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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
91/1998, de 27.10.1999
Data de Assinatura: 
27-10-1999
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Relator: 
ISABEL PAIS MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
UNIÃO EUROPEIA
CONVENÇÃO
RESERVA
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
COOPERAÇÃO ADUANEIRA INTERNACIONAL
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
AUXÍLIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL
COOPERAÇÃO POLICIAL
COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRAS
TRÁFICO DE DROGA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
OBERVAÇÃO TRNSFRONTEIRIÇA
PERSEGUIÇÃO TRNSFRONTEIRIÇA
ENTREGA CONTROLADA
AGENTE INFILTRADO
AGENTE PROVOCADOR
PROTECÇÃO DE DADOS
DADOS PESSOAIS
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS
INTERPRETAÇÃO
Conclusões: 
1.º - A Convenção, estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à Assistência Mútua e à Cooperação entre as Administrações Aduaneiras (Nápoles II), assinada em Bruxelas, em 18 de Dezembro de 1997, não suscita juízos de desconformidade com a ordem jurídica portuguesa, nos planos constitucional e infraconstitucional.

2.º - Mostra-se desnecessária a formulação de reservas aos artigos 20.º, 21.º e 23.º

3.º - Sugerem-se as seguintes declarações, ao abrigo dos artigos 20.º, n.º 6, 26.º, n.º 4 e 32.º, n.º 4:

– Nos termos do artigo 20.º, n.º 6, a República Portuguesa declara que os agentes da administração aduaneira dos Estados membros podem continuar a perseguição no território da República Portuguesa nas seguintes condições:
a) Os agentes perseguidores não podem reter a pessoa perseguida;
b) a perseguição pode realizar-se até 50 Km da fronteira ou durante duas horas.

– Nos termos do artigo 26.º, n.º 4, a República Portuguesa declara:
a) Aceita a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para decidir a título prejudicial sobre a interpretação da Convenção;
b) para o efeito, de acordo com as regras previstas na alínea b) do n.º 5 do artigo 26.º, qualquer orgão jurisdicional nacional pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse orgão jurisdicional relativa à interpretação da presente Convenção, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa.

– Nos termos do n.º 4, do artigo 23.º, a República Portuguesa, ao proceder à notificação prevista no n.º 2 desse artigo, declara que a Convenção, com excepção do artigo 26.º, lhe é aplicável nas relações com os Estados membros que tiverem feito a mesma declaração.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Europeus,
Excelência:


1.

A fim de se desenvolverem de imediato os procedimentos conducentes à ratificação, por Portugal, da “Convenção relativa à assistência mútua e à cooperação entre administrações aduaneiras (Nápoles II)”, dignou-se Vossa Excelência solicitar à Procuradoria-Geral da República a elaboração de parecer, tendo, designadamente, em vista a prestação de informação sobre a intenção de formular as declarações previstas nos artigos 20.º, n.º 8, 21.º, n.º 5, 23.º, n.º 5 e 32.º, n.º 4 e, em caso afirmativo, a apresentação dos respectivos textos, bem como a posição para a proposta de declaração a formular nos termos do artigo 26.º, n.º 4.

Cumpre emitir parecer.

2.

2.1. A “Convenção relativa à assistência mútua e à cooperação entre administrações aduaneiras”– que passaremos a designar por Convenção–, assinada em Bruxelas, em 18 de Dezembro de 1997, foi estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia e visa reforçar a cooperação entre as administrações aduaneiras, regulamentando formas especiais de cooperação com vista à prevenção, investigação e repressão de determinadas infracções tanto da legislação nacional dos Estados membros como da regulamentação aduaneira comunitária.

2.2. Contém trinta e cinco artigos, sob sete títulos: o Título I, Disposições Gerais, engloba os artigos 1.º a 7.º; o Título II, Assistência Mediante Pedido, reúne os artigos 8.º a 14.º; o Título III, Assistência Espontânea, inclui os artigos 15.º a 18.º; o Título IV, Formas Especiais de Cooperação, abrange os artigos 19.º a 24.º; o Título V, Protecção de Dados, é constituído pelo artigo 25.º; o Título VI, Interpretação da Convenção, compreende o artigo 26.º; o Título VII, Aplicação e Disposições Finais, agrupa os artigos 27.º a 35.º

2.2.1. O Título I, que reúne as disposições gerais:
- define o âmbito de aplicação da Convenção, compreendendo a assistência e cooperação entre os Estados membros da União Europeia com vista à prevenção e averiguação das infracções às regulamentações aduaneiras nacionais, bem como à repressão das infracções às regulamentações aduaneiras comunitárias e nacionais (artigo 1.º, n.º 1);
- esclarece: que a Convenção não afecta a aplicação das disposições mais favoráveis resultantes de acordos bilaterais ou multilaterais em vigor entre os Estados membros, em matéria de auxílio judiciário mútuo em matéria penal (artigo 1.º, n.º 2); que a Convenção engloba a assistência mútua e a cooperação no âmbito das investigações criminais sobre infracções às regulamentações aduaneiras nacionais e comunitárias, caso em que a autoridade judiciária que realize a investigação determinará se os pedidos de assistência mútua ou cooperação deverão ser apresentados ao abrigo das disposições sobre auxílio judiciário mútuo em matéria penal ou ao abrigo da Convenção (artigo 3.º); que a Convenção não interfere nas competências conferidas por disposições nacionais às administrações aduaneiras que aplicarão a Convenção dentro dos limites das competências que lhes são conferidas pelas respectivas disposições nacionais (artigo 2.º);
- o artigo 4.º contém as definições dos conceitos utilizados na Convenção (“regulamentação aduaneira nacional”, “regulamentação aduaneira comunitária”, “infracções”, “assistência mútua”, “autoridade requerente”, “autoridade requerida”, “administrações aduaneiras”, “dados pessoais”, “cooperação transfronteiras”);
- contempla a criação em cada Estado membro de um serviço central de coordenação, responsável pela recepção dos pedidos de assistência mútua e pela coordenação da assistência mútua, sem exclusão, nomeadamente em caso de urgência, de cooperação directa entre outros serviços dos Estados membros (artigo 5.º);
- prevê que os Estados membros estabeleçam acordos de intercâmbio de agentes de ligação, sem poderes de intervenção no país de acolhimento, mas podendo, com o acordo dos Estados membros, executar missões e desenvolver acções, no sentido de fomentar a cooperação entre as administrações aduaneiras dos Estados membros (artigo 6.º);
- institui, salvaguardando disposição em contrário, a obrigatoriedade de identificação dos agentes da autoridade requerente que se encontrem noutro Estado membro no exercício dos direitos decorrentes da Convenção, através de mandato escrito do qual conste a sua identidade e cargo oficial (artigo 7.º).

2.2.2. O Título II trata da assistência mediante pedido, com a definição dos princípios que a devem reger e da forma e conteúdo dos pedidos de assistência, prevendo pedidos de informação, pedidos de vigilância, pedidos de inquérito e pedidos de notificação.

Assim:
- estabelece-se, no que se refere à assistência mútua a prestar mediante pedido, que a autoridade requerida proceda como se agisse por conta própria ou a pedido de outra autoridade do seu próprio Estado, exercendo todos os poderes legais de que disponha, em conformidade com o seu direito nacional, para dar satisfação ao pedido, alargando a assistência a todas as circunstâncias da infracção que tenham um nexo evidente com o objecto do pedido, sem necessidade de pedido suplementar (artigo 8.º);
- o artigo 9.º define os requisitos de forma e conteúdo dos pedidos - devem ser apresentados por escrito (embora se preveja que sejam formulados oralmente, em situação de urgência, devendo, contudo, ser confirmados por escrito), numa língua oficial do Estado da autoridade requerida ou numa língua que esta aceite, devem ser acompanhados de todos os documentos necessários à sua execução e conter a indicação da autoridade requerente e da medida requerida, a indicação do objecto e motivo do pedido e das disposições jurídicas em causa, dados precisos e exaustivos, na medida do possível, sobre as pessoas, singulares ou colectivas, visadas pelas investigações e uma exposição resumida dos factos pertinentes, salvo no caso de pedidos de notificação;
- salvaguarda-se a possibilidade de a autoridade requerida recusar dar satisfação a um pedido, nos termos do n.º 6 do artigo 9.º (“A autoridade requerida acederá a aplicar um determinado procedimento em resposta a um pedido, na medida em que esse procedimento não seja contrário às disposições legislativas, regulamentares e administrativas do Estado membro requerido”);
- quanto aos pedidos de informação, prevê-se que, a pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida lhe preste as informações de que necessite para prevenir, averiguar e reprimir as infracções, acompanhadas da documentação em que se baseiam (artigo 10.º);
- no que respeita aos pedidos de vigilância, estabelece-se que, a pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida exerça uma vigilância especial sobre pessoas em relação às quais haja motivos fundados para crer que tenham cometido, estejam a cometer ou se preparem para cometer infracções às regulamentações aduaneiras comunitárias ou nacionais e, ainda, que exerça vigilância sobre locais, meios de transporte e mercadorias relacionados com actividades que possam constituir violação dessas regulamentações (artigo 11.º);
- consagra-se que, a pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida proceda a inquéritos sobre as operações que constituam, ou pareçam à autoridade requerente constituir, infracções; tais inquéritos serão conduzidos por agentes da autoridade requerida, podendo, contudo, e por acordo, estar presentes agentes da autoridade requerente, que terão acesso aos mesmos locais e aos mesmos documentos que os agentes da autoridade requerida, por intermédio deles e exclusivamente para efeitos do inquérito em curso (artigo 12.º);
- quanto aos pedidos de notificação, prevê-se que, a pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida proceda a notificações, nos termos das disposições nacionais do Estado em que tem a sua sede, de actos e decisões relativos à aplicação da Convenção emanados das autoridades competentes do Estado em que a autoridade requerente tem a sua sede (artigo 13.º);
- por último, o artigo 14.º institui a utilização como meio de prova de todas as informações e demais documentação obtidos por agentes da autoridade requerida, nos casos de pedidos de informação, de vigilância e de inquérito, pelas instâncias competentes do Estado em que a autoridade requerente tem a sua sede, nos termos da respectiva legislação nacional.

2.2.3. O Título III ocupa-se da assistência espontânea, prevendo, sem prejuízo de limitações impostas pela legislação nacional, que as autoridades competentes de cada Estado membro prestem assistência às autoridades competentes dos outros Estados membros sem necessidade de pedido prévio (artigo 15.º).

Assim:
- exercerão a vigilância especial descrita no artigo 11.º e comunicarão todas as informações de que disponham sobre operações relacionadas com uma infracção, sempre que se revele útil para efeitos de prevenção, averiguação e repressão de infracções noutro Estado membro (artigo 16.º);
- comunicarão, nomeadamente, quanto a infracções planeadas ou cometidas, as informações relativas às mercadorias que são objecto dessas operações e aos novos meios ou métodos usados para cometer as infracções (artigo 17.º).

Contempla-se a utilização como meio de prova das informações e dados transmitidos, na sequência da assistência espontânea, nos termos já previstos no artigo 14.º, para a assistência mediante pedido (artigo 18.º).

2.2.4. O Título IV reúne as formas especiais de cooperação, prevendo-se a cooperação transfronteiras, a perseguição além-fronteiras, a vigilância tansfronteiras, entregas vigiadas, investigações secretas e equipas de investigação especial comuns.

2.2.4.1. Consagra-se, no artigo19.º, no âmbito da cooperação transfronteiras, que os agentes da autoridade requerente exerçam funções no território do Estado requerido, mediante acordo da autoridade requerida, para prevenir, averiguar e reprimir infracções nos casos de:
- tráfico ilícito de drogas e substâncias psicotrópicas, armas, munições, explosivos, bens culturais, resíduos perigosos e tóxicos, substâncias ou materiais nucleares e materiais ou equipamentos destinados à produção de armas nucleares, biológicas e/ou químicas;
- tráfico de substâncias constantes das tabelas I e II da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, destinadas à produção ilícita de drogas;
- comércio transfronteiras ilegal de mercadorias sujeitas a tributação, praticadas em violação das obrigações fiscais, ou com o objectivo de obter ilegalmente quaisquer auxílios públicos referentes à importação ou exportação de mercadorias, quando o volume das transacções, e os riscos daí resultantes do ponto de vista da fiscalidade e subvenções, sejam susceptíveis de implicar encargos financeiros consideráveis para o orçamento das Comunidades Europeias ou dos Estados membros;
- qualquer outro comércio de mercadorias proibidas pelas regulamentações aduaneiras comunitárias ou nacionais (n.º 2 do artigo 19.º).

2.2.4.2. Prevê-se, no artigo 20.º, que os agentes da administração aduaneira de um Estado membro que, no seu país, persigam uma pessoa encontrada em flagrante delito a praticar uma infracção das acima referidas, continuem a perseguição no território de outro Estado membro sem autorização prévia, sempre que, por razões de especial urgência, as autoridades competentes desse outro Estado não puderem ser previamente avisadas da entrada neste território ou não puderem chegar ao local a tempo de retomar a perseguição. Contudo, o mais tardar no momento da passagem da fronteira, os agentes perseguidores devem contactar as autoridades competentes do Estado em cujo território prossegue a perseguição, a qual terminará logo que esse Estado o solicite.

Quanto ao exercício da perseguição, os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo em apreço enunciam diversas modalidades, prevendo-se, no n.º 6, que, no momento da assinatura da Convenção, cada Estado membro faça uma declaração em que definirá, com base no disposto nesses números, as modalidades de exercício da perseguição no seu território.

Assim, enunciam-se as seguintes modalidades:
- no n.º 2, alínea a) – os agentes perseguidores não têm o direito de reter a pessoa perseguida;
- no n.º 2, alínea b) – se não for formulado um pedido de cessação da perseguição e se as autoridades competentes do Estado membro em cujo território a perseguição se efectua não puderem intervir com suficiente rapidez, os agentes perseguidores podem reter a pessoa perseguida até que os agentes do referido Estado membro, os quais devem ser imediatamente informados, possam determinar a identidade da pessoa em causa ou proceder à sua detenção;
- no n.º 3, alínea a) – a perseguição efectuar-se-á numa zona ou durante um período, a partir da passagem da fronteira, a determinar na declaração;
- no n.º 3, alínea b) – a perseguição efectuar-se-á sem limite no espaço ou no tempo.

Nas diversas alíneas do n.º 4 consta o elenco das condições gerais a que a perseguição ficará sujeita:
- os agentes perseguidores devem cumprir as disposições do artigo 20.º e o direito do Estado membro em cujo território actuam e devem obedecer às ordens das autoridades competentes do referido Estado membro - al. a);
- a perseguição, se prosseguir no alto mar ou na zona económica exclusiva, será conduzida em conformidade com o direito marítimo internacional, tal como consignado na convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - al. b);
- é proibida a entrada nos domicílios e nos locais não acessíveis ao público – al. c);
- os agentes perseguidores serão facilmente identificáveis (são proibidos de trajar à civil e de usar meios de transporte banalizados), devendo poder provar, em qualquer momento, o carácter oficial da sua missão – al. d);
- os agentes perseguidores podem estar munidos da sua arma de serviço durante a perseguição, salvo se i) o Estado membro requerido tiver formulado uma declaração genérica nos termos da qual o porte de arma é sempre proibido no seu território, ou ii) o Estado membro tiver decidido expressamente em contrário; quando o porte da arma de serviço for autorizado, é proibida a sua utilização, salvo em caso de legítima defesa – al. d);
- a pessoa perseguida, uma vez retida nos termos da alínea b) do n.º 2, a fim de ser conduzida perante as autoridades competentes do Estado membro em cujo território se realizou a perseguição, só pode ser submetida a uma revista de segurança; podem ser utilizadas algemas durante a sua transferência; podem ser apreendidos os objectos que se encontrem na sua posse – al. f);
- após as perseguições além fronteiras, os agentes perseguidores apresentar-se-ão perante as autoridades competentes do Estado membro em cujo território actuaram, relatando a sua missão, devendo permanecer, a pedido destas autoridades, à sua disposição, até que as circunstâncias da actuação tenham sido suficientemente esclarecidas – al. g);
- as autoridades do Estado membro de origem dos agentes perseguidores colaborarão, a pedido das autoridades do Estado membro em cujo território se realizou a perseguição, no inquérito consecutivo à operação em que participaram, inclusivamente em acções judiciais – al. h).

O n.º 5 do artigo 20.º estabelece os procedimentos no caso de detenção, pelas autoridades competentes do Estado membro em cujo território se realizou a perseguição, prevendo-se a possibilidade, seja qual for a nacionalidade do detido, de ser mantido, nessa situação, para interrogatório, aplicando-se as regras pertinentes do ordenamento jurídico nacional e estabelecendo-se que, caso não tenha a nacionalidade do Estado membro em cujo território foi detido, será posto em liberdade no máximo seis horas após a detenção (não sendo contadas as horas entre a meia-noite e as seis horas da manhã), a não ser que as autoridades competentes desse Estado membro tenham recebido previamente um pedido de detenção provisória, para efeitos de extradição.

Nos termos do n.º 8, qualquer Estado membro pode declarar que se reserva o direito de não aplicar, no todo ou em parte, o artigo 20.º

2.2.4.3. No âmbito da vigilância transfronteiras, forma de cooperação prevista no artigo 21.º, estabelece-se que os agentes da administração aduaneira de um dos Estados membros que mantenham, no seu país, sob vigilância uma pessoa em relação à qual existam sérios motivos para crer que está implicada numa das infracções referidas no n.º 2 do artigo 19.º possam prosseguir essa vigilância no território de outro Estado membro, mediante autorização, com base num pedido de assistência previamente apresentado.

Prevê-se, ainda, que, não podendo ser solicitada, por razões de urgência, a autorização prévia, os agentes de vigilância possam prosseguir a vigilância para além da fronteira, nas condições de comunicarem imediatamente a passagem da fronteira à autoridade competente do Estado membro em cujo território a vigilância deverá prosseguir e de imediatamente transmitirem um pedido de vigilância transfronteiras, com exposição dos motivos que justificaram a passagem da fronteira sem autorização prévia. Neste caso, a vigilância cessará a solicitação do Estado membro em cujo território se realiza ou, não sendo obtida autorização, cinco horas após a passagem da fronteira.

O n.º 3 do artigo em apreço define as condições gerais em que a vigilância tansfronteiras pode ser efectuada, enunciando as seguintes condições gerais:
- os agentes que efectuam a vigilância devem cumprir as disposições do artigo 21.º e o direito do Estado membro em cujo território actuam, devendo obedecer às ordens das autoridades competentes desse Estado – al. a);
- ressalvadas as situações previstas no n.º 2, os agentes devem ser portadores, durante a vigilância, de um documento que certifique que a autorização foi concedida – al. b);
- os agentes que efectuam a observação devem poder justificar, a qualquer momento, o carácter oficial da sua missão – al. c);
- os agentes que efectuam a vigilância podem, no decurso desta, estar munidos da sua arma de serviço, salvo se i) o Estado membro requerido tiver formulado uma declaração genérica nos termos da qual o porte de arma é sempre proibido no seu território ou ii) o Estado membro requerido tiver decidido expressamente em contrário; quando o porte da arma de serviço for autorizado, é proibida a sua utilização, salvo em caso de legítima defesa – al. d);
- é proibida a entrada nos domicílios e nos locais não acessíveis ao público – al. e);
- os agentes que efectuam a vigilância não podem interpelar nem deter a pessoa vigiada – al. f);
- qualquer operação será objecto de relatório às autoridades do Estado membro em cujo território se realizou, podendo ser exigida a comparência pessoal dos agentes que efectuaram a vigilância – al. g).

Nos termos do n.º 5, qualquer Estado membro pode declarar que se reserva o direito de não aplicar, no todo ou em parte, o artigo 21.º

2.2.4.4. As entregas vigiadas estão previstas no artigo 22.º que, no seu n.º 1, enuncia que todos os Estados membros se comprometerão a autorizar entregas vigiadas no seu território, a pedido de outro Estado membro, no âmbito de investigações criminais de infracções passíveis de extradição.

Serão as autoridades competentes do Estado membro requerido que decidirão, caso a caso, efectuar entregas vigiadas, em conformidade com o seu direito nacional, assumindo a direcção e o controlo das operações, na passagem da fronteira ou num ponto de transferência a combinar, e assegurando o controlo permanente ao longo do percurso posterior das mercadorias, de modo a poder, a qualquer momento, deter os autores da infracção e apreender as mercadorias. Contempla-se a possibilidade de, com o consentimento dos Estados membros, as entregas serem interceptadas e autorizadas a prosseguir o seu caminho, quer no estado em que se encontram, quer após o seu conteúdo inicial ser retirado ou substituído.

2.2.4.5. No artigo 23.º estão contempladas as investigações secretas – a pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida poderá autorizar que agentes da administração aduaneira do Estado requerente exerçam funções, sob uma identidade fictícia (agentes infiltrados), no território do Estado requerido, sendo autorizados a recolher informações e a estabelecer contactos com suspeitos, no âmbito da sua missão.

Sujeita-se o pedido à circunstância de o esclarecimento do caso se revelar extremamente difícil sem o recurso a tal medida.

Estabelece-se que as investigações secretas terão uma duração limitada.

Prevê-se uma estreita cooperação entre os Estados requerido e requerente na preparação e condução das investigações.

Prevê-se, também, que a autoridade requerida preste a necessária assistência aos agentes infiltrados e tome as medidas adequadas à sua protecção durante a investigação.

Deixa-se a definição das condições em que é permitida e deva ser realizada a investigação secreta à autoridade requerida, de acordo com o direito nacional, bem como a definição das condições de utilização de informações obtidas, durante uma investigação secreta, sobre infracções diversas da que motivara o pedido inicial.

Nos termos do n.º 5, qualquer Estado membro pode declarar que se reserva o direito de não aplicar, no todo ou em parte, o artigo 23.º

2.2.4.6. O artigo 24.º prevê a criação de equipas de investigação especial comuns, com implantação num Estado membro, a constituir por acordo e que operarão nas seguintes condições: serão constituídas apenas para um fim determinado e por um período de tempo limitado, a direcção da equipa ficará a cargo de um agente do Estado em cujo território a equipa deva intervir, esse Estado criará as condições de organização necessárias ao funcionamento da equipa, os agentes participantes ficarão sujeitos à legislação do Estado em cujo território a equipa deva intervir.

Constituirão tarefas dessas equipas a execução de investigações difíceis, que requeiram grandes meios e um procedimento simultâneo e concertado dos Estados participantes e a coordenação de actividades comuns destinadas a impedir ou averiguar infracções e obter informações sobre as pessoas implicadas, o meio em que se movem e o seu modo de actuação.

2.2.4.7. Para qualquer uma das formas especiais de colaboração acabadas de analisar fica salvaguardada a não participação da autoridade requerida se o tipo de investigação pretendido for contrário ao direito nacional do Estado requerido ou nele não estiver previsto (artigo 19.º, n.º 3).
Por outro lado, assegura-se que, se a tal obrigar a legislação nacional dos Estados membros, as autoridades em causa solicitarão às respectivas autoridades judiciárias autorização para proceder às investigações e, se as autoridades judiciárias competentes subordinarem essa autorização a determinadas condições e exigências, que as autoridades em causa assegurarão o cumprimento de tais condições e exigências no decurso das investigações (artigo 19.º, n.º 4).

2.2.4.8. Estabelece o n.º 5 do artigo 19.º que, sempre que os agentes de um Estado membro, exercendo funções no território de outro, no âmbito das formas especiais de cooperação, nele provoquem prejuízos devido às funções desempenhadas, o Estado membro em cujo território os prejuízos forem causados assume a reparação dos mesmos, de acordo com a sua legislação nacional, com direito a ser reembolsado, pelo Estado membro cujos agentes provocaram os prejuízos, dos montantes que tiver pago às vítimas ou outras pessoas ou instituições a quem for devida reparação. Apesar da obrigação de reparação do dano, prevista na segunda parte desse n.º 5, cada um dos Estados membros renunciará, no caso previsto na primeira parte desse n.º 5, a solicitar a outro Estado membro o reembolso do montante dos prejuízos por ele sofridos (n.º 6 do artigo 19.º).

2.2.4.9. Nos termos do n.º 7 do artigo 19.º, as informações obtidas pelos agentes no decurso das actividades de cooperação transfronteiras, previstas nos artigos 20.º a 24.º, podem ser utilizadas, nos termos da respectiva legislação nacional e sob reserva dos requisitos especiais exigidos pelas autoridades competentes do Estado em que essas informações foram obtidas, como meio de prova pelas instâncias competentes do Estado membro que recebeu as informações.

2.2.4.10. Os agentes em missão no território de outro Estado membro, no decurso das actividades de cooperação transfronteiras, são equiparados aos agentes desse Estado no que respeita às consequências penais das infracções de que sejam objecto ou autor (artigo 19.º, n.º 8).

2.2.5. O Título V, constituído pelo artigo 25.º, ocupa-se da protecção de dados, o qual estabelece que, no intercâmbio de dados, as administrações aduaneiras tomarão em consideração os requisitos da protecção de dados pessoais, actuando no respeito das disposições pertinentes da Convenção do Conselho da Europa, de 28 de Janeiro de 1981, relativa à Protecção das Pessoas no que diz respeito ao Tratamento Automatizado de Dados Pessoais e esclarece que, para efeitos do artigo, a expressão “tratamento de dados pessoais” deve ser interpretada na acepção da definição constante da alínea b) do artigo 2.º da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

Salvaguardando a possibilidade de qualquer Estado membro impor condições quanto ao tratamento, por outro Estado membro, dos dados pessoais que tenha recebido, define, no n.º 2, sem prejuízo das disposições da Convenção sobre a Utilização da Informática no Domínio Aduaneiro, as condições aplicáveis sempre que, com base na presente convenção, sejam transmitidos dados pessoais.

Assim:
- o tratamento de dados pessoais pela autoridade destinatária só é autorizado para a prevenção e a averiguação das infracções às regulamentações aduaneiras nacionais, bem como a repressão das infracções às regulamentações aduaneiras comunitárias e nacionais – al. a);
- a autoridade destinatária só poderá transmitir os dados com autorização do Estado membro que os tenha fornecido, salvo no caso de repressão de actos contrários à regulamentação aduaneira nacional ou comunitária, incluindo a participação nessas infracções ou a tentativa de as cometer, a participação numa organização criminosa que cometa essas infracções e o branqueamento de dinheiro proveniente dessas infracções, em que poderá transmiti-los, sem autorização prévia, às suas administrações aduaneiras, autoridades de investigação e instâncias judiciárias – al. a);
- a autoridade que transmitir os dados assegurará a sua exactidão e actualização – al. b);
- caso se verifique que foram transmitidos dados inexactos, que foram transmitidos dados que não deveriam ter sido comunicados ou ainda se a legislação do Estado membro que transmitiu os dados exigir o posterior apagamento de dados legalmente comunicados, a autoridade destinatária deve ser imediatamente informada, ficando obrigada a rectificar ou a apagar esses dados – al. b);
- se a autoridade destinatária tiver razões para crer que os dados comunicados são inexactos ou que deveriam ter sido apagados deverá informar o Estado que os transmitiu – b);
- nos casos em que, por força da legislação do Estado que transmite os dados, estes tenham de ser apagados ou rectificados, deve ser conferido à pessoa interessada um direito de rectificação efectivo – al. c);
- a transmissão e a recepção dos dados objecto de intercâmbio são registadas pelas autoridades envolvidas – al. d);
- a pedido do interessado, a autoridade transmissora e a autoridade destinatária devem informá-lo sobre os dados pessoais transmitidos bem como sobre a utilização prevista dos mesmos, regendo-se o direito do interessado de obter informações sobre os dados pessoais transmitidos pelas disposições legislativas, regulamentares e processuais nacionais do Estado membro que solicitou a informação, devendo ser dada à autoridade transmissora a oportunidade de exprimir a sua opinião prévia à decisão de prestar a informação – al. e);
- não existe obrigação de prestar informação caso, após ponderação, se considere que o interesse público de não prestar a informação prevalece sobre o do interessado na obtenção da informação – al. e);
- os Estados membros são responsáveis, em conformidade com as suas próprias disposições legislativas, regulamentares e processuais, pelos danos causados a uma pessoa pelo tratamento, nesse Estado, de dados transmitidos, mesmo quando os danos tenham sido causados pela transmissão de dados inexactos ou pelo facto de a autoridade transmissora ter actuado em violação da Convenção – al. f);
- os dados transmitidos só serão conservados durante o período necessário aos efeitos para os quais tiverem sido transmitidos, cabendo a análise da necessidade da sua conservação ao Estado destinatário – al. g);
- em todo o caso, os dados beneficiarão de uma protecção pelo menos idêntica à que o Estado membro destinatário conceda a dados de natureza similar – al. h);
- os Estados membros deverão tomar medidas adequadas, através de controlos eficazes, para assegurar a observância do estatuído no artigo 25.º - al. i).

2.2.6. Sobre a interpretação da Convenção, estabelece o artigo 26.º a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para decidir sobre qualquer litígio:
- entre Estados membros decorrente da interpretação ou da execução da presente Convenção, sempre que o diferendo não possa ser resolvido pelo Conselho, no prazo de seis meses a contar da data em que lhe tenha sido submetido por um dos membros (n.º 1),
- entre os Estados membros e a Comissão decorrente da interpretação ou da execução da presente Convenção, sempre que o diferendo não possa ser resolvido por via da negociação, podendo ser submetido ao Tribunal de Justiça no termo do prazo de seis meses a contar da data em que uma das partes notificou a outra da existência do diferendo (n.º 2).

Prevê-se no n.º 4 que, mediante declaração feita no momento da assinatura da Convenção, ou posteriormente, qualquer Estado pode aceitar a competência do Tribunal de Justiça para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação da Convenção.

Essa declaração deve especificar que:
- qualquer orgão jurisdicional desse Estado, cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse orgão jurisdicional relativa à interpretação da Convenção, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (n.º 5, alínea a)), ou que
- qualquer orgão jurisdicional desse Estado pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse orgão jurisdicional relativa à interpretação da Convenção, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (n.º 5, alínea b)).

Nos casos previstos no n.º 5, qualquer Estado membro, quer tenha feito, quer não tenha feito uma declaração nos termos do n.º 4, pode apresentar, ao Tribunal de justiça, alegações ou observações escritas (n.º 7).

Consigna-se, por último, no n.º 8, que o Tribunal de Justiça não é competente para fiscalizar a validade ou a proporcionalidade de operações efectuadas pelos serviços responsáveis pela aplicação da lei, competentes por força da Convenção, ou o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna.

2.2.7. No Título VII reúnem-se as disposições finais.

Estabelecem-se os princípios do respeito pela confidencialidade da investigação, no intercâmbio de informações (artigo 27.º) e da renúncia à reclamação do reembolso das despesas resultantes da execução da Convenção, com excepção dos encargos resultantes dos honorários pagos a peritos (artigo 29.º).

Prevêm-se as derrogações à obrigação de assistência mútua nos casos em que possa prejudicar a ordem pública ou outros interesses fundamentais dos Estados membros ou nos casos em que o alcance da acção solicitada, nomeadamente no âmbito das formas especiais de cooperação, seja claramente desproporcionada em relação à gravidade da infracção presumida (artigo 28.º, n.º 1), e o correlativo dever de fundamentação de qualquer recusa de assistência (artigo 28.º, n.º 2).

Sobre reservas, o artigo 30.º estabelece que a Convenção não poderá ser objecto de reservas, com excepção das que estão previstas no n.º 8 do artigo 20.º, no n.º 5 do artigo 21.º e no n.º 5 do artigo 23.º(n.º 1), que os Estados membros que já tiverem estabelecido entre si acordos que abranjam matérias regidas pelo Título IV da Convenção só podem emitir reservas ao abrigo do n.º 1, na medida em que as mesmas não afectem as suas obrigações decorrentes desses acordos (n.º 2) e que, portanto, as obrigações decorrentes da Convenção de 19 de Junho de 1990, de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, não são afectadas pela presente Convenção no âmbito das relações entre os Estados membros que estejam vinculados a tais disposições (n.º 3).

Quanto à aplicação territorial, à entrada em vigor, à adesão, às alterações e ao depositário dispõem, respectivamente, os artigos 31.º, 32.º, 33.º, 34.º e 35.º

3.

O reforço da cooperação internacional em matéria penal surge como resposta adequada e necessária à crescente internacionalização da criminalidade.

O Código de Processo Penal Português (artigos 229.º a 245.º) estabelece alguns princípios e normas no domínio das relações com autoridades estrangeiras e entidades judiciárias internacionais, consagrando o princípio da prevalência dos acordos e das convenções internacionais.

Reconhecendo que as disposições do Código de Processo Penal constituem um reduzido núcleo de regras de aplicação subsidiária relativamente aos tratados e convenções, o legislador nacional reconheceu a necessidade de Portugal passar a dispor de uma lei interna que permitisse regular as formas de cooperação internacional em matéria penal.

Por isso, com o Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, foi introduzido no direito português um instrumento legislativo destinado a regular as diferentes formas de cooperação internacional em matéria penal.

No entanto, o respectivo artigo 3.º acentua a subsidiariedade do diploma relativamente aos tratados, convenções e acordos internacionais.

O artigo 4.º proclama o princípio da reciprocidade (consentindo, todavia, algumas excepções) como “corolário da disposição do legislador português de assegurar uma cooperação internacional acrescida na luta contra o crime, na falta de tratado ou acordo com outros Estados, inspirada nas modernas tendências no domínio de auxílio judiciário mútuo, que se reflectem na abundante criação de instrumentos internacionais, designadamente no seio da ONU e do Conselho da Europa, relativos a formas específicas de cooperação.

O aumento de tráfico internacional e a grande mobilidade das pessoas que dele decorre, bem como o incremento das relações económicas no plano internacional, conduziram ao surgimento de novas formas de criminalidade e a um considerável aumento do número de infracções que não se circunscrevem ao território de um único Estado. Assim, aumentaram proporcionalmente os casos relativamente aos quais as autoridades implicadas na condução dos processos penais carecem da colaboração das autoridades estrangeiras.” ([1])

O artigo 20.º define a tramitação do pedido de cooperação internacional em matéria penal:

“1 - O pedido de cooperação internacional emanado de uma autoridade estrangeira é dirigido ao Ministro da Justiça, com vista ao exame, pelo Governo, da sua admissibilidade.
2 - Se o Governo considerar o pedido admissível, manda remetê-lo à autoridade competente.
3 - A decisão do Governo não vincula a autoridade judiciária.
4 - O pedido de cooperação formulado por uma autoridade portuguesa é remetido ao Ministro da Justiça pelo Procurador-–Geral da República ou por quem legalmente o substitua.
5 - Se o Ministro da Justiça considerar admissível o pedido, remete-o ao Ministro da Justiça do Estado estrangeiro, por via diplomática ou directamente, se aquela primeira via não for exigida.”

Prevêem-se, no entanto, excepções à regra do artigo 20.º, designadamente no artigo 28.º do seguinte teor:

“Artigo 28º
Medidas provisórias urgentes

1 - Em caso de urgência, as autoridades judiciárias estrangeiras podem comunicar directamente com as autoridades judiciárias portuguesas, ou por intermédio da Organização Internacional de Polícia Criminal, para solicitarem a adopção de uma medida cautelar ou para a prática de um acto que não admita demora, expondo os motivos da urgência e observando os requisitos referidos no artigo 21.º
2 - O pedido é transmitido por via postal ou telegráfica ou por qualquer outro meio que permita o seu registo por escrito ou que seja admitido pela lei portuguesa.
3 - As autoridades judiciárias portuguesas, se considerarem o pedido admissível nos termos do presente diploma e da legislação subsidiária, dão-lhe satisfação e comunicam o facto ao Ministro da Justiça.”

“Esta disposição é excepcional relativamente à regra do artigo 20.º As razões da sua consagração na lei são evidentes. Sem ela, haveria o risco de se perderem meios de prova, de desaparecerem bens susceptíveis de apreensão ou de sequestro ou, em geral, de não proteger interesses jurídicos ameaçados. É por isso que, em comentário ao preceito homólogo da EIMP, se afirma que uma disposição deste género, absolutamente necessária em qualquer lei nacional de entreajuda ou em qualquer tratado na matéria, se impõe ipso facto se o Estado requerido entende cooperar eficazmente na luta contra a criminalidade, nomeadamente a económica.” ([2])

Os requisitos do pedido de cooperação judiciária em matéria penal são enunciados no artigo 21.º:

“O pedido de cooperação internacional deve indicar:
a) a autoridade de que emana e a autoridade a quem se dirige, podendo fazer esta designação em termos gerais;
b) o objecto e motivos do pedido;
c) a qualificação jurídica dos factos que motivam o procedimento;
d) a identificação do suspeito, arguido ou condenado, da pessoa cuja extradição ou transferência se requer e a da testemunha ou perito a quem devam pedir-se declarações;
e) uma descrição dos factos e sua localização no tempo e no espaço proporcional à importância do acto de cooperação que se pretende;
f) o texto das disposições legais aplicáveis no Estado que o formula;
g) quaisquer documentos relativos ao facto.
2 - Os documentos não carecem de documentação.
3 - A autoridade competente pode exigir que um pedido formalmente irregular ou incompleto seja modificado ou completado, sem prejuízo de adopção de medidas provisórias quando estas não possam esperar pela regularização.
4 - O requisito a que se refere a alínea f) do n.º 1, pode ser dispensado quando se tratar da forma de cooperação referida na alínea f) do artigo 1º.”

No Título VI do diploma regula-se o auxílio judiciário geral em matéria penal.

É o seguinte o teor do artigo 135.º que define o princípio e âmbito do auxílio judiciário geral em matéria penal:

“1 - O auxílio internacional regulado neste título compreende a comunicação de informações, bem como a de actos de processo e outros actos públicos admitidos pelo direito português, quando se afigurarem necessários a um procedimento penal instaurado no estrangeiro ou ainda dos necessários à apreensão ou à recuperação de instrumentos, objectos ou produtos do crime.
2 - O auxílio compreende, nomeadamente:
a) a notificação de documentos;
b) a obtenção de meios de prova;
c) as revistas, buscas e apreensões;
d) a notificação dos suspeitos, arguidos, testemunhas ou peritos e a audição dos mesmos;
e) o trânsito de pessoas;
f) as informações sobre o direito português ou estrangeiro e as relativas aos antecedentes penais de suspeitos, arguidos e condenados.
3 - No âmbito do auxílio, o Ministro da Justiça pode autorizar:
a) a comunicação directa de simples informações relativas a assuntos de carácter penal entre as autoridades de polícia criminal portuguesas e estrangeiras que actuem como auxiliares das autoridades judiciárias;
b) a participação das autoridades judiciárias e de polícia criminal estrangeiras em actos de carácter processual penal que devam realizar-se em território português.
4 - A participação referida na alínea b) do número anterior é admitida exclusivamente a título de coadjuvação da autoridade judiciária ou de polícia criminal portuguesas, competentes para o acto, onde a sua presença é sempre obrigatória, observando-se as disposições de processo penal português, e sob condição de reciprocidade, de tudo se fazendo referência nos autos.
5 - O disposto no artigo 28.º é extensivo às diligências da competência das autoridades de polícia criminal, realizadas nas condições e dentro dos limites definidos pelo Código de Processo Penal.
6 - As autoridades judiciárias e de polícia criminal portuguesas podem igualmente solicitar a sua participação em diligências que devam realizar-se no território de um Estado estrangeiro, mediante prévia autorização do Ministério da Justiça.”

Em anotação a esse artigo Manuel António Lopes Rocha e Teresa Alves Martins ([3]) tecem os seguintes comentários:

“ O auxílio judiciário em matéria penal é uma das formas de cooperação internacional mais antigas e, até ao presente, mais conhecidas.

Consiste fundamentalmente num acto de cooperação internacional, de âmbito intraprocessual, isto é, realizado no quadro de um processo penal instaurado no Estado requerente, com vista a carrear para o mesmo informações e elementos de prova relevantes, essencialmente através da prática de actos de investigação ou de instrução, no território requerido e a pedido das autoridades judiciárias competentes do Estado requerente.

O conceito de processo penal é amplo para este efeito, podendo abranger realidades como, por exemplo, fases preliminares do processo (de algum modo semelhantes ao antigo inquérito preliminar português), o processo indulto, ou o processo de indemnização por danos sofridos em caso de condenação injusta (cfr. Rapport Explicatif sur la Convention Européene d’Entraide Judiciaire em Matière Pénale, Ed. Conselho da Europa, 1969, pág. 12, artigo 49.º da Convenção de Schengen e artigo 63.º, n.º 3, da lei suíça).

Diversamente do que sucede com as outras formas de cooperação internacional que o presente diploma regula, o conteúdo do auxílio judiciário define-se através de uma fórmula aberta, susceptível de evoluir de acordo com as circunstâncias de tempo e lugar, decorrentes do grau de desenvolvimento das relações bilaterais entre os Estados implicados, das possibilidades de cooperação reconhecidas pela legislação interna de cada Estado e, de modo significativo, da evolução das necessidades da cooperação internacional, em função da evolução do próprio fenómeno da criminalidade.

A este propósito pode referir-se o exemplo do desenvolvimento que tem registado a cooperação em matéria de apreensão e perda de produtos do crime, que consta de recentes instrumentos internacionais de âmbito material restrito (a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes, de 1988) ou genérico ( a Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda de Produtos do Crime, de 1990).

O pedido de auxílio judiciário reveste normalmente a forma de carta rogatória, embora possa ter outra forma (exemplo: pedido do artigo 152.º, relativo ao registo criminal).

As cartas rogatórias podem definir-se como “mandato conferido por uma autoridade judiciária de um país a uma autoridade judiciária estrangeira para, em seu lugar, proceder a um ou mais actos especificados nesse mandato” (Rapport Explicatif, cit., pág. 14.). Atente-se, também, no teor do artigo 111.º, n.º 3, alínea b), do CPP. Nesse âmbito, o auxílio consiste essencialmente na prática de actos de processo, ligados, em geral, à recolha de provas ou à comunicação de actos.

Para além deste, os demais pedidos de auxílio podem realizar-se entre essas e ou outras autoridades, por exemplo, administrativas, e, em certas condições, entre autoridades de polícia criminal, na sua posição de coadjuvantes das autoridades judiciárias.

A autonomização do seu tratamento convencional consagra princípios próprios desta cooperação e assinala-lhe finalidades específicas: de um lado, pôr em prática um sistema de auxílio internacional como meio eficaz de combater a criminalidade nacional, transnacional ou internacional, e, do outro, evitar conflitos de competência a nível internacional (pense-se, a título de exemplo, na hipótese de convocação, com efeitos cominatórios, de testemunhas que residam em Estado estrangeiro – cf. documento do Conselho da Europa “Compétence extraterritoriale en matière pénale”, relatório do grupo de peritos, Estrasburgo, 1990, pág. 39, 4º parágrafo).

No âmbito deste diploma, o auxílio obedece aos seguintes princípios gerais:
1) Aplica-se apenas no domínio penal (artigo 135.º, n.º 1);
2) Aplica-se à cooperação relativa a procedimentos penais que relevem da competência das autoridades judiciárias (artigo 2.º, n.º 2, conjugado com o artigo 135.º, n.º 1), admitindo-se, em determinadas condições, a comunicação entre autoridades de polícia criminal que actuem como auxiliares daquelas (artigo 135.º, n.ºs 3, alínea a), e 5, e, residualmente, a intervenção de entidades administrativas (artigo 142.º, n.º 4 e 150.º a 152.º);
3) Subordina-se à protecção dos interesses da soberania, da segurança, da ordem pública e de outros interesses da República Portuguesa, constitucionalmente definidos (artigo 2.º, n.º 1);
4) Tem carácter facultativo, configurando-se como uma possibilidade e não uma obrigação de cooperar (artigo 2.º, n.º 3);
5) Assenta, em regra, no princípio da reciprocidade (artigo 4.º, n.º 1);
6) É independente de outras formas de cooperação (o que se retira, fundamentalmente, do cotejo das suas condições de admissibilidade – tal como resultam dos artigos 135.º, n.º 1, 136.º e 137.º, conjugados com o artigo 230.º, n.º 3, este do CPP; ver ainda os motivos de recusa enunciados no artigo 136.º, n.º 3, e o princípio implícito no artigo 6.º, n.º 2, alínea c), conjugado com o n.º 1, alínea f), e no artigo 15.º, n.º 2);
7) Mais em particular não exige, em princípio, a dupla incriminação, salvo quando os actos a praticar implicarem recurso a medidas de coacção, nos termos do n.º 1 do artigo 137.º, caso em que se acolhe o princípio na sua formulação in abstracto através da correspondência dos factos aos elementos objectivos do tipo.

O n.º 5 possibilita a comunicação urgente entre as autoridades de polícia, dentro do quadro de referência do CPP.

Tratar-se-á, fundamentalmente, dos actos a que alude o artigo 55.º do CPP (quanto a actos específicos de inquérito, artigo 249.º) ou seja, actos cautelares de preservação da prova, cuja prática se revele necessária e urgente, mesmo por iniciativa própria das competentes entidades de polícia criminal, e de que podem encontrar-se exemplos nas disposições dos artigos 173.º, n.º 1, 176.º, n.º 3, 177.º, n.º 2 e 178.º, n.º 3, todos do CPP.

O Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro constitui, portanto, um instrumento que possibilita a cooperação internacional mas, até pela sua natureza subsidiária, não dispensa a ratificação das Convenções que visem a cooperação judiciária internacional.

4.

4.1. A realização dos objectivos inscritos no Tratado da União Europeia obriga a uma cooperação eficaz entre os Doze.

“A realização dos objectivos inscritos no Tratado da União, obriga-nos a reflectir sobre a nova dinâmica que deveremos de futuro conferir a áreas onde a cooperação entre os Doze tem sido, por norma, lenta e penosa.

A não ser assim, corremos o risco de comprometer, de modo irremediável, a eficácia prática da actuação da Comunidade em inúmeros domínios e a capacidade de responder a fenómenos que necessariamente se aproveitarão do amplo espaço de liberdade que, agora, a Europa confere.
Neste contexto, a cooperação judiciária em matéria penal a realizar entre os Estados membros deverá constituir, no quadro da União Europeia, um imperativo, no sentido de que muitas das áreas de actuação que beneficiam já de uma competência comunitária, deverão ser acompanhadas, para que se possam revelar eficazes, da actuação concertada entre os Doze, neste domínio. A forma como se pretenda qualificar a cooperação judiciária, à luz do Tratado da União, não deverá fazer esquecer, contudo, que ela deverá ser instrumental em relação ao objectivo visado de que só assim se compreenderá que os Estados membros possam, através de um compromisso voluntário, aceitar que prerrogativas de soberania devam ceder o passo perante a construção de um ideal europeu.

À visão tradicional durante tanto tempo subsistente, da intangibilidade da soberania dos Estados no domínio judiciário, deveremos substituir a ideia da construção de um verdadeiro “espaço judiciário europeu”, criado por vontade expressa e livre dos Estados, suporte adequado para garantir a eficaz integração europeia, noutros domínios já uma realidade” ([4]).

O desenvolvimento de uma estreita cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos constitui um dos objectivos da União – artigo 3.º, 4º travessão do Tratado da União Europeia ([5]).

Segundo o artigo K.1 do Tratado da União Europeia, para a realização dos objectivos da União, nomeadamente o da livre circulação de pessoas, e sem prejuízo das atribuições e competências da Comunidade Europeia, os Estados membros consideram questões de interesse comum, entre outras:

“7) A cooperação judiciária em matéria penal;
8) A cooperação aduaneira;
9) A cooperação policial tendo em vista a prevenção e a luta contra o terrorismo, o tráfico ilícito de droga e outras formas graves de criminalidade internacional, incluindo, se necessário, determinados aspectos de cooperação aduaneira, em ligação com a organização, à escala da União, de um sistema de informações no âmbito de uma Unidade Europeia de Polícia (Europol).”

Nos domínios a que se refere o artigo K.1, os Estados membros devem informar-se e consultar-se mutuamente no âmbito do Conselho, de modo a coordenar a sua acção, devendo instituir, para o efeito, uma colaboração entre os competentes serviços das respectivas administrações; por iniciativa de qualquer Estado membro, nos domínios a que se referem os n.ºs 7 a 9 do artigo K.1, o Conselho pode elaborar convenções e recomendar a sua adopção pelos Estados membros, nos termos das respectivas normas constitucionais (artigo K.3, n.ºs 1 e 2, alínea c)).

4.2. O Tratado da União Europeia foi alterado pelo Tratado de Amesterdão, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/99, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 65/99, de 19 de Fevereiro ([6]).

Agora, o artigo 2.º (ex-artigo B) do Tratado da União Europeia, na redacção dada pelo n.º 5) do artigo 1.º do Tratado de Amesterdão, define como objectivo da União “a manutenção e o desenvolvimento da União enquanto espaço de liberdade, de segurança e de justiça, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos na fronteira externa, asilo e imigração, bem como de prevenção e combate à criminalidade” (4.º parágrafo).

O n.º 11) do Tratado de Amesterdão alterou a redacção do Título VI do Tratado da União Europeia, que passou a ter a seguinte epígrafe: “Disposições relativas à cooperação policial e judiciária em matéria penal”.

O respectivo artigo 29.º (ex-artigo K.1) estabelece que será objectivo da União facultar aos cidadãos um elevado nível de protecção num espaço de liberdade, segurança e justiça, mediante a instituição de acções em comum entre os Estados membros no domínio da cooperação policial e judiciária em matéria penal e a prevenção e combate do racismo e da xenofobia. “Este objectivo será atingido prevenindo e combatendo a criminalidade, organizada ou não, em especial o terrorismo, o tráfico de seres humanos e os crimes contra as crianças, o tráfico ilícito de droga e o tráfico ilícito de armas, a corrupção e a fraude”, através de: uma cooperação mais estreita entre forças policiais, autoridades aduaneiras e outras autoridades competentes dos Estados membros, uma cooperação mais estreita entre as autoridades judiciárias e outras autoridades competentes dos Estados membros, uma aproximação, quando necessário, das disposições de direito penal dos Estados membros.

O artigo 30.º (ex-artigo K.2) define o âmbito da acção em comum no domínio da cooperação policial:
“1 – A acção em comum no domínio da cooperação policial abrange:
a) A cooperação operacional entre as autoridades competentes, incluindo os serviços de polícia, das alfândegas e outros serviços especializados responsáveis pela aplicação da lei nos Estados membros, no domínio da prevenção e da detecção de infracções penais e das investigações nessa matéria;
b) A recolha, armazenamento, tratamento, análise e intercâmbio de informações pertinentes, incluindo informações em poder de serviços responsáveis pela aplicação da lei respeitantes a transacções financeiras suspeitas, em especial através da EUROPOL, sob reserva das disposições adequadas relativas à protecção dos dados de carácter pessoal;
c) A cooperação e as iniciativas conjuntas em matéria de formação, intercâmbio de agentes de ligação, destacamentos, utilização de equipamento e investigação forense;
d) A avaliação em comum de técnicas de investigação específicas relacionadas com a detecção de formas graves de criminalidade organizada.”

Estatui o artigo 34.º (ex-artigo K.6) que o Conselho tomará medidas e promoverá a cooperação, sob a forma e segundo os processos adequados instituídos no Título VI, no sentido de contribuir para a realização dos objectivos da União. Para o efeito, o Conselho pode, deliberando por unanimidade, por iniciativa de qualquer Estado membro ou da Comissão “elaborar convenções e recomendar a sua adopção pelos Estados membros, nos termos das respectivas normas constitucionais” (artigo 34.º, n.º 2, alínea d)).

5.

5.1. Como já foi salientado ([7]), a abolição das fronteiras entre os Estado da União Europeia reclama compreensivelmente, uma maior cooperação das autoridades policiais e aduaneiras e a indispensabilidade de um intercâmbio de informações e experiências.

Os Acordos de Schengen, nomeadamente, constituíram um instrumento importante para a implementação da cooperação no espaço europeu ([8]).

Entre as medidas aplicáveis a curto prazo, o artigo 9.º do Acordo de Schengen estabelece:
“As Partes reforçarão a cooperação entre as respectivas autoridades aduaneiras e de polícia, nomeadamente na luta contra a criminalidade, em especial no que diz respeito ao tráfico ilícito de estupefacientes e de armas, contra a entrada e a estada irregulares de pessoas, contra a fraude fiscal e aduaneira e contra o contrabando. Para o efeito, e nos termos das respectivas legislações internas, as Partes esforçar-se-ão por melhorar a troca de informações, reforçando-a no que diz respeito às informações susceptíveis de apresentar para as outras Partes um interesse na luta contra a criminalidade.
As Partes reforçarão, nos termos das respectivas legislações nacionais, a assistência mútua contra os movimentos irregulares de capitais.”

Das medidas aplicáveis a longo prazo, destacamos as contidas no artigo 18.º:
“As Partes encetarão negociações, nomeadamente sobre as seguintes questões, sem deixar de ter em conta os resultados das medidas tomadas a curto prazo:
a) Celebração de convénios sobre a cooperação policial em matéria de prevenção da delinquência e de investigação;
b) análise das eventuais dificuldades surgidas na aplicação dos acordos de entre-ajuda judiciária internacional e de extradição, a fim de encontrarem soluções mais adequadas à melhoria da cooperação entre as Partes nestes domínios;
c) procura dos meios que permitam a luta em comum contra a criminalidade, designadamente pelo estudo de uma eventual adaptação do direito de perseguição para os agentes de autoridade, tendo em conta os meios de comunicação existentes e a entreajuda judiciária internacional.”

5.2. As matérias da cooperação judiciária e policial são desenvolvidas no Título III da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.

O Capítulo I é dedicado à cooperação policial.

As Partes Contratantes comprometem-se a que os seus serviços de polícia se prestem assistência para efeitos da prevenção e da investigação de factos puníveis (artigo 39.º).

Passaremos a transcrever, parcialmente, alguns dos artigos relativos à cooperação policial por se prenderem muito particularmente com disposições da Convenção ora em análise.

No artigo 40.º prevê-se a vigilância transfronteiriça.

“1. Os agentes de uma das partes Contratantes que, no âmbito de um inquérito judiciário, mantenham sob vigilância no seu país uma pessoa que se presuma ter participado num facto punível passível de extradição, são autorizados a prosseguirem esta vigilância no território de uma outra Parte Contratante, quando esta tenha autorizado a vigilância transfronteiriça com base num pedido de entreajuda judiciária previamente apresentado. Esta autorização pode ser sujeita a condições.
Mediante pedido, a vigilância será confiada aos agentes da Parte Contratante no território do qual esta é efectuada.
O pedido de entreajuda judiciária a que se refere o n.º 1 deve ser dirigido à autoridade designada por cada uma das Partes Contratantes competentes para conceder ou transmitir a autorização solicitada.
2. Quando, por razões especialmente urgentes, a autorização prévia da outra Parte Contratante não puder ser solicitada, os agentes de vigilância serão autorizados a prosseguir para além da fronteira a vigilância de uma pessoa que se presuma ter praticado os factos puníveis enumerados no n.º 7, nas seguintes condições:
a) a passagem da fronteira será imediatamente comunicada durante a vigilância à autoridade da Parte Contratante referida no n.º 5 em cujo território a vigilância prossegue;
b) será imediatamente transmitido um pedido de entreajuda judiciária, apresentado nos termos do n.º 1, expondo os motivos que justificam a passagem da fronteira sem autorização prévia.
Será posto fim à vigilância a partir do momento em que a Parte Contratante, em cujo território se realiza, o solicitar, na sequência da comunicação referida na alínea a) ou do pedido referido na alínea b) ou, caso a autorização não seja obtida cinco horas após a passagem da fronteira.
3. A vigilância a que se referem os n.ºs 1 e 2 só pode ser efectuada nas seguintes condições:
a) Os agentes de vigilância devem cumprir as disposições do presente artigo e o direito da Parte Contratante em cujo território actuam: devem obedecer às ordens das autoridades localmente competentes;
b) ressalvadas as situações previstas no n.º 2, os agentes devem ser portadores durante a vigilância, de um documento que certifique que a autorização foi concedida;
c) os agentes de vigilância devem poder justificar a qualquer momento o carácter oficial da sua missão;
d) os agentes de vigilância podem estar munidos da sua arma de serviço durante a vigilância, salvo decisão expressa em contrário da parte requerida; é proibida a sua utilização salvo em caso de legítima defesa;
e) é proibida a entrada nos domicílios e nos locais não acessíveis ao público;
f) os agentes de vigilância não podem interpelar, nem prender a pessoa vigiada;
g) qualquer operação será objecto de relatório às autoridades da Parte Contratante em cujo território se realizou; pode ser exigida a comparência pessoal dos agentes de vigilância;
h) as autoridades da Parte Contratante de que os agentes de vigilância são originários colaborarão, a pedido das autoridades da Parte Contratante em cujo território se realizou a vigilância, no inquérito consecutivo à operação em que participaram, inclusivamente em processos judiciais.
4. (...)
5. (...)
6. (...)
7. A vigilância referida no n.º 2 só pode realizar-se relativamente a um dos seguintes factos puníveis:
Homicídio, doloso simples;
Homicídio, doloso qualificado;
Violação;
Incêndio;
Falsificação de moeda;
Furto, roubo e recepção;
Extorsão;
Rapto e sequestro;
Tráfico de pessoas;
Tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas;
Infracções às disposições legais em matéria de armas e de explosivos;
Destruição com emprego de explosivos;
Transporte ilícito de resíduos tóxicos e prejudiciais.”

O artigo 41.º é dedicado à perseguição transfronteiriça.

“1. Os agentes de uma das Partes Contratantes que, no seu país, persigam uma pessoa apanhada em flagrante delito a cometer um dos crimes a que se refere o n.º 4 ou a neles tomar parte são autorizados a continuar a perseguição no território de uma outra Parte Contratante sem autorização prévia, sempre que as autoridades competentes da outra Parte Contratante não puderem ser avisadas previamente da entrada neste território devido a urgência especial, por um dos meios de comunicação previstos no artigo 44.º, ou não puderem chegar ao local a tempo de retomar a perseguição.
O disposto no parágrafo anterior é igualmente aplicável quando a pessoa perseguida, em situação de detenção provisória ou cumprindo uma pena privativa da liberdade, se evadiu.
Os agentes perseguidores recorrerão às autoridades competentes da Parte Contratante em cujo território se realiza a perseguição o mais tardar no momento da passagem da fronteira. A perseguição terminará a partir do momento em que a Parte Contratante em cujo território deva efectuar-se o solicitar. A pedido dos agentes perseguidores, as autoridades localmente competentes interpelarão a pessoa perseguida a fim de determinar a sua identidade ou de proceder à sua detenção.
2. A perseguição efectuar-se-á de acordo com uma das seguintes modalidades, que será definida na declaração prevista no n.º 9:
a) Os agentes perseguidores não têm o direito de interpelação;
b) se não for formulado um pedido de interrupção da perseguição e se as autoridades localmente competentes não puderem intervir com suficiente rapidez, os agentes perseguidores podem interpelar a pessoa perseguida até que os agentes da Parte Contratante em cujo território a perseguição se efectua, os quais devem ser imediatamente informados, possam determinar a sua identidade ou proceder à sua detenção.
3. A perseguição efectuar-se-á em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 e 2 de acordo com uma das seguintes modalidades que será definida na declaração prevista no n.º 9:
a) Numa zona ou durante um período a contar da passagem da fronteira que serão determinados na declaração;
b) sem limite no espaço ou no tempo.
4. Na declaração a que se refere o n.º 9, as Partes Contratantes definirão os crimes previstos no n.º 1 de acordo com uma das seguintes modalidades:
a) Os seguintes crimes:
Homicídio, doloso simples;
Homicídio, doloso qualificado;
Violação;
Incêndio;
Falsificação de moeda;
Furto, roubo e receptação;
Extorsão;
Rapto e sequestro;
Tráfico de pessoas;
Tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas;
Infracções às disposições legais em matéria de armas e de explosivos;
Destruição com emprego de explosivos;
Transporte ilícito de resíduos tóxicos e prejudiciais;
Transporte ilícito de resíduos tóxicos e prejudiciais;
Abandono do sinistrado na sequência de um acidente, tendo implicado a morte ou ferimentos graves;
b) os crimes que podem originar a extradição.
5. A perseguição só pode efectuar-se nas seguintes condições:
a) Os agentes perseguidores devem cumprir as disposições do presente artigo e o direito da Parte Contratante em cujo território actuam; devem obedecer às ordens das autoridades localmente competentes;
b) a perseguição efectuar-se-á unicamente através das fronteiras terrestres;
c) é proibida a entrada nos domicílios e nos locais não acessíveis ao público;
d) os agentes perseguidores serão facilmente identificáveis, quer através da utilização de um uniforme, quer de uma braçadeira ou de dispositivos acessórios colocados no seu veículo. São proibidos trajar à civil em veículos. São proibidos trajar à civil em veículos sem a identificação acima referida; os agentes perseguidores devem poder justificar a qualquer momento o carácter oficial da sua missão;
e) os agentes perseguidores podem estar munidos da sua arma de serviço; é proibida a sua utilização salvo em caso de legítima defesa;
f) a fim de ser conduzida perante as autoridades localmente competentes, a pessoa perseguida, uma vez detida nos termos da alínea b) do n.º 2, só pode ser submetida a uma revista de segurança; durante a sua transferência podem ser utilizadas algemas; podem ser apreendidos os objectos em posse do visado;
g) após cada operação a que se referem os n.ºs 1, 2 e 3, os agentes perseguidores apresentar-se-ão perante as autoridades localmente competentes da Parte Contratante em cujo território actuaram, relatando a sua missão; a pedido destas autoridades, devem permanecer à disposição até que as circunstâncias da sua acção tenham sido suficientemente esclarecidas, mesmo no caso de a perseguição não ter levado à detenção da pessoa perseguida;
h) as autoridades da Parte Contratante de que os agentes perseguidores são originários colaborarão, a pedido das autoridades da Parte Contratante em cujo território se realizou a perseguição, no inquérito consecutivo à operação em que participaram, inclusivamente em processos judiciais.
6. Aquele que, na sequência da acção prevista no n.º 2, tenha sido detido pelas autoridades localmente competentes pode, qualquer que seja a sua nacionalidade, ser mantido nessa situação, para prestar declarações. São aplicáveis por analogia as regras pertinentes do direito nacional.
Caso o visado não tenha a nacionalidade da Parte Contratante em cujo território foi detido, será posto em liberdade no prazo máximo de seis horas após a detenção, não sendo contadas as horas entre a meia-noite e as nove horas, a menos que as autoridades localmente competentes tenham recebido previamente um pedido de detenção provisória, qualquer que seja a forma, para efeito de extradição.
7. (...)
8. (...)
9. No momento da assinatura da presente Convenção, cada Parte Contratante fará uma declaração em que define, com base no disposto nos n.ºs 2, 3 e 4, as modalidades de exercício da perseguição no seu território relativamente a cada uma das partes Contratantes com a qual tem fronteira comum.
Uma Parte Contratante pode, a qualquer momento, substituir a sua declaração por outra, desde que não restrinja o âmbito da anterior.
Cada declaração será efectuada após concertação com cada uma das Partes Contratantes em causa e num espírito de equivalência dos regimes aplicáveis de ambos os lados das fronteiras internas.
10. As Partes Contratantes podem, a nível bilateral, alargar o âmbito de aplicação do n.º 1 e adoptar disposições suplementares de execução do presente artigo.

5.3. Relativamente à declaração prevista no n.º 9 o Governo Português fez a seguinte declaração:

“No momento da assinatura do Acordo de Adesão da República Portuguesa à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, o Governo Português declara, nos termos do n.º 9 do artigo 41.º da Convenção de 1990, que os agentes das Partes Contratantes podem continuar a perseguição no território da República Portuguesa nas seguintes condições:
a) Não podem interpelar a pessoa perseguida;
b) a perseguição pode realizar-se até 50 Km da fronteira (ou durante duas horas);
c) devem, logo que possível, dar conhecimento de tal facto às autoridades portuguesas;
d) só podem ser invocadas as infracções enumeradas na alínea a) do n.º 4 do artigo 41.º”


6.

Tendo em mente a competência da Procuradoria-Geral da República circunscrita à matéria de legalidade, no caso ao exame da conformidade da Convenção com o ordenamento jurídico constitucional e infra constitucional, voltemos à análise da Convenção, com especial incidência nas normas que prevejam a formulação de declarações ou reservas.

Desde já adiantamos, porém, que a Convenção não suscita juízos de desconformidade com a ordem jurídica portuguesa, nos planos constitucional e infra constitucional.

6.1. A Convenção foi elaborada no quadro da cooperação aduaneira prosseguida ao abrigo do Título VI do Tratado da União Europeia e baseia-se numa Convenção anterior sobre cooperação aduaneira – a Convenção dos Estados Membros da Comunidade Europeia para a Assistência Mútua entre as respectivas Administrações Aduaneiras, assinada em Roma, no dia 7 de Setembro de 1967 (Convenção de Nápoles de 1967) -, aprovada, para adesão, pelo Decreto n.º 40/93, de 4 de Novembro, e que entrou em vigor, em Portugal, no dia 1 de Janeiro de 1995 (aviso n.º 293/95, Diário da República I série - A, de 10 de Outubro de 1995).

Como ressalta do respectivo preâmbulo, a presente Convenção visa reforçar os compromissos constantes da Convenção celebrada em Roma, em 7 de Setembro de 1967, e regulamentar formas especiais de cooperação que implicam acções transfronteiras com vista à prevenção, investigação e repressão de determinadas infracções tanto da legislação nacional dos Estados membros como da regulamentação aduaneira comunitária, no respeito dos princípios da legalidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade.

6.2. A Convenção, nos Títulos II e III, prevê a assistência mediante pedido e a assistência espontânea entre as administrações aduaneiras dos Estados membros, retomando, no essencial, as disposições da Convenção de 1967. Nesta, já se previam como formas de assistência mútua, designadamente:
- a transmissão, espontaneamente ou a pedido, de informações úteis, nomeadamente, sobre operações que constituam ou pareçam constituir infracções às leis aduaneiras, sobre novos meios ou métodos para cometer infracções aduaneiras;
- o exercício, espontaneamente ou a pedido, de fiscalização especial sobre pessoas, locais, veículos, embarcações ou aeronaves;
- o desenvolvimento, a pedido, de investigações oficiais que interessem à autoridade requerente;
- a assistência de agentes da administração aduaneira de um Estado às diligências de investigação efectuadas noutro Estado.

6.3. As formas especiais de cooperação previstas são a perseguição além fronteiras (artigo 20.º), a vigilância transfronteiras (artigo 21.º), as entregas vigiadas (artigo 22.º), as investigações secretas (artigo 23.º) e as equipas comuns de investigação especial (artigo 24.º).

Nos termos dos artigos 20.º, n.º 8, 21.º, n.º 5 e 23.º, n.º 5, qualquer Estado membro pode declarar que se reserva o direito de não aplicar, no todo ou em parte, as disposições respeitantes à perseguição além fronteiras, à vigilância transfronteiras e às investigações secretas, respectivamente, estabelecendo o artigo 30.º, n.º 1 que, com excepção dessas, a Convenção não poderá ser objecto de reservas.

Como se disse na Informação-Parecer n.º 94/89-C ([9]), a reserva é definida como “o acto unilateral através do qual um Estado, partícipe de um acordo colectivo, declara a vontade de não aceitar uma determinada disposição do próprio acordo ou de lhe atribuir uma interpretação particular” ([10]).

No artigo 2.º, n.º 1, alínea d), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969, ao precisar o conteúdo da expressão “reserva”, esta é definida como “uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua designação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a este Estado”.

“A reserva cumpre a função prática de tornar possível a participação no tratado do Estado que a formula, alargando-se o escopo geral da cooperação internacional. Corresponde-lhe, ao invés, o inconveniente de tornar mais débil ou menos consistente o valor do acordo, na medida em que perturba a uniformidade das suas normas, o equilíbrio do próprio tratado, enfim, o seu valor jurídico considerado como um todo dotado de unidade.”

6.4. A perseguição além fronteiras (artigo 20.º) está regulada quanto aos seus pressupostos, modalidades de exercício e condições gerais a que ficará sujeita em termos que não divergem, de forma essencial, dos contidos no artigo 41.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, atrás transcrito.

Não se justificará, portanto, a formulação de qualquer reserva quanto a esta forma especial de cooperação.

No n.º 6 do artigo 20.º prevê-se a declaração, a efectuar por cada Estado, para definição das modalidades de exercício da perseguição no seu território, com base no disposto nos n.ºs 2, 3 e 4, sendo de notar, contudo, que o n.º 4 não enuncia modalidades de exercício da perseguição mas as condições gerais a que ficará sujeita.

Sugere-se que a República Portuguesa, em consonância com a declaração apresentada, nos termos do n.º 9 do artigo 41.º da Convenção de 1990, defina as modalidades de exercício de perseguição no seu território do seguinte modo (tornando-se dispensável declaração equivalente à da alínea c), na medida em que se encontra prevista a obrigação de os agentes perseguidores contactarem as autoridades competentes do Estado em cujo território se deverá realizar a perseguição o mais tardar no momento da passagem da fronteira):

“Os agentes da administração aduaneira dos Estados membros podem continuar a perseguição no território da República Portuguesa nas seguintes condições:
a) Os agentes perseguidores não podem reter a pessoa perseguida;
b) a perseguição pode realizar-se até 50 Km da fronteira ou durante duas horas.”

6.5. A vigilância transfronteiras (artigo 21.º) está prevista em termos praticamente coincidentes com os constantes do artigo 40.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, também atrás transcrito, não suscitando, pois, a formulação de reserva.

6.6. Às entregas vigiadas (artigo 22.º) não se colocam entraves de ordem constitucional.

A Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen cujo capítulo VI (artigos 70.º a 76.º) é dedicado aos “Estupefacientes”, contém uma norma específica - artigo 73.º - sobre as chamadas “entregas vigiadas”.

É o seguinte o seu teor:
“1. De acordo com a respectiva Constituição e ordem jurídica nacional, as Partes Contratantes comprometem-se a tomar medidas no sentido de permitir as entregas vigiadas no tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
2. A decisão do recurso a entregas vigiadas será tomada caso a caso com base na autorização prévia de cada Parte Contraente em causa.
3. Cada Parte Contratante manterá a direcção e o controlo da operação no seu território, encontrando-se habilitada para intervir.”

Também a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 se refere às entregas de controladas, definindo-as nos termos seguintes:

A expressão “entregas controladas” designa a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas de estupefacientes, substâncias psicotrópicas, substâncias das tabelas I e II anexas à presente Convenção, ou de substâncias em substituição daquelas, deixem o território de um ou mais países, o atravessem ou entrem nesse território, com o conhecimento e sob a vigilância das respectivas autoridades competentes, com o fim de identificar as pessoas envolvidas na prática de infracções estabelecidas de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º da Convenção.

E o artigo 11.º da mesma Convenção, sob a epígrafe “Entregas controladas”, dispõe como segue:
“1. Se os princípios fundamentais dos respectivos sistemas jurídicos internos o permitirem, as Partes podem adoptar, dentro das suas possibilidades, as medidas necessárias para permitir o recurso adequado a entregas controladas a nível internacional, com base em acordos ou protocolos que tenham celebrado entre si, a fim de identificar as pessoas implicadas nas infracções estabelecidas de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º e de instaurar processo contra elas.
2. A decisão de recorrer a entregas controladas é tomada caso a caso e pode, quando necessário, atender a protocolos e compromissos financeiros no que diz respeito ao exercício de competência pelas Partes interessadas.
3. As remessas ilícitas cuja entrega controlada tenha sido acordada podem, com o consentimento das Partes interessadas, ser interceptadas e autorizadas a prosseguir intactas ou depois de os estupefacientes ou substâncias psicotrópicas que continham terem sido retirados ou substituídos, total ou parcialmente.”

O Decreto–Lei n.º 430/83, de 13.12, previa já esta realidade no artigo 51.º, sob a epígrafe ([11]) “Estupefacientes e substâncias psicotrópicas em trânsito:
“1 - Pode ser autorizada, caso a caso, pelo juiz de instrução ou pelo procurador da República, consoante a fase do processo, a não actuação da Polícia Judiciária sobre os portadores de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas em trânsito por Portugal, com a finalidade de proporcionar, em colaboração com o país ou países destinatários e outros eventuais países de trânsito, a identificação e arguição do maior número de participantes nas diversas operações de tráfico e distribuição, mas sem prejuízo do exercício da acção penal pelos factos aos quais a lei portuguesa é aplicável.
2 - A autorização só será concedida, a pedido de país destinatário, desde que:
a) Seja conhecido detalhadamente o itinerário provável dos traficantes e a identificação suficiente destes;
b) Seja garantida pelas autoridades competentes dos países de destino e dos países de trânsito a segurança das substâncias contra riscos de fuga ou extravio;
c) Seja assegurado pelas autoridades competentes dos países de destino ou trânsito que a sua legislação prevê as sanções penais adequadas contra os arguidos e que a acção penal será exercida;
As autoridades judiciárias competentes dos países de destino ou trânsito se comprometam a comunicar, com urgência, informação pormenorizada sobre os resultados da operação e os pormenores da acção desenvolvida por cada um dos agentes da prática dos crimes, especialmente dos que agiram em Portugal.
3 - Apesar de concedida a autorização mencionada anteriormente, a Polícia Judiciária intervirá se as margens de segurança tiverem diminuído sensivelmente, se se verificar alteração imprevista de itinerário ou qualquer outra circunstância que dificulte a futura apreensão das substâncias e a captura dos arguidos.
Se aquela intervenção não tiver sido comunicada previamente à entidade que concedeu a autorização, sê-lo-á nas 24 horas seguintes, mediante relato escrito.
4 - O não cumprimento das obrigações assumidas pelos países de destino ou trânsito pode constituir fundamento de recusa de autorização em pedidos futuros.
5 - Os contactos internacionais serão efectuados através da Polícia Judiciária, pelo Gabinete Nacional da Interpol.
6 - Os pedidos de autorização referidos nos n.ºs 1 e 2 serão presentes a despacho dos magistrados dos tribunais de instrução criminal de Lisboa, Porto ou Coimbra.”

A Lei n.º 27/92, de 31 de Agosto, que concedeu autorização ao Governo para rever a legislação de combate à droga, estabeleceu nos diversos itens do seu artigo 3.º os sentidos e extensão da legislação a elaborar e designadamente sob o item 54) que:

“Pode ser autorizada, caso a caso, pelo Ministério Público, a não actuação da Polícia Judiciária sobre os portadores de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas em trânsito por Portugal, com a finalidade de proporcionar, em colaboração com o país ou países destinatários e outros eventuais países de trânsito, a identificação e arguição do maior número de participantes nas diversas operações de tráfico e distribuição, mas sem prejuízo do exercício da acção penal pelos factos aos quais a lei portuguesa é aplicável e podendo o diploma a aprovar, nos termos da presente autorização legislativa, estabelecer outras condições visando a segurança e eficácia dos procedimentos, bem como a futura apreensão das substâncias e a captura dos seus portadores.”

No Decreto–Lei n.º 15/93, de 22.1, a disciplina das entregas controladas encontra-se ([12]) prevista no artigo 61.º do teor seguinte:
“1 - Pode ser autorizada, caso a caso, pelo Ministério Público, a não actuação da Polícia Judiciária sobre os portadores de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas em trânsito por Portugal, com a finalidade de proporcionar, em colaboração com o país ou países destinatários e outros eventuais países de trânsito, a identificação e arguição do maior número de participantes nas diversas operações de tráfico e distribuição, mas sem prejuízo do exercício da acção penal pelos factos aos quais a lei portuguesa é aplicável.
2 - A autorização só é concedida a pedido de país destinatário, desde que:
a) Seja conhecido detalhadamente o itinerário provável dos portadores e a identificação suficiente destes;
b) Seja garantida pelas autoridades competentes dos países de destino e dos países de trânsito a segurança das substâncias contra risco de fuga ou extravio;
c) Seja assegurado pelas autoridades competentes dos países de destino ou trânsito que a sua legislação prevê as sanções penais adequadas contra os arguidos e que a acção penal será exercida;
d) As autoridades judiciárias competentes dos países de destino ou de trânsito se comprometam a comunicar, com urgência, informação pormenorizada sobre os resultados da operação e os pormenores da acção desenvolvida por cada um dos agentes da prática dos crimes, especialmente dos que agiram em Portugal.
3 - Apesar de concedida a autorização mencionada anteriormente, a Polícia Judiciária intervém se as margens de segurança tiverem diminuído sensivelmente, se se verificar alteração imprevista de itinerário ou qualquer outra circunstância que dificulte a futura apreensão das substâncias e a captura dos agentes; se aquela intervenção não tiver sido comunicada previamente à entidade que concedeu a autorização, é-o nas vinte e quatro horas seguintes, mediante relato escrito.
4 - Por acordo com o país de destino, as substâncias em trânsito podem ser substituídas parcialmente por outras inócuas de tal se lavrando o respectivo auto.
5 - O não cumprimento das obrigações assumidas pelos países de destino ou de trânsito pode constituir fundamento de recusa de autorização em pedidos futuros.
6 - Os contactos internacionais são efectuados através da Polícia Judiciária, pelo Gabinete Nacional da Interpol.
7 - Qualquer outra entidade que receba pedidos de entregas controladas, nomeadamente a Direcção-Geral de Alfândegas, através do Conselho de Cooperação Aduaneira, ou das sua congéneres estrangeiras, e sem prejuízo dos tratamento da informação de índole aduaneira, deve dirigir imediatamente esses pedidos para a Polícia Judiciária, para efeitos de execução.
8 - Os pedidos de entregas controladas são presentes a despacho do magistrado do Ministério Público competente da comarca de Lisboa.”

A propósito, Lourenço Martins ([13]) teceu os seguintes comentários:

“Há quem levante dúvidas sobre a constitucionalidade desta disposição, a qual poderia atentar contra o n.º 6 do artigo 32.º da CRP; sendo um meio enganoso de obtenção de prova o artigo 126.º do CPP fulminá-lo-ia de nulidade (x).

Não partilhamos, com o devido respeito, de tais dúvidas.

Se é certo que as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal têm o dever de prevenir a prática de crimes, cabe-lhes igualmente descobrir os que já foram ou estão a ser praticados.

Em regra, a técnica das entregas controladas aplica-se às redes de traficantes, isto é, à criminalidade organizada. Se os “correios”, viajando de avião ou de barco, por hipótese da América do Sul para a Holanda, fazendo escala em Portugal, onde a droga é transbordada para um meio de transporte terrestre, estão indubitavelmente a praticar o crime de tráfico, outros elementos da rede que se encontrem na Holanda já iniciaram a sua participação no crime, através das instruções de encomenda e outros actos destinados a despistar as autoridades e a colocar a droga no mercado clandestino. Tentar descobri-los constitui um dever para as autoridades.

Onde está o meio enganoso?

Poderá sim ocorrer que alguns intervenientes da rede, actuando sem conhecimento dos actos anteriores, não tivessem praticado qualquer crime se as autoridades tivessem actuado em Portugal. Todavia, a sua eventual ligação a uma associação de traficantes já os terá colocado dentro do círculo criminoso que as autoridades devem procurar descobrir.

Embora de pouco peso, não deixará de impressionar ainda a circunstância de a “sede” da técnica residir hoje, posto que rodeada de algumas cautelas, num instrumento de direito internacional de tão larga aceitação.

Também se alerta para o facto de o preceito só ser aplicável entre países e não no território nacional (x1).

Mas não se vê obstáculo a que Portugal funcione, na cadeia do trânsito de droga, na veste de país destinatário. Se há informação de que “o correio” vai transitar pelo Reino Unido mas que o seu destino é Portugal, o espírito subjacente à técnica aponta para que as autoridades portuguesas acertem com o Reino Unido de modo a que este não intervenha e sejam capturados os elementos da rede a actuar no nosso país. Funcionará a regra geral da jurisdição nacional quanto aos crimes praticados no país.

E também nada se oporá a que, uma vez desembarcado no aeroporto de Lisboa, um “correio” que se dirige a outros elementos actuando na cidade do Porto, seja vigiado e seguido de modo a controlar as entregas e capturar os outros intervenientes na operação, porventura naquela cidade.

Parecem-nos ainda de utilidade as notas inseridas na edição anterior, que por isso se reproduzem, após adaptação.

1. Esta disposição simboliza o esforço de adaptação que as autoridades nacionais devem fazer de modo a encontrarem formas de resposta, cada vez mais eficazes, contra os traficantes de droga.

A técnica das entregas controladas é conhecida e praticada em muitos países, uma vez à sombra de texto legal, outras vezes sem texto legal, particularmente naqueles em que vigora já o princípio da oportunidade em termos amplos.

Embora correndo o risco de uma certa formalização que determinará um decréscimo na rapidez da preparação da operação e, por outro lado, a exposição do método ao conhecimento público, a consagração em dispositivo legal era imprescindível para que pudesse ser praticado. A finalidade deste instrumento de actuação é a de chegar aos organizadores, chefes dos bandos ou, pelo menos, aos principais distribuidores, ultrapassando os simples “correios”.

O risco maior de tais operações, reconhece-se, residirá na possibilidade de extravio da droga, que depois se introduz no mercado ilícito, ao mesmo tempo que fica em cheque a credibilidade das autoridades respectivas. Por isso alguns países, entre eles o Reino Unido, previam a hipótese de substituição da droga por substância inofensiva. Então a vigilância poderá ser mais discreta e sem a tensão resultante do risco da perda. Tal sistema está agora previsto no n.º 3 do artigo 11.º da CNU88 e n.º 4 do presente preceito, em termos parciais.”

6.7. As investigações secretas colocam a questão da legitimidade ético-jurídica do recurso à figura do agente infiltrado.

O Parecer n.º 50/94, de 22 de Junho de 1995, contém uma ampla e exaustiva abordagem sobre a discussão doutrinal e jurisprudencial travada em numerosos países a propósito das figuras - distintas - do agente provocador e infiltrado e dos complexos problemas, de ordem vária, que elas suscitam.

Seguiremos, de perto, com reprodução integral de várias passagens, o referido parecer, limitando-nos, contudo, por razões de economia, às referências que se prendem mais directamente com o ordenamento jurídico nacional.

Em Portugal, a matéria em geral é estudada por Costa Andrade ([14]) a propósito dos métodos proibidos de prova (artigo 126º do Código de Processo Penal), com referência específica a uma "constelação típica", situada na zona de fronteira - os chamados homens de confiança (Gewährs-ou Vertrauens- Männer).

O autor adopta aqui um "conceito extensivo, abrangendo todas as testemunhas que colaboram com as instâncias formais da perseguição penal, tendo como contrapartida a promessa da confidencialidade da sua identidade e actividade. Cabem aqui tanto os particulares (pertencentes ou não ao submundo da criminalidade) como os agentes das instâncias formais, nomeadamente da polícia (Untergrundfahnder, under cover agent, agentes encobertos ou infiltrados), que disfarçadamente se introduzem naquele submundo ou com ele entram em contacto; e quer se limitem à recolha de informações (Polizeispitzel, detection), quer vão ao ponto de provocar eles próprios a prática do crime (polizeiliche Lockspitzel, agent provocateur, entrapment).

Reconhecendo que esta súbita e frequente presença do homem de confiança na praxis jurídico-processual veio despertar uma série de problemas e de aporias do foro ético e jurídico-normativo, quer em sede doutrinal, quer no plano jurisprudencial, acrescenta o referido Professor:
"As dificuldades começam logo a ganhar relevo quando se questiona a legitimidade ético-jurídica do procedimento, maxime nas formas mais expostas de Lockspitzel. Isto é, em que o homem de confiança se converte em agent provocateur, precipitando de algum modo o crime: instigando-o, induzindo-o, nomeadamente, aparecendo como comprador ou fornecedor de bens ou serviços ilícitos. É, na verdade, cada vez mais forte o coro de vozes que, tanto no direito alemão como americano, contestam abertamente a solvabilidade ético-–jurídica desta prática. Aponta-se para tanto a imoralidade do Estado que com uma mão favorece o crime que quer punir com a outra. Acabando, não raro, por atrair pessoas que de outro modo ficariam imunes à delinquência e potenciando os factores da extorsão, da violência e do crime em geral.”

Incidindo a sua especial atenção sobre o ordenamento processual penal português, no propósito de pôr a descoberto alguns tópicos de equacionação e superação do problema, Costa Andrade considera que "o recurso ao homem de confiança configurará normalmente um meio enganoso, sendo, como tal, recondutível à categoria dos métodos proibidos pelo artigo 126.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.".

Mas logo de seguida adverte:
"Não significa isto que o recurso ao homem de confiança esteja, sempre e sem mais, a coberto de proibição de prova. Isto sabendo-se, além do mais, que a sua admissibilidade está directamente prevista na lei para o domínio específico dos crimes de tráfico ilícito de estupefacientes sob a forma de agente encoberto.”

Refira-se, por último, que o Professor que estamos acompanhando propende para a inadmissibilidade da intervenção de homens de confiança com propósitos e para fins unicamente repressivos - isto é, exclusivamente preordenada à repressão de crimes já consumados -, admitindo, porém, que o tratamento já poderá ser diverso sempre que o homem de confiança prossiga finalidades exclusiva ou prevalentemente preventivas.

Para João Ramos de Sousa ([15]), agente infiltrado é o agente policial que se insinua junto dos autores e cúmplices do crime, ocultando a sua qualidade e identidade e ganhando a confiança destes, a fim de obter informações e provas contra eles, mas sem os determinar à prática de novas infracções - também é chamado homem de confiança ou agente encoberto (V. Mann, ou Vertrauens-Mann em alemão, undercover agent em inglês).

Por seu turno, agente provocador é o agente policial (ou colaborador) utilizado para induzir o suspeito à prática de actos ilícitos, pelos quais possa ser incriminado, sendo "também instigador ou co-autor do crime, mas só o é para com isso conseguir provas contra o suspeito".

Dispunha o artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 430/83, sob a epígrafe "Conduta não punível":
"1. Não é punível a conduta do funcionário de investigação criminal que, para fins de inquérito preliminar, e sem revelação da sua qualidade e identidade, aceitar directamente ou por intermédio de um terceiro a entrega de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
2. O relato de tais factos será junto ao processo no prazo máximo de 24 horas.”

Na respectiva anotação, Lourenço Martins ([16]) expressou o seguinte entendimento:

"A figura do agent provocateur deve ser distinguida da figura do agente infiltrado. Existe um "agente provocador" no seu verdadeiro sentido, quando um funcionário (que tem por missão prevenir a prática do crime e descobrir os autores dos crimes já praticados), determina outrem, pela sua conduta, a praticar factos delituosos que, de outro modo, não seriam cometidos por aquele. O "agente infiltrado" (undercover agent) apenas procura descobrir crimes já praticados, coligindo informações ou recolhendo provas, para o que não pode igualmente denunciar a sua qualidade de funcionário.

O artigo 23.º qualifica como tráfico cada uma das acções aí descritas, nomeadamente preparar, oferecer, pôr à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, receber a qualquer título, deter ilicitamente substâncias e preparados compreendidos nas tabelas.

Se um funcionário de polícia prepara, oferece, põe à venda, vende, distribui ou cede substâncias estupefacientes ou psicotrópicas ainda que no propósito de identificar consumidores e, através destes, os seus fornecedores ou traficantes, não é possível excluí-lo da punição. Poderia sempre invocar que embora leve outrem à prática de factos criminosos não age com dolo (cfr. artigos 20.º e 21.º do Código Penal) uma vez que não actua com o sentido de realizar o facto criminoso (v. artigo 14.º do Código Penal) mas na intenção de identificar os delinquentes. Simplesmente, a aparência criada é de molde a provocar o delito, o que é contrário à missão da autoridade e lança o terceiro na prática de factos que concretamente não realizaria. Por tal caminho, se permitido, estaria confirmada e seguida a asserção maquiavélica de que os fins justificam os meios.

Situação diferente será a de o agente de polícia se encontrar em algumas das seguintes atitudes mencionadas no artigo 23.º: "comprar", receber a qualquer título e depois deter. O que este artigo parece prever é a hipótese de a um agente ou funcionário infiltrado no "milieu" da droga ser oferecida qualquer das substâncias previstas nas tabelas, sendo tomado por um consumidor ou, pelo menos, por comprador. A aceitação e pagamento sem o entendimento de que se tratava de uma apreensão (o que levaria à sua imediata identificação e medidas processuais) se fosse punível, e em princípio sê-lo-ia, implicava a impossibilidade de prosseguir na descoberta da rede do tráfico e, por outro lado, a "denúncia" da qualidade de polícia com a consequente ineficácia em acções futuras na mesma zona, pelo menos.

A lei vem salvaguardar este meio de investigação declarando a impunibilidade do funcionário. Deve, porém, ser interpretada nos seus precisos termos.

O melindre deste tipo de infiltração exige, para além de uma formação moral elevada, cuidados objectivos muito acentuados de modo a prevenir consequências desastrosas e salvaguardar o prestígio do próprio funcionário. Tais operações devem ser acompanhadas de perto pelos superiores hierárquicos do funcionário e o seu relato deve ser atempadamente efectuado.

A droga aceite nas circunstâncias a que o artigo se refere, considerar-se-á imediatamente na situação de apreendida, para todos os efeitos legais, sendo vedada a sua utilização, a qualquer título, nomeadamente para repartir com outros consumidores ou compradores.”

Como se disse, o Decreto-Lei n.º 430/83 foi revogado expressamente, e em bloco, pelo Decreto-Lei n.º 15/93.

O legislador português entendeu não alterar a disciplina anterior sobre a matéria, antes reproduzindo textualmente ([17]), no artigo 59.º, e também sob a mesma epígrafe, o disposto no revogado artigo 52.º, assim mantendo o enquadramento legal da figura do agente infiltrado ([18]).

A propósito deste artigo 59.º - disposição que reconhece ser controversa, mas que pode assumir-se como um "mal necessário" - valerá ainda a pena conhecer algumas recentes reflexões de Lourenço Martins ([19]):

"A outra disposição controversa é a do "agente infiltrado", epigrafada no artigo 59.º de "conduta não punível".

A disparidade de pontos de vista entre a doutrina e a jurisprudência é aqui bem visível, nomeadamente em Espanha e França.

A nosso ver, há que distinguir, desde logo, entre agente provocador e agente infiltrado.

O primeiro é "aquele que induz outrem a delinquir com a finalidade de o fazer condenar", por recompensa ou "satisfação moral". O seu uso é antigo e renasce em épocas de poderes totalitários, quanto a crimes políticos.

O segundo, designado na terminologia anglo-saxónica de "undercover agent", surge nas áreas dos designados crimes sem vítima, da corrupção, das organizações fechadas, ou em crimes de "trato sucessivo", como dizem os espanhóis.

Tradicionalmente, a doutrina, a pretexto das figuras do crime putativo, ou da tentativa impossível ou inidónea, opinava pela impunidade não só do provocador como do autor do delito provocado.

Ou, com base na comparticipação criminosa, advogava a punição de ambos, provocador e provocado, argumentando que a intenção da descoberta do crime se apresentava como exterior ao processo de determinação juridicamente relevante, não se justificando a conduta da polícia, que tem o dever de investigar crimes já cometidos e não de os "fabricar".
E à argumentação de que a tentativa era inidónea respondia que essa inidoneidade deve ser vista ex ante - circunstâncias verosímeis para um homem médio - e não ex post, ou seja perante o que realmente sucedeu.

Daí a punição de ambos.

Mas a jurisprudência tem feito contravapor, impressionada pela realidade dura deste tipo de crimes e suas consequências, com especial relevo para os anglo-saxónicos, onde a literatura é abundante.

Diz-se então: há que distinguir entre provocar uma ocasião para descobrir um crime que já existe, daquela em que se suscita uma intenção criminosa que ainda não existia.

Há quem invoque mesmo o dever de protecção da sociedade contra o crime, que incumbe à Polícia.

Separa-se agora a conduta do agente infiltrado - que pode ser um polícia ou um não polícia - da conduta do arguido, afastando a codelinquência.

Passando ao tráfico de droga.

Está fora de causa a actuação do polícia que vende droga para identificar os compradores, em geral considerada ilícita. Seria verdadeiramente um "agente provocador".

A discussão roda sim à volta do polícia que, por si, com recurso a outrem, se infiltra no "milieu", simulando-se comprador de droga.

Então o que sucede é que geralmente a detenção de droga com intenção de a traficar já existe; o agente não actua para "dar vida" ao delito, mas apenas para colocar a descoberto os canais do tráfico.

Dizem os anglo-saxónicos: o polícia não encoraja, por isso não deve "armadilhar" inocentes, não deve incitar através de oferta de ganhos excepcionais, sendo importante conhecer os antecedentes.

Insistem particularmente no "due process", isto é, na legalidade dos meios e fins da actividade policial, apelando à lealdade na administração da Justiça. Sublinham a necessidade da intervenção de um magistrado independente no controlo do processo.”

A Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, alterou o Decreto–Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, designadamente o artigo 59.º que, sob a mesma epígrafe, passou a ser a seguinte redacção:
“1 - Não é punível a conduta de funcionário de investigação criminal ou de terceiro actuando sob controlo da Polícia Judiciária que, para fins de prevenção ou repressão criminal, com ocultação da sua qualidade e identidade, aceitar, detiver, guardar, transportar ou, em sequência e a solicitação de quem se dedique a essas actividades, entregar estupefacientes, substâncias psicotrópicas, percursores e outros produtos químicos susceptíveis de desvio para o fabrico ilícito de droga ou precursor.
2 – A actuação referida no n.º 1 depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, a proferir no prazo máximo de cinco dias e a conceder por período determinado.
3 - Se, por razões de urgência, não for possível obter a autorização referida no número anterior, deve a intervenção ser validada no primeiro dia útil posterior, fundamentando-se as razões da urgência.
4 - A Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do funcionário ou do terceiro à autoridade judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela.”

E introduziu o artigo 59.º-A - Protecção de funcionário e de terceiro infiltrados:
“1 - A autoridade judiciária só ordenará a junção ao processo do relato a que se refere o n.º 4 do artigo anterior se a reputar absolutamente indispensável em termos probatórios.
2 - A apreciação da indispensabilidade pode ser remetida para o termo do inquérito ou da instrução, ficando entretanto o expediente, mediante prévio registo, na posse da Polícia Judiciária.
3 - No caso de o juiz determinar, por indispensabilidade da prova, a comparência em audiência de julgamento do funcionário ou do terceiro infiltrados, observará sempre o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 87.º do Código de Processo Penal.”

Relativamente às alterações a introduzir ao artigo 59.º e ao aditamento de um artigo 59.º-A, diz-se na “exposição de motivos” do anteprojecto de proposta de lei visando alterar os Decretos-Leis n.ºs 15/93, de 22 de Janeiro, e 295-A/90, de 21 de Setembro:

“Mas sabido que o simples efeito dissuador de penas mais graves será insuficiente se não for conjugado com medidas complementares de carácter processual, ampliam-se os possibilidades de actuação do “agente encoberto” ou “infiltrado”, visando reforçar a prevenção e a repressão do tráfico de droga e das associações criminosas que a ele se dedicam.”

Sobre esse anteprojecto de proposta de lei foi emitido o parecer n.º 25/96, de 23 de Abril de 1996, do qual se extrai quanto às alterações a introduzir ao artigo 59.º:

Nada a observar, em planos de legalidade e, mesmo, de formulação e conteúdo jurídico, quanto às disposições propostas, visto que:
- a redacção proposta, para o n.º 1, relativa ao funcionário “infiltrado”, é bem mais abrangente e precisa que a vigente;
- a não punibilidade da conduta do terceiro “infiltrado” (n.º 2) não viola qualquer direito fundamental nem regras ou princípios do processo penal. Como refere Costa Andrade - “Sobre as proibições de prova em processo penal”, Coimbra, 1992, págs. 129 e segs.; ver também Lourenço Martins, “Droga e Direito”, 1994, Editorial Notícias, págs. 275 e segs. -, “por princípio, apenas deverão ter-se como proibidos os meios enganosos, susceptíveis de colocar o arguido numa situação de coacção idêntica à dos demais métodos proibidos de provas” (cfr. o artigo 126.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal). Inadmissível seria a admissão de “agente provocador”, o que não é o caso;
- a necessidade de autorização da autoridade judiciária competente, para as actuações dos agentes infiltrados (n.º 3), é uma imposição das regras e princípios informadores do Código de Processo Penal - cfr., entre outros, os artigos 267.º, 268.º e 269.º deste diploma legal;
- a intervenção do “agente infiltrado”, sem “prévia autorização”, em casos de urgência (n.º 4) - devendo, no entanto, ser solicitada no primeiro dia útil posterior à intervenção -, harmoniza-se com princípios e regras processuais vigentes no ordenamento jurídico português - cfr. artigos 174.º, n.º 5, 248.º, n.º 2, 249.º e 251.º do Código de Processo Penal; no entanto, afigura-se-nos mais correcto falar em “validação” da intervenção e não em solicitação de “autorização”, à semelhança do que se dispõe nos artigos 174.º, n.º 5 e 251.º do Código de Processo Penal;
- a regra do n.º 5 já vigora (no actual n.º 2), apenas é duplicado o prazo para a Polícia Judiciária fazer o relato da intervenção do funcionário ou do terceiro à autoridade judiciária competente.

Pelo exposto, afigura-se-nos que Portugal não deve fazer a reserva de não aplicar o artigo 23.º

6.8. A forma especial de cooperação prevista no artigo 24.º - equipas de investigação especial comuns – reflecte a sentida necessidade de, a nível internacional, se facilitarem, acelerarem e fortalecerem os mecanismos de cooperação policial e aduaneira e insere-se nas medidas já instituídas pela Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, designadamente no respectivo artigo 47.º, quanto ao intercâmbio de oficiais de ligação.

6.9. O artigo 25.º - Protecção de dados aquando do intercâmbio de dados – remete expressamente para a Convenção do Conselho da Europa, de 28 de Janeiro de 1981, relativa à Protecção das Pessoas no que diz respeito ao Tratamento Automatizado de Dados Pessoais, que foi aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/93, de 9 de Julho ([20]), e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 21/93, da mesma data.

Na matéria, é de salientar a criação do Sistema de Informação Schengen que tem por objecto preservar a ordem e a segurança públicas, incluindo a segurança do Estado, bem como a aplicação das disposições da convenção sobre a circulação das pessoas nos territórios das partes contratantes com base nas informações transmitidas pelo Sistema (artigo 93.º) e que permitirá às autoridades designadas pelas partes, graças a um processo de consulta automatizado, disporem da lista de pessoas indicadas e de objectos, aquando dos controlos nas fronteiras e das verificações e outros controlos de polícia e aduaneiros efectuados no interior do país (artigo 92.º).

Para além das modificações introduzidas ao texto do artigo 35.º da Constituição, por força da 4.ª revisão constitucional (Lei n.º 1/97, de 20 de Setembro), o tratamento normativo da matéria da protecção dos dados pessoais sofreu importantes alterações no ordenamento jurídico nacional pela transposição para a ordem jurídica interna da Directiva Comunitária de Protecção de Dados Pessoais – a Directiva 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados – operada pela Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.

O n.º 3 do artigo, em análise, afirma, como já salientamos, que a expressão “tratamento de dados pessoais” deve ser interpretada na acepção da definição constante da alínea b) do artigo 2.º da Directiva 95/46/CE, cujo considerando n.º 11 refere que os princípios da protecção dos direitos e liberdades das pessoas, nomeadamente do direito à vida privada, contidos na Directiva, precisam e ampliam os princípios contidos na Convenção do Conselho da Europa, de 28 de Janeiro de 1981.

O artigo 25.º, n.º 2, contém um conjunto de disposições que visam assegurar a protecção e segurança dos dados: princípio do respeito pelo fim – alínea a) -, exactidão e actualidade – alínea b) -, rectificação e eliminação de dados – alínea b) -, direito de rectificação conferido ao interessado - alínea c) -, direito de acesso do interessado aos dados que lhe digam respeito, com prevalência do interesse público de não prestar a informação – alínea e) -, conservação apenas durante o período necessário aos fins a que se destinam – alínea g) -, autoridades de controlo nacionais – alínea i).

Assim, a matéria da protecção de dados pessoais, como se encontra regulada no artigo 25.º, mostra-se conforme com a orientação do nosso direito interno, quer no seu tratamento constitucional, quer no seu desenvolvimento em lei ordinária.

6.10. Sobre a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para decidir a título prejudicial sobre a interpretação da presente Convenção, prevê o n.º 4 do artigo 26.º que qualquer Estado membro formule declaração definindo as condições (ou da alínea a) ou da alínea b) do n.º 5) em que aceita a competência do Tribunal de Justiça para decidir a título prejudicial sobre a interpretação da Convenção.

O artigo 35.º (ex-artigo K.7) do Tratado da União Europeia, na redacção dada pelo n.º 11) do artigo 1.º do Tratado de Amesterdão, estatui o seguinte sobre a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias:
“1 – O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é competente, sob reserva das condições constantes do presente artigo, para decidir a título prejudicial sobre a validade e a interpretação das decisões quadro e das decisões sobre a interpretação das convenções estabelecidas ao abrigo do presente título e sobre a validade e a interpretação das respectivas medidas de aplicação.
2 – Mediante declaração feita no momento da assinatura do Tratado de Amesterdão, ou posteriormente, a todo o tempo, qualquer Estado membro pode aceitar a competência do Tribunal de Justiça para decidir a título prejudicial, nos termos do n.º 1.
3 – Qualquer Estado que apresente uma declaração nos termos do n.º 2 deve especificar que:
a) Qualquer orgão jurisdicional desse Estado cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse orgão jurisdicional relativa à validade ou interpretação de um acto a que se refere o n.º 1, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa; ou que
b) Qualquer orgão jurisdicional desse Estado pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse orgão jurisdicional relativa à validade ou interpretação de um acto a que se refere o n.º 1, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa.
4 – Qualquer Estado membro, quer tenha ou não feito uma declaração nos termos do n.º 2, tem o direito de apresentar ao Tribunal alegações ou observações escritas nos casos previstos no n.º 1.
5 – O Tribunal de Justiça não é competente para fiscalizar a validade ou a proporcionalidade de operações efectuadas pelos serviços de polícia ou outros serviços responsáveis pela aplicação da lei num Estado membro, ou o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados membros em matéria da manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna.
6 – O Tribunal de Justiça é competente para fiscalizar a legalidade das decisões quadro e das decisões no âmbito dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação do presente Tratado ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um Estado membro ou pela Comissão. Os recursos previstos no presente número devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar da publicação do acto.
7 – O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre qualquer litígio entre os Estados membros decorrente da interpretação ou da execução dos actos adoptados em aplicação do n.º 2 do artigo 34.º, sempre que o diferendo não possa ser resolvido pelo Conselho no prazo de seis meses a contar da data em que lhe tenha sido submetido por um dos seus membros. O Tribunal de Justiça é igualmente competente para decidir sobre qualquer litígio entre os Estados membros e a Comissão decorrente da interpretação ou da aplicação das convenções elaboradas ao abrigo do n.º 2, alínea d), do artigo 34.º”

Ao abrigo do artigo 35.º, a República Portuguesa formulou as seguintes declarações (artigo 2.º da Resolução da Assembleia da República n.º 7/99 e do Decreto do Presidente da República n.º 65/99, de 19 de Fevereiro):

“a) Aceita a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para decidir a título prejudicial sobre a validade e a interpretação das decisões quadro e das decisões sobre a interpretação das convenções estabelecidas ao abrigo do título VI do Tratado da União Europeia e sobre a validade e a interpretação das respectivas medidas de aplicação;
b) Para o efeito, de acordo com as regras previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 35.º (ex-artigo K.7) do Tratado da União Europeia, qualquer orgão jurisdicional nacional pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse orgão jurisdicional relativa à validade ou interpretação de um acto a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa.”

Haverá, agora, que fazer uma declaração de idêntico teor, sugerindo-se a seguinte:

“Ao abrigo do n.º 4 do artigo 26.º, a República Portuguesa declara:
a) Aceita a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para decidir a título prejudicial sobre a interpretação da Convenção;
b) para o efeito, de acordo com as regras previstas na alínea b) do n.º 5 do artigo 26.º, qualquer orgão jurisdicional nacional pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse orgão jurisdicional relativa à interpretação da presente Convenção, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa.”

6.11. As disposições finais não divergem do modelo de cláusulas finais destes instrumentos e, referido já o preceito das reservas, não nos merecem destaque especial.

Dada a relevância da presente Convenção, não se vislumbram obstáculos a que, ao abrigo do n.º 4 do artigo 32.º, Portugal, ao proceder à notificação prevista no n.º 2 desse artigo, declare que a Convenção, com excepção do artigo 26.º, lhe é aplicável nas relações com os Estados membros que tiverem feito a mesma declaração.


7.

Em face do exposto, conclui-se:

1.º - A Convenção, estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à Assistência Mútua e à Cooperação entre as Administrações Aduaneiras (Nápoles II), assinada em Bruxelas, em 18 de Dezembro de 1997, não suscita juízos de desconformidade com a ordem jurídica portuguesa, nos planos constitucional e infraconstitucional.

2.º - Mostra-se desnecessária a formulação de reservas aos artigos 20.º, 21.º e 23.º

3.º - Sugerem-se as seguintes declarações, ao abrigo dos artigos 20.º, n.º 6, 26.º, n.º 4 e 32.º, n.º 4:

– Nos termos do artigo 20.º, n.º 6, a República Portuguesa declara que os agentes da administração aduaneira dos Estados membros podem continuar a perseguição no território da República Portuguesa nas seguintes condições:
a) Os agentes perseguidores não podem reter a pessoa perseguida;
b) a perseguição pode realizar-se até 50 Km da fronteira ou durante duas horas.

– Nos termos do artigo 26.º, n.º 4, a República Portuguesa declara:
a) Aceita a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para decidir a título prejudicial sobre a interpretação da Convenção;
b) para o efeito, de acordo com as regras previstas na alínea b) do n.º 5 do artigo 26.º, qualquer orgão jurisdicional nacional pode pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente perante esse orgão jurisdicional relativa à interpretação da presente Convenção, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa.

– Nos termos do n.º 4, do artigo 23.º, a República Portuguesa, ao proceder à notificação prevista no n.º 2 desse artigo, declara que a Convenção, com excepção do artigo 26.º, lhe é aplicável nas relações com os Estados membros que tiverem feito a mesma declaração.




Lisboa, 18 de Março de 1999


Procuradora-Geral Adjunta


(Isabel Pais Martins)






[1]) MANUEL ANTÓNIO LOPES ROCHA, TERESA ALVES MARTINS, Cooperação judiciária Internacional em Matéria Penal, Comentários, Aequietas, Editorial Notícias, pág. 29.
[2]) Cfr. autores e obra citada na nota anterior, págs. 62 e 63.
[3]) Ob. cit., págs. 198-200, 202 e 205.
[4]) ANTÓNIO VILHENA DE CARVALHO, “A cooperação judiciária na Comunidade Europeia”, in Polícia e Justiça, II Série nºs 6 e 7, Dezembro de 1993 – Junho de 1994; 91-100, pág. 99.
[5]) O Tratado da União Europeia foi aprovado para ratificação para Resolução da Assembleia da República n.º 40/92, de 10 de Dezembro de 1992, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 63/92, de 30 de Dezembro.
Entrou em vigor em 1 de Novembro de 1993.
[6]) Publicados no Diário da República, I série – A, n.º 42, de 19 de Fevereiro de 1999.
[7]) Informação-Parecer n.º 73/95, de 20 de Novembro de 1996, publicado no volume VII dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, págs. 553-577, cfr. pág. 562.
[8]) Os Acordos Relativos à Supressão Gradual dos Controlos nas Fronteiras Comuns e de Adesão à Convenção de Aplicação (assinados em Schengen a 14 de Junho de 1985 e 19 de Junho de 1990, respectivamente) foram aprovados para adesão pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/93 e ratificados por Decreto do Presidente da República n.º 55/93, ambos de 25 de Novembro de 1993.
[9]) De 14.09.92, remetida ao MNE por despacho de 23.09.92, do Procurador-Geral da República.
[10]) ADOLFO MARESCA, in Novissimo Digesto Italiano, XVI, p. 101.
[11]) Diploma expressamente revogado pelo Decreto–Lei nº 15/93, de 22.1 (cfr. artigo 75º, al. a)).
[12]) Rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 20/93, de 20.2.93, e alterado pela Lei n.º 45/96, de 3.9.
[13]) Droga e Direito, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 286-287.
x) V. MOURAZ LOPES, Sub Judice, p.108.
x1) Cfr. J. RAMOS DE SOUSA, loc. cit. p.94.
[14]) MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, págs. 237.
[15]) Sub Judice, n.º 3, 1992, Maio/Agosto, Léxico, pág. 79.
[16]) Droga-Prevenção e Tratamento, Combate ao Tráfico, Livraria Almedina, 1984, págs. 154–155.
[17]) Apenas no n.º 2 se substituiu a fórmula verbal "será" por "é".
[18]) Aquando da lei de autorização legislativa, Costa Andrade deu expressa adesão à figura do "undercover agent" (DAR, I S, n.º 88, de 15/7/92, pág. 2886).
[19]) "Nova Lei Anti-Droga - Um Equilíbrio Instável, em Droga e Sociedade - o Novo Enquadramento Legal, GPCCD, Lisboa 1994, págs. 58-59.
[20]) Cfr. Rectificação n.º 10/93, Diário da República, I Série-A, n.º 195, de 20 de Agosto de 1993.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART32 N6 ART35.
L 1/97 DE 1997/09/20.
CP82 ART14 ART20 ART21.
CPP87 ART55 ART111 N3 B ART126 ART173 N1 ART176 N3 ART177 N2 ART178 N3 ART229 ART230 N3 ART245 ART249.
DL 43/91 DE 1991/01/22 ART2 N1 N2 N3 ART3 ART4 ART6 N2 C ART15 N2 F ART20 ART21 BART28 ART135 ART136 ART137 N1 N5 ART142 N4 ART150 ART151 ART152.
DL 430/83 DE 1983/12/13 ART23 ART51 ART52.
L 27/92 DE 1992/08/31 ART3.
DL 15/93 DE 1993/01/22 ART59 ART59-A ART61.
L 45/96 DE 1996/09/03.
DL 295-A/90 DE 1990/09/21.
L 67/98 DE 1998/10/26..
Referências Complementares: 
DIR INT PUBL * TRATADOS / DIR CONST * DIR FUND * DIR PENAL ADUAN / DIR INFORMAT / DIR PROC PENAL.*****
CONV DAS NACÕES UNIDAS CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ESTUPEFACIENTES DE 1988
CONV DO CONSELHO DA EUROPA CONTRA O BRNAQUEAMENTO, DETECÇÃO, APREENSÃO E PERDA DE PRODUTOS DO CRIME DE 1990
T DA UNIÃO EUROPEIA
T DE AMESTERDÃO
AC DE SCHENGEN
CONV DE APLICAÇÃO DO AC DE SCHENGEN
CONV DOS ESTADO MEMBROS DA COMUNIDADDE EUR PARA A ASSISTÊNCIA MÚTUA ENTRE AS RESPECTIVAS ADFMINISTRAÇÕES ADUANEIRAS DE 1967/09/07 (CONVENÇÃO DE NÁPOLES DE 1967)
CONV DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS T DE 1969/05/23
CONV DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ESTUPEFACIENTES E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS DE 1988
CONV DO CONSELHO DA EUROPA RELATIVA À PROTECÇÃO DE PESSOAS NO QUE DIZ RESPEITO AO TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS DE 198101/28
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