parecer n.º 90/85, de 12 de janeiro de 1989 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 392, 1990, p. 104 e seguintes), no Parecer n.º 53/87, de 22 de outubro de 1987 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 377, 1988, p. 131 e seguintes), no Parecer n.º 66/89, de 23 de novembro de 1989 (Diário da República, 2.ª Série, de 23 de março de 1990) e no Parecer n.º 124/90, de 21 de março de 1991 (Diário da República, 2.ª Série, de 9 de julho de 1991).

[53] PEDRO MONIZ LOPES, Objeto, condições e consequências da invalidade regulamentar no Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES/ ANA F. NEVES/ TIAGO SERRÃO (coordenação), Comentários ao Código do Procedimento Administrativo, volume II, 5.ª edição, Ed. AAFDL, Lisboa, 2020, p. 418 e seguintes.

[54] Amplo consenso, mas com dissonâncias significativas, como é o caso de JOÃO PACHECO DE AMORIM, Autonomia regulamentar das ordens profissionais e reserva de lei, in Estudos em Homenagem a Rui Pena (NUNO PENA/ PEDRO MELO), Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 396 e seguintes.

[55] Sobre esta precisão acerca do alcance da reserva de competência legislativa, v. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 19/2019, de 8 de agosto de 2019, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 222, de 19 de novembro de 2019.

[56] Neste sentido, v. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, número especial, 1984, p. 17.

[57] As associações públicas no direito português, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, vol. XXVII, 1986, p. 67.

[58] O substrato populacional e territorial das autarquias locais justifica uma multiplicidade de atribuições cuja coordenação dá corpo a uma verdadeira função política — protagonizada pelo binómio maioria/oposição — e contrasta com os fins específicos para que é criada cada associação pública profissional, de acordo com o n.º 4 do artigo 267.º da Constituição. Acerca da autonomia municipal como autonomia político-administrativa, v. ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, 2004, p. 122 2 seguintes.

[59] No sentido da prevalência dos regulamentos do Governo sobre os regulamentos da administração autónoma corporativa, por maioria de razão, relativamente às autarquias locais, v. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, I, Coimbra, 1976, p. 439.

[60] Acerca da distinção entre tutela da legalidade e tutela de mérito, por todos v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, I, Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 731.

[61] A respeito da Ordem dos Médicos, deste Conselho Consultivo, v. Parecer n.º 193/79, de 8 de maio de 1980 (atribuições), Parecer n.º 41/86, de 19 de março de 1987 (greve do pessoal médico), Parecer n.º 35/89, de 25 de outubro de 1990 (encerramento administrativo de consultório médicos), Parecer n.º 47/2007, de 13 de setembro de 2007 (aborto e deontologia), in Diário da República, 2.ª Série, n.º 217, de 12 de novembro de 2007.

[62] Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 501: «No fundo, o princípio da especialidade das pessoas coletivas públicas não passa de uma expressão particular do princípio de legalidade da administração».

[63] Cf. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª edição, Liv. Almedina, 1982, p. 202.

[64] Por vezes, de participação constitutiva, como sucede com relação a normas regulamentares em matéria de internato médico: cumpre-lhe propor ao Ministro da Saúde «a definição e a revisão dos critérios para determinação da idoneidade e capacidade formativa dos estabelecimentos e serviços» (artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26 de fevereiro).

[65] FAUSTO DE QUADROS/ JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA/ RUI CHANCERELLE DE MACHETE/ JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE/ MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA/ MÁRIO AROSO DE ALMEIDA7 ANTÓNIO POLÍBIO HENRIQUES/ JOSÉ MIGUEL SARDINHA, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 290

[66] Responsabilidade Disciplinar Médica, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 5.

[67] Pode dizer-se que conhecer os efeitos secundários adversos de uma terapêutica, segundo a informação disponível, é conforme com as leges artis, mas ponderar, em concreto, a sua prescrição a uma mulher grávida já compreende um juízo ético.

[68] Por todos, v. A. SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 12.ª edição, Petrony Editora, 2021, p. 9 e seguintes.

[69] O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2005, p. 32.

(X) «Pode porém — mas isso já é fenómeno diferente — o conteúdo da regra técnica ser assumido por uma verdadeira ordem ética. O trabalhador deve respeitar as regras técnicas, não por estas terem imperatividade, mas por força da regra moral que lhe impõe a perfeição da obra e por força da regra jurídica que lhe impõe o contrato de trabalho».

[70] Publicado como Regulamento n.º 707/2016, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 21 de julho de 2016. A atual redação conta com as modificações introduzidas pelo Regulamento n.º 498/2020, de 26 de maio, cuja redação apenas ficaria assente com a Declaração de Retificação n.º 438/2020, de 12 de junho.

[71] Referimo-nos ao Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que, depois da ampla revisão empreendida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, conheceu 51 redações, última das quais por via da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro.

[72] Negrito nosso, na reprodução do artigo 64.º da Constituição.

[73] Direito Administrativo da Saúde, in Tratado de Direito Administrativo Especial (PAULO OTERO/ PEDRO GONÇALVES), volume III, Ed. Almedina, Coimbra, 2010, p. 230 e seguintes,

[74] Acerca da descentralização do Serviço Nacional de Saúde, v. ISA ANTÓNIO, As Parcerias Público-Privadas no Sector da Saúde, Ed. Almedina, Coimbra, 2018, p. 130 e seguintes.

[75] Do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a respeito do Serviço Nacional de Saúde, v. Parecer n.º 37/2016, de 29 de junho de 2017 (inédito), Parecer n.º 33/2015, de 25 de maio de 2016 (inédito), Parecer n.º 26/2014, de 16 de outubro de 2014 (inédito), Parecer n.º 69/2007, de 17 de abril de 2008 (Diário da República, 2.ª Série, de 3 de julho de 2008), Parecer n.º 83/99, 9 de março de 2000 (Diário da República, 2.ª Série, de 10 de abril de 2002), Parecer n.º 1/95, de 9 de março de 1995 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 150, de 1 de julho de 1995), Parecer n.º 34/92, de 9 de julho de 1992 (inédito), Parecer n.º 65/91, de 5 de dezembro de 1991 (inédito), Parecer n.º 121/90, de 10 de janeiro de 1991 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 137, de 4 de junho de 1991).

[76] O artigo 13.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, previu atribuir aos municípios a participação no planeamento, na gestão e na realização de investimentos relativos a novas unidades de prestação de cuidados de saúde primários, nomeadamente na sua construção, equipamento e manutenção (n.º 1). De igual modo, a incumbência de gerirem, manterem e conservarem outros equipamentos afetos aos cuidados de saúde primários; gerirem os assistentes operacionais ao serviço das unidades funcionais dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) que integram o Serviço Nacional de Saúde; administrarem os serviços de apoio logístico das unidades funcionais dos ACES (n.º 2). Ao nível participativo, dizem-lhes respeito os programas de promoção de saúde pública, comunitária e vida saudável e de envelhecimento ativo (alínea d) do n.º 2). O Decreto-Lei n.º 33/2019, de 23 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de junho, e pelo Decreto-Lei n.º 56/2020, de 12 de agosto (que prorrogou prazos) executou as transferências previstas na área da saúde.

[77] Cf. VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 209.

[78] A versão originária do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, cuja redação ficaria assente pela Declaração de Retificação n.º 42/93, de 31 de março, veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 77/96, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 53/98, de 11 de março, pelo Decreto-Lei n.º 97/98, de 18 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 401/98, de 17 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de maio, pelo Decreto-lei n.º 157/99, de 10 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 68/2000, de 26 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 223/2004, de 3 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 222/2007, de 29 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 276-A/2007, de 31 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 177/2009, de4 de agosto, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

[79] Referimo-nos, sob a designação de Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) ao corpo normativo aprovado como anexo da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na redação fixada pela Declaração de Retificação n.º 37-A/2014, de 19 de agosto, com alterações introduzidas sucessivamente pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 84/2015, de 7 de agosto, pela Lei n.º 18/2016, de 20 de junho, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, pela Lei n.º 25/2017, de 30 de maio, pela Lei n.º 70/2017, de 14 de agosto, pela Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 6/2019, de 14 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 29/2019, de 20 de fevereiro, pela Lei n.º 79/2019, de 2 de setembro, pela Lei n.º 82/2019, de 2 de setembro, e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

[80] Há, contudo, um regime transitório, previsto pelo artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro, relativamente aos trabalhadores com vínculo de emprego público que, quando da entrada em vigor deste diploma, se encontrassem providos em postos de trabalho dos mapas de pessoal das unidades de saúde. Mantêm o seu estatuto, sem prejuízo da LGTFP, e de poderem optar pelo contrato individual de trabalho (artigo 30.º).

[81] O artigo 82.º, n.º 4, alínea c), da Constituição cuida do subsetor autogestionário, dentro do setor cooperativo e social, compreendendo «os meios de produção objeto de exploração coletiva por trabalhadores».

[82] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 173/2014, de 19 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 206/2015, de 23 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 38/2018, de 11 de junho

[83] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 67/2013, de 17 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto.

[84] O Decreto-Lei n.º 23/2020, de 22 de maio, define o regime dos contratos de parceria de gestão, com caráter supletivo e temporário e em casos de necessidade fundamentada, na área da saúde e define os termos da gestão dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde. Contudo, não prejudica a aplicação do regime previsto no Regime das Parcerias Público-Privadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de junho, nem do Decreto-Lei n.º 138/2013, de 9 de outubro, mesmo às parcerias cujo procedimento se tenha apenas iniciado anteriormente à sua entrada em vigor.

[85] Alterada pelo Decreto-Lei n.º 44/2017, de 20 de abril, e pela Lei n.º 110/2019, de 9 de setembro.

[86] Diário da República, Série I-B, n.º 55, 6 de março de 2002. Sob a epígrafe (Adaptação dos serviços de urgência do SNS ao direito de acompanhamento) dispõe-se no artigo 31.º o seguinte:

      «1 — Os estabelecimentos do SNS que disponham de serviço de urgência devem proceder às alterações necessárias nas instalações, organização e funcionamento dos respetivos serviços de urgência, de forma a permitir que o utente possa usufruir do direito de acompanhamento sem causar qualquer prejuízo ao normal funcionamento daqueles serviços.

      2 — O direito de acompanhamento nos serviços de urgência deve estar consagrado no regulamento da respetiva instituição de saúde, o qual deve definir com clareza e rigor as respetivas normas e condições de aplicação».

[87] Cf. Artigo 7.º, n.º 1, alínea i) do Anexo II e artigo 7.º, n.º 1, alínea i), do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro

[88] Divulgada por meio da Circular Informativa n.º 64, da Secretaria-geral do Ministério da Saúde, de 28 de dezembro de 2006. Da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.

[89] Diário da República, 2.ª Série, n.º 209, de 29 de outubro de 2012.

[90] De criação obrigatória, são (i) os Centros de Oxigenação por Membrana Extracorporal, instalados nos hospitais com SUP e com Serviços de Medicina Intensiva e Serviço de Medicina Cardiotorácica, e (ii) os Serviços de Medicina Hiperbárica. A título eventual, (iii) os Centros de ECMO Cardíaco, em hospitais com Programa de Transplante Cardíaco Ativo.

[91] Alterada pela Portaria n.º 331-B/2021, de 31 de dezembro.

[92] Diário da República, 2.ª Série, n.º 228, de 20 de novembro de 2015. Viria a ser republicado sob a Declaração de Retificação n.º 1032-A/2015, de 24 de novembro de 2015, e alterado pelo Despacho n.º 10438/2016, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 8 de agosto de 2016 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 159, de 19 de agosto de 2016).

[93] O articulado de ambos coincide em grande parte, pelo que, sem indicação contrária, os preceitos mencionados referem-se a ambos.

[94] Seguimos a classificação de MARCELO REBELO DE SOUSA (Lições de Direito Administrativo, Volume I, Editora Lex, Lisboa, 1999, p. 240).

[95] Os médicos prestam cuidados de saúde: previnem a doença, providenciam pelos meios mais adequados ao tratamento e cura das enfermidades ou promovem a reabilitação possível. A Ordem dos Médicos contribui para que os serviços prestados pelos profissionais médicos obedeçam a critérios de rigor e humanidade.

[96] É, de certo modo, uma atribuição imperfeita, pois limita-se a representar um dos fins que vinculam o exercício dos poderes discricionários de todos os órgãos da Ordem dos Médicos. A Ordem dos Farmacêuticos e a Ordem dos Enfermeiros prosseguem atribuições semelhantes. Quanto à primeira, cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 288/2001, de 10 de novembro, na redação republicada com a Lei n.º 131/2015, de 4 de setembro. Quanto à segunda, cf. n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de abril, na redação republicada com a Lei n.º 156/2015, de 16 de setembro.

[97] V. Parecer n.º 2/78 da Comissão Constitucional (Pareceres da Comissão Constitucional, 4.º volume, Imprensa Nacional, Lisboa, 1979, p. 152 e seguintes; Parecer n.º 111/92, de 25 de fevereiro de 1993, deste corpo consultivo. Ali se considera haver profissões de interesse público, não no interesse dos profissionais, mas por motivo de «um elevado grau de formação científica e técnica, regras de exercício ou de prática de atos extremamente relevantes e exigentes, necessidade de confiança social tão marcada, que se torna indispensável uma disciplina capaz de abranger todos os profissionais». E logo após: «É do interesse dos próprios profissionais que a disciplina jurídica do exercício da profissão seja definida e cumprida, mas é isso também (ou sobretudo) do interesse dos que recebem os serviços desses profissionais (que podem ser quaisquer cidadãos) e do interesse da sociedade no seu conjunto».

[98] Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 894.

[99] V. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 11/92, de 25 de fevereiro de 1993.

[100] Autonomia regulamentar das ordens profissionais e reserva de lei, in Estudos em Homenagem a Rui Pena (NUNO PENA/ PEDRO MELO), Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 416.

[101] Orientações para a constituição das equipas por atos cirúrgicos ou equiparados, aprovadas pelo Conselho Nacional Executivo, reunido em 28 de fevereiro de 2014.

[102] Supra, VIII.

[103] Autonomia regulamentar das ordens profissionais e reserva de lei, in Estudos em Homenagem a Rui Pena (NUNO PENA/ PEDRO MELO), Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 432.

[104] Droit administratif, Tome 2, 12.ª edição, Ed. PUF, Paris, 1992, p. p. 331.

[105] Antiga Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (LOSTA), revogada pela lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro. Ali se dispunha o seguinte: «A anulação por desvio de poder terá lugar sempre que da prova exibida resultar para o Tribunal a convicção de que o motivo principalmente determinante da prática do ato recorrido não condizia com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário».

[106] Para maiores desenvolvimentos sobre o desvio de poder, v. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Reflexões sobre a teoria do desvio de poderem direito administrativo, Coimbra, 1940.

[107] Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª edição, Âncora Editora, Lisboa, p. 240.

[108] Supra, VIII.

[109] Itálico nosso.

[110] O artigo 33.º, n.º 1, refere-se a «profissões que prossigam, na globalidade ou em alguns dos seus atos e atividades, missões específicas de interesse público» bem como a «profissões cuja globalidade de atos ou atividades tenha uma ligação direta e específica ao exercício de poderes de autoridade pública».

[111] O artigo 30.º, n.º 2, dispõe o seguinte: «Os serviços profissionais que envolvam a prática de atos próprios de cada profissão e se destinem a terceiros, ainda que prestados em regime de subordinação jurídica, são exclusivamente assegurados por profissionais legalmente habilitados para praticar aqueles atos».

[112] Republicado com o Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto. A redação foi parcialmente alterada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 74/2019 (Diário da República, 1.ª Série, n.º 47, de 7 de março de 2019).

[113] Supra, V.

[114] Poder discricionário cujo fim é individualizado pelo artigo 3.º, n.º 2: «As equipas de médicos dos serviços de urgência devem ter uma constituição adequada ao movimento assistencial do serviço».

[115] Aplicável aos Hospitais, Centros Hospitalares e Institutos Portugueses de Oncologia, E. P. E.

[116] Aplicável às Unidades de Saúde Locais, E.P.E.

[117] Curso de Direito Administrativo, volume I, 4.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 744.

[118] Ibidem.

[119] V. VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 211 e seguintes

[120] Lições de Direito Administrativo, 6.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, p. 98.

[121] Homologação, in Dicionário Jurídico de Administração Pública, Volume V, Lisboa, 1993, p. 90.

[122] Supra, XI.

[123] Cf. Artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo.

[124] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, cuja redação se fixou com a Declaração de Retificação n.º 17/2002, de 4 de junho, e foi consecutivamente alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, e pela Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto.

[125] Supra, VI.

[126] A recusa de homologação implicaria a inexistência jurídica do ato, o qual permaneceria sempre na condição de projeto ou proposta, de iniciativa, de ato preparatório.

[127] V. ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, 2004, p. 366 e seguinte.

[128] Por todos, v. MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, Volume I, Ed. Lex, Lisboa, 1999, p. 231 e seguinte.

[129] JOSÉ GABRIEL QUEIRÓ adverte contra a frequência do uso erróneo da expressão pelo legislador, seja para designar poderes de aprovação, como também de ratificação, de confirmação ou de simples aceitação de uma proposta (Homologação, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, V, Lisboa, 1993, p. 91).

 

[112] Republicado com o Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto. A redação foi parcialmente alterada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 74/2019 (Diário da República, 1.ª Série, n.º 47, de 7 de março de 2019).

[113] Supra, V.

[114] Poder discricionário cujo fim é individualizado pelo artigo 3.º, n.º 2: «As equipas de médicos dos serviços de urgência devem ter uma constituição adequada ao movimento assistencial do serviço».

[115] Aplicável aos Hospitais, Centros Hospitalares e Institutos Portugueses de Oncologia, E. P. E.

[116] Aplicável às Unidades de Saúde Locais, E.P.E.

[117] Curso de Direito Administrativo, volume I, 4.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2015, p. 744.

[118] Ibidem.

[119] V. VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 211 e seguintes

[120] Lições de Direito Administrativo, 6.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, p. 98.

[121] Homologação, in Dicionário Jurídico de Administração Pública, Volume V, Lisboa, 1993, p. 90.

[122] Supra, XI.

[123] Cf. Artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo.

[124] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, cuja redação se fixou com a Declaração de Retificação n.º 17/2002, de 4 de junho, e foi consecutivamente alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, e pela Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto.

[125] Supra, VI.

[126] A recusa de homologação implicaria a inexistência jurídica do ato, o qual permaneceria sempre na condição de projeto ou proposta, de iniciativa, de ato preparatório.

[127] V. ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, 2004, p. 366 e seguinte.

[128] Por todos, v. MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, Volume I, Ed. Lex, Lisboa, 1999, p. 231 e seguinte.

[129] JOSÉ GABRIEL QUEIRÓ adverte contra a frequência do uso erróneo da expressão pelo legislador, seja para designar poderes de aprovação, como também de ratificação, de confirmação ou de simples aceitação de uma proposta (Homologação, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, V, Lisboa, 1993, p. 91).

Anotações
Legislação: 
CRP76 ART241; CPA ART99 ART135 ART152 ART199 N1; DESP 10319/2014 IN DR II S N 153 DE 2014/08/11; REG 915/2021 IN DR II S 201 DE 2021/10/21; DL 282/77 DE 1977/07/05; L 117/2015 DE 2015/08/31; DL 18/2017 DE 2017/02/10; L 2/2013 DE 2013/01/10; DL 176/2009 DE 2009/08/04; DL 177/2009 DE 2009/08/04; DESP NORM 11/2012 DE 2012/03/06; DESP 47/SEAS/2006 DE 2006/12/19; DL 13/2018 DE 2018/02/26; REG 707/2016 IN DR II S DE 2016/07/21 REG DEONTOLOGIA MÉDICA; L 2/2013 DE 2013/02/10; DL 40651 DE 1956/06/21; L 56/79 DE 1979/09/15; L 15/93 DE 1993/01/15; L 15/2914 DE 2014/03/21; DESP 14041/2012 DE 2012 IN DR II S 209 DE 2012/10/29; DESP 13427/2015 IN DR II S 228 DE 2015/11/20; DESP 10438/2016 IN DR II S 159 DE 2016/08/19; PORT 147/2017 DE 2017/04/27
 
Divulgação
Número: 
164
Data: 
25-08-2022
Página: 
92
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