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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
54/1999, de 26.11.1999
Data do Parecer: 
26-11-1999
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
REVISÃO DE PROCESSO
RISCO AGRAVADO
Conclusões: 
1.ª O exercício de instrução militar, com o emprego de um lança-granadas, corresponde a uma actividade com risco agravado enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, com referência ao n.º 2 do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro;

2.ª A qualificação como deficiente das Forças Armadas exige a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3.ª O acidente de que foi vítima o ex-Sargento Fuzileiro RES (...) (...) integra-se na situação que se refere a conclusão 1.ª, mas porque dele resultou uma incapacidade de 24% tal impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Excelência:

I
Para a emissão do parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, foi enviado à Procuradoria-Geral da República o processo relativo ao ex-Sargento Fuzileiro RES (...).
Cumpre, pois, emiti-lo.

II
1. Do processo extraem-se, com relevo, os seguintes elementos de facto:

- Durante uma aula de armamento a alunos do ITB, ministrada pelo requerente em 8JUNHO83, após ter exemplificado as várias posições de fogo de um lança-granadas foguete, mandou carregar a arma com uma munição de exercício.

- Ao puxar o manípulo à rectaguarda, e sem que tivesse sido premido o gatilho, ocorreu o disparo da munição.

- Em consequência do acidente o 1º Sarg. (...) ficou com perturbações na audição.

- Presente a exame de sanidade em 23/Maio/84, verificou-se que sofria de um quadro de surdez sonotraumática com zumbidos, atribuída ao rebentamento da granada de ‘bozooka’, de que poderiam resultar consequências futuras, nomeadamente o agravamento de surdez com incapacidade para o serviço. Foi proposta a atribuição de um coeficiente de desvalorização de 0,24.

- Presente à JSN em 8/Abril/94 foi-lhe atribuída uma desvalorização de 0,24.

- No relatório de exame pericial à arma LGF 88 s/m com que ocorreu o acidente “verificou-se que a mola de contacto estava encostada à massa devido às placas de baquelite do punho se encontrarem mal apertadas, ficando deste modo o circuito fechado. Que após o que foi referido, o disparo dá-se desde que o terminal da granada esteja ligado ao aspiral de contacto…”

- Segundo concluíram as autoridades militares na averiguação que efectuaram, o acidente aconteceu em serviço e por motivo do seu desempenho, o requerente cumpriu as regras de segurança, e o acidente ocorreu por avaria da arma.

III
Dispõe o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 ([1]):

«2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição da capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.»

E acrescenta o artigo 2.º, n.º 1, alínea b):

«1. Para efeitos da definição constante do n.º 2 do artigo 1.º deste decreto-lei, considera-se que:
a) (...)
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.»

Os n.ºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2.º esclarecem:

«2. O “serviço de campanha ou campanha” tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes da actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As “circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha” têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. “O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores” engloba aqueles casos especiais, aí não previstos ([2]), que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.»

2. O Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, procedeu ao «alargamento do regime jurídico dos DFA aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, justifiquem, pelo seu circunstancialismo, o mesmo critério de qualificação» ([3]).

Entre tais situações encontram-se aquelas que são definidas nas referidas disposições do artigo 1.º, n.º 2, e 2.º, n.º 4, como resultantes de acidente ocorrido no exercício de funções e deveres militares, e por causa desse exercício, em circunstâncias que envolvam um risco agravado equiparável ao que é inerente às restantes actividades expressamente mencionadas na lei: serviço de campanha, prisioneiro de guerra, manutenção da ordem pública, prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública.

Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 43/76 no sentido de que «o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito – de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública – só é aplicável aos casos que, pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas».

«Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas.» ([4])

«Este corpo consultivo tem vindo a entender, uniformemente, em sucessivos pareceres, que, na interpretação das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, para além das situações expressamente previstas na lei, o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas só é aplicável nos casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole e considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha ou equivalente.

«Como já se salientou, o privilégio do regime dos deficientes das Forças Armadas tem, ínsita, a ideia de recompensar os que se sacrifiquem pela Pátria.

«Não basta, por isso, o mero exercício de funções e deveres militares para que se estabeleça tal equiparação, tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente, ou seja, às previstas nos três primeiros itens do n.º 2 do artigo 1.º

«Exige-se uma actividade de risco agravado, superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, risco a valorar em sede de objectividade, pois se mostra incompatível com circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.»

3. De acordo com tal doutrina, este corpo consultivo tem entendido, sem divergências, qualificar como actividade de risco agravado, equiparável nomeadamente à situação tipificada no primeiro item do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, o exercício de campo, o exercício de treino militar ou a instrução militar, que envolvam lançamento de granadas de morteiro, ou de granadas de mão, ou lançamento de granadas por meio de lança-granadas foguete ([5]).

Por outro lado, as lesões do foro otológico integram também elas o risco normal de operações de treino com rebentamentos de explosivos. Os militares envolvidos nessas operações podem ter que suportar rebentamentos de tal modo próximos, que quer a deslocação de ar, quer o estampido produzidos, lhes podem provocar lesões ao nível auditivo, sem que se possam considerar tais lesões uma consequência esporádica e imprevisível da participação na operação. Diferentemente se passarão as coisas se os rebentamentos ocorrem em sítios pré-determinados, sem deslocação dos militares, e por maioria de razão em carreiras de tiro ([6]).

4. No caso, as consequências sofridas pelo requerente na sua saúde resultaram do disparo inesperado de uma munição de instrução de um lança-granadas foguete, no decurso de uma aula que envolvia a instrução sobre a utilização deste tipo de armas.

O disparo inesperado foi motivado, segundo os relatórios periciais, por deficiências do próprio material, ligando-se, assim, aos riscos do manuseamento e utilização que são inerentes ao referido tipo de equipamentos.

O acidente sofrido pelo requerente, face aos factos descritos, ocorreu, assim, em circunstâncias típicas de risco agravado que correspondem à previsão do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/6, por referência ao nº 4 do artigo 2º.

IV
1. O alcance do artigo 1.º do referido diploma, no segmento analisado, é, contudo, limitado pelo comando contido na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, que fixa em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para a qualificação de deficiente das Forças Armadas.

Uma diminuição de capacidade geral de ganho igual ou superior a 30% é condição imprescindível para que possa ser reconhecido o direito à reparação prevista no Decreto-Lei n.º 43/76, não bastando, como tal, para esse efeito, que o militar tenha sofrido um acidente susceptível de preencher todo o restante condicionalismo definido no artigo 1.º

Nem sempre assim aconteceu porquanto na vigência de diplomas precedentes, com idênticos objectivos, não se encontrava estabelecido tal limite mínimo.

Como se afirmou em anteriores pareceres, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de «permitir o enquadramento como deficiente das Forças Armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais ([7]).

Observou-se que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das Forças Armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se «terminando com a incongruência do Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma» ([8]).

Ressalvam-se, porém, as situações de qualificação automática – artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 43/76 ([9]) - o que manifestamente não ocorre neste caso.

Confirmando tal interpretação, a Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, no seu n.º 4, afirma expressamente que nos casos de revisão do processo «a apreciação será feita pela nova definição de DFA, constante do artigo 1.º e complementada no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro», e deverá continuar «pela verificação da percentagem da incapacidade atribuída».

2. O grau de incapacidade atribuído ao requerente, no caso concreto, foi de 24%, o que torna inviável, em razão do disposto na citada alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, a atribuição da qualidade de deficiente das Forças Armadas.

V
Em face do exposto extraem-se as seguintes conclusões:

1.ª O exercício de instrução militar, com o emprego de um lança-granadas, corresponde a uma actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2.ª A qualificação como deficiente das Forças Armadas exige a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3.ª O acidente de que foi vítima o ex-Sargento Fuzileiro RES (...) integra-se na situação que se refere a conclusão 1ª, mas porque dele resultou uma incapacidade de 24% tal impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.




([1]) O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 foi recentemente alterado pela Lei n.º 46/99, de 16 de Junho, visando o apoio às vítimas de stress pós-traumático de guerra. Nos termos do artigo 1.º desta Lei, os n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 permaneceram inalterados, foi introduzido um novo n.º 3 e o anterior n.º 3 passou a constituir o novo n.º 4.
([2]) Redacção rectificada por Declaração publicada no Diário da República, I Série, 2.º Suplemento, de 26 de Junho de 1976.
([3]) Do preâmbulo do diploma.
([4]) Dos pareceres n.º 55/87, de 29.07.87, e n.º 80/87, de 19.11.87, homologados mas não publicados, reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também os pareceres n.ºs 10/89, de 12.04.89, 33/91, de 24.04.91, 47/94, de 24.11.94, 46/95, de 12.10.95, 71/96, de 23.01.97, 4/97, de 6.03.97, 39/98, de 15.06.98, 19/99, de 29.04.99.
([5]) Assim, v.g., os Pareceres nºs 148/76 e 184/76 publicados respectivamente no nº 269 a pág. 39 e nº 272 a pág. 62, ambos do Boletim do Ministério da Justiça, Pareceres nºs 231/77 de 17/11/77, 251/77 de 2/12/77, 106/78 de 8/5/78, 114/78 de 1/6/78, 185/78 de 2/11/78, 255/78 de 4/1/79, 264/78 de 4/1/79, 172/79 de 8/11/79, 62/80 de 875/80, 70/80 de 28/8/80, 11/81 de 12/2/81, 82/81 de 28/5/81, 26/84 de 23/5/84, 55/85 de 4/7/85, 10/88 de 23/6/88, 154/88 de 9/2/89, 10/89 de 12/4/89, 11/89 de 23/2/89, 82/89 de 23/11/89, 19/90 de 5/4/90, 94/90 de 25/10/90, 114/90 de 6/12/90, 18/91 de 31/2/91, e 76/92 de 28/1/93, 57/93 de 22/11/93 e 36/94 de 29/9/94, todos inéditos.
([6]) Como se afirmou no parecer deste Conselho nº 18/92, de 28 de Maio desse ano “Pondera-se, com efeito, que o tiro realizado nesses locais especialmente adequados e apetrechados, rodeados de requisitos de segurança, não expõe os instruendos a risco superior ao do comum da actividade própria da rotina da função militar, só excepcionalmente dando lugar a acidentes”.
([7]) Parecer n.º 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, de 23.10.78, cujos termos têm vindo a ser retomados em pareceres posteriores; cfr., entre os mais recentes, os pareceres n.ºs 9/98, de 14.05.98, e 19/99, de 29.04.99.
([8]) Referido parecer n.º 115/78.
([9]) Sobre qualificação automática, cfr. os pareceres n.ºs 18/89, de 29.03.89, e 38/89, de 25.01.90, homologados.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 B N2 N3 N4 ART18 N1.
PORT 162/76 DE 1976/03/24 N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA
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