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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
4/1988, de 24.03.1988
Data do Parecer: 
24-03-1988
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
PADRÃO GONÇALVES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ASSEMBLEIA DE VOTO
DEVER CIVICO-POLITICO
ISENÇÃO
DIREITO DE SUFRAGIO
PROCESSO ELEITORAL
MESA ELEITORAL
CIDADÃO
ASSEMBLEIA DE APURAMENTO GERAL
ILICITO ELEITORAL
PARLAMENTO EUROPEU
DEVERES FUNDAMENTAIS
ELEIÇÃO
DEVER DE COLABORAÇÃO
FUNÇÃO PUBLICA
INCOMPATIBILIDADE
MAGISTRADO
DEDICAÇÃO EXCLUSIVA
Conclusões: 
1 - Os deveres civico-politicos estão sujeitos as regras da universalidade, igualdade, necessidade a proporcionalidade, e vinculam, em principio, todos os cidadãos, não podendo a lei fazer diferenciações ou conceder isenções que não sejam materialmente fundadas;
2 - Não beneficiando de isenção, que as leis eleitorais ou quaisquer outras não consagram, os magistrados do Ministerio Publico estão sujeitos, enquanto cidadãos, ao cumprimento do dever civico politico de intervir, como "juristas", em assembleia de apuramento eleitoral;
3 - A expressão "qualquer outra função publica ou privada", do n 1 do artigo 60 da Lei Organica do Ministerio Publico (Lei n 47/86, de 15 de Outubro), não abrange a intervenção em assembleias de apuramento eleitoral.
Texto Integral
Texto Integral: 
Excelentíssimo Senhor

Procurador-Geral da República:


1. O juiz auxiliar no círculo judicial de Viana do Castelo, a quem coube a presidência da Assembleia de Apuramento Intermédio das Eleições para o Parlamento Europeu, a realizar em 19 de Julho do ano findo, escolheu, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 108º da Lei nº 14/79, de 16 de Maio, ex vi do artigo 12º, nº1, da Lei nº 14/87, de 29 de Abril, para compor aquela Assembleia, na qualidade de " jurista ", o delegado do procurador da República no 3º juízo do tribunal da comarca de Viana do Castelo, Lic. (...)

Este magistrado, ao ter conhecimento da sua designação, declarou-se legalmente impedido de participar na referida Assembleia - a que, de facto, faltou -, invocando, para tanto, os preceitos dos artigos 3º e 60º, nº 1, da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, dando conhecimento desse impedimento ao senhor presidente da Assembleia, que manteve a escolha por entender não ter tal incompatibilidade "fundamento válido para deixar (aquele magistrado) de intervir como "jurista" na referida Assembleia".

A questão veio a ser apreciada pelo Conselho Superior do Ministério Público, que, em sessão de 15 de Dezembro último, propôs a "consulta do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República no sentido de se definir se um magistrado do Ministério Público, por força do seu próprio estatuto, designadamente face ao artigo 60º, nº 1, da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, está isento, como cidadão, da obrigação de intervir como jurista em assembleias de apuramento eleitoral , se para tanto for escolhido pelo respectivo presidente, nos termos do artigo 108º, nº 1, alínea b) da Lei nº 14/79, de 16 de Maio".

Na sequência do proposto, V. Exª determinou que fosse emitido emitido parecer que cumpre, pois, prestar.

2.1. Referia-se o Estatuto Judiciário aprovado pelo Decreto-Lei nº 44278, de 14 de Abril de 1962, nos seus artigos 129º e seguintes, as incompatibilidades e inibições dos magistrados judiciais - aplicáveis, com as devidas adaptações, aos magistrados do Ministério Público, por força do disposto no artigo 192º do mesmo diploma legal -, prevendo a sua nomeação para "inquéritos ou sindicâncias dependentes de outros Ministérios" e bem assim para a presidência dos júris de exames nas Faculdades de Direito (artigo 129º, nº 2) e para "( ... ) sindicante ou inquiridor, membro dos júris de admissão para cargos judiciais e quaisquer outros ( ... )" (artigo 130º, nº 1).

O artigo 133º inibia os magistrados na efectividade de serviço do exercício de determinadas profissões e cargos, dispondo mais o artigo 135º:

"1 – É proibido aos Magistrados:
..............................................................

d) Convocar, promover ou assistir, sem autorização superior, na área da sua jurisdição, a reuniões, manifestações e outros actos públicos de carácter político, ou praticar, com respeito a eleições, outros actos que não sejam o de votar e os que lhe forem cometidos por lei (1);

.......................................... ."


2.2. Dispõe o artigo 221º da Constituição da República um redacção da Lei Constitucional n1 1/82, epigrafado de "Garantias e incompatibilidades":

"1- Os juízes são inamovíveis.

2 . ...........................................

3- Os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei.

4- Os juízes dos tribunais judiciais em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do Conselho Superior da Magistratura"(2).

Importa à economia do parecer o nº 3 do referido preceito fundamental, que J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (3) assim comentam:

"Os princípios clássicos da inamovibilidade e da irresponsabilidade de todos os juizes, bem como a regra da dedicação _exclusiva dos juizes profissionais, constituem componentes necessárias do princípio da independência dos tribunais (artigo 208º),o qual se traduz imediatamente num princípio de independência dos juízes. Trata-se de pôr os juizes a coberto , não apenas de ordens ou instruções de outras autoridades, mas também da instabilidade e da dependência causadas pelo receio de atentados à sua segurança profissional ou pessoal.

...............................................................

"0 princípio da dedicação exclusiva (nº 3) pressupõe claramente que o cargo de juiz é, em regra, uma actividade profissional a tempo inteiro. 0 sentido do princípio está, não apenas em impedir que o juiz se disperse por outras actividades, pondo em risco a sua função de juiz, mas também em evitar que ele crie dependências profissionais ou comerciais que ponham em visco a sua independência. A excepção das funções de ensino ou investigação jurídicas explica-se porque: (a) não são incompatíveis com a função judicial, antes podem contribuir para o aperfeiçoamento desta; (b) com a condição da não remuneração, não criam dependências financeiras; (c) a garantia constitucional da liberdade de ensino (artigo 43º) impede qualquer indevida dependência funcional".

Em conformidade com tal preceito Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, consagrou a regra de os magistrados judiciais não poderem, quando em exercício, "desempenhar qualquer outra função pública ou privada salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza Jurídica, não remunerada, e ainda funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial "(nº 1 do artigo 13º) (4), acrescentando o nº 2 deste artigo 13º que o exercício de funções docentes ou de investigação carece de autorização e não pode envolver prejuízo
para o serviço.

Anote-se, com interesse para a economia do parecer, que o referido Estatuto, no nº 1 do seu artigo 11º, proíbe aos magistrados judiciais em exercício "a prática de actividades político-partidárias de carácter público".


2.3. Dispõe a Constituição da República, relativamente ao Ministério Público:

Artigo 224º (Funções e estatuto)

"1. Ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar.

2. 0 Ministério Público goza de estatuto próprio"

Artigo 225º (Agentes do Ministério Público)

"1. Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.

2. A nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar competem à Procuradoria-Geral da República "(5).

Mais explícita quanto às funções do Ministério Público, a Constituição pouco diz sobre o estatuto dos Magistrados do Ministério Público, que, assim, foi deixado em grande parte para a lei. que interessa à economia do parecer.

A actual Lei Orgânica do Ministério Público - Lei nº 47/86, de 15 de Outubro -, no seu artigo 3º (6), fixa a competência do Ministério Público, explicitando a norma do nº1 do artigo 224º da Constituição, e dispõe na parte que ora interessa:

"1. Compete especialmente ao Ministério Público:

...............................................................

o) Exercer as demais funções conferidas por lei".

A alínea a) do nº 1 do artigo 24º diz competir ao Conselho Superior do Ministério Público "nomear, colocar (...) e, em geral, praticar todos os actos de idêntica natureza respeitantes aos magistrados e agentes do Ministério Público, com excepção do Procurador-Geral da República".

Quanto a incompatibilidades, estipula a referida Lei Orgânica:

Artigo 60º (Incompatibilidades)
"1. E incompatível com o desempenho do cargo de magistrado do Ministério Público o exercício de qualquer outra função pública ou privada, salvo funções docentes ou de investigação científica de natureza Jurídica ou funções directivas em organizações sindicais da magistratura do Ministério Público (7).

2. 0 exercício de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica pode ser autorizado desde que não remunerado e sem prejuízo paru o serviço.

3. São consideradas funções do Ministério Público as de direcção ou docência no Centro de Estudos Judiciários e as de responsável, no âmbito do Ministério da Justiça, pela preparação e revisão de diplomas legais" . E dispõe o artigo seguinte:
Artigo 61º (Actividades políticas)
"1. É vedado aos magistrados do Ministério Público em efectividade de serviço o exercício de actividades político-partidárias de carácter público.

2 ...............................................................


3.1. Invoca o delegado Lic. Pereira Barbosa as normas dos artigos 3º, nº 1, alínea o) e 60º, nº 1, da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 47/86) para fundamentar o seu impedimento, como agente do Ministério Público, de participar na referida Assembleia de Apuramento Intermédio das Eleições para o Parlamento Europeu.

3.2. É evidente que não poderia ser invocada a alínea o) do nº1 do artigo 3º da referida Lei Orgânica visto que este preceito se refere à competência do Ministério Público, consequentemente dos seus agentes, como tais designados pelo Conselho Superior do Ministério Público (B), e o magistrado em causa foi designado como mero "jurista", que também é.

A sua actuação, na referida Assembleia, não seria, pois, como magistrado do Ministério Público, qualidade que não poderia aí invocar.

3.3. Vejamos se é de invocar o nº 1 do artigo 60º da Lei Orgânica do Ministério Público, epigrafado de "Incompatibilidades" (9).

A Constituição, no seu artigo 269º, na redacção da Lei Constitucional nº 1/82, depois de estatuir (nº l) que "os trabalhadores do Administração Pública e demais agentes do Estado (...) estão exclusivamente no serviço do interesse público (...) "e que "não é permitida a acumulação de empregos (10) ou cargos (11) públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei" (nº 4), remeteu para a lei (nº 5) a fixação das incompatibilidades entre o exercício de "empregos ou cargos
públicos" e o de "outras actividades".

Relativamente ao Ministério Público, como já se disse, a Constituição não estatuiu (especialmente) sobre incompatibilidades, como fez para os juízes (nº 3 do artigo 221º),remetendo, pois, tal matéria para a lei ordinária como, aliás, já resultava dos nºs. 4 e 5 do citado artigo 269º. Assim, a Lei nº 47/86, como, aliás, a (anterior) Lei nº 39/78, veio a fixar parao2 agentes do Ministério Público incompatibilidades idênticas às estabelecidas para os juízes, pela referida Lei nº 21/85, em conformidade com a norma do nº 3 do artigo 221º da Constituição.

Tais incompatibilidades, constam, como já se viu, do nº 1 do artigo 601º da referida Lei nº 47/86, e não se oferece dúvidas de que se trata essencialmente de incompatibilidades morais (12) e não (apenas) naturais (13), como resulta, nomeadamente, dos termos em que é permitido o exercício de funções docentes.

Pretende-se, essencialmente, garantir a independência dos magistrados, como já atrás foi salientado para os Juízes .

3.4. Afigura-se que o exercício das funções para que delegado Lic. Pereira Barbosa foi designado, pelo, Juiz auxiliar no círculo de Viana de Castelo, não punha em causa a sua independência como magistrado do Ministério Público .

Mas, não estando abrangidas pela ressalva do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 47/86, deverá concluir-se que tais funções cabem na previsão dessa norma, como "qualquer outra função pública (...)", sendo o seu exercício incompatível com o desempenho do cargo de magistrado do Ministério Público?

Importa, pois, conhecer o sentido daquela expressão.

3.5. A expressão "qualquer outra função pública ou priva da" vem do nº 1 do artigo 222º da Constituição, na sua redacção inicial, não fornecendo os trabalhos preparatórios dessa norma - cfr. o Diário da Assembleia Constituinte, nº98, de 19 de Dezembro de 1975 - elementos para a sua exacta compreensão.

Este corpo consultivo, no parecer nº 90/76, de 9 de Agosto de 1976 (14), foi chamado a pronunciar-se sobre a legalidade da situação de dois juízes que vinham exercendo funções efectivas em tribunais de 2ª instância e, simultaneamente, desempenhavam as funções de membros da Comissão para a Reintegração dos Servidores do Estado, percebendo uma gratificação pelo desempenho de funções nessa Comissão.

Pretendia-se, anteriormente ao citado Estatuto dos Magistrados Judiciais aprovado pela Lei nº 85/77, que a legalidade em causa fosse apreciada "face ao disposto no artigo 222º da Constituição" - portanto, ria sua redacção inicial -, cujo nº1 dispunha (apenas) então: "Os juízes em exercício na podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada remunerada".

Escreveu-se nesse parecer:

"Desde já se pode adiantar que os membros da Comissão para e Reintegração dos Servidores do Estado (15) não exercem, no sentido rigoroso da locução, uma actividade judicial que tem ínsito o poder-dever de decisão que neles não concorre, como é evidente em face dos disposições referidas. A instrução dos processos pendentes na Comissão e h elaboração do parecer final melhor cabe a designação de actividade parajudicial.

..........................................................

"Até aqui não nos preocupamos com a disposição do nº1 do artigo 222º- da Constituição. Efectivamente, o que a norma proíbe ao juiz em exercício é o desempenho de qualquer outra função pública, no sentido rigoroso do preenchimento de uma forma típica da actividade do próprio Estado ou de pessoa colectivas que com ele cooperam na satisfação das necessidades colectivas, diferente da função judicial. De resto, é curioso salientar que enquanto a regra do nº 2 do mesmo artigo foi objecto de discussão na Assembleia Constituinte, a do nº 1 não foi discutida; e daquela discussão percebe-se que os Deputados tinham presente a ideia que distingue uma "qualquer outra actividade" do exercício de "qualquer outra função pública", reservando esta segunda locução para os casos em que o juiz é distraído, por tempo inteiro, do exercício especifico das suas funções e a primeira para as hipóteses de "necessidade de os juizes poderem dar o seu contributo, por ser um contributo sério e, sem dúvida, de homens competentes, G outros sectores da nossa administração" (x).

"Retomando um exemplo já atrás aproximado, pode afirmar-se que legislar é uma função do Estado; mas, num pai onde não existe um órgão individualizado, encarregado da elaboração dos diplomas legais, adiantar um projecto de decreto não é, exercitar uma função pública. E, para o caso concreto, ponderamos que a designação de dois juizes em exercício para membros da Comissão para a Reintegração dos Servidores do Estado constitui precisamente aquele caso de uma "qualquer ou-tra actividade", ou seja, um contributo sério para o desempenho da missão confiada, a certo termo de prazo, e transitoriamente, à referida Comissão".

A actual norma - o citado nº3 do artigo 221º da Constituição resultante da revisão constitucional de 1982 - admite que os "juízes em exercício" possam desempenhar outras "funções públicas" - aliás, apenas "funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica" -, logo, em acumulação e, como se viu, não remuneradas.

Considera-se, no entanto, de manter o entendimento do referido parecer) de que, no apontado preceito fundamental, o exercício de "outra função pública" corresponde ao desempenho de uma (outra) actividade "típica" do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, portanto, uma actividade permanente, estável, por corresponder (16) a uma tarefa especializada da Administração, da "função pública".

Por outras palavras: a expressão "qualquer outra função pública" tem uma conotação profissional, corresponde a uma função própria de uma profissão, que, em princípio, é exercida a tempo inteiro, mas poderá também sê-lo em acumulação() .

E, aliás, o caso das referidas "funções docentes" - que aquela norma fundamental e os citados Estatutos dos Magistrados Judiciais de 1985 e Lei Orgânica do Ministério Público de 1986 qualificam de "outra função pública -", que os magistrados podem (excepcionalmente) exercer, em acumulação, portanto, a tempo parcial e, obrigatoriamente, sem remuneração .

Ora o serviço aqui em causa - a intervenção de magistrado do Ministério Público em assembleias de apuramento eleitoral - não tem as apontadas características.

Não se trata de uma actividade duradoura, estável.
Não se trata de funções típicas (próprias) de uma profissão .
Trata-se, apenas, de um serviço ocasional, de curta duração, sem conotação profissional.

Consequentemente, impõe-se concluir que as "funções para que o delegado Lic. Pereira Barbosa foi designado não e bem na previsão do nº 1 do artigo 60º - da citada Lei Orgânica do Ministério Público, como "outras Funções públicas".

E já se disse - cfr. nota (9) - que não se vê na referida Lei Orgânica qualquer outra norma que proíba o exercício da actividade (funções) para que o magistrado em causa foi designado pelo juiz no círculo judicial de Viana do Castelo.

Deverá então perguntar-se: não lhe sendo vedado o exercício dessas funções, deveria o referido magistrado exercê-las?

4.1. Dispõe a Constituição da República:
Artigo 49º (Direito de Sufrágio)

"1. Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei gera1.

2. 0 exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico".

Artigo 116º (Princípios Gerais de Direito Eleitora1)

"1.......................................

2. 0 recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas as eleições por sufrágio directo e universal.

3 . ..............................................

4. Os cidadãos têm o dever de colaborar com a administração eleitoral, nas formas previstas na lei.

........................................................."

Referindo-se ao "dever cívico" previsto no citado artigo 49º, nº 2, da Constituição, escrevem J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira (17):

"Num caso particular a Constituição qualifica um dever como sendo um - dever cívico. Assim sucede com o dever cívico de votar (artigo 49º, 2). Surge aqui a questão de saber se os deveres cívicos constituem uma categoria específica de deveres constitucionais e qual a sua característica distintiva .

"Parece, com efeito, que ao qualificar um dever como "cívico" existe uma expressa caracterização especial, que não pode deixar de ser jurídico-constitucionalmente relevante. 0 alcance de tal qualificação há-de ser encontrado na ideia de que nestes casos esse dever não pode ser legalmente configurado como obrigação juridicamente sancionada, ou, pelo menos, como obrigação penalmente sancionada (podendo, todavia, a lei recorrer a meios que possibilitem uma eventual censura "cívica")".

E mais adiante (18), em anotação ao citado artigo 49º , nº 2:

"A caracterização do sufrágio como dever cívico (nº 2, 2ª parte) sublinha a importância constitucional do direito de sufrágio, não como direito subjectivo dos cidadãos (cfr. supra, nota 1), mas também como elemento objectivo da ordem democrático-constitucional, assente na responsabilidade cívica dos cidadãos.

"A caracterização como dever cívico (19) parece excluir, porém, que se considere o direito de voto como uma função do Estado, como autêntica obrigação pública dos cidadãos. A fórmula utilizada - "dever cívico" - significa justamente que a Constituição não caracteriza o voto como um dever jurídico, como uma obrigação susceptível de sanção (cfr. nota prévia, 5.1 e 5.2).Estas duas figuras jurídicas - o dever cívico e o dever jurídico - são claramente distinguidas e diferenciadas pela Constituição (artigo 41º - 2 (20). 116º - 2 (21) e 276º(22).
Do princípio da não obrigatoriedade do direito de sufrágio (23) resulta a insancionabilidade penal do seu exercício. Outras eventuais "sanções" (afixação pública da lista dos cidadãos abstencionistas, registo pessoal com indicação do não exercício do direito de voto) só são constitucionais se delas o derivarem quaisquer resultados externos lesivos do cidadão (ex.: inelegibilidade)".

E comentando o citado nº 4 do artigo 116º do diploma fundamental, escreveram os mesmos autores (24):

"XIV.0 dever de colaboração com a administração e eleitoral (nº 4) é, juntamente com o dever de recenseamento (nº 2), um dos poucos deveres jurídicos previstos expressamente na Constituição (v. nota prévia à Parte I, 3.5). Trata-se de um dever de carácter cívico - político, de natureza autónoma, que, entre outras coisas, pode traduzir-se na obrigatoriedade de prestação de serviço nas operações de recenseamento e nas operações eleitorais, designadamente a participação nas assembleias de voto (cfr. Lei nº 14/79, artigo 44º - 4)".

4.2. Dispõe a Lei nº 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República)

Artigo 44º (Mesas das Assembleias e secções de voto)

"1 - Em cada assembleia ou secção de voto é constituída uma mesa pura promover e dirigir as operações eleitorais.

2- A mesa é composta por um presidente, pelo seu suplente e por três vogais, sendo um secretario e dois escrutinadores.

3- Os membros da mesa devem saber ler e escrever português e, salvo nos casos previstos no nº 3 do artigo 47º, devem fazer parte da assembleia eleitoral para que foram nomeados.

4 - Salvo motivo de força maior ou justa causa, é obrigatório o desempenho das funções de membro da mesa de assembleia ou secção de voto" (25).

.........................................................


Artigo 107º (Apuramento geral do círculo)

"0 apuramento dos resultados da eleição em cada círculo eleitoral e a proclamação dos candidatos eleitos competem a uma assembleia de apuramento geral que iniciará os seus trabalhos às 9 horas do quarto dia posterior ao da eleição

Artigo 108º (Assembleia de apuramento geral)

1- Assembleia de apuramento geral tema seguinte composição:

a)O juiz do círculo judicial com sede na capital do círculo eleitoral e, em Lisboa e Porto, o juiz do 1º Juízo Cível, que presidirá, com voto de qualidade;

b) Dois juristas escolhidos pelo presidente;

c) Dois professores de Matemática que leccionem na sede do círculo eleitoral, ...........................................

d) Seis presidentes de assembleia ou secção de voto ..............................................................

e) Um chefe de secretaria judicial da sede do círculo eleitoral, escolhido pelo presidente ..............................................................

4 - Os cidadãos que façam parte das assembleias de apuramento geral são dispensados do dever de comparência ao respectivo emprego ou serviço durante o período de funcionamento daquelas, sem prejuízo de todos os direitos ou regalias, incluindo o direito à retribuição, desde que provem o exercício de funções através de documento assinado pelo presidente da assembleia".

Artigo 121º (Concorrência com crimes mais graves e responsabilidade disciplinar)
"1. ......................................................
2. As infracções previstas nesta lei constituem também falta disciplinar quando cometidas por agente sujeito a essa responsabilidade".
..............................................................

Artigo 164º (Não cumprimento de dever de participação no processo eleitoral)
"Aquele que for nomeado para Fazer parte da mesa de assembleia eleitoral e, sem motivo justificado, não assumir ou abandonar essas funções será punido com multa de 1.000$00 a 20.000$00".

..............................................................

Artigo 168º (Não cumprimento de outras obrigações impostas por lei)

"Aquele que não cumprir quaisquer obrigações que lhe sejam impostas pela presente lei ou não praticar os actos administrativos necessários para a sua pronta execução ou ainda retardar injustificadamente o seu cumprimento será, na falta de incriminação prevista nos artigos anteriores, punido com a multa de 1,000$00 a 10.000$00".

E dispõe a Lei nº 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu):

Artigo 10 (Legislação aplicável)

"A eleição dos 24 deputados de Portugal ao Parlamento Europeu rege-se pelas normas comunitárias aplicáveis e, na parte nelas não prevista ou em que as mesmas normas remetam para as legislações nacionais, pelas normas internas que regem a eleição de deputados à Assembleia da República, na parte aplicável e não especialmente prevista na presente lei, com as adaptações que se mostrem necessárias".

..............................................................

Artigo 12º (Apuramento dos resultados)

"1- 0 apuramento dos resultados da eleição em cada distrito do continente ou em cada região autónoma compete a uma assembleia de apuramento intermédio, a qual se aplicam, com as necessárias adaptações, as regras da legislação que rege as eleições de deputados à Assembleia da República respeitantes ao apuramento geral.

......................................................... (26).

Artigo 14º. (Ilícito Eleitoral)

"Ao ilícito eleitoral respeitante às eleições para o Parlamento Europeu aplicam-se as disposições que punem a violação das normas para que remete a presente lei bem como, nos restantes casos, as disposições que punem a violação das normas equivalentes às da presente lei constantes da legislação aplicável às eleições para deputados à Assembleia do República".

Refira-se, concluindo, nesta parte, que as de-mais leis eleitorais contêm normas idênticas9 com alterações de pormenor.

Assim o Decreto-Lei nº 319-A/76, de 3 de Maio (Eleição do Presidente da República) prevê (igualmente) a designação de eleitores para a mesa (de assembleia ou secção de voto) - artigo 38º -, a constituição de assembleia de apuramento distrital - artigo 98º - compreendendo, também, como presidente, um júri corregedor, e, entre outros elementos, "dois juristas escolhidos pelo presidente", e, de igual modo sanções para a infracção a essas obrigações - artigos 152º e 156º.

0 Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro (Eleições para as Autarquias Locais), tem normas paralelas - artigos 38º, 95º, 140º e 145º, respectivamente -, notando-se, entre outras alterações de pormenor, que a assembleia de apuramento de cada município só contém "um jurista", igualmente escolhido pelo presidente e um magistrado escolhida pelo Presidente da Relação.

5.1. Mostra-se da antecedente exposição/que a Constituição da República estabelece deveres fundamentais, a que estão sujeitos "todos os cidadão" (artigo 12º, nº 1), distinguindo entre deveres cívicos e deveres jurídicos.

Como escreveram J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (27):

"A rubrica da Parte I da CRP refere-se, não apenas a direitos, mas também a deveres fundamentais. Todavia, não existe nenhuma divisão especificamente dedicada aos deveres, e dos dois capítulos dedicados aos direitos - o dos "direitos, liberdades e garantias" e o dos "direitos e deveres económicos, sociais e culturais" - apenas o segundo se refere expressamente, como se vê pela rubrica, a deveres (embora também no primeiro haja um ou outro, como se mostrará). também não existe dentro desses capítulos nenhum preceito específico exclusivamente dedicado a um dever: todos eles têm por objecto principal um direito e só subordinadamente é que surgem enunciados os deveres.

"Estes deveres ligados (directa ou indirectamente) a direitos fundamentais podem ser designados, por isso mesmo, de deveres conexos com direitos fundamentais. Os casos mais exemplares são: a dever cívica do vota (artigo 49º-2), conexionado com o direito de voto; o dever de trabalhar, correlacionado com o direito ao trabalho (artigo 59º-2); o dever de educação dos filhos, associado ao respectivo direito (artigo 56º-5); o dever de defesa e promoção da saúde, conjugando com o direito À saúde artigo(64º-1); o dever de defesa do ambiente, conotado com o correspondente direito artigo 66º-1); o dever de escolaridade básica, recíproco do direito ao ensino (artigo 74º-3/a); o dever de defesa do património, ligado ao direito com igual objecto (artigo 78º-1).

"Não são apenas estes os deveres com assento constitucional, havendo outros que não estão directamente relacionados com nenhum direito fundamental em particular, pelo que se encontram dispersos pelo texto constitucional, fora do catálogo dos "direitos e deveres fundamentais" da Parte I. Entre esses - aos quais se poderá chamar deveres autónomos - avultam o dever de pagar impostos (artigo 106º), o dever de recenseamento e de colaborar na administração eleitoral (artigo 116º-2 e 4), o dever de defesa da Pátria, o de serviço militar e o de serviço cívico (artigo 276º), sendo ainda possível vislumbrar outros em alguns preceitos menos explícitos, como sucede com o dever de exploração da terra (artigo 87º)

..............................................................

"Tendo em conta o objecto e conteúdo dos deveres fundamentais, é possível reparti-los em dois grandes grupos:
(a) os deveres de carácter cívico-político; (h) os deveres de carácter económico, social e cultural. Trata-se de uma divisão paralela à da grande repartição efectuada pela própria Constituição em matéria de direitos fundamentais (mas o paralelismo não deve ser desenvolvido senão com prudência).

"Os deveres de conteúdo cívico-político – dever de defesa da pátria, dever de serviço militar, dever de paga impostos, dever de recenseamento eleitoral, etc. - têm como característica fundamental a de serem deveres dos cidadãos para com o Estado, estando geralmente relacionados com a própria existência e Funcionamento da colectividade política organizada. Trata-se, por via de regra, de "deveres autónomos"
não conexionados com nenhum direito específico, e o seu reconhecimento constitucional não é propriamente uma novidade das constituições modernas, estando, pelo contrário, ligados à
ideia de comprometimento dos cidadãos na existência do Estado, emergente das revoluções liberais, (ver, por exemplo, o artigo 19ºda Constituição de 1822). Dada essa natureza, na maior parte dos casos, esses deveres revestem a forma de obrigações (impostos, serviço militar, etc.), cujo cumprimento está rigorosamente regulado pela lei".

0 dever de colaborar na administração eleitoral, (artigo 116º, nºs 2 e 4), seja na constituição das "mesas das assembleias de voto", seja na composição das assembleias de apuramento", é, como vem sendo dito, um dever jurídico fundamental, sancionado, em todas as leis eleitorais vigentes, com multa.

5.2. Não contém a Constituição a definição do regime jurídico-constitucional dos deveres fundamentais, sendo poucas as normas que se lhes aplicam directa e simultaneamente.

Como escrevem os autores atrás citados (28):

"Seguro é apenas que estes (deveres fundamentais) compartilham das regras da universalidade e da igualdade (artigos, 12º e 13º) e que a eles estão sujeitos igualmente, em certos termos, os cidadãos portugueses quando no estrangeiros, e os estrangeiros quando em Portugal (artigos 14º e 15º).

"Questão relevante neste contexto é a de saber se, constituindo os deveres fundamentais sempre um encargo ou sacrifício dos cidadãos para com a colectividade, eles comparticipam do regime especifico previsto para a restrição dos "direitos, liberdades e garantias"(na parte aplicável, obviamente). Seria o caso, designadamente, do princípio da necessidade e da proporcionalidade (artigo 18º-2, in fine),da exigência de, lei geral e abstracta para regular a imposição de deveres (artigo 18º - 3) e da não retroactividade da lei impositiva de deveres (id.).

"Tendo em conta o sistema Constitucional global, não se vê realmente como admitir que possa haver a imposição arbitrária, discriminatória ou retroactiva de deveres fundamentais.

"Em contrapartida, uma análise das normas impositivas de deveres parece mostrar que elas não são directamente aplicáveis, carecendo em todos os casos de, concretização legal(29), embora nem sempre a Constituição remeta para a lei (como é o caso dos artigos 116º-4 e 276º-2). Desde logo, porque, consistindo quase todos eles em obrigações de fazer, e partindo do princípio de que ninguém pode ser coagido a uma actividade, só se tornam efectivos através da cominação das respectivas sanções. Estas podem ser de dois tipos: sanções penais ou incapacidade para exercer determinados direitos (cfr. artigo 276º-6). As normas constitucionais impositivas de deveres implicam assim uma autorização constitucional de definição legal das sanções pelo incumprimento".

5.3. Resulta do exposto, concordando, nesta parte, com os autores citados, que os deveres fundamentais de carácter e conteúdo cívico-político aliás, como os demais deveres fundamentais - compartilham das regras da universalidade, igualdade, necessidade e proporcionalidade, remetendo a Constituição para a lei ordinária lei geral e abstracta - a regulamentação da imposição desses deveres.

Pode assim afirmar-se que os deveres cívico-políticos recaem sobre todos os cidadãos, não podendo a lei regulamentadora fazer diferenciações ou conceder isenções que não sejam materialmente fundadas.

Escrevem, a este propósito, os autores atrás citados, em anotação ao artigo 13º da Constituição (30):

"A proibição de discriminações (nº2) não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento. 0 que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no nº2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo. Aliás, a Constituição prevê, ela mesma, discriminações positivas, legitimadoras de tratamento diferenciado (artigos 56º-6, 60º-2, 69º-2, 70º-1, 76º").

Exemplos bem marcantes da necessidade de diferenciar estão consagrados no artigo 276º da Constituição, epigrafado de "defesa da Pátria, serviço militar e serviço cívico": Todos os Portugueses têm o dever de defender a Pátria (nº1);um dos meios de contribuir para essa defesa é a prestação de serviço militar, que é obrigatório (nº2); no entanto, a Constituição logo distingue, dando-lhes diferente tratamento, os casos dos "inaptos para o serviço militar armado" (nº3) e dos "objectores de consciência" (nº4); e a lei ordinária - para que a Constituição remete - não poderá deixar ainda de fazer diferenciação de tratamento em razão do sexo.

Deve, pois, concluir-se, relativamente aos deveres cívico-políticos - caso do dever ora em causa -, que só poderá haver as isenções e/ou diferenciações previstas na lei, por remissão constitucional.

E onde a lei não diferencia não poderá o intérprete fazê-lo.

A regra é, pois, a obrigatoriedade, sem discriminações; excepção é a isenção e/ou diferenciação.

E, de facto, se analisarmos os diversos diplomas relativos ao cumprimento de deveres cívico-políticos, encontramos, em regra, casos de isenções ou diferenciações, para além do direito a escusa, necessariamente fundamentado, e, em outros casos,da existência de impedimentos ou inabilidades.

Vejamos, comprovando o atrás exposto, alguns casos de cumprimento de deveres cívico-políticos, começando pelo dever de colaboração com a administração da justiça:

- 0 Decreto-Lei nº 387-A/87, de 29 de Dezembro, que aprovou o novo regime do júri em processo penal, dispõe no seu artigo 16º, nº1, que "o desempenho da função de jurado (31) constitui serviço público obrigatório, sendo a sua recusa punida como crime de desobediência". No artigo 3º indicam-se os requisitos (condições) da capacidade genérica para ser jurado, e, no artigo 4º, indicam-se categorias de cidadãos que "não podem ser jurados". Entre essas categorias de cidadãos constam, na alínea g),o juiz, juiz, social, magistrado do Ministério Público ou auditor de justiça", que, deste modo , estão "dispensados" de ser jurados. Os demais cidadãos terão de aceitar e cumprir o dever imposto, salvo se se encontrarem numa das situações de "impedimento" previstos no artigo 5º ou pedirem e obtiverem "escusa", se se encontrarem numa das situações previstas no artigo 6º.

- 0 Código de Processo Civil vigente prevê "impedimentos" por parte de algumas categorias de cidadãos relativamente ao desempenho de funções de perito (artigo 580º). Os magistrados em exercício não constam de nenhuma das alíneas desse preceito, mas poderão pedir e obter "escusa" (artigo 582º), se houver o "fundamento invocado". Mas já não prevê o diploma "impedimentos" para "depor como testemunha", estatuindo-se apenas "inabilidades" por incapacidade natural (artigo 617º) e por "motivo de ordem moral" (artigo 618º).

- 0 recente Código de Processo Penal, de 17 de Fevereiro de 1987, regula a matéria de impedimentos, recusas e escusas, relativamente aos magistrados, peritos, intérpretes, funcionários de justiça e testemunhas (artigos 39º a 47º, 54º, 133º e 134º); dispõe sobre capacidade e dever para testemunhar - artigo 131º, nº1 :"Qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei" - e sobre o desempenho da função de perito - artigo 153º,nº1:
"0 perito é obrigado a desempenhar a função para que tiver sido competentemente nomeado, sem prejuízo do disposto no artigo 47º (sobre impedimentos, recusas e escusa) e no número seguinte (pedido de escusa)".

Quanto ao dever de colaboração com a Administração, em caso de calamidades (incêndio, guerra ou emergência):

- Dispõem os artigos 161º e 162º do Código Administrativo que as autoridades policiais e os comandantes dos corpos de bombeiros podem requisitar sob pena de desobediência qualificada, "quaisquer homens válidos"(sem excepções nem pedidos de escusas, aliás, não previstos) para os coadjuvar na extinção dos incêndios, para "socorro de vidas e bens".

- Dispunha a Lei nº 2084, de 16 de Agosto de 1956 - revogada pela Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro de 1982 (lei da Defesa Nacional das Forças Armadas) - que "todos os recursos necessários à defesa ou à vida da nação (32) (podiam), em caso de guerra ou de emergência, ser mobilizados pelo Governo", compreendendo a mobilização "a convocação das pessoas e a requisição dos bens ou serviços indispensáveis à realização dos fins definidos pelo Governo" (Base XXII). A contribuição seria feita "de harmonia com as aptidões e condições de idade e sexo (de todos os portugueses), seja em "mobilização militar", seja em "mobilização civil" (Base XXIV).Esta Base, no seu nº5, previa algumas isenções (da obrigação de mobilização) que não abrangiam os magistrados. Por outro lado, a Base XXV, "para serem afectados à organização militar ou à defesa civil, bem como a serviços públicos ou de interesse público", previa a requisição de "todos os indivíduos maiores de dezoito anos, mesmo não abrangidos pelas leis de recrutamento ou isentos de serviço militar", devendo a afectação dos requisitados ter em conta "as respectivas profissões e aptidões físicas e intelectuais, a idade, o sexo e a situação familiar". Não estavam previstas isenções quanto à requisição.

-A Lei nº 29/82, que a substituiu, tem normas paralelas, dispondo, na parte que ora interessa: "Os recursos humanos e materiais indispensáveis à defesa nacional podem ser utilizados pelo Estado, mediante mobilização ou requisição, nos termos do presente diploma e legislação complementar" (nº1 do artigo 13º); "A lei indicará também os cargos públicos cujos titulares são dispensados das obrigações decorrentes da mobilização, enquanto no exercício das suas funções" (nº4 do artigo 13º),

5.4. A legislação eleitoral vigente prevê, na parte que ora interessa, incapacidades eleitorais activas e passivas, estatui ser "obrigatório" o desempenho das "funções" de "membro da mesa de assembleia ou secção de voto", salvo "motivo de força maior ou justa causa (nº4 do artigo 44º da Lei nº 14/79, nº4 do artigo 35-0 do Decreto-Lei nº 319-A/76, e nº4 do artigo 34º do Decreto-Lei nº 701-B/76), e fixa a constituição das referidas assembleias de apuramento, dispensando os cidadãos seus componentes do dever de comparência ao respectivo emprego ou serviço durante o funcionamento daquelas (nº4 do artigo 108º da Lei nº 14/79 e nº5 do artigo 94º do Decreto-Lei nº 701-B/76).

Não estão, pois, previstas quaisquer isenções. relativamente à intervenção naquelas mesas e assembleias de apuramento.

Note-se, quanto aos magistrados, que a legislação citada (apenas) prevê a sua inelegibilidade para a Assembleia da República (alínea a)do nº1 do artigo 5º da Lei nº 14/79) e para os órgãos do poder local (alínea a) do nº1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76), devendo os magistrados suspender o exercício das respectivas funções quando candidatos à Assembleia da República (nº2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 319-A/76).

Na sequência de todo o exposto não pode deixar de concluir-se que os magistrados do Ministério Público, não gozando de isenção (expressa), estão obrigados, como quaisquer outros "cidadãos" e "juristas", a intervir nas referidas "mesas" e "assembleias de apuramento eleitoral", respectivamente .

6. Termos em que se conclui:

1ª. Os deveres cívico-políticos estão sujeitos às regras da universalidade, igualdade, necessidade a proporcionalidade, e vinculam, em princípio, todos os cidadãos, não podendo a lei fazer diferenciações ou conceder isenções que não sejam materialmente fundadas;


2ª. Não beneficiando de isenção, que as leis eleitorais ou quaisquer outras não consagram os magistrados do Ministério Público estão sujeitos, enquanto cidadãos, ao cumprimento do dever cívico-político de intervir, como "juristas",em assembleias de apuramento eleitoral;


3ª. A expressão " qualquer outra função pública ou privada", do nº1 do artigo 60º da Lei orgânica do Ministério Público (Lei nº 47/86, de 15 de Outubro), não abrange a intervenção em assembleias de apuramento eleitoral.




(1) À data vigorava a Lei nº 2015, de 28 de Maio de 1946, para a eleição do Presidente da República, e o Decreto-Lei nº 37 570, de 3 de Outubro, para a eleição da Assembleia Nacional, aplicável, também, à eleição do Presidente da República e às eleições administrativas, em tudo quanto não estivesse regulado na Lei nº 2015 e no Código administrativo (artigo 84º).
Estes diplomas previam a intervenção dos tribunais (judiciais e administrativos),em diversas situações dos processos eleitorais. Nomeadamente, o artigo 32º da Lei nº 2105,"para execução do disposto no § 3º do artigo 72º da Constituição" (de 1933), previa que a assembleia geral de apuramento fosse constituída pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e por dois juízes conselheiros designados pelo plenário daquele Tribunal.

(2) 0 artigo 221º da Constituição, na redacção da Lei Constitucional nº 1/82,resultou da fusão dos artigos 221º e 222º as redacção inicial. Para além de ligeira alteração (formal) no actual nº4, o nº3 vem do artigo lº do primitivo artigo 222º, que dispunha: "os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada remunerada".

(3) Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª edição, 2º volume, 1985, págs. 341/342.

(4) Note-se que o nº1 do artigo 150º do anterior Estatuto, aprovado pela Lei nº 85/77,em conformidade com a redacção inicial do nº1 do artigo 222º da Constituição, dispunha (apenas) ser vedado "o exercício de qualquer outra função pública ou privada remunerada".

(5) Os artigos 224º e 225º da Constituição mantêm a sua redacção inicial.
(6) 0 artigo 3º da (actual) Lei nº 47/86 introduziu algumas alterações à correspondente disposição (artigo 3º) da (anterior) Lei nº 39/78, de 5 de Julho, que já continha a alínea, "Exercer as demais funções conferidas por lei".

(7) A correspondente norma da (anterior) Lei nº 39/78 - o nº1 do artigo 76º - não continha as ressalvas deste nº1. Pretendeu-se, nesta parte, aproximar o estatuto de ambas as magistraturas (cfr. com o nº3 do artigo 221º da Constituição, na redacção da Lei Constitucional nº 1/82, e o nº1 do artigo 13º da Lei nº 21/85).

(8) Em numerosas disposições legais se prevê a intervenção de um representante do Ministério Público, em conformidade com a referida alínea o) - e/ou disposições legais que a antecederam -,como seja no artigo 3º do Decreto-Lei nº 276/86, de 4 de Setembro (Estatuto do Administrador Judicial), que dispõe: "1. A comissão nacional prevista no nº1 do artigo 2º é composta pelas seguintes entidades: alínea a) um procurador-geral adjunto, que presidirá; (...)2. A comissão é nomeada pelo Ministro da Justiça, cabendo a designação do magistrado referida na alínea a) do nº1 à Procuradoria-Geral da República (...)".
A norma desse nº2 – 2ª parte - está conforme ao nº2 do artigo 225º da constituição e à alínea a) do nº1 do artigo 24º da Lei nº 47/86. Note-se, a propósito, que por Resolução nº 377/80, de 15 de Outubro de 1980,do Conselho da Revolução, publicada no Diário da República, 1ª Série, de 7 de Novembro de 1980, foi declarada a inconstitucionalidade da norma do artigo 139º do Decreto-Lei nº 519-12/79. de 29 de Dezembro - na parte em que atribuía ao Ministro da Justiça a designação, de entre procuradores-gerais-adjuntos, do auditor jurídico da Câmara dos Revisores Oficiais de Contas -, por violar o preceituado no nº2 do artigo 225º da Constituição, de que é aplicação a referida alínea a) do nº1 do artigo 24º da Lei nº 47/86.

(9) Além deste artigo 60º não se vê que possa ser invocada qualquer outra norma da referida Lei Orgânica para os fins em causa, nomeadamente o artigo 61º, que veda o exercício de "actividades políticas", aqui fora de questão.
(10) 0 termo "emprego" tem o sentido corrente de "lugar permanente remunerado" - cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 9ª edição, 1972, pág. 696.

(11) A expressão "cargo", remunerado (em regra) ou não, abrange serviços (funções) estáveis, o que não sucede no caso da referida Assembleia de Apuramento.
Como escreveu MARCELLO CAETANO, ob. cit., pág. 649:
"Os departamentos administrativo são "organizações permanentes de actividades humanas". Tais actividades são desenvolvidas pelos agentes. Sendo organizações permanentes, a estabilidade da sua estrutura e a continuidade do seu funcionamento dependem da garantia de que haja sempre quem desenvolva as actividades que são a razão de ser do serviço. Por isso faz parte da estrutura do departamento a definição das diversas tarefas, especializadas segundo critérios de divisão do trabalho, a que correspondem cargos a desempenhar por agentes certos. Para haver pessoas habilitadas em número suficiente ao desempenho desses cargos fixa-se certo número de lugares remunerados a prover por pessoas idóneas, muito embora existam cargos para ser exercidos a título eventual, ou por agentes gratuitos que não ocupam lugar dos quadros (-)".
Refira-se que na Assembleia Constituinte não houve discussão sobre o âmbito da expressão "empregos ou cargos públicos". Os 5 números do artigo em causa foram votados por unanimidade, sem discussão.

(12) "São incompatibilidades morais as que resultam da necessidade de impedir que o agente possa ser suspeito de utilizar a função pública para favorecer interesses privados em cuja dependência se encontrasse em virtude de prestar serviços remunerados a particulares ou por estar ligado, por laços de parentesco a quem possa influir na marcha dos negócios públicos para o seu proveito pessoal(v.g., Cóg. Adm., artigos 18º, nº 10,39º, § único, 308º, nº1, do E.F.U., artigos 103º e 104º)" - MARCELLO CAETANO ob.cit., pág. 697.

(13) "São incompatibilidades naturais as que resultam da impossibilidade material de desempenhar simultaneamente dois cargos ou duas actividades dentro das mesmas horas de serviço, em diferentes localidades ou dentro da mesma hierarquia" - MARCELLO CAETANO, ob.cit., pág. 697.

(14) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 266, pág. 43.

(15) Designados pelos Ministros da Justiça, da Defesa Nacional, da Coordenação Interterritorial, da Administração Interna e da Coordenação Económica - artigo 1º do Decreto nº 304/74, de 6 de Julho.

(x) "No Diário da Assembleia Constituinte aludido na nota anterior" (D.A.R. nº 98, de 19 de Dezembro de 1975, entenda-se).

(16) Cfr. nota (11) - MARCELLO CAETANO, ob. e loc. cits..

(17) Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, 1º vol. 1984, pág.142.

(18) Ob. cit., pág. 278.

(19) No seu parecer nº 29/78, publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, 7º vol., 1980, pág.47, a Comissão Constitucional escreveu que "o que seja, porém, um dever cívico parece difícil de definir", acrescentando: "Há quem sustente que a fórmula utilizada pretende, justamente, obstar a que se caracterize o voto como um dever jurídico, como uma obrigação, susceptível de sanção (J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Ob.cit., páqs.65 e 66). Há quem entenda que a noção constitucional não impõe, nem impede que a lei ordinária confira obrigatoriedade jurídica revestida de sanções ao sufrágio - e isso porque, desde que se não traduzam em restrições de direitos não constitucionalmente previstas (artigo 28º, nº2), a lei ordinária pode criar outros deveres além dos estabelecidos na Constituição" (Jorge Miranda, "0 direito eleitoral na Constituição", cit., loc.Cit., pág. 472).

(20) Artigo 41º, nº2 da Constituição da República:

"2. Ninguém pode ser (...) isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa".

(21) Artigo 116º, nº2, da Constituição de República.
"2. 0 recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório (...)".

(22) Artigo 276º da Constituição da República:
"1.A defesa da Pátria é dever fundamental de todos os Portugueses.
2.0 serviço militar é obrigatório, nos termos e pelo período que a lei prescrever.
3.Os que forem declarados inaptos para o serviço militar armado prestarão serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação.
4. Os objectores de consciência prestarão serviço cívico (...).
.......................................................

7. Nenhum cidadão pode ser prejudicado na sua colocação (...) por virtude do cumprimento do serviço militar ou do serviço cívico obrigatório".

(23) Escreveu Jorge Mirando, in "Pólis - Enciclopédia Verbo", 2, pág. 898:
"E o (-) exercício (do sufrágio) constitui um dever cívico - o que não implica, nem tão pouco impede, o chamado voto obrigatório ou obrigação sancionada de votar; a esse dever acrescem o de recenseamento e o de colaboração com a administração eleitoral, nas formas previstas na lei (artigo 116º, nºs 2 e 4)".
(24) Ob. cit. 2º vol., pág. 73.

(25) Nos termos dos nºs. 2, 3 e 8 do artigo 47º da Lei nº 14/79) cabe ao presidente da câmara municipal ou da comissão administrativa municipal, ou aos administradores de bairro, nos municípios onde existam bairros administrativos, a nomeação dos membros da mesa cujos lugares estejam por preencher, "de entre os cidadãos inscritos no recenseamento eleitoral da mesma freguesia".
Até três dias antes das eleições, os cidadãos designados membros de mesa da assembleia eleitoral poderão justificar, "nos termos legais", a impossibilidade de exercerem essas funções, sendo, nesse caso, substituídos (nº7 do mesmo preceito).

(26) 0 nº 4 do referido artigo 12º dispõe sobre a constituição da assembleia de apuramento geral - que, necessariamente, existe nas demais eleições, com alterações de pormenor -, compreendendo: a) 0 presidente do Tribunal Constitucional; b) dois juízes do Tribunal Constitucional, designados por sorteio; c) dois professores de Matemática, designados pelo Ministério da Educação e Cultura; e d) o secretário do Tribunal Constitucional.

(27) Ob.cit., 1º vol., pág. 124 e segs..

(28) Ob.cit., págs.142 e segs.

(29)Estas normas constitucionais – impositivas de deveres – são, pois, remissivas por devolverem a regulamentação para a lei ordinária, não exequíveis por si mesmas, por carecerem de normas legislativas que as tornam plenamente aplicáveis às situações da vida.(Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 2ª edição, 1983, páqs. 212 e segs..

(30) Ob.cit., pág. 150.

(31) A figura de "jurado" tem consagração constitucional (artigo 217º, nº1, do diploma fundamental). Nada dispondo este preceito fundamental sobre o regime jurídico do "jurado", deverá entender-se que foi remetido para a lei ordinária a fixação desse regime.
(32) Dever fundamental consagrado no nº1 do artigo 276º da Constituição da República.
Anotações
Legislação: 
EJ62 ART129 ART130 ART135.
CONST76 ART49 ART116 N2 N4 ART221 ART224 ART225 ART269.
EMJ85 ART11 N1 ART13 N1 N2.
LOMP86 ART3 ART60 ART61 N1.
L 14/79 DE 1979/05/16 ART44 ART107 ART108 ART121 ART164 ART168.
L 14/87 DE 1987/04/29 ART1 ART12 ART14.
DL 387-A/87 DE 1987/12/29 ART4 ART16 N1.
Jurisprudência: 
P CC 29/78.
Referências Complementares: 
DIR ADM / DIR ELEIT / DIR CONST.
Divulgação
Pareceres Associados
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