34/2024, de 19.12.2024
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votou em conformidade
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Votou em conformidade
João Conde Correia dos Santos
Votou em conformidade
José Joaquim Arrepia Ferreira
Votou em conformidade
Maria Carolina Durão Pereira
Votou em conformidade
Ricardo Lopes Dinis Pedro
Votou em conformidade
Carlos Alberto Correia de Oliveira
Votou em conformidade
José Manuel Gonçalves Dias Ribeiro de Almeida
Votou em conformidade com declaração de voto
DECLARAÇÃO DE VOTO
(José Manuel Gonçalves Dias Ribeiro de Almeida)
1. O signatário concorre com o certeiro e cogente raciocínio que constitui a razão de decidir do presente Parecer, na exata medida em procede do argumento a pari ratione, segundo o qual “dois casos similares devem ser tratados similarmente”, e é assim uma direta emanação da “justiça como igualdade”.
Como bem frisa o Parecer, nos litígios que correm termos na jurisdição do trabalho, opondo o Estado português aos trabalhadores ou seus familiares, no “conflito nas representações” que ali ocorra entre a atribuição de representação judiciária do Estado e a atribuição do exercício do patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias, ambas com centenária tradição constitucional e legal, prevalecerá sempre aquela primeira atribuição, a da representação judiciária do Estado, de modo que o Ministério Público não assumirá, nem exercerá, o patrocínio judiciário dos trabalhadores ou seus familiares, tanto no processo declarativo como no processo executivo, tanto nas posições processuais ativas (de A. ou E.), como nas posições processuais passivas (de R. ou E.), sem embargo, se os interessados nisso anuírem, de poder solicitar à Ordem dos Advogados a indicação de um advogado para os patrocinar, sendo que os honorários devidos por tal patrocínio constituirão encargo do Estado (art. 219.º, n.º 1, Constituição, e arts. 2.º, 4.º n.º 1, alínea g), e 97.º, n.º 1 e 5, EMP).
O mesmo deverá suceder, justamente por paridade de razão, quando os litígios que correm termos na jurisdição do trabalho opõem, não já o Estado português, mas, antes, um Estado estrangeiro aos trabalhadores ou seus familiares. Nesses casos, portanto, o Ministério Público deverá declinar exercer o patrocínio judiciário dos trabalhadores ou seus familiares, justamente em virtude daquele primeiro ser parte, sendo que em igual sentido depõem as regras de “cortesia internacional” (international comity), próprias das relações internacionais.
Convém notar, para concluir, que essa declinação legal de atribuição, por coerência lógica e prática, deverá ter exatamente a mesma extensão do que aquela própria dos litígios em que o Estado português é parte, i.e., tem alcance geral e tanto vale para o processo declarativo como para o processo executivo, para as posições processuais ativas (de A. ou E.), como para as posições processuais passivas (R. ou E.), como, no fundo, está subjacente à fundamentação do Parecer.
2. Já quanto ao ponto da intervenção acessória, porém, não poderemos concorrer com o entendimento do Parecer.
Com efeito, temos para nós que precisamente a mesma razão de decidir, e do argumento a pari ratione que lhe subjaz, que dita a declinação da intervenção principal, ditará também a declinação da intervenção acessória do Ministério Público, nesse tipo de litígios que opõem os Estados estrangeiros aos trabalhadores ou seus familiares, ou seja, em toda a sua máxima extensão processual concebível valerá sempre o “princípio da não ingerência” (se nos é permitida a liberdade de usar a linguagem das relações internacionais).
Isto quer se tenha por bom o entendimento segundo o qual a competência jurisdicional para dirimir tais litígios está deferida à jurisdição do trabalho, seja, inclusive, concedendo que a mesma está deferida à jurisdição administrativa. Até porque, por uma parte, para dar azo à intervenção acessória do Ministério Público, a lei exige que “sejam interessadas na causa” entidades que, pela natureza das coisas, terão de ser de direito interno, ou que a ação vise a “realização de interesses coletivos ou difusos”, e não concorre aqui qualquer uma dessas duas hipóteses legais (art. 10.º, n.º 1, EMP). E, por outra parte, por via da remissão legal implícita, constante dos n.ºs 2, 3 e 4, in fine, do artigo 325.º do CPC, que determina ”como se processa a intervenção acessória do Ministério Público”, estabelecendo que tem a função de zelar pelos “interesses da parte assistida”, na causa e no recurso, cumpre depois considerar o n.º 1 do artigo 326.º (Conceito e legitimidade da assistência) do mesmo diploma legal, ao aludir a “para auxiliar qualquer das partes [principais]” e “tiver interesse em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte”, como, aliás, na exegese de tais preceitos legais, advogam os mais reputados cultores, seja do processo civil [“O MP tem os poderes da parte acessória, ou melhor do assistente (n.º 2; art. 328.º ss)]”[1], seja do processo administrativo [“O MP pode exercer os poderes processuais que correspondem à parte acessória, intervindo como auxiliar da parte assistida, em termos similares aos previstos para a assistência (…)” e, no recurso, “(…) mas também pode basear-se na simples defesa do interesse processual da parte vencida no processo, visando o recurso, nesta perspetiva, a defesa da posição subjetiva da parte”]”[2].
Por conseguinte, a função e os poderes inerentes à intervenção acessória do Ministério Público, nestas hipóteses, em última análise, redunda em colocar o mesmo na posição de auxiliar do Estado estrangeiro, em colisão com o dito “princípio da não ingerência” que, a justo título, vimos ser a razão de decidir do Parecer. E, mais, no caso concreto com ingerência na realização efetiva de uma pretensão condenatória judicialmente decretada, que não foi voluntariamente cumprida pelo devedor (sendo certo que este é o mais bem colocado para ajuizar se deve – ou não, pois tem a prerrogativa de a ela renunciar – invocar a imunidade de execução).
[1] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, CPC on line, “Comentário ao artigo 325.º”, n.º 3 (b), 2024, p. 238, e, já antes, CARLOS LOPES DO REGO, O Ministério Público a Democracia e a Igualdade dos Cidadãos, V Congresso do Ministério Público, Edições Cosmos, Lisboa, 2000, “A intervenção do Ministério Público na área cível e o respeito pelo princípio da igualdade de armas”, pp. 94 a 95 (95).
[2] CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2006, entrada “Ministério Público”, pp. 385 a 387 (386, 2.º coluna, e 387, 1.ª coluna).
Amadeu Francisco Ribeiro Guerra
Votou em conformidade
DIREITO INTERNACIONAL GERAL
COSTUME INTERNACIONAL
IGUALDADE ENTRE ESTADOS
IUS COGENS
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
IMUNIDADE DE EXECUÇÃO
EXCEÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO INOMINADA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
PROCESSO DO TRABALHO
PATROCÍNIO OFICIOSO
PENHORA
DOMÍNIO PRIVADO INDISPONÍVEL
IMPENHORABILIDADE
AGENTE DE EXECUÇÃO
TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
SERVIÇOS PERIFÉRICOS EXTERNOS
MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
Em face de quanto vem solicitado e visto o exposto, a fim de complementar o Parecer n.º 11/2022, de 24 de novembro, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República formula, por aditamento, as conclusões seguidamente discriminadas:
1.ª — A imunidade de jurisdição dos Estados perante os tribunais de outro qualquer Estado e a imunidade do património que possuam em território estrangeiro são um corolário do princípio da igualdade soberana entre Estados (par in parem non habet judicium), o qual se conta entre o núcleo restrito dos princípios cogentes (jus cogens) de direito internacional geral ou comum.
2.ª — É, como tal, plena e diretamente recebido na ordem jurídica portuguesa, onde ocupa uma posição de supremacia, acima de todo o direito ordinário e até dos tratados e acordos concluídos pela República Portuguesa, de acordo com a Constituição (artigo 8.º, n.º 1).
3.ª — Sem embargo da estreita conexão incidental, a imunidade de jurisdição dos Estados e dos seus bens é mais ampla do que a imunidade que assiste ao pessoal diplomático e consular e às instalações e bens afetos às legações respetivas (Convenção Sobre Relações Diplomáticas, de 1961, e Convenção sobre Relações Consulares, de 1963).
4.ª — Se, ao longo do século XX, se assistiu a um progressivo recuo da imunidade de jurisdição declarativa, de modo a circunscrever-se ao domínio dos atos de gestão pública, já a imunidade de execução não conheceu semelhante contenção, tal como ressalta dos artigos 18.º e seguintes da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2 de dezembro de 2004, assinada e ratificada pela República Portuguesa.
5.ª — A aprovação pela Assembleia Geral reconhece, nas suas disposições, as normas e princípios do costume internacional, neste domínio, o que vem sendo corroborado pela doutrina e pela jurisprudência, quer dos tribunais internacionais, quer dos tribunais de cada jurisdição nacional, justificando a sua validade e eficácia na ordem jurídica internacional, apesar de a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens não ter ainda atingido o número suficiente de ratificações para entrar em vigor.
6.ª — Sobre a República Portuguesa, enquanto signatária e Parte Contratante da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, recai uma obrigação qualificada de se abster de quaisquer atos que vão contra o seu fim e objeto, tal como dispõe o artigo 18.º, alínea b), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.
7.ª — A salvaguarda da imunidade de jurisdição dos Estados e do seu património faz parte do bloco de legalidade que ao Ministério Público cumpre defender nos tribunais portugueses (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição), no sentido de conceder aos Estados estrangeiros um tratamento, o mais possível, igual ao que é concedido ao Estado português, na sua própria jurisdição.
8.ª — Desde logo, importa reconhecer os Estados estrangeiros, na ordem jurídica interna, como pessoas coletivas públicas, que o são, enquanto corolário da personalidade jurídica internacional, independentemente de disporem, ou não, de representação diplomática em Portugal.
9.ª — Além de dever não intentar, nem patrocinar ações contra Estados estrangeiros ou contra o seu património, o Ministério Público deve intervir acessoriamente, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do respetivo Estatuto, no interesse do Estado português em respeitar escrupulosamente as normas e princípios de direito internacional geral ou comum e, assim, reflexamente, no interesse do Estado que beneficia da imunidade.
10.ª — O Ministério Público, não fora a imunidade de jurisdição e de execução, haveria de patrocinar oficiosamente os trabalhadores e seus familiares que, nos juízos do trabalho, demandassem os Estados estrangeiros como seus empregadores, a menos que optassem, originária ou supervenientemente, por constituir mandatário judicial, por se valerem do apoio judiciário prestado através das associações sindicais a que pertençam ou que pretendessem beneficiar do regime comum de apoio judiciário por insuficiência de meios financeiros (artigos 6.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho).
11.ª — Contudo, não obstante o patrocínio ser qualificado como intervenção principal pelo artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto do Ministério Público, e de, supostamente, fazer precludir a intervenção acessória, tal como prevista no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) — «não se verificando nenhum dos casos do n.º 1 do artigo anterior» — ela, só é principal se e quando tiver lugar, pois não é imperativa, nem necessária.
12.ª — Com efeito, deve o Ministério Público recusar o patrocínio a pretensões que repute infundadas (artigo 8.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), como é o caso da penhora de bens ou direitos pertencentes a um Estado estrangeiro e que infrinja a imunidade internacional, mesmo que o Ministério Público tenha patrocinado o trabalhador na ação ou na fase declarativa do processo.
13.ª — E deve abster-se de intervir acessoriamente ao lado do trabalhador, apesar de o artigo 9.º do Código de Processo do Trabalho, abstratamente, lho permitir, designadamente depois de o trabalhador ter constituído mandatário, porquanto, no concurso entre intervenções acessórias, é a defesa da legalidade e do interesse público do Estado português na salvaguarda da imunidade do património do Estado estrangeiro a prevalecer.
14.ª — A defesa de tal interesse superior não deve ser relegada ao Estado estrangeiro executado, pois avulta, igualmente, um interesse da República Portuguesa em assumir uma conduta irrepreensível nas relações internacionais, até para estar em condições de reclamar tratamento recíproco nas jurisdições internas dos outros Estados.
15.ª — Em processo executivo sumário, a penhora tem lugar sem a prévia citação do executado (artigo 856.º do Código de Processo Civil) e mesmo em processo comum ordinário para pagamento de quantia certa, o exequente pode obter do juiz dispensa da citação prévia (artigo 727.º), o que não permite ao Estado estrangeiro invocar a imunidade a tempo de evitar a penhora.
16.ª — O risco de serem penhorados bens impenhoráveis de um Estado estrangeiro é acrescido pela circunstância de a penhora não se encontrar sob um prévio controlo jurisdicional, nem sequer do exequente e do seu mandatário, uma vez que o agente de execução ou o oficial de justiça, consoante o caso, sem prejuízo das indicações do exequente, adota como critério principal o de que a penhora «começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente» (artigo 751.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
17.ª — Nesta fase, portanto, fica ao critério do agente de execução (ou do oficial de justiça) a qualificação de certas categorias de bens e direitos de um Estado estrangeiro como impenhoráveis e, por conseguinte, a responsabilidade da República Portuguesa por facto internacionalmente ilícito pode resultar da conduta menos prudente do agente de execução ou do oficial de justiça, sem nenhum controlo que a possa evitar.
18.ª — Eis mais uma razão determinante para o Ministério Público não patrocinar o trabalhador exequente de Estado estrangeiro. Ainda que pretenda limitar-se a penhorar bens excecionados da imunidade de execução (coisas usadas ou destinadas a serem usadas para fim alheio ao serviço público e com fim comercial, desde que não pertençam às categorias enunciadas pelo artigo 21.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens) não pode garantir, no patrocínio do exequente, que a penhora preserva o património do Estado estrangeiro executado, pois é o oficial de justiça a praticar os atos [artigo 722.º, n.º 1, alínea b), e artigo 751.º, n.º 2, do Código de Processo Civil].
19.ª — A exclusão de tais trabalhadores não é discriminatória, pois, em caso algum o Ministério Público patrocina trabalhadores em funções públicas ou outro qualquer trabalhador que demande o Estado, seja em que tribunal for, pois tal colidiria com a função de natural representante do Estado em juízo (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição).
20.ª — É o que sucede com os trabalhadores, portugueses ou estrangeiros, ao serviço das embaixadas, missões permanentes e postos consulares da República Portuguesa e que são, na verdade, trabalhadores em funções públicas.
21.ª — Isto, porque todo o trabalho prestado nas embaixadas e consulados da República Portuguesa, incluindo o serviço doméstico prestado nas residências oficiais, é hoje qualificado como trabalho em funções públicas, por força do Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril, o qual instituiu um novo Regime Jurídico dos Trabalhadores dos Serviços Periféricos Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
22.ª — Aplica-se a tais trabalhadores a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (artigo 1.º, n.º 5), pelo que a jurisdição competente para conhecer de ações por si intentadas contra o Estado é a jurisdição administrativa (artigo 12.º).
23.ª — Por conseguinte, em face da lei portuguesa, os atos relativos a trabalhadores recrutados para as nossas embaixadas e postos consulares, devem considerar-se de gestão pública (e não, simplesmente de atos de jure gestionis).
24.ª — Na jurisdição administrativa, o Ministério Público em circunstância alguma patrocina os trabalhadores, pelo que não ocorre, ali, conflito de representações.
25.ª — E, se bem que o Estado conceda apoio judiciário a alguns titulares de cargos públicos (Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de junho), aos militares das forças armadas, aos agentes das forças de segurança e a determinadas categorias de trabalhadores em funções públicas, nunca o faz através do Ministério Público, nem contra o empregador público.
26.ª — Ao recusar patrocínio judiciário aos trabalhadores das embaixadas e consulados de Estados estrangeiros em Portugal, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público está a seguir, coerentemente, o mesmo princípio.
27.ª — Ainda que uma ação no interesse do trabalhador de uma embaixada ou consulado seja intentada nos juízos do trabalho, aquele deve constituir mandatário da sua livre escolha, valer-se do apoio prestado pela associação sindical em que se encontre inscrito ou beneficiar do regime geral do apoio judiciário, se fizer prova da carência de meios.
28.ª — O que não significa poderem impugnar contenciosamente nos tribunais administrativos portugueses atos praticados por órgãos de um Estado estrangeiro, de tal modo que, a ser intentada ação administrativa, ainda que o Estado estrangeiro consinta na jurisdição, os tribunais da jurisdição administrativa teriam de se declarar internacional e materialmente incompetentes.
29.ª — O Ministério Público só pode patrocinar trabalhador contra Estado estrangeiro se for este o autor ou o exequente, de acordo com o artigo 8.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, se o Estado estrangeiro tiver renunciado, de modo expresso, à imunidade, nos termos do artigo 7.º, ou, ainda, se a perda de imunidade do património resultar de sanção decretada contra esse Estado pelo Conselho de Segurança, nos termos do artigo 41.º da Carta das Nações Unidas.
30.ª — Ainda assim, haverá de acautelar o particularismo das providências cautelares, relativamente às quais se exige uma renúncia específica à imunidade, a qual, neste domínio, se revela praticamente absoluta (artigo 18.º da Convenção das Nações Unidas Sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens).
31.ª — Em todo e qualquer caso, um ponto essencial a reter é o da diferença entre as exceções à imunidade da jurisdição declarativa (mais amplas) e as exceções à imunidade dos bens de Estados soberanos estrangeiros (mais exíguas).
32.ª — Se as primeiras assentam, fundamentalmente, na clivagem entre atos de gestão privada e atos de gestão pública, já as exceções à imunidade patrimonial decorrem da natureza dos bens e do fim a que se encontram afetos ou destinados a serem afetos.
33.ª — Por conseguinte, nunca deve deduzir-se da imunidade de jurisdição decorrente da natureza privada de um ato ou negócio jurídico a penhorabilidade dos bens de um Estado estrangeiro, pois podem fazer parte do domínio público ou do chamado domínio privado indisponível, à semelhança do que se encontra previsto no artigo 737.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com relação à generalidade das pessoas coletivas públicas.
34.ª — A penhora circunscreve-se aos bens sem uso ou destino de uso comercial e alheios ao serviço público — um conceito deveras amplo e impreciso —, mas, ainda assim, nunca pode ter por objeto as categorias de bens enunciadas pelo artigo 21.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens.
35.ª — Constituirá decerto bom critério nunca perder de vista a filiação do princípio par in parem non habet judicium no princípio da soberana igualdade entre Estados e procurar conceder aos Estados estrangeiros em juízo um tratamento equivalente, tanto quanto possível, ao que é dado ao Estado português e às demais pessoas coletivas públicas, pois a personalidade jurídica internacional de um Estado soberano implica tratá-lo, na jurisdição interna, como pessoa coletiva pública; não como uma entidade privada.
36.ª — Conquanto os trabalhadores das embaixadas e consulados estrangeiros tenham de recorrer aos tribunais do Estado acreditante ou a meios de resolução alternativa de conflitos, designadamente a mediação diplomática, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tem a nossa jurisprudência entendido tratar-se de uma restrição admissível ao direito de acesso ais tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de igual modo, com relação ao direito a um processo equitativo, embora venha dando crescentes sinais de abertura jurisprudencial no sentido de considerar que o artigo 6.º, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, compreende, para o trabalhador, o direito a demandar a embaixada ou consulado a que presta serviço, nos tribunais do Estado acreditador, em especial, se for o Estado da sua nacionalidade e em cujo território tem residência permanente.
N.º34-C/2024
AF
Senhor Conselheiro,
Procurador-Geral da República,
Excelência,
I.
Vai o Conselho Consultivo complementar o Parecer n.º 11/2022, de 24 de novembro[1], relativo à imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, nos tribunais portugueses, e de execução do seu património sito em território português, uma vez surgidas dúvidas quanto à aplicação das suas conclusões às ações executivas intentadas por trabalhadores ou antigos trabalhadores de legações diplomáticas e consulares, acreditadas pelo Governo português, e quanto ao seu patrocínio oficioso pelo Ministério Público.
Este corpo consultivo fora, em 6 de junho de 2022, incumbido pela antecessora de Vossa Excelência de se pronunciar a respeito da intervenção a adotar pelo Ministério Público relativamente à imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros e à imunidade do seu património em território português contra ações executivas e providências cautelares.
Assim, instara o Conselho Consultivo a emitir parecer na sequência de representação que lhe fora dirigida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e em cujo teor se dava conta de penhoras praticadas sobre depósitos bancários movimentados pelas representações diplomáticas de Estados estrangeiros em Portugal.
O melindre suscitado e feito sentir ao Governo português terá levado o Ministério dos Negócios Estrangeiros a solicitar os bons ofícios de Sua Excelência, a Procuradora-Geral da República.
A título principal, importava saber se ao Ministério Público compete um papel ativo na salvaguarda da imunidade de jurisdição e do património dos Estados estrangeiros, que o direito internacional, desde tempos imemoriais, manda observar, ou se, pelo contrário, deve abster-se de toda e qualquer intervenção por apenas lhe competir a representação do Estado português, das Regiões Autónomas, das autarquias locais e de outras pessoas coletivas públicas, além dos incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta, quando necessário, e dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de caráter social, quando não constituam mandatário nem recorram aos meios comuns de apoio judiciário (artigo 9.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público[2], e artigos 7.º e 9.º do Código de Processo do Trabalho[3]).
Isto, sem embargo da intervenção acessória nas ações e recursos em que sejam interessadas as Regiões Autónomas ou as autarquias locais, os incapazes ou ausentes, apesar de terem constituído mandatário próprio, assim como para defesa do interesse público presente nas atribuições de outras pessoas coletivas públicas, das pessoas coletivas de utilidade pública, ou se a ação, não tendo por si sido intentada, visar a realização de interesses coletivos ou difusos (artigo 10.º, do Estatuto do Ministério Público).
Suscitava-se, ainda, a questão de saber se, e em que medida, poderiam os saldos das contas bancárias das legações diplomáticas e postos consulares, abertas nas instituições bancárias sitas em território português, ser objeto de penhora para pagamento de quantia certa.
Pronunciar-se-ia este corpo consultivo através do citado Parecer n.º 11/2022, de 24 de novembro, no sentido da impenhorabilidade dos saldos bancários das representações diplomáticas e consulares de Estados estrangeiros e a favor de uma intervenção acessória do Ministério Público, nos termos do artigo 325.º do Código de Processo Civil[4], de modo a fazer valer a imunidade do património dos Estados estrangeiros em território português, enquanto princípio de direito internacional geral ou comum.
II.
Vem agora pedido, a título complementar, que digamos se um tal entendimento vale também para as ações executivas patrocinadas pelo Ministério Público, no interesse dos trabalhadores ou seus familiares, e que levem a penhorar património de um Estado estrangeiro, afeto, ou não, à sua representação diplomática e postos consulares.
Cuida-se dos trabalhadores que prestem ou tenham prestado serviços com subordinação a embaixadas ou consulados de Estados estrangeiros, em Portugal, e em especial, aqueles que o Ministério Público tiver anteriormente patrocinado, no processo declarativo.
Ao assumir a intervenção acessória prevista no artigo 325.º do Código de Processo Civil, para fazer valer normas e princípios de direito internacional público, o Ministério Público teria de abster-se de patrocinar o mesmo trabalhador na execução da sentença, privando-o, assim, de um direito social.
As dúvidas que justificam a consulta complementar decorrem, portanto, de um conflito de intervenções em que pode incorrer o Ministério Público, concedendo prevalência a uma intervenção acessória, em detrimento de uma intervenção principal, por ser assim considerado «o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de caráter social» [artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto do Ministério Público].
Com efeito, a intervir nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, com vista a fazer valer a imunidade de jurisdição e de execução de um Estado estrangeiro, o Ministério Público desempenha uma intervenção acessória.
Esta questão desperta, necessariamente, uma outra, qual seja, a de admitir se ocorre, ou não, uma prevalência absoluta das intervenções designadas principais (de todas elas) sobre as intervenções acessórias, visto que o Estatuto do Ministério Público apenas estabelece diretrizes para os conflitos de representação, ao passo que, na intervenção acessória, o Ministério Público não representa ninguém, antes exerce os poderes que a lei processual confere à parte acessória e promove o que tiver por conveniente à defesa dos interesses da parte assistida, nos termos do artigo 325.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Aliás, a epígrafe do respetivo artigo do Estatuto do Ministério Público já o assinala:
«Artigo 93.º
Conflito na representação pelo Ministério Público
1 — Em caso de conflito entre entidades, pessoas ou interesses que o Ministério Público deva representar, os magistrados coordenadores das procuradorias da República de comarca e administrativas e fiscais, com faculdade de delegação, solicitam à Ordem dos Advogados a indicação de um advogado para representar uma das partes.
2 — Quando uma das entidades referidas no número anterior seja o Estado, a solicitação deve ser dirigida ao diretor do [Centro Jurídico do Estado - CEJURE[5]].
3 — Caso o [Centro Jurídico do Estado - CEJURE] não tenha disponibilidade para satisfazer uma solicitação feita nos termos do número anterior, o seu diretor reencaminha, atempadamente, a solicitação à Ordem dos Advogados, comunicando a remessa à entidade requerente.
4 — Havendo urgência, e enquanto a nomeação não possa fazer-se nos termos do n.º 1, o juiz designa advogado para intervir nos atos processuais.
5 — Os honorários devidos pelo patrocínio referido nos números anteriores constituem encargos do Estado.»
Dá-se o caso, porém, de o artigo 9.º do Código de Processo do Trabalho se referir à intervenção acessória do Ministério Público na eventualidade de ter exercido representação ou patrocínio oficioso que cessaram por ter sido constituído mandatário judicial.
Levantar-se-ia a questão de determinar qual das intervenções acessórias deve assumir: por conta da proteção dos trabalhadores e dos seus direitos sociais ou no interesse da observância da imunidade dos bens de Estados estrangeiros contra providências cautelares e atos de execução?
III.
Para melhor elucidação acerca do pedido de consulta e das questões especificadas, às quais somos chamados a responder, reproduz-se a douta Informação/parecer de 27 de fevereiro de 2024[6], da Senhora Procuradora, Dra. Inês Robalo, Assessora do Gabinete, e que obteve a concordância de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, por despacho de 26 de setembro de 2024[7]:
«I. Do Parecer proferido
Na sequência do superior despacho de Vossa Excelência, foi elaborado o parecer do Conselho Consultivo que antecede, ao abrigo do artigo 44.º d) do Estatuto do Ministério Público.
Dirigia-se o parecer a dar resposta às seguintes questões:
1. Em que termos e condições é aplicável a imunidade de jurisdição às Embaixadas e representações diplomáticas estrangeiras, em geral, em Portugal?
2. Em que termos e condições é aplicável a imunidade de execução às Embaixadas e representações diplomáticas estrangeiras, em geral, em Portugal?
3. Quais os bens e valores sujeitos a imunidade de execução nos termos e condições explanados na questão anterior?
4. Mais concretamente, estão abrangidos pela (eventual) imunidade de execução os saldos bancários titulados por Embaixadas de outros Estados em Portugal?
5. Atento do disposto no artigo 19.º, c), da Convenção de Nova Iorque sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, compete ao exequente ou ao executado demonstrar que os bens ou valores objeto de medidas de execução são utilizados ou destinados a ser utilizados com outra finalidade que não a de interesse público?
6. Considerando o enquadramento constitucional e estatutário da intervenção do Ministério Público em defesa da legalidade e do interesse público, inclusive a título acessório, pode o Ministério Público intervir em processos executivos em que seja executada representação diplomática em Portugal com vista a salvaguardar o cumprimento das obrigações de direito internacional a que o Estado português se encontra vinculado?
a. Em particular, poderá esta intervenção ocorrer numa perspetiva de intervenção em representação do Estado/administração, na sequência de interpelação do Estado português — Ministério dos Negócios Estrangeiros?
b. Ou poderá esta intervenção ser fundada na dimensão de atuação em nome do Estado/Coletividade, para defesa da legalidade e do interesse público na salvaguarda do cumprimento das obrigações a que o Estado português se encontra vinculado, no particular domínio da imunidade de jurisdição e de execução?
7. Por outra via, poderá o Ministério Público intervir na qualidade de amicus curiae, em processos executivos em que seja executada representação diplomática, em Portugal, em virtude de estar em causa a apreciação de questão excecional de conhecimento oficioso do tribunal?
A análise partiu das posições já expressas no presente DA, nas informações elaboradas por este Gabinete e pelo Departamento Central do Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos.
I.1. Nessa sequência, debruçou-se, em primeiro lugar, pela distinção entre imunidade de jurisdição e imunidade de execução, nos seguintes e resumidos termos:
«Imunidade de jurisdição significa que o Estado estrangeiro não pode, sem o seu consentimento, ser parte num processo declarativo perante os tribunais portugueses.»
«A imunidade de execução é, em bom rigor, uma imunidade de jurisdição, mas contempla, especificamente, a ação executiva: o património de um Estado estrangeiro em Portugal não pode ser penhorado nem executado.»
Distinguindo-as, ainda, das imunidades diplomáticas e consulares — por não ser delas que nos ocupamos — com recurso ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.06.2014, cujo sumário se transcreve: «A imunidade jurisdicional dos Estados é um instituto distinto das imunidades diplomáticas e consulares, pelo que, sendo a ação proposta contra a Embaixada de um Estado estrangeiro, não está em causa a aplicação direta do regime das imunidades contido na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas».
Por outro lado, o parecer esclarece, a respeito da competência internacional dos tribunais portugueses — questão diversa, também daquelas objeto do pedido de parecer — que «pode dar-se o caso de os nossos tribunais disporem de competência internacional para julgar certa questão ou para emprestar a sua autoridade a uma determinada execução, mas suceder que o réu ou o executado não se encontrem sujeitos à jurisdição de tribunais estrangeiros (de nenhum tribunal estrangeiro) com fundamento em normas de direito internacional».
Neste plano, e atenta a dinâmica e as regras processuais aplicáveis, o parecer mais esclarece que «devendo ser processualmente refletida a obrigação do Estado português de conceder imunidades de jurisdição a certas pessoas, a sujeição à jurisdição não pode deixar de ser qualificada como um pressuposto processual e as imunidades de jurisdição como exceções dilatórias (e não perentórias)», muito embora as mesmas não constem expressamente do elenco (não taxativo) previsto no artigo 577.º. enquadramento que, a respeito de uma outra questão de imunidade de jurisdição (nos dois primeiros, respeitante às organizações internacionais), foi já aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 08.09.2021, de 21.09.2021 e de 29.03.2021, citados pelo parecer, sendo certo que todos defenderam que esta exceção dilatória implica a absolvição do Réu da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil(µ).
I.2. Nesta sequência, e adentrando na estrutura da ação executiva, reconhecendo que a penhora é o ato fundamental do processo executivo (de acordo com o ensinamento de JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ali citado), assinala que a mesma produz os seus efeitos em momento anterior à citação do executado e, como tal, à oportunidade para deduzir oposição ou embargos. Circunstâncias processuais às quais acresce a atual inexistência, em regra, de despacho judicial prévio ao ato de penhora, levado a efeito pelo agente de execução.
I.3. No que concerne à intervenção do Ministério Público, o parecer começa por referir a possibilidade, constitucionalmente consagrada, de representação do Estado português em juízo, pelo Ministério Público, nada se prevendo quanto à representação de Estados estrangeiros. Ainda assim, e face à possibilidade de «atuação de competências oficiosas que a lei confere especial e diretamente ao Ministério Público, com vista à realização de interesses especificamente a seu cargo» (CARLOS LOPES DO REGO, citado no parecer), a posição assumida pelo Conselho Consultivo é perentória no sentido de afirmar que, nas situações em apreço, «a intervenção acessória justifica-se, aqui, não tanto pela condição estatutária pública da parte, mas pelo interesse público que se encontra em jogo».
I.4. Nesta sequência, e com respeito à intervenção dos Estados estrangeirosβ em juízo, o parecer reconhece que os mesmos podem intervir como parte — não obstante a imunidade de jurisdição de que beneficiam — representados, organicamente, pelas respetivas missões diplomáticas e postos consulares, patrocinados por advogado. Nesta parte o parecer reconhece a aplicação por analogia dos artigos 13.º e 14.º do Código de Processo Civil, citando, em sentido concordante, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.05.2011.
I.5. Quanto à dimensão da imunidade de execução, o parecer sublinha «que o critério que opõe atos jus imperii e jus gestioni é impraticável para o efeito de delimitar a imunidade de execução. O que importa saber é dos bens que podem ser penhorados e, aqui, é preciso começar por distinguir bens próprios do diplomata e património do Estado, ainda que adstrito ao seu uso privativo.»
O artigo 22.º da Convenção de Viena estabelece o princípio da inviolabilidade dos locais e bens que servem de suporte à missão diplomática — princípio que, de resto, como acima assinalado, decorria já do direito consuetudinário. Com efeito, é pacífico o entendimento segundo o qual «as instalações de cada missão diplomática não se encontram subtraídas ao território nacional do Estado acreditador nem à soberania que lhe compete exercer».
Assim, e distinguindo a imunidade de jurisdição (das ações declarativas) da imunidade de execução, o parecer reconhece que esta última se apresenta mais extensa e mais intensa: «a generalidade dos bens dos Estados estrangeiros encontram-se a salvo da penhora e as exceções à imunidade de execução são menos numerosas e de menor alcance do que as exceções à imunidade de jurisdição». Ou seja, «se a imunidade de jurisdição subtrai os atos jus imperii do Estado estrangeiro ao poder de jurisdição do Estado do foro, a imunidade de execução concede proteção à generalidade do seu património, ainda que o Estado tenha sido condenado. O património do Estado não pode nem deve ser classificado segundo o critério da finalidade ou natureza dos atos para tal efeito.» O que significa, nas palavras de JÓNATAS MACHADO, citado no parecer, que «Mesmo em situações em que não é oponível a imunidade de jurisdição, os Estados conservam prerrogativas de natureza coerciva e executiva.» Pelo que, acrescenta o parecer, «Não é de excluir, por conseguinte, a demanda de um Estado sem que a sentença que o condene possa ser executada sobre os seus bens».
I.6. Especificamente, quanto aos saldos bancários, «a prática reiterada tem consolidado a salvaguarda dos depósitos bancários, como princípio geral, o que se refletiu no resultado final dos trabalhos de codificação empreendidos pela Comissão de direito Internacional, muito em particular na expressa menção das contas bancárias por parte do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens».
Assim, «os saldos das contas bancárias abertas pelas missões diplomáticas constituem património do Estado e beneficiam, por conseguinte, não apenas da imunidade diplomática, como também da imunidade de execução geralmente reconhecida aos bens de um Estado que se encontrem no território de outro (independentemente das relações diplomáticas entre ambos)».
Sobre este concreto aspeto, é esclarecedora a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bensg, em particular os respetivos artigos 18.º e 19.º, respetivamente, sobre a imunidade relativamente a medidas cautelares anteriores ao julgamento e medidas de execução posteriores ao julgamento. Tais preceitos possibilitam o arrolamento, o arresto e a penhora, para além das situações de consentimento expresso ou de reserva ou afetação de bens, pelo Estado visado, para satisfação do pedido que constitui o objeto do processo [alíneas a) e b) do artigo 19.º], nos casos em que ficar demonstrado que os bens são especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a do serviço público sem fins comerciais e estão situados no território do Estado do foro, com a condição de que as medidas de execução posteriores ao julgamento sejam tomadas apenas contra os bens relacionados com a entidade contra a qual o processo judicial foi instaurado [alínea c) do mesmo preceito].
Assim, será ónus do exequente demonstrar a diversa utilização dos bens que pretende executar e não será suficiente demonstrar, simplesmente, a finalidade comercial. Razões pelas quais o parecer sugere «do que se trata é de criar uma convicção sólida de que os ativos não se prestam ao serviço público desempenhado pela representação diplomática», convocando o conceito de domínio privado.
Nesta destrinça importa, ainda, atender às presunções que operam juris et jure sobre determinadas categorias específicas de bens, em benefício do Estado estrangeiro, previstas no artigo 21.º da mesma Convenção de Nova Iorque, onde estão incluídas, na alínea a) do n.º 1 «qualquer conta bancária, utilizados ou destinados a ser utilizados no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais, ou delegações junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências internacionais».
Presunções que determinam a indisponibilidade dos bens a que se refere, «seja pela pertença ao domínio público, seja por fazerem parte do domínio privado afeto a uma concreta utilidade pública». E nas categorias de bens objeto de tais presunções inserem-se os saldos das contas bancárias, o que, no dizer do parecer em apreço, reforça a «inviolabilidade diplomática que já decorria, a nosso ver, do artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961)».
Deste modo, e na concreta perspetiva levada à apreciação do Conselho Consultivo este órgão esclarece: «a afetação de uma conta bancária ao serviço público diplomático ou consular pode indiciar-se pelo simples facto de veicular o pagamento de despesas correntes: os vencimentos do pessoal diplomático ou consular, os encargos com o arrendamento das instalações, as tarifas de serviços económicos de interesse geral (abastecimento de eletricidade, de água, de comunicações)».
Assim, lembrando que «os saldos bancários de utilização diplomática se encontram sob uma presunção reforçada de imunidade de execução», o parecer acrescenta que «o preceito não exige que a utilização seja apenas para esses fins». Com efeito, «Além de o seu teor literal dispensar a utilização exclusiva para as despesas com a missão, há um amplo consenso na doutrina internacional acerca da inviolabilidade das contas bancárias afetas às missões diplomáticas e aos postos consulares, no sentido de que basta a determinada conta ser parcialmente usada para fins públicos e beneficiar do artigo 19.º, alínea c)».
I.7. Nesta sequência, o parecer reforça, com apelo a decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que tal previsão e proteção das imunidades de jurisdição não violam a garantia constitucional do direito de acesso à justiça prevista no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Assim como, à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, não corresponde a uma restrição desproporcionada do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
I.8. Sobre o respeito pelas imunidades de jurisdição, o parecer lembra que, neste plano, o Ministério Público desempenha relevante papel, «deixando intocada a independência dos tribunais e respeitando o princípio da separação de poderes». Com efeito, «se o conhecimento das imunidades de jurisdição deve ser oficioso (artigo 6.º, n.º 1 [da Convenção de Nova Iorque] isso não quer dizer que infalivelmente esteja assegurado e que, por isso, a intervenção do Ministério Público seja despicienda».
Nesta conformidade, à luz do artigo 325.º do Código de Processo Civil e das previsões normativas do respetivo Estatuto, o Ministério Público assume, na intervenção acessória, posição de defesa do interesse público e não propriamente coadjuvação [como ocorre com o assistente]. Será precisamente a existência de um interesse público que o justifique que legitimará o Ministério Público a intervir de forma acessória. Ora, «uma decisão judicial que possa suscitar questões acerca do cumprimento das suas obrigações internacionais pela República Portuguesa ou mesmo a sua responsabilidade internacional parece justificar plenamente a intervenção do Ministério Público».
Por outro lado, e atenta a letra do artigo 10.º, n.º 1, a) do Estatuto do Ministério Público, o parecer sublinha que os Estados estrangeiros são reconhecidos, na nossa ordem jurídica, como pessoas coletivas públicas. «Como tal, o Ministério Público deve ser notificado oficiosamente das ações intentadas contra Estados estrangeiros, a fim de intervir acessoriamente na defesa da imunidade que lhes possa assistir». Neste raciocínio, o parecer vai mais longe afirmando: «Sem ter sido dada vista ou exame ao Ministério Público, apenas ocorre sanação desde que a missão diplomática a que devia prestar assistência tenha feito valer os seus direitos no processo por intermédio do seu representante (artigo 194.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Se, pelo contrário, a causa tiver ocorrido à revelia do Estado estrangeiro, o processo é anulado a partir do momento em que devia ter sido dada vista ou facultado exame ao Ministério Público (n.º 2)».
A respeito, o parecer recorda os ensinamentos de CARLOS FERNANDES CADILHA no sentido de o Ministério Público só poder intervir como parte acessória «quando o processo não tenha sido intentado por sua própria iniciativa (como sucede na ação pública ou na ação popular) ou quando nele não intervenha como representante processual do autor ou do réu, designadamente nos casos de representação do Estado e das regiões autónomas, das autarquias locais e de incapazes e ausentes. Não pode existir, portanto, um qualquer conflito entre pessoas, entidades ou interesses que o MP deva representar a título principal ou acessório, visto que a intervenção principal, quando deva ter lugar, exclui necessariamente a intervenção acessória».
II. Da necessidade de esclarecimentos adicionais — os processos laborais
No que respeita aos processos laborais (declarativos), a análise efetuada no parecer em apreço conduz já à conclusão segundo a qual o princípio é o da não invocação da imunidade, convocando, para tal, o texto da Convenção de Nova Iorqueg:
«As questões emergentes de contratos de trabalho alheios ao exercício de funções diplomáticas (pessoal de apoio técnico e administrativo, motoristas, cozinheiros, copeiros e outros serviçais) marcam um dos setores em que a imunidade mais terá conhecido recuos:
«Artigo 11.º
(Contratos de trabalho)
1 — Salvo acordo em contrário entre os Estados em questão, um Estado não pode invocar a imunidade de jurisdição num tribunal de outro Estado que seja competente para julgar o caso num processo judicial que diga respeito a um contrato de trabalho entre o Estado e uma pessoa singular para um trabalho realizado ou que se deveria realizar, no todo ou em parte, no território desse Estado.
2 — O n.º 1 não se aplica se:
a) O trabalhador foi contratado para desempenhar funções específicas que decorrem do exercício de poderes públicos;
b) O trabalhador for:
i) Um agente diplomático, tal como definido na Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961;
ii) Um funcionário consular, tal como definido na Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963;
iii) Um membro do pessoal diplomático das missões permanentes junto de organizações internacionais, de missões especiais, ou se for contratado para representar um Estado numa conferência internacional; ou,
iv) Uma qualquer pessoa que goze de imunidade diplomática.
c) O processo judicial se referir à contratação, renovação do contrato ou reintegração do trabalhador;
d) O processo judicial se referir á cessação unilateral do contrato ou despedimento do trabalhador e, se assim for determinado pelo chefe de Estado, chefe de governo ou ministro dos negócios estrangeiros do estado empregador, esse processo puser em causa os interesses de segurança desse Estado;
e) O trabalhador for nacional do Estado empregador no momento da instauração do processo judicial, salvo se a pessoa em causa tiver residência permanente no Estado do foro; ou,
f) O Estado empregador e o trabalhador acordaram diversamente por escrito, sob reserva de considerações de ordem pública conferindo aos tribunais do Estado do foro jurisdição exclusiva em função do objeto do processo.»
Após reconhecer que a ausência de imunidade de jurisdição — no sentido da possibilidade de o Estado estrangeiro ser demandado em ação declarativa — não impede o posterior reconhecimento de imunidade de execução em fase executiva daquela mesma ação, o parecer utiliza, precisamente, o exemplo das ações laborais para ilustrar essa destrinça, do seguinte modo:
«Se, por hipótese, um Estado estrangeiro for condenado a pagar determinada indemnização a um trabalhador que despediu ilicitamente, por se considerar que a relação jurídica não cabia na esfera acta de jure imperii, nem por isso pode a sentença condenar o réu a reintegrar o trabalhador, como não pode penhorar-lhe bens que considera serem acessórios».
Relevante exemplo, porquanto alguns dos casos já reportados á Procuradoria-Geral da República prendem-se, precisamente, com a execução de condenações proferidas em sede de ações laborais, com vista a satisfazer créditos laborais nelas reconhecidos.
É o caso da recente penhora de saldos bancários da Embaixada da Líbia em Portugal, analisado no âmbito do DA 1619/24, cujo processo executivo visava o pagamento coercivo das retribuições e subsídios devidos, bem como das indemnizações em substituição da reintegração e por danos não patrimoniais em que a Embaixada havia sido condenada, na qualidade de entidade empregadora, no âmbito do processo n.º 20069/17.8T8LSB, que correu termos no Juízo Central do Trabalho de Lisboa.
Num outro caso, junto ao DA 809/17 e suscitado já após a remessa do pedido de parecer ao Conselho Consultivo, foi tomada posição discordante com a ora adotada no parecer — posição ali sustentada em parecer elaborado pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto Dr. Viriato Reis, depois recuperado pelo Exmo. Senhor Procurador da República dirigente da Procuradoria do Juízo do Trabalho de Lisboa, Dr. Manuel Rosário Nunes, no âmbito do dossiê de preparação e acompanhamento n.º 551/19.3Y7LSB, a respeito da intervenção do Ministério Público na execução da ação de impugnação da regularidade do despedimento, que correu termos naquele juízo sob o n.º 12515/16.4T8LSB.
De acordo com a posição defendida pelo mencionado parecer na comarca de Lisboa, «não se vislumbra que se possa afirmar haver conexão relevante do objeto da causa com o interesse público, que eventualmente permitisse equacionar a intervenção do Ministério Público na ação, aqui já não como parte acessória, mas na veste de assistente». Acrescentando, «No caso dos autos, quer na ação declarativa quer no processo executivo, estão em causa interesses privados decorrentes de um litígio laboral e judicial entre um trabalhador e um empregador que, no caso vertente é a representação diplomática de um Estado estrangeiro, no qual o trabalhador reclama da ré entidade empregadora o pagamento de créditos laborais. (…) os interesses controvertidos no processo não são de natureza pública, dado que a ação judicial se funda numa relação de caráter privado, tendo a ação por objeto a licitude do despedimento do trabalhador por parte da entidade empregadora» (parecer junto ao DA 809/17 e cuja posição […] Exmo. Senhor Procurador da República dirigente da Procuradoria do Juízo do Trabalho de Lisboa, Dr. Manuel Rosário Nunes se junta em anexo à presente informação para melhor esclarecimento[8]).
Argumentos aos quais acrescia o entendimento segundo o qual «o objetivo do controlo da legalidade poderá, em princípio, ser alcançado pela via do recurso previsto nos termos do disposto [pelos] artigos 252.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e ainda nos termos do preceituado na alínea q) do n.º 1, e n.º 3 do mencionado artigo 4.º do Estatuto do Ministério Público», sem que houvesse a necessidade ou sequer legitimidade, de acordo com aquela posição, para a intervenção acessória do Ministério Público ou a título de assistente.
Mais, a posição assumida, nos termos transcritos, na Procuradoria da comarca de Lisboa, utiliza, ainda, outro argumento para afastar a necessidade de intervenção do Ministério Público: a Embaixada estava «devidamente representada nos autos através de mandatário constituído e “exerc[eu] os seus direitos de defesa nos termos e nos momentos processuais em que quis fazer”».
Ora, o parecer do Conselho Consultivo sob análise resolve a questão da natureza privada da relação jurídica que dá causa à ação, bem distinguindo, a respeito, como vimos, a imunidade de jurisdição da ação declarativa — aferida pela natureza do litígio em causa — da imunidade de execução — que se centra na natureza dos bens executados. Destrinça que permitiu afirmar, como acima citado, que não obstante poder não ser aplicável a imunidade de jurisdição em sede de ação declarativa, em virtude da natureza privada, in casu laboral, da relação jurídica sub judice, aplicar-se-á a imunidade de execução aos bens pela mesma abrangidos, neste caso, àqueles que estejam afetos à missão diplomática.
Assim como resolveu a questão da natureza da intervenção do Ministério Público, na qualidade de amicus curiae, ao abrigo da intervenção acessória prevista no artigo 325.º do Código de Processo Civil, tal como havíamos defendido inicialmente no presente DA.
Questão diversa, que o parecer não resolve expressamente, é a questão de eventual conflito de representações. Isto é, se o prévio patrocínio do trabalhador pelo Ministério Público, em ação declarativa impede que, em sede executiva, intervenha de forma acessória, de modo a evitar atropelos à imunidade de execução, em defesa da legalidade e como garante do cumprimento das obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado português.
Com efeito, ao Ministério Público incumbe, estatutariamente, também o patrocínio de trabalhadores [cf. Artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do Estatuto do Ministério Público]. Exercício do patrocínio igualmente previsto no artigo 7.º, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Este patrocínio judiciário, não sendo exclusivo nem obrigatório — isto é, não impedindo a constituição de mandatário nem o recurso a apoio judiciário para nomeação de patrono — representa para os trabalhadores uma garantia acrescida no acesso ao direito e aos tribunais, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa ε. Possibilidade e garantia que decorrem, também, dos valores e da natureza da relação laboral, como garantia, também, de equilíbrio entre as partes — por definição, numa relação desigual, atenta a subordinação do trabalhador ao empregador.
Por não ser de natureza obrigatória ou exclusiva, mas sim subsidiária, esta representação ou patrocínio oficioso do trabalhador pelo Ministério Público cessa logo que seja constituído mandatário, sem prejuízo da intervenção acessória do Ministério Público (cf. Artigo 9.º do Código de Processo do Trabalho). Contudo, tal intervenção acessória (obrigatória) é afastada «nos processos declarativos comuns laborais em que o patrocínio dos trabalhadores — autores ou réus — nunca tenha sido por si exercido», nas palavras de JOÃO MONTEIRO ζ, resultantes da interpretação conjugada do referido artigo 9.º com as normas estatutárias aplicáveis. Não sendo obrigatória, tal intervenção acessória não se encontra vedada, de acordo com o mesmo Autor, ao abrigo tanto do Estatuto do Ministério Público, como do, agora, artigo 325.º do Código de Processo Civil (antigo artigo 355.º, antes da reforma de 2013).
Perante a possibilidade de conflito de representações, o Estatuto do Ministério Público estabelece no atual artigo 93.º, n.º 1 (que corresponde ao anterior artigo 69.º) o critério de resolução nos seguintes termos: «Em caso de conflito entre entidades, pessoas ou interesses que o Ministério Público deva representar, os magistrados coordenadores das procuradorias da República de comarca e administrativas e fiscais, com faculdade de delegação, solicitam à Ordem dos Advogados a indicação de um advogado para representar uma das partes».
Embora o preceito apenas se refira a conflitos de representação, idêntica solução deverá, parece-nos, ser adotada em caso de conflito de patrocínio versus representação ou versus intervenção em defesa da legalidade ou do interesse público.
Não obstante aquele preceito ser omisso no que respeita à opção a tomar pelo Ministério Público, perante a hipótese, em abstrato, de conflito entre a representação do Estado Administração Central e o patrocínio de trabalhador que tenha com aquele vínculo laboral de direito privado, JOÃO MONTEIRO, no artigo já citado, avança no sentido de ser a representação orgânica do Estado a representação natural do Ministério Público, pelo que deverá, «em princípio, prevalecer essa representação orgânica sobre a representação ou patrocínio de outras entidades, pessoas ou interesses, embora sem prejuízo da continuidade da representação ou patrocínio já assumidos no processo pelo Ministério Público».
Entendimento que foi expresso, assinala-se, por um lado, em termos latos, sobre a representação ou patrocínio em sede de processo declarativo e, por outro lado, sobre a representação do Estado e em momento anterior à previsão legal do Centro de Competências Jurídicas do Estado — JURISAPP — agora com especiais atribuições de representação do Estado em juízo η.
A idêntica conclusão chegou o Parecer n.º 7/2014, cujas conclusões foram homologadas pela Diretiva 4/2014/PGR, a respeito de situação distinta, referente à representação em juízo dos Institutos Públicos pelo Ministério Público. Lê-se nas últimas conclusões deste Parecer:
«8. Caso se verifique um conflito, presente ou eventual, entre os interesses do Estado e os de um instituto público, o Ministério Público deve optar pela defesa do primeiro, na medida em que os artigos 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevalecem sobre a regra do artigo 21.º, n.º 4, da Lei-quadro dos Institutos Públicos, por decorrerem diretamente do indirizzo constitucional constante do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
9. Pelo contrário, se ocorrer um conflito, presente ou eventual, entre a representação em juízo de um instituto público e a defesa da legalidade democrática ou o exercício da ação penal, estas últimas devem prevalecer, aplicando-se o mecanismo do artigo 69.º do Estatuto do Ministério Público, embora os órgãos dirigentes do instituto possam constituir advogado, não tendo de aceitar aquele que seja designado pela Ordem dos Advogados.»
Na fundamentação do parecer citado, n.º 7/2014, pode ler-se, ainda, com relevo: «tem-se entendido maioritariamente que o Ministério Público não pode assegurar o patrocínio de outras entidades — por exemplo, incapazes ou menores — contra o Estado, até porque as funções de defesa do Estado decorrem da Constituição, ao contrário destes últimos».
Ainda assim, na questão que nos ocupa não estará, propriamente em causa o conflito entre o patrocínio do trabalhador e a representação orgânica do Estado, mas sim o potencial conflito entre aquele patrocínio oficioso e a intervenção (acessória) em defesa da legalidade e do interesse público subjacente ao cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Estado português. Ou seja, não se trata de representação orgânica nem de representação em sentido próprio, já que, como vimos esclarecido no parecer do Conselho Consultivo, o Ministério Público não intervém em representação dos Estados estrangeiros nem das respetivas representações diplomáticas.
Se é certo que o patrocínio oficioso dos trabalhadores é particularmente condicionado pelos princípios da objetividade e da legalidade estritas, que vinculam toda a atuação funcional do Ministério Público, por força da Constituição da República e do respetivo Estatuto θ, quando a defesa da legalidade e do interesse público se mostrem contrários, ou, pelo menos, conflituantes, porque impeditivos da satisfação dos direitos e interesses do trabalhador, poder-se-á colocar, parece-nos, uma situação de conflito.
Com efeito, e tal como se escreveu no Parecer do Conselho Consultivo n.º 7/2014, acima citado, «o Ministério Público caracteriza-se, nas palavras de SÉRVULO CORREIA, pela unidade orgânica, mas também pela multiplicidade de funções e pela prossecução de diferentes interesses públicos, bem como pela polifuncionalidade» ι. Dentro da multiplicidade de funções atribuídas ao Ministério Público, situações diversas podem, de facto, ocorrer em que os interesses ou valores que ao Ministério Público incumbe representar ou, em geral, defender, se encontram em conflito, num mesmo processo.
Na situação que ora nos ocupa, a opção conflituante tem, ainda, a nuance de se situar entre a intervenção principal em que se consubstancia o patrocínio do trabalhador e a intervenção acessória, em defesa do interesse público. Nesta oposição, entre a intervenção acessória e a principal, o artigo 93.º do Estatuto, acima citado, também não adianta, a nosso ver, solução expressa e direta.
Para alcançar uma tal solução para diferendo desta natureza será, no nosso entendimento, necessário articular o citado preceito com os artigos 9.º e 10.º do mesmo diploma e, bem assim, com as normas que regulam o patrocínio dos trabalhadores, mormente os artigos 7.º a 9.º do Código de Processo do Trabalho, em particular com a norma que possibilita a recusa de patrocínio. Esta possibilidade, prevista no artigo 8.º daquele Código, não estabelece, contudo, como critério expresso de recusa de patrocínio a defesa de interesse público eventualmente conflituante com os interesses dos trabalhadores, lendo-se no n.º 1: «O Ministério Público deve recusar o patrocínio a pretensões que repute infundadas ou manifestamente injustas e pode recusá-lo quando verifique a possibilidade de o autor recorrer aos serviços do contencioso da associação sindical que o represente».
O caminho até agora percorrido deixa em aberto pertinentes questões que merecem, a nosso ver, e salvo sempre melhor entendimento, superior pronúncia, complementar, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, com vista a aferir, nomeadamente, se no caso de o Ministério Público ter exercido o patrocínio do trabalhador na ação declarativa laboral condenatória de serviços consulares: (i) poderá o Ministério Público patrocinar, ainda, o trabalhador na fase executiva? (ii) Ou deverá abster-se de o fazer em razão da imunidade de execução reconhecida às missões diplomáticas (a qual assume, porém, atualmente, dimensão relativa, como acima se viu)? (iii) E, abstendo-se do patrocínio, poderá ter intervenção acessória na fase executiva da ação laboral, não obstante o patrocínio do trabalhador no processo declarativo?
Os casos sinalizados à Procuradoria-Geral da República pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros demonstram que a execução de bens detidos por missões diplomáticas surge associada, nalguns deles — em particular nos dois referidos casos suscitados após o pedido de parecer — a ações declarativas de natureza laboral.
Atentas as atribuições do Ministério Público na jurisdição laboral, de patrocínio dos trabalhadores, e à sua importância histórica e, sobretudo, social, cumpre, a nosso ver, esclarecer as questões acima enunciadas para que a doutrina vertida no parecer solicitado e ora analisado seja, também, na jurisdição laboral, acolhida sem reservas ou sem subsequentes interrogações.
III. Proposta de sequência
Face à necessidade de esclarecimentos adicionais sustentada no ponto anterior, ousa-se sugerir a Vossa Excelência que seja solicitado parecer complementar ao parecer n.º 11/22, de 24 de novembro de 2022.
Caso esta proposta de sequência mereça o superior acolhimento de Vossa Excelência, e sem prejuízo de outras questões e de melhor reformulação das seguintes, permitimo-nos, desde já, apresentar proposta de questões a apresentar ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, d) do Estatuto do Ministério Público:
i. As atribuições e competências do Ministério Público na jurisdição laboral impedem que intervenha acessoriamente, ao abrigo do disposto no artigo 325.º do Código de Processo Civil, com vista a garantir a legalidade da execução e o respeito pela imunidade de execução na fase executiva de ação laboral que opôs Embaixada de Estado estrangeiro ao seu trabalhador?
ii. A resposta à questão anterior será distinta caso o Ministério Público tenha exercido o patrocínio do trabalhador [no] processo declarativo laboral que opôs Embaixada de Estado estrangeiro a trabalhador da mesma?
iii. Pode o Ministério Público exercer o patrocínio do trabalhador de Embaixada de Estado estrangeiro na fase executiva, sem prejuízo da reconhecida imunidade de execução em termos relativos, requerendo a execução de bens excecionados da imunidade de execução, i.e., utilizados ou destinados a ser utilizados com outra finalidade que não a do serviço público, nomeadamente para fins comerciais?
iv. Em caso de conflito de representações (cf. Artigo 93.º do Estatuto do Ministério Público), em sentido lato, entre o patrocínio oficioso do trabalhador e a defesa da legalidade e do interesse público no cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado português — ainda que em sede de intervenção acessória, na qualidade de amicus curiae — em sede de imunidade de jurisdição ou de execução, qual a atribuição estatutária do Ministério Público que deverá prevalecer?
v. Na sequência da resposta à pergunta anterior, por quem deverá ser exercida a representação ou patrocínio do interesse que ficar preterido em razão do dito conflito?
Eis, Excelentíssima Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República, o que se nos oferece levar à superior apreciação de Vossa excelência, que melhor analisará e decidirá.
Lisboa, 27.02.2024
A Assessora,
a) Inês Robalo»
A proposta vinda de transcrever seria objeto de aprovação, como assinalámos, por despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, de 26 de setembro de 2024.
Cumpre-nos, assim, emitir parecer[9], nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, alínea d), do Estatuto do Ministério Público.
IV.
Para esse efeito, importa revisitar as diferentes posições acerca do papel do Ministério Público no que toca à imunidade de jurisdição de Estados estrangeiros e seus bens no foro português.
Posições que, de uma banda, entendem não dever o Ministério Público praticar qualquer intervenção, e de outra, afirmam competir-lhe a representação natural ou orgânica, como extensão do Ministério dos Negócios Estrangeiros e, destarte, do Estado português.
Na verdade, se alguns sustentam que a defesa da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros compete, de modo exclusivo, aos próprios, através dos mandatários judiciais que os representem em juízo, não se justificando qualquer iniciativa da parte do Ministério Público, outros, ao invés, consideram que o cumprimento, na jurisdição interna, das normas e princípios de direito internacional geral ou comum deve convocar a representação orgânica do Estado, ou, pelo menos, a mencionada intervenção acessória, como amicus curiae, que faça valer o superior interesse público no tratamento irrepreensível a conceder pela República Portuguesa aos demais Estados soberanos e sujeitos equiparados[10].
Foi este último o entendimento propugnado pelo Conselho Consultivo no sempre citado Parecer n.º 11/2022, de 24 de novembro: o de uma intervenção acessória, a fim de garantir a imunidade, nos termos, por vezes, imprecisos, em que o direito internacional a configura.
Sem prejuízo da aturada retrospetiva levada a cabo na Informação que vimos de transcrever e das pertinentes considerações ali formuladas, vale a pena recapitular o que representa na ordem jurídica interna e nos tribunais portugueses o princípio da imunidade de jurisdição dos Estados e do seu património.
V.
Com JOÃO CASTRO MENDES/ MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[11] recordemos que apenas o Estado português se submete à jurisdição dos seus próprios tribunais:
«Pelo contrário, para Estados estrangeiros vale a regra de direito internacional comum de que par in parem non habet jurisdictionem (ou imperium ou ainda potestatem).
[…]
O direito internacional público é firme em conceder ao Estado estrangeiro uma certa medida de jurisdição civil: é o que vale para os acta iure imperii.»
Se o Estado português só pode ser julgado no seu foro, salvo o reconhecimento da jurisdição de um tribunal internacional[12], por tratado ou ato jurídico unilateral, de igual modo, os Estados estrangeiros não se encontram sujeitos à jurisdição dos tribunais portugueses.
À Imunidade de jurisdição acresce, até por maioria de razão, a inviolabilidade ou imunidade do seu património contra medidas executórias da Administração Pública[13] ou dos tribunais.
Ensina ANTONIO CASSESE[14] que a imunidade de jurisdição «impõe aos Estados absterem-se de intentar providências e ações cíveis ou administrativas com relação a um Estado estrangeiro sem o consentimento deste», de tal modo que, em contrapartida, «constitui direito dos Estados estrangeiros invocarem a imunidade a título de falta de jurisdição dos tribunais de um outro Estado».
Do mesmo passo, explica que a razão de ser é dupla[15]: «por um lado assenta no princípio da soberana igualdade entre os Estados (e da sua recíproca independência), que constitui um dos traços dominantes da comunidade internacional; por outro, é reflexo do princípio da separação de poderes, em virtude do qual as autoridades judiciais de um Estado não podem interferir na condução da política externa do próprio Estado, a cujos órgãos políticos centrais (Governo e Parlamento) diz respeito.»
Por seu turno, nas palavras de JÓNATAS MACHADO[16], tais imunidades significam:
«1) A deferência para com as prerrogativas de soberania do Estado demandado;
2) A impossibilidade prática, em muitos casos, de executar uma sentença contra ele proferida no Estado do foro, e
3) A noção de que, num conflito entre Estados soberanos, os tribunais de um deles, na sua qualidade de órgãos de soberania, não oferecem garantias de uma justiça independente e imparcial.»
A imunidade de jurisdição dos Estados soberanos e do seu património representa, não tanto, um caso de incompetência internacional, mas um pressuposto processual negativo, ou seja, que não pode dar-se por verificado.
A sua preterição constitui uma exceção inominada que deve levar à absolvição da instância, como faz ressaltar, ao distinguir a imunidade de jurisdição da falta de competência internacional dos tribunais portugueses, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de novembro de 2016[17]:
«(…)
VIII — À luz da norma consuetudinária internacional que rege nesta matéria, é de reconhecer a imunidade jurisdicional à República do Iraque numa ação instaurada por um seu trabalhador com as funções de tradutor que a demandou num tribunal português, relativamente ao pedido que visava a reintegração do trabalhador, imunidade que deve estender-se à indemnização que a lei perspetiva como sucedânea daquela reintegração.
IX — O que já não sucede com os pedidos formulados que radicam no incumprimento do contrato de trabalho (subsídio de Natal) e na alegada ilicitude do despedimento (danos não patrimoniais e retribuições intercalares), pois que quanto a estes a aplicação daquela regra consuetudinária, com o conteúdo que atualmente lhe é conferido na ordem jurídica internacional, determina o afastamento da imunidade.
X — A afirmação da competência internacional do tribunal português quanto a estes pedidos é conforme, quer com o direito interno, atento o princípio da coincidência entre a competência internacional e a competência territorial plasmado no artigo 10.º do Código de Processo do Trabalho (uma vez que o trabalhador reside em Portugal), quer com o direito da União Europeia na medida em que o TJUE entende que uma embaixada constitui um estabelecimento para efeitos do artigo 18.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 quando as funções do trabalhador se enquadrem na atividade de gestão do Estado (e a embaixada se encontra sediada num Estado-Membro).
XI — A convocação dos preceitos comunitários relativos à competência internacional pressupõe resolvida em termos negativos a questão, prévia, de saber se o Estado demandado podia invocar a sua imunidade jurisdicional quanto aos pedidos em causa na ação.
XII — A apreciação a que procedeu o TJUE no acórdão proferido no processo n.º C-154/11, no sentido de subsumir a embaixada de um Estado ao conceito de estabelecimento para efeitos do Regulamento (CE) n.º 44/2001, respeita o princípio de direito internacional consuetudinário sobre a imunidade jurisdicional dos Estados e a adoção da teoria da imunidade jurisdicional relativa.»
A inobservância das imunidades, contudo, nem sempre tem sido considerada uma exceção inominada, sem embargo, porém, de a incompetência absoluta produzir igual resultado: a absolvição da instância.
Com efeito, e não obstante referir-se à imunidade de uma organização internacional, e não de um Estado, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 8 de setembro de 2021[18], que a imunidade redundaria em incompetência absoluta:
«(…)
VI. A imunidade de jurisdição do Conselho da Europa constitui, assim, uma exceção dilatória, geradora da incompetência absoluta dos tribunais portugueses, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante da absolvição da instância, nos termos dos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 576º, n.º 2 e 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil.»
Há bons motivos para crer que, em rigor, não se trata de uma questão de incompetência internacional dos tribunais portugueses, mas de uma exceção inominada que assinala a falta de jurisdição, em razão da pessoa contra a qual é intentada a ação: um Estado soberano ou um outro sujeito de direito internacional para esse efeito equiparado, por norma consuetudinária ou por convenção internacional.
Com efeito, basta a aquiescência do Estado estrangeiro em ser réu ou executado, para os tribunais portugueses logo ficarem investidos na jurisdição e exercerem a competência, de outro modo, obstada pela imunidade.
Admitimos, com ISABEL ALEXANDRE[19] que a sujeição à jurisdição «só se distingue da competência internacional quando se atende às suas exceções, isso é, às imunidades».
No entanto, a sujeição à jurisdição deve entender-se que constitui «um pressuposto processual relativo ao tribunal, mas inominado», seguindo o pensamento da referida Autora[20], que afirma o seguinte[21]:
«O CPC não trata das consequências da proposição de uma ação contra uma pessoa que beneficie de imunidade de jurisdição, nem a contempla no elenco (se bem que não taxativo) das exceções dilatórias, constante do artigo 577.º».
Tal entendimento tem inevitáveis consequências ao nível do conhecimento oficioso do pressuposto de sujeição à jurisdição portuguesa e que a Autora reserva aos casos em que a imunidade não possa ser objeto de renúncia pelo demandado[22].
Por outras palavras, a imunidade de jurisdição nem sempre será do conhecimento oficioso dos tribunais portugueses[23], pois não se confunde com a incompetência absoluta[24] a que se refere o artigo 96.º do CPC (preterição do tribunal arbitral, de regras de competência material, de competência em função da hierarquia ou de competência internacional).
A ser conhecida, porém, constitui uma exceção dilatória (JOÃO DE CASTRO MENDES/ MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[25]) e, sendo proferida em Portugal uma sentença «com violação da sujeição à jurisdição portuguesa é ineficaz e não constitui, por isso, título executivo, dado que, sem renúncia pelo beneficiário, os tribunais portugueses não têm jurisdição em relação a essa parte[26]».
De igual modo, «uma sentença proferida no estrangeiro em relação a uma parte não sujeita à jurisdição do foro não pode ser reconhecida em Portugal: na falta de melhor fundamento para essa recusa de reconhecimento, pode invocar-se a violação da ordem pública internacional do Estado português[27]».
Todavia, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não é, como vimos, totalmente pacífica, pois se, por Acórdão de 13 de abril de 2023[28], reitera a incompetência absoluta:
« (…)
IV. A imunidade de jurisdição do Conselho da Europa constitui uma exceção dilatória, geradora da incompetência absoluta dos tribunais portugueses, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante da absolvição da instância, nos termos dos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 576º, nº 2 e 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil.»
Pouco antes, em Acórdão de 29 de março de 2022[29], propendia para que «a imunidade de jurisdição se consubstancia numa exceção dilatória que não conduz à incompetência absoluta dos Tribunais portugueses».
VI.
A imunidade de jurisdição dos Estados — declarativa e, depois, executiva — formou-se e consolidou-se no costume internacional, ao passo que a imunidade reconhecida às organizações internacionais decorre, em geral, de um tratado celebrado com o Estado em cujo território se encontra a sede e com os demais Estados Membros, signatários ou que a ele aderem quando assumem tal estatuto ou condição sem terem participado na assinatura[30].
A doutrina do direito internacional encontra as primícias da imunidade de jurisdição dos Estados em momento muito posterior ao da formação do primeiro corpo de normas consuetudinárias atinentes à imunidade diplomática.
E, com efeito, se na imunidade diplomática está em causa o estatuto dos legatários de um Estado e a inviolabilidade das instalações da missão acreditada e dos haveres ali conservados, na imunidade de jurisdição e dos bens encontram-se os próprios Estados estrangeiros e todo o seu património, afeto ou não ao uso pela embaixada ou pela rede consular.
A imunidade diplomática, por sua vez, nasceu como um prolongamento da imunidade do imperador, do pontífice, do rei, do príncipe ou de outro soberano aos seus enviados ou legatários junto das outras cortes, congressos ou conferências internacionais.
Progrediu lentamente para uma natureza funcional. Ne impediatur legatio: é esta a expressão que serve de divisa à imunidade diplomática. A imunidade surge entendida como o conjunto de condições propiciadas pelo Estado acreditador para que a legação do Estado acreditante possa desempenhar livre e plenamente a sua missão, até ao ponto em que o diplomata venha a ser declarado persona non grata e deva abandonar o posto.
Para se conceber a imunidade dos próprios Estados, foi preciso chegar ao ponto de maturidade em que o direito público admitiu a personalidade jurídica do Estado[31]; pessoa distinta do respetivo soberano — o rei, a nação ou o povo — e dos seus legatários ou núncios, ao longo do século XIX, logo se suscitando o problema de saber se um Estado pode ser réu numa ação cível intentada nos tribunais de outro Estado soberano e se o património que possui em tal território pode ser objeto de penhora e de outros atos de execução.
É bem ilustrativo de tal transição o célebre Acórdão Schooner Exchange v. McFaddon, do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América, de 24 de fevereiro de 1812[32]. Ao abster-se de arrestar um navio da Marinha francesa, por reconhecer a imunidade soberana do executado, invoca precedentes do direito inglês, tal como era aplicado antes da independência dos Estados Unidos da América, em 1776.
E, com efeito, os tribunais ingleses terão sido pioneiros na afirmação do princípio segundo o qual lhes faltaria jurisdição para julgar, não apenas a pessoa dos soberanos estrangeiros e dos plenipotenciários que os representassem, como também das instituições públicas dos respetivos Estados, designadamente as marinhas de guerra, as casas da moeda, feitorias e bancos centrais.
Não obstante usar certas fórmulas que ainda filiam a imunidade no soberano francês, a decisão reconheceu imunidade à Armada Francesa perante a jurisdição dos EUA, numa ação proposta pelo antigo proprietário do referido navio e que a Marinha francesa confiscara, em 1809, no porto de San Sebastian, em Espanha, por infringir o Bloqueio Continental, decretado por Napoleão I contra o Reino Unido.
Uma vez confiscado, fora convertido em vaso de guerra e renomeado, mas, ao dar entrada no porto de Filadélfia, por conta dos estragos causados por uma tempestade no alto-mar, o lesado procurou fazer valer o seu direito de propriedade.
Em vão, pois o Supremo não hesitou em fazer prevalecer a imunidade da Marinha de guerra francesa, ainda que invocando a imunidade pessoal do imperador francês:
«A um soberano que entra em território estrangeiro com conhecimento e permissão do respetivo soberano é lícito considerar que tal permissão, mesmo sem conter qualquer estipulação que o isente de arresto, é universalmente entendida como guardando implícita tal estipulação».
É este mesmo princípio que, passados dois séculos, o Tribunal Internacional de Justiça aplicou no Acórdão tirado em 3 de fevereiro de 2012[33], abreviadamente conhecido como Imunidades Jurisdicionais do Estado, emergente de um contencioso que opôs a Alemanha à Itália e, em certa medida, à Grécia.
A República Federal da Alemanha intentara uma ação contra a Itália, em 23 de dezembro de 2008, a respeito de um diferendo com origem na violação de «obrigações jurídicas internacionais» que este Estado teria cometido, ao não respeitar, na sua prática judicial, a imunidade de jurisdição reconhecida à Alemanha pelo direito internacional.
Não obstante a Itália invocar grave violação de normas de direito internacional, imperativas e inderrogáveis (jus cogens) pelo III Reich, ao longo da ocupação germânica de parte do seu território (1943-45), o Tribunal Internacional da Justiça julgou o seguinte:
«§107. Tudo visto, considera o Tribunal que a recusa dos tribunais italianos em reconhecerem a imunidade de jurisdição, a qual se concluiu podia a Alemanha invocar, a título de direito internacional consuetudinário, constitui uma falta às obrigações a que o Estado italiano tinha para consigo.
§108. Um certo número de questões sobre as quais as Partes se manifestaram pormenorizadamente não requer o exame do Tribunal. Em particular, não há necessidade para o Tribunal de saber se, como afirma a Itália, o direito internacional concede às vítimas de violação do direito dos conflitos armados um direito individual de reparação diretamente oponível. Não há necessidade tão-pouco de saber se, como afirma a Alemanha, o §4 do artigo 77 do tratado de paz ou as disposições dos acordos de 1961 implicavam renúncia automática às ações que vieram a ser intentadas na justiça italiana. Não que se trate, evidentemente, de questões sem importância: elas não convocam, simplesmente, nenhuma decisão no âmbito deste caso. A questão de saber se a Alemanha incorre, hoje ainda, para com a Itália ou para com os autores italianos, em responsabilidade por crimes de guerra e crimes contra a Humanidade por si cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, não afeta o seu direito à imunidade. De igual modo, a decisão do Tribunal relativa à questão da imunidade não poderia incidir sobre qualquer responsabilidade em que a Alemanha pudesse incorrer.»
A imunidade permite aos Estados soberanos atuar segundo o modo que entendem ser o melhor para o interesse nacional sem permanecerem condicionados pela litigância nos tribunais de outros Estados, na definição e prossecução da sua política externa[34].
Aquilo que levou a um progressivo alargamento das exceções à imunidade de jurisdição, ao ponto de hoje se falar de imunidade relativa, foi, sobretudo a atividade comercial de alguns Estados: se uma companhia aérea de bandeira adquire aeronaves a uma companhia privada, o Estado não deve poder invocar a imunidade em caso de incumprimento (GERHARD VON GLAHN/ JAMES LARRY TAULBEE[35]), tal como, eventualmente, poderia fazer se a compra fosse de aeronaves militares para equipar a sua força aérea.
Ao invés — com exceção da Suíça[36], e por razões que não custa adivinhar — a imunidade de execução só mais tarde começou a ser oposta aos tribunais; depois de a imunidade de jurisdição declarativa ter iniciado o progressivo recuo que hoje lhe conhecemos.
Sem sentenças para executar, a imunidade do património dos Estados estrangeiros não levantava dúvidas.
A partir do momento em que a questão começou a ser suscitada, nunca, porém, ocorreu um recuo similar ao da imunidade de jurisdição declarativa.
As providências cautelares e as ações executivas contra bens e direitos dos Estados estrangeiros deparam com uma abertura muito mais reduzida.
VII.
No sempre citado Parecer n.º 11/2022, de 24 de novembro, procurou este Conselho, louvando-se na jurisprudência e nos ensinamentos da doutrina nacional e estrangeira, acentuar a relevância da imunidade de jurisdição, não só na sua aplicação pelos tribunais internacionais e na ordem jurídica interna de outros Estados, como, sobretudo, pelos tribunais portugueses.
Ao contrário do que sucede em outras ordens jurídicas[37], não dispomos de um ato legislativo que consagre a imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros e de execução dos seus bens, mas nem por isso deixamos de aplicar a norma direta e imediatamente, por via da receção plena e automática na ordem jurídica portuguesa que a Constituição de 1976[38] consagra no artigo 8.º, n.º 1[39].
Se as normas e princípios de direito internacional geral ou comum — em grande parte, de matriz consuetudinária — fazem parte do bloco de legalidade, aliás, numa posição superior à do direito ordinário (artigo 8.º, n.º 2), então fazem parte das normas e princípios cuja defesa a Constituição, no artigo 219.º, n.º 1, confia ao Ministério Público:
«Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática».
É também a Constituição a professar, no artigo 7.º, n.º 1, o empenho da República Portuguesa para com os princípios da igualdade entre os Estados e da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados, ambos consignados no artigo 2.º, n.º 1 e n.º 7, respetivamente, da Carta das Nações Unidas[40], e ambos possuindo como corolário o referido princípio par in parem non habet iudicium.
Como vimos, de acordo com tal princípio, os tribunais de um Estado devem abster-se de julgar outros Estados soberanos e os sujeitos de direito internacional comummente equiparados, reconhecendo a igual soberania na ordem jurídica internacional.
Só assim pode um Estado reclamar tratamento recíproco nas jurisdições internas dos seus pares.
A relação entre igualdade soberana e imunidade dos Estados é explicada por DOMINIQUE CARREAU/ FABRIZIO MARRELLA[41], do seguinte modo:
«Se os Estados são soberanos, isso significa que não existe nenhuma autoridade que lhes seja superior: encontram-se, portanto, num mesmo plano. Por conseguinte o Estado A não poderá submeter o Estado B à sua jurisdição: se o Estado B estivesse sujeito às leis e tribunais do Estado A, a regra da igualdade ver-se-ia violada. Tal norma consuetudinária exprime-se com o conhecido brocardo par in parem non habet iudicium. Por outras palavras, entre iguais não se julga.»
E lembram os citados Autores[42] que já numa questão que opusera o Governo espanhol a Lambège e Pujol, o Tribunal de Cassação francês, em 21 de janeiro de 1849, observara que «A independência recíproca dos Estados é um dos princípios mais universalmente reconhecidos pelo direito das gentes. De tal princípio decorre que um Governo não pode ser sujeito, pelas dívidas que contrai, à jurisdição de um Estado estrangeiro.»
Um enunciado escorreito do princípio encontramo-lo em Espanha, na Ley Organica 16/2015, de 27 de outubro, ao definir a imunidade de jurisdição como «a prerrogativa de um Estado, organização ou pessoa de não ser demandado nem julgado pelos órgãos jurisdicionais de outro Estado» [artigo 2., alínea a)] e a imunidade de execução como «a prerrogativa com base na qual um Estado, organização ou pessoa e seus bens não podem ser objeto de medidas coercivas ou executivas de decisões dimanadas dos órgãos jurisdicionais de outro Estado» [artigo 2., alínea b)].
Entre nós, MIGUEL DE AZEVEDO MOURA[43] sugere uma definição mais compreensiva de modo a abarcar a imunidade perante a execução coativa de atos administrativos ou tributários:
«Privilégio jurídico de que um Estado beneficia, enquanto entidade soberana, a não estar sujeito a qualquer ato coercivo, sancionatório ou cautelar, de natureza administrativa ou judicial num território de outro Estado. De uma perspetiva jurisdicional, a imunidade do Estado é passiva: o Estado imune pode, em princípio, apresentar-se como autor, mas não pode ser demandado como réu em foro estrangeiro. (…) A imunidade do Estado, embora intimamente ligada a este sujeito de DI, estende-se outrossim às coisas que são objeto de direito de propriedade do Estado imune».
A verdade é que as questões de imunidade internacional de pessoas e bens são, porventura, o domínio do direito internacional geral ou comum que mais frequentemente se manifesta na administração da justiça: nos casos, não raros, em que os Estados estrangeiros são demandados nos nossos tribunais.
Geralmente, em ações propostas com vista ao cumprimento de obrigações de natureza civil ou laboral, como sucede com os litígios de trabalhadores e prestadores de serviços às legações diplomáticas acreditadas pelo Governo Português.
Na passagem do século XIX para o século XX, dando-se conta de que alguns Estados praticavam atos de gestão privada, por vezes, em concorrência no mercado e se acobertavam sob a imunidade de jurisdição, os tribunais belgas, seguidos pelos tribunais italianos e gregos[44], deram início a uma lenta e progressiva contenção da imunidade de jurisdição, abrindo caminho ao que hoje é comummente designado conceção relativa ou restrita.
No entanto, até ao seu colapso, em 1991, a União Soviética e os Estados da sua órbita sempre se opuseram tenazmente à menor cedência que fosse, pugnando pelo caráter inderrogável da imunidade. Com efeito, muitas empresas públicas desses Estados operavam nos mercados internacionais sob a imunidade do Estado, numa clara afetação das regras da concorrência.
VIII.
Entre nós, ainda paradigmático da conceção absoluta e tradicional, encontra-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tirado em 11 de maio de 1984[45], em cujo teor se afirmava, de modo perentório, que um Estado estrangeiro «goza de imunidade de jurisdição perante os tribunais portugueses em ação contra ele proposta por cidadão português despedido pela sua Embaixada, onde prestava trabalho subordinado».
Com efeito, a imunidade de jurisdição dos Estados, tal como a imunidade dos diplomatas, convoca o quotidiano dos tribunais para, de modo relativamente singular, aplicarem diretamente normas consuetudinárias de direito internacional geral ou comum, em termos que levam o internacionalista suíço, ÉTIENNE HENRY[46], a afirmar o seguinte:
«A instituição das imunidades de jurisdição dos Estados encontra-se numa encruzilhada de veredas entre o direito internacional e o direito interno. Por conta do seu fundamento conceptual, intimamente vinculado à noção tipicamente internacionalista de igualdade soberana dos Estados, ocupa um lugar central na geografia da ordem jurídica internacional. Mas, pela sua aplicação e pelas consequências práticas que podem ter para as partes em juízo, as imunidades manifestam-se, acima de tudo, diante e por meio das jurisdições internas.»
E, na verdade, além dos arestos já citados, os nossos tribunais judiciais não têm hesitado em fazê-lo e de modo reiterado.
Dando início à paulatina adoção de um entendimento restritivo da imunidade de jurisdição — apenas os atos de gestão pública — o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 4 de dezembro de 1997[47], já afirmava serem os tribunais portugueses «internacionalmente incompetentes para conhecer de ação cível contra um Estado estrangeiro por atos de soberania ou atos de gestão pública destes, pois, neste caso, goza o Estado estrangeiro de imunidade de jurisdição segundo o direito internacional consuetudinário recebido automaticamente no direito interno português, conforme disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Constituição.»
Dava-se a entender que, pelo contrário, os atos de comércio e outros atos civis de gestão privada já mereceriam tratamento diverso.
Adotando uma conceção estrita aos atos de gestão privada, no que toca à jurisdição declarativa, o Supremo Tribunal de Justiça cedo tomaria posição acerca da compatibilidade do princípio da imunidade sobre os demais atos com as normas da Constituição, como ressalta do sumário do Acórdão de 13 de novembro de 2002[48]:
«I — A regra consuetudinária de direito internacional segundo a qual os Estados estrangeiros gozam de imunidade de jurisdição local quanto às causas em que poderiam ser réus não foi revogada pela Constituição da República Portuguesa de 1976, uma vez que, na sua formulação mais recente, essa regra não contraria nenhum dos preceitos fundamentais da Constituição.
II — Essa formulação conforme ao sistema constitucional português é a conceção restrita da regra da imunidade de jurisdição, que a restringe aos atos praticados jure imperii, excluindo dessa imunidade os atos praticados jure gestionis; isto é, a imunidade não abrange os atos praticados pelo Estado estrangeiro tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania.
III — Quer a extensão da aludida regra, quer os critérios de diferenciação entre estes tipos de atividade, não têm contornos precisos e evoluem de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional.
IV — Relativamente aos litígios laborais, designadamente ações fundadas em despedimento ilícito, essa prática não tem reconhecido a imunidade do Estado estrangeiro quando o trabalhador exerce funções subalternas, e não funções de direção na organização do serviço público do réu ou funções de autoridade ou de representação.
V — Não beneficia de imunidade de jurisdição o Estado estrangeiro contra o qual foi intentada ação de impugnação de despedimento, por empregada doméstica, que exercia a sua atividade, consistente essencialmente em tarefas de limpeza e de confeção de refeições, na residência do respetivo Embaixador, sendo essa relação laboral regulada pelo direito português em termos idênticos ao vulgar contrato de trabalho para prestação de serviços domésticos celebrado com qualquer particular.»
Prudentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, em caso de dúvida, a respeito da dicotomia gestão pública/gestão privada, tem propendido para a imunidade, como reflete o Acórdão tirado em 29 de maio de 2012[49]:
«Estando em causa, na ação, o pagamento dos serviços de saúde prestados por um hospital português a cidadãos estrangeiros, ao abrigo dos Acordos de Cooperação no domínio da saúde estabelecidos entre Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa, deve, em caso de dúvida, ser concedida a imunidade.»
Já vertendo plenamente a leitura restritiva da imunidade de jurisdição, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 16 de maio de 2012[50], afirmava, sem hesitações, que «Configura um ato de jure gestionis por parte de um Estado soberano a contratação de um trabalhador para exercer meras tarefas de âmbito administrativo num Consulado», assim admitindo a jurisdição dos tribunais portugueses.
Contudo, a qualificação, segundo ensinam JOÃO CASTRO MENDES/MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[51], deve fazer-se segundo a lei do foro, «portanto, quanto a ações propostas nos tribunais portugueses, pelo direito português», o que, como veremos, não é despiciendo na hora de qualificar contratos de prestação de serviços em embaixadas ou consulados.
Manifestaremos oportunamente as nossas reservas quanto a saber se perante o direito português deve permanecer a qualificação de tais contratos como contratos individuais de trabalho, ou se, pelo contrário, o trabalho em representações diplomáticas não deve hoje ser antes considerado, todo ele, como trabalho em funções públicas.
IX.
Além de dar conta da aplicação direta e imediata pelos tribunais portugueses do costume internacional, particularmente arreigado, neste domínio, procurou o Conselho Consultivo concatenar as relações entre imunidade diplomática e imunidade de jurisdição dos Estados, tanto declarativa, como de execução.
Isto, porque a imunidade diplomática[52] permite-se a dúvidas com relação à penhora de saldos de contas bancárias das embaixadas, ao passo que a imunidade de jurisdição do Estado, na sua faceta executiva, conserva uma posição praticamente absoluta, no entender da jurisprudência e da mais autorizada doutrina do direito internacional público.
Seja-nos permitido insistir neste ponto. Apenas a imunidade de jurisdição declarativa conheceu, ao longo do século XX, um ajustamento progressivo, de modo a deixar à margem os atos e negócios jurídicos praticados pelos Estados estrangeiros com fins e sob instrumentos de natureza privada, em especial, mercantil.
Não tanto assim, a imunidade de execução.
Importa distinguir tais imunidades das garantias e prerrogativas reconhecidas à atividade das embaixadas, missões permanentes e postos consulares, ao seu património móvel e instalações, de modo a dissipar dúvidas que subsistam, pois trata-se de órgãos do Estado acreditante e de património que lhe pode pertencer.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça enfrentou a questão de modo particularmente acutilante no Acórdão de 18 de fevereiro de 2006[53]:
«I — A imunidade de jurisdição dos Estados é distinta das imunidades diplomáticas e consulares que a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas (aprovada em 18-04-61) atribui aos agentes diplomáticos.
II — Esta imunidade jurisdicional dos Estados apresenta-se como corolário do princípio da igualdade entre Estados e radica numa regra costumeira de acordo com a qual nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado (par in parem non habet judicium), regra esta cujo sentido atual deve ser captado e definido.
(…)».
De igual modo, em Acórdão de 6 de junho de 2014[54], o Supremo Tribunal de Justiça deixa bem claro que o facto de uma ação ter sido intentada contra uma embaixada e não contra o respetivo Estado não é de modo a afastar o regime da imunidade de jurisdição dos Estados, pois a personalidade jurídica é destes e não das embaixadas, seus órgãos periféricos:
«3. A imunidade jurisdicional dos Estados é um instituto distinto das imunidades diplomáticas e consulares, pelo que, sendo a ação proposta contra a Embaixada de um Estado estrangeiro, não está em causa a aplicação direta do regime das imunidades contido na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.»
As embaixadas, os consulados e missões permanentes não têm personalidade jurídica, pelo que a penhora de bens afetos a uma missão diplomática e que integrem o domínio público ou privado do Estado acreditante não deve ser vista como execução do património da embaixada e tratada, simplesmente, pelo direito diplomático. Antes deve ser considerada execução do património do Estado acreditante e, por conseguinte, impedida pela imunidade dos bens de Estados estrangeiros.
Só não será assim relativamente aos bens — móveis ou imóveis — que se encontrem afetos a uma missão diplomática, mas não pertençam ao Estado acreditante, designadamente os que lhe foram cedidos a título de arrendamento, aluguer, comodato.
X.
Concluir-se-ia no Parecer que, sem prejuízo de às representações diplomáticas acreditadas em Portugal, aos seus agentes e ao pessoal equiparado assistirem as imunidades e privilégios consignados pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961[55]), tais garantias em nada podem comprometer, nem diminuir a imunidade de jurisdição, nem a imunidade de execução dos bens e direitos do Estado acreditante, ancoradas em normas consuetudinárias de direito internacional geral, hoje codificadas pela Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens (2004[56]).
Tal Convenção, apesar de não ter ainda reunido o número suficiente de vinculações para a sua entrada em vigor[57], deve ser considerada um repositório válido e qualificado do costume internacional, seja pelo laborioso procedimento seguido pela Comissão de Direito Internacional, seja por efeito da sua adoção por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas, seja, ainda, pelos méritos que a doutrina lhe reconhece; tudo isto refletido na prática reiterada dos Estados, dos tribunais internacionais e dos tribunais portugueses.
A esse respeito, encontra-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de dezembro de 2016[58], a afirmação inequívoca de tal entendimento:
I — Na ordem jurídica internacional, os Estados caracterizam-se pela sua igual dignidade soberana – igualdade nas relações entre os Estados, exigência de igualdade dos Estados perante o direito internacional.
II — Constitui corolário desta igual dignidade soberana dos Estados a garantia de imunidade de jurisdição aos Estados e à sua propriedade, ou seja, em princípio, nenhum Estado pode julgar os atos de um outro ou mesmo de um dos seus órgãos superiores, máxime, por intermédio de um dos seus tribunais, sem o consentimento deste.
III — A garantia de imunidade pode ser absoluta – quando um Estado se escusa pura e simplesmente a submeter à sua jurisdição qualquer ato de outro Estado – ou relativa – quando o reconhecimento da imunidade se apoia em distinções, como as que distinguem atos “iure imperium” e atos “iure gestiones”, com base na natureza e fim do ato, submetendo apenas os segundos à jurisdição de outro Estado.
IV — Sem prejuízo da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens – aberta à subscrição, em Nova Iorque, em 17-09-2005, e ratificada por Portugal – ainda não se encontrar em vigor, tem-se entendido que ela exprime, nos seus traços gerais, o direito consuetudinário vigente, ao afirmar o princípio da imunidade dos Estados, salvo em situações em que o Estado, expressa ou implicitamente, haja renunciado à mesma e em situações em que a imunidade é recusada quando estejam em causa transações comerciais, contratos de trabalho, danos causados por pessoas e bens, propriedade, posse e utilização de bens.
[…]».
Já anteriormente o Supremo Tribunal de Justiça, no citado acórdão de 18 de fevereiro de 2006, ao apontar a clivagem entre a imunidade de jurisdição, em processo declarativo, e a imunidade dos bens com relação à sua penhora, assumira o valor jurídico da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, mesmo na sua fase embrionária:
«(…)
VII — Também o projeto de articulado sobre a Imunidade Jurisdicional dos Estados e da sua Propriedade apresentado à Assembleia Geral das Nações Unidas (em 1991) pela Comissão de Direito Internacional constituída no âmbito da ONU, não sendo vinculante, tem o mérito de demonstrar, ao estabelecer várias restrições ao princípio da imunidade jurisdicional dos Estados (segundo o qual, a imunidade pode ser invocada se estiver em causa um contrato de trabalho e o objeto do processo for a sua renovação ou a reintegração duma pessoa singular), uma tendência generalizada na prática dos Estados no sentido do alargamento das restrições ao princípio da imunidade dos Estados estrangeiros, o que tem igualmente reflexos na delimitação do conteúdo objetivo da referida regra costumeira.
VIII — Sabido que, na ordem interna portuguesa, vigora o costume internacional de âmbito geral (artigo 8.º, n.º 1 da CRP), com o conteúdo e o sentido atualizado, e uma vez que toda a restrição ao princípio da imunidade deve estar generalizadamente radicada na consciência jurídica das coletividades — o que impõe grande prudência e muita segurança na sua aplicação —, é de considerar que o âmbito das restrições que aquela regra consuetudinária permite, não pode ultrapassar as que constam da convenção e projeto de articulado referidos (que constituem manifestações de uma certa prática, ou tendência, internacional).
IX — Numa ação de impugnação de despedimento intentada por uma trabalhadora que fazia parte do pessoal administrativo e técnico da delegação comercial da Embaixada da Áustria em Lisboa, cumprindo funções de secretária (de carácter subalterno e não estreitamente relacionadas com o exercício de autoridade governamental), em que o fundamento da ação é a comunicação à autora de que o contrato de trabalho cessou (situação em que a parte agiu como qualquer empregador privado), a Embaixada da Áustria goza de imunidade de jurisdição relativamente ao pedido de reintegração da autora e aos que tenham essa reintegração como pressuposto.
X — Quanto aos restantes pedidos — de pagamento de retribuições que deveria auferir entre o despedimento e a sentença, de retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal e indemnizações por violação de direito a férias, danos não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito e, à cautela, de indemnização em substituição da reintegração ou indemnização pela caducidade do contrato — os tribunais portugueses têm competência internacional para deles conhecer.»
Aqui se descortina muito claramente o diferente tratamento que merece a pretensão de reintegração da autora no seu posto de trabalho, por se encontrar abrangida pela imunidade de execução, ao contrário das pretensões declarativas, consideradas sob a jurisdição nacional.
Com efeito, o artigo 11.º, n.º 2, alínea c), da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens faz prevalecer a imunidade se «O processo judicial se referir à contratação, renovação do contrato ou reintegração do trabalhador.»
A imunidade dita relativa, em matéria laboral, sobretudo no domínio diplomático e consular, não é tão exígua como, por vezes, se afirma com algum excesso de generalização.
XI.
Ao passo que a imunidade de jurisdição declarativa tem vindo a perder o carácter absoluto que possuía até ao início do século XX, a imunidade dos bens de Estados estrangeiros em face de atos de execução judicial que possam coercivamente subtrair a sua posse ou detenção mostra-se particularmente vigorosa, nos termos da Convenção das Nações Unidas Sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens (2004).
Em matéria de imunidade da jurisdição declarativa, estipulou-se o seguinte:
«Artigo 5.º
Imunidade dos Estados
Sob reserva das disposições da presente Convenção, um Estado goza, em relação a si próprio e aos seus bens, de imunidade de jurisdição junto dos tribunais de um outro Estado.
Artigo 6.º
Modalidades para garantir a imunidade dos Estados
1 — Um Estado garante a imunidade dos Estados prevista no artigo 5.º abstendo-se de exercer a sua jurisdição num processo judicial instaurado nos seus tribunais contra outro Estado e, para esse fim, assegurará que os tribunais determinem oficiosamente que a imunidade desse outro Estado prevista no artigo 5.º seja respeitada.
2 — Um processo judicial instaurado num tribunal de um Estado será considerado como tendo sido instaurado contra um outro Estado se esse outro Estado:
a) For citado como parte nesse processo judicial; ou
b) Não for citado como parte no processo judicial mas o processo visa, com efeito, afetar os bens, direitos, interesses ou atividades desse outro Estado.»
Um breve apontamento para fazer sobressair as duas obrigações enunciadas no artigo 6.º, n.º 1: por um lado, abster-se de exercer a jurisdição; por outro, sem quebra da independência dos tribunais, assegurar que conheçam oficiosamente da imunidade.
Esta segunda obrigação constitui fundamento para o papel que entendemos competir ao Ministério Público, por meio da intervenção acessória, ao sustentar, com inteira autonomia das partes, o interesse público na observância das imunidades.
Em seguida, a Convenção das Nações Unidas Sobre a Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, na Parte III, congrega um conjunto significativo de normas especiais que atenuam, mas não afastam por inteiro, a imunidade de jurisdição declarativa: transações comerciais de direito privado (artigo 10.º), contratos de trabalho para funções não públicas (artigo 11.º), responsabilidade extracontratual (artigo 12.º), direitos reais e sucessórios (artigo 13.º), direitos de autor e propriedade industrial (artigo 14.º), participação em sociedades (civis ou comerciais) ou em outras pessoas coletivas (artigo 15.º), marinha mercante (artigo 16.º) e convenções de arbitragem (artigo 17.º).
Logo após, a Parte IV cuida da imunidade dos Estados relativamente a medidas cautelares e de execução relacionadas com processos judiciais, nos termos seguidamente transcritos:
«Artigo 18.º
Imunidade dos Estados relativamente a medidas cautelares anteriores ao julgamento
Não poderão ser tomadas, em conexão com um processo judicial num tribunal de outro Estado, quaisquer medidas cautelares prévias ao julgamento contra os bens de um Estado, tais como o arrolamento ou arresto, salvo se e na medida em que:
a) O Estado consentiu expressamente na aplicação de tais medidas:
i) Por acordo internacional;
ii) Por acordo de arbitragem ou por contrato escrito; ou
iii) Por declaração num tribunal ou por comunicação escrita após o litígio entre as partes ter surgido; ou
b) O Estado reservou ou afetou bens para satisfação do pedido que constitui o objeto desse processo.
Artigo 19.º
Imunidade dos Estados relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento
Não poderão ser tomadas, em conexão com um processo judicial num tribunal de outro Estado, quaisquer medidas de execução posteriores ao julgamento contra os bens de um Estado, tais como o arrolamento, arresto ou penhora, salvo se e na medida em que:
a) O Estado consentiu expressamente na aplicação de tais medidas:
i) Por acordo internacional;
ii) Por acordo de arbitragem ou por contrato escrito; ou
iii) Por declaração num tribunal ou por comunicação escrita após o litígio entre as partes ter surgido; ou
b) O Estado reservou ou afetou bens para satisfação do pedido que constitui o objeto desse processo; ou
c) For demonstrado que os bens são especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a do serviço público sem fins comerciais e estão situados no território do Estado do foro, com a condição de que as medidas de execução posteriores ao julgamento sejam tomadas apenas contra os bens relacionados com a entidade contra a qual o processo judicial foi instaurado.
Artigo 20.º
Efeito do consentimento para o exercício da jurisdição sobre a adoção de medidas cautelares e de execução
Nos casos em que o consentimento para a adoção de medidas cautelares e de execução seja necessário em virtude dos artigos 18.º e 19.º, o consentimento para o exercício da jurisdição ao abrigo do artigo 7.º não implica que haja consentimento para a adoção de medidas cautelares e de execução.»
Resulta das normas transcritas que, sem o consentimento do Estado estrangeiro, apenas é permitido penhorar bens situados no Estado do foro que o exequente demonstre não se encontrarem adstritos a fins de serviço público não comerciais[59]; nunca, porém, a título cautelar (artigo 18.º) e sempre sob condição de a penhora se circunscrever a bens «relacionados com a entidade contra a qual o processo judicial foi instaurado» [artigo 19.º, alínea c)].
O património afeto à promoção da língua, da cultura, do turismo ou até do investimento estrangeiro, ainda que possa destinar-se a atos de gestão privada, encontra-se, frequentemente, adstrito a um fim de serviço público sem carácter comercial.
Bem se vê, pois, que o critério que preside à imunidade de jurisdição não pode ser transposto para delimitar a imunidade de execução.
Refira-se que o consentimento para executar o património ou para que este seja objeto de processos cautelares não pode presumir-se da anuência do Estado estrangeiro manifestada na ação declarativa (artigo 20.º).
Por outro lado, e não menos importante, há certas categorias de bens no património dos Estados estrangeiros que se revelam absolutamente impenhoráveis.
Quer isto dizer que, relativamente a tais bens, de nada vale ao exequente demonstrar que se encontram afetos a um escopo comercial, pois na Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens estipulou-se, ainda, o seguinte:
«Artigo 21.º
Categorias específicas de bens
1 — As seguintes categorias de bens do Estado, nomeadamente, não são consideradas como bens especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a de serviço público sem fins comerciais ao abrigo da alínea c) do artigo 19.º:
a) Os bens, incluindo qualquer conta bancária, utilizados ou destinados a ser utilizados no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais, ou delegações junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências internacionais;
b) Os bens de natureza militar ou utilizados ou destinados a serem utilizados no exercício de funções militares;
c) Os bens do banco central ou de outra autoridade monetária do Estado;
d) Os bens que fazem parte do património cultural do Estado ou dos seus arquivos e que não estão à venda ou que não são destinados a serem vendidos;
e) Os bens que fazem parte de uma exposição de objetos de interesse científico, cultural ou histórico e que não estão à venda ou que não são destinados a serem vendidos.
2 — O n.º 1 aplica-se sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º e nas alíneas a) e b) do artigo 19.º».
Ali se encontram as contas bancárias, ainda que só parcialmente usadas para a administração diplomática e consular [n.º 1, alínea a)].
E, apesar de, como assinalámos, a Convenção ainda não se encontrar em vigor, é consensual a aplicação da generalidade das suas normas, pois valem, de igual modo, como normas de direito internacional geral ou comum, formadas e reveladas consuetudinariamente[60].
Com efeito, o texto adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em que todos os Estados Membros se encontram representados paritariamente, resultou de uma operação de codificação e a sua aprovação recomenda-o como repositório fundamental do costume internacional neste domínio.
A isto acresce ser a República Portuguesa um dos Estados signatários e ter já depositado o instrumento de ratificação, pelo que se constituiu, de modo reforçado, na obrigação de abster-se de atos que a possam privar do seu fim ou objeto, em conformidade com o artigo 18.º, alínea b), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969[61]).
A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens (2004) permite dissipar toda e qualquer dúvida que pudesse subsistir acerca da impenhorabilidade dos saldos bancários das legações diplomáticas e consulares, como vimos resultar do artigo 21.º, n.º 1, alínea a): pelo menos, os saldos das contas bancárias exclusiva ou parcialmente utilizadas ou destinadas a serem utilizadas no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares, como sucede com o abono de vencimentos, o pagamento de encargos com as instalações ou com a frota automóvel.
Por isso, a penhora de crédito emergente de depósito bancário, quando afeto a uma missão diplomática permanente, não deve ser desconsiderada por uma leitura relativista da inviolabilidade dos bens afetos ao serviço diplomático em face da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961).
O próprio direito diplomático e consular acaba por reconhecê-lo.
Com efeito, apesar de os depósitos bancários não constarem expressamente do artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), deve entender-se que gozam de inviolabilidade igual à que é concedida aos automóveis e aos bens sitos no interior da missão diplomática, mercê de um desenvolvimento consuetudinário do preceito, atestado pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores, em ordens jurídicas com as quais possuímos estreitas afinidades.
Além disso, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963[62]), no artigo 31.º, n.º 4, discriminou os bens móveis e bens do posto consular, reconhecendo-lhes igual inviolabilidade, de sorte que, por maioria de razão, os depósitos movimentados por uma missão diplomática não devem gozar de menor proteção.
XII.
Importa, ainda, reter como vetor fundamental que a imunidade do património de um Estado sito em território estrangeiro não pode ser aferida segundo os critérios que servem para delimitar a imunidade de jurisdição, pois se a primeira se baseia na qualificação dos bens a executar, sua utilização e finalidade, a segunda decorre, tendencialmente da natureza pública de um ato praticado pelo Estado estrangeiro.
Como tal, da circunstância de certo negócio jurídico outorgado por Estado estrangeiro iure gestionis se encontrar à margem da imunidade de jurisdição e de esse Estado vir a ser condenado ao cumprimento de uma obrigação, em ação cível, por um tribunal português, não decorre, sem mais, a suscetibilidade de quaisquer bens do Estado serem penhorados, nem mesmo daqueles que ostentem uma conexão imediata com o contrato em causa.
A execução patrimonial reflete o exercício de poderes de autoridade de um modo particularmente sensível para as relações políticas entre os Estados, uma vez que é apoiada por instrumentos coativos — no limite, o uso da força pública[63] — motivo por que a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens (2004), não obstante admitir exceções, aponta, como vimos, para um princípio geral de imunidade absoluta, que só o consentimento expresso do Estado estrangeiro permite afastar.
Trata-se, na ação executiva, de passar «da declaração concreta da norma jurídica para a sua atuação prática, mediante o desencadear do mecanismo de garantia», como ensina JOSÉ LEBRE DE FREITAS[64], que logo acrescenta[65]:
«Como tal, postula o emprego, efetivo ou potencial, da força por parte de um órgão do Estado, dotado de jus imperii. Fora do estrito campo do exercício da função jurisdicional, toda a atuação prática da norma jurídica (contraposta à sua formulação e interpretação) constitui execução, num sentido lato do termo que engloba realidades tão diversas como grande parte do exercício da função administrativa, a distribuição dos legados duma herança, um ato de registo civil, comercial ou predial ordenado por sentença, o cumprimento de uma obrigação contratual, a celebração de um contrato prometido.»
Por isso, nas palavras de DOMINIQUE CARREAU/ FABRIZIO MARRELLA[66], a imunidade dos bens é particularmente rigorosa, cuidando de neutralizar a “agressão” que a penhora por um tribunal estrangeiro poderia representar para o Estado soberano executado.
E, como se referiu, no sempre citado Parecer n.º 11/2022, as categorias de bens enunciadas pelo artigo 21.º da Convenção beneficiam de um estatuto próximo ao dos bens do domínio privado indisponível — ou mesmo do domínio público, sendo caso disso — de acordo com o direito interno português, pois no Código de Processo Civil não são apenas os bens do domínio público a serem considerados impenhoráveis.
Ali se dispõe o seguidamente transcrito:
«Artigo 736.º
Bens absolutos ou totalmente impenhoráveis
São absolutamente impenhoráveis, além dos bens isentos de penhora por disposição especial:
a) As coisas ou direitos inalienáveis;
b) Os bens do domínio público do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas;
c) Os objetos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careça de justificação económica, pelo seu diminuto valor venal;
d) Os objetos especialmente destinados ao exercício de culto público;
e) Os túmulos;
f) Os instrumentos e os objetos indispensáveis aos deficientes e ao tratamento de doentes.
g) Os animais de companhia.
Artigo 737.º
Bens relativamente impenhoráveis
1 — Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas coletivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública.
2 — Estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalhos e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado, salvo se:
a) O executado os indicar para penhora;
b) A execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação;
c) Forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial.
3 — Estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do custo da sua reparação.»
A personalidade jurídica internacional do Estado não pode ser inconsequente no nosso direito interno, em especial se tivermos reconhecido esse Estado.
Um Estado estrangeiro deve, pois, considerar-se, no direito interno e para todos os efeitos, uma pessoa coletiva pública, motivo por que, sustentamos, que o artigo 737.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, isenta de penhora — salvo execução para pagamento de dívida com garantia real — os bens de um Estado estrangeiro, sitos em território português, «que se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública».
Por isso, e em conformidade com o direito internacional, não devem os tribunais portugueses conceder aos bens de um Estado estrangeiro «que se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública» um tratamento menos favorável do que aquele que concedem ao domínio privado das pessoas coletivas públicas de direito interno ou até ao património indisponível das concessionárias de obras e serviços públicos, eventualmente privadas.
A única diferença está em que o Estado estrangeiro, contrariamente ao Estado português (no seu foro), goza, segundo o seu próprio direito, de maior ou menor disponibilidade sobre os bens, podendo, com maior ou menor amplitude, renunciar previamente à imunidade de execução [artigos 18.º, alínea a), e 19.º, alínea a)], da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens] ou tê-los afetado ao cumprimento das obrigações em causa [artigos 18.º, alínea b) e 19.º, alínea b)].
XIII.
Refira-se, ainda, que as exceções à imunidade de execução de património de Estados estrangeiros não devem ser interpretadas extensivamente, uma vez que tal garantia decorre do princípio da igualdade entre Estados soberanos e da consequente proibição de os tribunais de um Estado condenarem outro.
O princípio da igualdade entre Estados soberanos é consensualmente tratado como norma de jus cogens[67], motivo por que a imunidade de execução — até certo ponto, um seu corolário — tem, nos tribunais internacionais, permitido legitimar restrições ao direito de acesso aos tribunais nacionais, designadamente no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[68].
A possibilidade de o credor aceder aos tribunais do Estado estrangeiro, a fim de ali o demandar, o recurso à via diplomática, como meio não jurisdicional de resolução de conflitos, ou a prévia renúncia pelo cocontratante estadual à imunidade apresentam-se como instrumentos alternativos que as jurisdições internacionais e nacionais têm considerado razoáveis diante das contingências impostas pela igualdade soberana.
Aquele que contrata com um Estado estrangeiro deve, assim, conhecer as limitações com que pode vir a deparar-se por conta da imunidade do empregador e do seu património, sem prejuízo da ação propedêutica que as autoridades locais devem proporcionar a esse propósito.
Todavia, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, apesar de firme na prevalência da imunidade, em 2010, considerou desproporcionada a restrição imposta a uma cidadã lituana que se vira impedida de impugnar o despedimento pela embaixada polaca em Vilnius, para a qual trabalhava (Caso Cudak v. Lituânia [69]). Em 2011, acordou em igual sentido relativamente a uma trabalhadora da École française de Roma (Caso Guadagnino v. Itália e França).
Note-se, porém, que no, primeiro acórdão, cuidava-se de imunidade da jurisdição e, no segundo, não seria propriamente o Estado o empregador.
Em todo o caso, parece delineada uma certa tendência do Tribunal Europeu de Estrasburgo para valorizar o acesso dos trabalhadores aos tribunais e o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva, comprimindo a imunidade jurisdicional declarativa.
XIV.
Um ponto deveras sensível, na tensão entre a imunidade e o processo executivo, encontra-se na possibilidade de um Estado estrangeiro ver penhorados bens que lhe pertencem sem previamente ter sido citado, nem ter podido deduzir embargos de executado, pois de acordo com o Código de Processo Civil, em processo comum ordinário, a citação prévia pode ser dispensada:
«Artigo 727.º
Dispensa de citação prévia
1 — O exequente pode requerer que a penhora seja efetuada sem a citação prévia do executado, desde que alegue factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e ofereça de imediato os meios de prova.
2 — O juiz, produzidas as provas, dispensa a citação prévia do executado quando se mostre justificado o alegado receio de perda da garantia patrimonial do crédito exequendo, sendo o incidente tramitado como urgente; o receio é justificado sempre que, no registo informático de execuções, conste a menção da frustração, total ou parcial, de anterior ação executiva movida contra o executado.
3 — Ocorrendo especial dificuldade em a efetuar, designadamente por ausência do citando em parte incerta, o juiz pode dispensar a citação prévia, a requerimento do exequente, quando a demora justifique o justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito.
4 — Quando a citação prévia do executado tenha sido dispensada, é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime estabelecido nos artigos 856.º e 858.º.»
Mais ainda. Se, em processo comum ordinário, há lugar a um ato jurisdicional (dispensa de citação prévia), já em processo sumário, por regra, não há citação prévia e o agente de execução apenas suscita a intervenção do juiz, nos termos do disposto no artigo 723.º, n.º 1, alínea d), «quando se lhe afigure provável a ocorrência de alguma das situações previstas nos n.os 2 e 4 do artigo 726.º, ou quando duvide da verificação dos pressupostos de aplicação da forma sumária» [artigo 855.º, n.º 2, alínea b)].
Por conseguinte, o executado é citado já depois de cumprida a penhora e, só então, pode deduzir oposição:
«Artigo 856.º
Oposição à execução e à penhora
1 — Feita a penhora, é o executado citado para a execução e, em simultâneo, notificado do ato de penhora, podendo deduzir, no prazo de 20 dias, embargos de executado e oposição à penhora.
2 — A citação do executado deve ter lugar no próprio ato da penhora, sempre que ele esteja presente; se não estiver, a citação realiza-se no prazo de cinco dias, contados da efetivação da penhora.
3 — Com os embargos de executado é cumulada a oposição à penhora que o executado pretenda deduzir.
4 — Quando não se cumule com os embargos de executado, é aplicável ao incidente de oposição à penhora o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo 785.º.
5 — O executado que se oponha à execução pode, na oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução.»
A aplicação do princípio da imunidade do património de um Estado estrangeiro encontra-se, de certo modo, nas mãos do agente de execução, pois, como já se observara no Parecer complementando, o Código de Processo Civil (2013) abandonou a nomeação de bens à penhora, seguida de despacho judicial, antes a atribuindo ao agente de execução.
O agente de execução é um profissional liberal[70], mas que exerce funções públicas e, por isso, com fundamento no artigo 751.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não se encontra adstrito sequer a penhorar os bens eventualmente indicados pelo exequente.
Sem um controlo judicial prévio, a penhora pode infringir a imunidade de um Estado estrangeiro e o cumprimento das obrigações internacionais decorrentes para a República Portuguesa do direito internacional geral ou comum.
Dir-se-á que integra as funções públicas do agente de execução (ou do oficial de justiça, residualmente) evitar que o Estado Português incorra em responsabilidade internacional, pelo que deve abster-se de penhorar bens pertencentes a Estados estrangeiros, usando de maior cuidado, ainda, nos casos em que a penhora opera de imediato, sem contraditório nem prévia intervenção do juiz de execução.
Contudo, se atuar em violação da imunidade é a República Portuguesa que responde internacionalmente pelo facto ilícito[71].
XV.
Por fim, quanto ao Ministério Público e ao seu papel na salvaguarda do direito internacional, entendeu-se no Parecer n.º 11/2022, que das suas incumbências constitucionais e estatutárias em defesa da legalidade e do interesse público decorre para os seus magistrados o dever de intervirem acessoriamente, segundo o regime consignado no artigo 325.º do Código de Processo Civil, nos processos executivos de que possa resultar a apreensão de bens pertencentes a Estados estrangeiros, encontrem-se afetados, ou não, à representação diplomática em Portugal[72].
Qualquer Estado estrangeiro, perante a ordem jurídica nacional, é, como assinalámos, uma pessoa coletiva pública, o que não pode deixar indiferente o Ministério Público, já que o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto, determina a sua intervenção acessória, de modo a, com plena autonomia, zelar pelos interesses que lhe estão confiados, promovendo o que tiver por conveniente (n.º 2) na defesa da legalidade e de interesses públicos especialmente relevantes:
«Artigo 10.º
Intervenção acessória
1 — O Ministério Público intervém nos processos acessoriamente:
a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do n.º 1 do artigo anterior, sejam interessados na causa as regiões autónomas, as autarquias locais, outras pessoas coletivas públicas, pessoas coletivas de utilidade pública, incapazes ou ausentes, ou a ação vise a realização de interesses coletivos ou difusos;
b) Nos demais casos previstos na lei.
2 — Quando intervém acessoriamente, o Ministério Público zela pelos interesses que lhe estão confiados, promovendo o que tiver por conveniente.
3 — Os termos da intervenção são os previstos na lei de processo aplicável.»
Não ocorre representação orgânica de outros Estados, pelo que a intervenção do Ministério Público, ainda que solicitada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, deve sempre ser acessória e nunca principal.
Com efeito, a ação executiva proposta contra Estado estrangeiro não é de modo a fazer do Estado português uma parte no processo, nem assistente subordinado a uma das partes.
Por outro lado, a intervenção acessória do Ministério Público, nos termos do artigo 325.º do Código de Processo Civil, não tem por escopo prosseguir o interesse público do Estado a favor do qual invoca a imunidade; antes visa salvaguardar o interesse público do Estado português no cumprimento das suas próprias obrigações perante a comunidade internacional e impedir que a República Portuguesa incorra em responsabilidade internacional por facto ilícito.
Um interesse geral a que o Ministério Público, no quadro das suas incumbências constitucionais e estatutárias, não deve ser alheio.[73]
O problema está no modo como a intervenção acessória é configurada pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, pois se ela tem como pressuposto não se verificar nenhum dos casos de intervenção principal, ali surge enunciado o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias:
«Artigo 9.º
Intervenção principal
1 — O Ministério Público tem intervenção principal nos processos:
a) Quando representa o Estado;
b) Quando representa as regiões autónomas e as autarquias locais;
c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta;
d) Quando assume, nos termos da lei, a defesa e a promoção dos direitos e interesses das crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída bem como de outras pessoas especialmente vulneráveis;
e) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de caráter social;
f) Quando representa interesses coletivos ou difusos;
g) Nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade.
2 — Em caso de representação de região autónoma, de autarquia local ou, nos casos em que a lei especialmente o permita, do Estado, a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio.
3 — Em caso de representação de incapazes ou de ausentes em parte incerta, a intervenção principal cessa logo que seja constituído mandatário judicial do incapaz ou ausente, ou quando, deduzindo o respetivo representante legal oposição à intervenção principal do Ministério Público, o juiz, ponderado o interesse do representado, a considere procedente.»
No entanto, o caráter principal da intervenção como patrono oficioso dos trabalhadores e suas famílias [artigo 9.º, n.º 1, alínea c)] não significa prevalência, sem mais.
A intervenção diz-se principal, não pela sua importância, mas pela posição que ocupa na estrutura das relações processuais: os interesses de cada uma das partes e a posição que os demais intervenientes tomam no processo em relação a cada uma. Por isso, a distinção remonta ao processo civil, para apartar, na intervenção de terceiros, o litisconsórcio e as intervenções acessórias (artigo 311.º e seguintes do Código de Processo Civil).
A intervenção do Ministério Público ao patrocinar oficiosamente os trabalhadores só é principal se tiver lugar.
Desde logo, porque ela depende de solicitação do trabalhador (artigo 7.º do Código de Processo do Trabalho).
É facultativa para o trabalhador, que pode optar por constituir mandatário ou socorrer-se do apoio judiciário prestado pelo seu sindicato ou pelo regime comum, em caso de insuficiência de meios, tendo o Tribunal Constitucional julgado, usando de interpretação conforme, no Acórdão n.º 190/92, de 21 de maio de 1992[74], que o patrocínio pelo Ministério Público não poderia ser exclusivo nem imposto ao trabalhador[75].
Depois, o pressuposto do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, para a intervenção acessória — não ter intervenção principal no processo — no caso do patrocínio oficioso de trabalhadores e suas famílias, encontra-se nas mãos do Ministério Público, já que pode, como veremos, recusá-lo.
Entendemos — sem contradição, pois, com o n.º 1 — que o Ministério Público deve assumir intervenção acessória para defesa da imunidade e não o patrocínio oficioso de trabalhadores contra Estados estrangeiros.
Tal patrocínio não é necessário, nem obrigatório e tal como no caso de acarretar uma ação declarativa ou executiva contra o Estado português, uma das Regiões Autónomas, um município ou uma freguesia, deve, nos termos do artigo 93.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público, ser solicitada à Ordem dos Advogados a designação de um advogado que patrocine o trabalhador, respondendo o Estado pelos encargos com honorários (n.º 5).
Só deste modo, se garante ao Estado estrangeiro demandado um tratamento o mais possível igual ao que o Estado português concede a si próprio.
XVI.
Mais se sustentou no parecer antecedente que o conhecimento oficioso da imunidade de execução pelo tribunal, seja como exceção dilatória inominada, seja como incompetência absoluta dos tribunais portugueses, em nada prejudica a intervenção do Ministério Público e a sua utilidade.
Tal intervenção, como amicus curiae, permite ao Ministério Público, sem se tornar um mero auxiliar da representação diplomática e do mandatário do Estado estrangeiro executado, assegurar, na medida do que estiver ao seu alcance, que o comportamento da República Portuguesa se mostra internacionalmente irrepreensível e não tomado pelo Estado estrangeiro como um ato hostil ou uma represália.
Na intervenção acessória, como escreveu HENRIQUES GASPAR[76], se o Ministério Público «pode dizer oralmente ou por escrito tudo o que se lhe oferecer em defesa dos interesses da pessoa assistida, pode produzir, em defesa do assistido, um articulado próprio nos termos processualmente admitidos.»
Em rigor, no entanto, o Estado estrangeiro não é assistido pelo Ministério Público como amicus curiae. Há, isso sim, uma convergência de interesses em torno da imunidade.
Por outro lado, o dever de objetividade do magistrado do Ministério Público não permite que a intervenção acessória, embora na defesa do superior interesse público, ignore a proteção social dos trabalhadores, tal como decorre das pertinentes normas aplicáveis.
A isto acresce que tal intervenção do Ministério Público, contrariamente ao que representaria o patrocínio do exequente contra Estado estrangeiro, pode constituir sinal muito evidente de que, sem quebra da independência dos tribunais, a atuação da República Portuguesa se mostra conforme com as normas de cortesia internacional (comitas gentium), cuja observância contribui para promover e conservar boas relações entre os Estados e, de modo especial, para obter um tratamento recíproco da República Portuguesa e do património que possua em território estrangeiro.
Recorde-se, aliás, a formulação do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais do Estado e dos Seus Bens: o Estado do foro deve, não apenas, abster-se de exercer a sua jurisdição, como também providenciar por que a imunidade seja adequadamente carreada para o conhecimento do tribunal.
No entanto, decorre do pedido de consulta que permanece controvertido saber se as conclusões formuladas no Parecer n.º 11/2022, de 24 de novembro, valem, ou não, para a intervenção do Ministério Público na jurisdição laboral, ao deixar de patrocinar os trabalhadores como exequentes contra Estados estrangeiros, mesmo se os tiver já patrocinado na fase ou na ação declarativa[77].
Entendemos que sim.
Importa, no entanto, aprofundar as razões por que entendemos não dever patrocinar trabalhadores ou seus familiares que intentem ações cujo réu ou executado seja um Estado estrangeiro, designadamente por litígio emergente de relação de trabalho com uma representação diplomática acreditada junto do Governo da República Portuguesa.
XVII.
A jurisdição laboral e o processo do trabalho contam com o Ministério Público como autor, como conciliador, e, por fim, como patrono oficioso dos trabalhadores e seus familiares (em caso de morte ou incapacidade), sem prejuízo ainda da sua intervenção nos processos contraordenacionais do trabalho[78].
Dispõe o Ministério Público de legitimidade ativa[79], nos termos seguintes do Código de Processo do Trabalho:
«Artigo 5.º-A
Legitimidade do Ministério Público
O Ministério Público tem legitimidade ativa nas seguintes ações e procedimentos:
a) Ações relativas ao controlo da legalidade da constituição e dos estatutos de associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores[80];
b) Ações de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho nos termos do Código do Trabalho;
c) Ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e procedimentos cautelares de suspensão de despedimento regulados no artigo 186.º-S.»
Compete-lhe, ainda, intentar o procedimento cautelar de suspensão de despedimento com base em participação das competentes autoridades administrativas:
«Artigo 33.º-B
Intervenção do Ministério Público
1 — Após a receção da participação prevista no n.º 4 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 102/2000, de 2 de junho, que aprova o Estatuto da Inspeção-Geral do Trabalho, o Ministério Público dispõe de 20 dias para instaurar o procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
2 — No requerimento inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respetivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento.»
E mais se dispõe o que vai transcrito:
«Artigo 186.º-S
Procedimento cautelar de suspensão de despedimento subsequente a auto de inspeção previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro
1 — Sempre que o trabalhador tenha sido despedido entre a data de notificação do empregador do auto de inspeção a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que presume a existência de contrato de trabalho e o trânsito em julgado da decisão judicial da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o Ministério Público intenta procedimento cautelar de suspensão de despedimento, nos termos da alínea c) do artigo 5.ºâ€‘A deste Código.
2 — O Ministério Público, caso tenha conhecimento, por qualquer meio, da existência de despedimento na situação a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, interpõe oficiosamente o procedimento cautelar.
3 — O disposto no número anterior é aplicável sempre que a pessoa ou pessoas a quem a atividade é prestada aleguem que o contrato que titula a referida atividade cessou, a qualquer título, durante o período referido no n.º 1.
4 — Caso o despedimento ocorra antes da receção da participação dos factos prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público, até dois dias após o conhecimento da existência do despedimento, requer à ACT para, no prazo de cinco dias, remeter a referida participação, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos.
5 — Em tudo o que não seja regulado no presente artigo, é aplicável o regime previsto nos artigos 33.º-A a 40.º-A, com as necessárias adaptações.»
Cumpre-lhe, bem assim, dirigir a fase de conciliação prevista para a efetivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho (artigo 99.º, n.º 1).
Recebida a participação, se for caso de morte em acidente de trabalho, é ao Ministério Público, conforme as circunstâncias, que cumpre determinar a realização da autópsia ou a junção aos autos do respetivo relatório e ordenar as diligências indispensáveis à determinação dos beneficiários legais dos sinistrados e à obtenção das provas de parentesco (artigo 100.º, n.º 1).
De resto, logo que haja conhecimento da morte do sinistrado, o Ministério Público deve averiguar se ela resultou direta ou indiretamente do acidente (artigo 142.º, n.º 1).
Nos restantes casos de incapacidade permanente, solicita aos serviços médico-legais a realização de perícia médica, seguida de tentativa de conciliação (artigo 101.º, n.º 1).
Na hipótese de o sinistrado ainda não se encontrar curado quando for recebida a participação e estiver sem tratamento adequado ou sem receber a indemnização devida por incapacidade temporária, é o Ministério Público a solicitar perícia médica, seguida de tentativa de conciliação, nos termos do artigo 108.º; o mesmo se observando no caso de o sinistrado se não conformar com a alta, a natureza da incapacidade ou o grau de desvalorização por incapacidade temporária que lhe tenha sido atribuído, ou ainda se esta se prolongar por mais de 12 meses (artigo 102.º, n.º 1). Seguir-se-á a instrução pelo Ministério Público até ao início da fase contenciosa (artigo 104.º).
Antes, porém, na tentativa de conciliação, «o Ministério Público promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado da perícia médica e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado.» (artigo 109.º).
Observemos, por fim, o patrocínio oficioso dos trabalhadores por conta de outrem.
XVIII.
Em linha com uma tradição que remonta ao Decreto-Lei n.º 24.194, de 20 de julho de 1934[81], o Ministério Público, através dos seus magistrados, assegura o patrocínio judiciário dos trabalhadores, a menos que estes constituam advogado ou optem pela nomeação oficiosa de patrono com fundamento na contingência de recursos financeiros para suportar os encargos com honorários[82].
Assim, de acordo com o artigo 4.º, n.º 1, alínea g), do seu Estatuto, compete ao Ministério Público «Exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de caráter social».
Trata-se, como vimos, de intervenção principal, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto do Ministério Público, e que o Código de Processo do Trabalho configura do modo seguinte:
«Artigo 7.º
Patrocínio pelo Ministério Público
Sem prejuízo do regime do apoio judiciário, quando a lei o determine ou as partes o solicitem, o Ministério Público exerce o patrocínio:
a) Dos trabalhadores e seus familiares;
b) Dos hospitais e das instituições de assistência, nas ações referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e nas correspondentes execuções, desde que estes não possuam serviços de contencioso;
c) Das pessoas que, por determinação do tribunal, houverem prestado os serviços ou efetuado os fornecimentos a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.»
Já afirmámos que, todavia, o patrocínio pelo Ministério Público não é imperativo, havendo de ser requerido pelo trabalhador, nem é alheio a uma ponderação de objetividade. Vejamos em que termos.
Em primeiro lugar, o patrocínio deve ser recusado a pretensões que o Ministério Público «repute infundadas ou manifestamente injustas» (artigo 8.º, n.º 1, 1.ª parte).
Em segundo lugar, pode ser recusado quando se verifique a possibilidade de o autor recorrer aos serviços de apoio contencioso da associação sindical que o represente (artigo 8.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo de recurso pelo trabalhador para o superior hierárquico do magistrado do Ministério Público (n.º 2).
A recusa de patrocinar pretensões infundadas ou manifestamente injustas constitui um dever, ao passo que a recusa ancorada na disposição de uma associação sindical em assegurar o patrocínio concita um juízo prudencial do magistrado do Ministério Público, aquilatando os meios que o sindicato coloca ao dispor do trabalhador e assegurando-se de que o praticará efetivamente.
Por fim, o patrocínio pelo Ministério Público não tem lugar se, à partida, o trabalhador nomear mandatário forense e cessa por efeito do mandato que o trabalhador venha supervenientemente a conferir a advogado, advogado-estagiário ou solicitador, consoante o caso (artigo 9.º do Código de Processo do Trabalho).
Como já observámos, o trabalhador não tem de ser representado pelo Ministério Público. A lei concede-lhe este meio de proteção social, mas não o impede de mandatar um advogado da sua livre escolha ou de se valer dos meios de apoio judiciário ao seu dispor: os meios comuns[83] ou os que lhe sejam proporcionados por sindicato.
Contudo, se bem que nos termos do artigo 9.º, do Código de Processo do Trabalho, uma vez constituído mandatário judicial pelo trabalhador ou seu familiar «cessa a representação ou o patrocínio oficioso que estiver a ser exercido», o certo é que pode o Ministério Público intervir acessoriamente, pois, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, estão em causa, no domínio laboral, interesses de ordem pública[84].
A intervenção acessória não é legalmente obrigatória, nos termos do artigo 9.º, muito menos, pelo simples facto de o trabalhador ter, entretanto, constituído advogado[85]. E, menos ainda, se o próprio Ministério Público tiver recusado o patrocínio por considerar a pretensão infundada.
Se o patrocínio pelo Ministério Público deve ser recusado a pretensões infundadas, então, deve abster-se de qualquer iniciativa processual que colida com a imunidade de Estados estrangeiros ou dos seus bens.
XIX.
Tal, porém, não significa deixar de patrocinar todo e qualquer trabalhador em litígio com uma embaixada ou posto consular de um Estado estrangeiro.
Desde logo, porque o próprio Estado pode ter renunciado à imunidade, como sucede, frequentemente, em contratos de empréstimo ou de fornecimento de bens e serviços.
Algo que se estipulou na Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades de Jurisdição dos Estados e dos Seus Bens, não como renúncia, mas como manifestação do consentimento em ser réu num tribunal estrangeiro. Deixa-se claro que a própria anuência à jurisdição de outro Estado constitui expressão de um poder soberano.
Pode fazê-lo por acordo com o Estado do foro, mas pode fazê-lo, também, num contrato que celebra com um particular, nomeadamente num contrato de trabalho:
«Artigo 7.º
Consentimento expresso para o exercício da jurisdição
1 — Um Estado não pode invocar a imunidade de jurisdição num processo judicial num tribunal de outro Estado, relativamente a uma questão ou lide, se tiver consentido expressamente no exercício da jurisdição por esse tribunal em relação a essa mesma questão ou lide:
a) Por acordo internacional;
b) Por contrato escrito; ou
c) Por declaração perante o tribunal ou comunicação escrita num determinado processo judicial.
2 — A aceitação por parte de um Estado no que diz respeito à aplicação da lei de um outro Estado não será interpretado como consentimento para o exercício da jurisdição pelos tribunais desse outro Estado.»
Nas situações previstas no n.º 1, o Estado estrangeiro, voluntariamente, abriu mão da imunidade de jurisdição, pelo que nada obsta a que o Ministério Público patrocine o trabalhador em ação laboral, desde que a competência internacional dos tribunais portugueses se confirme.
A manifestação de consentimento não deve ser confundida com a aplicação da lei do foro (n.º 2).
Assim, o motorista ao serviço de uma embaixada estrangeira em Portugal e a quem sejam devidos salários, pode ser patrocinado pelo Ministério Público na ação declarativa de condenação se do seu contrato individual de trabalho constar a manifestação de consentimento em submeter-se à jurisdição dos tribunais portugueses.
Todavia, ainda que se trate de ação declarativa, deve o Ministério Público acautelar a observância do artigo 18.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens (2004), abstendo-se de requerer providências cautelares que ponham em causa a imunidade contra atos de execução, pois, como vimos, a renúncia à imunidade de jurisdição declarativa não contém implicitamente renúncia à imunidade dos bens e direitos do Estado estrangeiro.
É, entre as providências cautelares especificadas, o caso do arresto (artigo 391.º e seguintes do Código de Processo Civil), como é o caso do arrolamento (artigo 403.º e seguintes) ou da suspensão do despedimento quando requerida a impugnação da sua regularidade e licitude (artigos 33.º.-A e 33.º-B, do Código do Processo de Trabalho)[86].
A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens contém ainda outras disposições que visam assegurar o princípio da boa-fé, impedindo um Estado estrangeiro de incorrer no que é comummente designado venire contra factum proprium.
Assim, convencionou-se o seguinte:
«Artigo 8.º
Efeito da participação num processo em tribunal
1 — Um Estado não pode invocar a imunidade de jurisdição num processo num tribunal de outro Estado se:
a) Foi o próprio Estado a instaurar o dito processo; ou
b) Interveio no processo ou fez alguma diligência em relação ao mérito da causa. Todavia, se o Estado demonstrar ao tribunal que não poderia ter tomado conhecimento dos factos sobre os quais um pedido de imunidade se poderia fundamentar, senão após ter feito tal diligência, pode invocar a imunidade com base nesses factos desde que o faça com a maior brevidade possível.
2 — Não se considera que um Estado tenha consentido no exercício da jurisdição de um tribunal de um outro Estado se intervier num processo judicial ou tomar quaisquer outras medidas com o único objetivo de:
a) Invocar a imunidade; ou
b) Fazer valer um direito relativo a um bem em causa no processo.
3 — A comparência de um representante de um Estado num tribunal de outro Estado como testemunha não será interpretado como consentimento para o exercício da jurisdição pelo tribunal.»
Nestes casos, principalmente, na hipótese de o Estado estrangeiro ser o autor da ação contra um seu trabalhador, ao serviço de uma representação diplomática ou consular, nada impede o patrocínio oficioso pelo Ministério Público.
Tem-se entendido, outrossim, que o levantamento da imunidade de jurisdição ou de execução pode decorrer de sanções aplicadas a um Estado pelo Conselho de Segurança, nos termos do artigo 41.º da Carta das Nações Unidas, como o entenderam os tribunais franceses relativamente ao Iraque, quando da invasão do Koweit, em 1990[87].
XX.
Como observámos, a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens consagrou, ainda, algumas normas especiais, relativas a determinados processos, que restringem a imunidade de jurisdição.
E uma delas diz respeito, especificamente, a litígios de natureza laboral, mas apenas quanto a ações declarativas.
Parece, no entanto, possuir uma extensão maior do que aquela que, na verdade, resulta da sua interpretação:
«Artigo 11.º
Contratos de trabalho
1 — Salvo acordo em contrário entre os Estados em questão, um Estado não pode invocar a imunidade de jurisdição num tribunal de outro Estado que seja competente para julgar o caso num processo judicial que diga respeito a um contrato de trabalho entre o Estado e uma pessoa singular para um trabalho realizado ou que se deveria realizar, no todo ou em parte, no território desse Estado.
2 — O n.º 1 não se aplica se:
a) O trabalhador foi contratado para desempenhar funções específicas que decorrem do exercício de poderes públicos;
b) O trabalhador for:
i) Um agente diplomático, tal como definido na Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961;
ii) Um funcionário consular, tal como definido na Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1962;
iii) Um membro do pessoal diplomático das missões permanentes junto de organizações internacionais, de missões especiais, ou se for contratado para representar um Estado numa conferência internacional; ou
iv) Uma qualquer outra pessoa que goze de imunidade diplomática.
c) O processo judicial se referir à contratação, renovação do contrato ou reintegração do trabalhador;
d) O processo judicial se referir à cessação unilateral do contrato ou ao despedimento do trabalhador e, se assim for determinado pelo chefe de Estado ou ministro dos negócios estrangeiros do Estado empregador, esse processo puser em causa os interesses de segurança desse Estado;
e) O trabalhador for nacional do Estado empregador no momento da instauração do processo judicial, salvo se a pessoa tiver residência permanente no Estado do foro; ou
f) O Estado empregador e o trabalhador acordaram diversamente por escrito, sob reserva de considerações de ordem pública conferindo aos tribunais do Estado do foro jurisdição exclusiva em função do objeto do processo.»
Justificam-se duas breves observações da nossa parte acerca do âmbito da imunidade da jurisdição do trabalho.
A primeira para nos darmos conta de que, apesar de nos encontrarmos na Parte III, também neste preceito se encontra presente a imunidade de execução, ao enunciar, no n.º 2, alínea a), o pedido de reintegração do trabalhador na embaixada, consulado ou missão permanente de que tivesse sido ilicitamente despedido.
A segunda para confirmar que o alcance das restrições à imunidade de jurisdição não é, neste domínio tão ampla quanto poderia sugerir uma primeira leitura, se considerarmos que alguns servidores, embora não sendo, em bom rigor, agentes diplomáticos nem funcionários consulares, gozam, ainda assim, de imunidade diplomática, nos termos da alínea b), subalínea iv).
Importa, para esse efeito, delinear o universo destes sujeitos, à luz das pertinentes convenções internacionais.
A Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961 estabelece uma clara distinção entre diplomatas e não diplomatas, mas não reserva a imunidade diplomática aos primeiros.
O pessoal de cada missão diplomática reparte-se, de acordo com o artigo 1.º entre pessoal diplomático, pessoal administrativo e técnico e pessoal de serviço da missão [alínea c)].
Por seu turno, nos termos da alínea f), é considerado pessoal administrativo e técnico quem fizer parte do pessoal da missão que se encontre incumbido de tarefas puramente executivas (administrativas ou técnicas).
O pessoal de serviço da missão cumpre tarefas domésticas [alínea g)].
Nem sempre é nítida, porém, a fronteira entre agentes diplomáticos e o restante pessoal, sobretudo o pessoal administrativo e técnico.
Não tanto assim no que respeita ao pessoal consular, pois na Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963, estabelece-se um mecanismo próprio — o exequatur concedido pelo Estado recetor ao Estado de envio e que obriga a uma certa especificação, com decorre do preceito que se transcreve:
«Artigo 19.º
Nomeação dos membros do pessoal consular
1 — Sem prejuízo das disposições dos artigos 20.º, 22.º e 23.º, o Estado que envia pode nomear livremente os membros do pessoal consular.
2 — O Estado que envia notificará o Estado recetor dos nomes e apelidos, a categoria e a classe de todos os funcionários consulares que não sejam o chefe de posto consular com a antecedência suficiente para que o Estado recetor possa, se o desejar, exercer os direitos que lhe confere o §3 do artigo 23.º.
3 — O Estado que envia poderá, se as suas próprias leis e regulamentos o exigirem, pedir ao Estado recetor a concessão do exequatur aos funcionários consulares que não sejam chefe de posto consular.
4 — O Estado recetor pode, se as suas próprias leis e regulamentos o exigirem, conceder exequatur aos funcionários consulares que não sejam chefes de posto consular.»
Ora, aos funcionários consulares assistem imunidade de jurisdição e imunidade administrativa, nos termos seguidamente reproduzidos:
«Artigo 43.º
Imunidade de jurisdição
1 — Os funcionários consulares e os empregados consulares não estão sujeitos à jurisdição das autoridades judiciárias e administrativas do Estado recetor pelos atos realizados no exercício das funções consulares.
2 — Todavia, as disposições do §1 do presente artigo não se aplicarão em caso de ação civil:
a) Resultante da conclusão de um contrato feito por um funcionário consular ou um empregado consular que não o tenha cumprido expressa ou implicitamente como mandatário do Estado que envia; ou
b) Intentada por um terceiro como consequência de danos causados por acidente de veículo, navio ou aeronave ocorrido no Estado recetor.»
Temos, assim, pois, que algumas qualificações jurídicas de que depende a aplicação do artigo 11.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens (2004) não permitem afirmar que só os diplomatas e agentes consulares de carreira beneficiam de imunidade diplomática e que só as suas questões jurídico-laborais se encontram sob a imunidade de jurisdição do Estado.
A imunidade diplomática pode ser reconhecida, com maior ou menor extensão, a outros trabalhadores e, por consequência, ampliar a imunidade de jurisdição do Estado acreditante.
XXI.
Excluir do patrocínio pelo Ministério Público a generalidade dos trabalhadores em litígio com Estados estrangeiros não constitui, como poderia parecer, um tratamento discriminatório, se, de acordo com a lei portuguesa, tais trabalhadores prestarem funções públicas.
Na verdade, o patrocínio dos trabalhadores e dos seus familiares pelo Ministério Público não compreende o trabalho em funções públicas[88].
Está, por isso, longe de ser universal, uma vez que o critério determinante é o da competência cível dos juízos do trabalho, tal como decorre da Lei da Organização do Sistema Judiciário[89]:
«Artigo 126.º
Competência cível
1 — Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:
a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não revistam natureza administrativa;
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;
e) Das ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho;
f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho;
g) Das questões emergentes de contratos de aprendizagem e de tirocínio;
h) Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de ato ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal;
i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;
j) Das questões entre associações sindicais e sócios ou pessoas por eles representados, ou afetados por decisões suas, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de uns ou de outros;
k) Dos processos destinados à liquidação e partilha de bens de instituições de previdência ou de associações sindicais, quando não haja disposição legal em contrário;
l) Das questões entre instituições de previdência ou entre associações sindicais, a respeito da existência, extensão ou qualidade de poderes ou deveres legais, regulamentares ou estatutários de um deles que afete o outro;
m) Das execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais;
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;
o) Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;
p) Das questões cíveis relativas à greve;
q) Das questões entre comissões de trabalhadores e as respetivas comissões coordenadoras, a empresa ou trabalhadores desta;
r) De todas questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e respetivas alterações, do funcionamento e da extinção das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores;
s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas.
2 — Compete ainda aos juízos do trabalho julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação nos domínios laboral e da segurança social.»
Importa atentar na competência relativa dos juízos do trabalho, não só para conhecer das execuções fundadas nas suas decisões, como também em outros títulos executivos, desde que a execução diga respeito a uma relação jurídica laboral e permaneça ressalvada a competência expressamente atribuída a outros tribunais [artigo 126.º, n.º 1, alínea m)], mesmo nas circunscrições dotadas de juízos de execução, como observa ALCIDES MARTINS[90].
Não lhes compete, no entanto, executar as sentenças condenatórias de pessoas coletivas públicas, senão em casos muito residuais.
XXII.
O patrocínio oficioso e gratuito pelo Ministério Público circunscreve-se ao trabalho subordinado de matriz civil, pois aos trabalhadores em funções públicas não assiste tal benefício no contencioso que tiverem com o Estado ou com outras pessoas coletivas públicas: contencioso administrativo.
A defesa dos seus direitos, enquanto trabalhadores, em face dos diversos empregadores públicos, sem excluir pessoas coletivas privadas cujos trabalhadores em funções públicas ali conservam o seu estatuto, pertence à jurisdição administrativa.
Dispõe-se na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas a competência da jurisdição administrativa e não da jurisdição comum[91]:
«Artigo 12.º
Jurisdição competente
São da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público.»
O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ETAF[92], no artigo 1.º, n.º 1[93], determina que são os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal «os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.»
Ora, a relação jurídica laboral do trabalhador em funções públicas com o Estado ou com outra pessoa coletiva pública é consumida pela natureza de relação jurídica administrativa.
A nomeação faz-se por ato administrativo e o contrato de trabalho em funções públicas é um contrato administrativo[94].
Por isso, a norma para que o artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais remete, concretiza o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal nos termos seguintes:
«Artigo 4.º
Âmbito da jurisdição
1 — Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
2 — Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.
3 — Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de:
a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa;
b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;
c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões.
4 — Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso;
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;
c) A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente;
d) A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
e) A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva.»
Apenas a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, i.e., de contratos individuais de trabalho, de direito privado, celebrados à margem da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, diz respeito à jurisdição comum [n.º 4, alínea b)], pois os litígios emergentes de um vínculo de emprego público pertencem à jurisdição administrativa.
Assim, a impugnação da demissão do trabalhador em funções públicas faz-se por impugnação contenciosa do ato administrativo que a decidiu ou deliberou em desconformidade com a lei. De igual modo, para obter o reconhecimento de um direito deve o trabalhador em funções públicas propor uma ação administrativa.
Ao contrário ao que chegou a prever a Lei n.º 23/2004, de 22 de junho[95]/[96], atualmente, são residuais os contratos individuais de trabalho outorgados com o Estado ou com pessoas coletivas públicas de direito público[97].
Atualmente, de acordo com a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, só o contrato de prestação de serviço não constitui vínculo de emprego público:
«Artigo 6.º
Noção e modalidades
1 — O trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço, nos termos da presente lei.
2 — O vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração.
3 — O vínculo de emprego público reveste as seguintes modalidades:
a) Contrato de trabalho em funções públicas;
b) Nomeação;
c) Comissão de serviço.
4 — O vínculo de emprego público pode ser constituído por tempo indeterminado ou a termo resolutivo.»
Relações de emprego público transitórias, e até precárias (termo resolutivo incerto), são hoje constitutivas de vínculo de emprego público (n.º 4).
Ora, ao Ministério Público, na jurisdição administrativa e fiscal, compete «representar o Estado, defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para o efeito, os poderes que a lei lhe confere» (artigo 51.º), sem patrocinar os trabalhadores em funções públicas contra o Estado ou contra outra qualquer pessoa coletiva pública[98].
De resto, e sem prejuízo do regime geral de acesso ao direito, tão-pouco o Código do Processo nos Tribunais Administrativos[99] providencia pelo patrocínio oficioso dos trabalhadores em funções públicas, limitando-se a estabelecer o seguinte:
«Artigo 11.º
Patrocínio judiciário e representação em juízo
1 — Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público.
2 — No caso de o patrocínio recair em licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, a referida atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.
3 — Para o efeito do disposto no número anterior, e sem prejuízo do disposto nos dois números seguintes, o poder de designar o representante em juízo da pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, do ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa coletiva ou do ministério.
4 — Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de uma entidade administrativa independente, ou outra que não se encontre integrada numa estrutura hierárquica, a designação do representante em juízo pode ser feita por essa entidade.
5 — Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, mas a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa coletiva.
6 — Os agentes de execução desempenham as suas funções nas execuções que sejam da competência dos tribunais administrativos.»
Nada de semelhante, pois, ao disposto no artigo 6.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho.
XXIII.
É certo que, em determinadas eventualidades, o Estado concede apoio judiciário aos titulares dos seus órgãos e a algumas categorias de trabalhadores em funções públicas[100], mas nunca através do Ministério Público, nem contra o empregador público.
Assim, o Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de junho[101], ao dispor que o patrocínio judiciário dos membros do Governo, dos diretores-gerais, secretários-gerais, inspetores-gerais e equiparados para todos os efeitos legais, bem como responsáveis das estruturas de missão, das comissões e dos grupos de trabalho ou de projeto seja assegurado pelos trabalhadores do CEJURE[102] ou por advogados por este contratados, especificamente para o efeito, tem como pressuposto que o beneficiário tenha sido demandado «em virtude do exercício das suas funções», o que exclui as ações administrativas intentadas pelo próprio, seja no domínio disciplinar, seja em qualquer outro domínio da relação jurídica de emprego público.
Ali se determina o seguinte:
«Artigo 2.º
Patrocínio judiciário
1 — O patrocínio judiciário dos membros do Governo, quando necessário em virtude do exercício das suas funções, pode ser assegurado pelos trabalhadores do CEJURE ou por advogados contratados pelo CEJURE, especificamente para a prática daquele patrocínio.
2 — O patrocínio judiciário dos diretores-gerais, secretários-gerais, inspetores-gerais e equiparados para todos os efeitos legais, bem como responsáveis das estruturas de missão, das comissões e dos grupos de trabalho ou de projeto a que se refere o artigo 28.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual, quando necessário em virtude do exercício das suas funções, pode também ser assegurado pelos trabalhadores do CEJURE ou por advogados contratados pelo Centro, especificamente para o efeito.
3 — Nas situações previstas nos números anteriores, o Estado suporta os encargos provenientes do respetivo processo, que tramite em qualquer tribunal e qualquer que seja a forma do processo, incluindo os honorários de advogado.
4 — Em caso de condenação as pessoas referidas nos n.os 1 e 2 devem, porém, ressarcir o Estado dos encargos suportados.
5 — O patrocínio judiciário previsto nos n.os 1 e 2, e o suporte dos encargos previsto no n.º 3, depende de requerimento do interessado, dirigido ao diretor do CEJURE.
6 — O disposto no presente artigo não obsta a que o patrocínio judiciário seja diretamente contratado, pelo interessado, junto de advogado à sua escolha, caso em que os encargos não são suportados pelo Estado.»
O Ministério Público é apenas convocado no caso dos bombeiros — os bombeiros profissionais, os bombeiros voluntários dos corpos de bombeiros mistos detidos pelos municípios e os demais bombeiros inseridos em quadros de pessoal, homologados pela Autoridade Nacional de Proteção Civil, o que inclui alguns trabalhadores em funções públicas.
Não, porém, a fim de prestar patrocínio judiciário.
Com efeito, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Bombeiros Portugueses[103], estes têm direito «a assistência e patrocínio judiciário nos processos judiciais em que sejam demandados ou demandantes por factos ocorridos no âmbito do exercício de funções», em condições a especificar em diploma próprio (n.º 2).
Coube ao Decreto-Lei n.º 286/2009, de 8 de outubro, especificar os termos da concessão de assistência e patrocínio judiciário aos bombeiros, tendo a Lei n.º 48/2012, de 29 de agosto, alterado o regime e procedido à sua integral republicação, precisamente por necessidade de preservar a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria estatutária do Ministério Público[104].
O requerimento é apresentado ao Ministério Público (artigo 4.º, n.º 1), competindo à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil arcar com as despesas inerentes à modalidade de proteção jurídica (n.º 4).
Todavia, o Ministério Público limita-se a deferir ou recusar a concessão de apoio por advogado ou solicitador e, sendo caso disso, a solicitar a nomeação à Ordem dos Advogados (artigo 7.º, n.º 1), competindo a esta associação pública escolher e designar um advogado, de acordo com os respetivos estatutos, regras processuais e regulamentos internos (n.º 2).
Ainda que o Estado dispense proteção jurídica aos titulares de cargos públicos e aos trabalhadores em determinadas funções públicas, ao serem demandados ou acusados por motivo do exercício das suas funções, nunca o patrocínio é atribuído ao Ministério Público.
Passemos em revista mais alguns exemplos.
Assim, aos profissionais de saúde, em funções no Serviço Nacional de Saúde, é garantida assistência e patrocínio judiciário, mas apenas contra terceiros a quem imputem lesão sofrida na sua integridade física ou psíquica (artigo 21.º, n.º 1, do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde[105]).
Trata-se, pois, no essencial, de apoiar tais profissionais se e quando vitimados por certos crimes no exercício ou por causa do exercício das funções exercidas no Serviço Nacional de Saúde.
Por seu turno, os titulares dos órgãos com poderes de autoridade de saúde, se e quando constituídos arguidos ou parte em processo administrativo ou civil, «por ato cometido ou ocorrido no exercício e por causa das suas funções, têm direito a assistência jurídica, nas modalidades de apoio jurídico e patrocínio judiciário, a assegurar pela Direção-Geral da Saúde», de acordo com o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 82/2009, de 2 de abril[106].
Já com relação aos trabalhadores da Polícia Judiciária, prevê o Estatuto Profissional respetivo[107] a concessão de proteção jurídica que «abrange a contratação de advogado, o pagamento de taxas de justiça e demais encargos do processo judicial, sempre que intervenham em processo penal, processos de natureza cível ou processos de natureza administrativa, nos quais sejam pessoalmente demandados, em virtude de factos praticados no exercício das suas funções ou por causa delas» (artigo 20.º, n.º 1).
A não ser dispensado por advogado contratado externamente, o patrocínio judiciário pode ser assegurado «por trabalhador do Ministério da Justiça, da Administração Pública, desde que devidamente habilitado, e, nos casos em que tal se mostre viável, por jurista com funções de apoio jurídico, nos termos das respetivas leis de processo.» (n.º 3).
O apoio tem de ser requerido ao Diretor Nacional da Polícia Judiciária (artigo 20.º, n.º 2) e mantém-se concedido aos herdeiros em caso de morte (n.º 4), mas, uma vez provado, «no âmbito de processo jurisdicional, que o trabalhador agiu dolosamente ou fora dos limites legalmente impostos, a PJ exerce direito de regresso sobre o trabalhador relativamente a todas as quantias que tenha desembolsado.» (n.º 5).
Por sua vez, o presidente e os titulares de cargos dirigentes da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil[108], o comandante nacional de emergência e proteção civil, o 2.º comandante nacional de emergência e proteção civil e o comandante da força especial de proteção civil têm direito a patrocínio judiciário, nos termos do artigo 35.º do regime orgânico da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil[109] que, por seu turno, remete para os termos previstos para os titulares de cargos de direção abrangidos pelo Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública[110].
Estatuto que, por sua vez, não compreendendo o pessoal dirigente de toda a administração pública, em sentido material, tão-pouco em sentido orgânico[111], limita-se a remeter para o citado Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de julho, ampliando, deste modo, o universo de beneficiários aos dirigentes de cargos de direção intermédia (diretores de serviço e chefes de divisão), de cargos de direção superior de 2.º grau (subdiretores-gerais, subinspetores-gerais, secretários-gerais adjuntos) e aos seus equiparados de modo pleno.
Com efeito, o artigo 33.º, n.º 1, do Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública determina o seguinte:
«Aos titulares dos cargos dirigentes são aplicáveis os regimes de patrocínio judiciário e isenção de custas previstos nos Decretos-Leis n.os 148/2000, de 19 de julho, e 34/2008, de 26 de fevereiro.»
Quer isto dizer que mesmo o pessoal dirigente não especificado no Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de junho, desde que se encontre abrangido pelo Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública, beneficia daquele direito especial.
Ao pessoal da carreira de guarda-florestal «que seja arguido em processo judicial por atos cometidos ou ocorridos no exercício e por causa das suas funções» é concedido patrocínio «por advogado retribuído a expensas do Estado, através da Guarda, bem como a transporte e ajudas de custo, quando a localização do tribunal ou das entidades policiais assim o justifique, nos termos a definir em regulamento interno da Guarda», segundo dispõe o artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 247/2015, de 23 de outubro[112]. Além disso, «tem direito a patrocínio judiciário a expensas do Estado, através da Guarda, por atos de que seja vítima, no exercício das suas funções ou por causa delas» (n.º 2).
Patrocínio por advogado que, à semelhança do que prevê o Regime do Acesso ao Direito e aos Tribunais, não é da livre escolha do beneficiário, pois, em conformidade com o artigo 20.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 247/2015, de 23 de outubro, «o advogado é indicado pela Guarda, sendo notificado o guarda-florestal interessado.»
De igual modo, os militares das Forças Armadas têm «direito a receber do Estado proteção jurídica nas modalidades de consulta jurídica e apoio judiciário, que abrange a contratação de advogado e a dispensa do pagamento de custas e demais despesas do processo, para defesa dos seus direitos e do seu bom nome e reputação, sempre que sejam afetados por causa de serviço que preste às Forças Armadas ou no âmbito destas» (artigo 20.º, n.º 1, do Estatuto dos Militares das Forças Armadas[113]), sem prejuízo do direito de regresso pelo Estado, caso o militar seja condenado por crime doloso (n.º 2).
Os militares da Guarda Nacional Republicana gozam do «direito a proteção jurídica nas modalidades de consulta jurídica e apoio judiciário», compreendendo a contratação de advogado e os encargos do processo, sempre que nele intervenham na qualidade de assistentes, arguidos, autores ou réus, «e o processo decorra do exercício das suas funções ou por causa delas» (artigo 24.º, n.º 2, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana[114]). Apoio a conceder, «em prazo útil, mediante despacho do comandante-geral, por sua iniciativa ou mediante requerimento do interessado» (n.º 3), sem prejuízo, contudo, do direito de regresso a exercer se tiver ficado provado, «no âmbito do processo judicial, que o militar agiu dolosamente ou fora dos limites legalmente impostos» (n.º 4).
O Estatuto Profissional do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública[115] garante aos membros deste corpo especial apoio jurídico, o qual compreende «a contratação de advogado, o pagamento de taxas de justiça e demais encargos do processo judicial, sempre que intervenham em processo penal, processos de natureza cível ou processos de natureza administrativa, nos quais sejam pessoalmente demandados, em virtude de factos praticados no exercício das suas funções ou por causa delas» (artigo 26.º, n.º 1). Apoio que se estende «aos polícias que intervenham em processo penal por ofensa sofrida no exercício das suas funções, ou por causa delas» (n.º 2).
Prevê-se o direito de regresso pelo Estado, a exercer pela Polícia de Segurança Pública, nos casos em que tiver ficado provado, «no âmbito do processo judicial, que os polícias agiram dolosamente ou fora dos limites legalmente impostos» (n.º 4).
Por seu turno, o Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional[116] dispõe que os trabalhadores abrangidos «que sejam arguidos em processo judicial por atos cometidos ou ocorridos no exercício ou por causa das suas funções, têm direito a ser assistidos por advogado retribuído a expensas do Estado e ao pagamento das custas judiciais, bem como a transporte e ajudas de custo, nos termos aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas, quando a localização do tribunal ou das autoridades policiais o justifique» (artigo 11.º, n.º 1).
Têm direito, de igual modo, «a patrocínio judiciário a expensas do Estado por atos de que sejam vítimas, no exercício das suas funções ou por causa delas, em termos a definir por despacho do diretor-geral da Reinserção e Serviços Prisionais, exarado sobre parecer do diretor do estabelecimento prisional» (n.º 2). Contudo, o advogado é indicado pela Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, apenas ouvindo o trabalhador interessado (n.º 4).
Neste regime, conquanto se não preveja o exercício do direito de regresso na eventualidade de ficar provada a responsabilidade com dolo do trabalhador, consignou-se competir à Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais a indicação do advogado.
Por fim, relativamente aos eleitos locais, o legislador optou no Estatuto respetivo[117] por uma construção bastante diversa.
Dele passamos a transcrever o enunciado[118]:
«Artigo 21.º
Apoio em processos judiciais
Constituem encargos a suportar pelas autarquias respetivas as despesas provenientes de processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte, desde que tais processos tenham tido como causa o exercício das respetivas funções e não se prove dolo ou negligência por parte dos eleitos.»
De acordo com o preceito transcrito, o autarca é reembolsado após o trânsito em julgado, no pressuposto de, estando em causa o exercício de funções, não ter ficado provada atuação dolosa ou negligente da sua parte.
Trata-se, pois, de um regime mais equilibrado, pois ainda que não estabeleça limitações de ordem financeira, induz o beneficiário a conter os encargos na escolha de advogado, perante a necessidade de adiantar provisões e perante a contingência de não ser reembolsado se vier a ser condenado pela prática de facto ilícito com dolo ou negligência.
Em caso algum, todavia, se prevê o patrocínio em ações propostas por trabalhadores em funções públicas contra o Estado ou contra outros empregadores públicos, não obstante os trabalhadores em funções públicas deverem ser considerados trabalhadores por conta de outrem para todos os efeitos[119] (artigo 269.º da Constituição).
XXIV.
No contencioso administrativo, o Ministério Público tem legitimidade, não só para propor ações administrativas, como também para intervir, «nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais» (artigo 9.º, n.º 2, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos).
A ser desempenhado pelo Ministério Público, o patrocínio dos trabalhadores em funções públicas nas questões que os opõem aos empregadores públicos conflituaria com a intervenção própria que lhe compete no contencioso administrativo, em defesa da legalidade e do interesse público, e que Código do Processo nos Tribunais Administrativos consagra nos termos seguintes:
«Artigo 85.º
Intervenção do Ministério Público
1 — No momento da citação dos demandados, é remetida a petição e os documentos que a instruem ao Ministério Público, salvo nos processos em que este figure como autor ou como representante de alguma das partes.
2 — Em função dos elementos que possa coligir e daqueles que venham a ser carreados para o processo, o Ministério Público pode pronunciar-se sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º
3 — Nos processos impugnatórios, o Ministério Público pode invocar causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas na petição inicial e solicitar a realização de diligências instrutórias para a respetiva prova.
4 — Os poderes de intervenção previstos nos números anteriores podem ser exercidos até 30 dias após a notificação da junção do processo administrativo aos autos ou, não tendo esta lugar, da apresentação da última contestação, disso sendo, de imediato, notificadas as partes para se pronunciarem.
5 — Sendo utilizada a faculdade prevista na parte final do n.º 3:
a) Caso as diligências instrutórias requeridas devam ser realizadas em audiência final, nos termos do n.º 1 do artigo 91.º, o Ministério Público é notificado para intervir nas mesmas;
b) Caso as diligências instrutórias requeridas não devam ser realizadas em audiência final, o Ministério Público é notificado para se pronunciar, no prazo previsto no artigo 91.º-A.»
E se porventura o Ministério Público intentar uma ação pública no âmbito de relações de trabalho em funções públicas, ou se prosseguir ação administrativa intentada por terceiros (artigo 62.º) não o faz em representação de um concreto trabalhador ou conjunto de trabalhadores, mas para fazer valer os interesses públicos que lhe estão confiados.
XXV.
É pacífico, de resto, que, mesmo nas raras situações em que os juízos de trabalho permaneçam competentes para conhecer de ação intentada por trabalhador contra o Estado, deve prevalecer no Ministério Público a representação do Estado, pois esta representação é natural e até orgânica (JOÃO MONTEIRO[120]).
Bem assim, considerou este corpo consultivo no Parecer n.º 7/2014, de 10 de abril[121], a respeito do artigo 21.º, n.º 4, da Lei‑Quadro dos Institutos Públicos[122], — onde se permite aos conselhos diretivos «solicitar o apoio e a representação em juízo por parte do Ministério Público, ao qual competirá, nesse caso, defender os interesses do instituto» — que, perante «um conflito, presente ou eventual, entre a representação em juízo de um instituto público e a defesa da legalidade democrática ou o exercício da ação penal, estas últimas devem prevalecer, aplicando-se o mecanismo do artigo 69.º do Estatuto do Ministério Público[123], embora os órgãos dirigentes do instituto possam constituir advogado, não tendo de aceitar aquele que seja designado pela Ordem dos Advogados.»
A representação do Estado em juízo decorre de norma constitucional (artigo 219.º, n.º 1), ao contrário do patrocínio oficioso dos trabalhadores e seus familiares.
Justamente, este dualismo, consoante o Estado seja o empregador, ou não, dá que pensar relativamente às ações intentadas por trabalhadores contra Estados estrangeiros na jurisdição comum nacional, designadamente por trabalhadores que prestam ou prestaram serviços em representações diplomáticas ou em postos consulares, no território português.
XXVI.
É que as relações laborais que o Estado Português mantém com o pessoal técnico e administrativo recrutado para as suas próprias representações diplomáticas e postos consulares no estrangeiro são, necessariamente, relações jurídicas de emprego público, tal como decorre do Regime Jurídico dos Trabalhadores dos Serviços Periféricos Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros[124]:
«Artigo 6.º
Celebração de contratos
Os contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado e a termo resolutivo certo ou incerto para constituição de relações jurídicas de emprego público no SPE do MNE, incluindo nas residências oficiais do Estado, são celebrados pelo chefe de missão ou de posto consular ou em quem este delegar.»
Temos, assim, que todo e qualquer trabalhador ao serviço das embaixadas e consulados portugueses possui como vínculo um contrato de trabalho em funções públicas: por tempo indeterminado ou a termos resolutivo (certo ou incerto).
Deixou de haver um estatuto diferenciado para os assalariados não integrados na carreira e nos quadros das embaixadas e consulados[125], pois mesmo «Aos trabalhadores das residências oficiais do Estado são (…) aplicáveis as disposições legais relativas aos trabalhadores em funções públicas (…)», de acordo com o artigo 2.º, n.º 2.
Em relação a todos, cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros «promover junto das autoridades locais as diligências necessárias para a obtenção da acreditação dos trabalhadores, nos termos das Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares».
Aplica-se-lhes, como tal, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sem prejuízo das normas e princípios de direito internacional que disponham em contrário, das normas imperativas de ordem pública local e dos instrumentos e normativos especiais previstos em diploma próprio (artigo 1.º, n.º 5).
Quer isto dizer que não é lícito ao aplicador estabelecer uma diferença de regime entre os diversos trabalhadores, segundo critérios de atuação no âmbito da gestão privada ou da gestão pública.
É, pois, a jurisdição administrativa a competente para dirimir os conflitos emergentes com o empregador público[126].
Por isso, não deve afirmar-se, à partida, que os Estados estrangeiros demandados nos tribunais de trabalho portugueses se encontram numa posição diversa daquela que é própria da República Portuguesa, por si ou através das suas legações diplomáticas e consulares, em face da jurisdição de outros Estados.
Até porque, para efeitos de imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros e do seu património, é à lei do foro — neste caso, à lei portuguesa — que compete operar a qualificação[127].
Por outro lado, o princípio da igualdade entre Estados soberanos aponta para que o Ministério Público, a ninguém patrocinando em juízo contra o Estado português, também não patrocine trabalhadores contra Estados estrangeiros, a menos que os pressupostos e requisitos da imunidade se encontrem declinados, designadamente por ser o Estado estrangeiro o autor da ação contra o trabalhador.
E, de modo a poder exigir um tratamento recíproco, pela jurisdição de outros Estados, no sentido da imunidade da República Portuguesa e da necessidade de os trabalhadores dos Serviços Periféricos Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros intentarem na jurisdição administrativa portuguesa as pertinentes ações relativas à relação de emprego público — presente ou pretérita — deve o Ministério Público sustentar nos tribunais esta posição.
Não que tenham o recrutamento de trabalhadores para as embaixadas estrangeiras em Portugal, o tratamento das vicissitudes da relação de emprego ou a validade dos contratos de se submeter à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, mas devem ser qualificados como contratos de direito público[128], unicamente para efeitos de delimitação da imunidade de jurisdição.
Em suma, a lei portuguesa considera serem atos de gestão pública, não só os atos relativos a diplomatas[129], mas também os atos praticados relativamente aos seus trabalhadores dos serviços externos periféricos nas embaixadas e postos consulares portugueses[130].
Obviamente que não poderiam os tribunais administrativos conhecer das ações intentadas pelos trabalhadores, ainda que o Estado estrangeiro o consentisse.
Haveria jurisdição, mas não competência, pois os tribunais administrativos não dispõem de competência internacional, nem material, relativamente às administrações públicas não sujeitas à lei portuguesa.
XXVII.
A menos que o Estado haja consentido validamente em submeter-se à jurisdição portuguesa, deve o Ministério Público recusar o patrocínio de trabalhadores contra Estados estrangeiros, mesmo em ação declarativa, sem prejuízo de lhes proporcionar o acesso aos meios extrajudiciais (v.g. mediação laboral) e de os aconselhar.
Ainda que, como vimos, a imunidade de jurisdição, em matéria de contratos de trabalho, (artigo 11.º da Convenção das Nações Unidas Sobre a Imunidade Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens) seja relativamente menor do que em outros domínios, o Ministério Público estaria, em todo o caso, a patrocinar uma ação contra um Estado. Algo que, em caso algum, faria contra o Estado português.
Por outro lado, o patrocínio do Ministério Público, fiel aos princípios da legalidade e da objetividade que conformam toda a sua atuação, não pode correr os mesmos riscos do que um advogado e, neste sentido, o trabalhador pode julgar-se menos bem patrocinado.
A justificar-se requerer o decretamento de uma providência cautelar antecipatória ou conservatória, o Ministério Público tem de cessar o patrocínio. Não pode ser temerário e aventurar-se por uma interpretação extensiva das restrições à imunidade de jurisdição dos Estados.
De resto, tivemos oportunidade de observar como o artigo 18.º da Convenção se mostra particularmente avesso a medidas coercivas anteriores ao julgamento, como é o caso dos procedimentos cautelares (artigo 361.º e seguintes do Código de Processo Civil, artigo 32.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho).
Do costume internacional codificado no artigo 18.º, da Convenção das Nações Unidas Sobre a Imunidade de Jurisdição dos Estados e dos seus Bens, pode dizer-se que estatui uma regra de imunidade absoluta.
É certo que encontramos jurisprudência a recusar imunidade de jurisdição em ações laborais intentadas contra Estados estrangeiros (ou contra as suas embaixadas, tomando o órgão pela pessoa), como, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de junho de 2014[131], mas não há um critério linear.
No caso concreto, foi acordado não beneficiar de imunidade de jurisdição o Estado estrangeiro contra o qual fora intentada uma ação de impugnação por despedimento ilícito de cozinheira que exercia a sua atividade na residência oficial de uma embaixadora acreditada pelo Governo Português.
Limitou-se o aresto a reconhecer no ato a natureza de ato de gestão privada. Num tempo, porém, em que os cozinheiros e serviçais das embaixadas portuguesas eram assalariados de direito privado.
Não podemos afirmar que todos os litígios de natureza laboral com as representações diplomáticas acreditadas em Portugal sejam emergentes de relações jurídicas de natureza privada, pois, como vimos, além dos diplomatas, também os trabalhadores ao serviço das representações diplomáticas portuguesas no estrangeiro dispõem de um vínculo de emprego público.
E não quer dizer, de igual modo, que a possível imunidade de jurisdição se estenda à execução, independentemente do que se dispõe na Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas (1961), porquanto, e seguindo de perto o mesmo Acórdão, «a imunidade jurisdicional dos Estados é um instituto distinto das imunidades diplomáticas e consulares, pelo que, sendo a ação proposta contra a Embaixada de um Estado estrangeiro, não está em causa a aplicação direta do regime das imunidades contido na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.»
A imunidade de jurisdição e de execução dos diplomatas, dos seus bens, instalações e equipamento constituem, por assim dizer, lei especial em relação à imunidade de jurisdição dos Estados e dos bens ao seu serviço.
XXVIII.
Já no anterior Parecer nos tínhamos pronunciado acerca dos méritos que possui a intervenção acessória do Ministério Público para salvaguarda da imunidade de jurisdição e do património dos Estados estrangeiros demandados nos tribunais portugueses.
Ela não pode ser praticada por mais ninguém. É, por assim dizer, infungível.
Vale a pena insistir em que o protagonismo pertence, na penhora, ao agente de execução e, por isso, a intervenção acessória do Ministério Público adquire uma especial conveniência, de modo a preservar as garantias imunitárias.
E, embora nos processos em que o exequente seja representado pelo Ministério Público, tais funções sejam da competência de oficial de justiça [artigo 722.º, n.º 1, alínea b), do CPC], nem por isso deixa de ser necessária uma garantia reforçada para impedir a República Portuguesa de incorrer em responsabilidade internacional.
O maior risco de indevidamente serem penhorados bens que se encontram sob imunidade de execução, por pertencerem a Estado estrangeiro, com ou sem representação diplomática ou consular em Portugal, decorre da atividade do agente de execução[132], especialmente no processo sumário em que a penhora tem lugar sem a prévia citação do executado.
Mesmo no processo comum ordinário para o pagamento de quantia certa, pode ser dispensada a citação prévia (artigo 727.º, n.º 1, do CPC), e embora seja o juiz quem concede a dispensa, o critério fixado na lei é o do «alegado receio de perda da garantia patrimonial do crédito exequendo». O incidente é tramitado como urgente e «o receio é justificado sempre que, no registo informático de execuções, conste a menção da frustração, total ou parcial, de anterior ação executiva movida contra o executado».
Terão sido os maiores riscos decorrentes da falta de citação prévia a levar o legislador, no Código de Processo Civil, a estender a responsabilidade por má conduta processual às condutas praticadas com simples culpa pelo exequente nos casos de indevida penhora sem citação prévia:
«Artigo 858.º
Sanções do exequente
Se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10 /prct. do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.»
Com efeito, não haverá dúvidas quanto a considerar ter a dispensa de citação prévia aumentado os riscos da execução, como faz notar PAULA COSTA E SILVA[133], acrescentando:
«Esta, apesar de poder revelar-se injustificada, impôs uma restrição ao executado, cujos bens foram objeto de penhora (…). E, contra esta restrição infundada, nada pôde o executado, uma vez que somente com a concretização da penhora sabe da pendência da execução, podendo, então, a ela opor-se.»
A intervenção acessória do Ministério Público adquire, por conseguinte, uma utilidade acrescida.
Não se trata, simplesmente, de poupar o Estado aos encargos com o eventual ressarcimento, mas de obstar à prática de facto ilícito internacionalmente[134] e, por isso, com naturais repercussões no bom nome e reputação da República Portuguesa entre os seus pares na comunidade internacional.
Terá conhecimento de que foi intentada ação contra Estado estrangeiro (sua embaixada ou consulado), pois deve ser-lhe oficiosamente notificada a pendência da ação, logo que a instância se considere iniciada (artigo 325.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), uma vez que se trata de pessoa coletiva pública para os efeitos previstos no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público.
Será, depois, «notificado para todos os atos e diligências, bem como de todas as decisões proferidas no processo, nos mesmos termos em que o devam ser as partes na causa, tendo legitimidade para recorrer quando o considere necessário à defesa do interesse público ou dos interesses da parte assistida» (artigo 325.º, n.º 3, do CPC).
Compete-lhe, como interveniente acessório, «zelar pelos interesses que lhe estão confiados», em especial, o interesse público na observância da imunidade internacional, «exercendo os poderes que a lei processual confere à parte acessória e promovendo o que tiver por conveniente à defesa dos interesses da parte assistida.» (artigo 325.º, n.º 2, do CPC)
Para o efeito, «até à decisão final e sem prejuízo das preclusões previstas na lei de processo, pode o Ministério Público, oralmente ou por escrito, alegar o que se lhe oferecer em defesa dos interesses da pessoa ou entidade assistida». (artigo 325.º, n.º 4, do CPC).
XXIX.
Cremos estar, por fim, em condições de iniciar a resposta às questões especificadas no pedido de consulta, ao que passaremos de imediato.
Pergunta-se, em primeiro lugar, se as atribuições e competências do Ministério Público na jurisdição laboral impedem que intervenha acessoriamente, ao abrigo do disposto no artigo 325.º do Código de Processo Civil, com vista a garantir a legalidade da execução e o respeito pela imunidade de execução na fase executiva de ação laboral de trabalhador contra Estado estrangeiro.
Diremos que o primado do direito internacional vincula o Ministério Público a sustentar a imunidade de jurisdição e do património do executado, pois é o que decorre do princípio da legalidade e do princípio de objetividade, ambos norteando toda e qualquer intervenção dos seus magistrados, como decorre do artigo 3.º, n.º 2, do seu Estatuto:
«A autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela sua vinculação a critérios de legalidade e objetividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às diretivas, ordens e instruções previstas na presente lei.»
A posição que o Ministério Público sustentar relativamente à imunidade do património de Estados estrangeiros não pode ignorar o interesse público da República Portuguesa em cumprir, de modo irrepreensível, as obrigações que decorrem do direito internacional geral ou comum.
Neste sentido, há, por assim dizer, um afloramento da representação natural do Estado português e que pesa sobremaneira, pois no quadro dos sujeitos e demais intervenientes processuais, este papel do Ministério Público é verdadeiramente ímpar.
Contudo, o Ministério Público não pode, no mesmo processo, intervir acessoriamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 325.º do Código de Processo Civil, e patrocinar o exequente ou intervir acessoriamente, a seu lado.
XXX.
E, respondendo à segunda questão, diremos que nada se altera na eventualidade de o Ministério Público ter patrocinado o trabalhador na ação declarativa laboral que o opôs a um Estado estrangeiro e cuja sentença se pretende seja executada coativamente.
A menos que o Estado estrangeiro tenha consentido submeter-se à jurisdição ou tenha, ele próprio, proposto a ação, é desejável que o Ministério Público não patrocine o trabalhador sequer em ação declarativa.
O motivo decorre do princípio da igualdade de tratamento entre Estados soberanos, pois o Ministério Público não patrocina nem representa ninguém contra o Estado português.
E não deve fazê-lo, ainda, uma vez mais, por se encontrar especialmente adstrito ao princípio da legalidade.
Contudo, se o fizer, não deve perder de vista que a Convenção é particularmente assertiva quanto a determinar que não se pode presumir da renúncia pelo Estado à imunidade de jurisdição declarativa o seu consentimento em abdicar da imunidade contra providências cautelares e medidas de execução (artigo 20.º).
A tratar-se de ação declarativa, de ação executiva ou de execução da sentença na ação declarativa[135], sob patrocínio do Ministério Público, deverá ser solicitada a designação de mandatário, se o trabalhador assim desejar.
Refira-se, aliás, que «a lei é menos exigente quanto ao patrocínio em processo executivo do que em processo declarativo» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS[136]).
Por um lado, são frequentes em processo executivo os requerimentos em que não se suscitam questões de direito e que, como tal, podem ser feitos por advogados estagiários, solicitadores ou pelo próprio exequente, nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[137].
Por outro, as disposições do Código de Processo Civil relativas ao patrocínio judiciário por advogado em processo executivo mostram-se menos exigentes do que em relação ao processo declarativo:
«Artigo 58.º
Patrocínio judiciário obrigatório
1 — As partes têm de se fazer representar por advogado nas execuções de valor superior à alçada da Relação e nas de valor igual ou inferior a esta quantia, mas superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, quando tenha lugar algum procedimento que siga os termos do processo declarativo.
2 — No apenso de verificação de créditos, o patrocínio de advogado só é necessário quando seja reclamado algum crédito de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª instância e apenas para apreciação dele.
3 — As partes têm de se fazer representar por advogado, advogado estagiário ou solicitador nas execuções de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª instância não abrangidas pelos números anteriores.»
Como vimos, a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens (2004) não efetua nenhuma distinção relativamente a relações laborais, quando se trata de medidas coercivas, anteriores ou posteriores ao julgamento.
A imunidade é dos bens, do património do Estado estrangeiro e da sua pessoa, seja qual for o motivo da penhora, como vimos decorrer dos artigos 18.º e 19.º
Por conseguinte, só excecionalmente a imunidade de execução se encontra afastada.
Das duas, uma: ou reflete a aquiescência soberana do Estado estrangeiro, ou é demonstrado pelo exequente que tais bens são para uso pessoal ou comercial (de todo em todo, alheios ao serviço público) encontram-se em território do Estado do foro e afetos à pessoa coletiva demandada.
Acresce, ainda, não poderem fazer parte das categorias de bens impenhoráveis por razões de utilidade pública e que se encontram enunciadas no artigo 21.º da Convenção, sem prejuízo do disposto no artigo 737.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
XXXI.
Pergunta-se, em terceiro lugar, se pode o Ministério Público exercer o patrocínio do trabalhador de uma embaixada de Estado estrangeiro na fase executiva, limitando-se a requerer a execução de bens excecionados da imunidade de execução, i.e., utilizados ou destinados a ser utilizados com outra finalidade que não a do serviço público, nomeadamente para fins comerciais.
O Ministério Público não deve exercer o patrocínio do trabalhador de Embaixada de Estado estrangeiro na fase executiva, ainda que se limite a requerer a execução de bens excecionados da imunidade de execução, pois não se encontra nas suas mãos a nomeação dos bens à penhora.
A ocorrer representação do exequente pelo Ministério Público, é a um oficial de justiça que incumbe a realização das diligências próprias da competência do agente de execução [artigo 722.º, n.º 1, alínea b) do CPC], mas nem por isso o exequente pode conceder-lhe ordens ou instruções, relativamente ao cumprimento da penhora (artigo 751.º, n.º 1).
Ainda que o Ministério Público possa prestar-lhe indicações sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, nos termos do artigo 751.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e que pudesse adverti-lo contra a imunidade de execução, ao arrepio do interesse do trabalhador, o critério do oficial de justiça, como também do agente, é o de a penhora começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente (n.º 1).
Como tal, a intervenção acessória do Ministério Público constitui uma inestimável garantia de que não são penhorados bens de Estados estrangeiros sob imunidade internacional de execução.
XXXII.
A quarta pergunta diz respeito à atribuição estatutária do Ministério Público que deverá prevalecer: se o patrocínio oficioso do trabalhador ou a defesa da legalidade e do interesse público no cumprimento de um princípio de direito internacional geral, ainda que na qualidade de amicus curiae.
Cumpre reafirmar que, atualmente, segundo a lei portuguesa, todo o trabalho subordinado prestado a embaixadas e consulados do Ministério dos Negócios Estrangeiros implica uma relação jurídica de emprego público, sendo que os trabalhadores em funções públicas e seus familiares não beneficiam do patrocínio oficioso do Ministério Público.
Como tal, o patrocínio de trabalhador contra Estado estrangeiro deve ser recusado com base no artigo 9.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
De qualquer modo, deve entender-se que, em caso de conflito entre o patrocínio oficioso do trabalhador e a defesa da legalidade e do interesse público no cumprimento das normas consuetudinárias de direito internacional geral que vinculam o Estado português — ainda que em sede de intervenção acessória, na qualidade de amicus curiae — é esta atribuição estatutária do Ministério Público que deve prevalecer
Apesar de o patrocínio oficioso dos trabalhadores por conta de outrem constituir uma intervenção principal [artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto do Ministério Público], ela não é obrigatória, nem universal.
É principal apenas quanto possa ter lugar e tiver, efetivamente, lugar.
Constitui uma intervenção supletiva e que pode convolar-se em acessória, uma vez constituído mandatário judicial, conforme se dispõe no Código de Processo de Trabalho:
«Artigo 9.º
Cessação da representação e do patrocínio oficioso
Constituído mandatário judicial, cessa a representação ou o patrocínio oficioso que estiver a ser exercido, sem prejuízo da intervenção acessória do Ministério Público.»
Quer isto dizer que, no suposto conflito com a intervenção acessória para salvaguarda da imunidade dos Estados estrangeiros, é entre intervenções acessórias que a questão deve ser equacionada.
Ora, como observámos, a intervenção acessória ordenada à salvaguarda da imunidade internacional reveste algo de representação natural do Estado português, pois é do seu interesse não incorrer em responsabilidade internacional.
É o próprio Código de Processo do Trabalho a afirmar que «São representados pelo Ministério Público o Estado e as demais pessoas e entidades previstas na lei» (artigo 6.º), o que significa não poder tal representação ser declinada pelo patrocínio oficioso dos trabalhadores e seus familiares [artigo 7.º, n.º 1, alínea a)].
Idêntico critério é de seguir na intervenção acessória.
XXXIII.
Pergunta-se, por fim, quem deverá assegurar o patrocínio do trabalhador.
Embora a resposta se encontre antedita, não se acha sistematizada.
Por isso, recapitulemos.
Em muitos casos, especialmente, no processo executivo, o trabalhador não tem de constituir mandatário ou pode, simplesmente, mandatar solicitador ou advogado estagiário.
Por outro lado, é possível que encontre patrocínio por advogado que preste serviços de contencioso à associação sindical em que, eventualmente, se encontre inscrito.
Em tais casos, independentemente da questão da imunidade soberana do empregador, sempre poderia o Ministério Público recusar o patrocínio, nos termos da parte final do artigo 8.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho: «quando verifique a possibilidade de o autor recorrer aos serviços do contencioso da associação sindical que o represente.»
Em última análise e se o trabalhador não optar ou não puder optar pelo regime do apoio judiciário, é aplicável, por analogia, o disposto no artigo 93.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público e solicitar à Ordem dos Advogados a indicação de um advogado para representar o trabalhador, como exequente, constituindo encargo do Estado o pagamento dos honorários devidos (n.º 5).
É, afinal, um superior interesse do Estado a justificar a intervenção acessória do Ministério Público e, por conseguinte, a privação do comum patrocínio oficioso do trabalhador.
Como tal, justifica-se ser o Estado a suportar a despesa que o trabalhador, em outras circunstâncias, não teria.
XXXIV.
Em face de quanto vem solicitado e visto o exposto, a fim de complementar o Parecer n.º 11/2022, de 24 de novembro, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República formula, por aditamento, as conclusões seguidamente discriminadas:
1.ª — A imunidade de jurisdição dos Estados perante os tribunais de outro qualquer Estado e a imunidade do património que possuam em território estrangeiro são um corolário do princípio da igualdade soberana entre Estados (par in parem non habet judicium), o qual se conta entre o núcleo restrito dos princípios cogentes (jus cogens) de direito internacional geral ou comum.
2.ª — É, como tal, plena e diretamente recebido na ordem jurídica portuguesa, onde ocupa uma posição de supremacia, acima de todo o direito ordinário e até dos tratados e acordos concluídos pela República Portuguesa, de acordo com a Constituição (artigo 8.º, n.º 1).
3.ª — Sem embargo da estreita conexão incidental, a imunidade de jurisdição dos Estados e dos seus bens é mais ampla do que a imunidade que assiste ao pessoal diplomático e consular e às instalações e bens afetos às legações respetivas (Convenção Sobre Relações Diplomáticas, de 1961, e Convenção sobre Relações Consulares, de 1963).
4.ª — Se, ao longo do século XX, se assistiu a um progressivo recuo da imunidade de jurisdição declarativa, de modo a circunscrever-se ao domínio dos atos de gestão pública, já a imunidade de execução não conheceu semelhante contenção, tal como ressalta dos artigos 18.º e seguintes da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2 de dezembro de 2004, assinada e ratificada pela República Portuguesa.
5.ª — A aprovação pela Assembleia Geral reconhece, nas suas disposições, as normas e princípios do costume internacional, neste domínio, o que vem sendo corroborado pela doutrina e pela jurisprudência, quer dos tribunais internacionais, quer dos tribunais de cada jurisdição nacional, justificando a sua validade e eficácia na ordem jurídica internacional, apesar de a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens não ter ainda atingido o número suficiente de ratificações para entrar em vigor.
6.ª — Sobre a República Portuguesa, enquanto signatária e Parte Contratante da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, recai uma obrigação qualificada de se abster de quaisquer atos que vão contra o seu fim e objeto, tal como dispõe o artigo 18.º, alínea b), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.
7.ª — A salvaguarda da imunidade de jurisdição dos Estados e do seu património faz parte do bloco de legalidade que ao Ministério Público cumpre defender nos tribunais portugueses (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição), no sentido de conceder aos Estados estrangeiros um tratamento, o mais possível, igual ao que é concedido ao Estado português, na sua própria jurisdição.
8.ª — Desde logo, importa reconhecer os Estados estrangeiros, na ordem jurídica interna, como pessoas coletivas públicas, que o são, enquanto corolário da personalidade jurídica internacional, independentemente de disporem, ou não, de representação diplomática em Portugal.
9.ª — Além de dever não intentar, nem patrocinar ações contra Estados estrangeiros ou contra o seu património, o Ministério Público deve intervir acessoriamente, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do respetivo Estatuto, no interesse do Estado português em respeitar escrupulosamente as normas e princípios de direito internacional geral ou comum e, assim, reflexamente, no interesse do Estado que beneficia da imunidade.
10.ª — O Ministério Público, não fora a imunidade de jurisdição e de execução, haveria de patrocinar oficiosamente os trabalhadores e seus familiares que, nos juízos do trabalho, demandassem os Estados estrangeiros como seus empregadores, a menos que optassem, originária ou supervenientemente, por constituir mandatário judicial, por se valerem do apoio judiciário prestado através das associações sindicais a que pertençam ou que pretendessem beneficiar do regime comum de apoio judiciário por insuficiência de meios financeiros (artigos 6.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho).
11.ª — Contudo, não obstante o patrocínio ser qualificado como intervenção principal pelo artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto do Ministério Público, e de, supostamente, fazer precludir a intervenção acessória, tal como prevista no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) — «não se verificando nenhum dos casos do n.º 1 do artigo anterior» — ela, só é principal se e quando tiver lugar, pois não é imperativa, nem necessária.
12.ª — Com efeito, deve o Ministério Público recusar o patrocínio a pretensões que repute infundadas (artigo 8.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), como é o caso da penhora de bens ou direitos pertencentes a um Estado estrangeiro e que infrinja a imunidade internacional, mesmo que o Ministério Público tenha patrocinado o trabalhador na ação ou na fase declarativa do processo.
13.ª — E deve abster-se de intervir acessoriamente ao lado do trabalhador, apesar de o artigo 9.º do Código de Processo do Trabalho, abstratamente, lho permitir, designadamente depois de o trabalhador ter constituído mandatário, porquanto, no concurso entre intervenções acessórias, é a defesa da legalidade e do interesse público do Estado português na salvaguarda da imunidade do património do Estado estrangeiro a prevalecer.
14.ª — A defesa de tal interesse superior não deve ser relegada ao Estado estrangeiro executado, pois avulta, igualmente, um interesse da República Portuguesa em assumir uma conduta irrepreensível nas relações internacionais, até para estar em condições de reclamar tratamento recíproco nas jurisdições internas dos outros Estados.
15.ª — Em processo executivo sumário, a penhora tem lugar sem a prévia citação do executado (artigo 856.º do Código de Processo Civil) e mesmo em processo comum ordinário para pagamento de quantia certa, o exequente pode obter do juiz dispensa da citação prévia (artigo 727.º), o que não permite ao Estado estrangeiro invocar a imunidade a tempo de evitar a penhora.
16.ª — O risco de serem penhorados bens impenhoráveis de um Estado estrangeiro é acrescido pela circunstância de a penhora não se encontrar sob um prévio controlo jurisdicional, nem sequer do exequente e do seu mandatário, uma vez que o agente de execução ou o oficial de justiça, consoante o caso, sem prejuízo das indicações do exequente, adota como critério principal o de que a penhora «começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente» (artigo 751.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
17.ª — Nesta fase, portanto, fica ao critério do agente de execução (ou do oficial de justiça) a qualificação de certas categorias de bens e direitos de um Estado estrangeiro como impenhoráveis e, por conseguinte, a responsabilidade da República Portuguesa por facto internacionalmente ilícito pode resultar da conduta menos prudente do agente de execução ou do oficial de justiça, sem nenhum controlo que a possa evitar.
18.ª — Eis mais uma razão determinante para o Ministério Público não patrocinar o trabalhador exequente de Estado estrangeiro. Ainda que pretenda limitar-se a penhorar bens excecionados da imunidade de execução (coisas usadas ou destinadas a serem usadas para fim alheio ao serviço público e com fim comercial, desde que não pertençam às categorias enunciadas pelo artigo 21.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens) não pode garantir, no patrocínio do exequente, que a penhora preserva o património do Estado estrangeiro executado, pois é o oficial de justiça a praticar os atos [artigo 722.º, n.º 1, alínea b), e artigo 751.º, n.º 2, do Código de Processo Civil].
19.ª — A exclusão de tais trabalhadores não é discriminatória, pois, em caso algum o Ministério Público patrocina trabalhadores em funções públicas ou outro qualquer trabalhador que demande o Estado, seja em que tribunal for, pois tal colidiria com a função de natural representante do Estado em juízo (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição).
20.ª — É o que sucede com os trabalhadores, portugueses ou estrangeiros, ao serviço das embaixadas, missões permanentes e postos consulares da República Portuguesa e que são, na verdade, trabalhadores em funções públicas.
21.ª — Isto, porque todo o trabalho prestado nas embaixadas e consulados da República Portuguesa, incluindo o serviço doméstico prestado nas residências oficiais, é hoje qualificado como trabalho em funções públicas, por força do Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril, o qual instituiu um novo Regime Jurídico dos Trabalhadores dos Serviços Periféricos Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
22.ª — Aplica-se a tais trabalhadores a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (artigo 1.º, n.º 5), pelo que a jurisdição competente para conhecer de ações por si intentadas contra o Estado é a jurisdição administrativa (artigo 12.º).
23.ª — Por conseguinte, em face da lei portuguesa, os atos relativos a trabalhadores recrutados para as nossas embaixadas e postos consulares, devem considerar-se de gestão pública (e não, simplesmente de atos de jure gestionis).
24.ª — Na jurisdição administrativa, o Ministério Público em circunstância alguma patrocina os trabalhadores, pelo que não ocorre, ali, conflito de representações.
25.ª — E, se bem que o Estado conceda apoio judiciário a alguns titulares de cargos públicos (Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de junho), aos militares das forças armadas, aos agentes das forças de segurança e a determinadas categorias de trabalhadores em funções públicas, nunca o faz através do Ministério Público, nem contra o empregador público.
26.ª — Ao recusar patrocínio judiciário aos trabalhadores das embaixadas e consulados de Estados estrangeiros em Portugal, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público está a seguir, coerentemente, o mesmo princípio.
27.ª — Ainda que uma ação no interesse do trabalhador de uma embaixada ou consulado seja intentada nos juízos do trabalho, aquele deve constituir mandatário da sua livre escolha, valer-se do apoio prestado pela associação sindical em que se encontre inscrito ou beneficiar do regime geral do apoio judiciário, se fizer prova da carência de meios.
28.ª — O que não significa poderem impugnar contenciosamente nos tribunais administrativos portugueses atos praticados por órgãos de um Estado estrangeiro, de tal modo que, a ser intentada ação administrativa, ainda que o Estado estrangeiro consinta na jurisdição, os tribunais da jurisdição administrativa teriam de se declarar internacional e materialmente incompetentes.
29.ª — O Ministério Público só pode patrocinar trabalhador contra Estado estrangeiro se for este o autor ou o exequente, de acordo com o artigo 8.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, se o Estado estrangeiro tiver renunciado, de modo expresso, à imunidade, nos termos do artigo 7.º, ou, ainda, se a perda de imunidade do património resultar de sanção decretada contra esse Estado pelo Conselho de Segurança, nos termos do artigo 41.º da Carta das Nações Unidas.
30.ª — Ainda assim, haverá de acautelar o particularismo das providências cautelares, relativamente às quais se exige uma renúncia específica à imunidade, a qual, neste domínio, se revela praticamente absoluta (artigo 18.º da Convenção das Nações Unidas Sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens).
31.ª — Em todo e qualquer caso, um ponto essencial a reter é o da diferença entre as exceções à imunidade da jurisdição declarativa (mais amplas) e as exceções à imunidade dos bens de Estados soberanos estrangeiros (mais exíguas).
32.ª — Se as primeiras assentam, fundamentalmente, na clivagem entre atos de gestão privada e atos de gestão pública, já as exceções à imunidade patrimonial decorrem da natureza dos bens e do fim a que se encontram afetos ou destinados a serem afetos.
33.ª — Por conseguinte, nunca deve deduzir-se da imunidade de jurisdição decorrente da natureza privada de um ato ou negócio jurídico a penhorabilidade dos bens de um Estado estrangeiro, pois podem fazer parte do domínio público ou do chamado domínio privado indisponível, à semelhança do que se encontra previsto no artigo 737.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com relação à generalidade das pessoas coletivas públicas.
34.ª — A penhora circunscreve-se aos bens sem uso ou destino de uso comercial e alheios ao serviço público — um conceito deveras amplo e impreciso —, mas, ainda assim, nunca pode ter por objeto as categorias de bens enunciadas pelo artigo 21.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens.
35.ª — Constituirá decerto bom critério nunca perder de vista a filiação do princípio par in parem non habet judicium no princípio da soberana igualdade entre Estados e procurar conceder aos Estados estrangeiros em juízo um tratamento equivalente, tanto quanto possível, ao que é dado ao Estado português e às demais pessoas coletivas públicas, pois a personalidade jurídica internacional de um Estado soberano implica tratá-lo, na jurisdição interna, como pessoa coletiva pública; não como uma entidade privada.
36.ª — Conquanto os trabalhadores das embaixadas e consulados estrangeiros tenham de recorrer aos tribunais do Estado acreditante ou a meios de resolução alternativa de conflitos, designadamente a mediação diplomática, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tem a nossa jurisprudência entendido tratar-se de uma restrição admissível ao direito de acesso ais tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de igual modo, com relação ao direito a um processo equitativo, embora venha dando crescentes sinais de abertura jurisprudencial no sentido de considerar que o artigo 6.º, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, compreende, para o trabalhador, o direito a demandar a embaixada ou consulado a que presta serviço, nos tribunais do Estado acreditador, em especial, se for o Estado da sua nacionalidade e em cujo território tem residência permanente.
[1] Acesso restrito.
[2] O atual Estatuto do Ministério Público (EMP) consta da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.
[3] Referimo-nos ao Código de Processo de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, na sua atual redação, fruto das alterações introduzidas, consecutivamente, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 12 de outubro (Cf. Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro), pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, pela Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, pela Lei n.º 107/2019, de 9 de setembro, pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de novembro.
[4] Sem outra indicação, referimo-nos ao Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (cf. Declaração de Retificação n.º 36/2013, de 12 de agosto), na redação dada pelas alterações introduzidas, sucessivamente pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março, pela Lei n.º 68/2017, de 16 de junho, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, pela Lei n.º 27/2019, de 26 de julho, pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, pela Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, e pela Lei n.º 3/2023, de 16 de janeiro.
[5] O Centro Jurídico do Estado – CEJURE, criado pelo Decreto-Lei n.º 68/2024, de 8 de outubro, assumiu as competências do extinto Centro de Competências Jurídicas do Estado - JURISAPP.
[6] E que consta do DA 24.949/21,
[7] Exarado na referida Informação.
(µ) Diferem os dois primeiros acórdãos do mais recente aspeto de aqueles terem determinado também, como consequência da concreta imunidade de jurisdição ali em apreço, a incompetência absoluta dos tribunais portugueses, conduzindo à mesma conclusão de absolvição da instância, ao abrigo dos citados preceitos e dos artigos 96.º, alínea a), 99.º, n.º 1 do mesmo Código. Ainda assim, as três decisões citadas são unânimes no entendimento segundo o qual se trata de exceção dilatória e que a mesma, por força do n.º 2 do referido artigo 576.º, dá lugar à absolvição da instância.
(β) Sublinha o parecer que se refere aos Estados estrangeiros e «não, às suas representações diplomáticas — pois só aos Estados é reconhecida personalidade jurídica no direito interno, como corolário da personalidade jurídica internacional».
(g) Ratificada por Portugal em 2006 e com apenas pouco mais de vinte depósitos de instrumentos de vinculação, necessitando de trinta para entrar formalmente em vigor; embora vigore na ordem jurídica internacional, como esclarece o parecer, a título de direito consuetudinário. Neste sentido, vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos a 16.11.2016 e a 07.12.2016, relativamente aos processos n.º 1360/16.7T8LSB.L1-4 e n.º 2079/15.1T8CBR.C1.S1.
[8] Não foi junto, porém.
(ε) Assim, JOÃO MONTEIRO, in “O Ministério Público e o Patrocínio dos Trabalhadores no Processo Declarativo Laboral”, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. V, Jornadas de Direito Processo do Trabalho, 2006, p. 27.
(ζ) In loc. Cit., p. 34.
(η) Sobre a representação do Estado em juízo pela JURISAPP já se pronunciou o Conselho Consultivo no Parecer n.º 29/2019, de 17.10.2019, onde concluiu, em síntese:
«10.ª – O Centro de Competências Jurídicos do Estado, designado por JurisAPP, não representa o Estado, mas apenas assegura a representação em juízo, no âmbito do contencioso administrativo, do Conselho de Ministros, do Primeiro-Ministro e de qualquer outro membro do Governo organicamente integrado na Presidência do Conselho de Ministros ou que beneficie dos respetivos serviços partilhados, conforme enumeração plasmada no artigo 2.º, n.º 1, desse diploma;
11.ª – Não está atribuída ao JurisAPP a competência para propor ou decidir discricionariamente se será o Ministério Público ou se será o mandatário judicial quem deverá assegurar, em cada caso, a representação judiciária do Estado;
12.ª – Contenderia com o princípio da reserva de lei e da autonomia, vazados no artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 3.º do Estatuto do Ministério Público, se uma entidade como a JurisAPP, legalmente configurado como um serviço central da administração direta do Estado, pudesse “coordenar os termos da respetiva intervenção”, na aceção de condicionar a intervenção em juízo do Ministério Público, indicar o modo como a mesma deveria realizar-se e dar instruções específicas sobre a condução da defesa processual do Estado.»
(θ) Sobre tais limitações do patrocínio oficioso dos trabalhadores, vide JOÃO RATO, “Ministério Público e jurisdição do trabalho”, in Jurisdição do Trabalho e da Empresa – Funções do Ministério Público na Jurisdição Laboral, Centro de Estudos Judiciários, março de 2013, p. 103.
(ι) Utilizando a expressão de PAULO DÁ MESQUITA, in Processo Penal, prova e sistema judiciário, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 260.
[9] O pedido de parecer foi distribuído sob a 1.ª espécie e designado o Relator por meio do mesmo despacho de 26 de setembro de 2024.
[10] Nomeadamente, a Santa Sé, a Ordem Soberana de Malta, o Comité Internacional da Cruz Vermelha e as organizações internacionais de Estados.
[11] Manual de Processo Civil, Volume I, Editora AAFDL, Lisboa, 2022, p. 301.
[12] Como sucede com a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória para o Tribunal Internacional de Justiça, ou com o Tribunal Penal Internacional, o Tribunal de Justiça da União Europeia ou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
[13] A execução coativa de atos administrativos ou a execução fiscal não podem, segundo este princípio, valer contra Estados estrangeiros, nem contra os seus órgãos, serviços periféricos e património em território português.
[14] Diritto Internazionale, 3.ª edição (ao cuidado de Micaela Frulli), Editora Il Mulino, Bolonha, 2017, p. 133.
[15] Idem, p. 134.
[16] Direito Internacional, 5.ª edição, Editora Gestlegal, Coimbra, 2019, p. 241.
[17] Proc.1360/16.7T8LSB.L1-4
[18] 2.ª Secção, Proc. 19354/20.6T8LSB.S.
[19] Direito Processual Civil Internacional I (projeto científico e pedagógico), Ed. AAFDL, 2021, p. 237.
[20] Idem, p. 238.
[21] Idem, p. 268.
[22] Idem, p. 269 e seguintes.
[23] Todavia, a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, no artigo 6.º, n.º 1, incumbe os Estados de assegurarem «que os seus tribunais determinem oficiosamente que a imunidade (…) seja respeitada».
[24] Por seu turno, o artigo 99.º do Código de Processo Civil determina que «a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar» (n.º 1). Admite, porém, se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, que estes sejam aproveitados «desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada» (n.º 2), exceto «nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral» (n.º 3).
[25] Obra citada, p. 300.
[26] Idem.
[27] Idem.
[28] Proc. 19848/21.6T8LSB.S1, 7.ª Secção.
[29] Proc. 15998/18.4T8LSB.L1.S1, 1.ª Secção.
[30] Em sentido contrário, admitindo que também a imunidade de jurisdição das organizações internacionais decorre do direito internacional geral ou comum, v. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de junho de 2020 (Proc. 15998/18.4T8LSB.L1-1).
[31] Acerca da personalidade jurídica do Estado numa perspetiva histórica, v. CRISTINA QUEIROZ, Direito Internacional e das Relações Internacionais, Coimbra Editora, 2009, p. 145 e seguintes; LUÍS PEREIRA COUTINHO, O Estado como Representação — do mundo hobbesiano aos problemas contemporâneos, Editora AAFDL, Lisboa, 2020.
[32] [11 U.S. 116 (1812)].
[33] Immunités juridictionnelles de l’Etat (Allemagne c. Italie; Grèce (intervenant)), arrêt, C.I.J. Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances de la Cour Internationale de Justice, Haia, 2012, p. 99 e seguintes.
[34] GERHARD VON GLAHN/ JAMES LARRY TAULBEE, Law Among Nations: Na Introduction to Public International Law, 11.ª edição, Editora Routledge, Nova Iorque, 2017, p. 180.
[35] Ibidem.
[36] Os seus tribunais admitiram, desde o início do século XX, a possibilidade de penhorarem bens de Estados estrangeiros localizados no território da Confederação Helvética. Sob condições muito estritas, contudo: tratar-se a obrigação exequenda de obrigação constituída por atos jure gestionis e ter a obrigação sido constituída em território suíço, vinculando-se o devedor a ser executado no seu património. Esta linha jurisprudencial viria a ser contrariada pelo Conselho Federal, adotando uma deliberação, em 12 de julho de 1918, que impedisse, no futuro, a execução de bens móveis. Por outro lado, estabeleceu a necessidade de tratamento recíproco. Tal deliberação viria a ser revogada, tal como outra, mais restritiva, de 1939 (ISABELLE PINGEL-LENUZZA, Les immunités des Etats en droit international, Editora Bruylant/Universidade de Bruxelas, 1998, p. 151 e seguintes).
[37] Nomeadamente, o Reino Unido (1978), os EUA (1976), Espanha (2015), Argentina (1995), Austrália (1985), Canadá (1985), Paquistão (1978), Singapura (1979) e África do Sul (1981).
[38] Sob esta designação, por extenso ou pela sigla CRP, referimo-nos, salvo indicação em contrário à Constituição da República Portuguesa, aprovada pelo Decreto de 10 de abril de 1976, na sua atual redação, fruto das revisões constitucionais sucessivamente aprovadas pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, pela Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de novembro, pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, pela Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de dezembro, pela Lei n.º 1/2004, de 24 de julho, e pela Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto.
[39] Sobre a receção do direito internacional geral ou comum na ordem interna, v. MARIA LUÍSA DUARTE, Direito Internacional Público e Ordem Jurídica Global do Século XXI, 2.ª edição, Editora AAFDL, Lisboa, 2023, p. 324; WLADIMIR BRITO, Direito Internacional Público, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2023, p. 106 e seguintes; FÁTIMA PACHECO/ JOSÉ DE CAMPOS AMORIM, Manual de Direito Internacional (do direito clássico ao contemporâneo), Ed. Almedina, Coimbra, 2021, p. 40 e seguintes; RUI MIGUEL MARRANA, Lições de Direito Internacional Público, Editora Quid Juris, Lisboa, 2021, p. 88 e seguintes, p. 97 e seguintes; RUI JANUÁRIO/ LUÍS DA COSTA DIOGO, Manual de Direito Internacional, Tomo I (Os direitos fundamentais do indivíduo, o Estado e o Direito Humanitário), Editora Petrony, Lisboa, 2020, p. 174 e seguintes; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Internacional Público — uma perspetiva de direito lusófono, 6.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 383 e seguintes; JÓNATAS E. M. MACHADO, Direito Internacional, 5.ª edição, Editora Gestlegal, Coimbra, 2019, p. 171 e seguintes; JORGE MIRANDA, Curso de Direito Internacional Público, 6.ª edição, Editora Principia, Cascais, 2016, p. 152 e seguintes; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA/ FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, 3.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 1993 (Reimpressão de 2023), p. 108 e seguinte; EDUARDO CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional Público, vol. I, Editora AAFDL, Reimpressão da edição de 1998, Lisboa, 2015, p. 562 e seguintes; CRISTINA QUEIROZ, Direito Internacional e Relações Internacionais, Coimbra Editora, 2009, p. 124 e seguintes; J.J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 254 e seguinte; FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Internacional Público, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2003, p. 69 e seguintes; JOAQUIM DA SILVA CUNHA/ MARIA DA ASSUNÇÃO DO VALE PEREIRA, Manual de Direito Internacional Público, Editora Almedina, Coimbra, 2000, p. 110 e seguintes; ALBINO DE AZEVEDO SOARES, Lições de Direito Internacional Público, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1996, p. 80 e seguintes; ARMANDO MARQUES GUEDES, Direito Internacional Público, edição policopiada, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1985, p. 133 e seguintes.
[40] Assinada em São Francisco, Califórnia, em 26 de junho de 1945. A República Portuguesa aderiu à Organização das Nações Unidas, na sequência da sua admissão, em 14 de dezembro de 1955. Todavia, a tradução oficial para língua portuguesa, elaborada em conjunto com as autoridades de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe, apenas foi publicada através do Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 66/91, de 18 de março de 1991, in Diário da República, I Série, n.º 117, de 22 de maio de 1991.
[41] Diritto internazionale, 4.ª edição, Editora Giuffrè Francis Lefèbvre, 2023, Milão, p. 465.
[42] Idem.
[43] Imunidade do Estado, in Enciclopédia Luso-Brasileira de Direito Internacional, Dário Moura Vicente, Aziz Tuffi Saliba, Fernando Loureiro Bastos, Marcílio Toscano Franca Filho, Manuel Almeida Ribeiro, Paulo Borba Casella (coordenação), Edições D. Quixote, Lisboa, 2023, p. 653.
[44] V. XIAODONG YANG, Immunity of execution, in Alexander Orakehelasvili, Research Handbook on Jurisdiction a n d immunities in International Law, Cheltenham, Reino Unido/Northampton, Massachusetts, EUA, Edwaed Elgar Ed., 2017, p. 378 e seguintes.
[45] Proc. 706. V. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 337, 1984, p. 305 e seguintes.
[46] Les immunités juridictionneles, en particulier d’exécution, en droit intenational et dans la pratique suisse, Quelques actions en execution, pp. 263-320, (François Bohnet, coordenação), Ed. Helbing & Lichtenhahn, Basileia/ Neuchâtel, 2011, p. 263.
[47] Proc. 96A89. V. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 464, 1997, p. 473 e seguintes.
[48] Proc. 01S2172. De igual modo, considerou o Supremo Tribunal de Justiça não ocorrer «violação do direito ao acesso à justiça ou do direito à tutela jurisdicional efetiva reconhecidos pelo artigo 20.º da CRP, que não são direitos que obriguem à existência de jurisdição estatal, mas apenas mecanismos de aferição das decisões por meio de recurso a procedimentos que ofereçam garantias de isenção e imparcialidade» (Acórdão de 21 de setembro de 2021, Proc. 18954/20.9T8LSB.S1, 1.ª Secção).
[49] Proc. 137/06.2TVLSB.L1.S1, 6.ª Secção.
[50] Proc. 327/09.6TTFUN.L1-4.
[51] Obra citada, p. 301.
[52] Sobre a imunidade diplomática, na doutrina portuguesa, v. JAIME VALLE, Direito Diplomático e Consular, volume I, 2.ª edição, Editora AAFDL, Lisboa, 2023, p. 79 e seguintes; MARGARIDA SALEMA D’OLIVEIRA MARTINS, Direito Diplomático e Consular, in Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. V, (coordenação de Paulo Otero/Pedro Gonçalves), Ed. Almedina, Coimbra, 2009, p. 214 e seguintes; Direito Diplomático e Consular (Coletânea de Convenções Internacionais), Universidade Lusíada Editora, 2006; ADRIANO MOREIRA, Direito Internacional Público, Instituto de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, 1983, p. 87 e seguinte.
[53] Proc. 05S3279.
[54] Proc. 2075/12.0TTLSB.L1.S1, 4.ª Secção.
[55] A Convenção sobre Relações Diplomáticas foi adotada em Viena a 18 de abril de 1961 e aprovada para adesão pelo Decreto-Lei n.º 48.295, de 27 de março de 1968. Encontra-se em vigor na ordem jurídica portuguesa desde 11 de outubro de 1968.
[56] A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens foi adotada em Nova Iorque, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução A/LIX/38, de 2 de dezembro de 2004, e aberta à assinatura, em 17 de janeiro de 2005. Assinada pelo Governo Português em 25 de fevereiro de 2005, seria aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2006, de 20 de junho, e ratificada pelo Presidente da República com o Decreto n.º 57/2006, de 20 de junho (cf. Declaração de Retificação n.º 37/2006, de 4 de julho). Através do Aviso n.º 698/2006, de 12 de outubro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros fez saber que o instrumento de ratificação fora depositado, em 14 de setembro de 2006, junto do Secretário-Geral das Nações Unidas.
[57] Além da República Portuguesa, vincularam-se a República da Áustria, o Benim, a Chéquia, a República da Guiné Equatorial, a Finlândia, a República Francesa, a República Islâmica do Irão, a República do Iraque, a República Italiana, o Japão, a República do Cazaquistão, a República da Letónia, a República do Líbano, a Líbia, o Principado do Liechtenstein, os Estados Unidos do México, o Reino da Noruega, a Roménia, o Reino da Arábia Saudita, a República Eslovaca, o Reino de Espanha, o Reino da Suécia e a Confederação Helvética. Faltando, por conseguinte, o depósito de mais cinco instrumentos de vinculação (www.treaties.un.org), para atingir o limiar estipulado no artigo 30.º, n.º 1, a Convenção ainda não entrou em vigor na ordem jurídica internacional.
[58] 2.ª Secção, Proc. 2079/15.1T8CBR.C1.S1.
[59] Na versão oficial em língua inglesa: «other than government non-commercial purposes». Na versão oficial em língua francesa: «autrement qu’à des fins de service public non commerciales».
[60] Além da jurisprudência já citada, V. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 4.ª Secção, de 21 de setembro de 2022, Proc.º 10736/18.4T8LSB.1.L1.S1
[61] Referimo-nos à Convenção Sobre o Direito dos Tratados Concluídos entre Estados, adotada, em Viena, pela Conferência das Nações Unidas Sobre o Direito dos Tratados, em 23 de maio de 1969. Aprovada para adesão através da Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, de 7 de agosto, foi ratificada, com uma declaração interpretativa, nos termos do Decreto do Presidente da República n.º 46/2003, de 7 de agosto, e entrou em vigor na ordem jurídica interna em 7 de março de 2004 (cf. Aviso n.º 27/2004, de 3 de abril), depois de depositado o instrumento de ratificação em 6 de fevereiro de 2004. Com raras exceções, o disposto nesta Convenção de há muito que é reconhecido como valendo a título consuetudinário; oponível, por conseguinte, mesmo aos Estados que continuem sem manifestar o consentimento na vinculação.
[62] A República Portuguesa aderiu à Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 24 de abril de 1963, através do Decreto-Lei n.º 183/72, de 24 de maio, que incorporou as suas disposições no direito interno.
[63] V. ISABELLE PINGEL-LENUZZA, obra citada, p. 136.
[64] A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017 (Reimpressão de 2022), p. 16.
[65] Idem, p. 16 (nota 7).
[66] Obra citada, p. 488.
[67] Conjunto muito restrito de normas imperativas e inderrogáveis de direito internacional geral ou comum (artigos 53.º e 64.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados) e que, apesar de alguns pontos comuns, não devem confundir-se com as normas da Declaração Universal dos Direitos do Homem nem com os direitos e liberdades fundamentais das grandes convenções e pactos internacionais. V. JORGE MIRANDA, Curso de Direito Internacional Público, 6.ª edição, Editora Principia, Cascais, 2016, p. 124 e seguintes; EDUARDO CORREIA BAPTISTA, Jus Cogens em Direito Internacional, Editora Lex, Lisboa, 1997.
[68] Assim, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como se viu no Parecer n.º 11/2022, de 24 de novembro, pronunciou-se pela prevalência da imunidade de jurisdição sobre a Convenção Europeia, ou então como uma restrição razoável ao direito a um processo justo e equitativo, nomeadamente nos Acórdãos de 21 de novembro de 2001 (Caso Al-Adsani v. Reino Unido), de 16 de junho de 2009 (Georges Grosz v. França), de 29 de junho de 2011 (Caso Sabeh El Leil v. França) e, mais recentemente, no Acórdão de 24 de fevereiro de 2022 (Caso Associação das famílias das vítimas do Joola v. França), rejeitando a queixa por terem os tribunais franceses reconhecido a imunidade jurisdicional do Senegal numa ação cível.
[69] Acórdão de 23 de março de 2010. Chegaria, porém, a diferente conclusão em Acórdão de 5 de fevereiro de 2019 (Caso Ndayegamiye-Mporazina v. Suíça).
[70] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, obra citada, p. 36.
[71] A propósito da responsabilidade disciplinar dos agentes de execução perante a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e perante a Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, v. RUI PINTO, A Ação Executiva, Editora AAFDL, Lisboa, 2018 (2.ª Reimpressão, 2020), p. 98 e seguintes. A Lei n.º 77/2013, de 21 de novembro, criou aquela entidade administrativa independente (CAAJ) e regula o seu funcionamento e competências. A sua atual redação incorpora as modificações trazidas pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de abril, pela Lei n.º 7/2024, de 19 de janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 27/2024, de 3 de abril.
[72] Informa-nos RUI PINTO (obra citada, p. 305 e seguintes) de que a admissibilidade das intervenções acessórias no processo executivo é deveras controvertida. As razões não se prendem, contudo, com a intervenção acessória do Ministério Público, prevista no artigo 10.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público, e no artigo 325.º do Código de Processo Civil. Com efeito, o Ministério Público, na intervenção acessória, não é verdadeiramente um assistente de uma das partes. Compete-lhe zelar pelo interesse público que, não obstante fazer parte das atribuições de uma determinada pessoa coletiva pública, pode não estar a ser adequadamente sustentado por tal entidade. Por isso, o artigo 10.º, n.º 2, determina que «Quando intervém acessoriamente, o Ministério Público zela pelos interesses que lhe estão confiados, promovendo o que tiver por conveniente.». É, de certo modo, a função que lhe cabe no processo administrativo, nos casos em que, não sendo autor, nem representando o Estado, se pronuncia sobre o mérito da causa, em defesa de interesses públicos especialmente relevantes, de acordo com o artigo 85.º, n.º 2, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos. Ainda que se oponha serem as intervenções de terceiros de natureza declarativa e, por isso, um corpo estranho ao processo executivo, deve retorquir-se que assegurar a impenhorabilidade dos bens de um Estado estrangeiro não constitui, necessariamente, um incidente declarativo.
[73] V. CARLOS LOPES REGO, A intervenção do Ministério Público na área cível e o respeito pelo princípio da igualdade de armas, in A Democracia, a Igualdade dos Cidadãos e o Ministério Público (5.º Congresso do Ministério Público), Ed. Cosmos, Lisboa, 2000, p. 81 e seguinte.
[74] Diário da República, II Série, de 18 de agosto de 1992.
[75] V. HÉLDER QUINTAS, Comentários ao Código de Processo do Trabalho, Editor Almedina, 2023, p. 96 (nota 216); VÍTOR MELO, O Estatuto do Ministério Público na jurisdição laboral. Razão de ser e originalidade do ordenamento jurídico português, in Estudos de Direito do Trabalho, vol. VI (Ciclo de Conferências sobre Processo do Trabalho), Instituto de Direito do Trabalho (organização), Editora Almedina, Coimbra, 2012, p. 57.
[76] Intervenção acessória do Ministério Público em processo laboral (Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8 de julho de 1986), in Revista do Ministério Público, Ano 7.º, outubro-dezembro 1986, n.º 20, p. 152.
[77] Referimo-nos a fase e não apenas à ação, pois nos termos do artigo 626.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a execução da decisão judicial condenatória pode iniciar-se mediante requerimento, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 724.º e seguintes, salvo nos casos de decisão judicial condenatória proferida no âmbito do procedimento especial de despejo. De acordo com o n.º 2, e sem prejuízo do disposto no artigo 550.º, n.º 3, a execução no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado só depois de consumada a penhora. Segundo o n.º 3, na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º e seguintes. Por outro lado, de acordo com o n.º 4, se o credor, conjuntamente com o pagamento de quantia certa ou com a entrega de uma coisa, pretender a prestação de um facto, a citação prevista no n.º 2 do artigo 868.º faz-se em conjunto com a notificação do executado para deduzir oposição ao pagamento ou à entrega. Por fim, dispõe-se no n.º 5: «Se a execução tiver por finalidade o pagamento de quantia certa e a entrega de coisa certa ou a prestação de facto, podem ser logo penhorados bens suficientes para cobrir a quantia decorrente da eventual conversão destas execuções, bem como a destinada à indemnização do exequente e ao montante devido a título de sanção pecuniária compulsória.»
[78] V. HÉLDER QUINTAS, Comentários ao Código de Processo do Trabalho, Editora Almedina, Coimbra, 2023, p. 99 e seguintes, em que colige, exaustivamente, as referências avulsas ao papel do Ministério Público no processo do trabalho,
[79] Versando, em especial, a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, v. Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2024, de 11 de abril, em cujas conclusões se pode ler o seguinte «3. — A intervenção do Ministério Público nesta ação é oficiosa, no sentido de que é exercida em nome próprio, e não a solicitação de qualquer pessoa ou entidade, sendo independente da vontade ou consentimento do trabalhador; 4. — O Ministério Público tem legitimidade ativa nesta ação (artigo 5.º-A, alínea c), do Código de Processo do Trabalho), sendo, portanto, parte principal no processo, tendo em vista a defesa da legalidade e a prossecução de um interesse público, interesse do Estado coletividade ou interesse geral da comunidade».
[80] V. Artigo 164.º-A do Código de Processo do Trabalho.
[81] V. JOÃO MONTEIRO, O Ministério Público e o patrocínio dos trabalhadores no processo declarativo laboral, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. V, Jornadas de Direito Processual do Trabalho (Organização: Instituto de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados), Editora Almedina, Coimbra, 2007, p. 24. Explica o Autor que, porém, só o Estatuto dos Tribunais de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41745, de 21 de julho de 1958, consagrou plenamente o «patrocínio oficioso dos trabalhadores do Ministério Público, sem quaisquer restrições, nomeadamente, as relativas ao valor da causa.» V. também VÍTOR MELO, O Estatuto do Ministério Público na jurisdição laboral. Razão de ser e originalidade do ordenamento jurídico português, in Estudos de Direito do Trabalho, vol. VI (Ciclo de Conferências sobre Processo do Trabalho), Instituto de Direito do Trabalho (organização), Editora Almedina, Coimbra, 2012, p. 55 e seguintes.
[82] Acerca do patrocínio dos trabalhadores pelo Ministério Público, v., bem assim, JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2022, p. 37 e seguintes; VÍTOR RIBEIRO, Execução de caução da pensão devida por acidente de trabalho, in Revista do Ministério Público, Ano 12.º, n.º 47, p. 157 e seguintes; JOÃO RATO, Ministério Público, representação social e mediação — O caso peculiar da jurisdição laboral, in 5.º Congresso do Ministério Público — A Democracia, a Igualdade dos Cidadãos e o Ministério Público, Edições Cosmos, Lisboa, 2000, p. 171 e seguintes; O Ministério Público e a jurisdição laboral (ou em versão mais realista, o Ministério Público e o Direito dos Pobres), in VI Congresso do Ministério Público, O Ministério Público e os novos desafios da Justiça, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Lisboa, 2007, p. 89 e seguintes; Ministério Público e jurisdição do trabalho, in Questões Laborais, Ano V (1998), p. 36 e seguintes; As principais funções do Ministério Público na Justiça Laboral, in Funções do Ministério Público na Jurisdição Laboral e Patrocínio dos Trabalhadores noutras Jurisdições, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2015, p. 37 e seguintes; F. VALÉRIO PINTO, O Ministério Público e o patrocínio dos trabalhadores na jurisdição do Tribunal do Comércio, in Questões Laborais, Ano XI (2004), n.º 23, p. 81 e seguintes; JOÃO PAULO DIAS, O acesso ao direito e à justiça laboral: Que papel para o Ministério Público, obra coletiva citada, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2015, p. 17 e seguintes; VÍTOR MELO, O Estatuto do Ministério Público na Jurisdição Laboral. Razão de ser e justificação de uma originalidade do ordenamento português, in obra coletiva citada, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2015, p. 81 e seguintes.
[83] Referimo-nos à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios. Foi alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 637/2013, de 21 de outubro, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/2017, de 13 de setembro, pela Lei n.º 40/2018, de 8 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 120/2018, de 27 de dezembro, pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 510/2020, de 18 de novembro, e pela Lei n.º 45/2023, de 17 de agosto. Foi regulamentada pela Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro. Esta, por sua vez, veio a ser alterada pela Portaria n.º 210/2008, de 29 de fevereiro, pela Portaria n.º 654/2010, de 11 de agosto, e pela Portaria n.º 319/2011, de 30 de dezembro.
[84] V. HÉLDER QUINTAS, obra citada, p. 104.
[85] Acerca da controvérsia em torno de saber se a intervenção acessória só pode ter lugar no caso de o trabalhador constituir mandatário, v. RUI MANUEL PIRES FERREIRA BOTELHO, Intervenção acessória do Ministério Público em processo laboral, in Revista do Ministério Público, Ano 8.º, julho-setembro 1987, n.º 31, p. 105 e seguintes; ANTÓNIO HENRIQUES SILVA GASPAR, local citado.
[86] Sobre os procedimentos cautelares no processo do trabalho, v. JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2022, p. 41 e seguintes; Sobre os efeitos da providência cautelar da suspensão do despedimento, in Estudos de Processo do Trabalho, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2024, p. 13 e seguintes; ALCIDES MARTINS, Direito Processual Laboral, 5.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2023, p. 115 e seguintes.
[87] DOMINIQUE CARREAU/FABRIZIO MARRELLA, obra citada, p. 468.
[88] Cerca de 15/prct. da população ativa portuguesa, segundo o EUROSTAT.
(https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/-/WDN-20170723-1?inheritRedirect=true&redirect=/prct.2Feurostat/prct.2F)
[89] Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Cf. Declaração de Retificação n.º 42/2013, de 24 de outubro), alterada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, pela Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, pela Lei n.º 19/2019, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, pela Lei n.º 55/2019, de 5 de agosto, pela Lei n.º 107/2019, de 9 de setembro, pela Lei n.º 77/2021, de 23 de novembro, pela Lei n.º 35/2023, de 21 de julho, e pela Lei n.º 18/2024, de 5 de fevereiro.
[90] Direito do Processo Laboral, 5.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2023, p. 187.
[91] Acerca da natureza jurídica pública das relações de trabalho, em geral, na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, v. Acórdão de 12 de julho de 2006, 2.ª Subsecção, Proc.º 7/06; Acórdão de 2 de junho de 2010, 1.ª Subsecção, Proc.º 537/09.
[92] Aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro (cf. Declaração de Retificação n.º 14/2002, de 20 de março, e Declaração de Retificação n.º 18/2002, de 12 de abril), na atual redação, consequência das alterações introduzidas consecutivamente pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 1/2008, de 14 de janeiro, pela Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, pela Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31 de julho, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 74-B/2023, de 28 de agosto.
[93] Em sintonia com o disposto no artigo 212.º, n.º 3, da Constituição: «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
[94] Acerca da natureza jurídica do contrato de trabalho em funções públicas, V. PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 6.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2023, p. 218 e seguinte; PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, Direito da Contratação Pública, Volume I, 2.ª edição, Editora AAFDL, Lisboa, 2024, p. 266; RAQUEL CARVALHO, Contrato de trabalho em funções públicas, in Dicionário dos Contratos Administrativos Especiais (Organização de Carla Amado Gomes/ Marco Caldeira/ Tiago Serrão), Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 420 e seguinte; ALEIDA VAZ DE CARVALHO, A Relação Jurídica de Emprego Público (Contributo para o estudo e sistematização da relação jurídica de emprego público, e, em especial, do contrato de trabalho em funções públicas), Editora Gestlegal, Cimbra, 2021, p. 395 e seguintes; ANA FERNANDA NEVES, Direito do Emprego Público Local, Vol. I, Editora Associação de Estudos de Direito Regional e Local (AEDREL) Braga, 2020, p. 118; CLÁUDIA SOFIA HENRIQUES NUNES, O Contrato de Trabalho em Funções Públicas (face à Lei Geral do trabalho), Coimbra Editora, 2014; No sentido de o contrato de trabalho em funções públicas ser um contrato individual de trabalho, embora especial, V. PEDRO MADEIRA DE BRITO, Contrato de Trabalho da Administração Pública e Sistema de Fontes, Editora AAFDL, Lisboa, 2019, p. 483 e seguintes.
[95] Tal lei definia o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas coletivas públicas, designadamente no Estado (artigo 1.º, n.º 2), ainda que nem todas as funções o consentissem (artigo 25.º, n.º 1). Era, por regra, um contrato a termo resolutivo, pois dispunha-se no artigo 7.º, n.º 1, que as pessoas coletivas públicas apenas podiam celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado se existisse um quadro de pessoal para esse efeito e nos limites deste quadro. Tal diploma seria revogado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de novembro.
[96] Sobre este pretérito regime, V. VERA LÚCIA SANTOS ANTUNES, O Contrato de Trabalho na Administração Pública: Evolução, reflexos e tendências para o emprego público, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 83 e seguintes.
[97] É o caso das entidades públicas empresariais, na medida em que o Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro (na redação atual que incorpora as alterações introduzidas pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), não afasta o disposto no artigo 17.º com relação a tais empresas públicas. É, outrossim, o caso das entidades administrativas independentes, de acordo com o artigo 32.º, n.º 1, da Lei-Quadro das Entidades Administrativas Independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo, aprovada pela Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, e modificada pela Lei n.º 12/2017, de 2 de maio, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 75-B72020, de 31 de dezembro.
[98] Acerca das funções do Ministério Público no contencioso administrativo, v. JOSÉ MANUEL SÈRVULO CORREIA, A reforma do contencioso administrativo e as funções do Ministério Público, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, volume I, Coimbra Editora, 2001, p. 295 e seguintes; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 19.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2021, p. 46, p. 147 e seguintes; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 7.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 68 e seguintes; WLADIMIR BRITO, Lições de Direito Processual Administrativo, 3.ª edição, Editora Petrony, Lisboa, 2018, p. 133 e seguintes; CARLOS LOPES DO REGO A intervenção do Ministério Público na área cível e o respeito pelo princípio da igualdade de armas, in A Democracia, a Igualdade dos Cidadãos e o Ministério Público (5.º Congresso do Ministério Público), Ed. Cosmos, Lisboa, 2000, p. 81 e seguinte; MANUEL AUGUSTO DE MATOS, O Ministério Público e a representação do Estado na jurisdição administrativa, in Carla Amado Gomes/Ana Neves/ Tiago Serrão, O Anteprojeto de Revisão do CPTA e do ETAF em Debate, Ed. AAFDL, 2014; CARLOS FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2018, p. 374 e seguinte. ALEXANDRA LEITÃO, A representação do Estado pelo Ministério Público nos Tribunais Administrativos, in Julgar, n.º 20 (2013), p. 191 e seguintes; LEONOR DO ROSÁRIO MESQUITA FURTADO, A intervenção do Ministério Público no Contencioso Administrativo, in Estudos em Memória do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra Editora, 2014, p. 769 e seguintes; CLÁUDIA ALEXANDRA DOS SANTOS SILVA, O Ministério Público no atual contencioso administrativo português, in E-Pública (Revista Eletrónica de Direito Público), volume 3, n.º 1 (2016), p. 165 e seguintes; RICARDO PEDRO, A representação do Estado pelo Ministério Público, in Comentários à Legislação Processual Administrativa, Volume I, Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves, Tiago Serrão (coordenadores), 6.ª edição, Editora AAFDL/ Instituto de Ciências Jurídico Políticas/ Lisbon Public Law Research Center, Lisboa, 2024, p. 865 e seguintes. Na doutrina do Conselho Consultivo, v. Parecer n.º 29/2019, de 17 de outubro.
[99] Referimo-nos ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, cuja redação se fixou com a Declaração de Retificação n.º 17/2002, de 4 de junho, e foi consecutivamente alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, pela Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 593/2024, de 16 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de novembro.
[100] Deste Conselho, v. Parecer n.º 3/2024, de 18 de janeiro (acesso restrito), Parecer n.º 12/2022, de 12 de agosto (www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/9404), Parecer n.º 40/2014, de 15 de janeiro de 2015 (acesso restrito) e Parecer Complementar n.º 40/2014-C, de 5 de março de 2015 (acesso restrito).
[101] Na redação do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, do Decreto-Lei n.º 53/2023, de 4 de julho, e do Decreto-Lei n.º 68/2024, de 8 de outubro.
[102] Centro Jurídico do Estado, criado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 68/2024, de 8 de outubro, investido na missão de «prestar apoio jurídico, consultoria, assessoria e aconselhamento jurídicos ao Conselho de Ministros, aos membros do Governo, e aos serviços e entidades da administração pública central, bem como proceder à sua representação em juízo, perante qualquer tribunal nas jurisdições nacional, incluindo nas jurisdições constitucional, de contas e arbitral, sem prejuízo das competências do Ministério Público.» (artigo 3.º, n.º 1). Sucedeu ao extinto JurisAPP.
[103] Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, com as alterações decorrentes do Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21 de novembro (cf. Declaração de Retificação n.º 3/2013, de 18 de janeiro, e Declaração de Retificação n.º 4-A/2013, de 18 de janeiro), da Lei n.º 38/2017, de 2 de julho, do Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril, e do Decreto-Lei n.º 64/2019, de 16 de maio.
[104] O Tribunal Constitucional declarara a inconstitucionalidade orgânico-formal das normas que ampliavam o âmbito do estatuto do Ministério Público, sob reserva de competência da Assembleia da República [artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição] através do Acórdão n.º 560/2011, de 22 de novembro, publicado in Diário da República, 1.ª Série, de 20 de dezembro de 2011.
[105] Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 7-A/2023, de 30 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 102/2023, de 7 de novembro, e pela Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro.
[106] Regras de designação, competência e funcionamento das entidades que exercem o poder de autoridade de saúde. A atual redação é resultado das modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 135/2013, de 4 de outubro (cf. Declaração de Retificação n.º 51/2013, de 3 de dezembro) e pelo Decreto-Lei n.º 54/2024, de 6 de setembro.
[107] Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84-F/2022, de 16 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro.
[108] V. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 12/2012, de 12 de agosto (www.ministeriopublico.pt/parecer-pgr/9404).
[109] Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 43/2020, de 21 de julho, pela Lei n.º 9/2021, de 2 de março, pelo Decreto-Lei n.º 46/2021, de 11 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 90-A/2022, de 30 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 10/2023, de 8 de fevereiro.
[110] Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro. A atual redação corresponde às consecutivas alterações efetuadas pela Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pela Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro, pela Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, e pela Lei n.º 128/2015, de 3 de setembro.
[111] De acordo com o artigo 1.º, n.º 4, a aplicação aos dirigentes da administração local depende de ato legislativo próprio, providenciando pelas necessárias adaptações. Trata-se da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, modificada pela Lei n.º 42/2016, de 30 de março, e pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro. O seu enunciado não contém qualquer menção ao patrocínio judiciário. Por seu turno, o artigo 1.º, n.º 5, do Estatuto do Pessoal Dirigente, exclui o pessoal dirigente dos órgãos e serviços de apoio ao Presidente da República, à Assembleia da República e aos tribunais; as Forças Armadas, as forças e serviços de segurança e dos órgãos públicos que exercem funções de segurança interna, nos termos definidos pela Lei de Segurança Interna, bem como do Sistema de Informações da República Portuguesa, do Gabinete Nacional de Segurança e do serviço que tenha por missão assegurar a gestão do sistema prisional; os titulares dos órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino; dos órgãos de gestão dos estabelecimentos do sector público administrativo de saúde; o pessoal dirigente do Ministério dos Negócios Estrangeiros que, por força de disposição legal própria, tenha de ser provido diplomatas de carreira ou para cujo provimento tenha sido escolhido pessoal da mesma carreira ou que sejam exercidos nos serviços externos; e ainda os dirigentes integrados em carreiras.
[112] Ato legislativo que procedeu à alteração da denominação da carreira florestal, do quadro de pessoal civil da Guarda Nacional Republicana (Guarda), em funções no Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), que passou a designar-se carreira de guarda-florestal e que aprova o respetivo estatuto, definindo e regulamentando a respetiva estrutura e regime. A redação atual conta com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 114/2018, de 18 de dezembro.
[113] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, na redação do Decreto-Lei n.º 77/2023, de 24 de setembro.
[114] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março,
[115] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro, e modificado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 77-C/2021, de 14 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 84-F/2022, de 16 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 50-A/2024, de 23 de agosto.
[116] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2014, de 9 de janeiro, veio a ser alterado pela Lei n.º 6/2017, de 2 de março, pelo Decreto-Lei n.º 134/2019, de 6 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 118/2021, de 16 de dezembro.
[117] Referimo-nos à Lei n.º 29/87, de 30 de junho, na redação decorrente das alterações efetuadas, sucessivamente, pela Lei n.º 97/89, de 15 de dezembro, pela Lei n.º 1/91, de 10 de janeiro, pela Lei n.º 11/91, de 17 de maio, pela Lei n.º 11/96, de 18 de abril, pela Lei n.º 127/97, de 11 de dezembro, pela Lei n.º 50/99, de 24 de junho, pela Lei n.º 86/2001, de 10 de agosto, pela Lei n.º 22/2004, de 17 de junho, pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, pela Lei n.º 53-F/2006, de 29 de dezembro, pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, e pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro.
[118] O direito «a apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respetivas funções» encontra-se reconhecido pelo artigo 5.º, n.º 1, alínea o).
[119] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/94, de 3 de maio de 1994 (Proc. 346/93). No Acórdão n.º 285/92, de 22 de julho de 1992 (Diário da República, I Série A, n.º 188, de 17 de agosto de 1992) considerou o Tribunal Constitucional que, sem prejuízo das especificidades da relação jurídica de emprego público, «as alterações estatutárias que o legislador entenda dever introduzir no ordenamento em nome do interesse geral prosseguido pela Administração e que afetem as aludidas condições de desempenho profissional dos funcionários públicos, porque se podem traduzir na compressão de direitos desses funcionários, deverão estar inelutavelmente subordinadas aos limites que a Constituição postula para as restrições aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.» Não assim os titulares de cargos públicos, no entender de J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 706; Pelo menos, em comissão de serviço, v. JORGE MIRANDA/ RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 1053.
[120] Local citado, p. 35.
[121] Acesso reservado.
[122] Trata-se da Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, cuja redação conheceu consecutivas alterações por meio dos seguintes diplomas: Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, Decreto-Lei n.º 105/2007, de 3 de abril, Decreto-Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 40/2011, de 22 de março, Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11 de abril (fez cessar a vigência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 40/2011 e repristinou a antecedente redação), Lei n.º 57/2011, de 28 de novembro, Decreto-Lei n.º 5/2012, de 17 de janeiro, Decreto-Lei n.º 123/2012, de 20 de junho, Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 102/2013, de 25 de julho, Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de março, Decreto-Lei n.º 96/2015, de 29 de maio, e Decreto-Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro.
[123] A referência é ao anterior Estatuto do Ministério Público, revogado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto.
[124] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril, alterado pela Lei n.º 66/2013, de 27 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 35-B/2016, de 30 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 74/2019, de 28 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 103-A/2023, de 9 de novembro. E já era assim no regime que o antecedeu: o Decreto-Lei n.º 444/99, de 3 de novembro, o qual, até à sua revogação pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril, conheceu alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 180/2001, de 19 de junho.
[125] Acerca da contraposição, nos regimes anteriores, v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de março de 1978 (Recurso n.º 10.209).
[126] Do Tribunal Central Administrativo Sul, v. Acórdão de 24 de abril de 2024 (Proc. 1032/10.6BELSB), Acórdão de 18 de março de 2021 (Proc. 1171/20.5BELSB). Do Supremo Tribunal Administrativo, embora anterior ao atual regime do pessoal dos serviços periféricos externos do MNE, v. Acórdão de 2 de junho de 2010 (1.ª Subsecção, Proc. 537/09), e Acórdão de 12 de julho de 2006, 2.ª Subsecção, Proc. 7/06).
[127] JOÃO CASTRO MENDES/ MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, obra citada, p. 300.
[128] Os contratos de prestação de serviço poderão sê-lo, ou não (artigo 6.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
[129] O Estatuto da Carreira Diplomática foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de fevereiro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 153/2005, de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 10/2008, de 17 de janeiro, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 140/2014, de 16 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 79/2015, de 14 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 85/2023, de 9 de outubro.
[130] Acerca da maior ou menor amplitude da imunidade de jurisdição dos Estados, em função das opções legislativas do Estado do foro quanto ao trabalho na Administração Pública, v. ANTONIO CASSESE, obra citada, p. 136 e seguintes.
[131] Proc. 2075/12.0TTLSB.L1.S1, 4.ª Secção.
[132] A favor da responsabilidade civil do Estado por atos dos agentes de execução, v. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26 de novembro de 2015 (Proc. 12.257/15); RICARDO PEDRO, A Responsabilidade Civil do Estado por Mau Funcionamento da Administração da Justiça: fundamento, conceito e âmbito, Editora Almedina, Coimbra, 2016, p. 43 e seguintes, p. 161 e seguinte, p. 245 e seguinte (no sentido de uma responsabilidade civil do Estado com benefício da excussão prévia do património do agente de execução); MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Novas tendências de desjudicialização na ação executiva: o agente de execução como órgão de execução, in Cadernos de Direito Privado, número especial 01, p. 7 e seguintes; JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, Editora Gestlegal, Coimbra, 2017 (Reimpressão de 2022), p. 38; RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 134; ELIZABETH FERNANDES, Um Novo Código de Processo Civil — em busca das diferenças, Livraria Vida Económica, Porto, 2014, p. 134; Em sentido contrário, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de julho de 2011 (Proc. 85/08.1TJLSB.L1.S1) e de 11 de abril de 2013 (Proc. 5548/09.9TVLSNB.L1.SA). Acompanhamos a síntese e comentário de PEDRO EDGAR MINEIRO, in A Responsabilidade Civil pelo Exercício da Função de Agente de Execução, Editora Almedina, Coimbra, 2017, p. 75 e seguintes. Autor que na mesma obra se inclina para uma responsabilidade subsidiária do Estado e restrita a factos funcionais, «nas situações de falta ou insuficiência de um património que assegure o ressarcimento integral dos danos provocados na esfera jurídica do lesado, assim se alcançando o mesmo nível de tutela do que se factos idênticos fossem praticados por oficial de justiça em sede executiva» (p. 123).
[133] Responsabilidade por Conduta Processual. Litigância de Má-fé e Tipos Especiais, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 451 e seguinte.
[134] Sobre a responsabilidade internacional dos Estados, na doutrina nacional v. JORGE MIRANDA, Curso de Direito Internacional Público, 6.ª edição, Editora Principia, Cascais, 2016, p. 363 e seguintes; JÓNATAS MACHADO, Direito Internacional, 5.ª edição, Editora Gestlegal, Coimbra, 2019, p. 656 e seguintes; WLADIMIR BRITO, Direito Internacional Público, 2.ª edição, Editora Almedina, 2023, p. 427 e seguintes; Responsabilidade de Proteger: no direito internacional, Editora Almedina, Coimbra, 2017; JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Internacional Público: uma perspetiva de direito lusófono, 6.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 715 e seguintes; MANUEL ALMEIDA RIBEIRO, O projeto de artigos sobre responsabilidade internacional dos Estados por atos internacionalmente ilícitos, in Anuário Português de Direito Internacional (2013), p. 71 e seguintes.
[135] V. Artigo 626.º do Código do Processo Civil.
[136] Obra citada, p. 157.
[137] J. P. REMÉDIO MARQUES, Curso de processo executivo comum à face do Código de Processo Civil revisto, Editora Almedina, Coimbra, 2000, p. 129, apud JOSÉ LEBRE DE FREITAS, obra citada, p. 157.
Acórdão do STJ de 2006/02/18
Acórdão do STJ de 2014/06/04
Acórdão do STJ de 2016/07/12
Acórdão do STJ de 2022/09/21
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