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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
38/2007, de 31.07.2007
Data de Assinatura: 
31-07-2007
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
JOÃO MIGUEL
Descritores e Conclusões
Descritores: 
JOVEM
DIREITO PENAL
PROJECTO DE DIPLOMA LEGAL
IMPUTABILIDADE
PENA DE PRISÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
DISPENSA DE PENA
PENA ALTERNATIVA
CENTRO DE DETENÇÃO
INTERNAMENTO
PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
EXECUÇÃO DE PENAS
CONSENTIMENTO
VIGILÂNCIA
REVOGAÇÃO
REVISÃO
EXTINÇÃO DA PENA
LIBERDADE CONDICIONAL
MEDIDA DE COACÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
DETENÇÃO
FINALIDADES DAS PENAS
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
REINSERÇÃO SOCIAL
MEDIDA TUTELAR
DELINQUENTE
MENOR
DIREITO PENITENCIÁRIO
Conclusões: 
O projecto de proposta de lei sobre o regime penal especial para jovens adultos suscita os comentários que se deixaram exarados no texto.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,
Excelência:



I.

Do Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça foi recebida documentação relativa ao projecto de proposta de lei que aprova o novo regime penal especial para jovens adultos[1] e, invocando o disposto no artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público, foram solicitados os comentários ou propostas tidos por convenientes.
Distribuído ao signatário, cumpre, emitir parecer.
II.

1. Na apreciação a que se irá proceder do projecto de diploma legal, exclusivamente de natureza técnico-jurídica como decorre do disposto na alínea b) da norma invocada, considerar-se-ão, em traços muito genéricos o regime em vigor e as razões da reforma, a partir de elementos recenseados, para finalizar com uma apreciação na especialidade, em regra artigo a artigo, avaliando da sua harmonia com as normas com que se relaciona, procurando detectar desarmonias ou insuficiências, no plano da articulação, e sugerindo a supressão das mesmas.


2. A reforma do direito penal de 1982 compreendeu, como resultava expressamente do disposto no artigo 9.º do Código Penal (CP)[2], um regime especial para jovens delinquentes. Essa especialidade era justificada pela necessidade de dispensar aos jovens naquela faixa etária, autores de crimes, um tratamento especial, próximo do direito dos menores então em vigor, que os considerava credores de medidas protectivas e educadoras, como expressamente se afirmava no preâmbulo: «O direito penal dos jovens imputáveis deve, tanto quanto possível, aproximar-se dos princípios e regras do direito reeducador de menores».
Na afirmação dessa linha de orientação, «[o] princípio geral imanente em todo o texto legal é o da maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão-só uma medida correctiva». Por outro lado, «[a] inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas aconselha a que se pense na adopção preferencial de medidas correctivas para os delinquentes a que o diploma se destina», de modo a que, tudo considerado, fosse consagrado «um tratamento diferenciado que permita uma adequada individualização das reacções da sociedade».
Dando forma de lei a estes princípios e depois de no artigo 4.º se afirmar que, sendo aplicável pena de prisão, o juiz deve atenuar especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, o artigo 5.º, um fundamento axial no contexto do diploma, precisa que, sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a 2 anos pode o juiz, consideradas a personalidade e as circunstâncias do facto, aplicar ao jovem com menos de 18 anos, isolada ou cumulativamente, as medidas previstas no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro. Logo adiante, o artigo 8.º precisa que o não cumprimento culposo das obrigações impostas pelo juiz determinará o internamento em centros de detenção, e, por último, o artigo 12.º prescreve que a execução das penas de prisão aplicadas a jovens seriam executadas nos termos do artigo 160.º do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto.
A atenuação da pena, a aplicação subsidiária da legislação de menores, a imposição da detenção obrigatória em vez da prisão, e as regras especiais de execução da prisão[3] são, na estrutura do decreto-lei em causa, eixos essenciais de suporte.
Em síntese, pode afirmar-se que o diploma aplica-se a jovens que tenham praticado um crime (artigo 1.º, n.º 1), considerando-se jovem aquele que à data da prática do facto tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 (artigo 1.º, n.º 2), não seja inimputável, por anomalia psíquica (artigo 1.º, n.º 3). No caso de ser aplicável pena de prisão, esta será atenuada especialmente, nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, havendo razões para crer que daí resultem vantagens para a reinserção social do jovem (artigo 4.º); para além disso, sempre que ao caso seja aplicável pena de prisão inferior a 2 anos pode o juiz aplicar ao jovem, com menor de 18 anos, as medidas previstas no artigo 18.º da Organização Tutelar de Menores[4], e ao jovem com mais de 18 anos e menos de 21 apenas medidas de correcção[5].


3. Com o decorrer do tempo e o aumento diacrónico que a criminalidade dos menores viria a conhecer, sem que o modelo instituído se revelasse idóneo a resolver os problemas que daí advinham, seja porque intrinsecamente não estava talhado para o fazer, seja por carências de aplicação, foram emergindo vozes, alertando para a «inadequação do modelo protectivo ou de Welfare»[6]/[7], em que o sistema se inspirava.
A reforma do direito dos menores em 1999[8], rompeu com o modelo assistencial e de protecção até então existente na Organização Tutelar de Menores (OTM), assumindo que perante a diversidade de situações a reclamarem intervenção do Estado no domínio do direito dos menores, as respostas também deverão ser diferenciadas. Especificamente no caso dos menores delinquentes, por contraposição aos menores em risco em que a medida deverá ser essencialmente protectora, «exige-se uma intervenção que «eduque o menor para o respeito pelos valores e normas fundamentais em sociedade, identificadas pelos valores e normas jurídico-penais (intervenção tutelar educativa)»[9].
Da conjugação do disposto nos artigos 1.º e 5.º da Lei Tutelar Educativa (LTE) resulta que a prática de facto qualificado na lei como crime por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos dá lugar à aplicação das medidas previstas nessa Lei, podendo a execução das medidas prolongar-se até o jovem completar 21 anos, sendo medidas tutelares, nos termos do artigo 6.º: a) A admoestação; b) A privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores; c) A reparação ao ofendido; d) A realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade; e) A imposição de regras de conduta; f) A imposição de obrigações; g) A frequência de programas formativos; h) O acompanhamento educativo; e i) O internamento em centro educativo. O n.º 2 do preceito em causa estabelece que esta última medida é considerada medida institucional e não institucionais as restantes, sendo que, nos termos do n.º 3, a medida de internamento em centro educativo aplica-se segundo um dos seguintes regimes de execução: regime aberto, regime semiaberto e regime fechado, variando os respectivos pressupostos e duração (artigos 17.º e 18.º).


4. É, pois, neste pano de fundo, em que, por um lado, o Código Penal estabelece o imperativo da existência de um regime penal específico para jovens de idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, e, por outro lado, se evidencia a falência do regime actualmente em vigor, seja porque não responde às exigências nele depositadas, seja porque não se mostra consentâneo com as modernas soluções aconselhadas neste domínio e aptas a tal fim, que o legislador, na sequência da reforma do Código Penal, propõe-se efectuar a revisão do regime em vigor, tendo presente aquela injunção normativa e a certeza de que tendo o aumento significativo da criminalidade em geral na segunda metade do século passado sido induzido por criminalidade juvenil, impõe-se «encarar a situação dos jovens adultos»[10].
Assumindo que «embora os jovens adultos não devam ter um estatuto jurídico próprio, porquanto são já penalmente responsáveis – o direito dos jovens delinquentes corresponde como que a uma “parede falsa” entre o direito dos menores e o dos adultos – as representações sociais e as aquisições científicas apontam para a necessidade de lhes serem aplicadas soluções diferenciadas».
Duas linhas de força essenciais orientam a reforma: Uma, a assunção que «os cidadãos maiores de 16 anos, sendo considerados imputáveis, estão sujeitos às normas penais e é perante elas que devem responder»; a outra, que há que «evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão a jovens adultos», desiderato alcançável, no que respeita à criminalidade geral, através da atenuação especial da pena, verificados os respectivos pressupostos e, quanto à pequena e média criminalidade, aponta-se no sentido das penas de substituição, pelo recurso a três diferentes vias: o alargamento da aplicação de certas penas (pena de multa, prestação de trabalho a favor da comunidade e de admoestação[11]), a concretização do regime de permanência na habitação introduzido na revisão do Código Penal, e a criação de três novas penas de substituição (colocação por dias livres em centro de detenção, colocação em centro de detenção em regime de semi-internato, e o internamento em centro de detenção).
Para evitar a aplicação da pena de prisão, que a todo o custo se pretende o último recurso, amplia-se o número de penas de substituição detentivas, adequando-as às especificidades dos jovens adultos, substituindo as actuais penas de prisão por dias livres e o regime de semidetenção pelas penas de colocação por dias livres em centro de detenção e a colocação em regime de semi-internato.
De sublinhar, no que respeita às medidas de coacção aplicáveis a jovens adultos, que, para além das previstas no Código de Processo Penal, se estabelece a medida de detenção em centro de detenção, que, na escala de gravidade, será anterior à prisão preventiva.
O preâmbulo enfatiza também a necessidade de a execução da pena de prisão aplicada a jovens adultos ocorrer em «estabelecimentos especificamente destinados a jovens ou em secções de estabelecimentos prisionais comuns afectos a esse fim».
Por último, interessa salientar que, como o próprio preâmbulo dá nota, o projecto de proposta de lei baseou-se no trabalho da Comissão de Reforma da Legislação sobre o Processo Tutelar Educativo, nas conclusões do relatório do Grupo de trabalho criado pelo Despacho, publicado sob o n.º 4727/2006, Diário da República, II série, de 27 de Fevereiro de 2006, e teve em conta a Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa Rec(2003)20[12].


5. Na generalidade, pode afirmar-se que o Projecto de proposta de lei retoma as anteriores providências legislativas governamentais e parlamentares[13], com o propósito de reformar o regime penal dos jovens adultos, que se mostra desactualizado após a entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa, harmonizando-o com esta e com as soluções adoptadas no Código Penal, também em fase de revisão.
Rompe-se com o anterior modelo reeducador, expressamente assumido no preâmbulo do diploma legal em vigor, delegando no direito penal a resposta para os casos em que jovens entre os 16 e os 21 anos cometam crimes, nesse sentido denotando coerência intrínseca entre os sistemas do direito penal e tutelar educativo.
Todavia, sendo legítima a necessidade de reforma do sistema, podemos interrogarmo-nos se a mudança radical ora ensaiada se mostra suficientemente ancorada em elementos que avalizem a sua insubsistência, ou que esta esteja irremediavelmente comprometida.
O facto de os indicadores serem «escassos e de difícil leitura», naquilo que tem a ver com o aumento da criminalidade juvenil, e o facto de o modelo instituído nunca ter sido devidamente implementado, nomeadamente por os centros de detenção para jovens do sexo masculino nunca terem sido instalados e o centro de detenção para jovens do sexo feminino nunca sequer ter sido criado[14], pode não validar suficientemente a conclusão de que a delinquência juvenil possui, entre nós, «características semelhantes às que foram detectadas noutros países»[15], e, nesse sentido, poder infirmar os fundamentos da solução adoptada.
A par da sujeição dos jovens menores às normas penais, a intenção de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão a jovens adultos, no que constitui outra das inovações fundamentais do modelo a criar, parece conformar-se com um desígnio de preservar estes agentes de facto criminosos do efeito criminógeno que a prisão sempre induz.
A congregação, num único diploma legal, do essencial do «estatuto penal e processual penal» dos jovens adultos afigura-se, também, altamente meritória pelo que representa de visibilidade e clareza do sistema.
Todavia e não obstante a regulamentação do essencial do regime neste diploma, deixando aos Código Penal e Processual Penal o encargo de subsidiariamente se aplicarem, pode gerar equívocos ao intérprete e ao aplicador do direito pelos eventuais espaços de sobreposição ou de vazio que aquela pode gerar.


6. Na especialidade, refira-se, preliminarmente, que a arrumação sistemática do projecto de diploma legal, comporta seis capítulos, cada um deles relativo, respectivamente, às disposições gerais, às penas, à execução das penas de colocação e internamento em centro de detenção, à execução da pena de prisão, às medidas de coacção e às disposições finais e transitórias.
A ordem apresentada e as epígrafes de cada um afiguram-se consentâneas quer com as matérias a regular e enunciadas no relatório, quer com o destaque que neste último se lhes empresta, quer, por fim, quanto ao seu encadeamento lógico-formal intrínseco.
Sobre cada um dos normativos, individualmente apreciados, enunciam-se as considerações que suscitam:
Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)
Este artigo e o seguinte integram o capítulo primeiro, dedicado às disposições gerais do diploma.
Reproduz, no essencial o disposto em homólogo preceito legal do diploma em vigor, com as alterações de redacção que resultam de uma melhor adequação formal, decorrente da substituição, no n.º 1, da expressão «jovens que tenham praticado um facto qualificado como crime», pela expressão, também do n.º 1, «jovens que tenham praticado crimes», e, no n.º 2, da substituição da expressão «agente que, à data da prática do crime, (...)», por «agente que, à data da prática do facto, (...)».
Artigo 2.º
(Legislação subsidiária)
Em coerência com a filosofia que enforma o diploma, a lei geral deixa de ser aplicável, limitando-se a aplicação subsidiária às normas do Código Penal e do Código do Processo Penal, desse modo se vincando, como objectivo do diploma, a natureza vincadamente penal.
Valem aqui, as considerações aduzidas supra (n.º 5 in fine) sobre a aplicação desta legislação subsidiária.
Artigo 3.º
(Penas aplicáveis ao jovem)
Este artigo abre o capítulo sobre as penas, enunciando as que são especialmente aplicáveis aos jovens, quer as do Código Penal, quer as agora expressa e especificamente elencadas.
Pelo n.º 3 deste preceito prevêem-se mecanismos operativos limitando a aplicação das penas privativas dos jovens, em função da idade destes. No limite, tais penas não podem ser aplicadas se não puderem ser cumpridas até o autor do facto atingir a idade de 26 anos, limiar que se afigura favorável e razoável, tendo também em conta o disposto no artigo 14.º.
Artigo 4.º
(Dispensa de pena)
É disposição nova, por referência ao diploma actual, alargando, para o dobro, os pressupostos em que a dispensa de pena ocorre.
Artigo 5.º
(Atenuação especial da pena)
No actual artigo 5.º a atenuação especial da pena relativa a jovens está dependente «de um juízo que tome em consideração a culpa menos grave do agente e/ou as exigências de prevenção, sobretudo de prevenção especial»[16]/[17].
No projecto e em linha com os princípios estruturantes do mesmo, a aplicação da atenuação especial, aproxima-se, sem se confundir, com os pressupostos do regime da atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal, dando particular ênfase à idade do agente, isolada ou cumulativamente com outras circunstâncias, que diminua de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Em contrapartida, o limite máximo das penas de prisão superiores a três anos e o limite mínimo das penas de prisão a serem considerados para efeitos de atenuação especial são reduzidos em termos mais favoráveis para o jovem, no mais se mantendo o regime previsto no artigo 73.º do mesmo Código.
Artigo 6.º
(Substituição da pena de prisão)
A formulação da norma reproduz, nos exactos termos e no essencial, o n.º 1 do artigo 43.º do Código Penal. A coerência lógica do sistema faria supor que, também aqui, o limite máximo da pena pudesse ser elevado, porventura para o dobro, quando comparado com o disposto no artigo 4.º do projecto.
Artigos 7.º
(Colocação por dias livres em centro de detenção)
Artigo 8.º
(Colocação em semi-internato)
Artigo 9.º
(Internamento em centro de detenção)
Por estes três artigos dá-se concretização às penas previstas no artigo 26.º, n.º 1, da Lei Tutelar Educativa, que, até ao momento, «não têm existência jurídica»[18], definindo-se no que as mesmas consistem e os respectivos pressupostos de aplicação, sendo de destacar, quanto à pena de colocação em regime de semi-internato, a necessidade do consentimento do jovem, à semelhança do que ocorre com o regime de semidetenção, previsto no artigo 46.º do Código Penal, e, quanto à pena de internamento em centro de detenção, o estabelecimento dos limites da sua duração.
A execução destas penas rege-se pelo disposto no artigo 14.º que carece de legislação própria.
Artigo 10.º
(Prestação de trabalho a favor da comunidade)
O preceito em causa não só estabelece a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, em moldes similares aos constantes no artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal, como também prescreve a duração da prestação de trabalho.
Na falta de maior regulamentação parece dever aplicar-se subsidiariamente o disposto no Código Penal. Do disposto neste diploma decorre a necessidade do consentimento do jovem para a execução desta pena. Todavia, como para a pena de colocação em semi-internato se exige expressamente esse consentimento, seria de ponderar se, neste caso não se deveria também prever explicitamente esse consentimento, de modo a evitar quaisquer dúvidas de aplicação.
Artigo 11.º
(Conversão da multa não paga)
Neste artigo adapta-se aos jovens o modelo constante do artigo 49.º do Código Penal.
O n.º 4, podendo parecer redundante face à referência cruzada que o n.º 1 faz para o n.º 1 do artigo 49.º do Código Penal, parece justificar-se para clarificação do sistema e evitar dúvidas indesejáveis.
Artigo 12.º
(Regime de permanência na habitação)
Prevê-se neste preceito a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a dois anos em regime de permanência na habitação, verificados os respectivos pressupostos legais. Esta medida harmoniza-se com a prevista no artigo 44.º do Código Penal, em particular a alínea b) do n.º 2, onde já se prevê a possibilidade de fazer uso deste regime a jovens com idade inferior a 21 anos.
Nos dois preceitos exige-se o consentimento da pessoa em causa, mas contrariamente ao que se estabelece na Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto[19] (regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal), aplicável como medida afim da prisão preventiva, e na qual se estabelece que a utilização da vigilância electrónica depende, também, «do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido, e das que possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido em determinado local» (artigo 2.º, n.º 2), aqui não se exige esse consentimento.
Afigura-se ser de ponderar a necessidade desse consentimento, de modo a acautelar o respeito pela vida privada, garantido, nomeadamente, pelo artigo 8.º da Convenção Europeia, e que poderá não estar suficientemente salvaguardado, posto que a Lei n.º 122/99 apenas se reporta à medida prevista no artigo 201.º do Código Penal, ou seja às medidas de carácter processual de natureza preventiva, deixando de fora as situações de execução da pena de prisão.
Artigo 13.º
(Revogação das penas)
A norma em apreço estabelece em termos gerais os efeitos da revogação da pena sem, no entanto, definir os respectivos pressupostos. Uma tal disposição pode padecer de falta de previsibilidade, por não se explicar no projecto quais os pressupostos de que depende a revogação, nem isso resultar das normas do Código Penal que alude à revogação apenas nas normas relativas ao «[r]regime de permanência na habitação» (artigo 44.º, n.º4), na «[r]evogação da suspensão» (artigo 56.º) e na «[e]xtinção da pena» (artigo 57.º, n.º 1), na «[s]uspensão provisória, revogação, extinção e substituição» da prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 59.º), na «[l]iberdade condicional (artigo 64.º) e na «[r]evogação da liberdade para prova» (artigo 95.º).
A revogação das penas aqui prevista interpreta-se como uma disposição de natureza geral, que não deverá colidir com as normas que prevêem a revogação das penas de colocação em centro de educação e de internamento (artigos 18.º, n.os 3, alínea c), e 4, e 19.º, n.os 1 e 2].
Artigos 14.º a 29.º
O Capítulo III, relativo à execução das penas de colocação e de internamento em centro de detenção, abrange os artigos 14.º a 29.º, que, em geral e não obstante a sua densidade, não suscitam comentários.
Importa, no entanto, sublinhar algumas referências: uma, a indicação que sobressai do artigo 14.º, n.º 1, no sentido de que a execução de tais penas é regulada por legislação própria, que enquanto não for publicada inviabiliza a entrada em vigor de diversas normas do projecto (cf. artigo 35.º, n.º 2); outra para destacar a previsão de um plano de readaptação social, em obediência às Recomendações do Conselho da Europa, em particular a Recomendação Rec(2003)20, de 24 de Dezembro de 2003, embora fosse desejável uma maior especificação do seu conteúdo; por último, para sublinhar a exigência de revisão periódica da situação do jovem, quando a liberdade sob orientação e acompanhamento for denegada (artigo 29.º). Trata-se de solução que se afigura consentânea com as melhores práticas e se adequa à jurisprudência do Tribunal Europeu em situações paralelas.
Artigo 30.º
(Execução da pena de prisão)
Artigo 31.º
(Liberdade condicional)
A inclusão destas duas normas num capítulo autónomo, com a epígrafe «[e]xecução da pena de prisão» e estabelecendo que a pena de prisão deve ser executada «em estabelecimentos especificamente destinados a jovens ou em secções de estabelecimentos prisionais comuns afectos a esse fim»[20] é ainda uma decorrência do princípio assumido de que a pena de prisão deve ser de evitar, na medida do possível.
O artigo 30.º não suscita comentários, mas o artigo 31.º deixa alguma margem de indecisão, por, na sua redacção, não aludir ao mínimo da pena, no caso no n.º 3 do artigo 61.º do Código Penal.
Se bem se depreende, a previsão visa manter os limites mínimos inalterados, reduzindo os prazos de cumprimento da pena para efeitos de se poder beneficiar da liberdade condicional. Afigura-se que a norma ganharia em legibilidade se fosse redigida como segue:
«Os prazos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 61.º do Código Penal são reduzidos para um terço da pena e para metade da pena, respectivamente, mantendo-se, em ambos os casos, o mínimo de 6 meses.»
Artigo 32.º
(Medidas de coação aplicáveis ao jovem)
Artigo 33.º
(Aplicação e execução da prisão preventiva)
Com o capítulo IV, que engloba estes dois artigos regulam-se, por um lado, as medidas de coação aplicadas ao jovem, e, por outro lado, a execução da prisão preventiva, que se apresenta como a última medida a ser aplicável.
O artigo 23.º da Lei Tutelar Educativa estabelece o princípio da cumulação entre as medidas tutelares e as que forem aplicadas em processo penal, se, em concreto, se verificar compatibilidade entre elas, esclarecendo o artigo 27.º que a aplicação da prisão preventiva a jovem maior de 16 anos não prejudica a execução cumulativa de medida tutelar não institucional.
No entanto, sendo aplicada pena de prisão e tendo em conta aquela «porosidade» não resultam claros os termos em que se procede aos descontos das medidas de coacção (cf. artigo 90.º do CP).


Artigo 34.º
(Revogação)
Artigo 35.º
(Entrada em vigor)
Integram o último capítulo, relativo às disposições finais e transitórias, não suscitando comentários.

III

Em conclusão:
O projecto de proposta de lei sobre o regime penal especial para jovens adultos suscita os comentários que se deixaram exarados no texto.

Lisboa, 31 de Julho de 2007



O Procurador-Geral Adjunto



João Manuel da Silva Miguel





[1] Pelo ofício n.º 1946, de 30 de Abril do corrente ano, com data de entrada na Procuradoria-Geral da República, no mesmo dia.
[2] A norma, cuja redacção não sofreu alterações, dispõe:
«Artigo 9.º
Disposições especiais para jovens
Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial.»
[3] Vd. Eduardo Correia, «As grandes linhas da Reforma Penal», Jornadas de Direito Criminal – O Novo Código Penal Português e legislação Complementar, Centro de Estudos Judiciários, Fase I, 1983, p.26.
[4] Deve ler-se artigo 4.º da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro.
[5] Vd. Manuel de Oliveira Leal Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado (3.ª Edição), 1.º volume (Parte Geral), Editora Rei dos Livros, 2002, p. 168.
[6] Anabela Miranda Rodrigues, «Repensar o Direito de Menores em Portugal», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 3.º (Julho-Setembro de 1997), p. 359.
[7] Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e comentado e legislação complementar, 12.º edição (1998), Almedina, Coimbra, p. 93, também escrevia que [o] tratamento a dar aos menores que praticam crimes (...) mostra-se carecido de premente revisão, em face da dimensão que a criminalidade dos menores vem tomando nos últimos anos».
[8] Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, que aprovou a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, e Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, que aprovou a Lei Tutelar Educativa. Os Decretos-Leis n.os 323-E/2000, de 20 de Dezembro, e 5-B/2001, de 12 de Janeiro, procederam, respectivamente, à regulamentação da Lei Tutelar Educativa (LTE) e à aprovação de normas de transição relativas ao desenvolvimento do seu regime, indispensáveis à sua entrada em vigor (artigos 6.º da Lei 166/99 e 144.º, n.º 4, da LTE).
[9] Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte Fonseca, Comentário da Lei Tutelar Educativa (Reimpressão), 2003, Coimbra Editora, p.16.
[10] Do preâmbulo do projecto de proposta de lei. As citações que se seguem são igualmente do preâmbulo.
[11] Que, fruto de toda a filosofia que enforma o diploma, passa a constituir uma verdadeira pena e não, apenas, uma medida tutelar, como anteriormente.
[12] Sobre a gestão pelas administrações penitenciárias dos condenados a pena perpétua e outros detidos de longa duração.
[13] Propostas de Lei n.os 275/VII, do XIII Governo Constitucional, e 45/VIII, do XIV Governo Constitucional, e projecto de lei n.º 53/IX, apresentado por um grupo de deputados, que caducaram, por não chegarem a ser discutidas durante a legislatura ou, tendo sido discutido, como ocorreu com o projecto de lei, ter ocorrido dissolução da Assembleia da República. A primeira proposta de lei está publicada no Diário da Assembleia da República (DAR), II série, n.º 59, de 5 de Maio de 1999, e também em Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte Fonseca, ob. cit., pp. 530-546, segunda no DAR, II série, n.º 1, de 21 de Setembro de 2000, e, o último, no DAR, II série, n.º 12, de 7 de Junho de 2002.
[14] Como se afirma no ponto 2.2. do Relatório final do Grupo de Trabalho Sobre a Medida de Internamento em Centro de Detenção.
[15] Do preâmbulo.
[16] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral – Tomo I, Questões Fundamentais; A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, p. 553.
[17] Contrariamente ao que sucedia no Código Penal anterior (artigos 107.º e 108.º) em que a menoridade implicava uma substituição automática da pena, para os menores de vinte e um anos, no caso do primeiro preceito legal, para os menores de dezoito anos, no caso do segundo, nos termos em que, para cada um dos normativos, se dispunha: «se o criminoso tiver menos de (...) ao tempo da perpetração do crime, nunca lhe será aplicada pena mais grave do que (...)».
[18] Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte Fonseca, ob. cit., p. 109.
[19] Regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal.
[20] Formulação que recupera exactamente os termos do preâmbulo.
Anotações
Legislação: 
CP82 ART9 ART43 N1 ART44 N2 B ART46 ART49 ART56 ART57 ART58 N1 ART59 ART61 N2 N3 ART64 ART72 N1 ART73 ART74 ART90 ART95
DL 401/82 DE 1982/09/23 ART1 ART4 ART5 ART8 ART12
DL 314/78 DE 1978/10/27 ART18
DL 265/79 DE 1979/08/01 ART160
L 166/99 DE 1999/09/14 ART6 (LTE ART1 ART4 ART5 ART17 ART18 ART23 ART26 N1 ART27 ART144 N4)
L 147/99 DE 1999/09/01
L 122/99 DE 1999/08/20 ART2 N2
CPP87 ART201
DESPACHO 4727/2006 DR II SÉRIE DE 2006/02/27
Referências Complementares: 
DIR CRIM / DIR PROC PENAL / DIR PENIT / DIR MENORES*****
CEDH ART8
RECOMENDAÇÃO DO COMITÉ DE MINISTROS DO CONSELHO DA EUROPA REC(2003)20 DE 2003/12/24
Divulgação
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