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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
35/1999, de 13.07.2000
Data do Parecer: 
13-07-2000
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DETENÇÃO
DETENÇÃO FORA DE FLAGRANTE DELITO
FLAGRANTE DELITO
MANDADO JUDICIAL
CUMPRIMENTO
ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
DIREITOS FUNDAMENTAIS
DIREITOS DO DETIDO
MEDIDA CAUTELAR
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
PRISÃO PREVENTIVA
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
LACUNA
OMISSÃO LEGISLATIVA
Conclusões: 
1ª. A detenção, prevista no artigo 254.º do Código de Processo Penal, constitui uma medida cautelar e precária, directamente vinculada a servir as finalidades expressamente fixadas na lei;
2.ª A detenção deve ser efectivada nas condições previstas nos artigos 259.º e 260.º do Código de Processo Penal, respeitando o direito da pessoa a deter a comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança, e no respeito pelas exigências decorrentes dos princípios da adequação e proporcionalidade;
3ª. As condições de execução da detenção, previstas na lei, contêm a flexibilidade bastante para permitir a compatibilização da efectivação da detenção com imediatas exigências da pessoa a deter, avaliadas segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade;
4ª. Não se verifica, assim, uma lacuna ou carência normativa relativamente à previsão directa de situações em que o indivíduo a deter tenha de prestar assistência a pessoas que dela estritamente necessitem, como sejam, menores, deficientes ou idosos;
5ª. As dúvidas manifestadas na Recomendação aconselham, no entanto, que sejam emitidas instruções de actuação aos agentes de autoridade encarregados da efectivação da detenção, susceptíveis de guiar numa adequada concretização dos princípios gerais enunciados na lei.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,
Excelência:

I
Por entender que se verifica uma lacuna normativa relativamente ao cumprimento de mandados de detenção, que careceria de ser suprida legislativamente, o Senhor Provedor de Justiça formulou uma Recomendação[1] tendo por objecto a criação de uma medida legislativa de garantia dos direitos de terceiros, no quadro do regime do cumprimento dos mandados de detenção, tendo presente, especialmente, as situações de assistência à família, idosos, crianças e deficientes.
Vossa Excelência, considerando tratar-se de matéria delicada, na medida em que versa sobre direitos fundamentais e que carece de ser perspectivada face ao ordenamento jurídico na sua globalidade, a exigir a ponderação sobre a necessidade e oportunidade da elaboração de legislação que especificamente regule o tipo de situações referidas, e em que sede, dignou-se solicitar parecer deste Conselho Consultivo.
Cumpre, assim, emiti-lo.

II
1. O Senhor Provedor de Justiça, no uso da competência que lhe é conferida pelo artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, dirigiu-se a Vossa Excelência recomendando a criação de medida legislativa adequada a garantir os direitos de terceiros nos casos de cumprimento de mandados de detenção, tendo presente, particularmente, as situações de necessidade de assistência à família, idosos, crianças e deficientes por parte da pessoa a que se refere o mandado de detenção.
O fundamento da Recomendação encontrou-o o Senhor Provedor na ocorrência de situações em que a execução do mandado de detenção determina, por reflexo, prejuízos graves e imediatos para terceiros que estão dependentes da pessoa a deter, nomeadamente nas situações referidas. Tratar-se-ia, em tais casos, de um conflito positivo de causas; por um lado, o dever de cumprimento do mandado judicial, legítimo e inquestionável, e, por outro, a necessidade de salvaguardar direitos de terceiros directa e imediatamente lesados com o cumprimento do mandado, que, por serem direitos constitucionalmente protegidos de terceiros, não poderiam ser preteridos para assegurar "um dever de cumprimento da justiça".
Perante esta leitura dos fundamentos e da sugestão contida na referida Recomendação, na consulta a este Conselho vêm expressamente formuladas as seguintes questões:
- Determinação da existência de uma lacuna normativa;
- Na afirmativa, possibilidade e termos da integração dessa lacuna;
- Possibilidade de conferir exequibilidade à norma integradora da lacuna;
- Necessidade de criação de medida legislativa e em que sede.

2. Nas circunstâncias do caso concreto que desencadeou a sua intervenção[2], o Senhor Provedor solicitou informação ao Comandante-Geral da Polícia de Segurança Pública, nomeadamente sobre quais as instruções que os agentes daquela força de segurança têm relativamente ao procedimento a adoptar neste tipo de situações, sendo informado não existirem quaisquer instruções definidas relativas à efectivação de mandados de detenção.

De igual modo - considera - o Código de Processo Penal é omisso em relação à previsão deste tipo de situações, bem como não existe legislação extravagante que as tutele.

A situação concreta, bem como outras de igual natureza cuja extrapolação permite, revelariam, pois, a inexistência de dispositivo legal ou mesmo regulamentar que disponha sobre o modo de actuação dos órgãos de polícia criminal que procedem a uma detenção quando verifiquem que a pessoa a deter assegura a assistência a pessoa carecida de especial protecção.

Em tais situações, da efectivação dos mandados de detenção podem resultar prejuízos graves e imediatos para terceiros que estão dependentes da pessoa a deter. Serão os casos, nomeadamente, de idosos, ascendentes ou não do sujeito, crianças, descendentes ou não e assistência a pessoas doentes, especialmente deficientes.

A Constituição - refere o Senhor Provedor na fundamentação - pretende garantir, de modo global, os direitos daqueles sujeitos jurídicos. A protecção da família tem garantia constitucional afirmada no artigo 67º, a protecção da infância no artigo 69º, a protecção dos deficientes no artigo 71º e os cidadãos idosos encontram garantias no artigo 72º.

Porém, no tipo de situações sub judicio a efectivação do mandado de detenção - inquestionável enquanto legítimo - comporta efeitos negativos reflexos que não encontram qualquer justificação jurídica, não havendo previsão legal com vista a anular ou, pelo menos, a atenuar esses efeitos negativos.

Perante o quadro normativo vigente, tais pessoas seriam objecto de uma permeabilidade nos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não beneficiando de uma protecção jurídica adequada.

O procedimento dos órgãos de polícia criminal relativo ao cumprimento de um mandado de detenção há-de conformar-se com requisitos legalmente definidos, os quais são os únicos hábeis a permitir uma garantia eficiente dos direitos fundamentais em risco de terceiros em consequência da efectivação do mandado.

Foi este, assim designado, "conflito positivo de causas" - por um lado, o dever de cumprimento do mandado judicial, por outro, a necessidade de salvaguardar direitos de terceiros directa e imediatamente lesados com o cumprimento do mandado - que levou o Senhor Provedor a ponderar a necessidade da existência de regulação quanto aos requisitos de modo, ou de exercício, de efectivação do mandado de detenção.

Concluiu, consequentemente, verificar-se uma lacuna normativa relativamente à efectivação dos mandados de detenção que careceria de ser suprida legislativamente, dado estarem em causa direitos fundamentais em relação aos quais incumbe ao Estado um dever especial de promoção e protecção [3].

III
1. A Constituição assegura como um dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o direito à liberdade e à segurança.

Dispõe o artigo 27º, nº 1, que "todos têm direito à liberdade e à segurança", e no nº 2, "que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança".

As excepções a esta afirmação própria de um direito fundamental essencial, dir-se-ia reforçado, porque as limitações têm assento também constitucional, constam das várias alíneas do nº 3 da mesma disposição:

"3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
(...)
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
(...)."

Dispõe, por seu lado, o nº 4: "Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos"[4].

Dispõe, por sua vez, o artigo 28º (Prisão preventiva):

"1. A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe a oportunidade de defesa.
2. A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.
3. A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido, por este indicados.
4.(...) [5]”.


2. Não é fácil definir a detenção. A lei não o faz, cumprindo ao intérprete caracterizá-la.[6]

Numa definição preliminar, poderá caracterizar-se a detenção como uma medida de privação da liberdade de movimentos que constitui uma limitação aos direitos fundamentais da pessoa, e cuja finalidade essencial é a colocação do sujeito à disposição da autoridade judicial[7].

O Código de Processo Penal disciplina a detenção na sistemática das fases preliminares do processo, mas esta ordenação não comporta, por si, significado relevante no plano de determinação dos elementos caracterizadores da noção.

A definição, ou porventura melhor, a identificação dos elementos essenciais para caracterizar a detenção, deve encontrar-se e decorrer do regime assente na lei de processo[8].

Dispõe o artigo 254º do CPP (Finalidades):

"1. A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação de uma medida de coacção; ou
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual.
2. O arguido detido fora de flagrante delito para aplicação ou execução da medida de prisão preventiva é sempre apresentado ao juiz, sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141º."

Os artigos seguintes (artigos 255º a 257º) referem-se à detenção em flagrante delito[9] e à detenção fora de flagrante delito.

Por sua vez, o artigo 116º do CPP permite ao juiz ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a detenção pelo tempo indispensável à realização da diligência, de quem tiver faltado injustificadamente a acto processual.
3. A Constituição, na actual versão, e o Código do Processo Penal, distinguem os conceitos de detenção e de outras formas de privação da liberdade, nomeadamente da prisão preventiva.

Detenção significa, etimologicamente, o acto de colocar alguém na situação de prisão ou sob captura[10].

No sentido em que o conceito é utilizado no processo penal, a detenção consiste numa privação de liberdade efectuada nos termos e nas condições previstas no CPP, isto é, em fase preliminar do processo, ou como medida coactiva imediata destinada a assegurar a presença de uma pessoa em algum acto processual. Esta forma de privação de liberdade, destinada a satisfazer imediatas necessidades do processo (submissão do detido, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a julgamento em processo sumário, ou para ser presente ao juiz para o primeiro interrogatório judicial, ou para aplicação ou execução de uma medida de coação ou para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder 24 horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual), distingue-se da prisão preventiva emergente de decisão judicial e considerada, no sistema do CPP, como a medida de coacção mais gravosa.

O CPP reserva a noção de "prisão preventiva" para a privação de liberdade individual emergente de decisão judicial e aplicada como medida de coacção, e o conceito de detenção para todos os restantes casos em que a privação de liberdade tenha que ser confirmada por subsequente intervenção judicial, ou tenha imediatas finalidades instrumentais para assegurar a presença imediata de pessoa, provadamente não colaborante, em acto processual.

A noção de detenção envolve, assim, um sentido de precaridade numa tripla ordem de considerações: pela possível natureza não judicial da ordem, pela medida do tempo de duração a que está imperativamente conformada e pela imediata finalidade processual que a justifica e faz com que nessa finalidade se esgote.

A detenção tem, pois, finalidades específicas, cautelares e de polícia, que a distinguem de outras formas de privação de liberdade; não é necessariamente dependente de mandado judicial, não pressupõe a qualidade processual de arguido, e tem uma limitação temporal absolutamente inultrapassável[11]. Tem de ser, por isso, entendida nesta sua perspectiva unicamente teleológica.


4. A detenção pode, pois, ter lugar, mas só pode ter lugar, nas condições e segundo os pressupostos directamente determinados na lei.

Em flagrante delito, e tratando-se de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, o presumível agente deve ser detido por qualquer autoridade ou entidade policial que estiver presente, ou pode ser detido por qualquer pessoa, se uma autoridade não estiver presente ou não puder ser chamada em tempo útil - artigo 255.º do CPP.

Fora de flagrante delito, a detenção só pode ter lugar por mandado das autoridades judiciárias ou ordem das autoridades de polícia criminal e desde que se verifiquem os pressupostos legais[12]. A detenção fora de flagrante delito está sujeita a pressupostos formais e pressupostos materiais. Os pressupostos formais são o mandado das autoridades judiciárias e do das autoridades de polícia criminal, previstos no artigo 257º do CPP.

Os pressupostos materiais relativamente aos mandados do Ministério Público e às ordens das autoridades de polícia criminal estão também estabelecidos nesta disposição. O pressuposto material do mandado de detenção pelo Ministério Público é a admissibilidade da prisão preventiva (artigo 257º, nº 1)[13]; no que respeita à ordem de detenção pelas autoridades de polícia criminal os pressupostos materiais são, além da admissibilidade da prisão preventiva, existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga e não ser possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária (artigo 257º, nº 2, alíneas a), b) e c))[14].

A detenção ordenada pelo juiz também está sujeita a pressupostos materiais, que são coincidentes com as finalidades legalmente assinaladas à detenção: para a aplicação de uma medida de coacção e para assegurar a presença imediata de detido perante o juiz em acto processual.

As condições formais da detenção estão fixadas no artigo 258º do CPP. Dispõe:

"1. Os mandados de detenção são passados em triplicado e contêm, sob pena de nulidade:
a) A assinatura da autoridade judiciária ou de polícia criminal competentes;
b) A identificação da pessoa a deter; e
c) A indicação do facto que motivou a detenção e das circunstâncias que legalmente a fundamentam.
2. Em caso de urgência e de perigo na demora é admissível a requisição da detenção por qualquer meio de telecomunicação, seguindo-se-lhe imediatamente confirmação por mandado, nos termos do número anterior.
3.. (...)".

A falta de qualquer dos indicados requisitos constitui nulidade. O mandado a que falte algum dos requisitos indicados na lei não permite a efectivação da detenção, "por a pessoa a deter não poder comprovar a legitimidade de quem o assinou, se lhe é dirigido ou se se verificam os pressupostos materiais que a permitem".[15]


5. A execução da detenção é efectuada pelo funcionário de justiça ou por qualquer agente policial, munidos de mandado de detenção emitido nas condições legais.

A detenção deve ser imediatamente comunicada ao juiz ou ao Ministério Público, conforme dispõe o artigo 259º: sempre que qualquer autoridade policial proceder a uma detenção, comunica-a de imediato ao juiz do qual dimanar o mandado de detenção, se esta tiver a finalidade referida na alínea b) do artigo 254º (isto é, quando se destinar a assegurar a presença em acto processual), e ao Ministério Público nos restantes casos.

As condições gerais de efectivação da detenção vêm previstas no artigo 260º por remissão para certos pontos da regime geral relativo à aplicação das medidas de coacção. Dispõe:

"É correspondentemente aplicável à detenção o disposto:

a) No artigo 192.º, n.º 2;
b) No artigo 194.º, n.º 3, segunda parte, e n.º 4."

Deste modo, a detenção não deve (não pode) efectuar-se quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou da extinção do procedimento criminal, e o acto de detenção deve ser, com o consentimento do detido, imediatamente comunicado a parente, a pessoa da sua confiança ou ao defensor indicado pelo detido, não sendo o consentimento exigido quando o detido for menor de 18 anos - artigos 192.º, n.º 2 e 194.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.

6. A detenção, como privação de liberdade, sujeita a estritas exigências de legalidade, convoca igualmente outros princípios materialmente presentes na definição e aplicação das medidas cautelares em processo penal: os princípios da adequação e proporcionalidade.

Embora não expressamente chamados pela remissão do artigo 260.º, são princípios que comandam tanto a escolha da medida (e, enquanto tal, directamente inscritos no artigo 193.º do CPP), como a execução das medidas processuais cautelares e coactivas. A aplicação de qualquer medida deve ter em linha de conta a gravidade do crime, a sanção aplicável, e não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer.

O princípio da proporcionalidade de meios (proibição de excesso), com consagração constitucional, refere-se ao conceito de Estado de direito material ([16]).

O princípio desdobra-se em três subprincípios:

“1) Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
2) Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
3) Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos) ([17]).”

Tais princípios da adequação e proporcionalidade, corolário da exigência da menor intervenção possível, são princípios de ordem geral, constitucionalmente conformados, e, em consequência, convocados e aplicáveis quando esteja em causa uma ordem ou a execução de uma detenção[18].

A natureza da detenção como medida cautelar, policial, precária e que se esgota no tempo da respectiva e imediata finalidade directamente prevista, determina e impõe que não possa ter lugar quando não seja necessária, adequada ou proporcionada em relação às finalidades a que se destina, avaliada esta relação, naturalmente, em função da situação concreta e das exigências cautelares que o caso requer [19].

IV
1. O enquadramento temático das questões suscitadas vem referido a algumas noções que impõem uma abordagem nos limites definidos pela necessária recondução conceitual. São as referências a categorias como as de "omissão legislativa", "lacuna", "carência normativa".

As categorias da teorética e os instrumentos metodológicos a que se acolhem realidades com correspondência nos nomina utilizados, justificam, nesta dimensão, uma breve abordagem compreensiva.
Comece-se pela referência a omissão legislativa.
Na verdade, nem toda a ausência de legislação, nem qualquer silêncio legislativo constitui omissão legislativa. O silêncio legislativo impõe uma apertada análise sobre o seu conceito, o fim e a extensão. Nem sempre silêncio do legislador, mesmo quando identificado, constitui omissão legislativa.

O conceito de omissão legislativa tem sido trabalhado e discutido na doutrina e jurisprudência constitucionais.

Como refere GOMES CANOTILHO[20], "o conceito de omissão legislativa não é um conceito naturalístico, reconduzível a um simples 'não fazer', a um simples 'conceito de negação'. Omissão, em sentido jurídico-constitucional, significa não fazer aquilo a que se estava constitucionalmente obrigado. A omissão legislativa, para ganhar significado autónomo e relevante, deve conexionar-se com uma exigência constitucional de acção, não bastando o simples dever geral de legislar para dar fundamento a uma omissão inconstitucional.

As omissões legislativas inconstitucionais derivam do não cumprimento de imposições constitucionais legiferantes em sentido estrito, ou seja, do não cumprimento de normas que, de forma permanente e concreta, vinculam o legislador à adopção de medidas legislativas concretizadoras da constituição. Consequentemente, devemos separar omissões legislativas resultantes da violação de preceitos constitucionais concretamente impositivos, do não cumprimento da constituição derivado da não actuação de normas-fim ou normas-tarefa, abstractamente impositivas."

Neste plano de compreensão, pode dizer-se que há uma omissão legislativa quando o legislador não adopta as medidas legislativas necessárias para dar execução aos preceitos constitucionais que, de forma permanente e concreta, impõem uma específica incumbência ou encargo constitucional, mas não já, com este mesmo sentido directamente impositivo, quanto a normas que, de forma permanente, mas apenas abstracta, impõem a prossecução de certos objectivos.

"Existe ainda omissão legislativa quando a constituição consagra normas sem suficiente densidade para se tornarem normas exequíveis por si mesmas, reenviando implicitamente para o legislador a tarefa de lhe dar exequibilidade prática"[21].

"Verifica-se também uma omissão legislativa inconstitucional quando o legislador não cumpre as ordens de legislar constitucionalmente consagradas em certos preceitos fundamentais."[22]

A delimitação exacta do âmbito do conceito de omissão legislativa envolve complexos problemas, como a jurisprudência constitucional expressamente reconhece[23]. A intervenção do legislador não se reconduz, neste campo de referências, ao dever que impende sobre o órgão ou órgãos de soberania competentes de "acudir às necessidades 'gerais' de legislação que se façam sentir na comunidade jurídica (isto é, não se reconduz ao 'dever geral' de legislar), mas é algo que deriva de uma específica e concreta incumbência ou encargo constitucional (Verfassungsauftrag)."[24]

Na doutrina mais recente, refere GOMES CANOTILHO[25], "salienta-se a possibilidade de omissão legislativa pelo não cumprimento da obrigação do legislador em melhorar ou corrigir as normas de prognose (=prognóstico, previsão) incorrectas ou desfasadas perante circunstâncias supervenientes. A omissão consiste agora não na ausência total ou parcial da lei, mas na falta de adaptação ou aperfeiçoamento das leis existentes. Esta carência ou 'deficite' de aperfeiçoamento das leis assumirá particular relevo jurídico constitucional quando, da falta de 'melhorias’ ou ‘correcções’, resultem consequências gravosas para a efectivação de direitos fundamentais."

2. Fora do conceito de omissão legislativa, muito chegado ao plano constitucional (e ao mecanismo correspondente de inconstitucionalidade por omissão do artigo 283.º da Constituição), a autonomia conceptual do silêncio do legislador ou da carência normativa apenas poderá ser referida ou reconduzida à chamada lacuna normativa ou lacuna de regulamentação.

Na ordem jurídica surgem, com efeito e inevitavelmente, lacunas, por mais esclarecido, diligente e hábil que seja o legislador. As relações da vida social merecedoras de tutela jurídica não são, por vezes, completamente reguladas; para lá das situações directamente disciplinadas há, ou podem existir, outras não regulamentadas e que todavia merecem também a protecção do direito[26].

A determinação do que seja uma "lacuna da lei" é, porém, como pondera KARL LARENZ, tarefa plena de dificuldades[27]. "Poderia pensar-se que existe uma ´'lacuna da lei' só e sempre que a lei - entendida esta (...) como uma expressão abreviada da totalidade das regras jurídicas susceptíveis de aplicação - não contenha regra alguma para determinada configuração do caso, quando 'se mantém em silêncio'. Mas existe também um 'silêncio eloquente' da lei (...). 'Lacuna' e 'silêncio da lei' não são pura e simplesmente o mesmo".

"O termo 'lacuna' faz referência a um carácter incompleto. Só se pode falar de lacunas de uma lei quando esta aspira a uma regulação completa em certa medida para um determinado sector(...). Ainda que, de vez em quando, também possa ser duvidosa a delimitação exacta entre o que todavia cai dentro da esfera da possível e exigível regulação jurídica e o que em cada caso se há-de atribuir ao espaço livre do direito, a distinção é, contudo, indispensável para uma determinação plena do sentido, do conceito de lacuna. Uma lei particular, e também uma codificação completa, só pode conter lacunas sempre e na medida em que falte pelo menos uma regra que se refere a uma questão que não tenha sido deixada ao 'espaço livre do Direito'".
(...)
"Na maioria dos casos em que se fala de uma lacuna da lei não está incompleta uma norma jurídica particular, mas uma determinada regulação em conjunto: esta não contém nenhuma regra para certa questão que, segundo a intenção reguladora subjacente, precisa de uma regulação. A estas lacunas (...) qualificamo-las de 'lacunas de regulação'. Não se trata de aqui a lei, se se quiser aplicar sem uma complementação, não possibilite uma resposta em absoluto; a resposta teria que ser que justamente a questão não está regulada e que, por isso, a situação de facto correspondente fica sem consequência jurídica. Mas uma tal resposta, dada pelo juiz, haveria de significar uma denegação de justiça, se se tratar de uma questão que caia no âmbito da regulação jurídica intentada pela lei e não seja de atribuir, por exemplo, ao espaço livre do Direito".

(...)
"Tanto as lacunas normativas como as lacunas de regulação são lacunas dentro da conexão regulativa da própria lei. Se existe ou não lacuna há-de aferir-se do ponto de vista da própria lei, da intenção reguladora que lhe serve de base, dos fins com ela prosseguidos e do 'plano' legislativo. Uma lacuna da lei é uma 'imperfeição contrária ao plano da lei'"[28].

Esta perspectiva convoca uma necessária base de diferenciação entre os casos em que se pode detectar uma imperfeição contrária ao plano da lei e uma falha de política legislativa.

"A fronteira entre uma lacuna da lei e uma falha de lei na perspectiva da política legislativa só pode traçar-se na medida em que se pergunte se a lei é incompleta comparada com a sua própria intenção reguladora ou se somente (...) não resiste a uma crítica de política legislativa"[29].

Em ambos os casos, a lei não contém uma norma que devia conter.

"Mas a pauta de valoração é diferente em cada caso: num caso é a intenção reguladora e a teleologia imanente; no outro caso são as pautas de uma crítica, fundamentada político-juridicamente, dirigida à lei. Se a lei não está incompleta, mas defeituosa, então o que está indicado é não uma integração de lacunas, mas em última instância um desenvolvimento do direito superador da lei".

(...)
"A teleologia imanente da lei não deve, certamente, ser entendida, neste contexto, em sentido demasiado estrito. Não só se hão-de considerar os propósitos e as decisões conscientemente tomadas pelo legislador, mas também aqueles fins objectivos do Direito e princípios jurídicos gerais que acharam inserção na lei".[30]”

3. Neste mesmo sentido vai a lição de BAPTISTA MACHADO[31], para quem a lacuna é sempre uma incompletude, uma falta ou uma falha, relativamente a algo que protende para a completude. Uma lacuna é uma "incompletude contrária a um plano". Tratando-se de uma lacuna jurídica, consistirá numa incompletude contrária ao plano do direito vigente, determinada segundo critérios eliciáveis da ordem jurídica global; existirá uma lacuna quando a lei (dentro dos limites de uma interpretação ainda possível) e o direito consuetudinário não contêm uma regulamentação exigida ou pressuposta pela ordem jurídica global, isto é, não contêm a resposta a uma questão jurídica.

Doutrina idêntica se pode colher em MÁRIO BIGOTTE CHORÃO[32], que, após salientar que a definição de lacuna jurídica tem sido motivo de muitas dúvidas e controvérsias, fornece uma série de explicações complementares: " a) Essa definição supõe que a ausência de regulamentação respeita a uma verdadeira questão jurídica. O que se situa no espaço ajurídico (rechtsfreier Raum) ou «extramuros da cidadela jurídica» está fora de causa (..); b) Para que se verifique uma lacuna em sentido próprio é ainda necessário que a falta de regulamentação seja contrária ao plano ordenador do sistema jurídico. Não basta, pois, que a situação se possa considerar, em abstracto, susceptível de tratamento jurídico, mas é preciso que este seja exigido pelo ordenamento jurídico concreto. Bem pode acontecer, com efeito, que certo caso não encontre cobertura normativa no sistema, sem que isso frustre as intenções ordenadoras deste. Razões político-jurídicas ponderosas podem estar na base da abstenção do legislador. Esses «silêncios eloquentes» da lei não têm de ser supridos pelo juiz, ainda que este, porventura, em seu critério, entenda o contrário. Diz-se, por isso, que tais faltas de regulamentação constituem lacunas impróprias (de lege ferenda, de jure constituendo, político-jurídicas, críticas, etc.), que eventualmente poderão vir a desaparecer em futuros desenvolvimentos do sistema, a cargo dos órgãos competentes."

Pode, assim, haver casos em que a inexistência de regulamentação corresponde a um plano do legislador ou da lei, a uma inexistência planeada, que não representa, enquanto tal, uma deficiência, mas apenas pode motivar críticas no plano da política legislativa[33].

V
1. O quadro normativo sobre a detenção como medida cautelar em processo penal, tal como está definido no código de processo, contém disposições relativas aos pressupostos materiais (condições legais de admissibilidade da detenção) e formais (condições de competência e de forma), e também quanto à execução.

Em primeiro lugar, definem-se as condições - os casos em que pode ter lugar a detenção e os pressupostos sob os quais pode ser ordenada - artigos 254.º e 255.º do CPP.

Definem-se depois a competência para a ordem - artigo 257.º, as condições de execução (de efectivação) - artigos 259.º e 260.º, e são expressamente afirmados alguns princípios estruturantes que comandam o plano das medidas cautelares e coactivas, não apenas nos pressupostos, mas também nas consequências - artigo 193.º.

O sistema tende, pois, para a completude.

A medida, e acrescente-se, a respectiva execução, há-de ser possível (material e legalmente possível), necessária, adequada e proporcional em relação aos interesses em presença, aferidos pela ponderação in concreto das circunstâncias do caso e da finalidade da medida[34].

Relativamente às condições de execução (ou de efectivação, como se lhes refere a lei), o artigo 260.º indica procedimentos que tendem a garantir a compatibilização de ponderosas condições pessoais com as exigências de cumprimento da ordem de detenção, supondo, ou possibilitando, o modo de superar impedimentos ou sérias dificuldades inerentes à situação pessoal do indivíduo a deter, não apenas por si, mas fundamentalmente na sua interacção com outrem.

A comunicação a parente ou a pessoa da sua confiança não estará prevista nem se destina apenas a dar notícia do facto, mas também comporta a flexibilidade e amplitude razoavelmente bastante para possibilitar à pessoa a deter a (re)organização, no imediato, das condições da sua vida, de modo a permitir a efectivação da detenção no pleno respeito e salvaguarda de outros valores de relevante intensidade respeitantes à pessoa a deter ou a outrem possivelmente afectado.

A lei define nesta matéria o que pode ser considerado essencial. Não define menos, porque os elementos que contém no domínio da execução da detenção são essenciais, mas, provavelmente, também não poderia definir, delimitar, ou concretizar em hipóteses, muito mais. É que a descrição de situações que (apenas) concretizam princípios, pode, em virtude das respectivas particularidades de expressão factual, não servir inteiramente à generalidade e abstracção própria da lei, apresentando meras enumerações fragmentárias, que, ao não poderem ser senão exemplificativas, correm o risco de ser redutoras[35].

De qualquer modo, sempre conformada pelos princípios da adequação e proporcionalidade, no sentido, imperioso, de que a medida e a sua execução não devem prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requer[36].

Vistas assim as coisas, não se poderá dizer que há falta de lei ou omissão legislativa (mesmo com alguma impropriedade conceitual com que a expressão parece ter sido utilizada).

Situado o conceito de omissão legislativa na dimensão apropriada, seguramente que se não verifica, não apenas porque não se configura uma directa injunção constitucional relativamente a esta matéria específica, como, por outro lado, no sistema de processo penal e na disciplina sobre as medidas cautelares, o legislador actuou de modo e nos termos que lhe pareceram os mais adequados.

E também, rigorosamente, não se poderá afirmar que existe uma lacuna normativa, já que, como se salientou, o plano da regulação dos pressupostos materiais e formais e da execução das medidas cautelares tende para a completude, com a criação das condições que permitam a superação de eventuais conflitos de direitos e interesses relevantes, na ponderação e actuação dos referidos princípios gerais estruturantes.

Tal como consta da lei, e com os instrumentos de intervenção que esta prevê (a comunicação a parente ou a pessoa de confiança), quando devidamente actuados e compreendidos, o regime permite a superação das dificuldades e a compatibilização de possíveis contraditórios que algumas situações concretas apresentem.

Não se revelando incompletude de regulação contrária ao plano da lei aferido pela sua teleologia imanente, não se configura uma lacuna que careça de ser suprida legislativamente.

2. Com efeito, as questões suscitadas nas considerações justificativas da Recomendação poderiam ter sido superadas a coberto de críticas sobre a deficiente ponderação de direitos, logo no imediato plano da execução do mandado, segundo as orientações directa e expressamente contidas na lei[37].

A adequação e proporcionalidade, que constituem princípios-injunção gerais directamente dirigidos também ao órgão ou agentes de execução, impõem que se averigue sempre da possibilidade de efectivar e dar sequência à detenção.

Se a pessoa a deter estiver colocada em impossibilidade de se deslocar no imediato (a possibilidade, aqui, não pode ser apenas física, mas deve ser entendida em termos de razoabilidade), a efectivação da detenção não será completamente possível enquanto não puderem ser superadas, ou dada a possibilidade adequada de superação, das dificuldades que ainda possam ser consideradas no quadro da proporcionalidade imposta pela lei.

A situação pessoal do indivíduo a deter, e a incompatibilidade verificada directamente segundo critérios de razoabilidade, cuja ponderação in concreto nenhuma norma ou texto de lei pode suprir, podem não permitir, no imediato, a efectivação ou a sequência de completa efectivação da detenção.

Por isso, a lei prevê meios de superação: primeiramente, através do próprio e do direito que lhe assiste de contactar familiar ou pessoa de confiança. Tal contacto, como se referiu, não se compreende apenas na transmissão da notícia do facto da detenção; pressupõe toda a concessão de facilidades para possibilitar a superação, ou solicitar ajuda para a superação de várias dificuldades derivadas de graves situações pendentes, e que a pessoa não pode, sem sério prejuízo ou ofensa de outros direitos, deixar em suspenso.

No limite, perante a verificação de insuperáveis dificuldades avaliadas segundo critérios de razoabilidade próprios do senso comum das coisas (a impossibilidade – repete-se - não será apenas rigorosamente natural ou física), o agente de autoridade, não podendo deixar de cumprir o mandado, deverá, no entanto, conforme dispõe o artigo 259.º do CPP, comunicar a situação ao magistrado que, certamente, agirá e determinará em conformidade.

3. A regulação legal parece, assim, completa, não exigindo, como tal, superação ou desenvolvimentos complementares.

Não é, pois, manifesta uma carência normativa (para usar os termos da Recomendação).

Parece ser conveniente, no entanto - e as circunstâncias do caso concreto isso bem revelam -, um complemento de instruções dirigidas aos agentes encarregados da efectivação da detenção, que permitam, no plano executivo, explicitar, desenvolver e melhor concretizar os critérios, as exigências e os princípios que a lei contém.

VI
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª. A detenção, prevista no artigo 254.º do Código de Processo Penal, constitui uma medida cautelar e precária, directamente vinculada a servir as finalidades expressamente fixadas na lei;

2.ª A detenção deve ser efectivada nas condições previstas nos artigos 259.º e 260.º do Código de Processo Penal, respeitando o direito da pessoa a deter a comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança, e no respeito pelas exigências decorrentes dos princípios da adequação e proporcionalidade;

3ª. As condições de execução da detenção, previstas na lei, contêm a flexibilidade bastante para permitir a compatibilização da efectivação da detenção com imediatas exigências da pessoa a deter, avaliadas segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade;

4ª. Não se verifica, assim, uma lacuna ou carência normativa relativamente à previsão directa de situações em que o indivíduo a deter tenha de prestar assistência a pessoas que dela estritamente necessitem, como sejam, menores, deficientes ou idosos;

5ª. As dúvidas manifestadas na Recomendação aconselham, no entanto, que sejam emitidas instruções de actuação aos agentes de autoridade encarregados da efectivação da detenção, susceptíveis de guiar numa adequada concretização dos princípios gerais enunciados na lei.


NOTAS


[1] Recomendação nº 15-B/99.
[2] A situação vem descrita pelo modo seguinte: "Foi recebida neste órgão do Estado uma queixa de uma cidadã em relação à detenção a que foi sujeita por dois agentes de uma esquadra da PSP da zona de Lisboa, pelas 20.00 horas, no seu domicílio, para ser presente a julgamento no dia seguinte em comarca distinta. Concretamente, insurgiu-se contra o facto de ter sido detida e conduzida àquela esquadra na presença das suas duas filhas menores (uma de um ano de idade e outra com três anos), que a acompanharam. Na efectivação da detenção a PSP informou a reclamante que poderia deixar as crianças onde quisesse ou então teria que as levar para a esquadra. No caso de não existir ninguém que as pudesse ir buscar à esquadra, teriam que lá ficar à guarda da PSP. Na esquadra da PSP foi permitida uma chamada telefónica".
[3] É o seguinte o conteúdo da Recomendação: "Termos em que, no uso da competência que me é conferida no art. 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, tenho por bem Recomendar:
A criação de medida legislativa de garantia dos direitos de terceiro, no quadro do regime de cumprimento de mandado de detenção, tendo presente, especialmente, as situações de assistência à família, a idosos, crianças e deficientes.
A garantia das situações descritas poderia conformar um regime jurídico que contemplasse alguns requisitos essenciais, os quais me permito enumerar:
i) Sempre que qualquer entidade policial proceder à detenção e que do seu cumprimento resultarem inconvenientes graves para terceiros, nomeadamente por o detido assegurar assistência a familiar doente, idoso ou criança, deverá ser dado à pessoa a deter a possibilidade de providenciar pela manutenção dessa assistência, através de comunicação com familiar ou pessoa de confiança que a possa garantir, devendo comunicar-lhe essa faculdade.
ii) Nos casos em que os detidos não puderem providenciar pela manutenção da assistência em tempo útil, chamando familiar ou pessoa de confiança que o substitua, devem os órgãos de polícia criminal que procederam à detenção promover, por si, o transporte imprescindível a garantir a assistência, nomeadamente levando o idoso ou a criança a casa da pessoa indicada pelo detido.
iii) Mostrando-se impossível a efectivação das situações anteriores, as autoridades procedem à detenção, devendo dar conhecimento imediato da ocorrência ao Ministério Público, tendo em vista a adopção das medidas que se mostrarem adequadas".
[4] A redacção actual do artigo 27º resulta da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, que alterou as alíneas a), b), c) e f) do nº 3 e aditou as alíneas g) e h) do mesmo número.
[5] Redacção resultante da revisão de 1997, que alterou os nºs. 1, 2 e 4.
[6] Cfr., v. g., GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, II, 2ª. edição, 1999, pág. 208.
[7] Cfr., v. g., JUAN PIQUÉ VIDAL et alii, El Proceso Penal Prático, edição La Ley-Actualidad, pág. 282.
[8] No domínio do CPP/29 a lei e a doutrina identificavam os institutos da detenção e da prisão preventiva. Detenção ou prisão preventiva significavam a prisão com fins processuais anterior à condenação. Cfr. MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, II, 1981, pág. 383.
[9] Flagrante delito constitui noção bem recortada, com suficiente sedimentação conceitual acolhida na própria definição legal. O artigo 256º define-o assim: "1. É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer. 2. Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar. 3. Em caso de crime permanente, o estado de flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar." O quid proprium do flagrante delito consiste, pois, na actualidade e contemporaneidade entre a execução e a verificação do crime, isto é, na actualidade e evidência probatória. Cfr., v. g., o Parecer deste Conselho nº 150/88, de 11 de Maio de 1989.
[10] Cfr. o Parecer deste Conselho nº 111/90, de 6 de Dezembro de 1990.
[11] O rigor de análise das condições da detenção, e o estrito respeito por prazos legais curtos, está muito presente, por exemplo, na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. No caso K-F contra a Alemanha, de 27 de Novembro de 1997, o Tribunal considerou existir violação do artigo 5.º, § 1.º, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por entender que a lista de excepções ao direito à liberdade que constam do artigo 5.º, § 1.º reveste um carácter exaustivo e impõe uma interpretação restritiva. No caso, a duração máxima fixada pela lei para a detenção (doze horas) revestia um carácter absoluto e tinha sido excedida em 45 minutos. O Tribunal entendeu que competia às autoridades responsáveis tomar todas as precauções necessárias para que a duração legal fosse respeitada.
[12] Cfr. a exposição de GERMANO MARQUES DA SILVA, op. cit., vol. II, pág. 219 e segs.
[13] A prisão preventiva apenas pode ser determinada se se verificarem os requisitos gerais (artigo 204º CPP, relativos a todas as medidas de coacção, à excepção do termo de identidade e residência), e os específicos da prisão preventiva (artigo 202º CPP): fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, e insuficiência ou inadequação das restantes medidas de coacção em caso de existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos; ou se se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.
[14] Cfr, v. g., o Parecer deste Conselho nº 111/90, cit. nota 9.
[15] Cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, op. cit.,1999, vol. II, pág. 221: "Parece razoável entender-se que a exigência da indicação do facto e das circunstâncias que legalmente fundamentam a detenção, exigida pela alínea c) do n.º 1 do art. 258.º, não se cumpre com a mera indicação das normas aplicáveis. Com efeito, a mera indicação das disposições legais não permite ajuizar da legalidade da detenção, nos seus pressupostos materiais. Os requisitos do mandado de detenção visam essencialmente a pessoa a deter, e por isso lhe é entregue uma cópia para que possa ajuizar da legalidade da detenção e, sendo caso disso, exercer o direito de resistência e requerer a providência do habeas corpus em virtude da ilegalidade da detenção. A mera indicação das disposições legais aplicáveis não permite quase nunca ajuizar da legalidade da detenção com fundamento em ter sido motivada «por facto que a lei não permite» [art. 220.º, n.º 1, c)]." Idem, pág. 223.
[16] A consagração constitucional do princípio não merece contestação desde a revisão constitucional de 1982. Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada I vol. 1º pág. 170.
[17] Cfr. Idem ibidem, e a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Cfr. v.g. o acórdão nº 274/98, publicado no “Diário da República”, II Série, nº 271, de 23 de Novembro de 1998.
[18] Cfr. o Parecer deste Conselho n.º 111/90, cit.
[19] O princípio da proporcionalidade encontra-se directamente previsto no artigo 266º, nº 2, da Constituição, e aflora em várias indicações sobre regras e comportamentos de actuação estatutariamente dirigidas a órgãos e agentes da administração. Cfr. v.g. Estatuto Disciplinar, artigo 3º, nº 10; Código do Procedimento Administrativo, artigo 5º, nº 2; Lei nº 195/99, de 1 de Setembro, artigo 14º, nº 2, alínea f) (GNR).
[20] In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, págs. 917-918.
[21] Cfr. idem, pág. 918.
[22] Cfr. idem, ibidem. Cfr., também, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 3.ª edição, págs. 507 e segs; JOSÉ JÚLIO FERNANDEZ RODRIGUEZ, La inconstitucionalidad por omissión en Portugal, in "Revista de Direito e de Estudos Sociais", Ano XXXVII. n.ºs. 1-2-3, pág. 265.
[23] Cfr., v. g., o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 276/89, publicado no "Diário da República", II série, n.º 133, de 12 de Junho de 1989.
[24] Cfr., acórdão n.º 276/89, cit. nota anterior.
[25] Op. cit., pág. 919.
[26] Cfr., sobre este ponto, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 6.ª edição, 1965, pág. 176; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 2.ª edição, 1963, pág. 160; DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 1979, pág. 265; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito - Introdução e Teoria Geral, 4.ª edição, revista, 1987, pág. 313, e BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, pág. 192-193.
[27] Cfr., Metodologia da Ciência do Direito, tradução da 5.ª edição, revista, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 448 e segs.
[28] Cfr., KARL LARENZ, idem, pág. 449-452.
[29] Cfr., idem, pág. 453.
[30] Cfr., idem, ibidem.
[31] Op. cit., pág. 194. Cfr., também, entre outras referências, os Pareceres deste Conselho n.ºs 90/88, de 8 de Março de 1989, e 35/93, de 27 de Janeiro de 1994.
[32] Temas Fundamentais de Direito, Coimbra, 1986, págs.
[33] Cfr. KARL ENGISCH, Introdução ao Pensamento Jurídico, 6.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 281.
[34] Pense-se, por exemplo, num caso de impossibilidade, dir-se-ia natural, de execução da medida em virtude de verificação, no acto, de doença impossibilitante da pessoa a deter.
[35] As garantias constitucionais invocadas - família, infância, deficientes e idosos - não poderão ser aqui consideradas com autonomia de injunção directa, mas apenas como critérios adjuvantes de avaliação das exigências de proporcionalidade no caso concreto e da compatibilidade do exercício de direitos fundamentais.
[36] Numa perspectiva diversa, porque com anterioridade lógica ao momento da efectivação, e tratando de casos de prisão preventiva, o artigo 211º do CPP admite a suspensão da prisão preventiva em determinados casos, em razão de condições pessoais do arguido. Dispõe:“1- No despacho que aplicar a prisão preventiva ou durante a execução desta o juiz pode estabelecer a suspensão da execução da medida, se tal for exigido por razão de doença grave do arguido, de gravidez ou de puerpério. A suspensão cessa logo que deixarem de verificar-se as circunstâncias que a determinaram e de todo o modo, no caso de puerpério, quando se esgotar o 3º mês posterior ao parto. 2- Durante o período de suspensão da execução da prisão preventiva o arguido fica sujeito à meidda prevista no artigo 201º e a quaisquer outras que se revelarem adequadas ao seu estado e compatíveis com ele, nomeadamente a de internamento hospitalar.” Em termos comparados, refira-se que o artigo 275.º, alínea 4.ª, do Código de Processo Penal italiano contém uma aplicação directa do princípio da adequação numa espécie de presunção de não necessidade da medida detentiva cautelar numa gama de hipóteses variadas: "Quando, cioè, siano imputati una donna incinta, o una madre di prole di età inferiore ai tre anni con la stessa convivente, ovvero un padre (sembrerebbe senza ulteriori condizioni) qualora «la madre sia deceduta o assolutamente impossibilitata a dare assistenza alla prole», od ancora una persona che abbia superato i settanta anni o che si trovi in «condizioni di salute particolarmente gravi»". Nestas hipóteses, deve ser determinada uma medida cautelar menos gravosa, salvo se «sussistano esigenze cautelari di eccezionale rilevanza». Cfr., GIOVANNI CONSO e VITTORIO GREVI, Profili del Nuovo Codice di Procedura Penale, ed. CEDAM, pág. 301-302. Disciplina semelhante pode encontrar-se no 'Code of Judicial Procedure' sueco, relativamente a pessoas cujo estado de saúde possa ser prejudicado pelo período de detenção, ou no caso de mulher que tenha dado à luz "so recently that detention may cause serious detriment to the infant". Cfr., ALVAR NELSON, Pre-trial detention in Sweden, in Preventive Detention, A Comparative and International Law Perspective, ed. Martinus Nijhoff Publishers, pág. 113 e segs.
[37] Deve reconhecer-se que no caso referido, tal como descrito pelo Senhor Provedor (nota 2), as condições e o modo como foi efectivada a detenção se podem ter afastado das exigências e das salvaguardas impostas pela consideração dos princípios da adequação e proporcionalidade.
Anotações
Legislação: 
CONST76 - ART27.º N1 N2 N3 A) B) F) G) N4; ART28.º N1 N2 N3; ART67.º; ART69.º; ART71.º; ART72.º; ART283.º
CPP87 - ART116.º; ART192.º N2; ART 193.º; ART194 N3 N4; ART254.º N1 A) B) N2; ART255.º; ART257.º N1 N2 A) B) C); ART258.º N1 A) B) C) N2; ART259.º; ART260.º;
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR PROC PENAL*****
REC DA PROVEDORIA DA JUSTIÇA N 15-B/99
Divulgação
Data: 
24-01-2001
Página: 
1552
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