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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
13/2001, de 15.06.2001
Data do Parecer: 
15-06-2001
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
JOÃO MIGUEL
Descritores e Conclusões
Descritores: 
FUNDAÇÃO AMÁLIA RODRIGUES
FUNDAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
ESTATUTO
SUBSTRATO
TESTAMENTO
DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA
INTERPRETAÇÃO
VONTADE DO TESTADOR
TESTADOR
TESTAMENTEIRO
ÓRGÃO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
CONSELHO FISCAL
ORGANIZAÇÃO
PRESIDENTE
CARGO VITALÍCIO
NEGÓCIO CONSIGO MESMO
ORDEM PÚBLICA
Conclusões: 
1. Instituída uma fundação por testamento, o executor testamentário ao elaborar os estatutos deve atender à vontade real ou presumível do testador;
2. Para captar a vontade do instituidor há que considerar o conteúdo do testamento, devendo observar-se o que parecer mais ajustado com a vontade do testador na interpretação das disposições testamentárias, recorrendo-se, se necessário, a prova complementar, embora não produza qualquer efeito a vontade do testador, assim determinada que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (artigo 2187.º do Código Civil);
3. O regime jurídico das pessoas colectivas, e das fundações em particular, não obsta a que, em caso de instituição de fundação por testamento e na ausência de manifestação de vontade do fundador, se consagre uma estrutura organizativa mais complexa do que a estrutura mínima obrigatória prevista no artigo 187.º do Código Civil, preservados os fins da fundação e observada, na medida do possível, a vontade presumível daquele;
4. De igual modo, observados os critérios mencionados na conclusão anterior, não se mostram desconformes com a lei as disposições estatutárias pelas quais o executor testamentário atribui a si próprio o exercício vitalício do cargo de presidente da fundação, nem que a sucessão neste cargo se encontre pré-determinada nos estatutos.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,
Excelência:




1.


Em informação produzida por um senhor assessor do Gabinete de Vossa Excelência [1] e com a qual Vossa Excelência se dignou concordar [2], suscita-se a audição deste Corpo Consultivo sobre as seguintes questões:

“1.ª - A instituição, através de testamento, de uma fundação, desacompanhada de qualquer manifestação de vontade do testador quanto à organização dessa mesma fundação, permite que nos seus estatutos se consagre uma estrutura orgânica mais complexa do que a legalmente obrigatória ?
“2.ª - Na afirmativa, mas ainda na falta de qualquer manifestação de vontade do testador nesse sentido, o executor testamentário pode ver atribuído a si próprio, no âmbito dos estatutos da fundação que ele próprio estava obrigado por lei a elaborar, o exercício vitalício do cargo de presidente dessa mesma fundação ? E com as competências ali previstas ?
3.ª - É legalmente admissível - sempre no pressuposto da falta de qualquer manifestação de vontade do testador nesse sentido - que a sucessão naquele cargo de presidente se encontre consagrada nos referidos estatutos por forma a que se encontre já ali determinada a pessoa que lhe irá suceder (in casu o actual vice-presidente)?”

Cumpre, pois, emitir parecer.

2.

Para um melhor exame das questões, respigam-se extractos que se afiguram relevantes do testamento, dos estatutos e de outra documentação junta ao dossier.

2.1. Na parte que interessa, as disposições de última vontade da testadora [3] são do seguinte teor:
“E disse:
Que faz o seu testamento, que é o primeiro, do seguinte modo:
Lega às suas sobrinhas (...) e (...) (...), ao seu sobrinho (...) (...) e à sua sobrinha (...) (...) todos os direitos de autor e royalties, em partes iguais.
“Todos os restantes bens móveis e imóveis, designadamente, os objectos pessoais de ouro, prata e de outra natureza, vestidos, pinturas e retratos pintados e contas bancárias, ficam destinados à instituição de uma Fundação com o nome de ‘Amália Rodrigues’, que terá a sua sede na moradia onde actualmente reside na Rua de S. Bento, número cento e noventa e três, em Lisboa.
“Essa moradia, onde reside com tudo o que nela existir constituirá o Museu de Amália Rodrigues, aberto ao público para visitas, em dias e horas mais convenientes.
“A Fundação Amália Rodrigues será uma Pessoa Colectiva de direito privado e tipo fundacional sem fins lucrativos de solidariedade social e de utilidade pública geral e com duração indeterminada.
“A Fundação Amália Rodrigues destinará semanalmente quinze por cento dos seus rendimentos líquidos anuais à ‘Casa do Artista’.
“Caso venha a ser instituído um Centro de Saúde ou de enfermagem e primeiros socorros no Brejão, freguesia de S. Teotónio, concelho de Odemira, a Fundação Amália Rodrigues destinará anualmente quinze por cento dos seus rendimentos líquidos anuais a esse Centro. Os restantes rendimentos líquidos anuais serão distribuídos de acordo com os objectivos da Fundação, tendo em conta os mais desfavorecidos, instituições de beneficência e de solidariedade social.
“Fica nomeado executor testamentário o seu advogado, Dr. (...) e no seu impedimento o seu filho, advogado, Dr. (...) que irá executar o seu testamento, elaborar integralmente os estatutos da Fundação Amália Rodrigues, requerer o seu reconhecimento e fazer tudo o que for necessário para que a dita Fundação atinja os seus objectivos.”
2.2. Os Estatutos da Fundação Amália Rodrigues viriam a ser publicados no jornal oficial [4] e a fundação reconhecida por despacho do Ministro da Administração Interna, de 25 de Janeiro de 2000, conforme Portaria 281/2000 (II Série), publicada no Diário da República, II Série, n.º 38, de 5 de Fevereiro de 2000.
Também na parte que interessa, o teor do articulado dos Estatutos, é o seguinte:
“Estatutos
Capítulo I
Natureza e fins
“Artigo 1.º
Denominação e qualificação
1 – A Fundação Amália Rodrigues adiante designada simplesmente por Fundação, instituída por testamento de Amália da Piedade Rodrigues, lavrado no 15.º Cartório Notarial de Lisboa, no dia 30 de Outubro de 1997, é uma pessoa colectiva de direito privado e tipo fundacional sem fins lucrativos, de solidariedade social e de utilidade pública geral, conforme vontade da sua instituidora.
2 – A Fundação rege-se pelos presentes estatutos, que têm sempre em conta a vontade real ou presumida da sua fundadora, e pela lei portuguesa.

“Artigo 2.º
Duração
A Fundação tem duração indeterminada.

“Artigo 3.º
Sede
A Fundação tem a sua sede em Lisboa, provisoriamente na Rua de São Bento, 193, cabendo ao Conselho de Administração fixar-lhe outra sede na cidade de Lisboa, bem como deliberar sobre a criação de delegações ou outras formas de representação onde julgar conveniente.

“Artigo 4.º
Fins
A Fundação tem por fim auxiliar de uma maneira geral as pessoas mais desfavorecidas no âmbito patrimonial, designadamente os órfãos, indigentes, sem-abrigo, criar e auxiliar instituições de beneficência e de solidariedade social.

“Artigo 5.º
Objecto
1 – A Fundação desenvolverá todas as actividades que os seus órgãos entenderem como adequadas à realização dos seus fins, tendo em conta a vontade real ou presumível da sua fundadora.
2 – A Fundação, sem prejuízo de outras actividades próprias da realização dos seus fins, poderá:
a) Criar ou patrocinar creches, recolhendo órfãos e crianças pobres;
b) Criar ou patrocinar instituições com vista à distribuição de alimentação diária, géneros alimentícios e roupas aos pobres e indigentes;
c) Criar ou patrocinar casas e instituições com vista à recolha e protecção dos sem-abrigo e idosos;
d) Contribuir com 15% dos seus rendimentos líquidos anuais para a casa do artista – APOIARTE;
e) Contribuir com 15% dos seus rendimentos líquidos anuais para um centro de enfermagem ou de primeiros socorros, caso exista ou venha a existir no lugar do Brejão, freguesia de São Teotónio, concelho de Odemira;
f) Contribuir de qualquer modo ou patrocinar a construção e distribuição de casa aos mais carenciados e que delas necessitem;
g) De uma maneira geral, criar e patrocinar instituições de caridade e solidariedade social, de modo a proteger os mais desfavorecidos.

(...)

“CAPÍTULO II
Capacidade Jurídica e património
(...)

“CAPÍTULO III
Órgãos e competências
“SECÇÃO I
Órgãos
“Artigo 10.º
Órgãos
São órgãos da Fundação:
a) O presidente da Fundação;
b) O conselho de administração;
c) O conselho fiscal;
d) O conselho geral.
“SECÇÃO I
Presidente da Fundação
“Artigo 11.º
Presidente da Fundação
1 – O primeiro presidente da Fundação é o Dr. (...), em conformidade com a vontade real da fundadora, Amália Rodrigues, que exercerá essas funções vitaliciamente.
2 – Posteriormente ascenderá sempre a presidente da Fundação o membro do conselho de administração que exercer as funções de vice-presidente, caso sobreviva ao presidente.
3 – O vice-presidente, no futuro, será eleito pelo conselho de administração de entre os seus membros, por voto secreto, por períodos de cinco anos renováveis.
4 – Caso o presidente e o vice-presidente simultaneamente deixem de existir na Fundação, serão eleitos os seus sucessores de entre os membros do conselho de administração ou nomeados por estes, por unanimidade.
5 – O presidente da Fundação será substituído, em todas as suas faltas e impedimentos, pelo vice-presidente.
“Artigo 12.º
Competência do presidente da Fundação
1 – Compete ao presidente da Fundação:
a) Representar a Fundação;
b) Nomear os membros do conselho geral;
c) Convocar e presidir ao conselho de administração, com voto de qualidade;
d) Convocar e dirigir as reuniões do conselho geral, com voto de qualidade;
e) Emitir os regulamentos internos de funcionamento da Fundação;
f) Organizar e dirigir os serviços e actividades da Fundação;
g) Assegurar a gestão corrente da Fundação, preparando e executando as deliberações dos seus órgãos.
2 – O presidente pode ser directamente coadjuvado por um funcionário com o cargo de secretário-geral.
“SECÇÃO III
Conselho de Administração
“Artigo 13.º
Composição do Conselho de Administração
1 – O Conselho de Administração será composto pelo presidente da Fundação, pelo vice-presidente e por mais três vogais.
2 – O mandato dos membros do conselho de administração é de cinco anos renováveis, com a excepção dos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º
3 – Os primeiros membros do conselho de administração são designados nos termos das disposições transitórias destes estatutos.
4 – O conselho de administração reúne ordinariamente uma vez por mês e extraordinariamente as vezes que o presidente considerar oportuno.

“Artigo 14.º
Competência do conselho de administração
1 – Compete ao conselho de administração praticar todos os actos necessários à prossecução dos fins da fundação, dispondo dos mais amplos poderes de gestão.
2 – Para a execução do disposto no número anterior, compete em especial ao conselho de administração:
a) Programar a actividade da Fundação, designadamente mediante a elaboração de um orçamento e de um plano anual de actividades;
b) Aprovar, até 31 de Março de cada ano, o balanço e a conta anual dos resultados do exercício;
c) Administrar e dispor livremente do património da Fundação, nos termos da lei e dos estatutos;
d) Criar quaisquer fundos financeiros que se mostrem convenientes à boa gestão do património da Fundação e transferir para os mesmos o domínio, posse ou administração de quaisquer bens que façam parte do referido património;
e) Constituir mandatários ou delegar em quaisquer dos seus membros a representação do conselho e o exercício de alguma ou algumas das suas competências.
3 – Deliberar sobre a modificação dos estatutos, bem como a extinção da Fundação, sob parecer não vinculativo do conselho geral.
4 – Deliberar, em caso da extinção da Fundação, sobre o destino que os bens ou património terão à luz da realização dos fins para que foi criada.

“Artigo 15.º
Vinculação da Fundação
A Fundação fica obrigada:
a) Pela assinatura conjunta de três membros do conselho de administração, um dos quais será o presidente;
b) Pela assinatura de um membro do conselho de administração no exercício de poderes que nele tiverem sido delegados por deliberação do conselho de administração;
c) Pela assinatura individual e conjunta de um ou mais procuradores, conforme se estipular nas respectivas procurações emitidas pelo conselho de administração.

“SECÇÃO IV
Conselho fiscal
“Artigo 16.º
Composição e reuniões do conselho fiscal
1 – O conselho fiscal é composto por três membros eleitos pelo conselho geral, que entre si elegerão um presidente.
2 – Os primeiros membros do conselho fiscal são designados nos termos das disposições transitórias destes estatutos.
3 – Quando o movimento contabilístico e os recursos da Fundação o justificarem e permitirem, o conselho fiscal elegerá um revisor oficial de contas ou sociedade de revisores de contas para um dos lugares de membro do conselho fiscal.
4 – O mandado dos membros do conselho fiscal é de cinco anos renováveis.
5 – O conselho fiscal reúne ordinariamente uma vez por trimestre e extraordinariamente as vezes que forem necessárias, convocado pelo presidente.

“Artigo 17.º
Competência do conselho fiscal
1 – Compete ao conselho fiscal:
a) Verificar a regularidade dos livros e registos contabilísticos, bem como os documentos que lhe servirem de suporte;
b) Verificar, sempre que o julgue conveniente e pela forma que repute adequada, a existência de bens ou valores pertencentes à Fundação;
c) Elaborar um relatório anual sobre a sua acção de fiscalização e emitir parecer sobre o balanço e a conta anual dos resultados do exercício, submetidos pelo conselho de administração até 31 de Março de cada ano.
2 – O conselho fiscal procederá quando entender aos actos de inspecção e verificação que tiverem por convenientes para o cabal exercício das suas funções.

“SECÇÃO V
Conselho geral

“Artigo 18.º
Composição e reuniões do conselho geral
1 – O conselho geral será composto pelo presidente da Fundação, que a ele preside com voto de qualidade, e por um número variável de conselheiros não inferior a nove.
2 – O cargo de conselheiro é vitalício.
3 – Os primeiros conselheiros são designados nos termos das disposições transitórias destes estatutos; futuramente, o presidente da Fundação designará outros conselheiros de entre personalidades da vida social.
4 – O conselho reúne ordinariamente em plenário uma vez por ano e extraordinariamente em plenário as vezes que o presidente da Fundação ou o conselho de administração considerem oportuno.
5 – O conselho geral pode funcionar por secções formadas por iniciativa do presidente sempre que se não trate do exercício das competências enunciadas nas alíneas a), c) e d) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 19.º e no n.º 3 do artigo 22.º

“Artigo 19.º
Competência do conselho geral
1 – O conselho geral é um órgão consultivo a quem cabe dar parecer sobre as orientações genéricas que hão-de presidir à actividade da Fundação e sobre todas as outras questões a esta respeitantes relativamente às quais o presidente ou o conselho de administração desejam ouvir a opinião dos conselheiros.
2 – Compete designadamente ao Conselho Geral:
a) Dar parecer, até 15 de Dezembro de cada ano, sobre o orçamento e o plano de actividades da Fundação para o ano seguinte, o qual deverá ser apresentado pelo conselho de administração até 15 de Novembro;
b) Dar parecer sobre iniciativas específicas cujo projecto lhe seja apresentado para o efeito;
c) Dar parecer sobre a modificação dos estatutos ou a extinção da Fundação;
d) Eleger os membros do Conselho Fiscal;
e) Exercer todos os demais poderes que lhe sejam conferidos pelos estatutos.
3 – O conselho geral deve, obrigatoriamente, pronunciar-se favoravelmente sobre qualquer acto de alienação ou oneração de bens imóveis pertencentes à Fundação.

“CAPÍTULO IV
Disposições finais e transitórias
“Artigo 20.º
(...)
“Artigo 23.º
Primeira designação dos membros do conselho de administração
Em conformidade com o n.º 3 do artigo 13.º dos presentes estatutos e de acordo com a vontade real da fundadora exarada no testamento que instituiu a Fundação, são designados membros do conselho de administração: presidente, Dr. (...); vice-presidente, Dr. (...), e administradores: Drs. (...), (...) e (...).

“Artigo 24.º
Primeira designação dos membros do conselho fiscal
Em conformidade com o n.º 4 do artigo 16.º dos presentes estatutos, são designados primeiros membros do conselho fiscal: presidente, Dr. (...); vogais, (...), e Dr. (...).

“Artigo 25.º
Primeira designação dos membros do conselho geral
Em conformidade com o n.º 3 do artigo 18.º dos presentes estatutos, são designados primeiros membros do conselho geral ou conselheiros: Dr.ª (...), Dr. (...), (...), (...), engenheiro (...), Dr. (...), Dr. (...) e Dr. (...).
Futuramente, o presidente da Fundação designará outros conselheiros.” [5]


2.3. Pelo interesse que reveste para o exame da questão, transcreve-se a parte relevante da procuração passada a favor do Dr. (...), pela testadora Amália Rodrigues, em 15 de Outubro de 1997 [6], a quem conferiu “todos os poderes para a representar junto de todas as Repartições de Finanças, Câmaras Municipais, Conservatórias do Registo Predial e demais Repartições Públicas; e ainda, junto de todos os bancos, designadamente, Barclays Bank, Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa e União de Bancos, podendo pedir extractos bancários, fazer levantamentos e depósitos, requisitar cheques; administrar os seus bens, fazer pagamentos, receber quaisquer quantias a que a mandante tenha direito, vender ou comprar quaisquer bens móveis ou imóveis, incluindo direitos prediais, pelos preços e nas condições que entender, outorgar e assinar contratos-promessa de compra e venda, e assinar as respectivas escrituras públicas, efectuar pagamentos em quaisquer Câmaras Municipais, para junto de qualquer Repartição de Finanças, pagar impostos reclamando dos indevidos, fazer quaisquer actos de registo provisórios ou definitivos junto das respectivas Conservatórias do Registo Predial e prestar quaisquer declarações suplementares e tudo o mais que for necessário para gerir e administrar os seus bens no país e no estrangeiro, receber quaisquer quantias dos direitos de autor e dos direitos conexos e de outros, provenientes de quaisquer vendas ou contratos, passando a respectiva quitação, pôr acções em Tribunal, receber citações e notificações, conferindo poderes forenses gerais e ainda os especiais de confessar, transigir ou desistir em qualquer acção, podendo estes poderes ser substabelecidos.”


2.4. Por último, em nota manuscrita que encima o testamento dá-se conta que a testadora faleceu no dia 6 de Outubro de 1999, conforme assento de óbito n.º 531, da 5.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa; idêntica afirmação consta da escritura de habilitação de herdeiros, celebrada em 29 de Fevereiro de 2000, no Cartório Notarial de Sesimbra, na qual interveio o testamenteiro, Dr. (...), como cabeça de casal, e declarou que Amália Rodrigues, “além de dispor de um legado, instituiu uma fundação, denominada «Fundação Amália Rodrigues»” e que “não há outras pessoas que, segundo a lei, prefiram à indicada herdeira – a Fundação Amália Rodrigues – ou com esta concorram à herança da falecida”.

2.5. Da transcrição efectuada do acto de disposição de última vontade, dos estatutos e dos demais elementos antes recenseados, resulta que:
1. Em 15 de Outubro de 1997, Amália Rodrigues outorgou procuração ao Dr. (...), ao qual concedeu um amplo complexo de poderes, incluindo poderes forenses gerais e especiais, podendo estes ser substabelecidos;
2. Amália Rodrigues instituiu por testamento público, feito em 30 de Outubro de 1997, uma fundação com o seu nome, que não dotou de estatutos, nem deixou exaradas no mesmo indicações específicas para a sua elaboração;
3. A testadora nomeou executor testamentário o seu advogado, Dr. (...) e no seu impedimento o seu filho, advogado, Dr. (...), que irá executar o seu testamento, elaborar integralmente os estatutos da Fundação Amália Rodrigues, requerer o seu reconhecimento e fazer tudo o que for necessário para que a dita Fundação atinja os seus objectivos;
4. Nos estatutos da Fundação invoca-se a vontade real ou presumida da instituidora nos artigos 1.º, n.º 2, e 5.º, n.º 1, e apenas a vontade real nos artigos 11º, n.º 1, e 23.º. [7]


3.
Estando o objecto do presente parecer limitado ao exame das três questões enunciadas, não se curará de analisar em pormenor sobre a compatibilidade dos estatutos com o testamento [8].
O testamento é “o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles” (artigo 2179.º, n.º 1, do Código Civil), assumindo a forma de testamento público ou de testamento cerrado, consoante seja escrito pelo notário no seu livro de notas, ou seja escrito e assinado pelo testador [9] (artigos 2204.º a 2206.º).
No testamento, “o testador pode nomear uma ou mais pessoas que fiquem encarregadas de vigiar o cumprimento do seu testamento ou de o executar, no todo ou em parte: é o que se chama testamentaria” (artigo 2320.º). O testamenteiro nomeado tem as atribuições que o testador lhe conferir, dentro dos limites da lei (artigo 2325.º), e pode recusar a testamentaria, devendo a recusa ser feita perante o notário (artigo 2324.º) [10], domínio em que se mantém a forma especial para aceitação da renúncia que já constava do Código de 1867 (artigo 1890.º).
Se o testador não especificar as funções do testamenteiro, sendo a vontade daquele apurada de acordo com os critérios de interpretação do testamento enunciados no artigo 2187.º, considera-se, por força da disposição supletiva do artigo 2326.º, que lhe cabem, entre outras competências, as de “vigiar a execução das disposições testamentárias e sustentar, se for caso disso, a sua validade em juízo”, e “exercer as funções de cabeça de casal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2080.º “ [11].
Por último, numa síntese do regime jurídico que regula a testamentaria, deve assinalar-se que o cargo de testamenteiro é gratuito, salvo se o testador lhe assinar alguma retribuição (artigo 2333.º), não sendo transmissível nem delegável, sem prejuízo de servir-se de auxiliares na execução do cargo, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer (artigo 2334.º), devendo o testamenteiro prestar contas anualmente (artigo 2332.º), e podendo ser judicialmente removido, a requerimento de qualquer interessado, se não cumprir com prudência e zelo os deveres do seu cargo ou mostrar incompetência no seu desempenho (artigo 2331.º, n.º 1).
Nesta última norma consagra-se um dos modos de cessação anormal da testamentaria [12], baseada “na falta de qualidade do nomeado (falta de prudência ou de zelo no exercício do cargo ou incompetência revelada no seu desempenho)” [13], incluída na categoria genérica de remoção.
3.1. Nos termos do testamento, foi instituída a Fundação Amália Rodrigues e nomeado executor testamentário um senhor advogado e, no impedimento deste, o seu filho, também ele advogado.
A instituição de fundação por testamento mostra-se consagrada no artigo 185.º do Código Civil, reportando-se o artigo seguinte ao acto de instituição e estatutos, normas que para mais fácil acompanhamento da exposição se transcrevem:
“Artigo 185.º
Instituição e sua revogação
1. As fundações podem ser instituídas por acto entre vivos ou por testamento, valendo como aceitação dos bens a elas destinados, num caso ou noutro, o reconhecimento respectivo.
2. O reconhecimento pode ser requerido pelo instituidor, seus herdeiros ou executores testamentários, ou ser oficiosamente promovido pela entidade competente.
3. A instituição por acto entre vivos deve constar de escritura pública e torna-se irrevogável logo que seja requerido o reconhecimento ou principie o respectivo processo oficioso.
4. Aos herdeiros do instituidor não é permitido revogar a instituição, sem prejuízo do disposto acerca da sucessão legitimária.
5. Ao acto de instituição da fundação, quando conste de escritura pública, bem como, em qualquer caso, aos estatutos e suas alterações, é aplicável o disposto na parte final do artigo 168.º.”

“Artigo 186.º
Acto de instituição e estatutos
1. No acto de instituição deve o instituidor indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe são destinados.
2. No acto de instituição ou nos estatutos pode o instituidor providenciar ainda sobre a sede, organização e funcionamento da fundação, regular os termos da sua transformação ou extinção e fixar o destino dos respectivos bens.”

O Código Civil não contém uma definição de fundação, embora congregue um complexo de normas que permitem traçar a sua disciplina jurídica. Também a doutrina tem trabalhado o conceito [14].
A fundação, como conceito de natureza jurídica, apresenta-se como uma pessoa colectiva de “natureza privada e utilidade social, dotada de património próprio, específica e autonomamente afectado por um ou vários instituidores, visando a realização de uma ou várias finalidades de interesse social (caridade, educação, desenvolvimento científico, das artes e das letras), possuindo, para tanto uma direcção ou administração própria” [15].
Como se referiu no parecer n.º 2/01 deste Corpo Consultivo [16], «A fundação compreende dois elementos: o substrato, a “materialidade anterior à personalização” e o reconhecimento, imprimindo-lhe “de fora a personalidade jurídica”.

O substrato encerra por sua vez: o elemento patrimonial, o elemento teleológico, o elemento intencional e o elemento organizatório.»
Quanto a este último elemento, a teorização essencial para a apreciação e compreensão da questão que nos ocupa foi desenvolvida no parecer n.º 611/00 [17], nos termos que seguem:
«Por último, o «elemento organizatório».
«A fundação é também integrada por uma organização destinada a introduzir «ordenação unificadora» na pluralidade de pessoas e bens existentes.
«Essa organização traduz-se na definição de uma lei interna (estatuto) e dos órgãos indispensáveis para a pessoa colectiva poder funcionar como ente jurídico autónomo (x).
«É, porém, contestado que tal organização seja essencial, na composição do substrato fundacional, argumentando-se com a eventualidade de o ente jurídico poder já existir antes de estabelecida a organização e a possibilidade de a lei – bem como a autoridade competente para o reconhecimento – suprir a falta dela (x1).
«Não se esqueça, todavia, que o artigo 186º, n.º 2, do Código Civil confere algum relevo ao elemento organizatório, quando dispõe poder o instituidor, no acto de instituição ou nos estatutos, providenciar ainda – além da indicação do fim da fundação e da especificação dos bens que lhe são destinados (n.º 1) – «sobre a sede, organização e funcionamento da fundação, regular os termos da sua transformação ou extinção e fixar o destino dos respectivos bens».
«A elaboração dos estatutos pertence, pois, em primeiro lugar ao fundador. Se este os não tiver criado e a instituição for por acto entre vivos [...], a sua elaboração, total ou parcial, incumbe à própria autoridade competente para o reconhecimento (artigo 187º, n.º 2), a qual deverá ter «em conta, na medida do possível, a vontade real ou presumível do fundador» (n.º 3).
«A alteração dos estatutos, por sua vez, pertence também, a todo o tempo, exclusivamente a esta autoridade, sob proposta da administração da fundação, contanto que não haja alteração essencial do fim da instituição e não se contrarie a vontade do fundador (artigo 189º) (x2).
«A administração – mas apenas este órgão – tem unicamente o poder de proposta, não o de decisão da alteração (x3).
«E compreende-se, atendendo à posição externa do fundador enquanto tal relativamente à fundação, e à regra da irrevogabilidade da instituição logo que requerido o reconhecimento ou iniciado o respectivo processo oficioso, que nenhum poder de alteração dos estatutos assista também àquele (x4).
«Quanto aos órgãos, que os estatutos devem designar conforme a disposição geral do artigo 162º, as fundações têm pelo menos dois obrigatórios: um órgão colegial de administração e um conselho fiscal. Posto que o substrato não compreende pessoas ou membros, inexiste aqui qualquer assembleia geral (x5).
«Ponderou-se a este propósito que «as fundações privadas não se encontram sujeitas a qualquer controlo permanente de organismo oficial», inexistindo, por conseguinte, «um sistema geral de tutela administrativa» impendente sobre elas (x6). Do mesmo passo que os administradores são civilmente responsáveis para com a fundação no caso de má gestão, em conformidade com as regras do mandato (artigo 164º).
«É neste conspecto que o Código concebe uma estrutura integrada por conselho de administração e conselho fiscal, pretendendo sublinhar que o exercício das funções administrativa e de controlo pertence a verdadeiros organismos colegiais. Abstendo-se de atribuir efeitos às decisões individuais dos trustees, apenas reconhece a vontade colectiva.
«Assim, conclui o pensamento que estamos a acompanhar, a legislação portuguesa dá testemunho «d'un esprit assez libéral» no tocante às fundações privadas.
«Mas isso não impede que o Governo, no acto do reconhecimento, precedendo acordo prévio do fundador ou em conformidade pelo menos com a vontade manifestada no acto de instituição, fixe os termos em que a fundação fica submetida à tutela da Administração, como já aconteceu (x7).»

3.2. A abordagem então ensaiada não dispensa uma elucidação adicional acerca do elemento organizatório, especificamente no domínio das fundações instituídas por testamento.
No ordenamento jurídico português, a elaboração dos estatutos não é essencial ao negócio de fundação, podendo aqueles vir a ser concretizados em momento ulterior ao negócio fundacional e por pessoa diversa do instituidor [18].
Sobre a elaboração dos estatutos, o artigo 186.º, n.º 2, antes transcrito (Ponto 3.1.) preceitua que o instituidor pode providenciar ou no acto de instituição da fundação ou nos estatutos sobre a sede, organização e funcionamento da fundação, regular os termos da sua transformação ou extinção e fixar o destino dos respectivos bens, e o artigo 187.º contém, por sua vez, normas que clarificam a quem compete a elaboração daqueles e o parâmetro fundamental a que os mesmos devem obedecer.
Com efeito, dispõe este preceito:
“Artigo 187.º
Estatutos lavrados por pessoa diversa do instituidor
1. Na falta de estatutos lavrados pelo instituidor ou na insuficiência deles, constando a instituição de testamento, é aos executores deste que compete elaborá-los ou completá-los.
2. A elaboração total ou parcial dos estatutos incumbe à própria autoridade competente para o reconhecimento da fundação, quando o instituidor os não tenha feito e a instituição não conste de testamento, ou quando os executores testamentários os não lavrem dentro do ano posterior à abertura da sucessão.
3. Na elaboração dos estatutos ter-se-á em conta, na medida do possível, a vontade real ou presumível do fundador.”
Nos casos em que o instituidor o não faz, ou sejam eles insuficientes e constando a instituição de testamento, é aos executores deste que compete elaborá-los ou completá-los.
Não obstante esta injunção, o legislador vai mais longe, cometendo à entidade competente para o reconhecimento o ónus de os elaborar ou completar. Em qualquer dos casos, sejam os estatutos elaborados pelos executores testamentários ou pela autoridade competente, deverá atender-se, na medida do possível, à vontade real ou presumível do fundador.
Os termos em que deve ser atendida a vontade real ou presumida do instituidor é matéria que se abordará mais adiante (Ponto 3.4.1.). Antes, porém, interessa analisar o regime jurídico relativo à organização das pessoas colectivas na perspectiva da sua estrutura e dos órgãos que a compõem, designação dos titulares e duração dos mandatos.


3.3. Sobre os órgãos que devem integrar as fundações e como devem ser compostos, a lei é parcimoniosa em referências.
No Código Civil, no âmbito específico das fundações, menciona-se apenas a administração. Essa alusão aparece nos artigos 189.º, relativo à “Modificação dos estatutos”, 190.º (n.º 1), sobre a “Transformação” da fundação, 191.º (n.º 1), que dispõe sobre o “Encargo prejudicial aos fins da fundação” e no artigo 193.º, sobre a “Declaração da extinção”. Nestes preceitos conferem-se à administração direitos de iniciativa sobre modificação dos estatutos, respeitados certos limites (artigo 189.º), sobre matérias que possam prejudicar os fins da fundação (191.º, n.º 1), e o direito a ser ouvida sobre a transformação da instituição (artigo 190.º).
Consagra-se também um dever imposto à administração: de comunicar à entidade competente para o reconhecimento alguma das causas extintivas da fundação, previstas no artigo 192.º (artigo 193.º).
Alargando o âmbito às regras gerais sobre organização das pessoas colectivas, aplicáveis também às fundações por força do estatuído no artigo 157.º [19], o Código Civil insere uma disposição válida quer para a orgânica das associações quer das fundações.
Preceitua a norma em apreço:
“Artigo 162.º
Órgãos
Os estatutos da pessoa colectiva designarão os respectivos órgãos, entre os quais haverá um órgão colegial de administração e um conselho fiscal, ambos eles constituídos por um número ímpar de titulares, dos quais um será o presidente.”
Com apelo às menções normativas citadas e à norma transcrita interessa indagar como se esboça a orgânica da fundação em concreto.
Detenhamo-nos, um pouco mais, sobre o preceito reproduzido, surpreendendo-lhe o alcance. Na sua origem, o artigo 148.º, n.º 2, do projecto do Código Civil preceituava genericamente que o “estatuto inclui as regras respeitantes à estrutura interna e seu funcionamento (...)”, adiantando-se no artigo 155.º, n.º 1, do mesmo projecto, que “A fundação é administrada e representada por uma direcção”.
Contra o conteúdo e formulação desta última norma se insurgiu Marcello Caetano [20] seja porque o essencial dela já constava do preceituado “no artigo que se refere aos estatutos da fundação e seu conteúdo” (artigo 148.º do projecto) seja porque o órgão gestor da fundação poderia ter outras designações como já acontecia ao tempo, quanto a institutos existentes.
Este Autor sugeriu nova redacção, que passou quase integralmente para a versão final [21].
Da formulação actual decorre que as fundações – tal como, de resto, as associações - podem ter mais do que dois órgãos, como ressalta da próprio texto da lei, quando prevê que os estatutos designarão os respectivos órgãos, entre os quais, haverá um órgão colegial de administração e um conselho fiscal.
A expressão entre os quais indica expressamente que podem existir outros órgãos além do conselho de administração e do conselho fiscal, sendo que estes devem existir obrigatoriamente.
Marcello Caetano [22], discorrendo sobre “quais devem ser normalmente os órgãos das fundações”, e depois de aludir à solução encontrada pelo Conselho de Estado francês[23] a esse respeito, de expressar a posição de Ferrara [24], e passar em revista os estatutos “das mais importantes fundações portuguesas” existentes ao tempo [25], visando surpreender elementos unificadores, extrai as seguintes tendências do direito nacional:
“Assim, e em primeiro lugar, todas são geridas por um órgão colegial – junta, comissão directiva, conselho de administração – que geralmente delega num dos seus membros – presidente, director ou administrador-delegado – as funções executivas.
“A colegialidade do órgão de gerência é imprescindível para assegurar a continuidade da instituição, sempre que a administração desta não seja confiada a certa entidade permanente ex-officio – bispo da diocese, reitor da universidade, governador civil, etc. (...).
“Verifica-se, porém, que no nosso País se tende para, independentemente da tutela administrativa do Estado, se estabelecer uma fiscalização interna da gestão financeira do instituto, a cargo de outro órgão colegial – comissão revisora de contas ou conselho fiscal.
“A vantagem deste órgão é muito grande.
”(...).
“Em qualquer hipótese a existência de um conselho fiscal constituído por forma diversa da junta ou conselho de administração, sobretudo quando o componham representantes de corporações ou instituições perpétuas ou entidades ex-officio (mas não funcionários desprovidos de independência), pode funcionar como elemento corrector da passividade ou irregularidade da administração.”
Não toma o autor posição sobre se a pessoa colectiva pode ou deve possuir outros órgãos.
Sobre o mesmo tema específico não são abundantes as referências doutrinárias [26]. No entanto, Mário de Brito [27], afirma expressamente ser obrigatório que “entre eles [órgãos], haja um órgão colegial de administração (...) e um conselho fiscal.” Também Heinrich Ewald Hörster [28], comentando o artigo 162.º, embora no âmbito da organização das associações, escreve: “O art. 162.º exige como mínimo obrigatório a existência de dois órgãos colegiais, sendo um a administração e o outro o conselho fiscal (que fiscalizará a administração). Os estatutos podem prever ainda outros órgãos.”
Sobre o assunto este Conselho pronunciou-se no parecer n.º 611/00, nos termos já antes assinalados [29].
E que, com frequência, os estatutos prevêem outros órgãos, demonstra-o a consulta de estatutos de fundações mais recentes do que as antes mencionadas e que serviram de fonte de estudo a Marcello Caetano, quer instituídas por particulares ou por estes e o Estado ou outras pessoas colectivas públicas, onde se evidencia a existência de outros órgãos, pese a sua existência se poder imputar aos diplomas legais específicos a seguir citados.
Assim, a Fundação Aga Khan Portugal, criada pelo Decreto-Lei n.º 27/96, de 30 de Março, prevê no artigo 8.º dos estatutos, os órgãos seguintes: presidente, conselho de administração, conselho nacional e o conselho fiscal.
A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, instituída pelo Estado português, através do Decreto-Lei n.º 168/85, de 27 de Maio, sendo a redacção actual do artigo 9.º dos estatutos a dada pelo Decreto-Lei n.º 45/88, consagra no artigo 7.º, além de um conselho directivo e de um conselho executivo, um conselho consultivo.
A Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva, cujos estatutos foram aprovados pelo Decreto-Lei n.º 149/90, de 10 de Maio, compreende, como órgãos, o conselho de administração, o conselho de patronos e o conselho fiscal (artigo 5.º) [30].
A Fundação das Descobertas, instituída pelo Decreto-Lei n.º 361/91, de 3 de Outubro [31], inclui como órgãos: o Presidente, o Conselho directivo, o Conselho de administração, e o Conselho Fiscal (artigo 9.º). Na sua versão inicial, os estatutos incluíam, ainda, um outro órgão: o conselho de mecenas.
Por último, a recente Fundação para a Protecção da Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, com estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 306/2000, de 26 de Novembro, institui como órgãos da fundação, o conselho de administração, o conselho de fundadores, e o conselho fiscal (artigo 5.º).
O exame dos estatutos antes indicados confirma a tendência para incluir outros órgãos além daqueles que devem obrigatoriamente constar.
3.4. Tendo-se analisado e concluído que os estatutos podem comportar mais do que os órgãos imperativamente previstos na lei (conselho de administração e conselho fiscal), importa, agora, investigar se a entidade encarregada de elaborar os estatutos pode, no silêncio do fundador e em caso de instituição de fundação por testamento, consagrar uma estrutura mais complexa do que a exigida na lei.
A este respeito importa ter presente, desde logo e como se afirmou, ser controvertido que o elemento das pessoas colectivas corporizado nos estatutos, onde se integram os órgãos necessários ao funcionamento do ente jurídico, seja elemento essencial do substracto fundacional.
Mas não se contesta a imprescindibilidade dos estatutos à pessoa colectiva, pois que constituem o instrumento definidor da sua estrutura, organização e funcionamento da vida social.
Por outro lado, como decorre da lei, o fundador pode não ter dotado a pessoa colectiva de instrumentos de organização e de gestão. Neste caso, e se a pessoa encarregada de cumprir essa missão o não fizer em prazo certo, ainda assim, o sistema contém uma outra válvula de segurança para que esse ente possa viver: a entidade competente para proceder ao reconhecimento elabora-los-á.
Numa e noutra das situações a vontade do fundador não é, assim, essencial, embora se adiante um critério orientador a ter em conta: o da vontade real ou presumível do fundador.
Esse é um critério tendencial, pois é a própria lei a referir que a ele se atenderá, mas na medida do possível. E se não tiver havido manifestação da vontade do testador, a elaboração dos estatutos será baseada na manifestação de vontade do executor, mas este terá em conta a vontade presumível do testador, como preceituado no artigo 187.º do Código Civil.
3.4.1. A percepção da vontade real ou presumível do fundador, em caso de fundação instituída por testamento, como é a presente, não pode deixar de colher-se nas disposições de última vontade do testador.
O legislador não nos diz o que se deve entender por vontade real ou vontade presumível do fundador, a que se reporta o n.º 3 do artigo 187.º do Código Civil. O recurso aos trabalhos preparatórios também se mostra de valor reduzido, por o texto do projecto ter transitado para a versão final do código sem alterações substanciais [32].
Quanto ao significado da vontade real, os autores identificam-
-na com “o conteúdo da vontade íntima da pessoa” [33], ou a “intenção” desta [34].
Quanto à vontade presumível, esta pretende dar resposta à questão de saber qual a solução que o testador daria num caso se estivesse colocado perante essa situação concreta. Aqui estamos perante uma situação de “julgamento em substituição” da vontade do fundador por quem tem o encargo de elaborar os estatutos.
“Não sendo possível captar directamente o pensamento de outrem, a interpretação da vontade real só pode fazer-se por recurso a elementos objectivos”[35], neste caso as disposições testamentárias.
O testamento, como negócio jurídico formal, de última vontade, pessoal, unilateral, não receptício, revogável e gratuito, suscita, em geral, quanto à interpretação, questões semelhantes às relativas à interpretação dos negócios jurídicos em geral, a que se reportam os artigos 236.º e seguintes do Código Civil.
No entanto, o valor jurídico deste negócio e o seu sentido vinculativo são questões que se colocam já depois da morte do seu autor, e, daí, o “favor testamenti, ou seja, um princípio que preside à matéria da interpretação deste negócio jurídico, dirigido a permitir que o acto, tanto quanto possível, tenha valor e, para além disso, valha segundo a vontade real do testador” [36].
Para interpretar o conteúdo do testamento, o artigo 2187.º do Código Civil, dispõe o seguinte:
“1. Na interpretação das disposições testamentárias observar-
-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.
2. É admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.”
Referem os autores [37] que nesta disposição se consagra a tese subjectivista em matéria de interpretação do testamento, procurando captar a intenção do testador.
A vontade do testador, entendida como uma vontade “efectiva, psicológica de certo modo histórica do testado” [38], subjectiva, é erigida em princípio geral, embora com um limite de validade: o sentido da vontade real tem que se ajustar ao contexto do testamento.
A jurisprudência segue passos idênticos aos da doutrina, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Julho de 1979 [39].
Para interpretar o testamento e captar a vontade real ou presumível do testador, a lei confere ao intérprete “quatro coordenadas”.
“Em primeiro lugar, o intérprete deve procurar o sentido mais ajustado à vontade do testador(...).
“Em segundo lugar, manda-se atender, na interpretação de cada disposição, ao contexto do testamento.(...).
“Em terceiro lugar, (...) o novo Código (n.º 2 do art. 2187.º) abre declaradamente as portas à prova complementar, ou seja, aos elementos exteriores à declaração testamentária, mas capazes de auxiliar a determinação da vontade real do testador.
(...)
“Por último, na parte final do n.º 2, o artigo 2187.º estabelece o limite de que o carácter formal do testamento não prescinde para a relevância da última vontade do testador.” [40]
Em síntese, para se alcançar a vontade psicológica do testador, a mens testantis, o intérprete deve atender ao contexto do testamento, sendo este um meio para a encontrar, podendo ainda lançar mão de prova complementar ou extrínseca ao testamento. No entanto, essa prova complementar não surtirá efeito se dela resultar uma vontade do testador que não tenha no contexto do testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
O legislador não estabelece limites quanto aos meios de prova atendíveis, deixando ao intérprete uma grande margem quanto aos elementos a atender.
Neste domínio, refere Carvalho Fernandes “que têm cabimento elementos que possam constar de instruções ou recomendações escritas deixadas pelo testador, para além do seu testamento, ainda que não preencham plenamente os requisitos enumerados no artigo 2184.º e, como tal, não sejam aptas a desempenhar o papel que neste preceito lhes é atribuído.”
“Mas é também admitido o recurso a prova testemunhal, a qual pode fornecer elementos relativos a certos hábitos de linguagem do testador, que tornem decifrável o sentido aparentemente obscuro, até aberrante, de certa cláusula.” [41]
No entanto, a inexistência expressa de um limite legal aos meios de prova para determinação da vontade não significa que ele não exista. E o mesmo decorre - embora com uma extensão menos exigente do que a que deriva do disposto no artigo 238.º do Código Civil -, da circunstância de se tratar de um negócio formal, consubstanciado ou em acto público ou em documento particular.
Com efeito, suportando-se o testamento num documento escrito, o texto do negócio é a matriz que determina e delimita o apuramento da vontade dos seus autores. Ou, dizendo de outro modo, “o sentido vinculante conforme à vontade dos seus autores só é aceite se tiver no texto do negócio, um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso” [42].
No testamento, como decorre do preceituado no artigo 2187.º, o sentido da disposição testamentária, encontra-se não por recurso à letra de cada disposição testamentária isoladamente considerada, mas segundo o contexto em que essa disposição se insere, ou seja, de todo o documento que titula o negócio.
E, assim, para o apuramento exacto do sentido de certa disposição quanto à sua conformação com a vontade do testador é legítimo recorrer-se a outras disposições do mesmo documento, e o sentido assim encontrado “só não poderá valer se, no conjunto da expressão verbal do testamento (contexto), ela não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso” [43].
Refira-se, ainda, que o legislador estipula outras regras interpretativas da vontade do testador, nos artigos 2225.º a 2229.º do Código Civil [44], as quais só funcionam na falta de manifestação de vontade do testador no domínio a que cada uma se refere, as quais não são aqui objecto de maior desenvolvimento por desnecessárias à dilucidação da questão em exame.
3.4.2. Pode acontecer que, não obstante todo o esforço interpretativo, não seja possível colher do texto testamentário nenhum sinal quanto à vontade do testador. Por isso, interessa indagar se há e quais são os limites a que o executor do testamento se acha vinculado quanto ao cumprimento das disposições testamentárias no que se refere à implementação de uma fundação de direito privado, nomeadamente quanto à elaboração dos seus estatutos.
Como já assinalámos, o legislador é parco em referências quanto à elaboração dos estatutos. O artigo 187.º do Código Civil refere tão-só que se o instituidor os não lavrar, ou sendo eles insuficientes, o encargo de os elaborar ou de os completar cabe ao executor do testamento; além disso, a Administração, através da entidade competente para o reconhecimento, deve elaborar os estatutos se o fundador ou o executor testamentário o não fizeram. Em qualquer dos casos – elaboração dos estatutos pela autoridade competente para o reconhecimento ou pelo executor testamentário – ter-se-á sempre em conta, na medida do possível, a vontade real ou presumível do fundador.
Nada diz a lei quanto aos limites a atender nos casos em que não é possível captar a vontade real ou presumível do fundador.
Mas a lei fornece desde logo um indicador: a conformidade com a vontade real ou presumível do fundador não é um desígnio absoluto, porquanto é o próprio legislador a conferir-lhe relevo na “medida do possível”.
E, assim, se a vontade real ou presumível do fundador não é um limite absoluto a salvaguardar [45], podendo, em alguns casos, como acontece quando ocorre a transformação da fundação, proceder a “alterações estatutárias mesmo contra a própria vontade do instituidor” [46], há que indagar se a ordem jurídica opõe outros limites à organização de uma fundação nos termos a consagrar nos estatutos que a irão reger.
Como exigência inultrapassável deve, desde logo, assinalar-se a que decorre de a organização da pessoa colectiva dever ser moldada no sentido de poder responder aos fins para que foi criada.
Os estatutos, enquanto instrumento que rege a organização, funcionamento e gestão da pessoa colectiva [47], são a lei interna em que aqueles que hão-de concretizar os fins da fundação se apoiarão para os poder efectivar.
Importante é que nos estatutos se contenham as coordenadas essenciais que reconheçam aos administradores da fundação ampla competência para prossecução dos fins estatutários, com liberdade de adaptação da obra às circunstâncias e até aos limites dessa possibilidade, focalizada na vontade expressa ou presumida do instituidor.
No respeito pelo fim, a autonomia da vontade, enquanto princípio enformador do direito civil, tem uma ampla liberdade de conformação, condicionada pelo acatamento das normas de natureza imperativa que regem o objecto negocial, designadamente se este é ofensivo dos bons costumes ou contrário à ordem pública (artigo 280.º do Código Civil).
Não diz a lei o que se deve entender por respeito pelos bons costumes ou pela ordem pública [48] e seria impossível fazê-lo, cabendo ao julgador a missão de em cada caso concreto apreciar se ela se verifica, como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela [49].
Sobre estes dois conceitos extracta-se, apesar da extensão, o que escreve Menezes Cordeiro [50]:
“O Código Civil aproxima muitas vezes “bons costumes”, “ordem pública” e “boa fé”. Trata-se, contudo, de conceitos distintos, todos dotados de história e dogmática próprias. (...).
“No tocante à boa fé, a distinção está feita: os bons costumes não apelam a valores fundamentais do ordenamento, concretizados pelos princípios mediantes da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente. Antes têm a ver com regras circunscritas e acolhidas, do exterior, pelo sistema.
“Se analisarmos os casos de concretização dos bons costumes na experiência alemã, encontramos dois grandes grupos: hipóteses que se prendem com princípios cogentes da ordem jurídica e hipóteses que já se ligarão à “moral social”. Os primeiros encontram solução no sistema: têm a ver com a ordem pública. Repare-se, o direito alemão que não refere, expressamente, a ordem pública, fica na contingência de tudo inserir nos bons costumes.
“A lei portuguesa distingue. Dá-nos, assim, uma melhor dogmática.
“IV. O Direito civil reconhece regras a que empresta um conteúdo jurídico mas que, por razões de circunspecta tradição, nunca refere de modo expresso. Estão nestas condições as regras de comportamento sexual e familiar e que, no fundamental, têm o seguinte conteúdo: não são admissíveis negócios jurídicos - excluindo os actos próprios do direito da família e que a lei tipifica – que tenham por objecto prestações que envolvam relações familiares ou condutas sexuais.
“Podemos ainda alargar este universo a regras deontológicas, formuladas por instâncias profissionais próprias.
“Os bons costumes envolvem essas duas áreas: códigos de conduta sexual e familiar e códigos deontológicos, que a lei não explicita mas que são de fácil reconhecimento objectivo, em cada momento social. (...)”.
E, discorrendo sobre a “ordem pública” acrescenta, a seguir: “I. Ao contrário dos bons costumes, a ordem pública constitui um factor sistemático de limitação da autonomia privada. Podemos alcançá-la através de considerações muito simples. A autonomia privada é limitada por normas jurídicas imperativas. Todavia, o sistema não inclui apenas normas, a retirar das fontes, pela interpretação: ele abrange, antes, também princípios, a construir pela Ciência Jurídica. Tais princípios correspondem a vectores não expressamente legislados, mas de funcionamento importante. Eles podem ser injuntivos. Muitas vezes, eles prendem-se com bens de personalidade: justamente uma área onde, mercê dos valores em presença, a autonomia privada surge limitada. Nesse sentido é paradigmática a proibição do artigo 81.º/1.
“II. São, assim, contrários à ordem pública contratos que exijam esforços desmesurados ao devedor ou que restrinjam demasiado a sua liberdade pessoal ou económica. Também são contrários à ordem pública negócios que atinjam valores constitucionais importantes – por exemplo: uma obrigação de não trabalhar – ou dados estruturantes do sistema.”
Os conceitos indeterminados de “ordem pública” e “bons costumes”, como se deixaram enunciados, configuram-se, assim, como cláusulas gerais balizadoras e limitadoras de abusos da autonomia privada, que intervêm onde inexistir uma norma legal, impedindo a concretização de certo negócio.
4.
Feita a aproximação teórica às questões colocadas, é altura de ensaiar as resposta a cada uma delas.
4.1. Sobre a primeira pergunta, a resposta parece não suscitar nenhuma dúvida. A lei só impõe, e esse é o limite da sua imperatividade, que existam, pelo menos, dois órgãos colegiais: o conselho de administração e o conselho fiscal.
Tudo o que ultrapasse esse limite mínimo [51] fica na disponibilidade do instituidor ou da pessoa encarregada de elaborar os estatutos, embora respeitando a vontade real ou presumível do fundador, não sendo o próprio a elaborá-los.
Não se dispondo de elementos explícitos quanto à vontade da fundadora nesse sentido, não pode afirmar-se que a criação dos órgãos em apreço – o conselho geral e o presidente – esteja em desconformidade com a vontade presumível da fundadora.
Desde logo, no testamento, o executor testamentário ficou incumbido não só de “elaborar integralmente os estatutos da Fundação Amália Rodrigues”, como o de “fazer tudo o que for necessário para que a dita fundação atinja os seus objectivos”.
A formulação tão ampla e generosa desta disposição faz supor uma absoluta confiança da instituidora na pessoa do seu executor testamentário, ao incumbi-lo de fazer tudo o que necessário seja para que a fundação alcance os seus fins.
E essa confiança reforça-se se tivermos presente que o executor testamentário era o seu advogado, a quem foi conferido mandato com poderes muito amplos, incluindo poderes forenses gerais e especiais e nestes o de substabelecer, atitude que não seria compreensível se a testadora não depositasse nele a sua confiança.
Poderá também afirmar-se que a procuração e o testamento foram lavrados cerca de dois anos antes da morte da instituidora e se, durante esse período, em algum momento tivesse perdido a confiança nele, teria tido oportunidade de proceder a alterações a uma e a outro.
Além disso, se a testadora nada disse no testamento - e podia tê-lo feito, quanto ao número e tipos de órgãos que a fundação deveria possuir - e devolveu o encargo de toda essa regulamentação ao executor testamentário, esse silêncio conjugado com os amplos termos em que redigiu o testamento, incumbindo aquele de fazer tudo o que for necessário para que a fundação atinja os seus objectivos, faz supor que se conformaria com as opções por ele tomadas.
Por outro lado, a inclusão de um órgão consultivo, com as competências elencadas no artigo 19.º, a quem incumbe dar parecer sobre as “orientações genéricas que hão-de presidir à actividade da fundação” (n.º 1) e, ainda, dar parecer sobre o orçamento e o plano de actividades [n.º 2, alínea a)] e eleger o conselho fiscal [n.º 2, alínea d)] apresenta-se com razão de ser na vida da pessoa colectiva.
Tal órgão tem uma intervenção indirecta sobre o controlo do conselho de administração na medida em que elege o conselho fiscal a quem cabe verificar a regularidade das contas da fundação; por outro lado, pode constituir-se garante da prossecução dos fins da fundação através dos pareceres que emita, sobre as matérias em que é chamado a pronunciar-se.
De igual modo, quanto ao “presidente”, as competências que lhe são cometidas e que se analisarão adiante (Ponto 4.2) não se mostram desconformes ao quadro legal vigente.
Por todas estas razões e considerando a matéria de facto assinalada, responde-se à primeira questão no sentido de que, no caso concreto, a criação dos órgãos (presidente e conselho geral) nos estatutos da fundação não se mostra incompatível com a lei, nem com a vontade presumível da instituidora.
4.2. Na segunda questão, pretende-se saber, em caso de resposta afirmativa à primeira, como foi dada, se o executor testamentário pode ver atribuído a si próprio, no âmbito dos estatutos da fundação que ele próprio estava obrigado por lei a elaborar [52], o exercício vitalício do cargo de presidente dessa mesma fundação ? E com as competências ali previstas ?
Como se assinalou, o legislador não estabelece limites quanto aos termos em que serão designados os titulares dos órgãos sociais. É matéria que releva por um lado da autonomia da vontade do fundador ou de quem elabore os estatutos, embora com respeito pela vontade real ou presumível daquele, e, bem assim, da obediência, como em qualquer negócio jurídico, às regras da boa fé, da ordem pública e dos bons costumes - por, manifestamente in casu, não se mostrar contrário à lei, ser de objecto indeterminável ou legalmente impossível.
Também quanto à instituição de cargos vitalícios a lei não estabelece restrições, e, na prática, em algumas situações, como acontece quanto às fundações Aga Khan, Calouste Gulbenkian, Ricardo Espírito Santo Silva [53], e também na Fundação Manuel Francisco Clérigo [54], a vitaliciedade dos cargos foi consagrada.
Com efeito, a Fundação Calouste Gulbenkian prevê não só que um dos lugares do conselho de administração será, de preferência, preenchido por descendente em linha recta do fundador (artigo 12.º), como também que o titular desse lugar e os vogais do conselho de administração escolhidos pelo fundador no testamento em que criou a fundação serão vitalícios (artigo 18.º).
De igual modo, a Fundação Aga Khan Portugal estabelece no n.º 2 do artigo 9.º a vitaliciedade do cargo de presidente.
Também na Fundação Manuel Francisco Clérigo, o fundador, no testamento, atribuiu aos administradores carácter vitalício [55].
É certo que esta não é uma regra universal, pois também se surpreenderam situações em que se estabeleciam mandatos limitados no tempo, variando a sua duração entre dois e cinco anos, como acontece nos Estatutos das seguintes fundações: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (artigos 9.º e 12.º), na Fundação Arpad Szènes Vieira da Silva (artigo 6.º) [56], e na Fundação das Descobertas (artigos 13.º, 15.º e 19.º).
Os limites quanto à criação de cargos vitalícios são, também aqui, os antes assinalados.
Não havendo norma que impeça a designação do próprio executor testamentário para integrar os corpos sociais, nem que tal cargo não possa ser vitalício [57], a inclusão de normas estatutárias com um tal conteúdo só será de rejeitar se se mostrarem desconformes à vontade real ou presumida do fundador ou desrespeitarem algum dos requisitos do objecto do negócio antes mencionados [58].
Como se referiu, os termos das disposições testamentárias e da procuração levam a supor uma forte relação de confiança entre a testadora e o seu advogado, que não é infirmada por nenhum elemento de prova de que se disponha, e não é de excluir que a própria pretendesse que os estatutos tivessem sido redigidos nos termos em que o foram.
Pode até afirmar-se, em conforto desta afirmação, que o testamenteiro será a pessoa mais talhada para levar por diante a concretização da obra pensada pela fundadora, face à relação de confiança e aos amplos poderes de que goza e, por outro lado, à inexistência de elemento de facto que negue a conveniência da solução adoptada.
Por outro lado, as competências assinadas ao presidente não representam ofensa a normas imperativas ou a princípios jurídicos que regulam a matéria.
Com efeito, no que se refere à competência mencionada sob a alínea a) do artigo 12.º do Estatutos, relativa à representação da fundação pelo presidente, respeita o comando ínsito no n.º 1 do artigo 163.º do Código Civil, que devolve para os estatutos a fixação da entidade a quem cabe a representação da pessoa colectiva [59].
Socorrendo-nos dos estatutos de outras fundações, essa competência vem expressamente mencionada na Fundação das Descobertas [artigo 13.º, n.º 2, alínea e)].
A competência consagrada na alínea b) do mesmo preceito, pela qual se confere o poder de nomear os membros do conselho geral, órgão este com simples funções consultivas excepto no que se refere ao conselho fiscal, cujos titulares lhe cabe eleger, também não ofende qualquer norma de carácter imperativo.
As alíneas c) e d) são regras clarificadoras, e não mais do que isso, do funcionamento de órgãos colegiais. Para as associações está expressamente previsto, no artigo 171.º do Código Civil [60], que o órgão da administração e o conselho fiscal são convocados pelo presidente e que este, além do seu voto, tem voto de desempate [61].
Apesar de inserida sistematicamente na secção relativa às associações, parece impor-se a sua aplicação às fundações, por se tratar de norma incluída no capítulo II, que respeita às pessoas colectivas, e o preceito que abre esse capítulo mandar aplicar às fundações as disposições nele inseridas.
Por outro lado, quando se coteja o lugar paralelo do funcionamento dos órgãos da administração pública, no contexto do procedimento administrativo, encontram-se similitudes com as regras previstas nos estatutos. Com efeito, o artigo 14.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) refere que cada órgão terá um presidente, salvo se a lei dispuser de outro modo (n.º 1), que ao presidente compete dirigir os trabalhos (n.º 2), e que as reuniões extraordinárias são convocadas pelo presidente (artigo 17.º), que também tem voto de qualidade em caso de empate na votação (artigo 26.º).
Quanto à alínea e), que respeita à emissão de regulamentos internos de funcionamento da fundação, trata-se de uma acção necessariamente dirigida à boa prossecução dos fins da pessoa colectiva e forçosamente condicionada àqueles fins e aos estatutos da fundação.
Por último, quanto à competência prevista na alínea f), pela qual o presidente fica investido da competência de organizar e dirigir os serviços e actividades da fundação, parece estar-se perante uma actividade meramente burocrática, de vocação interna, para a organização e direcção dos serviços e actividades.
Também aqui não se vê que ao presidente não possam ser cometidas tais funções.
Em síntese, a resposta à segunda questão só pode ser afirmativa, em qualquer uma das suas variantes.
4.3. Quanto à última pergunta, mantém-se idêntica aproximação metodológica, devendo a resposta buscar-se nos quadros já antes enunciados.
De tudo quanto se disse resulta que não existe norma legal que impeça que o fundador estabeleça nos estatutos um sistema de sucessão de quem pode desempenhar os cargos sociais.
Casos se conhecem em que o próprio instituidor estabeleceu um modelo de designação dos futuros administradores [62].
Ao inexistir entrave legal para que o fundador estabeleça uma regra através da qual se fique antecipadamente a conhecer quem poderá suceder num determinado cargo, então a questão só se coloca se a norma estatutária exarada pelo executor testamentário não respeitou a vontade real ou presumida do instituidor.
E, nesse domínio, os argumento antes enunciados valem também para esta questão, devendo afirmar-se, face à matéria de facto antes assinalada, que se não encontra fundamento para considerar desconformes à vontade presumida da instituidora a referida norma estatutária.
5.
Termos em que se extraem as seguintes conclusões:
1. Instituída uma fundação por testamento, o executor testamentário ao elaborar os estatutos deve atender à vontade real ou presumível do testador;
2. Para captar a vontade do instituidor há que considerar o conteúdo do testamento, devendo observar-se o que parecer mais ajustado com a vontade do testador na interpretação das disposições testamentárias, recorrendo-se, se necessário, a prova complementar, embora não produza qualquer efeito a vontade do testador, assim determinada que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (artigo 2187.º do Código Civil);
3. O regime jurídico das pessoas colectivas, e das fundações em particular, não obsta a que, em caso de instituição de fundação por testamento e na ausência de manifestação de vontade do fundador, se consagre uma estrutura organizativa mais complexa do que a estrutura mínima obrigatória prevista no artigo 187.º do Código Civil, preservados os fins da fundação e observada, na medida do possível, a vontade presumível daquele;
4. De igual modo, observados os critérios mencionados na conclusão anterior, não se mostram desconformes com a lei as disposições estatutárias pelas quais o executor testamentário atribui a si próprio o exercício vitalício do cargo de presidente da fundação, nem que a sucessão neste cargo se encontre pré-determinada nos estatutos.








[1] Informação n.º 8/2000, proc. n.º 212/2000, do Livro H-13, que analisou um pedido de intervenção para averiguação de eventuais ilegalidades relacionadas quer com os estatutos quer com o testamento em que foi instituída a Fundação Amália Rodrigues.
[2] Despacho de 1 de Março de 2001.
[3] O testamento foi lavrado em 30 de Outubro de 1997 - cerca de dois anos antes do decesso da testadora, que faleceu a 6 de Outubro de 1999 -, na sua residência e “fora das horas regulamentares a pedido da interessada”, perante a ajudante principal do 15.º Cartório Notarial de Lisboa “por se encontrar vago o lugar de Notário”, na presença de duas testemunhas e com a intervenção de dois peritos médicos, tendo, no final, sido feita – como consta do mesmo – “a leitura e explicação do conteúdo do testamento à outorgante, em voz alta e na presença simultânea de todos”.
[4] A escritura pública de constituição dos estatutos foi celebrada no Cartório Notarial de Sesimbra, em 10 de Dezembro de 1999, constando aqueles de documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código do Notariado e que daquela faz parte integrante, como decorre da publicação efectuada no Diário da República, III Série, n.º 301, de 29 de Dezembro de 1999, págs. 27 169 a 27 171.
[5] Os artigos que não se transcreveram, por desnecessários à economia do parecer, são, respectivamente: artigo 6.º, com epígrafe “Cooperação com a administração pública e outras entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos”, incluído no Capítulo I, alusivo à “Natureza e fins”; os artigos 7.º, relativo à “Capacidade jurídica”, 8.º, sobre “Património”, e 9.º, sobre “Receitas”, constituindo os três o Capítulo II, que se reporta à “Capacidade jurídica e património”, e os artigos 20.º, sobre “Modificação dos estatutos e extinção da Fundação”, 21.º, relativo ao “Carácter gratuito do exercício de funções”, e 22.º, que respeita à “Destituição dos membros dos órgãos da Fundação”, os três últimos incorporando o Capítulo IV.
[6] A procuração foi outorgada na residência da mandatária, perante uma 2.º ajudante do 15.º Cartório Notarial de Lisboa, afirmando-se que os poderes conferidos foram ditos “por minuta exibida”.
[7] Notar-se-á que a invocação da vontade real da testadora nos artigos 11.º, n.º 1, e 23.º, não cobra fundamento no texto do testamento, que em lugar algum refere expressamente que o executor testamentário deva ser o presidente da fundação.
[8] Na nota anterior, aludiu-se ao uso de expressões nos estatutos que não se mostram suficientemente suportadas no texto do testamento. Agora, anota-se que o objecto da fundação mencionado no artigo 5.º dos estatutos não comunga de inteira identidade com o texto da disposição de última vontade. Com efeito, no testamento estabelece-se, de modo imperativo, que “a Fundação Amália Rodrigues destinará semanalmente 15 por cento dos seus rendimentos líquidos anuais à ‘Casa do Artista’“ e “destinará 15 por cento dos seus rendimentos líquidos anuais” ao Centro de Saúde ou de enfermagem e primeiros socorros do Brejão, caso este venha a ser constituído.
O cotejo entre a letra do testamento e o texto estatutário – artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) – evidencia que, onde naquele se impunha uma obrigação, consubstanciada no uso da forma verbal ‘destinará’ se transformou neste numa faculdade, face ao uso da expressão ‘a Fundação (...) poderá contribuir com 15% dos seus rendimento líquidos anuais’.
[9] Pode também ser escrito e assinado por outra pessoa a rogo do testador, ou escrito por outra pessoa a rogo do testador e por este assinado.
[10] Contrariamente à recusa que deve ser expressa, a aceitação pode ser tácita (artigo 2323.º).
[11] Este preceito, sob a epígrafe “A quem incumbe o cargo”, preceitua:
“1. O cargo de cabeça-de-casal defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal:
b) Ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário;
c) Aos parentes que sejam herdeiros legais;
d) Aos herdeiros testamentários.
(...)”.
[12] O outro é o de não haver acordo entre os testamenteiros sobre o exercício do cargo, um e outro dos modos incluídos na categoria genérica da remoção (n.º 2 do artigo 2331.º).
[13] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, anotação ao artigo 2332.º, pág. 515.
[14] Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil. Parte Geral, 2ª edição revista e actualizada, vol. I, Coimbra, 1954, págs. 368 e segs.; Manuel a. Domingues de andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1983, págs. 45 e segs.; Marcello Caetano, Das Fundações, Ática, 1962; A. Ferrer Correia, Le régime juridique des Fondations Privées, Culturelles et Scientifiques, «Estudos Vários de Direito» (2.ª Tiragem), Coimbra - 1982, pág. 477; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição actualizada, Coimbra Editora, 1994, pág. 281 e segs.; Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 2.ª edição, Lex, Lisboa 1995, pág. 345 e segs.; Carlos Blanco de Morais, Da relevância do direito público no regime jurídico das fundações privadas, «Estudos em memória do Professor João de Castro Mendes», Lisboa, s/ data, págs. 553 e segs., que afirma no início: “As fundações conformam uma categoria de pessoas colectivas sem fins lucrativos, cuja fisiologia jurídica tem demonstrado ser relativamente obscura quanto à respectiva natureza institucional, sensivelmente atípica no respeitante ao seu quadro constitutivo e objectivamente escassa e fragmentária, quanto à sua elaboração doutrinária”. Especificamente sobre as fundações particulares de solidariedade social, Carla Amado Gomes, Nótula Sobre o Regime de Constituição das Fundações Particulares de Solidariedade Social em Portugal, «Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa», Vol. XL, n.º 1 e 2, Coimbra editora, 1999, págs. 157 e segs.
[15] Parecer n.º 11/88, de 26 de Maio.
[16] Votado na sessão de 17 de Abril e homologado por despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, por despacho de 6 de Junho de 2001, a aguardar publicação.
[17] Votado na sessão de 11 de Janeiro, homologado por despacho de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, de 23 de Janeiro, e publicado no Diário da República, II Série, n.º 55, de 6 de Março de 2001, págs. 4218 e segs.
(x) ANDRADE, op. cit., pág. 63; MOTA PINTO, op. cit., págs. 275 e seguintes.
(x1) Cfr. ANDRADE, ibidem.
(x2) Sobre este sistema, FERRER CORREIA, Le régime juridique, págs. 497/498; FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ, Algumas notas, págs. 338 e seguintes.
E caberá de novo rememorar que quando se fala em «vontade» do fundador como lei suprema da fundação, ou em respeito por essa «vontade», aquilo que em rigor está em jogo, nas palavras dos citados autores (pág. 341), é uma vontade «objectivada» ou «estabilizada» num certo momento histórico, aquele que corresponde ao acto de fundação ou fase genética da organização fundacional. Uma vontade que se «corporizou» no acto de instituição e nos estatutos, e não uma qualquer «vontade» que se vá adaptando ou alterando ao longo do tempo. A única excepção prevista refere-se à transformação da fundação (artigo 190º), em que a lei, atendendo à importância da mutação do fim, manda ouvir, além da administração, também o fundador se for vivo.
(x3) Observe-se lateralmente que a proposta não se limita a possibilitar técnico-–organizatoriamente a decisão. Vai ao ponto de antecipar de algum modo a decisão final, apresentando-se nessa medida portadora de um certo «coeficiente decisório». Mas não se segue daí que esta natureza seja já por si juridicamente relevante. Posto que tal função cabe por lei apenas à decisão da entidade competente, a virtualidade decisória da proposta da administração é ultima ratio unicamente imputável àquela – cfr., em específico contexto, JOHANNES BALTZER, Der Beschluss als rechtstechnisches Mittel organschaftlicher Funktion im Privatrecht, «Beiträge zum Zivilrecht und Zivilprozess», 14.. Heft, G. Grotesche Verlagsbuchhandlung KG, Köln und Berlin, 1965, págs. 116 e seguinte. Não pode assim falar-se sequer de uma competência concorrente do conselho de administração em matéria de alteração dos estatutos.
(x4) FERRER CORREIA, ibidem; FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ, ibidem
(x5) LARENZ/WOLF, op. cit., pág. 250, nota à margem nº 18.
(x6) FERRER CORREIA, Le régime juridique, págs. 499/450.
No tocante ao tema, veja-se o desenvolvido estudo de MARCELLO CAETANO, Das Fundações, págs. 95 e seguintes.
O artigo 161º do Código Civil, expressão sobressaliente de tutela das pessoas colectivas privadas reguladas no Código Civil, foi como se sabe revogado pelo Decreto-Lei
nº 496/77, de 25 de Novembro.
(x7) FERRER CORREIA, ibidem, que continuamos a seguir.
[18] Não assim no direito belga onde o acto de fundação deve incluir os estatutos da instituição a criar. Cf. Henri de Page, Traité Élémentaire de Droit Civil Belge, Tomme Deuxième (Les Personnes), Volume I, Quatrième Édition, Bruylant Bruxelles, 1990, pág. 455: “Tout acte de fondation doit contenir les status de l’établissement à créer”. O regime geral vigente em Espanha – Ley 30/94, de 24 noviembre, de fundaciones y de incentivos fiscales a la participación privada en actividades de interés general - parece estabelecer um sistema dual, consoante a instituição se faça por acto inter vivos ou mortis causa. No primeiro caso, a escritura de constituição da fundação deve conter os estatutos [artigos 7.º, n.º 2, e 8.º, alínea d)]; no segundo caso, permite-se que o instituidor se limite a manifestar a vontade de criar uma fundação e de dispor dos bens ou direitos que constituirão a dotação, deixando para a escritura pública a celebrar pelo executor testamentário “albacea testamentario” os demais requisitos exigidos pela Lei (artigo 7.º, n.ºs 3 e 4).
[19] Com a epígrafe “Campo de aplicação”, este artigo dispõe:
“As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.” (Destacado)
[20] Ob. cit., págs. 183-4.
[21] O texto do artigo em apreço, incluído na ob. cit., pág. 199, é o seguinte:
“Art. F
(Órgãos. Poderes dos seus titulares)
1. Os estatutos das pessoas colectivas designarão os respectivos órgãos, mas haverá sempre dois corpos gerentes, dos quais um órgão colegial de administração e um conselho fiscal.
(...).”
[22] Ob. cit., págs. 89 e 90.
[23] Que, nos estatutos-tipo das fundações, previa, “apenas, a existência dum conselho relativamente numeroso, que no seu seio elegerá um bureau constituído por presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro”. (Ob. cit., pág. 85.)
[24] Que também menciona apenas o conselho de administração, com sua junta ou comissão directiva – ibidem.
[25] Fundação da Casa de Bragança, criada pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 23 240, de 21 de Dezembro de 1933; Fundação Ricardo Espírito Santo, reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 39 190, de 27 de Abril de 1953; Fundação Calouste Gulbenkian, reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 40 690, de 18 de Julho de 1956; Fundação António Inácio da Cruz, reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 40 761, de 7 de Setembro de 1956; Fundação denominada Escola Quinta da Lageosa, criada pelo Decreto-Lei n.º 41 571, de 25 de Março de 1958; e, por fim, a Fundação Raquel e Martin Sain, reconhecida pelo Decreto-
-Lei n.º 42 117, de 21 de Janeiro de 1959.
[26] Ferrer Correia, ob. cit., pág. 499, refere expressamente: “Toute fondation privée aura obligatoirement deux organes: un conseil d’administration et un conseil de surveillance.” Uma leitura apressada desta passagem poderia levar a supor que o Autor perfilha a ideia de que só poderão existir dois órgãos. Não parece ser esse o entendimento exacto a dar ao excerto. O que terá querido dizer é que podem existir outros órgãos, mas estes têm de existir imperativamente.
[27] Código Civil Anotado, Edição do autor, 1967, anotação ao artigo 162.º, pág. 179.
[28] A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 399.
[29] E ainda no ponto IV.5 onde expressamente se menciona, aludindo à Fundação para a Prevenção e Segurança: “Estipula a lei, como sabemos (supra, III, 5.1.4), apenas dois órgãos obrigatórios - um órgão colegial de administração e um conselho fiscal (artigo 162º do Código Civil) -, mas isso nada impede o fundador de arquitectar um esquema orgânico mais complexo, como no caso sucede.”
[30] Interessa mencionar que o conselho de patronos é constituído por “todas as pessoas a quem o conselho de administração, por deliberação devidamente fundamentada, entenda, em qualquer momento atribuir essa qualidade, tendo em atenção a importância das liberalidades feitas à Fundação ou os serviços a esta prestados, bem como a relevância de actuação em áreas que importem à realização do seu fim estatutário” (artigo 11.º).
[31] Alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 103/93, de 5 de Abril, 130/96, de 13 de Agosto, e 391/99, de 30 de Setembro.
[32] O n.º 2 do artigo 58.º do Projecto, que se mostra publicado no BMJ, n.º 67, pág. 247 e segs., dispunha: “Na elaboração do estatuto ter-se-á em conta o mais possível a vontade real ou hipotética do fundador”.
[33] J. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, edição da AAFDL, 1979, pág. 131.
[34] Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Volume I, 4.ª edição renovada, Coimbra Editora, 2000, pág. 196.
[35] J. Castro Mendes, ob. e loc. cit.
[36] Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, Quid Juris? Sociedade Editora, Lisboa – 1999, pág. 471.
[37] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume VI (artigos 2024.º a 2334.º), Coimbra Editora, 1998, pág. 302; Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Volume I, 4.ª Edição Renovada, Coimbra Editora, 2000, pág. 196; Luís A.. Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 472; E. Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, edição da AAFDL, 1988, págs. 160 e segs.; e João de Castro Mendes, Interpretação do Testamento: prova complementar; competência do Supremo Tribunal de Justiça, «Revista de Direito e de Estudos Sociais», Jan-Set. 1977, ano XXIV, n.ºs, 1-2-3, págs. 102 e 103.
[38] Castro Mendes, Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIV, pág. 103.
[39] Publicado no BMJ, n.º 288 (Julho 1979), pág. 429.
[40] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 304 e 305.
[41] Ob. cit., pág., 473.
[42] Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 473.
[43] Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 474.
[44] As normas em causa integram a Secção I (Disposições Gerais) do Capítulo VI, relativo ao “Conteúdo do testamento” e respeitam às seguintes matérias: 2225.º (Disposição a favor de uma generalidade de pessoas), 2226.º (Disposições a favor de parentes ou herdeiros legítimos), 2227.º (Designação individual ou colectiva dos sucessores), e 2228.º (Designação de certa pessoa e seus filhos).
[45] Nem o legislador o poderia fixar em tais termos, tanto mais que, se assim fosse e nas fundações instituídas por testamento, quedariam fora de solução as situações em que das disposições testamentárias não fosse possível alcançar qual a vontade do fundador nesse domínio, como implicitamente decorre do disposto no artigo 2187.º do Código Civil.
[46] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil ..., volume I, pág. 184. Quanto aos limites da vontade do instituidor no direito espanhol, vd. Alícia Real Pérez, La voluntad del fundador en el derecho de fundaciones, «Manual de Fundaciones», coordenado por Alberto Ruiz Ojeda, editorial Civitas, Madrid, 1999, págs. 74 a 78.
[47] E a sua transformação ou extinção bem como o destino dos respectivos bens, como se menciona no n.º 1 do artigo 186.º do Código Civil.
[48] Sobre estas duas figuras jurídicas veja-se: Vaz Serra, Objecto da obrigação – A Prestação – Suas espécies, conteúdo e requisitos, BMJ n.º 74, págs. 174 a 205; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8.ª edição revista e aumentada, Almedina, 2000, págs. 69 a 79 e 95 e segs. Especificamente sobre ordem pública, veja-se Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, Atlântida Editora, S.A.R.L, Coimbra, 1974, pág. 254 e Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, ed. policopiada, 1973, págs. 557, 559 e 564 e segs.
[49] Ob. cit., anotação ao artigo 271.º, pág. 251.
[50] Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Livraria Almedina, págs. 439 e 440.
[51] E parece que a redacção do preceito, ao referir pelo menos dois órgãos, não vê com maus olhos que outros sejam instituídos.
[52] Não se interpreta esta formulação como uma obrigação que só recaía sobre o executor e cuja prestação só por ele pudesse ser cumprida. Com efeito, como se viu, a lei admite a hipótese de também o executor não elaborar os estatutos, caso em que, não o tendo feito, o encargo é transferido para a entidade com competência para o reconhecimento.
[53] Nos termos do artigo 12.º estabelece-se que o primeiro presidente do conselho directivo era o fundador, que exerceria as suas funções vitaliciamente.
[54] Como se dá conta no acórdão de 21 de Dezembro de 1977 do Supremo Tribunal Administrativo, publicado nos «Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo», n.º 199, págs. 846 e segs. Nos termos desse acórdão se decidiu que, não obstante “instituído como vitalício, por cláusula testamentária e pelos estatutos, o administrador da fundação, tal não impede o afastamento definitivo desse administrador quando, pela respectiva conduta, se revela inidóneo para gerir a instituição, dentro dos interesses públicos visados”.
[55] Cfr. nota anterior.
[56] Todavia, o artigo 13.º previa o exercício da presidência do Conselho de patronos, a título honorário e vitalício, pela pintora Maria Helena Vieira da Silva.
[57] Note-se que o princípio da renovação, consagrado no artigo 118.º da Constituição da República, segundo o qual ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo, só é válido para os cargos políticos de âmbito nacional, regional ou local, não impedindo que os titulares de cargos que não obedeçam àqueles critérios não possam ser nomeados vitaliciamente. Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1993, anotação ao artigo 121.º (actual artigo 118.º), pág. 546.
[58] No quadro típico da representação, poder-se-ia equacionar a questão da existência de conflito ou de risco de conflito de interesses do representante que celebra um negócio consigo mesmo, hipotizada na circunstância do executor testamentário que que se encontrava vinculado a elaborar os estatutos, se autonomear nesse documento presidente da fundação.
Para acautelar a verificação do perigo da ocorrência de conflito de interesses, o legislador editou a norma do artigo 261.º do Código Civil, cujo teor é o seguinte:
“Artigo 261.º
Negócio consigo mesmo
1. É anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.
2. Considera-se celebrado pelo representante, para o efeito do número precedente, o negócio realizado por aquele em quem tiverem sido substabelecidos os poderes de representação.”
A razão de ser da proibição do negócio consigo mesmo – ensina Mota Pinto, ob. cit. na nota 14, pág. 546 – “é impedir, dada a colisão de interesses, um prejuízo para o representado, ou para um dos representados”. E Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas, Vol. III, Livraria Petrony, 1968, pág. 137, explica que se trata de uma figura que se depara essencialmente no domínio dos contratos, embora também se encontre no domínio dos negócios jurídicos unilaterais. Socorrendo-nos, ainda, de outro Autor – D’Avanzo, Rappresentanza (Diritto Civile), «Novissimo Digesto Italiano», vol. XIV, Torino, 1967, págs. 824 e segs. – acrescenta-se que o conflito pode não revestir exclusivamente carácter económico, podendo surgir entre valores não patrimoniais e mesmo morais. Por outro lado, a verificação da colisão de interesses depende de um conjunto de factores onde pontificam, entre outras, as circunstâncias da maior ou menor extensão dos poderes conferidos, e a onerosidade ou gratuitidade do negócio celebrado.
Retenha-se, todavia, que nem todas as ordens jurídicas estabelecem a regra da proibição do negócio consigo mesmo. Pontes de Miranda, no Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Vol. III, Editora Borsoi, Rio de Janeiro, 1970, pág. 292, afirma que assim acontece no Brasil, embora se ressalve a possibilidade de norma especial especificamente o proibir.
No ordenamento jurídico português, como noutros, consagra-se uma proibição relativa, não ocorrendo esta sempre que o representado tenha especificadamente consentido na celebração ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de conflito de interesses (n.º 1 do preceito citado).
Pressuposto é que se trate de um negócio celebrado pelo representante, como expressamente se prevê no n.º 1 do preceito transcrito. E não há unanimidade na doutrina em aceitar a identidade do testamenteiro e do representante. Cfr. José de Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 227, e Heinrich Ewald Hörster, ob. cit. na nota 28, pág. 480.
Admitindo essa identidade de posições sem conceder, sempre se dirá que, no caso concreto, a natureza do negócio é de molde a afastar o conflito.
Não se vê que prejuízo não patrimonial ou moral poderia decorrer para a testadora da nomeação do executor testamentário como presidente da Fundação, não sendo temerário afirmar que a vontade conjectural da instituidora consente esse resultado. Por outro lado, também não se vê que perigo de prejuízo patrimonial decorre ou pode decorrer para a instituidora na celebração de um negócio jurídico unilateral de natureza não patrimonial, posto que não se reflecte na sua esfera jurídica ou no seu património.
No plano hipotético, poder-se-á acrescentar que se o testamenteiro não tivesse elaborado os estatutos como o fez, nada na lei exclui que a própria entidade competente para o reconhecimento o não tivesse feito com o mesmo quadro orgânico e a indigitação do testamenteiro para presidente, em nome da vontade conjectural da testadora, incorporada no testamento, suportada na ideia de que ninguém melhor do que o próprio se mostraria identificado com os desígnios da testadora materializados na obra que quis criar e perpetuar.
Sobre o negócio consigo mesmo além da doutrina antes assinalada pode ver-se: Vaz Serra, Contrato consigo mesmo e negociação de directores ou gerentes der sociedades anónimas ou por quotas com as respectivas sociedades, «Revista de Legislação e de Jurisprudência», ano 100, pág. 81 e segs., José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Teoria Geral, Volume II (Acções e factos jurídicos), Coimbra Editora, 1999, pág. 247, Carlos Alberto da Mota Pinto, ob. cit. na nota 14, pág. 546, Giovanni Balbi, Contrato con se stesso, «Novissimo Digesto Italiano», vol. IV, Torino, 1964, págs. 695 e segs., e o parecer deste corpo consultivo n.º 40/90, de 7 de Novembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, n.º 168, págs. 6762 e segs. e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 415, págs. 55 e segs.
[59] A norma em apreço dispõe:
“1. A representação da pessoa colectiva em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por esta for designado.
2. (...).”
[60] Preceitua o artigo em causa:
“1. O órgão da administração e o conselho fiscal são convocados pelos respectivos presidentes e só podem deliberar com a presença da maioria dos seus titulares.
2. Salvo disposição legal ou estatutária em contrário, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente, além do seu voto, voto de desempate.”
[61] A lei fala em voto de desempate, quando, em bom rigor, se trata de voto classificado como de qualidade à luz do que se dispõe no Código do Procedimento Administrativo. Sobre a distinção entre voto de qualidade e voto de desempate, vd. Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª edição (Reimpressão), Almedina, 1999, anotações aos artigos 24.º, pág. 175, e 27.º, pág. 182.
[62] Tal acontece na Fundação Aga Khan, cujo artigo 9.º, n.º 1, estabelece que o “presidente da fundação será sempre designado pelos fundadores e, se os fundadores não procederem à nomeação, será necessariamente o Imam dos Muçulmanos Shi’a Imami Ismailis, designado pelo seu antecessor.” Também na Fundação Ricardo do Espírito Santo, o artigo 13.º do Estatutos, prevê: “O fundador, em testamento, poderá indicar as pessoas que sucessivamente deverão substituí-lo na presidência do conselho directivo, e bem assim as que substituirão os vogais por ele escolhidos, quando os mesmos vierem a falecer ou haja terminado o seu mandato.”
Anotações
Legislação: 
CCIV66 ART157 ART162 ART163 ART171 ART185 N1 N2 N3 N4 N5 ART186 N1 N2 ART187 N1 N2 N3 ART189 ART190 N1 ART191 N1 ART192 ART193 ART236
ART238 ART280 ART2080 N1 B) ART2179 N1 ART2184 ART2187 N1 N2 ART2204 ART2205 ART2206 ART2225 ART2229 ART2320 ART2324 ART2325 ART2326 ART2331 N1 ART2332 ART2333 ART2334
PORT 281/2000 DE 5/02/2000
DL 27/96 DE 30/03/1996 ART8 ART9 N2
DL 168/85 DE 27/05/1985 ART9 ART12
DL 45/88 DE 11/02/1988 ART7
DL 149/90 DE 10/05/1990 ART5 ART11 ART13 ART15 ART19
DL 361/91 DE 3/10/1991 ART9
DL 306/2000 DE 26/11/2000 ART5
CPADM91 ART14 N1 N2 ART17 ART26
CCIV867 ART1890
Jurisprudência: 
AC DO STJ, DE 21/07/1979 IN BMJ N288, PP. 429
Referências Complementares: 
DIR CIV*TEORIA GERAL*DIR SUC
Divulgação
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