11/2022, de 24.11.2022

Número do Parecer
11/2022, de 24.11.2022
Data do Parecer
24-11-2022
Número de sessões
1
Tipo de Parecer
Parecer
Votação
Unanimidade
Iniciativa
PGR
Entidade
Procurador(a)-Geral da República
Relator
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração

Carlos Alberto Correia de Oliveira

Votou em conformidade


Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade


João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade


José Joaquim Arrepia Ferreira

Votou em conformidade


Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou em conformidade


Ricardo Jorge Bragança de Matos

Votou em conformidade


Carlos Adérito da Silva Teixeira

Votou em conformidade

Descritores
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
IMUNIDADE DIPLOMÁTICA
IMUNIDADE DE EXECUÇÃO
EMBAIXADA
PENHORA
CONTA BANCÁRIA
ATO DE GESTÃO PÚBLICA
ATO DE GESTÃO PRIVADA
COSTUME INTERNACIONAL
AÇÃO EXECUTIVA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
PRESSUPOSTO PROCESSUAL
AGENTE DE EXECUÇÃO
IMPENHORABILIDADE DE BENS
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
Conclusões

1.ª — As representações diplomáticas acreditadas em Portugal, os seus agentes e pessoal equiparado beneficiam das imunidades e privilégios enunciados na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), o que não preclude, porém, a imunidade de jurisdição e a imunidade de execução, garantidas ao Estado acreditante e seu património por normas consuetudinárias de direito internacional geral, hoje, codificadas pela Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004).     

              2.ª — Apesar de a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004) não ter ainda reunido o número mínimo de vinculações necessário à sua entrada em vigor, deve ser considerada um repositório válido e qualificado do costume internacional, ora pelo laborioso procedimento seguido pela Comissão de Direito Internacional, ora por efeito da sua adoção por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas, ora pelos méritos que a doutrina lhe reconhece, tudo isto refletido em prática reiterada dos Estados e dos tribunais internacionais.

               3.ª — Tendo a República Portuguesa depositado o instrumento de ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens, em 14 de setembro de 2006, constituiu-se na obrigação de não praticar atos que a possam privar do seu fim ou objeto, em conformidade com o artigo 18.º, alínea b), da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969).

              4.ª — As imunidades e privilégios garantidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) em nada diminuem a imunidade de jurisdição dos Estados e a imunidade de execução dos seus bens, de acordo com o artigo 3.º da Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004).

              5.ª — A penhora de crédito emergente de depósito bancário, quando afeto a uma missão diplomática permanente, convoca a aplicação cumulativa das duas convenções internacionais: a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) por conta da inviolabilidade dos bens afetos ao serviço diplomático; a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004) por se tratar de património de um Estado estrangeiro.

              6.ª — Apesar de os depósitos bancários não constarem expressamente do artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), deve entender-se que gozam de inviolabilidade igual à que é concedida aos automóveis e aos bens sitos no interior da missão diplomática, mercê de um desenvolvimento consuetudinário do preceito, atestado pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores, em ordens jurídicas com as quais possuímos estreitas afinidades.

              7.ª Acresce o facto de a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963), no artigo 31.º, n.º 4, ter discriminado bens móveis e bens do posto consular, reconhecendo-lhes igual inviolabilidade, de sorte que, por maioria de razão, os depósitos movimentados por uma missão diplomática não devem gozar de menor proteção.

              8.ª — A imunidade de execução do património de um Estado sito em território estrangeiro não pode ser aferida segundo os critérios que servem para delimitar a imunidade de jurisdição, pois se a primeira se baseia na qualificação dos bens a executar, sua utilização e finalidade, a segunda decorre, tendencialmente da natureza pública de um ato praticado pelo Estado estrangeiro.

              9.ª — Como tal, da circunstância de certo negócio jurídico outorgado por Estado estrangeiro iure gestionis se encontrar à margem da imunidade de jurisdição e de esse Estado vir a ser condenado ao cumprimento de uma obrigação, em ação cível, por um tribunal português, não decorre, sem mais, a penhorabilidade de quaisquer bens do Estado, nem mesmo daqueles que ostentem uma conexão imediata com o contrato em causa.

              10.ª — A execução patrimonial reflete o exercício de poderes de autoridade de um modo particularmente sensível para as relações políticas entre Estados, uma vez que é apoiada por instrumentos coativos, motivo por que a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004), não obstante admitir exceções, aponta para um princípio geral de imunidade absoluta, nos artigos 18.º e seguintes.

              11.ª — Com efeito, os bens de Estados estrangeiros que se encontrem em território português presumem-se, por via de regra, insuscetíveis de arresto (artigo 18.º) e impenhoráveis (artigo 19.º), além de certas categorias específicas de bens beneficiarem de estatuto próximo ao dos bens do domínio privado indisponível, no direito interno português (artigo 21.º).

              12.ª Estatuto próximo, mas não igual, porque o Estado estrangeiro goza de ampla disponibilidade, podendo ter renunciado previamente à imunidade de execução de tais bens (artigos 18.º, alínea a), e 19.º, alínea a)) ou tê-los afetado ao cumprimento das obrigações em causa (artigos 18.º, alínea b) e 19.º, alínea b)).

              13.ª A presunção de impenhorabilidade pode ser afastada pela demonstração de que a utilidade ou finalidade de um certo bem é alheia ao serviço público sem fins comerciais (artigo 19.º, alínea c)), mas são inelidíveis as presunções do artigo 21.º, n.º 1, relativas a certas categorias de bens, em que se compreendem os depósitos bancários usados ou destinados a serem usados por uma missão diplomática (alínea a)).

              14.ª — Um depósito a prazo tem como fim natural proporcionar frutos civis, não devendo, pois, beneficiar da presunção juris et de jure, o que, de alguma forma, bate certo com a penhora prioritária de tais depósitos sobre os depósitos à ordem, definida no artigo 780.º, n.º 7, alínea b), do Código de Processo Civil.

              15.ª — Já um depósito à ordem que apenas parcialmente seja usado para fins próprios do serviço público (v.g. abonar vencimentos ao pessoal da embaixada ou cobrir despesas correntes de funcionamento) beneficia da referida presunção, tanto por força do elemento literal (cf. artigo 21.º, n.º 1, alínea a)), como também porque a ratio da norma é a de impedir constrangimentos ao bom desempenho da função diplomática: ne impediatur legatio.

              16.ª — As exceções à imunidade de execução de património de Estados estrangeiros não devem ser interpretadas extensivamente, uma vez que tal garantia decorre do princípio da igualdade entre Estados soberanos e da consequente proibição de os tribunais de um Estado condenarem outro: par in parem non habet iudicium.

              17.ª — O princípio da igualdade entre Estados soberanos é consensualmente tratado como jus cogens, motivo por que a imunidade de execução, até certo ponto, um seu corolário tem, nos tribunais internacionais, permitido legitimar restrições ao direito de acesso aos tribunais nacionais.

              18.ª A possibilidade de o credor aceder aos tribunais internos do Estado estrangeiro, a fim de ali o demandar, o recurso à via diplomática, como meio não jurisdicional de resolução de conflitos ou a prévia renúncia pelo cocontratante estadual à imunidade apresentam-se como instrumentos alternativos.

              19.ª — Atento o disposto no artigo 19.º, alínea c), da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens (2004) é ao exequente e ao agente de execução que cumpre demonstrar que os bens ou valores indicados para penhora são utilizados ou destinados a ser utilizados com outra finalidade que não a do serviço público, nomeadamente para fins comerciais.

              20.ª — O agente de execução é um profissional liberal que exerce funções públicas e, por isso, com fundamento no artigo 751.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre-lhe ignorar eventuais indicações do exequente que possam comprometer a imunidade de um Estado estrangeiro e o cumprimento das obrigações internacionais decorrentes para a República Portuguesa do direito internacional geral ou comum.

              21.ª — Integra as funções públicas do agente de execução evitar que o Estado Português incorra em responsabilidade internacional, pelo que deve abster-se de penhorar bens pertencentes a Estados estrangeiros, usando de maior cuidado, ainda, nos casos em que a penhora opera de imediato, sem contraditório nem prévia intervenção do juiz de execução.

              22.ª — Das incumbências constitucionais e estatutárias do Ministério Público em defesa da legalidade e do interesse público decorre para os seus magistrados o dever de intervirem acessoriamente, segundo o regime consignado no artigo 325.º do Código de Processo Civil, nos processos executivos de que possa resultar a apreensão de bens pertencentes a Estados estrangeiros, encontrem-se afetados, ou não, à representação diplomática em Portugal.

              23.ª — Qualquer Estado estrangeiro, perante a ordem jurídica nacional, é, para todos os efeitos, uma pessoa coletiva pública, motivo por que deve considerar-se sob a previsão do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público.

              24.ª — Em todo o caso, a intervenção do Ministério Público, ainda que solicitada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros é sempre acessória e nunca principal, pois a ação executiva proposta contra Estado estrangeiro não é de modo a fazer do Estado português uma parte no processo.

              25.ª — A intervenção acessória do Ministério Público, nos termos do artigo 325.º do Código de Processo Civil, visa salvaguardar o cumprimento das obrigações de direito internacional a que o Estado Português se encontra vinculado e impedir que incorra em responsabilidade internacional por facto ilícito.

              26.ª O conhecimento oficioso da imunidade de execução pelo tribunal, seja como exceção dilatória inominada, seja como incompetência absoluta dos tribunais portugueses, em nada impede nem prejudica a intervenção do Ministério Público. 

              27.ª — Tal intervenção, como amicus curiae, permite ao Ministério Público colaborar com a representação diplomática e com o mandatário do Estado estrangeiro executado, de modo a que o comportamento da República Portuguesa seja internacionalmente considerado irrepreensível e não tomado pelo Estado estrangeiro como um ato hostil ou uma represália.

              28.ª — Por fim, a intervenção do Ministério Público pode constituir sinal muito evidente de que, sem quebra da independência dos tribunais, a atuação da República Portuguesa se mostra conforme com as normas de cortesia internacional (comitas gentium), cuja observância contribui para promover e conservar boas relações entre os Estados.

Texto Integral

N.º 11/2022

AF

                          Senhora Conselheira

                          Procuradora-Geral da República,

                          Excelência,  

       A imunidade das missões e agentes diplomáticos e a imunidade processual civil dos Estados estrangeiros têm suscitado dúvidas entre Magistrados do Ministério Público. Dúvidas que se apresentam em dois vetores que, embora distintos, são complementares.

       O primeiro diz respeito à extensão das referidas imunidades de direito internacional, uma vez que a tradicional conceção absoluta tem vindo a ceder, progressivamente, pela mão da jurisprudência e da doutrina, a uma conceção moderada ou relativa.

       Com efeito, a imunidade dos Estados estrangeiros e dos agentes diplomáticos colide, não raro, com o acesso aos tribunais e com a tutela judicial efetiva dos cidadãos e das empresas que se afirmam lesados por atos das missões ou dos agentes diplomáticos.

       O esforço para harmonizar, o mais possível, a imunidade de direito internacional com tais direitos fundamentais depara, todavia, com a posição cimeira de tal garantia, ancorada no princípio da igualdade soberana dos Estados.

       O segundo vetor consiste em questões concernentes à intervenção processual do Ministério Público nas ações executivas que importem penhora de património das missões diplomáticas acreditadas em Portugal, como sucedeu, num passado recente, primeiro, com a Embaixada da República Popular do Bangladesh, depois, com a Embaixada da República da África do Sul.

       Neste plano, há quem entenda competir ao Ministério Público intervir no processo executivo, a fim de pugnar pelo cumprimento das obrigações internacionais que vinculam a República Portuguesa, seja por efeito das normas consuetudinárias de direito internacional geral ou comum, seja por força das convenções internacionais aplicáveis.

       Outros, pelo contrário, opinam dever o Ministério Público abster-se de qualquer intervenção processual, considerando que apenas às representações diplomáticas assiste legitimidade para deduzirem oposição à penhora ou à execução. Por conseguinte, o Ministério Público, para quem sustenta tal posição, não deve intervir, nem a título principal, nem a título acessório. Tanto assim que a representação que lhe cumpre assegurar é a do Estado português e, eventualmente, de outras pessoas coletivas públicas de direito interno. Não, de Estados estrangeiros.

       Perante as questões controvertidas, dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, alínea d), do Estatuto do Ministério Público[1].

(1)

       O pedido de consulta vem consignado em despacho proferido por Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República e cujo teor se transcreve integralmente[2]:

                   «Pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros foi comunicada a penhora de saldos bancários de contas tituladas por Embaixadas de outros Estados (I), em Portugal, solicitando as diligências adequadas a acautelar o cumprimento das obrigações internacionais a que o Estado português se encontra vinculado, em particular, em matéria de imunidade de jurisdição e de execução dos Estados e dos seus bens.

                   A Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas (II) prevê no seu artigo 22.º, n.º 3, que “Os locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”.

                   Por sua vez, a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens(III) estabelece, em particular, nos termos conjugados dos artigos 19.º e 21.º, os termos em que é reconhecida imunidade de execução aos Estados e aos seus bens, designadamente daqueles que são utilizados ou estão destinados a ser utilizados no exercício das funções das respetivas missões diplomáticas.

                   Na sequência da análise efetuada no Gabinete da Procuradora-Geral da República, pugnou-se pela possibilidade de intervenção do Ministério Público, a título acessório (artigo 325.º, do CPC), para salvaguarda do interesse público no cumprimento das obrigações de direito internacional a que o Estado português se encontra vinculado.

                   No âmbito dos concretos processos executivos que correram termos no Juízo de Execução de Lisboa, quer por parte dos respetivos magistrados do Ministério Público, quer por parte dos magistrados judiciais, foram adotadas posições divergentes, desde logo no que respeita ao reconhecimento da imunidade de jurisdição e de execução.

                   Em face de tais entendimentos divergentes, solicitado parecer do Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos, a interpretação seguida por este Departamento foi, também, divergente da que havia sido adotada no Gabinete da Procuradora-Geral da República, em particular, no que respeita ao fundamento legal e à legitimidade de intervenção do Ministério Público em ações desta natureza.  

                   Nestes termos, e em ordem a estabilizar entendimento sobre esta matéria, ao abrigo do disposto na al. d) do artigo 44.º do Estatuto do Ministério Público, solicita-se ao Conselho Consultivo a emissão de Parecer no sentido de, tendo em conta o quadro jurídico que resulta da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas e da Convenção de Nova Iorque sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, e o enquadramento jurídico-constitucional da atuação do Ministério público em defesa da legalidade, do interesse público e na qualidade de amicus curiae, esclarecer as seguintes questões:

                   1. Em que termos e condições é aplicável imunidade de jurisdição às Embaixadas e representações diplomáticas estrangeiras, em geral, em Portugal?

                   2. Em que termos e condições é aplicável imunidade de execução às Embaixadas e representações diplomáticas estrangeiras, em geral, em Portugal?

                   3. Quais os bens e valores sujeitos a imunidade de execução nos termos e condições explanados na questão anterior?

                   4. Mais concretamente, estão abrangidos pela (eventual) imunidade de execução os saldos bancários titulados por Embaixadas de outros Estados em Portugal?

                   5. Atento o disposto no artigo 19.º, alínea c) da Convenção de Nova Iorque sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, compete ao exequente ou ao executado demonstrar que os bens ou valores objeto de medidas de execução são utilizados ou destinados a ser utilizados com outra finalidade que não a de interesse público?

                   6. Considerando o enquadramento constitucional e estatutário do Ministério Público em defesa da legalidade e do interesse público, pode o Ministério Público intervir em processos executivos em que seja executada representação diplomática em Portugal com vista a salvaguardar o cumprimento das obrigações de direito internacional a que o Estado Português se encontra vinculado?

              a) Em particular, poderá esta intervenção ocorrer numa perspetiva de intervenção em representação do Estado/Administração, na sequência de interpelação do Estado Português — Ministério dos Negócios Estrangeiros?

                   b) Ou poderá esta intervenção ser fundada na dimensão de atuação em nome do Estado/Coletividade, para defesa da legalidade e do interesse público na salvaguarda do cumprimento das obrigações a que o Estado português se encontra vinculado, no particular domínio da imunidade de jurisdição e de execução?

                   7. Por outra via, poderá o Ministério Público intervir na qualidade de amicus curiae, em processos executivos em que seja executada representação diplomática em Portugal, em virtude de estar em causa a apreciação de questão excecional de conhecimento oficioso do tribunal?

         Lisboa, 6 de junho de 2022

         A Procuradora-Geral da República

         a) Lucília Gago».

       Cumpre-nos, assim, emitir parecer[3], nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 48.º do Estatuto do Ministério Público.

(2)

       (2.1.) As questões suscitadas e trazidas a consulta radicam, originariamente, em comunicação do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, por via da qual foram solicitados os bons ofícios da Procuradoria-Geral da República, a título de «diligências adequadas a acautelar o cumprimento das obrigações internacionais a que o Estado português se encontra vinculado», em face da penhora de contas bancárias de representações diplomáticas acreditadas em Portugal.

       Se, relativamente à execução de conta bancária movimentada pela Embaixada da República da África do Sul foi considerado competir ao Ministério Público intervir acessoriamente, já, contudo, em situação análoga, ocorrida com a representação diplomática da República Popular de Bangladesh, o Ministério Público ter-se-ia abstido de o fazer.

       O Gabinete de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República preparou sustentada e profícua informação no DA n.º 24949/21, em 1 de junho de 2022, sistematizando e comentando criticamente os diversos entendimentos que têm sido alvitrados.

       Ali se descrevem as posições adotadas pelo Ministério Público nas referidas execuções e analisa-se parecer prolatado pelo Departamento Central de Contencioso do Estado, Interesses Coletivos e Difusos (DCCEICD).

       É o teor de tal informação que seguiremos como orientação, começando pela descrição dos dois episódios de penhora.

       (2.2.) Na execução n.º 22668/21.4T8LSB, considerou o Exmo. Magistrado do Ministério Público que, na ação executiva intentada por instituição bancária, a República Popular do Bangladesh não se apresentava na condição de Estado soberano, «mas sim como parte contratante num contrato de prestação de serviços que foi celebrado em Portugal».

       Um contrato de direito privado em paridade com os contratos que as entidades públicas e privadas celebram e, como tal, à margem da imunidade diplomática, reservada aos atos de gestão pública e ao exercício de poderes de autoridade.

       A missão diplomática do Bangladesh não fizera prova de a conta bancária ser utilizada ou destinada ao exercício de funções diplomáticas. Aliás, abstivera-se, pura e simplesmente, de deduzir oposição à penhora, quando, na verdade, lhe competia defender e sustentar o seu interesse.

       De todo o modo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público terá tomado conhecimento da ação numa fase já tardia do processo, mas considerou que nenhuma razão se descortinava para intervir, faltando-lhe a necessária legitimidade.

       A sentença enveredaria por uma conceção restritiva da imunidade[4]: «a penhora do saldo de uma conta bancária não confere á executada [direito a] beneficiar de qualquer imunidade, por não estar demonstrado que tais verbas são exclusivamente utilizadas ou destinadas a serem utilizadas no exercício das funções da missão diplomática do Estado».

       E, de acordo com a Informação do Gabinete de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República (no DA n.º 24949/21), a execução findou com o pagamento integral da dívida exequenda, no início de 2022.

       (2.3.) Na execução n.º 23949/21.2T8LSB, contas e saldos bancários da Embaixada da República da África do Sul vieram, igualmente, a ser objeto de penhora[5].

       No entanto, o Exmo. Magistrado do Ministério Público entendeu intervir e pedir o cancelamento das penhoras, a fim de fazer respeitar a obrigação internacional que recai sobre a República Portuguesa de assegurar a imunidade decorrente de normas de direito internacional.

       Em 28 de março de 2022, o tribunal decretaria o levantamento das penhoras, por considerar que a imunidade de execução, não sendo absoluta, estende-se para lá da imunidade de jurisdição (de harmonia com acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de janeiro de 2019[6]) e compreende as contas bancárias que o exequente não demonstre serem alheias ao serviço público prestado pela missão diplomática ou pelo posto consular.

       Isto, porque, de acordo com a sentença, as embaixadas não beneficiam apenas das imunidades e privilégios diplomáticos, pois também lhes assiste a imunidade do próprio Estado e dos seus bens, no sentido respigado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de maio de 2011[7]:

                   «As missões diplomáticas permanentes, nomeadamente as embaixadas, detêm funções de representação de um Estado estrangeiro acreditado noutro país, muito embora não sejam dotadas de autonomia jurídica em relação ao estado acreditado, pelo que se traduzem em entidades representativas do respetivo Estado soberano para os efeitos do disposto no artigo 7.º do CPC».

       Entendeu o tribunal que os bens em causa se encontravam sob a imunidade consignada pelo artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas[8], como também da imunidade ínsita no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens[9].

       A decisão não se opôs à intervenção acessória — sem, no entanto, deixar de confessar alguma hesitação — por entender que o conhecimento oficioso da competência internacional dos tribunais portugueses vem de par com a defesa do cumprimento da lei e da Constituição que competem ao Ministério público.

         (2.4.) Viria a pronunciar-se sobre a intervenção do Ministério Público em tais situações o Departamento Central de Contencioso do Estado, Interesses Coletivos e Difusos[10] (DCCEICD), tendo em vista uniformizar doutrina.

       No parecer, sustenta-se, porém, não haver necessidade de uniformização, pois, em rigor, não se teriam registado diferentes modos de agir, pois, no caso da República Popular do Bangladesh, o despacho já fora proferido, antes de o Magistrado do Ministério Público ter obtido orientação superior.

       De todo o modo, considera o DCCEICD que o Ministério Público deve abster-se de intervir, contrariamente ao modo como procedeu relativamente à penhora de saldos e contas bancários da embaixada sul-africana.

       Isto, porque entende não ser a imunidade da República da África do Sul que se encontra em causa.

       Adverte-se, no parecer, contra frequentes confusões entre a imunidade de que beneficiam os agentes e missões diplomáticas e a imunidade dos Estados que representam.

       Se contra uma determinada embaixada é proposta ação executiva, o que está em causa é a imunidade do Estado, a qual se decorre, não da Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas, mas de normas consuetudinárias que incorporam o direito internacional geral ou comum, já que a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens não se encontra ainda em vigor.

       Para o efeito de ilustrar o progressivo avanço das restrições à imunidade os Estados, O DCCEIDC louva-se, na doutrina firmada pelo Supremo Tribunal em dois acórdãos: o primeiro, de 18 de fevereiro de 2006[11]; o segundo, de 29 de maio de 2012[12].

       O parecer inclina-se para uma leitura relativa da imunidade com o sentido de apenas os atos praticados no exercício de poderes de autoridade se encontrarem salvaguardados. Ao invés, um contrato celebrado a título de gestão privada (v.g. prestação de serviços, alojamento) em nada exibe o exercício de jus imperii.

       Objeta, por outro lado, que as contas bancárias não são invioláveis, pois não se encontram nos locais da missão diplomática, tal como definidos pelo artigo 1.º, alínea l), da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961). Como tal, encontrar-se-iam à margem da imunidade. Contudo, acaba por admitir algumas restrições — não à execução, em si — mas à penhora de certos bens, entre os quais acaba por situar as contas bancárias das missões diplomáticas.

       Já quanto à intervenção do Ministério Público, mostra-se perentório quanto à ilegitimidade processual.

       Como intervenção de terceiros, não encontraria fundamento nos artigos 342.º e 343.º do Código de Processo Civil. Como intervenção acessória, ela não pode simplesmente fundar-se no artigo 10.º do EMP, pois não está em causa a promoção nem a proteção de interesses coletivos ou difusos.

       O DCCEICD sugere, por conseguinte, que se transmita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros não competir ao Ministério Público intervir nas execuções em que as embaixadas de Estados estrangeiros sejam parte. São estas que devem providenciar pela sua própria defesa.

       O Gabinete de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República não acompanha tal entendimento.

       (2.5.) Conferidos os principais argumentos a favor e contra a intervenção processual do Ministério Público, o Gabinete contrapõe ao DCCEICD o disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens.

       Ali se dispõe que as contas bancárias utilizadas ou destinadas a serem utilizadas no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares não devem ser consideradas fora da proteção imunitária.

       E, apesar de o referido tratado ainda não ter entrado em vigor, a verdade é que consolida normas de natureza consuetudinária e que valem como direito internacional geral ou comum.

       Delas resulta — em especial, dos artigos 19.º e 21.º, conjugados com o artigo 23.º — que é o exequente a ter de «demonstrar que os bens ou valores indicados ou objeto de penhora não estão destinados ao serviço público ou à missão diplomática».

       Por outras palavras, presumem-se o uso e finalidade de interesse público, próprios da missão diplomática.

       A sempre citada Informação, por outro lado, rebate o caráter indevido da intervenção acessória do Ministério Público, invocando a estreita conexão com o interesse público, tal como representada por CARLOS LOPES DO REGO[13].

       A intervenção não tem lugar por dever de ofício, mas de acordo com um juízo de oportunidade e conveniência para o interesse público.

       Tão-pouco ocorre uma substituição dos Estados estrangeiros, mas deve considerar-se que a intervenção do Ministério Público é praticada em defesa do interesse da República Portuguesa. Em última análise, pode até identificar-se a representação orgânica do Estado Administração nas atribuições a cargo do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

       Nessa medida, a intervenção processual do Ministério Público poderia, ainda, considerar-se representação do Estado em juízo.

       Em qualquer caso — considera-se na Informação — o cumprimento das obrigações internacionais faz parte da legalidade cuja defesa cumpre ao Ministério Público.

       E mais se opõe ao entendimento do DCCEID nos termos seguintes:

                   «O citado douto parecer do DCCEICD, com o devido respeito e sempre salvo melhor e superior entendimento, parece restringir a possibilidade de intervenção de terceiros na ação executiva aos embargos de terceiro. O que muito limita o que deverá ser a efetiva atuação funcional e intervenção do Ministério público em defesa da legalidade e do interesse público, mormente quando em causa estão questões de conhecimento oficioso pelo tribunal — cuja decisão, em sede de ação executiva, terá de ser provocada, face á dinâmica atual própria deste processo e aos poderes atribuídos ao agente de execução.

                   Pelo contrário, a posição por nós assumida, e com todo o respeito por opinião diversa, melhor se harmoniza com o próprio estatuto constitucional reconhecido ao Ministério Público no artigo 219.º, n.º 1 da Constituição e, como tal, com a plena e efetiva atuação do Ministério Público em prol da legalidade e do interesse público».

       Por fim, na Informação chama-se a atenção para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de maio de 2021[14] e que, em sede de reclamação para a conferência, admitiu recurso «com fundamento em imunidade de execução reconhecida em Convenção internacional, que se reconduz à invocação da violação de regras de competência internacional».

       Tratava-se de ação executiva intentada contra bens do Consulado-Geral da República Federativa do Brasil[15]:

                   «O acórdão recorrido, aqui em convergência com a decisão de 1.ª instância, foi de entendimento que da Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961, versando sobre relações, privilégios e imunidades diplomáticas, não estabelece (no seu artigo 22.º, n.º 3), a impossibilidade absoluta de bens de outros Estados sitos nas suas Embaixadas ou Consulados, impossibilidade que respeita unicamente aos bens afetos aos fins da missão, divergiu da decisão de 1ª instância considerando que a conclusão da mesma no sentido de que as contas bancárias pertencentes a uma missão diplomática estão necessariamente afetas aos fins da missão, sendo, por isso, impenhoráveis, era destituída de base factual que a sustentasse e que não atingindo a penhora bens totalmente impenhoráveis, não tendo o executado deduzido oposição à penhora, e estando a Mª Juiz impedida de conhecer oficiosamente de conhecer da impenhorabilidade de tais bens após a penhora ter sido realizada, deveria a penhora ser mantida e a execução prosseguir a sua normal tramitação».

       Conclui-se em tal acórdão que a questão da competência internacional dos tribunais portugueses não fora consumida pela questão da impenhorabilidade dos bens:

                   «A infração de regras de competência internacional que do mesmo decorram determinam a incompetência absoluta do tribunal (artigo 96.º, al. a), do CPC), exceção dilatória de conhecimento oficioso (artigos 97.º, n.º 1, e 577.º, al. a), do mesmo diploma legal), sendo que as questões, decididas no acórdão recorrido, de saber se a questão da impenhorabilidade dos bens/incompetência internacional podia ou não ter sido apreciada oficiosamente após a penhora ter sido realizada, e questão de fundo da impenhorabilidade, e sua extensão, dos bens penhorados, constituem objeto do recurso e delas não há aqui de curar».

       (2.6.) Compete, então, a este corpo consultivo pronunciar-se e tomar posição acerca do papel do Ministério Público relativamente à penhora de património das representações diplomáticas acreditadas entre nós: conservar-se à margem do processo ou lançar mão dos meios processuais de intervenção que lhe são facultados.

       E, na hipótese de o Ministério Público dever intervir processualmente, cabe-nos opinar acerca dos pressupostos, requisitos e limites da imunidade diplomática.

       A resposta às questões especificadas no pedido de consulta justifica que analisemos as obrigações internacionais que recaem sobre Portugal em matéria de imunidades e privilégios diplomáticos, por um lado, e em matéria de imunidade de jurisdição dos Estados e dos seus bens, distinguindo, neste último domínio, a imunidade de jurisdição da imunidade de execução.

       A imunidade de que cuidaremos é apenas e tão-só aquele que pode ser invocada em processo civil. Naturalmente, não se cuidará da jurisdição penal, tão pouco da jurisdição administrativa e fiscal.

       Os depósitos bancários das missões diplomáticas justificam um tratamento específico ao longo da exposição, uma vez que as duas execuções que, em concreto, suscitaram incertezas, dizem respeito à penhora de saldos bancários.

       Uma vez que no centro das questões se encontra a imunidade de execução — mais do que a imunidade de jurisdição, em geral — começaremos por levar a cabo um enquadramento da questão à luz do direito processual executivo, identificando as inovações que, nos últimos anos, expõem o executado de modo mais sensível do que outrora.

       Considerando os seus particularismos, não nos adentraremos pelo procedimento de injunção[16], o qual «possibilita ao credor que não esteja munidos de título executivo, e desde que cumprido o âmbito de aplicação deste instrumento de cobrança, conseguir um documento com força executiva de forma célere e a custo mais baixo[17]».

       Cumpre-nos, ainda, captar a posição das imunidades dos Estados, das representações e agentes diplomáticos no direito internacional geral ou comum para aquilatar em que medida justificam condicionalismos, senão mesmo, verdadeiras restrições, no acesso dos particulares aos tribunais nacionais e, porventura, uma diminuição da tutela que é suposto proporcionarem.

(3)

       (3.1.) A título preliminar, importa formular algumas considerações de ordem conceptual e sistemática.

       A primeira para dizer que a imunidade dos agentes diplomáticos e a inviolabilidade das missões não se confunde com a denominada imunidade dos Estados e seu património, embora, não raro, as duas devam conjugar-se.

       A imunidade dos Estados e do seu património é eminentemente processual, repartindo-se, habitualmente, em imunidade de jurisdição e imunidade de execução.      

       Imunidade de jurisdição significa que um Estado estrangeiro não pode, sem o seu consentimento, ser parte num processo declarativo perante os tribunais portugueses. A imunidade de execução é, em bom rigor, uma imunidade de jurisdição, mas contempla, especificamente, a ação executiva: o património de um Estado estrangeiro em Portugal não pode ser penhorado nem executado.

       A República Portuguesa beneficia de tais imunidades perante os tribunais de outras jurisdições cíveis, mesmo quando determinado tribunal estrangeiro seja internacionalmente competente.

       Por seu turno, a imunidade diplomática diz respeito, não tanto à pessoa coletiva do Estado acreditante, mas, sim, aos agentes diplomáticos acreditados ou aceites em Portugal. O seu estatuto apenas parcialmente compreende imunidades processuais (a imunidade penal, civil e administrativa do pessoal diplomático), pois, no essencial, o que está em causa é a inviolabilidade das comunicações com o Estado acreditante, a inviolabilidade das instalações e dependências da missão diplomática e um conjunto de prerrogativas ou privilégios que são concedidos ao pessoal diplomático e seus familiares; em certa medida, até ao pessoal de apoio das embaixadas.

       Tal não significa, porém, que escasseiem as zonas de sobreposição, bastando ter presente que os bens em uso pelas missões diplomáticas fazem parte do domínio público ou do património do Estado de envio. Por outro lado, a missão diplomática assegura a sua representação orgânica e, por isso, pode ser incumbida de propor uma ação cível nos tribunais portugueses, como pode ser demandada por alguém que, opondo-se à imunidade de direito internacional dos Estados soberanos, intente em Portugal uma ação contra o Estado acreditante:

       O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão tirado em 4 de junho de 2014[18], teve oportunidade de assinalar a diferença que cremos dever constituir ponto de partida na consulta.

       Assim, pode ler-se no respetivo sumário:

                   «A imunidade jurisdicional dos Estados é um instituto distinto das imunidades diplomáticas e consulares, pelo que, sendo a ação proposta contra a Embaixada de um Estado estrangeiro, não está em causa a aplicação direta do regime das imunidades contido na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas».

         (3.2.) Uma segunda consideração deve-se à conveniência em distinguir imunidade de direito internacional e competência internacional dos tribunais portugueses. Distinguir, melhor dizendo, a competência internacional da sujeição à jurisdição.

       Com efeito, pode dar-se o caso de os nossos tribunais disporem de competência internacional para julgar certa questão ou para emprestar a sua autoridade a uma determinada execução, mas suceder que o réu ou o executado não se encontrem sujeitos à jurisdição de tribunais estrangeiros (de nenhum tribunal estrangeiro) com fundamento em normas de direito internacional

       A competência internacional dos tribunais portugueses, ao invés, resulta do direito interno (europeu ou nacional).

       Os fatores que podem determinar a competência internacional dos tribunais portugueses, sem prejuízo do que se dispuser em tratado internacional ou em regulamento da União Europeia (cf. artigo 59.º do Código de Processo Civil[19]), são, de acordo com o artigo 62.º do Código de Processo Civil, os seguintes:

              1) Poder a ação ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (alínea a));

                   2) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram (alínea b));

                   3) Haver um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa (alínea c)). e

                   — Não possa o direito invocado tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português, ou

                   — Tenha o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro.

       Acrescem as previsões de competência exclusiva dos tribunais portugueses, das quais decorre[20], indiretamente, a imunidade de jurisdição estrangeira para o Estado Português:

«Artigo 63.º

(Competência exclusiva dos tribunais portugueses)

              Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes:

                   a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado membro;

                   b) Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado;

                   c) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal;

                   d) Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português;

                   e) Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português».

       Para o que toca, de modo específico, ao processo executivo, valem as disposições enunciadas pelos artigos 85.º e seguintes do Código de Processo Civil.

       No artigo 85.º, n.º 1, estabelece-se que na ação executiva intentada com base em sentença proferida por tribunal português de 1.ª instância, «o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado».

       O artigo 87.º dispõe acerca da execução por indemnizações decorrentes de sentença. Ela corre por apenso no respetivo processo (n.º 2), sendo competente o tribunal da condenação (n.º 1).

       As regras gerais de competência em matéria de execuções apenas se aplicam depois de observada a competência internacional.

       Dispõem o seguinte:

«Artigo 89.º

(Regra geral de competência em matéria de execuções)

              1 — Salvos os casos especiais previstos noutras disposições, é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa coletiva ou quando, situando-se o domicílio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana.

                   2 — Porém, se a execução for para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, são, respetivamente, competentes o tribunal do lugar onde a coisa se encontre ou o da situação dos bens onerados.

                   3 — Quando a execução haja de ser instaurada no tribunal do domicílio do executado e este não tenha domicílio em Portugal, mas aqui tenha bens, é competente para a execução o tribunal da situação desses bens.

                   4 — É igualmente competente o tribunal da situação dos bens a executar quando a execução haja de ser instaurada em tribunal português, por via da alínea b) do artigo 63.º, e não ocorra nenhuma das situações previstas nos artigos anteriores e nos números anteriores deste artigo.

                   5 — Nos casos de cumulação de execuções para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, é competente o tribunal do domicílio do executado».

       Por fim, no artigo 90.º, o Código de Processo Civil regula a competência para a execução fundada em sentença estrangeira por remissão para o artigo 86.º: o domicílio do executado, com ressalva do artigo 84.º, baixando da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça «o traslado ou o processo declarativo ao tribunal competente para a execução».

       Se um Estado estrangeiro invocar a imunidade de direito internacional e o tribunal der por verificada a não sujeição à jurisdição nacional, as normas sobre competência permanecem à margem, mas se esse mesmo Estado renunciar ou tiver renunciado à imunidade, ocorre, sem mais, a aplicação das normas sobre competência internacional dos tribunais portugueses.

       Por isso, afirma ISABEL ALEXANDRE[21] que a sujeição à jurisdição «só se distingue da competência internacional quando se atende às suas exceções, isso é, às imunidades».

       A sujeição à jurisdição deve entender-se, pois, que constitui «um pressuposto processual relativo ao tribunal, mas inominado», seguindo o pensamento da referida Autora[22], que, em outro passo[23], acrescenta:

                   «O CPC não trata das consequências da proposição de uma ação contra uma pessoa que beneficie de imunidade de jurisdição, nem a contempla no elenco (se bem que não taxativo) das exceções dilatórias, constante do artigo 577.º».

       Não tendo essas imunidades consequências no plano da responsabilidade do sujeito que delas beneficia, e devendo ser processualmente refletida a obrigação do Estado português de conceder imunidades de jurisdição a certas pessoas, a sujeição à jurisdição não pode deixar de ser qualificada como um pressuposto processual e as imunidades de jurisdição como exceções dilatórias (e não perentórias).

       Tal entendimento tem inevitáveis consequências ao nível do conhecimento oficioso do pressuposto de sujeição à jurisdição portuguesa e que a Autora reserva aos casos em que a imunidade não possa ser objeto de renúncia pelo demandado[24]. Por outras palavras, a imunidade de jurisdição nem sempre é do conhecimento oficioso dos tribunais portugueses, pois não se confunde com a incompetência absoluta[25] a que se refere o artigo 96.º do CPC (preterição do tribunal arbitral, de regras de competência material, de competência em função da hierarquia ou de competência internacional).

       Pelo contrário, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdãos de 8 de setembro de 2021[26] e de 21 de setembro de 2021[27], ainda que a propósito de outra categoria de sujeitos de direito internacional (as organizações internacionais) concluiu que a imunidade compromete, indiretamente, a competência dos tribunais portugueses e considerou, assim, ocorrer incompetência absoluta:

                   «O Conselho da Europa goza de imunidade de jurisdição, a qual constitui uma exceção dilatória que gera a incompetência absoluta dos Tribunais nacionais, e implica a absolvição daquele da instância (artigos 96.º al. a), 99.º n.º 1, 576.º n.º 2 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil)»

       Este entendimento não é, porém, uniforme. Em acórdão mais recente — de 29 de março de 2022[28] — concluiu-se, igualmente, pela absolvição da instância, mas sem recurso à incompetência absoluta:

                   «Ainda que se considere que a imunidade de jurisdição se consubstancia numa exceção dilatória que não conduz à incompetência absoluta dos Tribunais portugueses, sempre deverá ter lugar, necessariamente, a absolvição da instância do Conselho da Europa».

       As nulidades de que o tribunal tem conhecimento oficioso são, de acordo com o artigo 196.º, as seguintes: a ineptidão da petição inicial (artigo 186.º), a falta de citação do réu ou do Ministério Público, no início do processo, sempre que devesse tê-lo sido por lhe competir intervir como parte principal (artigo 187.º), a nulidade da citação (artigo 191.º), o erro na forma do processo (artigo 193.º, n.º 1[29]) e «a falta de vista ou exame ao Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória» (artigo 194.º, n.º 1), embora deva considerar-se sanada desde que a entidade a que devia prestar assistência tenha feito valer os seus direitos no processo por meio do seu representante (idem).

       Das restantes nulidades o tribunal «só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso» (artigo 196.º).

       Diante deste quadro normativo, alcança-se com maior nitidez a relevância das questões sob consulta.

       Uma vez que é a imunidade de execução — e não tanto a imunidade de jurisdição, em geral — que suscitou a controvérsia, passaremos a caracterizar, ainda que sumariamente, o enquadramento da ação executiva no Código de Processo Civil, dedicando particular atenção aos aspetos que tornam particularmente melindrosa a penhora de bens pertencentes a um Estado estrangeiro.

(4)

       (4.1.) Constitui princípio geral de direito civil o de reconhecer ao credor, perante o não cumprimento voluntário de uma obrigação pelo devedor, o direito de exigir coativamente a realização da prestação em falta e, se necessário, executar o seu património (cf. artigo 817.º do Código Civil[30]).

       E, porque a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei (artigo 1.º Código de Processo Civil), a ação executiva constitui o meio especialmente idóneo para os credores obterem as providências adequadas à realização coativa de prestações que lhes sejam devidas (artigo 10.º, n.º 4).

       Pelo cumprimento da obrigação respondem, em princípio, todos os bens do devedor suscetíveis de penhora (artigo 735.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios (artigo 601.º do Código Civil) ou da prévia salvaguarda de determinados bens por convenção oponível ao credor (artigo 602.º do Código Civil).

       A propositura da ação, por via do requerimento executivo, tem «por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva» (artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil); fim esse que «pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo quer negativo» (n.º 6).

       Além de juntar o título executivo e os documentos de que disponha relativamente aos bens penhoráveis indicados (artigo 724.º, n.º 4 do Código de Processo Civil) cumpre ao exequente, no requerimento, indicar:

              — As partes (alínea a));

                   — O domicílio do mandatário judicial (alínea b));

                   — O agente de execução designado, salvo se requerer que as diligências executivas sejam cumpridas por oficial de justiça (alínea c));

                   — O fim da execução (artigo 10.º, n.º 6) e da forma do processo (alínea d);

                   — Os factos que fundamentam o pedido se, tratando-se de obter o pagamento de quantia certa, o título executivo se revelar omisso (alínea e));

                   — O valor da causa (alínea f));

                   — A liquidação da obrigação e da prestação escolhida, quando tal lhe caiba, e se alegar a verificação da condição suspensiva, a realização ou o oferecimento da prestação de que depende a exigibilidade do crédito exequendo, com os meios de prova (alínea g));

                   — A identificação do empregador do executado, das contas bancárias de que seja titular, dos bens que lhe pertençam, dos ónus e encargos que sobre eles incidam, sempre que possível (alínea h));

                   — A dispensa da citação prévia do executado, nos termos do artigo 727.º (alínea i));

                   — Um número de identificação bancária, ou de outro número equivalente, para efeito de pagamento dos valores que lhe sejam devidos (alínea j)).

       Se o exequente indicar bens a penhorar, deve «fornecer os elementos e documentos de que disponha e que contribuam para a sua exata identificação, especificação e localização, bem como para o acesso aos respetivos registos» (artigo 724.º, n.º 2) e, caso «pretenda a penhora de créditos, deve declarar-se, tanto quanto possível, a identidade do devedor, o montante, a natureza e a origem da dívida, o título de que constam, as garantias existentes e a data do vencimento; quanto ao direito a bens indivisos, deve indicar-se o administrador e os comproprietários, bem como a quota-parte que neles pertence ao executado» (n.º 3).

       Na eventualidade de a execução se fundar em título de crédito e de o requerimento executivo ter sido entregue por via eletrónica, «o exequente deve sempre enviar o original para o tribunal, dentro dos 10 dias subsequentes à distribuição». Na falta de envio, «o juiz, oficiosamente ou a requerimento do executado, determina a notificação do exequente para, em 10 dias, proceder a esse envio, sob pena de extinção da execução» (n.º 5).

       Se, pelo contrário, o título executivo consistir em sentença judicial condenatória transitada em julgado, a execução tem lugar no processo em que aquela foi proferida, nos seguintes termos[31]:

«Artigo 626.º

(Execução da decisão judicial condenatória)

              1 — A execução da decisão judicial condenatória inicia-se mediante requerimento, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 724.º e seguintes, salvo nos casos de decisão judicial condenatória proferida no âmbito do procedimento especial de despejo.

                   2 — Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 550.º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora.

                   3 — Na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º e seguintes.

                   4 — Se o credor, conjuntamente com o pagamento de quantia certa ou com a entrega de uma coisa, pretender a prestação de um facto, a citação prevista no n.º 2 do artigo 868.º é realizada em conjunto com a notificação do executado para deduzir oposição ao pagamento ou à entrega.

                   5 — Se a execução tiver por finalidade o pagamento de quantia certa e a entrega de coisa certa ou a prestação de facto, podem ser logo penhorados bens suficientes para cobrir a quantia decorrente da eventual conversão destas execuções, bem como a destinada à indemnização do exequente e ao montante devido a título de sanção pecuniária compulsória».

       Vale tudo isto para dizer que, na ação executiva, não se discute se o exequente é, ou não, titular do direito que invoca. O título executivo é quanto basta para o munir de uma posição de vantagem que, no entanto, não encontrou no executado o devido cumprimento voluntário.

       Consequentemente, no processo executivo, a igualdade entre as partes é muito relativa, em contraste com o regime do processo declarativo[32]. Algo que veremos pesa sobremaneira na delimitação da imunidade jurisdicional e da imunidade de execução dos Estados estrangeiros.

       A posição do executado, assim caracterizada sumariamente, deixa antever o melindre que pode justificar a penhora de património em posse de agentes diplomáticos. Aliás, a penhora é qualificada por alguns autores como sanção executiva[33].

       O exequente encontra-se, à partida, numa posição que colhe o favor da ordem jurídica. Apenas lhe falta o exercício legítimo de um poder de autoridade a fim de ser reparado pelo não cumprimento e é esse poder de autoridade que o Estado empresta ao exequente.

       A reparação, como ensina JOSÉ LEBRE DE FREITAS[34] pode ocorrer por meio idêntico à realização da própria prestação (execução específica) — diretamente (apreensão e entrega da coisa ou da quantia, prestação do facto por terceiro) ou indiretamente (venda de bens do devedor) —, como pode ocorrer através de um bem com valor igual (execução por equivalente).

       Vimos que ao exequente cumpre, sempre que possível[35], identificar as contas bancárias de que o executado seja titular e os bens que lhe pertençam (artigo 724.º, n.º 1, alínea i), do Código de Processo Civil). No entanto, essa indicação só vincula o agente de execução em termos relativos, o que, sendo esse o caso, permite-lhe invocar a infração de normas imperativas que possam implicar responsabilidade internacional da República Portuguesa. Recorde-se que o Novíssimo Código de Processo Civil abandonou a nomeação de bens à penhora, seguida de despacho judicial, antes conformando a margem de intervenção do agente de execução[36] nos termos seguintes:

«Artigo 751.º

(Ordem de realização da penhora)

              1 — A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.

                   2 — O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior.

                   3 — Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis que não sejam a habitação própria permanente do executado, ou de estabelecimento comercial, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.

                   4 — Caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorado:

                   a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses;

                   b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses.

                   5 — A penhora pode ser reforçada ou substituída pelo agente de execução nos seguintes casos:

                   a) Quando o executado requeira ao agente de execução, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha o exequente;

                   b) Quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados;

                   c) Quando os bens penhorados não sejam livres e desembaraçados e o executado tenha outros que o sejam;

                   d) Quando sejam recebidos embargos de terceiro contra a penhora, ou seja a execução sobre os bens suspensa por oposição a esta deduzida pelo executado;

                   e) Quando o exequente desista da penhora, por sobre os bens penhorados incidir penhora anterior;

                   f) Quando o devedor subsidiário, não previamente citado, invoque o benefício da excussão prévia.

                   6 — Nos casos previstos na alínea a) do número anterior em que se verifique oposição à penhora, o agente de execução remete o requerimento e a oposição ao juiz, para decisão.

                   7 — Em caso de substituição, e sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 745.º, só depois da nova penhora é levantada a que incide sobre os bens substituídos.

                   8 — O executado que se oponha à execução pode, no ato da oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução».

       Repassa das disposições transcritas que a penhora pode produzir efeitos antes mesmo de o executado ser citado e de poder deduzir oposição. Não estamos longe do privilégio da execução prévia ou autotutela executiva que assiste à Administração Pública[37], nomeadamente para o cumprimento de obrigações pecuniárias pelos administrados.

       (4.2.) A penhora é, de certo modo, «o ato fundamental do processo executivo, de que as restantes fases do processo são como que o desenvolvimento natural» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS[38]).

       Consiste na «apreensão judicial de bens que constituem direitos do executado[39]», privando-o do pleno exercício dos direitos de que é titular sobre tais bens, nomeadamente da posse (material ou apenas jurídica), uma vez que o acervo penhorado passa a ficar à disposição do tribunal, a fim de o exequente ser pago.

       A título cautelar pode o exequente ter já obtido o arresto (cf. artigo 391.º e seguintes do Código de Processo Civil). Nesse caso, o juiz despacha a convolação do arresto em penhora e, sendo caso disso, faz-se no registo predial o respetivo averbamento (cf. artigo 762.º do Código de Processo Civil).

       Entre a penhora e o pagamento ocorre, se necessário for, a venda mediante propostas em carta fechada, em mercados regulamentados, a venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens, a venda por negociação particular, a venda em estabelecimento de leilões, em depósito público ou equiparado ou leilão eletrónico (artigo 811.º do Código de Processo Civil).

       É o que sucede quando «a execução recai sobre bens que não são, eles, o objeto mediato do direito do exequente, mas mero instrumento da sua realização; bens que são vendidos, para o produto deles ou ser entregue ao exequente — quer a título de cumprimento da obrigação, quer de indemnização pelo não cumprimento — ou custear uma prestação em benefício dele» (JOÃO DE CASTRO MENDES[40]).

       (4.3.) A penhora de depósitos bancários, à ordem ou a prazo, possui, entre outras vantagens, a de tornar desnecessária a venda dos bens penhorados.

       E, conquanto deparasse, no passado, com a necessidade de obter informações junto da generalidade das instituições de crédito, beneficia, atualmente, do disposto no artigo 749.º, n.º 6, do Código de Processo Civil:

                   «Para efeitos de penhora de depósitos bancários, o Banco de Portugal disponibiliza por via eletrónica ao agente de execução informação acerca das instituições legalmente autorizadas a receber depósitos em que o executado detém contas ou depósitos bancários».

       Deixou, pois, de ser necessário notificar todas as instituições de crédito, em busca de contas tituladas pelo executado.

       Considerando a particular adequação aos interesses do credor e permitindo introduzir um fator de razoabilidade na ablação a produzir nos bens do devedor, o novíssimo do Código de Processo Civil ainda lhe concedeu, noutros aspetos, um regime especialmente dúctil[41], por via do artigo 780.º e da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto[42].

       Assim, no prazo de dois dias, a instituição de crédito terá cativado o montante indicado pelo agente de execução, a menos que não se confirme a existência de conta ou de saldo suficiente, ou então, que se verifiquem os pressupostos da impenhorabilidade (artigo 780.º, n.º 8, do Código de Processo Civil).

       Outras principais inovações encontram-se, segundo RUI PINTO[43] na «supressão (discutível) da necessidade de despacho judicial prévio e a alteração do sistema de preparação e consumação da penhora dos saldos, por meio da comunicação do agente de execução».

       Com efeito, logo que penhorado um depósito bancário, só o agente de execução pode movimentar o saldo penhorado (artigo 780.º, n.º 4).

       Saldo que, porém, não deve ser penhorado além do necessário para realizar a prestação e cobrir as despesas com a execução, pois a penhora deve limitar-se ao montante do crédito exequendo[44], o que lhe imprime uma significativa adequação ao fim em vista.

       Não se trata, pois, de penhorar a conta, como o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 2 de outubro de 2014[45], cuidou de fazer notar:

                    «O objeto da penhora não é a conta do executado, isto é, a universalidade de posições ativas que compõem a sua posição contratual perante o banco, mas o direito de crédito do executado sobre uma instituição de crédito decorrente de um saldo positivo num depósito bancário».

       A penhora, não obstante, é um ato ablativo e com efeitos que podem mostrar-se severos. Os saldos das contas bancárias de que o executado seja único titular preferem aos saldos daquelas de que seja contitular e, entre estas, as que apresentarem menor número de titulares àquelas em que o executado surge como primeiro titular (artigo 780.º, n.º 7, alínea a)). Por seu turno, os saldos de depósitos a prazo preferem aos dos depósitos à ordem (alínea b)).

       No preceituado pelo artigo 780.º do Código de Processo Civil, observamos, ainda, outras disposições que conferem à penhora de depósitos bancários o estatuto de opção preferencial.

       A não ser «possível identificar adequadamente a conta bancária, é bloqueada a parte do executado nos saldos de todos os depósitos existentes na instituição ou instituições notificadas» (artigo 780.º, n.º 6).

       Esgotado «o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, o agente de execução entrega ao exequente as quantias penhoradas que não garantam crédito reclamado, até ao valor da dívida exequenda, depois de descontado o montante relativo a despesas de execução» (artigo 780.º, n.º 13).

       Compreende-se, pois, que, tanto o exequente como o agente de execução prefiram penhorar saldos de contas bancárias, em lugar da penhora de bens a vender, especialmente quando se trate de imóveis ou de outros sujeitos a registo.

       Estando em causa missões diplomáticas ou postos consulares, é muito provável que disponham de depósitos bancários em Portugal, de modo a pagarem as despesas correntes de funcionamento, mas tais depósitos — ou melhor, o direito de crédito correspondente — constituem património do Estado acreditante.

       A sua penhora, sem prévia intervenção das chancelarias diplomáticas, pode comprometer o bom desempenho da missão e criar um incidente diplomático.

       Assim, independentemente do conhecimento oficioso da imunidade de jurisdição pelo tribunal, a intervenção processual do Ministério Público, adquire uma relevância que, à partida, poderia ser liminarmente excluída.

(5)

       Todavia, se a representação do Estado português nos tribunais nacionais se apresenta como expressa incumbência do Ministério Público, prevista no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, nada se determina quanto à representação de Estados estrangeiros, disponham, ou não, de representação diplomática em Portugal.

       Cumpre-lhe assegurar a representação orgânica e a representação em juízo da pessoa coletiva Estado[46], enquanto sujeito da relação material controvertida[47] — como é próprio das ações de responsabilidade civil — tanto nos tribunais comuns como nos tribunais administrativos.

       A opção do poder constituinte[48] tem em vista assegurar que a representação do Estado seja praticada por uma magistratura a quem compete a defesa da legalidade. Destarte, a promoção do interesse público do Estado e a defesa da legalidade convergem no Ministério Público[49].

       Por conseguinte, a ser intentada ação executiva cível, nos tribunais portugueses[50], contra o Estado Português, é ao Ministério Público que cumpre providenciar pela representação em juízo, nos termos gerais do Código do Processo Civil:

«Artigo 24.º

(Representação do Estado)

                   1 — O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que este esteja constituído.

                   2 — Se a causa tiver por objeto bens ou direitos do Estado, mas que estejam na administração ou fruição de entidades autónomas, podem estas constituir advogado que intervenha no processo juntamente com o Ministério Público, para o que são citadas quando o Estado seja réu; havendo divergência entre o Ministério Público e o advogado, prevalece a orientação daquele.

Artigo 25.º

(Representação das outras pessoas coletivas e das sociedades)

              1 — As demais pessoas coletivas e as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.

                   2 — Sendo demandada pessoa coletiva ou sociedade que não tenha quem a represente, ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, o juiz da causa designa representante especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respetiva representação em juízo.

                   3 — As funções do representante a que se refere o número anterior cessam logo que a representação seja assumida por quem deva, nos termos da lei, assegurá-la».

       De igual, modo é ao Ministério Público que compete representar o Estado na posição de parte, como exequente, sem intervenção, porém, do agente de execução.

       Competindo ao Ministério Público representar o exequente, é ao oficial de justiça que compete praticar as diligências próprias da competência do agente de execução (artigo 721.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).

       De acordo com o artigo 24.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a representação pelo Ministério Público obedece, ainda, a outro critério: pertencerem os bens ou direitos sob litígio ao Estado, embora sob administração ou fruição de entidades autónomas. Se estas constituírem advogado que intervenha no processo juntamente tendo sido citadas quando o Estado seja réu, a intervenção processual do Ministério Público continua a ser principal.

       O Estatuto do Ministério Público especifica as demais situações em que a representação do Ministério Público é principal:

«Artigo 9.º

(Intervenção principal)

                   1 — O Ministério Público tem intervenção principal nos processos:

                   a) Quando representa o Estado;

                   b) Quando representa as regiões autónomas e as autarquias locais;

                   c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta;

                   d) Quando assume, nos termos da lei, a defesa e a promoção dos direitos e interesses das crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída bem como de outras pessoas especialmente vulneráveis;

                   e) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de caráter social;

                   f) Quando representa interesses coletivos ou difusos;

                   g) Nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade.

                   2 — Em caso de representação de região autónoma, de autarquia local ou, nos casos em que a lei especialmente o permita, do Estado, a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio.

                   3 — Em caso de representação de incapazes ou de ausentes em parte incerta, a intervenção principal cessa logo que seja constituído mandatário judicial do incapaz ou ausente, ou quando, deduzindo o respetivo representante legal oposição à intervenção principal do Ministério Público, o juiz, ponderado o interesse do representado, a considere procedente».

       Sempre que o Ministério Público represente regiões autónomas ou autarquias locais, e nos demais casos permitidos por lei, a intervenção principal cede perante a constituição de mandatário próprio, exceto na hipótese já recenseada de estar em causa o domínio ou o património do Estado (artigo 24.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

       Intervenção principal que significa para o Ministério Público, nas palavras de CARLOS LOPES DO REGO[51], «a representação do Estado, de outras pessoas coletivas públicas e de pessoas ou entidades que a que o Estado deve proteção (…)» e, ainda, a «atuação de competências oficiosas que a lei confere especial e diretamente ao Ministério Público, com vista à realização de interesses postos especificamente a seu cargo».

       Isto, sem embargo, porém, da intervenção acessória que o Ministério Público deva dispensar relativamente às regiões autónomas, às autarquias locais, e a outras pessoas coletivas públicas, assim como às pessoas coletivas de utilidade pública (artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público), a fim de zelar «pelos interesses que lhe estão confiados, promovendo o que tiver por conveniente» (artigo 10.º, n.º 2).

       A intervenção acessória justifica-se, aqui, não tanto pela condição estatutária pública da parte, mas pelo interesse público que se encontra em jogo[52].

       Manifesta-se um interesse público reflexo ou indireto na decisão e é essa posição que justifica a intervenção do Ministério Público: por exemplo, em face da penhora de bens que integram o património de uma região autónoma, de um município, de uma freguesia ou de uma pessoa coletiva de utilidade pública. Principalmente se tais bens forem absoluta ou relativamente impenhoráveis.

       A penhora de bens pertencentes a Estados estrangeiros, conquanto não surja especificada, não é excluída, sendo certo que ela conhece fortíssimas restrições, justificadas pela imunidade internacional de execução.

       Vejamos, seguidamente, como é garantida a intangibilidade do domínio público e de certos bens do domínio privado.

(6)

       (6.1.) A penhora de bens públicos conhece severas limitações. Assim, os bens do domínio público do Estado[53] são absolutamente impenhoráveis, nos termos do artigo 20.º do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público[54], pois encontram-se fora do comércio jurídico (artigo 202.º, n.º 2, do Código Civil), à semelhança das res communes omnium (coisas insuscetíveis de apropriação individual[55]).

       O Código de Processo Civil acrescenta às coisas do domínio público do Estado as do domínio público das restantes pessoas coletivas públicas:

«Artigo 736.º

(Bens absoluta ou totalmente impenhoráveis)

              São absolutamente impenhoráveis, além dos bens isentos de penhora por disposição especial:

                   a) As coisas ou direitos inalienáveis;

                   b) Os bens do domínio público do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas;

                   c) Os objetos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careça de justificação económica, pelo seu diminuto valor venal;

                   d) Os objetos especialmente destinados ao exercício de culto público;

                   e) Os túmulos;

                   f) Os instrumentos e os objetos indispensáveis aos deficientes e ao tratamento de doentes.

                   g) Os animais de companhia».

       Já os bens do domínio privado do Estado, das demais pessoas coletivas públicas e até de algumas pessoas coletivas privadas de interesse coletivo são objeto de um regime menos intransigente — impenhorabilidade relativa[56]:

«Artigo 737.º

(Bens relativamente impenhoráveis)

              1 — Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas coletivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública.

                   2 — Estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalhos e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado, salvo se:

                   a) O executado os indicar para penhora;

                   b) A execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação;

                   c) Forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial.

                   3 — Estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do custo da sua reparação».

       O regime, menos rígido, dos bens relativamente impenhoráveis, abre mão do chamado domínio privado disponível.

       A distinção entre domínio privado disponível e indisponível remonta ao ensino de MARCELLO CAETANO[57]:

              «Acontece (…) que no domínio privado coexistem bens que desempenham um papel deveras relevante na prossecução das atribuições administrativas e bens que apenas vieram à posse da Administração ocasionalmente (sucessão hereditária, execução fiscal) ou cuja única utilidade é a de produzir rendimentos (-).

                   Torna-se, pois, necessário que a lei estabeleça, dentro do domínio privado, regimes jurídicos diferenciados para essas duas categorias de bens: os primeiros carecem de uma proteção mais apertada do que os segundos, como é evidente, enquanto e na medida em que se acharem afetados a uma função de interesse público. (…)

                   Consideramos indisponíveis os bens que se encontrem afetados a fins de utilidade pública — para usar a terminologia feliz do Código de Processo Civil, artigo 823.º, n.º 1, alínea a)[58] — e disponíveis os bens que estejam aplicados a fins meramente financeiros».

       A impenhorabilidade de bens compreendidos no domínio privado deve circunscrever-se, segundo um critério funcional[59], aos bens necessários à prossecução das atribuições da pessoa coletiva. Não basta uma utilidade abstrata ou difusa. É preciso que se mostrem próprios do desempenho das atribuições da pessoa coletiva, do ministério ou secretaria regional.

       Importa não esquecer que, de acordo com o artigo 739.º do Código de Processo Civil, também «são impenhoráveis a quantia em dinheiro ou o depósito bancário resultantes da satisfação de crédito impenhorável, nos mesmos termos em que o era o crédito originariamente existente».

       Assim, o depósito bancário deve ter-se por impenhorável se resultou de um crédito impenhorável, nomeadamente por pertencer ao domínio privado indisponível.

       (6.2.) A lei nada dispõe, especificamente, quanto aos bens pertencentes a Estados estrangeiros, designadamente aqueles que se encontrem afetos às missões diplomáticas e aos postos consulares instalados no território português.

       Nada determina quanto à suscetibilidade de serem penhorados, ou não, nem confere, expressamente, ao Ministério Público nenhum papel na sua defesa contra o arresto ou a penhora.

       Conquanto beneficiem da ampla imunidade de jurisdição que iremos caracterizar (infra), em abstrato, os Estados estrangeiros podem, nos termos da lei, ser parte em juízo e podem defender-se, nomeando advogado ou solicitador que assuma o seu patrocínio. Ainda, em abstrato, os seus bens podem, sem oposição da lei, ser penhorados.

       Referimo-nos aos Estados estrangeiros — não, às suas representações diplomáticas — pois só aos Estados é reconhecida personalidade jurídica no direito interno, como corolário da personalidade jurídica internacional[60].

       Podem ser parte em processos nos tribunais portugueses, ainda que a sua representação orgânica seja da competência da missão diplomática[61].

       Missões diplomáticas e postos consulares são órgãos desconcentrados e periféricos externos[62] de Estados estrangeiros (ou de sujeitos de direito internacional equiparados), investidos de jus legationis.

       É certo que não constam da extensão a que o artigo 12.º do Código de Processo Civil procede[63]., mas vem sendo admitida a sanação da falta de personalidade das missões diplomáticas por tratamento análogo às sucursais, agências, filiais, delegações ou representações, com base no Código de Processo Civil, por analogia com as sucursais:

«Artigo 13.º

(Personalidade judiciária das sucursais)

              1 — As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.

                   2 — Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.

Artigo 14.º

(Sanação da falta de personalidade judiciária)

              A falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado».

       O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 17 de maio de 2011[64], resumiu de forma muito clara o estatuto processual das missões diplomáticas permanentes:

              «As missões diplomáticas permanentes, nomeadamente as embaixadas, detêm funções de representação de um Estado estrangeiro acreditado noutro país, muito embora não sejam dotadas de autonomia jurídica em relação ao estado acreditado, pelo que se traduzem em entidades representativas do respetivo Estado soberano para os efeitos do disposto no artigo 7.º do CPC[65]».

       E, por seu turno, quanto à representação em juízo, determina-se no mesmo Código o que vai reproduzido:

         «Artigo 26.º

         (Representação das entidades que careçam de personalidade jurídica)

              Salvo disposição especial em contrário, os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores e as sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como diretores, gerentes ou administradores».

       Em matéria de citação de agentes diplomáticos, o Código de Processo Civil limita-se a remeter para o direito internacional pactício e, subsidiariamente, para a prática do Estado acreditante com relação aos agentes diplomáticos portugueses ali acreditados:

«Artigo 222.º

(Citação ou notificação dos agentes diplomáticos)

                   Com os agentes diplomáticos observa-se o que estiver estipulado nos tratados e, na falta de estipulação, o princípio da reciprocidade».

       Nada se determinou, de específico, acerca da citação de um Estado estrangeiro. Trata-se de pessoa coletiva cuja representação orgânica, como vimos, compete à missão diplomática, na pessoa do chefe da missão em Portugal[66]. Importa distinguir, então, a citação de um agente diplomático em ação de que seja parte e em ação em que representa o Estado acreditante, aplicando-se o artigo 222.º, neste caso, ex vi do artigo 223.º.

       A representação em juízo do Estado acreditante tem de ser confiada a advogado ou solicitador que possam exercer o mandato perante os tribunais portugueses.

       De igual modo, nas ações executivas intentadas contra a República Portuguesa em tribunais estrangeiros o patrocínio judiciário terá de ser confiado a mandatário local, uma vez que não pode o Ministério Público assegurar a representação em juízo do Estado português fora da jurisdição nacional.

       E, por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 29 de maio de 2012[67], considerou o seguinte:

              «A ação vem proposta contra a Embaixada da República Democrática de S. Tomé e Príncipe, que não tem personalidade jurídica própria distinta do Estado.

                   De acordo com Philippe Cahier, in Le Droit Diplomatique, Ed. Libraire Droz, Paris, 1964, p. 55, a missão diplomática permanente é um serviço público do Estado de envio instalado de forma permanente no território do Estado recetor, com o objetivo de assegurar as relações diplomáticas entre os dois sujeitos de Direito Internacional.

                   Em bom rigor, do ponto de vista formal, a ação devia ter sido proposta contra o Estado e não contra a sua Embaixada em Portugal.

                   Todavia, sendo uma das funções primaciais de uma missão diplomática, qualificada geralmente de embaixada, a de “representar o Estado acreditante perante o Estado acreditador” (cf. artigo 3.º, al. a) da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961), parece-nos dever entender-se que, no caso concreto, o demandado é o próprio Estado da República Democrática de S. Tomé e Príncipe».

       Por vezes, contudo, a equiparação decorre expressamente da lei ou do direito da União Europeia, como parece ser o caso do artigo 20.º, n.º 2, do Regulamento (UE) n. ° 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo a certas questões emergentes de contrato individual de trabalho[68].

       Em aplicação de tal preceito, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de novembro de 2014[69], de harmonia com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia[70], que, diante de questões emergentes de contrato individual de trabalho celebrado por embaixada[71] com alguém que não é nacional do Estado, para atividades de gestão privada, a missão diplomática deve considerar-se um estabelecimento.

         (6.3.) A ação diz-se executiva quando tem em vista facultar ao credor, através dos tribunais, o exercício do jus imperii do Estado contra o devedor que se absteve de cumprir uma obrigação líquida:

              «Diferentemente da ação declarativa, a ação executiva tem por finalidade a reparação efetiva de um direito violado. Não se trata já de declarar direitos, pré-existentes ou a constituir. Trata-se, sim, de providenciar pela realização coativa de uma prestação devida. Com ela, passa-se da declaração concreta da norma jurídica para a sua atuação prática, mediante o desencadear do mecanismo de garantia» (JOSÉ LEBRE DE FREITAS[72]).

       O incumprimento em causa pode encontrar-se verificado relativamente a uma obrigação assumida por um Estado estrangeiro através dos seus agentes diplomáticos, mas a ação pode estribar-se unicamente num título de crédito.

       A jurisprudência dos nossos tribunais é ilustrativa do tipo de obrigações cujo incumprimento tem justificado ações intentadas com esse fim: desconto de cheque[73], prestação de cuidados de saúde a cidadãos de Estados estrangeiros, no âmbito de acordos internacionais[74], créditos indemnizatórios e retributivos decorrentes de despedimento[75], créditos emergente de contrato de empreitada de obras de construção de residência do chefe de missão[76].

       O credor pode dirigir-se aos tribunais do Estado devedor a fim de obter o cumprimento: prestação de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto.

       Ao intentar ação executiva nos tribunais portugueses, a fim de obter a realização coativa de prestação devida, irá ser confrontado, muito provavelmente, com a imunidade que o direito internacional geral reconhece aos bens dos Estados e com a inviolabilidade dos locais onde se encontram bens afetos às representações diplomáticas, soçobrando a penhora.

       Assim, importa observar o modo como as imunidades de jurisdição e de execução surgiram e se consolidaram no direito internacional comum, em especial, no que diz respeito às missões diplomáticas e postos consulares.

(7)

       O jus legationis constitui um dos mais significativos atributos dos sujeitos de direito internacional com plena ou quase plena capacidade, a par do jus tractum, da capacidade judiciária[77] (ativa e passiva), do gozo de certas imunidades e privilégios, do jus belli, hoje, circunscrito pela Carta das Nações Unidas[78] (artigo 2.º, n.º 4) ao direito de legítima defesa[79] (individual ou coletiva) e do direito a fazer parte de organizações internacionais universais.

       Consiste o jus legationis na capacidade jurídica internacional de acreditar e receber diplomatas como representantes temporários ou permanentes de governos estrangeiros e junto de governos estrangeiros.

       Diplomatas que, «além das tarefas tradicionais de representação, negociação, informação e proteção dos interesses do Estado que os envia (denominado Estado acreditante)» são incumbidos de «fomentar relações amistosas e (…) desenvolver relações económicas, culturais e científicas entre o seu Estado e aquele que o recebe (denominado Estado acreditador)» (MARGARIDA SALEMA D’OLIVEIRA MARTINS[80]).

       Sem embargo de antecedentes que remontam à Antiguidade Clássica, foi entre as repúblicas italianas do Renascimento, o reino de Saboia, a Sé Apostólica, a França e os reinos ibéricos que se consolidou a prática de trocar embaixadores, de forma permanente, entre as cortes estrangeiras, a começar pela corte pontifícia, e de assegurar a tais agentes e aos locais onde se instalavam uma qualificada proteção, mesmo em caso de conflito armado[81].

       O primeiro fundamento da imunidade diplomática terá sido a cortesia — comitas gentium[82] — «sobre cuja base os soberanos estenderam a outros as suas próprias imunidades». Depois, «pouco a pouco, a reciprocidade, a boa-fé e a defesa do interesse próprio deram origem a normas consuetudinárias[83]».

       A afirmação do Estado moderno e do princípio da igualdade formal entre Estados soberanos, que só o desfecho da Guerra dos Trinta Anos (1648) lograria assentar[84], consolidou um princípio de imunidade pessoal e territorial às representações e legações de outros Estados.

       Por definição, um soberano não pode julgar outro soberano. O núncio papal ou o embaixador de outro soberano são, para este efeito, um prolongamento pessoal do pontífice, do rei, do imperador, do sultão ou do doge que o enviam como seus representantes pessoais. Avista-se, aqui, o princípio da representação como um dos fundamentos mais fecundos da imunidade diplomática, no passado.

       De certo modo, as imunidades do soberano, do Estado e dos seus representantes decorriam de uma única norma consuetudinária. O legado beneficiava da imunidade do soberano que, personificando o Estado, o enviava e acreditava[85].

       Se entre soberanos, desde a Paz de Vestefália, não há senão iguais, vale, plenamente, o princípio par in parem non habet iudicium. Princípio que, de modo paulatino, transitaria, com as revoluções liberais, do monarca absoluto para a nação ou para o povo, os novos titulares da soberania[86]:

              «Um corolário do princípio da igualdade é o de que, em princípio, nenhum Estado pode julgar os atos de um outro ou mesmo de um dos seus órgãos superiores, maxime, por intermédio de um dos seus tribunais, sem o consentimento deste» (EDUARDO CORREIA BAPTISTA[87])».

       A relação intrínseca das imunidades e privilégios diplomáticos com a igualdade soberana entre Estados subsiste até aos nossos dias.

       Por acórdão de 18 de fevereiro de 2006[88], o Supremo Tribunal de Justiça teve oportunidade de acentuar tal ligação intrínseca:

                   «A imunidade jurisdicional dos Estados apresenta-se como corolário do princípio da igualdade entre Estados e radica numa regra costumeira de acordo com a qual nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado (par in parem non habet judicium), regra esta cujo sentido atual deve ser captado e definido».

       A igualdade soberana entre Estados postula que da instalação de missões e agentes diplomáticos em território estrangeiro decorre um concurso de poderes soberanos entre o Estado acreditante e o Estado acreditador. Concurso que não assume, porém, as características de extraterritorialidade, de concessão[89], nem de condomínio, como aqueles que se constituem sobre alguns territórios não autónomos[90] ou sobre os espaços internacionalizados[91], mas que implica uma retração no exercício de certos poderes, de parte a parte:

                   «[A] presença de missões, permanentes ou especiais, no território de outro Estado, sejam as admitidas ou acreditadas junto deste, sejam as representações junto de organizações internacionais sedeadas no território desse Estado, representam uma exceção, por uma parte, e uma reafirmação, por outra, do princípio da soberania de um Estado sobre o seu território. Na verdade, os locais das missões ou das representações corresponde ao exercício concorrente de competências estaduais de dois Estados sobre a mesma parcela de território — o Estado que recebe e o Estado que envia. E isso só é possível pela permissão do Estado que recebe, que voluntariamente retrai o exercício dos seus poderes soberanos (ou de parte deles) sobre aquela parcela do seu território, da mesma forma que retrai o exercício dos seus poderes soberanos sobre os agentes do Estado estrangeiro ao serviço daquela representação» (JAIME VALLE[92]).

       A retração dos poderes soberanos sobre o território em que se instalam as missões foi, por muito tempo, entendida como uma manifestação de extraterritorialidade. Tal entendimento manteve-se, em alguns setores, até meados do século XX[93].

       Ficcionava-se que o agente diplomático, em qualquer circunstância, agia como se nunca tivesse deixado o território do Estado de envio e como se o Estado acreditador renunciasse a uma parcela do seu solo, concedendo ao Estado acreditante jurisdição plena sobre o local[94].

       Vimos já que outro fundamento comummente invocado assentava na tradicional ideia de representação pessoal: os agentes diplomáticos constituiriam um prolongamento do Chefe de Estado ou do Ministro dos Negócios Estrangeiros que os acreditavam. Tal teoria, mais favorável ao Estado de envio[95], possui, no entanto, a vantagem de justificar a margem de renúncia de que dispõem o Estado acreditante e o Chefe de Missão.

       A extraterritorialidade encontra-se hoje afastada. O território da missão diplomática não deixa de pertencer ao Estado acreditador, ali se aplicando a sua lei. A representatividade pessoal também se encontra praticamente abandonada.

       Tão-pouco se pode comparar a imunidade diplomática às capitulações[96] otomanas ou chinesas que anuíam na exclusão da jurisdição sobre os nacionais de determinados Estados e dos bairros em que residiam[97].

       No entanto, o Estado acreditador acha-se obrigado a não usar meios coativos, ablativos nem intrusivos, nesse espaço delimitado, sem o consentimento do Chefe de Missão. A ele compete, no interior da embaixada e das suas dependências, aplicar e fazer aplicar o direito em vigor no território do Estado acreditador.

       Ao receber a acreditação, o Estado compromete-se a respeitar e fazer respeitar a imunidade do local e dos diplomatas. Não se trata de uma imposição, pois o estabelecimento de relações diplomáticas e a troca de representantes permanentes assenta num acordo entre Estados.

       Não obstante o direito de legação constituir atributo da soberania, a verdade é que nenhum Estado pode exigir a outro o estabelecimento de missões diplomáticas, mesmo que entre ambos já se pratiquem relações diplomáticas bilaterais. Como observa JEAN SALMON[98], enviar ou receber representantes diplomáticos permanentes comporta, em si, o exercício de um poder soberano: livre, por definição.        

       Dois Estados podem estabelecer, entre si, relações diplomáticas sem trocarem representantes diplomáticos permanentes. Podem limitar-se ao envio de missões diplomáticas especiais ou ad hoc ou podem entabular relações diplomáticas através da representação de um terceiro Estado. E até mesmo as representações permanentes podem limitar-se à fixação de um encarregado de negócios.

       Se o jus legationis constitui uma faculdade inerente à capacidade jurídica dos Estados, a exercer concretamente, como atributo que decorre da soberania internacional, não se trata, contudo, de um direito potestativo.

       Explica o citado Autor[99]:

              «Em tudo o mais, encontra-se firmemente estabelecido que a troca de missões permanentes é puramente discricionária, trata-se de uma simples faculdade. O emprego do vocábulo ‘direito de legação’ para compreender esta situação não se justifica senão pelo seu emprego tradicional na cómoda expressão: “direito de legação ativo e passivo”. Se é verdade que os Estados gozam da faculdade de estabelecer relações diplomáticas, para as quais têm vocação, porque é um elemento da sua capacidade jurídica enquanto Estados, não é menos válido afirmar que o concreto exercício de tal faculdade pressupõe o consentimento dos parceiros».

       Decorre, contudo, da existência de uma comunidade internacional que os Estados tenham, com maior ou menor frequência, de negociar determinadas questões.

       Por outro lado, já decorria de ancestrais normas consuetudinárias a obrigação de receber os mensageiros legítimos enviados por outro soberano e de lhes conceder audiência, mesmo em tempo de guerra[100].

       A História encarregar-se-ia de criar uma necessidade permanente nos Estados de disporem de canais de comunicação próprios, seguros e legítimos e, apesar de as conferências e as organizações internacionais proporcionarem hoje um lugar privilegiado para a diplomacia multilateral, a troca de embaixadores não perdeu a sua razão de ser.

       A salvaguarda jurídica e institucional das relações diplomáticas consistiu numa progressiva formulação e aprimoramento de garantias e imunidades, não apenas dos representantes diplomáticos[101], como também das instalações e suas dependências, do pessoal ao seu serviço e das comunicações com o Estado acreditante.

       O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), a propósito do Caso do Pessoal Diplomático e Consular dos EUA em Teerão (1979) vincou claramente a observância generalizada das imunidades diplomáticas por contraste com o caráter quase singular do sequestro de funcionários norte-americanos após o derrube do regime autoritário do Xá Reza Pahlavi e a tomada do poder por revolucionários teocráticos.

       No acórdão proferido em 24 de maio de 1980[102], o TIJ referiu-se ao direito diplomático como «um edifício jurídico pacientemente construído pela Humanidade no curso dos séculos e cuja salvaguarda é essencial para a segurança e o bem-estar de uma comunidade internacional tão complexa como a de hoje, que tem necessidade, mais do que nunca, do respeito constante e escrupuloso das regras que presidem ao desenvolvimento ordenado das relações entre os seus membros».

       E acrescentou:

                   «Na conduta das relações entre Estados, não há exigência mais fundamental do que a da inviolabilidade dos diplomatas e das embaixadas e que, ao longo da História, nações de todas as crenças e de todas as culturas observaram obrigações recíprocas para esse efeito; e as obrigações assim assumidas para garantir a segurança pessoal dos diplomatas e a sua isenção a toda a perseguição são essenciais, não comportando restrição alguma e são inerentes ao seu caráter representativo e à sua função diplomática. A instituição da diplomacia, com os privilégios e imunidades que nela se filiam, resistiu à prova dos séculos e mostrou-se um instrumento essencial de cooperação eficaz na comunidade internacional, que permite aos Estados, não obstante as diferenças dos seus sistemas constitucionais e sociais, alcançarem mútuo entendimento e resolverem as suas divergências por meios pacíficos».

       Passaremos, de imediato, a observar as principais fontes do direito diplomático, em especial das imunidades e privilégios.

(8)

       (8.1.) As iniciativas várias, ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, de compilar, sistematizar ou codificar, num só instrumento, as imunidades e prerrogativas universalmente atribuídas às missões e agentes diplomáticos mostraram-se, quase todas, infrutíferas.

       O Congresso de Viena (1815) não conseguira ir além das precedências protocolares[103] e os demais esforços claudicaram, de tal sorte que, até aos primórdios da Guerra Fria, quase todas as normas atinentes às imunidades e privilégios diplomáticos permaneciam não escritas:

              «Foram os incidentes da guerra fria que conduziram a ONU a trilhar um caminho diferente do da sua predecessora. Dando conta de frequentes violações das regras aplicáveis, a delegação jugoslava obteve, em 1952, a votação pela Assembleia Geral de uma resolução, pedindo à Comissão de Direito Internacional que estudasse, com prioridade, a codificação das relações e imunidades diplomáticas (resolução 685 (VII) de 5 de dezembro de 1952). Em dezembro de 1959, a Assembleia Geral votava uma nova resolução para decidir a convocação de uma Conferência de codificação que deveria reunir-se, em Viena, em homenagem ao Congresso de 1815. As deliberações levaram à adoção, por unanimidade (72 votos a favor, nenhum voto contra e uma abstenção), da convenção, aberta à assinatura dos Estados participantes, em 18 de abril de 1961, que vincula hoje em dia a quase totalidade dos Estados[104]».

       A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961, é, desde então, a matriz das garantias que um Estado deve conceder a outro que com ele troca representantes diplomáticos, estabelecendo, de igual modo, deveres de conduta para os agentes diplomáticos em posto, de modo a impedir o uso excessivo ou indevido de prerrogativas que têm como pressuposto e limite o exercício das suas funções.

       Antes mesmo de entrar em vigor, muitas das normas da Convenção já vinculavam a generalidade dos Estados, pois constituam normas consuetudinárias: prática reiterada dos Estados e dos tribunais (nacionais e internacionais), segundo uma convicção generalizada de obrigatoriedade.

         (8.2.) O direito internacional geral ou comum conhece, entre nós, um estatuto ímpar em relação ao direito ordinário.

       A Constituição de 1976, no artigo 8.º, n.º 1, consente uma receção plena e automática das normas e princípios de direito internacional geral ou comum, o que dispensa a manifestação do consentimento por parte da República Portuguesa com relação à sua validade e eficácia.

       Algo que, a bem dizer, sempre decorreria da natureza do costume: fonte primária e originária de direito internacional[105], mas não ao ponto de possuir valor cimeiro em relação a todo o direito interno ordinário e em relação à generalidade dos tratados e acordos internacionais de que Portugal seja Parte Contratante.

       Tais normas são, na expressão de J. J.GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA[106], «as normas consuetudinárias (“costume internacional”) de âmbito geral, mesmo que se encontrem positivadas em instrumentos internacionais de âmbito universal (Carta da ONU ou DUDH)» e «princípios de DIP geral são os princípios fundamentais geralmente reconhecidos no direito interno dos Estados e que, em virtude da sua radicação generalizada na consciência jurídica das coletividades, acabam por adquirir sentido normativo no plano do direito internacional (por ex. princípio da boa-fé, cláusula rebus sic stantibus, proibição do abuso de direito, princípio de legítima defesa)».

       A codificação de normas consuetudinárias de direito internacional geral ou comum[107] não lhes subtrai a natureza originária.

       Se possui vantagens inegáveis no plano da certeza e da segurança jurídica, não deixa, porém, de suscitar algumas dificuldades que é o costume, uma vez mais, a ultrapassar discretamente[108]:

              «O tratado multilateral geral de conteúdo normativo eleva-se — pelo seu caráter aberto à participação de todos os Estados num dado espaço, universal ou regional, a segurança e precisão da cláusula escrita, a certeza do consentimento, a relativa rapidez da sua elaboração e versatilidade do seu conteúdo — como o meio idóneo para positivar normas gerais adaptadas às exigências que demanda a sociedade internacional, hoje, mais ainda, num mundo globalizado; mas, condicionado pelo seu efeito relativo, o tratado é, em si mesmo, insuficiente para satisfazer este objetivo.

                   As resoluções recomendatórias de Organizações Internacionais — da Assembleia Geral das Nações Unidas, em particular — e eventualmente certos acordos não jurídicos, são, na essência, as outras peças do puzzle que configuram a codificação internacional, cujo acervo virá a ser promovido por alguma misteriosa alquimia do costume, isto é, do processo de formação de normas de direito internacional geral. Constituindo ponto de partida da codificação do direito internacional, o costume será também a sua estação terminal».

       (8.3.) A doutrina vem procurando distinguir entre si as imunidades e privilégios, classificando-os segundo o objeto da proteção.

       As imunidades indicam a subtração a uma jurisdição e a um poder de autoridade. Os privilégios — alguns de direito interno ou de trato e cortesia internacional — consistem em direitos de gozo ou aproveitamento de situações de vantagem.

       Quanto ao objeto da proteção, a classificação sugerida por DENIS ALLAND[109] revela-se particularmente clara:

              1.º Os Estados estrangeiros, nomeadamente os bens que lhes pertencem, tais como os haveres, contas bancárias que detenham no território de outro Estado;

                   2.º Os locais das instalações diplomáticas;

                   3.º As aeronaves e os navios de guerra[110], encontrando-se nos espaços sob jurisdição do Estado territorial;

                   4.º Certas entidades consideradas como emanação do Estado;

                   5.º Os agentes ou representantes do Estado: os chefes de Estado e de governo estrangeiros, os ministros dos Negócios Estrangeiros, os agentes diplomáticos e consulares.

       As imunidades e privilégios dos diferentes destinatários conhecem diferenças, mas prestam‑se, por vezes, a sobreposições.

       Em especial, as garantias de inviolabilidade dos bens afetos às missões diplomáticas prestam-se a ser confundidas com as imunidades dos bens possuídos por um Estado estrangeiro no território de outro Estado ao serviço da respetiva representação diplomática.

       Os depósitos bancários dos serviços diplomáticos constituem um bom exemplo

       O saldo de uma conta bancária à ordem, através da qual a embaixada procede ao pagamento de vencimentos ou à liquidação de débitos junto dos fornecedores de bens e serviços representa um crédito ao serviço da missão diplomática. A conta só pode ser movimentada pelo Chefe da Missão ou por quem este mandate para o efeito.

       No entanto, o seu verdadeiro titular é o Estado acreditante. Trata-se de património do Estado acreditante que regularmente cuidará da provisão por transferência de verbas ou disporá das receitas arrecadadas, designadamente com emolumentos.

       Tal qual um depósito a prazo que o Estado estrangeiro tenha confiado a instituições bancárias fora da sua jurisdição territorial. Ainda que a representação diplomática ignore tal património do Estado, ele é objeto de proteção internacional.

       Compreende-se que os dois depósitos beneficiem de proteção diferenciada. O depósito à ordem constitui um instrumento essencial de administração da missão diplomática e, como tal, necessário à continuidade do serviço público. O depósito prazo, por sua vez, representa um aforro ou um investimento. Tem em vista o percebimento de frutos civis (juros). Contudo, pode encontrar-se adstrito a fins de interesse público da maior relevância: a manutenção de reservas no estrangeiro, por razões de segurança, a gestão da dívida pública.

       Não por acaso, o Código de Processo Civil, no artigo 780.º, n.º 7, alínea b), dispõe que a penhora de depósitos a prazo precede a de depósitos à ordem.

         (8.4.) Seja com relação à imunidade diplomática, seja relativamente à imunidade de jurisdição dos Estados, assistiu-se ao crescente reconhecimento de exceções ao princípio geral de imunidade absoluta.

       JÓNATAS MACHADO[111] propõe um elenco de distinções com base nas quais se têm justificado recuos na imunidade, de tal sorte que hoje é possível identificar, sem grandes divergências, áreas de imunidade relativa: a distinção entre bens que constituem propriedade do Estado e aqueles que se encontram sob propriedade privada de titulares de cargos públicos; a distinção entre vasos de guerra e navios que, embora públicos, possuem fins comerciais; a distinção entre atos públicos e atos de gestão, «tão diversos como a intervenção do Estado na vida económica, a aquisição de computadores para uma embaixada, o arrendamento de imóveis, ou o aluguer de automóveis e as reservas num hotel para uma comitiva oficial». Não deixa, porém, de sublinhar que[112] «a transição da imunidade absoluta para a imunidade relativa não tem sido isenta de trepidação, haja em vista as pressões diplomáticas levadas a cabo pelos Estados, com riscos de indeterminação (-)».

       A imunidade diplomática passou a ter como fundamento a função das missões e, por conseguinte, não deve ser invocada fora dessa órbita.

       Ensinam NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET[113] que a hodierna conceção funcionalista foi construída sobre a ideia de que privilégios e imunidades acham-se fundados apenas nas necessidades do exercício independente da função diplomática: «pôr o acento no ‘interesse da função’, abre caminho à limitação desses privilégios e imunidades e visa, com isso, estabelecer um equilíbrio entre as necessidades do Estado acreditante e os diretos do Estado acreditador».

       Por outro lado, a imunidade de jurisdição dos Estados, ciosamente preservada por Estados protecionistas e por Estados de economia coletivista, em benefício das suas agências e empresas públicas, passou a conhecer forte contestação, pois serve, por vezes, de indevida cobertura a atividades puramente mercantis, injustamente desobrigadas das mais elementares regras concorrenciais no mercado.

(9)

       (9.1.) Reconhecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas a imunidade diplomática como domínio absolutamente nuclear das relações internacionais e evidenciando um estado de amadurecimento consuetudinário muito significativo, alcançaria pleno êxito, em 1959, a precedente iniciativa jugoslava de convocar uma conferência internacional a fim de congregar, num só instrumento, as normas de direito internacional comum, concernentes às relações diplomáticas entre os Estados; o que viria a ser concluído, em 1961, após intenso e profícuo trabalho empreendido pela Comissão de Direito Internacional.

       A intenção originária de codificar todos os princípios e normas relativos às imunidades dos Estados cederia, de modo pragmático, aos imperativos conjunturais, acabando por se circunscrever a iniciativa à codificação das imunidades e privilégios diplomáticos nas relações entre Estados[114].

       Com efeito, e valendo-nos das palavras de MIGUEL SERPA SOARES/ MATEUS KOWALSKY[115], por mais consolidado que se encontre o direito consuetudinário, neste domínio, «as Imunidades e Privilégios Diplomáticos representam uma exceção ao princípio geral segundo o qual um Estado pode exercer os seus poderes de autoridade sobre qualquer indivíduo que se encontre no seu território». Trata-se, pois, de um domínio que suscita melindres e hesitações.

       Por outro lado, vinha-se assistindo a uma crescente invocação da imunidade diplomática para salvaguardar atos em tudo análogos aos que são praticados pelos particulares: reparação de danos por atos de gestão privada, incumprimento de contratos de transporte, de prestação de serviços ou de locação de imóveis. Alguns Estados pretendiam fazer valer como princípio geral o de que as imunidades e privilégios diplomáticos se limitavam ao exercício de poderes soberanos. Outros pugnaram por conservar intocada a imunidade absoluta.

       Fruto de vários compromissos, viria a ser adotada e assinada em Viena, em 18 de abril de 1961, a Convenção sobre Relações Diplomáticas.

       Conquanto Portugal não fosse signatário, o caráter aberto e universal da Convenção proporcionou-lhe a adesão, após aprovação segundo o procedimento constitucional próprio, através do Decreto-Lei n.º 48 295, de 27 de março de 1968[116].

       (9.2.) Logo no preâmbulo, perfilam-se três ideias que principalmente a orientaram.

       Em primeiro lugar, a necessidade de codificar normas consuetudinárias sem a pretensão, todavia, de esgotar o costume internacional relativo a relações, privilégios e imunidades diplomáticas.

       Em segundo lugar, a importância de tal operação para os objetivos das Nações Unidas.

       Em terceiro lugar, o reconhecimento de um princípio funcional, segundo o qual o regime de imunidades e inviolabilidades não constitui privilégio arbitrário de uma categoria de pessoas, pois visa, isso sim, garantir o bom desempenho das missões diplomáticas e da representação dos Estados que os agentes diplomáticos prestam.

       Subsiste, ainda assim, um vestígio do princípio da representatividade, ao subordinar-se tal funcionalidade ao caráter representativo dos Estados por parte das missões diplomáticas.

       Já a conceção extraterritorial veio a ser derradeiramente abandonada, tornando-se claro que o local da missão diplomática, embora inviolável perante o exercício de poderes de autoridade do Estado acreditador, continua a fazer parte do seu território[117]. Não constitui um enclave estrangeiro[118]. É a lei territorial que ali se aplica.

       A Convenção enuncia, de modo expresso, as funções da missão diplomática, o que se mostra de extrema relevância para aferir a extensão de algumas imunidades, seguindo o aludido critério funcional:

«Artigo 3.º

              As funções de uma missão diplomática consistem, nomeadamente, em:

                   a) Representar o Estado acreditante perante o Estado acreditador;

                   b) Proteger no Estado acreditador os interesses do Estado acreditante e de seus nacionais, dentro dos limites estabelecidos pelo direito internacional;

                   c) Negocia com o Governo do Estado acreditador;

                   d) Inteirar-se por todos os meios lícitos das condições existentes e da evolução dos acontecimentos no Estado acreditador e informar a esse respeito o Governo do Estado acreditante;

                   e) Promover relações amistosas e desenvolver as relações económicas, culturais e científicas entre o Estado acreditante e o Estado acreditador.

                   2 — Nenhuma disposição da presente Convenção poderá ser interpretada como impedindo o exercício de funções consulares pela missão diplomática».

       Vale a pena reter do n.º 2 que a missão diplomática pode exercer funções consulares, o que veremos pesar na aplicação de certa norma da Convenção de Viena sobre Relações Consulares à inviolabilidade dos bens afetados a uma missão diplomática.

       (9.3.) A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas enfatiza o caráter consensual do estabelecimento de relações diplomáticas (artigo 2.º) e da acreditação dos chefes de missão, a qual deve ser precedida pelo agrément do Estado acreditador (artigo 3.º). Agrément que é também necessário para a missão diplomática poder, excecionalmente, incluir cidadãos seus (artigo 8.º, n.º 1), já que, em princípio, os membros do pessoal diplomático da missão são, todos eles, da nacionalidade do Estado acreditante (artigo 8.º, n.º 1). Consentimento, bem assim, para instalar escritórios da missão fora da localidade onde a missão está situada (artigo 12.º), nem sempre a capital[119].

       A perda de confiança em que assenta o consentimento do Estado acreditador pode justificar o exercício de um instrumento reativo de elevada magnitude nas relações diplomáticas:

«Artigo 9.º

              1 — O Estado acreditador poderá a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o chefe de missão ou qualquer outro membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata ou que outro membro do pessoal da missão não é aceitável. O Estado acreditante, conforme o caso, retirará a pessoa em questão ou dará por terminadas as suas funções na missão. Uma pessoa poderá ser declarada non grata ou não aceitável mesmo antes de chegar ao território do Estado acreditador.

                   2 — Se o Estado acreditante se recusar a cumprir, ou não cumprir dentro de um prazo razoável, as obrigações que lhe incumbem nos termos do parágrafo 1 deste artigo, o Estado acreditador poderá recusar-se a reconhecer tal pessoa como membro da missão».

       Uma vez perdido o reconhecimento da condição de membro da missão, o agente perde toda e qualquer imunidade e prerrogativa de natureza diplomática. No limite, sujeita-se à expulsão, enquanto persona non grata.

       (9.4.) À inviolabilidade dos agentes diplomáticos (artigo 29.º) acresce a imunidade pessoal de jurisdição, em que aflora o critério dos fins da missão, nos termos seguintes:

«Artigo 31.º

              1 — O agente goza de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditador. Goza também de imunidade da sua jurisdição civil e administrativa, salvo se se trata de:

                   a) Uma ação real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão;

                   b) Uma ação sucessória na qual o agente diplomático figura, a título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário;

                   c) Uma ação referente a qualquer atividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais.

                   2 — O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha.

                   3 — Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37.º inicia uma ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção diretamente ligada à ação principal.

                   4 — A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante».

       Relativamente à imunidade de jurisdição dos agentes diplomáticos, o propósito de alguns Estados, ao longo das negociações, de estabelecerem um nexo de correspondência entre a imunidade de jurisdição civil e o estrito domínio da gestão pública não logrou obter vencimento.

       No entanto, foram dados alguns passos no sentido de distinguir, na atividade diplomática, aquilo que diz respeito ao serviço público e aquilo que é acessório ou totalmente alheio às funções públicas. Tal distinção sobressai das alíneas a), b) e c) do n.º 1.

       O Estado acreditante pode renunciar, no todo ou em parte, à imunidade de jurisdição dos agentes diplomáticos e demais pessoal, como também pode renunciar à imunidade de execução:

«Artigo 32.º

              1 — O Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37.º.

                   2 — A renúncia será sempre expressa.

                   3 — Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37.º inicia uma ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade jurisdicional no tocante a uma reconvenção diretamente ligada à ação principal.

                   4 — A renúncia à imunidade de jurisdição no tocante às ações cíveis ou administrativas não implica renúncia à imunidade quanto às medidas de execução da sentença, para as quais nova renúncia é necessária».

       O n.º 1, ao confiar ao Estado acreditante, e não ao chefe de missão, a competência para renunciar às imunidades de jurisdição e de execução permite que o levantamento da imunidade não constitua um privilégio dos próprios agentes diplomáticos e obedeça a um juízo mais ponderado e distanciado das circunstâncias.

       O n.º 4 traz implícita a distinção entre imunidade de jurisdição (declarativa) e imunidade de execução e deixa entrever claramente a posição reforçada que merece a imunidade de execução, quando comparada com a imunidade de jurisdição.

       A de execução obtém uma proteção qualificada, pois mesmo nos casos excecionais em que as medidas de execução sejam admitidas (artigo 31.º, n.º 1, alíneas a), b) e c)), a inviolabilidade pessoal ou da residência podem obstar à sua consumação, por se prever que aquela seja afetada ou comprometida.

       Note-se que o critério que opõe atos jus imperii e jus gestioni é impraticável para o efeito de delimitar a imunidade de execução. O que importa saber é dos bens que podem ser penhorados e, aqui, é preciso começar por distinguir bens próprios do diplomata e património do Estado, ainda que adstrito ao seu uso privativo.

       Sendo executado o agente diplomático, não há dúvidas de que apenas podem ser penhorados os bens que possui, fora do local da missão ou da sua residência e sem afetação a uma utilidade pública. Cabem aqui, sim, os depósitos bancários e os automóveis que lhe pertençam[120], pois a adstrição ao serviço público encontra-se, em princípio, infirmada, em tais casos.

       Deve notar-se, porém que, de modo algum a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas providencia pela imunidade do próprio Estado e do património alheio às representações diplomáticas.

       Um princípio fundamental de direito internacional geral ou comum é, sem dúvida, o reconhecimento da personalidade jurídica dos Estados, na esfera internacional e na ordem jurídica interna de cada um, o que, em abstrato, permitiria aos tribunais nacionais julgarem ações propostas por Estados estrangeiros ou contra Estados estrangeiros, desde que observados os pressupostos da sua competência internacional.

       A imunidade diplomática pouco tem a dizer sobre a questão, mas a tal se opõe a imunidade de jurisdição dos Estados cujo tratamento permanece marcadamente consuetudinário, como veremos, mas em adiantado estado de codificação.

       (9.5.) A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, já o dissemos, abandonou o princípio da extraterritorialidade.

       Como tal, as instalações de cada missão diplomática não se encontram subtraídas ao território nacional do Estado acreditador nem à soberania que lhe compete exercer.

       As embaixadas, nunciaturas e outras representações permanentes não devem sequer considerar-se desoneradas de prescrições regionais ou locais, nomeadamente em matéria urbanística ou de serviços de interesse geral.

       Os locais que servem de suporte à missão diplomática gozam da inviolabilidade que o costume internacional lhes concede e que a Convenção sobre Relações Diplomáticas garante em ordem ao bom desempenho das suas funções, mas, uma vez mais, o consentimento — neste caso, o consentimento do chefe de missão — pode justificar derrogações:

«Artigo 22.º

              1 — Os locais da missão são invioláveis. Os agentes do Estado acreditador não poderão neles penetrar sem o consentimento do chefe de missão.

                   2 — O Estado acreditador tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações que afetem a tranquilidade da missão ou ofensas à sua dignidade.

                   3 — Os locais da missão, seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução».

       O Estado acreditador encontra-se vinculado, não só por obrigações de conteúdo negativo (n.º 1 e n.º 3), como também se encontra positivamente incumbido de proporcionar às missões diplomáticas condições de tranquilidade, dignidade, segurança[121] e integridade (n.º 2).

       Esta última obrigação é reforçada pelo dever consignado pelos artigos 25.º e 26.º. O dever de conceder às missões diplomáticas todas as facilidades à missão que lhes permitam o bom desempenho das suas funções e proporcionar a livre circulação e trânsito dos agentes diplomáticos, com única ressalva dos locais sob acesso restrito por motivos de segurança nacional e que se encontrem identificados por lei ou por regulamento.

       A este propósito, explica JAIME VALLE[122]:

              «A inviolabilidade dos locais da missão diplomática, os quais incluem (…) quaisquer edifícios — ou partes de edifícios — com os seus terrenos anexos, afetos aos fins da missão, desdobra-se em duas perspetivas complementares: na vertente passiva, da inviolabilidade resulta para o Estado acreditador a obrigação de se abster de qualquer imposição dos seus poderes sobre os locais da missão, designadamente a entrada ou permanência sem pedido ou autorização do chefe da missão; na vertente ativa, incumbe ao Estado acreditador a proteção dos locais da missão contra qualquer intrusão, dano ou perturbação provenientes de quaisquer pessoas».

       A inviolabilidade, praticamente absoluta, compreende, segundo o mesmo Autor[123], «a comunicação, notificação ou citação com efeitos processuais nos locais da missão diplomática, seja em modo pessoal ou por via postal», pois tais comunicações competem exclusivamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do Estado do foro.

       É o exercício da função diplomática que justifica a inviolabilidade pessoal dos agentes diplomáticos, tal como é o princípio geral ne impediatur legatio — que o exercício do jus legationis não seja confrontado com impedimentos — a justificar a inviolabilidade e imunidade da missão diplomática e suas dependências[124].

       A inviolabilidade estende-se à residência particular do agente diplomático (artigo 30.º), aos documentos «em qualquer momento e onde quer que se encontrem» (cf. artigo 24.º) e à correspondência oficial (artigo 27.º, n.º 2). A mala diplomática goza de uma proteção específica: em caso algum pode ser aberta ou retida (n.º 3).

       (9.6.) Da inviolabilidade das instalações da missão diplomática decorre a impenhorabilidade dos bens que ali se encontram ao seu serviço e dos demais que prestam iguais funções, como sustenta uma das vozes mais autorizadas da doutrina internacional espanhola, EDUARDO VILARIÑO PINTOS[125], discernindo no artigo 22.º, n.º 3, um critério funcional e não meramente situacional ou territorial:

               «Não deixarão de gozar desta [imunidade] os móveis que se encontrem fora [das instalações], quando chegam ao Estado recetor com destino a missão ou quando tenham de ser trasladados para o Estado acreditante por encerramento da missão, mesmo que seja como consequência da rutura das relações diplomáticas ou até de conflito armado. Da mesma inviolabilidade gozarão os bens que nunca se encontrarão nos locais da missão ou a sua razão de ser não esteja em ali se encontrarem, como são, respetivamente, os casos das contas correntes da missão e dos seus meios de transporte».

       Entre nós, também JAIME VALLE[126] observa que os bens gozam de inviolabilidade mesmo que se encontrem fora dos locais da missão diplomática. As vicissitudes são múltiplas: os bens podem encontrar-se em trânsito, oriundos ou com destino ao território do Estado acreditante, como podem ser depositados junto de terceiros para reparação ou exibição pública.

       A prática reiterada tem consolidado a salvaguarda dos depósitos bancários, como princípio geral, o que se refletiu no resultado final dos trabalhos de codificação empreendidos pela Comissão de Direito Internacional, muito em particular na expressa menção das contas bancárias por parte do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens[127].

       Ao cuidar-se das imunidades jurisdicionais do Estado acreditante nos tribunais do Estado acreditador, como melhor veremos (infra), convergiu-se no entendimento segundo o qual os saldos das contas bancárias abertas pelas missões diplomáticas constituem património do Estado e beneficiam, por conseguinte, não apenas da imunidade diplomática, como também da imunidade de execução geralmente reconhecida aos bens de um Estado que se encontrem no território de outro (independentemente das relações diplomáticas entre ambos).

       A interpretação estritamente declarativa do artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, fixando-se na localização dos bens, numa homenagem algo anacrónica ao princípio da extraterritorialidade, está, hoje, muito longe de ser consensual ou sequer maioritária.

       Pelo contrário, as vozes mais autorizadas da doutrina — já o vimos na doutrina nacional e na doutrina espanhola — inclinam-se para descortinar nas contas bancárias um instrumento essencial às funções da missão diplomática, de modo a justificar uma imunidade qualificada.

       Assim, considera JEAN SALMON[128] que a imunidade de execução das contas bancárias à ordem das missões diplomáticas possui uma natureza praticamente absoluta, louvando-se numa judiciosa análise da jurisprudência austríaca, norte-americana, alemã, canadiana, neerlandesa, britânica, francesa, italiana e suíça.

       O insigne internacionalista belga afirma, perentoriamente, o seguinte:

              «A conta bancária de uma embaixada é incontestavelmente um bem do Estado afeto às necessidades da missão. O banco não é senão um agente que opera sob as ordens do chefe de missão.

                    (…) Os direitos do titular da conta, no limite, encontram-se mais localizados na missão do que no banco. Os esforços que se fizeram para incluir as contas bancárias na letra do artigo 22 §3 são, a bem dizer, vãos, se se quiser admitir uma interpretação ligando o artigo 22 ao artigo 25 e ao princípio geral que domina toda esta matéria “ne impedire legatio”».

       O mesmo Autor opõe ainda um sólido argumento fundado na Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 24 de abril de 1963:

                   «O caráter formalista das interpretações restritivas salta à vista logo que se efetua a comparação com os textos correspondentes adotados em convenções posteriores e sem deixarem ambiguidade.

                   Por exemplo, as disposições correspondentes da Convenção de Viena de 24 de abril de 1963, sobre as Relações Consulares, comportam uma proibição expressa de medidas coercivas sobre ‘as instalações consulares, os seus móveis e os bens do posto consular, assim como os seus meios de transporte’ (artigo 31-3). Como é pouco provável que os Estados tenham querido proteger mais os bens do posto consular do que os bens da missão diplomática, é preciso considerar que se a conta bancária consular é um bem do posto impenhorável, a conta da missão diplomática, a fortiori, não é o menos».

       O argumento assente no artigo 31.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, a fim de basear a imunidade diplomática das contas bancárias das missões diplomáticas pesa redobradamente.

       A um primeiro tempo, como salienta JEAN SALMON, ele opera por maioria de razão.

       A um segundo tempo, a redação desta norma, posterior, em menos de dois anos à da Convenção sobre Relações Diplomáticas, sugere um esforço de afinamento na operação de codificação empreendida pela Comissão de Direito Internacional e pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

       Na doutrina nacional, pronuncia-se JAIME VALLE[129] — que, de novo seguimos — em sentido inteiramente convergente com a imunidade tendencialmente absoluta dos depósitos bancários:

              «Quanto às contas bancárias da missão diplomática, que titulam valores que se encontram, naturalmente, fora dos locais da missão, a sua inviolabilidade é consagrada por regra costumeira internacional geral, reconhecida pela jurisprudência interna dos Estados, para os fins da missão, mas também outras contas com um escopo de utilização mais alargado, servindo também as operações comerciais do Estado acreditador».

       Há, por conseguinte, razões ponderosas para aplicar aos saldos bancários a inviolabilidade própria dos bens sitos no interior das instalações diplomáticas e recusar uma interpretação demasiado literal do artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

       (9.7.) A Convenção sobre Relações Diplomáticas limita-se à imunidade do pessoal diplomático e à inviolabilidade das instalações.

       Dela não resulta a absoluta imunidade do Estado acreditante nos tribunais do Estado acreditador, em toda e qualquer circunstância, mas decorre a imunidade concernente a questões controvertidas protagonizadas por agentes diplomáticos.

       Isto, sem prejuízo de, num caso singular, ser consagrada a imunidade do próprio Estado.

       Com efeito, no artigo 23.º, n.º 1, garante-se ao Estado acreditante a isenção de todos os impostos e taxas nacionais, regionais ou municipais sobre os locais da missão de que seja proprietário ou inquilino, excetuados aqueles que tarifem o pagamento de serviços específicos prestados[130].

       A isenção beneficia o Estado acreditante, pois geralmente nem as embaixadas nem os postos consulares dispõem de personalidade jurídica.

       São, como se viu, órgãos e serviços periféricos externos da Administração Pública do Estado acreditante. Por isso, intentada uma ação contra determinada representação diplomática, deve o tribunal daí retirar as devidas consequências processuais. Em princípio, só o Estado pode ser demandado, ainda que às missões diplomáticas seja reconhecida capacidade de representação orgânica.

(10)

       (10.1.) Se a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) não cuidou, senão de forma marginal, da imunidade de jurisdição da missão diplomática, pois redunda na matéria da imunidade dos Estados, vale com inteira propriedade o que ficou consignado no seu preâmbulo[131]:

              «(…) as normas de direito internacional consuetudinário devem continuar regendo as questões que não tenham sido expressamente reguladas nas disposições da presente Convenção».

       Importa, pois, destrinçar — sem as apartar, no entanto — imunidade diplomática e imunidade dos Estados.

       Se as imunidades e privilégios diplomáticos constituem um domínio institucional e especial, ordenado ao bom desempenho das funções confiadas aos agentes diplomáticos, em nada comprometem a imunidade dos Estados, a qual, nas palavras de JÓNATAS EDUARDO MACHADO[132], significa:

              «1) A deferência para com as prerrogativas de soberania do Estado demandado, 2) a impossibilidade prática, em muitos casos, de executar uma sentença contra ele proferida pelo Estado do foro e 3) a noção de que, num conflito entre Estados soberanos, os tribunais de um deles, na sua qualidade de órgãos de soberania, não oferecem garantias de uma justiça independente e imparcial».

       E, a fim de esmiuçar em que consiste a imunidade dos Estados, prossegue o Autor[133]:

              «Desde logo, a imunidade soberana dos Estados compreende a imunidade processual, nos termos da qual um Estado, incluindo qualquer das suas unidades constitutivas, órgãos, entidades no exercício de prerrogativas de soberania ou representantes e mesmo vasos de guerra, não pode ser submetido à jurisdição interna de outro Estado (legitimidade processual passiva), sem o seu consentimento, devendo os ordenamentos jurídicos assegurar a existência de uma exceção processual de incompetência».

       (10.2.) Da imunidade dos Estados ocuparam-se, desde muito cedo, os tribunais ingleses e norte-americanos.

       A common law aplicada pelos tribunais ingleses tendeu, desde muito cedo, a considerar os atos de Estados estrangeiros em paridade com os atos de governo, imunes à jurisdição, à imagem de certos atos da Coroa, praticados no exercício da prerrogativa real[134].

       Tal conceção permaneceu com a cultura jurídica nas antigas colónias britânicas. Assim, em 1812, o Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América, no Caso The Schooner Exchange v. Mac Faddon fora confrontado com a reivindicação, pelos seus proprietários, da escuna Exchange, arribada ao Porto de Filadélfia, e que a França napoleónica requisitara para a sua marinha de guerra[135]. A imunidade do Império Francês seria respeitada sem hesitações.

       No entanto, a conceção absoluta de tal imunidade, ao longo do século XX, foi conhecendo, progressivamente, exceções, como observa CESÁREO GUTIÉRREZ ESPADA[136]:

              «Desde princípios do século XX, com efeito, uma distinção entre as atividades ‘soberanas’ (acta iurii imperii), a respeito das quais os Estados gozam de imunidade de jurisdição, e as atividades privadas (acta de iure gestionis), nas quais a imunidade desaparece, começou a abrir caminho na jurisprudência dos tribunais belgas e italianos, para, pouco a pouco, por meio do seu reconhecimento nos tratados internacionais (ou projetos) e a sua inclusão em certas legislações de caráter interno(X)  ir-se impondo na maioria dos Estados. Continua a haver, contudo, alguns sistemas jurídicos internos ancorados na conceção mais tradicional da imunidade de jurisdição (-). A tendência para uma imunidade mais restrita é tão lógica como necessária, tanto quanto, nas últimas décadas, os Estados incrementarem notoriamente a sua atuação em âmbitos antes reservados exclusivamente a atuações privadas (-), com o que seria injusto que, simplesmente por deter a condição estatal, não pudessem ser demandados nos tribunais, pois gerar-se-ia uma clara situação de desigualdade com relação aos cocontratantes particulares».

       À primeira vista, a distinção entre atos iure imperii e iure gestionis mostra-se simples: de um lado, encontrar-se-iam os atos praticados no exercício de poderes de autoridade e, do outro, os atos praticados em estrita paridade com os particulares.

       A verdade, bem o sabemos, é que entre as duas margens de certeza positiva estende-se um amplíssimo espaço de incerteza. Tão vasto quanto aquele que, entre nós, dominou a nunca por demais controvertida distinção entre gestão privada e gestão pública enquanto critério de repartição entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa, no tocante a ações de responsabilidade civil extracontratual.

       A jurisprudência do Tribunal de Conflitos ilustra de modo exuberante a complexidade quase caleidoscópica da distinção e a insuficiência do exercício de poderes de autoridade para demarcar negativamente as relações paritárias com os particulares[137].

       Procurou-se, ainda, descortinar a distinção na finalidade do ato, mas também um tal critério cedo se revelaria impraticável de modo universal, até pelo subjetivismo que importa consigo[138]. Basta ter presente a responsabilidade civil extracontratual do Estado por comportamentos omissivos para perceber que o critério teleológico pode ser redutor.

       O critério da natureza do ato viria, de igual modo, a colher adeptos, mas também se revelaria demasiado dependente dos particularismos de cada ordem jurídica interna, do seu sistema administrativo, do papel do Estado na sociedade e na economia e até do ângulo a partir do qual a questão é apresentada.

       A aquisição de uniformes e calçado a uma empresa estrangeira ou a venda de máquinas de impressão a um Estado estrangeiro consubstanciariam por natureza, atos iure gestionis, mas depois de se conhecer a finalidade (v.g. apetrechar as forças armadas, emitir notas de banco), dir-se-iam constituir, a final, atos iure imperii.

       De igual modo, da expropriação dir-se-ia constituir, inequivocamente, um ato iure imperii, por se encontrar reservado aos poderes públicos e ter por escopo uma concreta utilidade pública. No entanto, o facto de, em algumas ordens jurídicas, as concessionárias privadas disporem de poderes de expropriação por utilidade pública, já inclinaria o pêndulo para o domínio dos atos iure gestionis.

       Chegou a vingar na jurisprudência britânica um critério compósito — da abordagem contextual[139] — que, no entanto, parece congraçar cumulativamente as objeções dos antecedentes critérios.

       Entre nós, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se inclinado para a distinção que até há pouco tempo servia de marco entre a jurisdição administrativa e a jurisdição comum, mas sem ignorar os problemas que ela comporta.

       Assim, em Acórdão de 29 de maio de 2012[140], e depois de reconhecer como «sensíveis as dificuldades na concretização dos atos de gestão pública e dos atos de gestão privada, suscitando-se divisões entre os Estados sobre o critério distintivo a adotar», conclui «que deve, em caso de dúvida, ser concedida a imunidade».

       (10.3.) Compreende-se, a final, a razão de ser de um procedimento de codificação, particularmente longo e complexo, no que concerne à imunidade dos Estados e dos seus bens.

       Com efeito, remonta a 16 de maio de 1989 o Parecer/Informação n.º 77‑A/87[141], deste corpo consultivo, a respeito «de um articulado sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens», adotado provisoriamente pela Comissão de Direito Internacional». Projeto com origem em recomendação contida na Resolução 151 (XXXII), de 19 de dezembro de 1977, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

       No parecer, dava-se conta do panorama da imunidade na doutrina e na jurisprudência nacionais[142]:

              «Entendendo-a como objeto de uma norma costumeira internacional, o Supremo Tribunal de Justiça tem-na concebido como uma imunidade absoluta, só inaplicável em reduzidas hipóteses.

                   Isto é, a imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros abrange a generalidade das causas em que possam ser réus, com exceção dos casos que a doutrina, rotulada de clássica, como tal admite: ação sobre imóveis, renúncia expressa ou tácita à imunidade, exceção do forum hæreditatis.        (…)

                   A doutrina portuguesa divide-se. Enquanto MACHADO VILELA e MÁRIO DE FIGUEIREDO sustentaram a tese da imunidade absoluta, BARBOSA DE MAGALHÃES e CASTRO MENDES optaram pela tese da imunidade relativa, excluindo desta os atos estaduais ‘jure gestionis’(X)».

       O pomo da discórdia — confirmava-o o Parecer n.º 77-A/87 — encontrava-se naquilo que, ao tempo, era considerado a crescente intervenção dos Estados na vida económica, ao lado dos sujeitos de direito privado.

       Os Estados que se opunham às primeiras versões do projeto para um futuro tratado multilateral não eram intransigentemente contrários à sua conveniência, mas, como bem se expunha no citado Parecer, pretendiam um maior equilíbrio:

              «O enfoque, porém, que fazem insiste na adoção de uma outra base — a imunidade de jurisdição como um princípio absoluto —, outro método — a recensão das normas universalmente aceites nesta matéria e o estabelecimento de exceções precisas, o menos numerosas possível e o mais alargadamente aceites pela comunidade dos Estados —, e com outro resultado — um texto que reflita essa base e esse método».

       De certo modo, este entendimento vingaria, no que concerne ao caráter excecional da conceção relativista da imunidade, muito em especial, da imunidade de execução.

       O Conselho Consultivo, no citado parecer, enumerou as cedências à conceção absoluta da imunidade que entendeu mais significativas:

              — A renúncia à imunidade, por meio de tratado ou pela prática contratual, por vezes implícita;

                   — A aplicação da imunidade apenas a Estados reconhecidos pelo Estado do foro e tão-só à pessoa coletiva estadual;

                   — A supressão da imunidade em questões sucessórias e a questões sobre imóveis.

       E, ao sustentar a oportunidade e conveniência de uma futura convenção e sua conformidade constitucional, este corpo consultivo afirmou o seguinte:

              «Salientar-se-ão três aspetos: em sede constitucional a conceção de soberania que informa a nossa ordem jurídica não se opõe ao alargamento das exceções à imunidade jurisdicional, em sede de direito internacional pactício[143], Portugal tem sido parte em instrumentos internacionais restritivos do princípio da imunidade absoluta, e em sede de prática contratual, tem renunciado a esse princípio aceitando submeter-se ao foro estrangeiro[144]».

       Entre o parecer do Conselho Consultivo e a formação de um consenso ao nível internacional decorreriam mais de 15 anos, o que é revelador da complexidade das negociações.

(11)

       (11.1.) A tarefa a que se propusera a Comissão de Direito Internacional chegaria, por fim, a bom porto com a conclusão da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, adotada, em Nova Iorque, a 2 de dezembro de 2004, pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

       Convenção que seria prontamente assinada pelo Governo Português, em 25 de fevereiro de 2005, e não tardaria a ser aprovada (Resolução da Assembleia da República n.º 46/2006, de 20 de abril de 2006[145]) e ratificada (Decreto do Presidente da República n.º 57/2006, de 1 de junho de 2006[146]).

       O instrumento de ratificação veio a ser depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas, em 14 de setembro de 2006[147].

       Todavia, como, até hoje, apenas 23 Estados[148] depositaram os instrumentos de vinculação, a Convenção de Nova Iorque sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens ainda não se encontra em vigor na ordem jurídica internacional, pois, de acordo com o seu artigo 30.º, n.º 1, só entra em vigor 30 dias após o depósito do 30.º instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.

       (11.2.) Nem por isso, contudo, as suas normas se revelam despiciendas, pois é pacificamente reconhecido o mérito da codificação levada a cabo por esta Convenção, com o sentido de levar a cabo o recenseamento das mais importantes normas consuetudinárias de direito internacional geral ou comum que vigoram em matéria de imunidade dos Estados e do seu património.

       Codificação que beneficiou de uma aturada investigação prévia e de alto nível, a que se seguiu uma extensa e participada negociação.

       Nas palavras de ATTILA TANZI[149]:

                   «O caráter profundo dos estudos da Comissão de Direito Internacional nos trabalhos preparatórios e as posições dos Estados durante as negociações conferiram uma ampla autoridade ao texto adotado, independentemente do facto de a Convenção ainda não se encontrar em vigor».

       O mesmo Autor traça as linhas mestras da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens nos termos seguintes:

              «O Estado goza, como princípio geral, de imunidade frente às jurisdições estrangeiras para todos os atos jure imperii, ou seja, para aqueles atos que constituam exercício de poderes públicos de autoridade, como as atividades de polícia ou de tipo militar; encontram-se excluídas, como específica exceção, as causas laborais e, mais problematicamente, as ações para reparação de danos por ilícito extracontratual. Pelo contrário, o Estado não pode invocar a imunidade para os atos jure gestionis, aqueles praticados “como se fosse um particular”, com particular relevância para as atividades de natureza comercial. Tal distinção deve ser operada caso a caso pelo juiz nacional com base nos critérios internacionais».

       Apesar de a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens ainda não se encontrar em vigor, sobre Portugal recai um outro fator para não poder permanecer indiferente ao seu conteúdo e, antes pelo contrário, proceder, tanto quanto possível, de modo compatível.

       Parece ter sido uma das razões que levaram as Cortes Espanholas a aprovar a Ley Organica 16/2015, de 27 de outubro[150], a qual regula as imunidades diante dos órgãos jurisdicionais espanhóis e os privilégios aplicáveis aos Estados estrangeiros e seus bens, aos chefes de Estado e de Governo, ministros dos Negócios Estrangeiros, no exercício do cargo e após a cessação de funções, aos navios de guerra e aos navios e aeronaves dos Estados, às forças armadas visitantes, às organizações internacionais com sede ou delegação em Espanha e seus bens, como ainda, às conferências e reuniões internacionais que tenham lugar no território espanhol (artigo 1.º).

       Tendo assinado, ratificado e já depositado o instrumento de ratificação, ainda que a convenção permaneça desprovida de eficácia na ordem jurídica internacional, a República Portuguesa encontra-se obrigada a não praticar atos que privem o tratado do seu objeto e do seu fim, à luz da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados[151]:

«Artigo 18.º

         (Obrigação de não privar um tratado do seu objeto e do seu fim antes da sua entrada em vigor)

              Um Estado deve abster-se de atos que privem um tratado do seu objeto ou do seu fim:

                   a) Quando assinou o tratado ou trocou os instrumentos constitutivos do tratado sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação, enquanto não manifestar a sua intenção de não se tornar Parte no tratado, ou

                   b) Quando manifestou o seu consentimento em ficar vinculado pelo tratado, no período que precede a entrada em vigor do tratado e com a condição de esta não ser indevidamente adiada».

       A alínea b) corresponde fielmente à situação em que nos encontramos diante da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens.

       A ratificação, por si, não antecipa internamente a produção de efeitos jurídicos, mas o Estado que se vincula a um tratado, como sucedeu com Portugal em relação à Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, não pode invocar a sua ineficácia em termos que possam comprometer o seu objeto ou o seu fim.

       No Caso Sabeh El Leil v. França, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) debruçou-se sobre queixa de um contabilista contra a imunidade de jurisdição por tê-lo privado do acesso aos tribunais franceses. Despedido da Embaixada do Koweit em Paris, vira-se impedido de obter a condenação do empregador ao pagamento de uma indemnização, já que fora invocada a imunidade dos Estados.

       No acórdão, tirado sobre o caso em de 29 de junho de 2011, o TEDH recorda que «constitui firme princípio de direito internacional o de que certa disposição de um tratado pode, além das obrigações que cria para as Partes Contratantes, vincular Estados que o não ratificaram, na medida em que tal disposição reflita o direito internacional consuetudinário, codificando-o ou dando forma a uma nova regra costumeira».

       E, consequentemente entendeu serem de aplicar as normas da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, apesar de a sua ratificação pela República Francesa, ao tempo, ainda se encontrar em curso.

       A doutrina nacional, pela voz de LUÍS LIMA PINHEIRO[152], também se inclina para a conveniência em antecipar a aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens:

                   «Na medida em que a Convenção representa até certo ponto uma codificação do Direito Internacional Público geral e que, quando vai mais além, reflete um amplo consenso internacional (-), é recomendável que os tribunais portugueses sigam as suas soluções mesmo antes da sua entrada em vigor».

       Com efeito, além do peso que adquiriu a sua adoção pela Assembleia Geral das Nações Unidas, mostra-se incontroverso que a generalidade dos princípios vincula os Estados a partir da matriz consuetudinária na sua formação e revelação[153].

       De certo modo, também a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados[154], concluída em Basileia, em 16 de maio de 1972, deve constituir orientação em questões de imunidade.

       Tal Convenção, contrariamente à das Nações Unidas sobre Imunidades dos Estados e dos Seus Bens nunca foi aprovada nem ratificada por Portugal, mas foi assinada e encontra-se em vigor desde 11 de julho de 1976, após o depósito das três primeiras ratificações.

       Aplica-se entre a Alemanha, a Áustria, a Bélgica, o Chipre, o Luxemburgo, os Países Baixos e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.

       A respeito de ambas as convenções, considera ISABEL ALEXANDRE não poderem ser ignoradas. Antes pelo contrário, devem constituir para o aplicador nacional um critério[155]:

              «É de referir que a circunstância de estes instrumentos internacionais não serem vinculativos para todos os Estados, ou não serem vinculativos, não obsta a que os Estados devam obediência ao que os mesmos preceituam, na medida em que espelham o regime das imunidades de jurisdição dos Estados que se extrai do Direito Internacional Público geral consuetudinário».

       Dir-se-ia, quanto a nós, haver uma diferença relevante entre ambas. Ao passo que a República Portuguesa já depositou o instrumento de ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, relativamente à Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados, não fez, conquanto seja um dos signatários.

       No entanto, a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados encontra-se em vigor e, por outro lado, o transcrito artigo 18.º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados institui para as duas situações o mesmo tipo de obrigações.

       O Estado que não ratificou, mas assinou (alínea a)) e o Estado que aguarda a entrada em vigor, depois de ter ratificado (alínea b)) encontram-se igualmente vinculados a não privarem o tratado do seu objeto ou do seu fim.

       Diferença haverá, sim, no que diz respeito ao âmbito territorial. Ao passo que a Convenção das Nações Unidas é de alcance universal, a Convenção do Conselho Europa corresponde ao âmbito territorial europeu.

       (11.3.) A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, de acordo com o artigo 1.º, aplica-se «às imunidades jurisdicionais de um Estado e dos seus bens perante os tribunais de outro Estado».

       De modo a dissipar dúvidas de demarcação entre o seu âmbito e o da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, salvaguardam-se os privilégios e imunidades consagrados nesta última:

         «Artigo 3.º

         Privilégios e imunidades não afetados pela presente Convenção

                   1 — A presente Convenção não afeta os privilégios e imunidades de que goza um Estado, ao abrigo do direito internacional, relativamente ao exercício das funções:

                   a) Das suas missões diplomáticas, postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais ou delegações junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências internacionais; e

                   b) Das pessoas relacionadas com as mesmas.

                   2 — A presente Convenção não afeta os privilégios e imunidades concedidos ratione personae, ao abrigo do direito internacional, aos chefes de Estado.

                   3 — A presente Convenção não afeta as imunidades de que goza um Estado, ao abrigo do direito internacional, relativamente a aeronaves ou objetos espaciais de que é proprietário ou que explora».

       A formulação — note-se — abre as portas à prevalência da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, mas só na medida em que os privilégios e imunidades ali consignados possam sofrer uma diminuição na sua salvaguarda (n.º 1).

       O mesmo vale para a imunidade pessoal dos chefes de Estado, reconhecida por outras normas consuetudinárias (n.º 2) e para a imunidade de aeronaves e objetos especiais (n.º 3). Não, porém, com relação a navios e outras embarcações.

       A imunidade de jurisdição dos Estados, por desenvolvimento consuetudinário, partiu historicamente de uma conceção absoluta para, paulatinamente, dar lugar a uma conceção relativa, como aquela que perpassa da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens.

       Parte-se da imunidade, como regra geral, para logo admitir as exceções previstas na Convenção:

«Artigo 5.º

Imunidade dos Estados

              Sob reserva das disposições da presente Convenção, um Estado goza, em relação a si próprio e aos seus bens, de imunidade de jurisdição junto dos tribunais de um outro Estado»

       O conhecimento oficioso da imunidade dos Estados estrangeiros nos tribunais nacionais constitui manifestação precípua de tal garantia:

«Artigo 6.º

Modalidades para garantir a imunidade dos Estados

              1 — Um Estado garante a imunidade dos Estados prevista no artigo 5.º abstendo-se de exercer a sua jurisdição num processo judicial instaurado nos seus tribunais contra outro Estado e, para esse fim, assegurará que os seus tribunais determinem oficiosamente que a imunidade desse outro Estado prevista no artigo 5.º seja respeitada.

                   2 — Um processo judicial instaurado num tribunal de outro Estado será considerado como tendo sido instaurado contra um outro Estado se esse outro Estado:

                   a) For citado como parte no processo judicial; ou

                   b) Não for citado como parte no processo judicial mas o processo visa, com efeito, afetar os bens, direitos, interesses ou atividades desse outro Estado».

       Deve ter-se presente que a expressão Estado designa, para efeitos da Convenção, não só a pessoa coletiva estadual (artigo 2.º, alínea a, i)), como também os estados federados e subdivisões políticas do Estado «autorizadas a praticar atos no exercício da sua autoridade soberana e que exercem essas funções» (alínea a), ii)), os serviços personalizados do Estado, «organismos públicos ou outras entidades, na medida em que tenham competência para e pratiquem efetivamente atos no exercício da autoridade soberana do Estado» (alínea a), iii)) e, por fim, os representantes do Estado no exercício dessas funções (alínea a), iv)).

       Há quem observe com inteira pertinência que a subsunção de certas empresas públicas ou dos bancos centrais ao conceito de Estado e, por conseguinte, à imunidade, presta-se a penosas ambiguidades, bem como, no caso de Estados unitários com regiões autónomas, a posição de algumas delas[156].

       A obrigação internacional de assegurar que tribunais independentes declinem a sua jurisdição faz-se pela aplicação das normas de direito internacional, mas deve observar-se que o artigo 6.º, n.º 1, constitui os Estados numa obrigação acrescida: assegurar que os seus tribunais determinem oficiosamente que a imunidade de outro Estado, prevista no artigo 5.º, seja respeitada.

       O modo de o fazer, deixando intocada a independência dos tribunais e respeitando o princípio da separação de poderes, passa pela intervenção do Ministério Público.

       Se o conhecimento das imunidades de jurisdição deve ser oficioso (artigo 6.º, n.º 1) isso não quer dizer que infalivelmente esteja assegurado e que, por isso, a intervenção do Ministério Público seja despicienda.

       A imunidade de jurisdição é de menor alcance se estiver em causa um litígio emergente de contrato comercial outorgado entre um particular (pessoa singular ou coletiva) e um Estado:

«Artigo 10.º

Transações comerciais

              1 — Se um Estado realizar uma transação comercial com uma pessoa singular ou coletiva estrangeira e, em resultado das regras do direito internacional privado, as divergências relativas a essa transação comercial forem submetidas à jurisdição de um tribunal de outro Estado, o Estado não pode invocar imunidade de jurisdição num processo relativo à mesma transação comercial.

                   2 — O n.º 1 não se aplica:

                   a) No caso de uma transação comercial entre Estados; ou

                   b) Se as partes na transação comercial tiverem acordado expressamente em sentido diverso.

                   3 — Quando uma empresa pública ou outra entidade criada por um Estado com personalidade jurídica autónoma e tiver a capacidade de:

                   a) Demandar ou ser demandado em juízo;

                   b) Adquirir, ser proprietária, possuir ou dispor de bens, incluindo os bens que esse Estado a autorizou a explorar ou a gerir;

                   for parte num processo judicial relacionado com uma transação comercial em que essa empresa ou entidade participou, a imunidade de jurisdição de que goza o Estado em questão não será afetada».

       Decorre das disposições ora transcritas que as lides de natureza comercial conhecem um regime especial.

       Em princípio, o Estado não pode valer-se da imunidade consignada pelo artigo 5.º[157].

       Trata-se de acompanhar o reconhecimento das múltiplas expressões de atividade dos Estados desenvolvidas em paridade com os particulares, por vezes, devolvidas funcionalmente a outras pessoas coletivas.

       As questões emergentes de contratos de trabalho alheios ao exercício de funções diplomáticas (pessoal de apoio técnico e administrativo, motoristas, cozinheiros, copeiros e outros serviçais) marcam um dos setores em que a imunidade mais terá conhecido recuos:

«Artigo 11.º

(Contratos de trabalho)

              1 — Salvo acordo em contrário entre os Estados em questão, um Estado não pode invocar a imunidade de jurisdição num tribunal de outro Estado que seja competente para julgar o caso num processo judicial que diga respeito a um contrato de trabalho entre o Estado e uma pessoa singular para um trabalho realizado ou que se deveria realizar, no todo ou em parte, no território desse Estado.

                   2 — O n.º 1 não se aplica se:

                   a) O trabalhador foi contratado para desempenhar funções específicas que decorrem do exercício de poderes públicos;

                   b) O trabalhador for:

                                         i) Um agente diplomático, tal como definido na Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961;

                                         ii) Um funcionário consular, tal como definido na Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963;

                                         iii) Um membro do pessoal diplomático das missões permanentes junto de organizações internacionais, de missões especiais, ou se for contratado para representar um Estado numa conferência internacional; ou,

                                         iv) Uma qualquer pessoa que goze de imunidade diplomática.

                   c) O processo judicial se referir à contratação, renovação do contrato ou reintegração do trabalhador;

                   d) O processo judicial se referir à cessação unilateral do contrato ou despedimento do trabalhador e, se assim for determinado pelo chefe de Estado, chefe de governo ou ministro dos negócios estrangeiros do Estado empregador, esse processo puser em causa os interesses de segurança desse Estado;

                   e) O trabalhador for nacional do Estado empregador no momento da instauração do processo judicial, salvo se a pessoa em causa tiver residência permanente no Estado do foro; ou,

                   f) O Estado empregador e o trabalhador acordaram diversamente por escrito, sob reserva de considerações de ordem pública conferindo aos tribunais do Estado do foro jurisdição exclusiva em função do objeto do processo».

       Apesar da considerável latitude das exceções, o princípio geral ínsito no n.º 1 é o da não invocação da imunidade.

       Imunidade de jurisdição que, de igual modo, se mostra retraída em face de determinadas ações por responsabilidade civil extracontratual[158]:

«Artigo 12.º

(Danos causados a pessoas e bens)

              Salvo acordo em contrário entre os Estados em questão, um Estado não pode invocar a imunidade de jurisdição num tribunal de outro Estado que seja competente para julgar o caso num processo relacionado com uma indemnização pecuniária, em caso de morte ou ofensa à integridade física de uma pessoa, ou em caso de dano ou perda de bens materiais causados por um ato ou omissão alegadamente atribuído ao Estado, se esse ato ou omissão ocorreu, no todo ou em parte, no território desse outro Estado e se o autor do ato ou omissão se encontrava nesse território no momento da prática do ato ou omissão».

       E, com regimes mais ou menos relativos, a imunidade de jurisdição cede em numerosas questões de direitos reais (artigo 13.º), de direitos de autor e de propriedade industrial (artigo 14.º), de participação em sociedades ou em outras pessoas coletivas (artigo 15.º) ou relativas a navios do Estado acreditador, usados para fins comerciais ou outros alheios ao serviço público (artigo 16.º).

       (11.4.) A imunidade de jurisdição deve distinguir-se da imunidade de execução, em especial, para efeito de identificar os ativos pertencentes a um Estado estrangeiro[159].

       Uma e outra apresentam regimes bem diferenciados. A imunidade de execução mostra-se mais extensa e mais intensa do que a imunidade de jurisdição[160]. Com efeito, a generalidade dos bens dos Estados estrangeiros encontram-se a salvo da penhora e as exceções à imunidade de execução são menos numerosas e de menor alcance do que as exceções admitidas à imunidade de jurisdição.  

       Tenhamos presente que a vulneração da soberania adquire maior expressão perante a ação executiva, na medida em que, para satisfazer o credor, ora exequente, o tribunal substitui-se ao devedor, apreendendo-lhe bens para pagar ao devedor ou para custear a prestação de um facto por terceiro[161]. Substitui-se, pois, a um outro Estado e, de certo modo, ao exercício da sua soberania.

       Observa EDUARDO BAPTISTA CORREIA[162], de forma acutilante, o seguinte:

              «O simples protesto e condenação de um Estado por parte de outro pode perturbar as suas relações diplomáticas, mas raramente terá consequências mais graves, mesmo que o primeiro entenda que não cometeu qualquer ato ilícito. Pelo contrário, por exemplo, um julgamento, e possível penhora por parte de um tribunal de bens do segundo localizados em território do primeiro com vista a executar a sentença, constitui, no mínimo, uma represália.

                   Com efeito, uma sentença de um tribunal interno em relação a um Estado terceiro constitui um ato unilateral do primeiro Estado que, salvo com o consentimento do segundo ou com base numa norma de Direito Internacional, não lhe é minimamente oponível. Isto é, ainda que a decisão de fundo do tribunal seja conforme com o Direito Internacional, a penhora dos bens constitui uma reação unilateral, normalmente ilícita, em reação a uma prévia violação jurídica. Ato que se enquadra na noção de represália. Ora, uma represália raramente é encarada de ânimo leve pelo Estado alvo, podendo desencadear contramedidas».

       Se a imunidade de jurisdição subtrai os atos iure imperii do Estado estrangeiro ao poder de jurisdição do Estado do foro, a imunidade de execução concede proteção à generalidade do seu património[163], ainda que o Estado tenha sido condenado.

       O património do Estado não pode nem deve ser classificado segundo o critério da finalidade ou natureza dos atos[164] para tal efeito.

       Das palavras de EDUARDO VILARIÑO PINTOS[165] ressalta com evidência o maior vigor da imunidade de execução:

              «A imunidade de execução possui (…) entidade própria, diferenciada da imunidade de jurisdição, não implícita nesta, por conseguinte; (…) explica-se e justifica-se fundamentalmente a partir das mesmas bases que a imunidade de jurisdição, mas é mais forte como consequência da inviolabilidade dos locais e bens da missão, de tal forma que vem a mostrar-se, praticamente, absoluta».

       Por sua vez, observam ANTONIO REMIRO BROTÓNS/ ROSA RIQUELME CORTADO/ JAVIER DIEZ-HOCHLEITNER/ ESPERANZA ORIHUELA CALATAYUD/ LUIS PÉREZ-PRAT DURBÁN[166]:

              «A consideração de que uma medida coerciva possui mais incidência nas relações entre Estados e atenta de forma mais aberta contra a soberania do Estado estrangeiro e, porventura, contra a sua “dignidade” e a sua “imagem”, determina uma maior continência ao abordar a restrição desta imunidade. Ilustra tal atitude o facto de que países cuja legislação ou jurisprudência tenham restringido a imunidade de jurisdição, mantenham, ao invés, uma imunidade (quase) absoluta a respeito de medidas coercivas».

       E, na doutrina nacional, pronuncia-se JÓNATAS MACHADO[167]:

              «Mesmo nas situações em que não é oponível a imunidade de jurisdição, os Estados conservam prerrogativas de imunidade relativamente a atos processuais de natureza coerciva e executiva (-). É que, para além da imunidade processual, o princípio geral da imunidade dos Estados compreende a chamada imunidade de execução. Através desta figura jurídico-dogmática pretende-se assegurar a liberdade, por parte de um dos Estados, de recusar a execução das sentenças proferidas pelos órgãos jurisdicionais de outro Estado, qualquer que seja o processo em causa».

       Não é de excluir, por conseguinte, a demanda de um Estado sem que a sentença que o condene possa ser executada sobre os seus bens[168].

       Se, por hipótese, um Estado estrangeiro foi condenado a pagar determinada indemnização a um trabalhador que despediu ilicitamente, por se considerar que a relação jurídica não cabia na esfera acta de jure imperii, nem por isso pode a sentença condenar o réu a reintegrar o trabalhador, como não pode penhorar-lhe bens que considera serem acessórios.

       (11.5.) A Convenção Europeia sobre Imunidades dos Estados mostra-se taxativa quanto à imunidade de execução, ao dispor no artigo 23.º que «Não pode proceder-se no território de um Estado Contratante à execução coativa nem à adoção de medida conservatória dos bens de Um Estado Contratante, salvo nos casos e na medida em que tal haja sido expressamente consentido pelo Estado».

       Já a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, embora parta de uma conceção tendencialmente absoluta (sem prejuízo de a renúncia ou consentimento dos Estados estrangeiros) vem revelar uma maior abertura à penhora de certos bens cujo uso ou finalidade se mostrem claramente desfasados do serviço público[169]:

«Artigo 18.º

         Imunidade dos Estados relativamente a medidas cautelares anteriores ao julgamento

              Não poderão ser tomadas, em conexão com um processo judicial num tribunal de outro Estado, quaisquer medidas cautelares prévias ao julgamento contra os bens de um Estado, tais como o arrolamento ou o arresto, salvo se e na medida em que:

                   a) O Estado consentiu expressamente na aplicação de tais medidas:

                         i) Por acordo internacional;

                         ii) Por acordo de arbitragem ou por contrato escrito; ou

                         iii) Por declaração num tribunal ou por comunicação escrita após o litígio entre as partes ter surgido; ou

                   b) O Estado reservou ou afetou bens para satisfação do pedido que constitui o objeto do processo.

                                                                                 Artigo 19.º                   

         Imunidade dos Estados relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento

              Não poderão ser tomadas, em conexão com um processo judicial num tribunal de outro Estado, quaisquer medidas de execução posteriores ao julgamento contra os bens de um Estado, tais como o arrolamento, arresto ou penhora, salvo se e na medida em que:

                   a) O Estado consentiu expressamente na aplicação de tais medidas:

                         i) Por acordo internacional;

                         ii) Por acordo de arbitragem ou por contrato escrito; ou

                         iii) Por declaração num tribunal ou por comunicação escrita após o litígio entre as partes ter surgido; ou

                   b) O Estado reservou ou afetou bens para satisfação do pedido que constitui o objeto do processo; ou

                   c) For demonstrado que os bens são especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a do serviço público sem fins comerciais e estão situados no território do Estado do foro, com a condição de que as medidas de execução posteriores ao julgamento sejam tomadas apenas contra os bens relacionados com a entidade contra a qual o processo judicial foi instaurado».

       No artigo 18.º, garante-se a imunidade contra providências cautelares de natureza executiva, enquanto no artigo 19.º se dispõe acerca da imunidade na ação executiva.

       A primeira é mais intransigente, pois só a segunda admite uma exceção relativamente ampla e alheia ao consentimento do Estado (alínea c) do artigo 19.º).

       Sem estar preenchido nenhum dos pressupostos acidentais enunciados nas alíneas a) e b), a imunidade de execução pode ceder em face da demonstração de que o património exequendo não é usado nem destinado a fins de serviço público não comerciais.

       A formulação — «serviço público sem fins comerciais» — presta-se a alguma ambiguidade, mas pende para a imunidade absoluta.

       Se, por um lado, não é suficiente demonstrar a utilização ou finalidade comercial, por outro lado, também não parece necessário provar que os bens se encontram afetados a fins governamentais, de soberania.

       Certo é que a demonstração de uma diversa utilização ou finalidade constitui um ónus do exequente[170].

       É o que o preceito literalmente sugere, pois do que se trata é de criar uma convicção sólida de que os ativos não se prestam ao serviço público desempenhado pela representação diplomática.

       A prova de que são usados para fins mercantis ou se destinam a praticar atos de comércio, ainda que a coberto de um serviço público, pode revelar-se decisiva, mas nem sempre será simples traçar uma fronteira apropriada se pensarmos, por exemplo, em património afetado à promoção das exportações ou de destinos turísticos.

       De certo modo, o conceito de domínio privado disponível pode ser convocado com proveito.

       Contudo, basta subsistirem dúvidas acerca da destinação dos bens e da suscetibilidade de ficar comprometida a continuidade e universalidade do serviço público prestado por uma representação diplomática ou consular para prevalecer a imunidade.

       Importa reiterar que, em face da imunidade de execução ,o que se discute não é a diferença entre gestão pública e gestão privada nem a distinção entre atos jus imperii e atos jus gestionis. Aquilo que está em causa são os bens, a sua utilização ou finalidade.

       (11.6.) Além de a demonstração constituir ónus do exequente[171], ela confronta-se com um enunciado de presunções que recai sobre determinadas categorias de bens.

       Presunções essas que operam juris et de jure[172] em benefício do Estado estrangeiro, dando por certa a indisponibilidade, seja pela pertença ao domínio público, seja por fazerem parte do domínio privado afeto a uma concreta utilidade pública:

«Artigo 21.º

Categorias específicas de bens

              1 — As seguintes categorias de bens do Estado, nomeadamente, não são consideradas como bens especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a do serviço público sem fins comerciais ao abrigo da alínea c) do artigo 19.º:      

                   a) Os bens, incluindo qualquer conta bancária, utilizados ou destinados a ser utilizados no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais, ou delegações junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências internacionais;

                   b) Os bens de natureza militar ou utilizados ou destinados a serem utilizados no exercício de funções militares;

                   c) Os bens do banco central ou de outra autoridade monetária do Estado;

                   d) Os bens que fazem parte do património cultural do Estado ou dos seus arquivos e que não estão à venda ou que não são destinados a serem vendidos;

                   e) Os bens que fazem parte de uma exposição de objetos de interesse científico, cultural ou histórico e que não estão à venda ou que não são destinados a serem vendidos.

                   2 — O n.º 1 aplica-se sem prejuízo do disposto no artigo 18.º e nas alíneas a) e b) do artigo 19.º».

       A alínea a) do n.º 1 refere-se, especificamente, aos saldos dos depósitos bancários movimentados pelas embaixadas ou postos consulares para o desempenho das suas funções.

       A impenhorabilidade decorrente desta norma vem reforçar a inviolabilidade diplomática que já decorria, a nosso ver, do artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961).

       (11.7.) A jurisprudência nacional das últimas três décadas tem adotado uma conceção relativa das imunidades de jurisdição[173], especialmente em litígios que opõem trabalhadores ou antigos trabalhadores às missões diplomáticas.

       Assim, em acórdão de 30 de janeiro de 1991[174], do STJ, começa a divisar-se a aplicação das exceções consentidas pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, no tocante a relações laborais sem substrato público:

                   «No artigo 31.º pretendeu-se excluir todas as atividades praticadas fora da função diplomática do agente e entre essas a contratação de uma empregada domestica para fazer serviço na residência particular do diplomata».

       Por acórdão de 13 de novembro de 2002[175], o STJ confirmaria tal entendimento:

              «IV — Relativamente aos litígios laborais, designadamente ações fundadas em despedimento ilícito, essa prática não tem reconhecido a imunidade do Estado estrangeiro quando o trabalhador exerce funções subalternas, e não funções de direção na organização do serviço público do réu ou funções de autoridade ou de representação;           V — Não beneficia de imunidade de jurisdição o Estado estrangeiro contra o qual foi intentada ação de impugnação de despedimento, por empregada doméstica, que exercia a sua atividade, consistente essencialmente em tarefas de limpeza e de confeção de refeições, na residência do respetivo Embaixador, sendo essa relação laboral regulada pelo direito português em termos idênticos ao vulgar contrato de trabalho para prestação de serviços domésticos celebrado com qualquer particular».

       De igual modo, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de junho de 2004, calcula o horizonte da imunidade de jurisdição segundo a presença, ou não de acta jure imperii:

                   «I — A imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros continua a ser considerada como princípio fundamental do direito internacional, mas deve ter um âmbito restrito, limitado aos atos de gestão pública (acta jure imperii) visto que, radicando no princípio da igualdade e soberania dos Estados, só se justifica quando os Estado exercem funções de poder público; II — O Estado estrangeiro não deve beneficiar de imunidade quanto a um ato qualificado como de gestão privada (acta jure gestionis) dado que nele intervém como qualquer particular; III — A celebração por um Estado estrangeiro de um contrato de trabalho com um motorista, assim como o despedimento deste, não são atos de gestão pública, não gozando, por isso, o Estado em causa de imunidade de jurisdição, pelo que os tribunais portugueses são competentes para conhecer das ações em que tal se discuta».

       E, bem assim, no acórdão STJ de 4 de junho de 2014[176], em cujo sumário se pode ler:

                   «Não beneficia de imunidade de jurisdição o Estado estrangeiro contra o qual foi intentada ação de impugnação de despedimento por trabalhadora que exercia a atividade de cozinheira na sua Embaixada em Portugal e na residência oficial da respetiva Embaixadora».

       O acórdão STJ de 18 de fevereiro de 2006[177] revela-se axial, pois demarca com muita firmeza a distinção entre imunidade diplomática e imunidade dos Estados estrangeiros, ao mesmo tempo que não perde de vista a distinção sensível entre imunidade de jurisdição e imunidade de execução:

                   «I — A imunidade de jurisdição dos Estados é distinta das imunidades diplomáticas e consulares que a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas (aprovada em 18-04-61) atribui aos agentes diplomáticos; II — Esta imunidade jurisdicional dos Estados apresenta-se como corolário do princípio da igualdade entre Estados e radica numa regra costumeira de acordo com a qual nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado (par in parem non habet judicium), regra esta cujo sentido atual deve ser captado e definido; III — É hoje dominante a conceção restrita da regra da imunidade de jurisdição, que a restringe aos atos praticados jure imperii, excluindo da imunidade os atos praticados jure gestionis; IV — Quer a extensão da aludida regra, quer os critérios de diferenciação entres estes tipos de atividade, não têm contornos precisos e evoluem de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional; V — Embora Portugal tenha assinado a Convenção de Basileia sobre a imunidade dos Estados em 10-05-79 - de acordo com a qual não pode em princípio ser invocada a imunidade de jurisdição se o processo se relacionar com um contrato de trabalho celebrado entre o Estado e uma pessoa singular - não ratificou esta convenção, o que significa que, em face do que estabelece o artigo 8.º, n.º 2 da CRP, a mesma não vigora na ordem interna portuguesa; VI— Todavia este facto não a torna inócua, na medida em que, evidenciando uma certa tendência na definição do princípio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, na prática internacional (subscreveram e ratificaram a Convenção a Áustria, Bélgica, Chipre, Alemanha, Luxemburgo, Holanda, Suíça e Reino Unido), pode ajudar a definir o conteúdo, a marcha evolutiva e o sentido atual da correspondente regra consuetudinária, sendo certo que o costume internacional é a segunda das fontes formais enunciadas no artigo 38.º-1 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça; VII — Também o projeto de articulado sobre a Imunidade Jurisdicional dos Estados e da sua Propriedade apresentado à Assembleia Geral das Nações Unidas (em 1991) pela Comissão de Direito Internacional constituída no âmbito da ONU, não sendo vinculante, tem o mérito de demonstrar, ao estabelecer várias restrições ao princípio da imunidade jurisdicional dos Estados (segundo o qual, a imunidade pode ser invocada se estiver em causa um contrato de trabalho e o objeto do processo for a sua renovação ou a reintegração duma pessoa singular), uma tendência generalizada na prática dos Estados no sentido do alargamento das restrições ao princípio da imunidade dos Estados estrangeiros, o que tem igualmente reflexos na delimitação do conteúdo objetivo da referida regra costumeira; VIII — Sabido que, na ordem interna portuguesa, vigora o costume internacional de âmbito geral (artigo 8.º, n.º 1 da CRP), com o conteúdo e o sentido atualizado, e uma vez que toda a restrição ao princípio da imunidade deve estar generalizadamente radicada na consciência jurídica das coletividades — o que impõe grande prudência e muita segurança na sua aplicação —, é de considerar que o âmbito das restrições que aquela regra consuetudinária permite, não pode ultrapassar as que constam da convenção e projeto de articulado referidos (que constituem manifestações de uma certa prática, ou tendência, internacional); IX — Numa ação de impugnação de despedimento intentada por uma trabalhadora que fazia parte do pessoal administrativo e técnico da delegação comercial da Embaixada da Áustria em Lisboa, cumprindo funções de secretária (de carácter subalterno e não estreitamente relacionadas com o exercício de autoridade governamental), em que o fundamento da ação é a comunicação à autora de que o contrato de trabalho cessou (situação em que a parte agiu como qualquer empregador privado), a Embaixada da Áustria goza de imunidade de jurisdição relativamente ao pedido de reintegração da autora e aos que tenham essa reintegração como pressuposto; X — Quanto aos restantes pedidos — de pagamento de retribuições que deveria auferir entre o despedimento e a sentença, de retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal e indemnizações por violação de direito a férias, danos não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito e, à cautela, de indemnização em substituição da reintegração ou indemnização pela caducidade do contrato — os tribunais portugueses têm competência internacional para deles conhecer».

       Alguns anos mais tarde, o Tribunal da Relação de Lisboa evidencia a mesma abordagem subtil em acórdão de 15 de janeiro de 2014[178].

       Por um lado, recorta as imunidades e privilégios diplomáticos em face da imunidade dos Estados estrangeiros:

                   «A imunidade de jurisdição dos Estados é distinta das imunidades diplomáticas e consulares que a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas (aprovada em 18.04.61) atribui aos agentes diplomáticos; II — Esta imunidade jurisdicional dos Estados apresenta-se como corolário do princípio da igualdade entre Estados e radica numa regra costumeira de acordo com a qual nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado (par in parem non habet judicium), regra esta cujo sentido atual deve ser captado e definido».

       Por outro lado, delimita com precisão a diferença entre imunidade de jurisdição e imunidade de execução:

                   «IV — Numa ação de impugnação de despedimento intentada por uma cidadã argelina contratada pela Embaixada em Portugal da República Democrática e Popular da Argélia para exercer funções de cozinheira, em que o fundamento da ação é a comunicação pela Embaixada à autora de que o contrato de trabalho cessou (situação em que a parte agiu como qualquer empregador privado), a Embaixada apenas gozaria de imunidade de jurisdição se tivesse sido formulado pedido de reintegração da autora e outros que tivessem essa reintegração como pressuposto;  V — Não tendo sido formulado pedido de reintegração ou outros que tivessem essa reintegração como pressuposto, os tribunais portugueses têm competência internacional para conhecer dos pedidos formulados pela autora nessa ação — pagamento de retribuições que deveria auferir entre o despedimento e a sentença, de retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal decorrentes do despedimento ilícito e indemnização em substituição da reintegração».

       Na mesma linha, o acórdão de 16 de janeiro de 2019[179] do TRL faz ressaltar as diferenças entre imunidade de jurisdição e imunidade de execução:

                   «Enquanto no que concerne à imunidade de jurisdição dos Estados tende hoje a prevalecer uma conceção restrita, a imunidade de execução é generalizadamente aceite com uma latitude maior, entendendo-se a mesma como uma prerrogativa institucional de carácter mais abrangente».

       Do mesmo modo que envereda por aplicar a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidades dos Estados e dos seus Bens, não obstante a sua entrada em vigor continuar suspensa[180]:        

                   «Embora as denominadas convenções internacionais de Basileia e das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens não estejam em vigor na ordem jurídica portuguesa, deve conferir-se relevância ao seu conteúdo, revelador do dos contornos da evolução da regra costumeira da imunidade de execução, na medida em que o costume internacional é fonte formal de direito».

       Contudo, parece distanciar-se do alcance do artigo 19.º daquela Convenção, para se centrar, fundamentalmente, na inviolabilidade dos bens afetos diretamente às missões diplomáticas:

                   «Se no requerimento executivo o exequente não nomeou à penhora bens da Embaixada, o tribunal da 1.ª instância não tinha quaisquer elementos para afirmar que os eventuais bens que viessem a ser penhorados no futuro se enquadrariam nas hipóteses de imunidade de execução reconhecidas pelo direito internacional, v.g. que os mesmos se destinassem a ser utilizados para as finalidades da missão, e não é possível afirmar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a execução da sentença que, em ação declarativa, condenou aquela Embaixada no pagamento ao trabalhador exequente de créditos indemnizatórios e retributivos».

       No acórdão STJ de 7 de dezembro de 2016[181], a aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidades dos Estados e dos Seus Bens já parece constituir um dado adquirido:

              «IV — Sem prejuízo da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens – aberta à subscrição, em Nova Iorque, em 17-09-2005, e ratificada por Portugal – ainda não se encontrar em vigor, tem-se entendido que ela exprime, nos seus traços gerais, o direito consuetudinário vigente, ao afirmar o princípio da imunidade dos Estados, salvo em situações em que o Estado, expressa ou implicitamente, haja renunciado à mesma e em situações em que a imunidade é recusada quando estejam em causa transações comerciais, contratos de trabalho, danos causados por pessoas e bens, propriedade, posse e utilização de bens».

       Uma ou outra vez, porém, a jurisprudência tem-se fixado na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e no seu artigo 22.º, n.º 3, em detrimento da Convenção das Nações Unidades sobre Imunidade dos Estados e dos Seus Bens.

       Em acórdão de 19 de maio de 2021[182], o STJ admitiria recurso de revista interposto pelo Consulado-Geral do Brasil, cujos depósitos bancários se encontravam penhorados, deferindo a admissão do recurso, não por dever conhecer oficiosamente da imunidade de execução, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção das Nações Unidades sobre Imunidade dos Estados e dos Seus Bens, mas por dever conhecer oficiosamente de questão concernente à competência internacional.

       Ao conhecer da revista, por acórdão de 21 de setembro de 2022[183], o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) perfilharia o entendimento seguinte:

                   «I — Desde logo numa interpretação literal do artigo 22.º da Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas, os depósitos bancários não se se enquadram na previsão normativa do seu n.º 3 (“Os locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”), o qual apenas se reporta a determinados bens (corpóreos) – e não a quaisquer direitos/créditos. II — Compreensivelmente, os bens aí elencados são precisamente aqueles – e apenas aqueles – que, a serem objeto de “busca, requisição, embargo ou medida de execução”, colocariam em sério risco a funcionalidade da missão e, para além disso, afetariam desproporcionadamente a própria dignidade do Estado demandado, cuja soberania exige a cabal inviolabilidade do local e bens afetos à atividade consular, não podendo deixar de reconhecer-se algum paralelismo entre esta norma e a do direito interno que consagra a regra (não absoluta) da impenhorabilidade dos bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica (artigo 737.º, n.º 3, Código de Processo Civil), numa lógica de salvaguarda dos interesses vitais do executado»».

       Considerou, por outro lado, que era sobre a missão consular que recaía o ónus de demonstrar a afetação dos depósitos bancários a fins consulares:

              «Todavia (e para além do especial tratamento que devem merecer os processos judiciais emergentes de relações laborais), nestas situações não basta à embaixada ou consulado invocar que suas contas bancárias ou os seus bens estão vinculados à prossecução das finalidades da missão diplomática ou consular, impondo-se que seja efetiva e claramente comprovado que os bens ou direitos penhorados, ou indicados para penhora, têm relação direta com as respetivas atividades».

       Por seu turno, em acórdão de 10 de novembro de 2016[184], as características da garantia bancária autónoma, automática ou à primeira solicitação são colocadas acima da imunidade de execução, sem citar, no entanto, a alínea b) do artigo 19.º da Convenção das Nações Unidas sobre Imunidade dos Estados Estrangeiros e dos Seus Bens:

                   «— Não beneficia de imunidade de jurisdição o Estado estrangeiro (Mali) contra o qual foi interposto um procedimento cautelar, visando impedir o acionamento de garantias bancárias, prestadas no âmbito de um contrato de empreitada celebrado entre aquele Estado e uma sociedade portuguesa; — A garantia bancária autónoma, automática ou à primeira solicitação é a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário, certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base) sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o mesmo contrato; — Nas relações entre o ordenador de uma garantia autónoma “on first demand” e o beneficiário, aquele só pode intentar, em sede judicial, providência cautelar, destinada a impedir o garante de entregar a quantia pecuniária ao beneficiário ou este de a receber, desde que o mandante apresente prova líquida e inequívoca de fraude manifesta ou de abuso evidente do beneficiário; — O critério para aferir dos limites à recusa de pagamento de uma garantia bancária tem de ser muito restritivo com exigência de clara, inequívoca e manifesta má-fé, por parte do beneficiário, sob pena de se desvirtuar a razão de ser da garantia bancária automática».

       A garantia bancária autónoma representa um caso paradigmático da exceção enunciada pelo artigo 19.º, alínea b): «O Estado reservou ou afetou bens para satisfação do pedido que constitui o objeto desse processo».

       Por acórdão de 24 de fevereiro de 2015[185], o TRL viria obtemperar a falta de contraditório que marcara o prévio arresto de bens a um chefe de missão diplomática acreditado em Portugal:

                   «No caso em apreço, o requerente defende que a emissão do cheque a favor do requerido não tem relação com o negócio celebrado com a Embaixada de (...) (empreitada), enquanto o requerido, na oposição, questiona esse entendimento, tendo alegado de forma pormenorizada todas as circunstâncias que rodearam o referido contrato, bem como as relacionadas com a emissão e levantamento do cheque, relacionando sempre aqueles atos com as suas funções de Embaixador e com a empreitada levada a cabo pela sociedade da qual o requerente é administrador.

                   Assim, o requerido na oposição veio colocar em causa os factos indiciariamente dados como provados aquando do decretamento do arresto, que, como se sabe, por imposição legal, é decretado sem contraditório prévio (cf. artigo 393.º, n.º 1 do CPC).

                   Exatamente por faltar o contraditório, a oposição é o meio adequado para o requerido colocar em crise os factos indiciariamente dados como provados, questionando a veracidade dos mesmos, ou mesmo questionando os meios de prova que serviram de base à afirmação dos pressupostos do decretamento da providência (artigos 366.º, n.º 6, 372.º, n.º 1, alínea b) e 376.º, n.º 1 do CPC).

                   Donde resulta que quando no despacho recorrido se considera que a situação descrita nos autos não se enquadra nas exceções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 31.º, mormente na alínea c), não existe qualquer base fáctica onde assente tal conclusão.

                   Não basta referir de forma enfaticamente conclusiva que não se afigura que “o requerido exerça qualquer atividade comercial ou profissional fora das suas funções” relacionadas com a compra de tapetes e que estes, se chegaram a ser adquiridos, se “configure uma dessas atividades”, já que se impõe apurar, em face dos meios probatórios que em sede de oposição foram arrolados, em que termos e quais as circunstâncias que determinaram a emissão do cheque referido nos autos, a sua entrega ao requerido e a não devolução do respetivo valor ao requerente, de modo, então, de forma fundamentada, se analisar se estão preenchidos os pressupostos da imunidade diplomática e, eventualmente, as exceções à mesma previstas na lei.

                   Tendo o requerido arrolado prova testemunhal e apresentado prova documental, impõe-se que o tribunal a quo proceda à respetiva produção e valoração, a fim de emitir uma decisão fundamentada nos factos indiciariamente provados, conhecendo, então, das questões suscitadas na oposição, completando e integrando a decisão inicialmente proferida (artigo 372.º, n.º 3 do CPC).

                   Em face do exposto, procede a apelação, revogando-se o despacho recorrido, com todas as consequências legais que decorrem desta revogação, ordenando-se, outrossim, o prosseguimento da normal tramitação da oposição deduzida contra a decisão que decretou o aresto, emitindo-se, após, decisão que com base nos factos indiciariamente provados, que aprecie a alegada exceção dilatória inominada de imunidade diplomática».

       Temos, pois, que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores confirma a perceção de uma viragem no sentido de adotar uma conceção relativa da imunidade de execução, mas nem sempre, contudo, fornece um esteio firme e unívoco. A verdade, porém, é que, como bem observou o STJ, no citado acórdão de 16 de janeiro de 2019, «A extensão do princípio da imunidade de jurisdição não tem contornos precisos e imutáveis, evoluindo de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional».

       (11.8.) A afirmação da imunidade de execução como princípio geral, em termos bem menos relativos do que a imunidade de jurisdição, resulta de ambas as convenções internacionais.

       É preciso, todavia, não descurar que ela começa pelo património dos Estados estrangeiros, independentemente da afetação dos bens ao serviço diplomático.

       Na verdade todos os depósitos bancários que constituam património de um Estado estrangeiro devem, à partida, beneficiar da imunidade de execução que a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens lhes reserva, seja de forma categórica por via do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), seja pelo ónus do exequente demonstrar o seu uso ou finalidade alheios ao serviço público (artigo 19.º, alínea c)), o qual não se limita ao serviço diplomático ou consular.

       Por outro lado, a afetação de uma conta bancária ao serviço público diplomático ou consular pode indiciar-se pelo simples facto de veicular o pagamento de despesas correntes: os vencimentos do pessoal diplomático ou consular, os encargos com o arrendamento das instalações, as tarifas de serviços económicos de interesse geral (abastecimento de eletricidade, de água, de comunicações). O preceito não exige que a utilização seja apenas para esses fins.

       Importa, com efeito, tomar em consideração que, embora os saldos bancários de utilização diplomática se encontrem sob uma presunção reforçada de imunidade de execução, não pode afirmar-se a contrario sensu, que os demais saldos bancários de um Estado estrangeiro sejam penhoráveis.

       Na verdade, os demais saldos bancários que um Estado possua em Portugal gozam da imunidade geral de execução, consignada pelo artigo 19.º. Como tal, a sujeição à jurisdição do foro português depende da renúncia pelo Estado (alínea a)), da reserva específica de tais saldos como garantia (alínea b)) ou de o exequente demonstrar que eles são «utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a do serviço público sem fins comerciais e estão situados no território do Estado do foro», acrescendo a condição «de que as medidas de execução posteriores ao julgamento sejam tomadas apenas contra os bens relacionados com a entidade contra a qual o processo judicial foi instaurado» (alínea c)).

       Considera ISABEL ALEXANDRE[186] que, de certo modo, a imunidade de execução se aproxima das impenhorabilidades consagradas pelo Código de Processo Civil nos artigos 736.º e 737.º. Na verdade, em termos de resultado prático, é assim.

       Um outro aspeto a deixar vincado é o de que, perante a execução de ativos patrimoniais de um Estado estrangeiro afetos à sua representação diplomática permanente, não importa escolher entre a aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre Imunidade de Jurisdição dos Estados e dos Seus Bens (2004) e a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961).

       A questão deve ser resolvida por aplicação cumulativa de ambas, ainda que tomando das normas da primeira o seu valor como normas consuetudinárias de direito internacional geral ou comum.

       Quer isto dizer que se alguma dúvida subsistir quanto à inviolabilidade das contas bancárias decorrente do artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, vem pôr termo derradeiro a tal controvérsia.

       Entre ambas das disposições — o artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens — não há uma relação de especialidade que fundamente um concurso aparente.

       Em todo o caso, o artigo 21.º, n.º 1, alínea a) da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens protege os depósitos da missão com a sua impenhorabilidade.

       Além de o seu teor literal dispensar a utilização exclusiva para as despesas com a missão, há um amplo consenso na doutrina internacional acerca da inviolabilidade das contas bancárias afetas às missões diplomáticas e aos postos consulares, no sentido de que basta a determinada conta ser parcialmente usada para fins públicos e beneficiar do artigo 19.º, alínea c)[187].

       Revelando-se necessários ao funcionamento da missão diplomática, a penhora de saldos bancários compromete o princípio ne impediatur legatio mas também pode comprometer a inviolabilidade dos arquivos e documentos, por meio das diligências empreendidas em ordem à indicação de bens[188].

       Devendo entender-se que os saldos das contas bancárias das missões diplomáticas se encontram sob a imunidade dos Estados, mas também sob imunidade diplomática — e que ambas se completam — importa saber, por fim, como ficam os direitos fundamentais de acesso aos tribunais e de deles obter uma proteção efetiva, de cada vez que um particular se vê frustrado na realização coativa de uma prestação por conta da imunidade do executado.

       A questão oferece particular complexidade diante da posição cimeira que o direito internacional geral ou comum ocupa na ordem jurídica.

(12)

       (12.1.) A imunidade de jurisdição e a imunidade de execução de bens dos Estados levantam questões delicadas em relação ao princípio da tutela judicial efetiva, pois se um particular se vê privado de demandar em juízo um agente diplomático ou consular — ou mesmo um Estado estrangeiro — a fim de obter o cumprimento de uma obrigação civil ou comercial, pode ver-se confrontado com uma proteção diminuída dos seus direitos creditícios.

       Todavia, ambas as imunidades, como vimos, encontram arrimo no direito internacional geral ou comum, não podendo excluir-se liminarmente que, enquanto corolário do princípio da igualdade entre Estados soberanos dele recebam a condição de norma de jus cogens[189].

       Esta é designação das normas que, segundo JORGE MIRANDA[190], «estão para além da vontade ou do acordo de vontades dos sujeitos de Direito Internacional; que desempenham uma função eminente no confronto de todos os outros princípios e regras; e que têm uma força jurídica própria, com os inerentes efeitos na subsistência de normas e atos contrários».

       A proibição da pirataria ou a liberdade dos mares representam, provavelmente, os exemplos mais consensuais a partir do século XVII.

       A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados[191] refere-se a esta categoria primacial de normas, com relação às quais se observa uma convicção geral de imperatividade reforçada, de inderrogabilidade, a ponto de a violação de uma norma de jus cogens por um tratado comprometer a sua validade:

«Artigo 53.º

                   Tratados incompatíveis com uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens)

                   «É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os efeitos da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como uma norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza».

       As normas juris cogentis são «limites imperativos de Ordem Pública à autonomia dos Estados», na expressão de EDUARDO CORREIA BAPTISTA[192] que protegem interesses comuns[193] e reúnem, quanto à sua natureza, um consenso generalizado[194], sem opositores de peso que frustrem a sua proeminência efetiva na ordem jurídica internacional.

       Tomando por base o artigo 2.º, n.º 1, da Carta das Nações Unidas — «A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros» — a jurisprudência dos tribunais internacionais e as mais importantes resoluções da Assembleia Geral, ninguém hesitará em reconhecer tal natureza à igualdade jurídica entre Estados[195].

       Com o valor referencial que lhe é conhecido, a Resolução 2625 (XXV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 24 de outubro de 1970[196], sublinha o princípio da igualdade soberana entre os Estados, em estreita proximidade com «a obrigação de não intervir nos assuntos que sejam da jurisdição interna dos Estados»

       Destarte, as normas que cuidam, a título principal, da igualdade entre Estados soberanos — como é o caso das imunidades de jurisdição e de execução — encontram-se investidas de uma força jurídica superior, justificando limitações e até restrições a direitos do Homem e liberdades fundamentais consagrados em convenções internacionais. A sua preterição pode dar lugar a responsabilidade internacional.

         (12.2.) Entre nós, a questão tem sido suscitada a propósito da imunidade de jurisdição de organizações internacionais, prevista nos respetivos tratados constitutivos[197].

       Assim, o Supremo Tribunal de Justiça teve oportunidade de considerar, em acórdão de 21 de setembro de 2021[198], não constituir a imunidade de jurisdição do Conselho da Europa «violação do direito ao acesso à justiça ou do direito à tutela jurisdicional efetiva reconhecidos pelo artigo 20.º da CRP, que não são direitos que obriguem à existência de jurisdição estatal, mas apenas mecanismos de aferição das decisões por meio de recurso a procedimentos que ofereçam garantias de isenção e imparcialidade».

       E, por seu turno, em acórdão de 8 de setembro de 2021[199], pode ler-se no sumário respetivo, o que vai parcialmente transcrito:

              «Não obstante a imunidade de jurisdição de que goza o Conselho da Europa limitar a atuação jurisdicional dos tribunais portugueses, não constitui a mesma violação ao disposto no artigo 20.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, quer porque uma tal imunidade não tem o condão de impedir qualquer ação judiciária, indicando apenas que o tribunal escolhido é inadequado, quer porque o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva consagrado naquele artigo não reconhece aos cidadãos o direito de escolherem livremente o Tribunal para julgamento do litígio, cabendo, antes, a cada Estado determinar a competência dos seus tribunais e aderir a convenções internacionais, sem que os particulares possam deixar de respeitar a opção legislativa tomada».

       (12.3.) A jurisprudência internacional tem vindo, cautelosamente, a estabelecer distinções, mas, no essencial, o primado da imunidade subsiste.

       O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já teve ocasião de se pronunciar sobre o confronto entre as imunidades dos Estados e o direito a um processo equitativo[200], tal como se apresenta consagrado na Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos Homem e das Liberdades Fundamentais[201]:

«Artigo 6.º

Direito a um processo equitativo

              1 — Qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido á imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando, a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional, quando numa sociedade democrática os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida estritamente julgada necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

                   (…)».

       No acórdão de 21 de novembro de 2001 (Caso Al-Adsani v. Reino Unido[202]) o TEDH teve de tomar posição acerca da vulneração do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, num caso particularmente melindroso.

       O autor da queixa pedia ao Tribunal que condenasse o Reino Unido a julgar uma ação proposta contra o Estado do Koweit, cujas autoridades o teriam submetido a tortura e a outros tratamentos desumanos e degradantes, causando-lhe ofensas corporais e traumatismos psíquicos.

       Não obstante o direito interno inglês ressalvar da imunidade dos Estados a reparação por danos corporais, em determinadas circunstâncias, de harmonia com a Convenção de Basileia, de 16 de maio de 1972 (Convenção Europeia sobre Imunidade dos Estados), o Reino Unido sustentou no TEDH que o autor poderia ter-se valido de meios alternativos para resolver o litígio, nomeadamente os meios diplomáticos por via do Foreign Office.

       O TEDH, descortinando uma restrição ao direito consignado pelo artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia, viria, não sem uma profunda divisão entre os juízes, concluir pelo caráter intangível da imunidade.

       No entanto, acenou a pistas importantes de alguma abertura:

              «O Tribunal deve, primeiro, averiguar se a limitação prosseguia um fim legítimo. Nota, a este propósito, que a imunidade dos Estados é um conceito de direito internacional, corolário do princípio par in parem non habet imperium, em virtude do qual um Estado não pode ser submetido à jurisdição de outro Estado. O Tribunal considera que o reconhecimento de imunidade soberana a um Estado, num processo civil, prossegue o fim legítimo de observar o direito internacional a fim de favorecer a cortesia e as boas relações entre Estados, graças ao respeito da soberania de um outro Estado.

                   O Tribunal deve determinar, em seguida, se a restrição era proporcional com relação ao fim em vista. Recorda que a Convenção deve interpretar-se à luz dos princípios enunciados pela Convenção de Viena, de 23 de maio de 1969, sobre o Direito dos Tratados, que dispõe no artigo 31 §3, alínea c), ser preciso ter em conta «toda a norma pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as Partes». A Convenção, compreendendo o seu artigo 6, não poderia interpretar-se no vazio. O Tribunal não deve perder de vista o caráter específico de tratado de garantia coletiva dos direitos do Homem que reveste a Convenção e deve tomar em consideração os pertinentes princípios do direito internacional (v. mutatis mutandis, o acórdão Loizidou c. Turquia, de 18 de dezembro de 1996, Recueil 1996-VI, p. 2231, §43). A Convenção deve, tanto quanto possível, ser interpretada de maneira a conciliar-se com outras regras de direito internacional, de que ela faz parte integrante, compreendendo as relativas ao reconhecimento de imunidade aos Estados.

                   Não é possível considerar-se, de modo geral, como uma restrição desproporcionada ao direito de acesso a um tribunal, tal como o consagra o artigo 6 §1 das medidas adotadas por uma Alta Parte Contratante que refletem regras de direito internacional comummente reconhecidas em matéria de imunidade dos Estados. Tal como o direito de acesso a um tribunal é inerente à garantia de um processo equitativo, consagrada por este artigo, também certas restrições ao acesso devem ser-lhe consideradas inerentes; encontra-se um exemplo nas limitações comumente admitidas pela comunidade das nações como relevando da doutrina da imunidade dos Estados.

                   O Tribunal observa que a lei de 1978 que os tribunais ingleses aplicaram para conceder imunidade ao Koweit conforma-se com as pertinentes disposições da Convenção de Basileia de 1972 que, limitando em vários pontos o alcance da imunidade dos Estados, tal como era tradicionalmente entendida, conserva-a para as ações cíveis com vista à reparação de lesões à integridade da pessoa, salvo se o dano tiver sobrevindo no território do Estado do foro (§ 22). O requerente não contesta que a mencionada disposição traduza um princípio de direito internacional comummente admitido — exceto quando incide nas ações concernentes à reparação de danos por tortura. Ora, ele fez valer que a sua ação tinha por objeto atos de tortura e que a interdição da tortura possui a categoria de norma de jus cogens em direito internacional, prevalecendo sobre o direito dos tratados e sobre outras regras de direito internacional.

                   Após terem decidido acolher o pedido de imunidade do Koweit, os tribunais internos nunca examinaram os elementos de prova concernentes às alegações do requerente que, por conseguinte, nunca foi fixada. Para efeito do presente acórdão, o Tribunal admite, no entanto, que os maus tratos de que o interessado acusa o Koweit na sua argumentação perante as jurisdições internas — murros desferidos por guardas da prisão ao longo de vários dias e com o objeto de lhe extorquir confissão (§ 11) — podem ser qualificados como tortura, no sentido do artigo 3 da Convenção (v. Selmouni c. França [GC], n.º 25803/94, CEDH 1999-V)».

       O TEDH concluiria, no entanto, que nenhuma norma pode divisar-se na ordem jurídica internacional que consinta derrogar a imunidade dos Estados, ainda que para reparação por atos de tortura perpetrados nos seus próprios territórios e não obstante a proibição da tortura consistir em norma de jus cogens.

       As normas de jus cogens[203] formam um reduto muito estrito que, nem de perto nem de longe, compreende a generalidade dos direitos do Homem[204]. Contudo, ainda assim, uma norma com tal natureza não basta para justificar uma restrição a outra de igual natureza.

       No caso Jones e Outros v. Reino Unido, por acórdão de 14 de janeiro de 2014, o TEDH voltou a considerar que «o direito internacional não evoluíra no sentido da exclusão das imunidades de jurisdição dos Estados nas ações fundadas em atos de tortura praticados no seu território[205]».

       Ainda que o entendimento do TEDH possa surpreender pela intransigência na defesa da imunidade, o certo é que, na fundamentação das suas decisões, aflora uma distinção que pode passar despercebida.

       Em ambos os casos, o que estava em causa não era punir os torcionários, nem pôr termo a tais práticas. Era, sim, a reparação civil por danos morais imputados a atos de tortura e a outros tratamentos desumanos e degradantes.

       Tratamentos perpetrados, não no território do Estado do foro, mas no território do Estado que invoca a imunidade de jurisdição a seu favor.

       De modo ainda mais contido, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) no caso Alemanha v. Itália, por acórdão proferido em 3 de fevereiro de 2012, recusou cedências por parte da imunidade, adotando o que JÓNATAS MACHADO[206] considera uma resposta muito conservadora:

              «De acordo com este tribunal, continua a haver imunidade jurisdicional por violação do direito humanitário. Uma coisa é a violação de ius cogens e outra é o problema de saber se um Estado pode ser demandado nos tribunais de outro Estado. Para o TIJ, a imunidade jurisdicional do Estado não está ligada à existência ou não de remédios de indemnização das vítimas».

       Por isso, a prevalência do direito internacional geral ou comum é considerada, em regra, causa justificativa das restrições impostas pela imunidade dos Estados[207].

       Aqui se encontra a razão de ser de algumas declarações interpretativas formuladas por alguns Estados quando do depósito dos instrumentos de ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades dos Estados e dos Seus Bens:

                   — «A Finlândia declara, por este meio […] que a Convenção se aplica sem prejuízo de quaisquer futuros desenvolvimentos em matéria de proteção de direitos humanos».

                   — « […] O Principado do Liechtenstein considera que o artigo 12 não se aplica à questão das compensações pecuniárias por sérias violações de direitos humanos, imputadas a um Estado e, alegadamente, perpetradas fora do território do Estado do foro. Por conseguinte, esta Convenção aplica-se sem prejuízo dos desenvolvimentos que o direito internacional vier a conhecer a este propósito».

                   — « […] Por fim, Noruega entende que a Convenção se aplica sem prejuízo de quaisquer futuros desenvolvimentos em matéria de proteção de direitos humanos».

                   — « […] Mais declara a Suécia o seu entendimento de que a Convenção se aplica sem prejuízo de quaisquer futuros desenvolvimentos jurídico-internacionais concernentes à proteção de direitos humanos».

                   — « […] A Suíça considera que o artigo 12 não se aplica à questão das compensações pecuniárias por sérias violações de direitos humanos, imputadas a um Estado e, alegadamente, perpetradas fora do território do Estado do foro. Por conseguinte, esta Convenção aplica-se sem prejuízo dos desenvolvimentos que o direito internacional vier a conhecer a este propósito».    

       É provável que se desenvolva uma prática reiterada, circunscrita, porventura, a alguns Estados, no sentido de reconhecer aos tribunais nacionais jurisdição para conhecerem pedidos de reparação por danos imputados a atos de tortura e outros tratamentos desumanos e degradantes.

       Não é provável, contudo, que a imunidade de jurisdição e de execução dos Estados e seu património venham a ceder perante o direito de acesso aos tribunais nacionais.

       (12.4.) Com efeito, são frequentemente aduzidos outros argumentos em prol da imunidade, sustentando que da sua aplicação não decorre inexoravelmente uma vulneração do conteúdo essencial do direito de acesso aos tribunais[208].

       Em primeiro lugar, opõe-se que quem celebra negócios jurídicos com um Estado estrangeiro ou com a sua representação diplomática, em território do Estado acreditador, pode sempre recorrer aos tribunais do primeiro, pois «a imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante» (cf. artigo 31.º, n.º 4, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas).

       A imunidade, aliás, uma vez abandonadas as teses da extraterritorialidade e da representatividade pessoal e feita prevalecer a conceção funcional, não isentam o pessoal diplomático do cumprimento do direito do Estado acreditador:

«Artigo 41.º

                   1 — Sem prejuízo dos seus privilégios e imunidades, todas as pessoas que gozem desses privilégios e imunidades deverão respeitar as leis e os regulamentos do Estado acreditador. Têm também o dever de não se imiscuir nos assuntos internos do referido Estado.

                   2 — Todos os assuntos oficiais tratados com o Estado acreditador confiados à missão pelo Estado acreditante deverão sê-lo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Estado acreditador ou por seu intermédio, ou com outro Ministério em que se tenha convindo.

                   3 — Os locais da missão não devem ser utilizados de maneira incompatível com as funções da missão, tais como são enunciadas na presente Convenção, ou em outras normas de direito internacional geral ou em acordos especiais em vigor entre o Estado acreditante e o Estado acreditador».

       Em segundo lugar, opõe-se que o credor pode sempre acautelar o bom cumprimento das obrigações por meios não compreendidos na imunidade.

       O ajustamento de garantias que escapem à imunidade pode ser exigido pelo proprietário de imóvel que o dá de arrendamento para instalação de um serviço consular ou para residência de um diplomata, como pode ser negociada uma declaração contratual expressa de renúncia à imunidade da jurisdição cível e à imunidade de execução por parte do Estado acreditante, nos termos do artigo 32.º, n.º 2 e n.º 4, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

       De resto, também a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens, no artigo 18.º, alínea b), e no artigo 19.º, alínea b), prevê que o Estado possa reservar ou afetar certos bens para satisfazer a pretensão do credor. Tais bens podem, sendo caso disso, vir a ser penhorados[209].

       Em terceiro lugar, argumenta-se que a diplomacia proporciona meios alternativos de resolução de litígios, sem excluir questões entre particulares nacionais e Estados estrangeiros. O agente diplomático que não cumpra as obrigações contratuais assumidas com um particular pode ser convocado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do Estado acreditador com vista à resolução do litígio (cf. artigo 41.º, n.º 2, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas) e, no limite, vir a ser declarado persona non grata (cf. artigo 9.º) visto que se encontra adstrito ao respeito pelo direito interno do Estado acreditador (cf. artigo 41.º, n.º 1).

       Por último, deve registar-se que a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens consente algumas modulações por via de acordos de arbitragem:

«Artigo 17.º

              Se um Estado concluir por escrito um acordo com uma pessoa singular ou coletiva estrangeira para submeter a arbitragem as divergências relativas a uma transação comercial, esse Estado não pode invocar, salvo previsão em contrário no acordo de arbitragem, a imunidade de jurisdição num tribunal de outro Estado que seja competente para julgar o caso num processo judicial relativo.

                   a) À validade, interpretação ou aplicação do acordo de arbitragem;

                   b) Ao processo de arbitragem; ou

                   c) À confirmação ou rejeição da decisão arbitral».

       Com o acordo de arbitragem, pode abrir-se uma outra porta aos interessados na conclusão de negócios jurídicos com Estados estrangeiros, mas que receiam a insuficiência das garantias no cumprimento das obrigações que vieram a ser assumidas. O problema, muitas vezes, radica, porém, no desconhecimento pelos particulares da imunidade de jurisdição.

       (12.5.) É paradigmático, a este propósito, o Acórdão 140/1995, de 28 de setembro, do Tribunal Constitucional espanhol, apreciando recurso de amparo[210] em que foi arguida a inconstitucionalidade das normas internacionais de imunidade dos Estados estrangeiros.

       A recorrente, proprietária de um apartamento, intentara ação de despejo contra o arrendatário que, sem mais, deixara de pagar a renda convencionada[211].

       Ao ser citado, o inquilino invocou a imunidade diplomática pessoal. Tratava‑se de agente diplomático ao serviço da República Italiana junto do Reino de Espanha.

       Seria arguida a inconstitucionalidade da decisão de um tribunal superior por violação do princípio da igualdade e do direito a uma tutela judicial efetiva, consignados, respetivamente, nos artigos 14 e 24-1 da Constituição espanhola.

       Pese embora o facto de o artigo 31.º, n.º 1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas excecionar da imunidade as ações reais, as instâncias tinham considerado tratar-se de uma ação pessoal, respeitante a um direito pessoal de gozo, e, como tal, a coberto da imunidade diplomática.

       O Tribunal Constitucional espanhol, no citado aresto, considera não ocorrer inconstitucionalidade, depois de empreender um cotejo exaustivo pela jurisprudência de outros Estados em conformidade com tal entendimento: Tribunal de Cassação da Bélgica, 4 de outubro de 1984 (Hildebrand c. Champagne); High Court, Queen’s Bench Division, 26 de novembro de 1982 (caso Intpro Propertiees (K.) L. c. Sauvel e Outros); Tribunal de Apelação de Paris (1.ª Sala), 30 de junho de 1981 (Ribeyro c. Masson); Pretor de Roma, 12 de novembro de 1983 (Caruzzo c. Sartaj Aziz); e Tribunal de 1.ª Instância de Atenas (sentença n.º 2626/1965).

       Na fundamentação, pode ler-se:

                   «O artigo 24. 1 CE não reconhece um direito incondicional ou absoluto à prestação jurisdicional, mas o direito a obtê-la pelas vias processuais existentes e com sujeição à concreta ordenação legal. (…) De sorte que o legislador, dentro do seu âmbito de configuração legal, pode estabelecer limites ao pleno acesso à jurisdição, bem como à execução de sentenças, sempre no pressuposto de os ditos limites serem razoáveis e proporcionados relativamente aos fins que licitamente pode perseguir no quadro da Constituição».

       Relevante para a decisão de não conceder amparo foi, igualmente, considerar:

                   «Que a imunidade jurisdicional aqui considerada não opera quanto ao direito substantivo, cuja sanção judicial o autor pretende obter no processo, mas frente à sujeição ao processo do agente diplomático. Pois se é indubitável que a imunidade de jurisdição civil se estabelece no artigo 31-1 da Convenção de Viena de 1961, com caráter relativo, das três exceções que o mesmo contempla, não é menos certo que, se o caso não incorrer em nenhuma de tais exceções, (…) o resultado que o dito preceito persegue não é outro senão a incompetência do órgão jurisdicional quando um particular deduz uma pretensão contra um agente diplomático acreditado no Estado recetor».

       Por outro lado, o princípio da igualdade soberana dos Estados, consagrado, como vimos, pelo artigo 2.º, n.º 1, da Carta das Nações Unidas, em sintonia com o respetivo preâmbulo, goza de um valor supremo. Sendo a jurisdição um atributo da soberania, não pode um tribunal espanhol substituir-se aos tribunais italianos, em termos que o Tribunal Constitucional espanhol respigou do acórdão do Tribunal Permanente de Justiça Internacional, tirado no Caso Lotus (1927):

                   «Não obstante o direito internacional atribuir uma ampla liberdade [aos Estados], permitindo-lhes estender a sua jurisdição a situações relativas a pessoas, atos e bens que se achem fora do seu território, não é menos certo que também impõe proibições e limites. Entre eles, o limite negativo que decorre da imunidade jurisdicional atribuída aos Estados estrangeiros e seus órgãos, assim como aos seus representantes diplomáticos, que posteriormente se estendeu, em certos casos, às organizações internacionais».

       Por fim, a decisão perspetiva os meios que se encontrariam ao alcance da senhoria para obter o despejo: dar conhecimento ao Ministerio de Asuntos Exteriores, a fim de serem pedidas explicações ao Estado acreditante; intentar ação nos tribunais italianos, pois a imunidade do agente diplomático não o exime da jurisdição nacional[212]; procurar solução através dos meios diplomáticos espanhóis junto do Governo italiano.

       Refira-se que o diplomata foi representado no Tribunal Constitucional espanhol por procurador da Fiscalía General e assistido por advogado, sem prejuízo da intervenção processual do Ministerio Fiscal, como é próprio dos recursos de amparo.       

       É oportuno, por fim, cuidarmos de perspetivar o papel que deve competir ao Ministério Público à luz da Constituição, do seu Estatuto e da lei processual civil, diante de ação executiva contra agente diplomático ou estado estrangeiro.

(13)

       (13.1.) Uma das posições sustentadas que o pedido de consulta reflete vai no sentido de competir ao Ministério Público uma intervenção acessória e, com efeito, o Código de Processo Civil consagra-a, em termos que em nada sugerem a sua exclusão nestes casos.

       Antes pelo contrário, parece favorecer intervenções processuais, de acordo com o que o Estatuto do Ministério Público determinar:

«Subsecção II[213]

Intervenção acessória do Ministério Público

Artigo 325.º

(Como se processa)

              1 — Sempre que, nos termos [do respetivo Estatuto], o Ministério Público deva intervir acessoriamente na causa, é-lhe oficiosamente notificada a pendência da ação, logo que a instância se considere iniciada.

                   2 — Compete ao Ministério Público, como interveniente acessório, zelar pelos interesses que lhe estão confiados, exercendo os poderes que a lei processual confere á parte acessória e promovendo o que tiver por conveniente à defesa dos interesses da parte assistida.

                   3 — O Ministério Público é notificado para todos os atos e diligências, bem como de todas as decisões proferidas no processo, nos mesmos termos em que o devam ser as partes na causa, tendo legitimidade para recorrer quando o considere necessário à defesa do interesse público ou dos interesses da parte assistida.

                   4 — Até á decisão final e sem prejuízo das preclusões previstas na lei de processo, pode o Ministério Público, oralmente ou por escrito, alegar o que se lhe oferecer em defesa dos interesses da pessoa ou entidade assistida».

       Parte acessória, o Ministério Público segue de perto o estatuto do assistente (artigo 326.º e seguintes do Código de Processo Civil), o qual, porém, tem no processo a posição de auxiliar de uma das partes principais (artigo 328.º, n.º 1).

       Como, contrariamente ao assistente (artigo 328.º, n.º 2), a intervenção do Ministério Público não se encontra subordinada à da parte principal, assenta-lhe com maior propriedade a qualificação de amicus curiae. Desempenha uma função complementar e subsidiária, mas não, propriamente, de coadjuvação. A intervenção acessória do Ministério Público pauta-se pela defesa do interesse público, o que pode não coincidir integralmente com a defesa do réu ou executado.

       Os pressupostos da intervenção acessória encontram-se no artigo 10.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público, em função do interesse de algumas categorias de pessoas, determinadas pela sua natureza pública — as regiões autónomas, as autarquias locais e outras pessoas coletivas públicas — pela utilidade pública prosseguida — as pessoas coletivas de utilidade pública — ou pelo estado de vulnerabilidade a que se prestam — os incapazes e os ausentes.

       Acrescem as ações populares que visem a realização de interesses coletivos ou difusos, quando não tenham sido intentadas pelo Ministério Público, além de outros casos expressamente previstos na lei.

       São estes os precisos termos do Estatuto:

«Artigo 10.º

(Intervenção acessória)

              1 — O Ministério Público intervém nos processos acessoriamente:

                   a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do n.º 1 do artigo anterior[214], sejam interessados na causa as regiões autónomas, as autarquias locais, outras pessoas coletivas públicas, pessoas coletivas de utilidade pública, incapazes ou ausentes, ou a ação vise a realização de interesses coletivos ou difusos;

                   b) Nos demais casos previstos na lei.

                   2 — Quando intervém acessoriamente, o Ministério Público zela pelos interesses que lhe estão confiados, promovendo o que tiver por conveniente.

                   3 — Os termos da intervenção são os previstos na lei de processo aplicável».

       Se é pressuposto negativo da intervenção acessória não competir ao Ministério Público a intervenção principal, é-o de modo positivo a presença de um interesse público[215].

       A intervenção acessória não decorre de nenhuma posição de privilégio, mas, simplesmente, da defesa do interesse público ou de interesses que a ordem jurídica convoca por razões de vulnerabilidade natural na sua defesa[216].

       (13.2.) As pessoas coletivas de utilidade pública contam-se entre os sujeitos que justificam a intervenção acessória do Ministério Público (artigo 10.º, n.º 1, alínea a)) e poder-se-ia admitir a hipótese de as missões diplomáticas permanentes verem, hoje, ser-lhes atribuído o estatuto de utilidade pública.

       Segundo a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública[217], determinadas pessoas coletivas estrangeiras podem obter o estatuto de utilidade pública, no pressuposto, justamente, de disporem de representação permanente em território português, como acontece com as missões diplomáticas de outros Estados.

       Bem assim, as organizações internacionais que prossigam ou pretendam vir a prosseguir os seus fins em território português de modo estável podem obter para as respetivas representações o estatuto de utilidade pública.

       É este o exato teor das disposições a que nos referimos:

       «Artigo 9.º

         (Representações permanentes de pessoas coletivas estrangeiras)

                   1 — As pessoas coletivas estrangeiras sem fins lucrativos, criadas ao abrigo de uma lei diferente da portuguesa, que pretendam prosseguir de forma estável em Portugal os seus fins, devem ter uma representação permanente em território português, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de maio, na sua redação atual.

                   2 — A atribuição do estatuto de utilidade pública à representação permanente de uma pessoa coletiva estrangeira depende da verificação dos requisitos fixados na presente lei-quadro para as pessoas coletivas portuguesas.

                   3 — Os benefícios decorrentes do estatuto de utilidade pública das representações permanentes de pessoas coletivas estrangeiras aplicam-se exclusivamente às atividades desenvolvidas em Portugal.

                   4 — As representações permanentes de pessoas coletivas estrangeiras com estatuto de utilidade pública têm os mesmos direitos e estão sujeitas aos mesmos deveres que as pessoas coletivas de utilidade pública portuguesas.

Artigo 10.º

         (Representações permanentes de organizações internacionais)

              Sem prejuízo do disposto em convenções internacionais em vigor, o disposto no artigo anterior é aplicável com as necessárias adaptações às representações permanentes de organizações internacionais que pretendam prosseguir de forma estável em Portugal os seus fins».

       Verifica-se, porém, de acordo como as disposições vindas de transcrever, que tais pessoas coletivas estrangeiras devem ter sido «criadas ao abrigo de uma lei diferente da portuguesa» (cf. n.º 1), o que afasta os Estados e as suas missões diplomáticas[218].

       Com efeito, a criação dos Estados e a aquisição de personalidade jurídica fazem-se de acordo com o direito internacional. Não, ao abrigo da lei.

       Como tal, o disposto no artigo 9.º deixa de fora os Estados, as suas representações diplomáticas e consulares, o que se coaduna, aliás, com o estatuto de utilidade pública e com os deveres que dele decorreriam para as embaixadas e postos consulares (artigo 12.º ex vi artigo 9.º, n.º 4).

       Apenas as representações permanentes de pessoas coletivas privadas estrangeiras — e desde que não possuam fins lucrativos — podem vir a beneficiar do estatuto de utilidade pública e, nessa condição, serem assistidas pela intervenção acessória do Ministério Público.

       (13.3.) Contudo, o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público não distingue entre pessoas coletivas públicas de direito interno e de direito internacional.

       Os sujeitos de direito internacional com plena capacidade são pessoas coletivas públicas e, a partir do momento em que trocam representantes diplomáticos com outro Estado, assiste-lhes o direito a obter desse Estado (acreditador) «todas as facilidades para o desempenho das funções da missão» (artigo 25.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas).

       Aos Estados soberanos acrescem, por equiparação, a Santa Sé[219], a Soberana Ordem de Malta[220] e o Comité Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho[221], uma vez que, segundo normas de direito internacional comum, dispõem de capacidade jurídica internacional para exercer o jus legationis.

       A personalidade jurídica de direito internacional dos Estados nem sempre confere personalidade jurídica no direito interno. É o que sucede com o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, nas diversas ordens jurídicas sob domínio da Coroa britânica, e com a Cruz Vermelha Internacional, como observa JORGE MIRANDA[222], ou ainda com a Santa Sé[223]. Tal não impede, porém que, na ordem jurídica interna de cada Estado se ficcione a personalidade judiciária de um órgão ou de um seu representante.

       Pressuposto da imunidade dos Estados é o seu reconhecimento. Por regra, o reconhecimento de um Estado por outro implica considerá-lo como igual em soberania e, por isso, beneficiário das imunidades próprias dos Estados e respetivos bens.

       Ensina IAN BROWNLIE que, independentemente da natureza constitutiva ou meramente declarativa ou que se atribua ao reconhecimento de Estados no plano internacional, o efeito na ordem jurídica interna é indubitavelmente decisivo no que toca à imunidade[224]:

              «O Estado ou governo não reconhecido não pode invocar a imunidade de jurisdição, obter reconhecimento dos seus atos legislativos ou judiciais para fins de conflitos de leis ou interpor uma ação nos tribunais locais como autor»

       Por sua vez, sustenta JOSÉ PASTOR RIDRUEJO o seguinte:

              «A prática, como é lógico, pode variar de um Estado para outro, mas a tendência geral é a de que um Estado carece de jus standi ante os Tribunais do Estado que não o reconheceu (-). Neste caso particular, pode entender-se que o reconhecimento tem valor constitutivo».

       Em suma, perante as ordens jurídicas cujos governos não tenham reconhecido como tal um autoproclamado Estado[225], ele encontra-se privado de personalidade jurídica de direito interno.

       Pelo contrário, reconhecido um Estado, reconhecida a reaquisição de soberania[226] ou a sua condição de sucessor de um antigo Estado[227], impõe-se o reconhecimento de personalidade jurídica na ordem interna.

       A personalidade jurídica de direito interno que decorre da condição de Estado é, por definição, uma personalidade jurídica de direito público e confere ao Estado personalidade judiciária no foro dos outros Estados, sem prejuízo de vir a ser excecionada a sua imunidade de jurisdição e de execução.

       Os Estados estrangeiros são, na ordem jurídica portuguesa, pessoas coletivas públicas, também para os efeitos previstos no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Publico.

       Como tal, o Ministério Público deve ser notificado oficiosamente das ações intentadas contra Estados estrangeiros, a fim de intervir acessoriamente na defesa da imunidade que lhes possa assistir.

       Sem ter sido dada vista ou exame ao Ministério Público, apenas ocorre sanação desde que a missão diplomática a que devia prestar assistência tenha feito valer os seus direitos no processo por intermédio do seu representante (artigo 194.º, n.º 1, do Código de Processo civil).

       Se, pelo contrário, a causa tiver ocorrido à revelia do Estado estrangeiro, o processo é anulado a partir do momento em que devia ter sido dada vista ou facultado exame ao Ministério Público (n.º 2).

       Recorde-se — com CARLOS ALBERTO FERNADES CADILHA[228] — que, porém, o Ministério Público só pode intervir como parte acessória «quando o processo não tenha sido intentado por sua própria iniciativa (como sucede na ação pública ou na ação popular) ou quando nele não intervenha como representante processual do autor ou do réu, designadamente nos casos de representação do Estado e, das regiões autónomas, das autarquias locais, e de incapazes ou ausentes. Não pode existir, portanto, um qualquer conflito entre pessoas, entidades ou interesses que o MP deva representar a título principal ou acessório, visto que a intervenção principal, quando deva ter lugar, exclui necessariamente a intervenção acessória».

       Seguindo o comentário de ANTÓNIO SANTOS GERALDES/ PAULO PIMENTA/ LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[229], temos que o Ministério Público «no contexto dos poderes de que dispõe como parte acessória (artigo 328.º, n.º 2) e com sujeição aos prazos e preclusões marcados na lei, [-] deve zelar pelos interesses que lhe estão confiados, promovendo o que for conveniente à defesa dos interesses da parte assistida e alegando, oralmente ou por escrito, o que tiver por bem para a defesa desses interesses».

       No que toca a eventuais recursos — prosseguem os Autores[230] — cumpre-lhe «recorrer quando o considere necessário para a defesa do interesse público (o que joga com os casos de assistência a pessoas coletivas públicas) ou para a defesa dos interesses da parte assistida».

       Por seu turno, FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA[231] recorda que «o Ministério Público intervém, nesta sede, por dever de ofício no exercício dos seus poderes (deveres) orgânico-estatutários».

       E prossegue o Autor[232]:

              «A eventual omissão de notificação da pendência da ação ao Ministério Público é geradora de nulidade (nulidade principal) nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º, a qual pode ser arguida em qualquer estado da causa e será de conhecimento oficioso enquanto não dever considerar-se sanada (artigos 198.º, n.º 2 e 200.º, n.º 1). Daí que, se o processo correr à revelia da parte passiva (que devesse ser assistida pelo Ministério Público) deve ser anulado todo o processado “a partir do momento em que deveria ser dada vista ou facultado o exame” (artigo 194.º, n.º 2)».

       Em sentido convergente, pronuncia-se CARLOS ALBERTO CADILHA:

              «A falta de vista ou exame ao MP constitui nulidade processual de conhecimento oficioso e que pode ser conhecida em qualquer estado do processo (artigos 196.º, 198.º, n.º 2, e 200.º, n.º 1, do CPC), apenas devendo considerar-se sanada se a entidade a quem devia ser prestada assistência tiver feito valer os seus direitos no processo por intermédio do seu representante (artigo 194.º, n.º 1, do CPC). Porém, se a causa tiver ocorrido à revelia da parte que devia ser assistida pelo MP, o processo é anulado a partir do momento em que devia ter sido dada vista ou facultado exame ao MP (artigo 194.º, n.º 2, do CPC)».

       A intervenção acessória justifica-se por parte de alguém (ou de quem o represente) e que possa ser atingido pela decisão da causa[233].

       Ora, uma decisão judicial que possa suscitar questões acerca do cumprimento das suas obrigações internacionais pela República Portuguesa ou mesmo a sua responsabilidade internacional parece justificar plenamente a intervenção do Ministério Público.

       E não se oponha que o conhecimento oficioso do direito internacional pelos tribunais subtrai toda e qualquer utilidade a esta intervenção acessória, pois ainda que o Estado estrangeiro não invocasse a imunidade dos seus bens ou dos seus agentes diplomáticos, sempre o tribunal supriria tal omissão.

       Com efeito, se, por um lado, o conhecimento oficioso não é incontroverso, por outro, suscitar a questão, como se suscita a inconstitucionalidade de uma norma aplicável, em nada diminui a independência do tribunal.

       (13.4.) Releva, por fim, considerar que a intervenção acessória do Ministério Público transporta consigo um gesto de cortesia internacional (comitas gentium)[234], nada despiciendo nas relações entre Estados, principalmente se tal prática conhecer reciprocidade[235].

       Reciprocidade a que a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas atribui valor positivo, nos termos seguintes:

«Artigo 47.º

                   1 — Na aplicação das disposições da presente Convenção, o Estado acreditador não fará nenhuma discriminação entre Estados.

                   2 — Todavia, não será considerada discriminação:

                   a) O facto de o Estado acreditador aplicar restritivamente uma das disposições da presente Convenção quando a mesma for aplicada de igual maneira à sua missão no Estado acreditante;

                   b) O facto de os Estados, em virtude de costume ou convénio, se concederem reciprocamente um tratamento mais favorável do que o estipulado pelas disposições da presente Convenção».

       Ademais, as normas de cortesia internacional podem encontrar-se na génese de normas consuetudinárias[236], em especial de costume bilateral[237].

       Por outro lado, a intervenção do Ministério Público pode constituir um importante meio de prova de que a República Portuguesa agiu em conformidade com as suas obrigações internacionais.

       Se o Estado estrangeiro não obteve ganho de causa, é mais fácil reconhecer que na sustentação da imunidade não esteve só, contando com a intervenção acessória do Ministério Público.

       Admitindo que a penhora de património de um Estado estrangeiro pelos tribunais portugueses seja tomada pelo respetivo governo como um ato hostil ou uma represália, a República Portuguesa só pode opor com inteira validade a independência dos tribunais se tiver providenciado, com os meios ao seu alcance, e sem quebra da separação de poderes, pela imunidade. O meio ao seu alcance, por excelência, encontra-se na intervenção acessória do Ministério Público.

       Tal intervenção conjuga-se, precisamente, com a função que o Ministério Público desempenha ao nível da separação e interdependência entre os poderes do Estado, ao nível da defesa do interesse público e da legalidade, a qual, compreende, por maioria de razão, as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum, enquanto parte do direito português (cf. artigo 8.º, n.º 1, da Constituição).

       O Estatuto do Ministério Público reflete-o, designadamente no artigo 4.º, n.º 1, alínea j), encarregando-o de defender a independência dos tribunais, na área das suas atribuições, e de «velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis». Ao intervir acessoriamente, o Ministério Público «zela pelos interesses que lhe estão confiados, promovendo o que tiver por conveniente» (artigo 10.º, n.º 2).

       A aplicação da imunidade de jurisdição ou de execução dos Estados, assim como a aplicação das imunidades e privilégios das missões e agentes diplomáticos configura uma situação que justifica a intervenção acessória do Ministério Público. Contrariamente aos tribunais, compete-lhe zelar ativamente pelo interesse público.

      

(14)

       Em vista das questões especificadas no pedido de consulta formulado e considerando tudo o que vem de ser exposto, este Corpo Consultivo encontra-se em condições de apresentar as seguintes CONCLUSÕES:

              1.ª — As representações diplomáticas acreditadas em Portugal, os seus agentes e pessoal equiparado beneficiam das imunidades e privilégios enunciados na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), o que não preclude, porém, a imunidade de jurisdição e a imunidade de execução, garantidas ao Estado acreditante e seu património por normas consuetudinárias de direito internacional geral, hoje, codificadas pela Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004).     

              2.ª — Apesar de a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004) não ter ainda reunido o número mínimo de vinculações necessário à sua entrada em vigor, deve ser considerada um repositório válido e qualificado do costume internacional, ora pelo laborioso procedimento seguido pela Comissão de Direito Internacional, ora por efeito da sua adoção por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas, ora pelos méritos que a doutrina lhe reconhece, tudo isto refletido em prática reiterada dos Estados e dos tribunais internacionais.

               3.ª — Tendo a República Portuguesa depositado o instrumento de ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens, em 14 de setembro de 2006, constituiu-se na obrigação de não praticar atos que a possam privar do seu fim ou objeto, em conformidade com o artigo 18.º, alínea b), da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969).

              4.ª — As imunidades e privilégios garantidos pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) em nada diminuem a imunidade de jurisdição dos Estados e a imunidade de execução dos seus bens, de acordo com o artigo 3.º da Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004).

              5.ª — A penhora de crédito emergente de depósito bancário, quando afeto a uma missão diplomática permanente, convoca a aplicação cumulativa das duas convenções internacionais: a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) por conta da inviolabilidade dos bens afetos ao serviço diplomático; a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004) por se tratar de património de um Estado estrangeiro.

              6.ª — Apesar de os depósitos bancários não constarem expressamente do artigo 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), deve entender-se que gozam de inviolabilidade igual à que é concedida aos automóveis e aos bens sitos no interior da missão diplomática, mercê de um desenvolvimento consuetudinário do preceito, atestado pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores, em ordens jurídicas com as quais possuímos estreitas afinidades.

              7.ª Acresce o facto de a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963), no artigo 31.º, n.º 4, ter discriminado bens móveis e bens do posto consular, reconhecendo-lhes igual inviolabilidade, de sorte que, por maioria de razão, os depósitos movimentados por uma missão diplomática não devem gozar de menor proteção.

              8.ª — A imunidade de execução do património de um Estado sito em território estrangeiro não pode ser aferida segundo os critérios que servem para delimitar a imunidade de jurisdição, pois se a primeira se baseia na qualificação dos bens a executar, sua utilização e finalidade, a segunda decorre, tendencialmente da natureza pública de um ato praticado pelo Estado estrangeiro.

              9.ª — Como tal, da circunstância de certo negócio jurídico outorgado por Estado estrangeiro iure gestionis se encontrar à margem da imunidade de jurisdição e de esse Estado vir a ser condenado ao cumprimento de uma obrigação, em ação cível, por um tribunal português, não decorre, sem mais, a penhorabilidade de quaisquer bens do Estado, nem mesmo daqueles que ostentem uma conexão imediata com o contrato em causa.

              10.ª — A execução patrimonial reflete o exercício de poderes de autoridade de um modo particularmente sensível para as relações políticas entre Estados, uma vez que é apoiada por instrumentos coativos, motivo por que a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade dos Estados e dos Seus Bens (2004), não obstante admitir exceções, aponta para um princípio geral de imunidade absoluta, nos artigos 18.º e seguintes.

              11.ª — Com efeito, os bens de Estados estrangeiros que se encontrem em território português presumem-se, por via de regra, insuscetíveis de arresto (artigo 18.º) e impenhoráveis (artigo 19.º), além de certas categorias específicas de bens beneficiarem de estatuto próximo ao dos bens do domínio privado indisponível, no direito interno português (artigo 21.º).

              12.ª Estatuto próximo, mas não igual, porque o Estado estrangeiro goza de ampla disponibilidade, podendo ter renunciado previamente à imunidade de execução de tais bens (artigos 18.º, alínea a), e 19.º, alínea a)) ou tê-los afetado ao cumprimento das obrigações em causa (artigos 18.º, alínea b) e 19.º, alínea b)).

              13.ª A presunção de impenhorabilidade pode ser afastada pela demonstração de que a utilidade ou finalidade de um certo bem é alheia ao serviço público sem fins comerciais (artigo 19.º, alínea c)), mas são inelidíveis as presunções do artigo 21.º, n.º 1, relativas a certas categorias de bens, em que se compreendem os depósitos bancários usados ou destinados a serem usados por uma missão diplomática (alínea a)).

              14.ª — Um depósito a prazo tem como fim natural proporcionar frutos civis, não devendo, pois, beneficiar da presunção juris et de jure, o que, de alguma forma, bate certo com a penhora prioritária de tais depósitos sobre os depósitos à ordem, definida no artigo 780.º, n.º 7, alínea b), do Código de Processo Civil.

              15.ª — Já um depósito à ordem que apenas parcialmente seja usado para fins próprios do serviço público (v.g. abonar vencimentos ao pessoal da embaixada ou cobrir despesas correntes de funcionamento) beneficia da referida presunção, tanto por força do elemento literal (cf. artigo 21.º, n.º 1, alínea a)), como também porque a ratio da norma é a de impedir constrangimentos ao bom desempenho da função diplomática: ne impediatur legatio.

              16.ª — As exceções à imunidade de execução de património de Estados estrangeiros não devem ser interpretadas extensivamente, uma vez que tal garantia decorre do princípio da igualdade entre Estados soberanos e da consequente proibição de os tribunais de um Estado condenarem outro: par in parem non habet iudicium.

              17.ª — O princípio da igualdade entre Estados soberanos é consensualmente tratado como jus cogens, motivo por que a imunidade de execução, até certo ponto, um seu corolário tem, nos tribunais internacionais, permitido legitimar restrições ao direito de acesso aos tribunais nacionais.

              18.ª A possibilidade de o credor aceder aos tribunais internos do Estado estrangeiro, a fim de ali o demandar, o recurso à via diplomática, como meio não jurisdicional de resolução de conflitos ou a prévia renúncia pelo cocontratante estadual à imunidade apresentam-se como instrumentos alternativos.

              19.ª — Atento o disposto no artigo 19.º, alínea c), da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens (2004) é ao exequente e ao agente de execução que cumpre demonstrar que os bens ou valores indicados para penhora são utilizados ou destinados a ser utilizados com outra finalidade que não a do serviço público, nomeadamente para fins comerciais.

              20.ª — O agente de execução é um profissional liberal que exerce funções públicas e, por isso, com fundamento no artigo 751.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre-lhe ignorar eventuais indicações do exequente que possam comprometer a imunidade de um Estado estrangeiro e o cumprimento das obrigações internacionais decorrentes para a República Portuguesa do direito internacional geral ou comum.

              21.ª — Integra as funções públicas do agente de execução evitar que o Estado Português incorra em responsabilidade internacional, pelo que deve abster-se de penhorar bens pertencentes a Estados estrangeiros, usando de maior cuidado, ainda, nos casos em que a penhora opera de imediato, sem contraditório nem prévia intervenção do juiz de execução.

              22.ª — Das incumbências constitucionais e estatutárias do Ministério Público em defesa da legalidade e do interesse público decorre para os seus magistrados o dever de intervirem acessoriamente, segundo o regime consignado no artigo 325.º do Código de Processo Civil, nos processos executivos de que possa resultar a apreensão de bens pertencentes a Estados estrangeiros, encontrem-se afetados, ou não, à representação diplomática em Portugal.

              23.ª — Qualquer Estado estrangeiro, perante a ordem jurídica nacional, é, para todos os efeitos, uma pessoa coletiva pública, motivo por que deve considerar-se sob a previsão do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público.

              24.ª — Em todo o caso, a intervenção do Ministério Público, ainda que solicitada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros é sempre acessória e nunca principal, pois a ação executiva proposta contra Estado estrangeiro não é de modo a fazer do Estado português uma parte no processo.

              25.ª — A intervenção acessória do Ministério Público, nos termos do artigo 325.º do Código de Processo Civil, visa salvaguardar o cumprimento das obrigações de direito internacional a que o Estado Português se encontra vinculado e impedir que incorra em responsabilidade internacional por facto ilícito.

              26.ª O conhecimento oficioso da imunidade de execução pelo tribunal, seja como exceção dilatória inominada, seja como incompetência absoluta dos tribunais portugueses, em nada impede nem prejudica a intervenção do Ministério Público. 

              27.ª — Tal intervenção, como amicus curiae, permite ao Ministério Público colaborar com a representação diplomática e com o mandatário do Estado estrangeiro executado, de modo a que o comportamento da República Portuguesa seja internacionalmente considerado irrepreensível e não tomado pelo Estado estrangeiro como um ato hostil ou uma represália.

              28.ª — Por fim, a intervenção do Ministério Público pode constituir sinal muito evidente de que, sem quebra da independência dos tribunais, a atuação da República Portuguesa se mostra conforme com as normas de cortesia internacional (comitas gentium), cuja observância contribui para promover e conservar boas relações entre os Estados.

 

[1] Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, na redação da Lei n.º 2/2020, de 30 de março.

[2] Em 6 de junho de 2022.

(I) Designadamente, e mais recentemente, das Embaixadas do Bangladesh e da África do Sul — cf. respetivamente, DA 24946/21 e DA 24949/21.

(II) Adotada em Viena a 18.04.1961 e aprovada para adesão pelo Decreto-Lei n.º 48295, de 27.03.1968, vigente na ordem jurídica portuguesa desde 11.10.1968.

(III) Concluída em Nova Iorque, a 17.01.2005. Assinada por Portugal a 25.02.2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2006 e ratificada pelo [decreto do] Presidente da República n.º 57/2006 (publicados no Diário da República, 1.ª Série A, n.º 117, de 20.06.2006), o que foi tornado público através do Aviso n.º 698/2006, de 12.10.

      Embora sem vigência formalizada — por não se terem, ainda, verificado as condições estabelecidas para o efeito no artigo 30.º —, é ampla e pacificamente reconhecido que esta Convenção encerra em si normas de Direito Internacional Consuetudinário, o qual é fonte de direito interno, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

[3] O Relator foi designado por despacho de 9 de junho de 2022.

[4] Seguimos o trecho transcrito na Informação do Gabinete de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República.

[5] Por instituição bancária.

[6] Proc. 12515/16.4T8LSB.2.L1-4 (www.dgsi.pt).

[7] Proc. 137/06.2TVLSB.L1-7 (www.dgsi.pt).

[8] A Convenção sobre Relações Diplomáticas foi adotada em Viena a 18 de abril de 1961 e aprovada para adesão pelo Decreto-Lei n.º 48295, de 27 de março de 1968. Encontra-se em vigor na ordem jurídica portuguesa desde 11 de outubro de 1968.

[9] A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens foi adotada em Nova Iorque, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2 de dezembro de 2004 (Resolução A/LIX/38). A Assembleia da República aprovou-a para ratificação, através da Resolução n.º 46/2006, de 20 de junho, e o Presidente da República ratificou-a, nos termos do Decreto n.º 57/2006, de 20 de junho.

[10] Parecer do Senhor Dr. Carlos Ribeiro, Procurador-Geral-Adjunto.

[11] Proc. 05S3279. Ali se admitiu que embora a Embaixada Austríaca beneficiasse de imunidade de jurisdição relativamente ao pedido de reintegração da autora (trabalhadora administrativa com funções meramente técnicas e administrativas) e aos que pedidos tivessem essa reintegração como pressuposto, tal imunidade já não seria oponível ao pedido «de pagamento de retribuições que deveria auferir entre o despedimento e a sentença, de retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal e indemnizações por violação de direito a férias, danos não patrimoniais decorrentes do despedimento ilícito e, à cautela, de indemnização em substituição da reintegração ou indemnização pela caducidade do contrato».

[12] Proc. 137/06.2TVLSB.L1.S1. O STJ sublinha o favorecimento doutrinário e jurisprudencial de uma conceção restritiva das imunidades de jurisdição dos Estados. Todavia, perante a dúvida em qualificar certos atos como de gestão pública ou de gestão privada, daí dependendo a maior ou menor latitude da imunidade, considera dever ter preferência o favorecimento da imunidade: «Estando em causa, na ação, o pagamento dos serviços de saúde prestados por um hospital português a cidadãos estrangeiros, ao abrigo dos Acordos de Cooperação no domínio da saúde estabelecidos entre Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa, deve, em caso de dúvida, ser concedida a imunidade».

[13] A intervenção do Ministério Público na área cível e o respeito pelo princípio da igualdade de armas, in A Democracia, a Igualdade dos Cidadãos e o Ministério Público (5.º Congresso do Ministério Público), Ed. Cosmos, Lisboa, 2000, p. 81 e seguinte.

[14] Proc. 10736/18.4T8LSB.1.L1-A.S1.

[15] E que vem sendo acompanhada no DA n.º18080/19.

[16] O procedimento de injunção encontra o seu regime nos artigos 7.º e seguintes do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, cuja redação foi corrigida pela Declaração de Retificação n.º 16-A/98, de 30 de setembro, e alterada pelo Decreto-Lei n.º 383/99, de 23 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro (cf. Declaração de Retificação n.º 26/2004, de 24 de fevereiro), pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho (cf. declaração de Retificação n.º 63/2005, de 19 de agosto, pela Lei n.º 14/2006, de 26 de abril, pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, e pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro. Foi conservado em vigor pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, diploma que estabeleceu medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, e transpôs a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011.

[17] Cf. LURDES VARREGOSO MESQUITA, Noções de Direito Processual Civil, Ed. Gestlegal, Coimbra, 2020, p. 109.

[18] 4.ª Secção, Proc.º 2075/12.0TTLSB.L1.S1.

[19] Referimo-nos ao Código de Processo Civil (CPC) aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, cuja redação seria fixada pela Declaração de Retificação n.º 36/2013, de 12 de agosto, e alterada pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março, pela Lei n.º 68/2017, de 16 de junho, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, pela Lei n.º 97/2019, de 26 de julho, pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, e pela Lei n.º 12/2022, de 27 de junho.

[20] Como observou este Conselho Consultivo no Parecer n.º 77-A/87, de 16 de maio de 1989 (disponível a pedido).

[21] Direito Processual Civil Internacional I (projeto científico e pedagógico), Ed. AAFDL, 2021, p. 237.

[22] Idem, p. 238.

[23] Idem, p. 268.

[24] Idem, p. 269 e seguintes.

[25] Por seu turno, o artigo 99.º do Código de Processo Civil determina que «a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar» (n.º 1). Admite, porém, se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, que estes sejam aproveitados «desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada» (n.º 2), exceto «nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral» (n.º 3).

[26] 2.ª Secção, Proc.º 19354/20.6T8LSB.S1.

[27] 1.ª Secção, Proc.º 18954/20.9T8LSB.S1.

[28] 1.ª Secção, Proc.º 15998/18.4T8LSB.L1.S1.

[29] Sendo que «O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados» (n.º 3).

[30] Referimo-nos ao Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, na redação que lhe foi dada pelas consecutivas alterações, última das quais por efeito da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, consistindo na 81.ª versão que conheceu desde a entrada em vigor.

[31] V. MARCO CARVALHO GONÇALVES, Lições de Processo Civil Executivo, 5.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 37 e seguintes.

[32] Acerca do princípio de igualdade de armas ou dos meios processuais, v. RITA LOBO XAVIER/ INÊS FOLHADELA/ GONÇALO ANDRADE E CASTRO, Elementos de Direito Processual Civil (Teoria Geral – Princípios – Pressupostos), 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Porto, 2018, p. 137.

[33] V. MIGUEL MESQUITA, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiros, 2.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, p. 2001, p. 10.

[34] A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 21.

[35] A doutrina avista, aqui, um direito do exequente. Assim, ANTÓNIO SANTOS GERALDES/ PAULO PIMENTA/ LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA (Código de Processo Civil Anotado, vol. II [Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial: Artigos 703.º a 1139.º], 2.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 69) observam o seguinte: «Nos termos do artigo 751.º, n.º 2, o agente de execução deve, em princípio, respeitar a ordem dos bens a penhorar que seja indicada pelo exequente, motivo por que tal indicação deve constar do requerimento executivo, acompanhada dos elementos referidos nos n.ºs 2 e 3. No entanto, é de aceitar a opção do exequente de, nas execuções em que haja lugar à citação prévia do executado, como sucede no processo executivo comum ordinário, não fazer logo a indicação, o que será, aliás, uma forma de dar sentido útil ao disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 164.º. Nesses casos, o exequente deverá ser admitido a dirigir ao processo requerimento autónomo com a indicação dos bens que pretende ver penhorados». Importa dar conta de que o referido artigo 164.º, n.º 2, alínea c), faz incluir entre as restrições à publicidade os processos de execução até à citação ou, nos casos previstos no artigo 626.º, até à notificação. Mais se dispõe naquele preceito que «independentemente da citação ou da notificação, é vedado aos executados e respetivos mandatários o acesso à informação relativa aos bens indicados pelo exequente para penhora e aos atos instrutórios da mesma».

[36] O agente de execução configura um caso de exercício de funções públicas por particular. Nas palavras de JOSÉ LEBRE DE FREITAS, surge caracterizado como «um misto de profissional liberal e de funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça, implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo» (Obra citada, p. 37).

[37] V. MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I (Introdução e princípios fundamentais), Ed. D. Quixote, Lisboa, 2004, p. 123 e seguinte. Cf. Artigo 175.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2005, de 8 de janeiro, na redação da Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro, tendo em atenção que, por força dos artigos 6.º e 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, é conservado o princípio da executoriedade do anterior Código até entrar em vigor «do diploma que define os casos, as formas e os termos em que os atos administrativos podem ser impostos coercivamente pela Administração, a aprovar no prazo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-lei». Apesar decorridos sete anos, tal diploma não veio a ser aprovado.

[38] Obra citada, p. 301.          

[39] Idem.

[40] Direito Processual Civil (Apontamentos das lições redigidas com a colaboração de um grupo de Assistentes), volume I, Ed. AAFDL, 2014, p. 72.

[41] V. DIANA LEIRAS, A Determinação dos Bens a Penhorar no Código de Processo Civil: contributo para a sua compreensão, Ed. Gestlegal, Coimbra, 2020, p. 53 e seguintes.

[42] Regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis. A redação ficaria assente com a Declaração de Retificação n.º 45/2013, de 28 de outubro, seguindo-se as modificações introduzidas pela Portaria n.º 233/2014, de 14 de novembro, pela Portaria n.º 349/2015, de 13 de outubro, pela Portaria n.º 267/2018, de 20 de setembro, e pela Portaria n.º 239/2020, de 12 de outubro.

[43] A Ação Executiva, 2.ª reimpressão, Ed. AAFDL, 2020, p. 596.

[44] Cf. DIANA LEIRAS, obra citada, p. 55.

[45] Processo n.º 1111/12.5 TMLSB-B.L1-2.

[46] A representação orgânica não se confunde com o patrocínio judiciário, como observa CARLOS LOPES DO REGO: «Trata-se de verdadeira representação orgânica da Administração Central perante os tribunais — e não de mero patrocínio judiciário exercido pelos agentes do Ministério Público. Desta qualificação decorrem importantes consequências, desde logo, o caráter obrigatório ou imperativo de tal representação: na verdade, enquanto a representação, a título de patrocínio judiciário, de outras entidades públicas surge sempre como facultativa, dependendo da solicitação do respetivo órgão representativo e cessando com a constituição de mandatário judicial próprio, não se prevê, em geral, que o Estado possa litigar, em ações cíveis, através de advogado constituído pela Administração» (obra citada, p. 83),

[47] V. CARLOS LOPES DO REGO, Obra citada, p. 83.

[48] Com raízes, aliás, no artigo 117.º da Constituição de 1933.

[49] Acerca da representação do Estado, enquanto atribuição consignada ao Ministério Público pelo artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, v. ANTÓNIO DA COSTA NEVES RIBEIRO, O Estado nos Tribunais, Coimbra Editora, 1985; PAULA MARÇALO, Estatuto do Ministério Público Anotado, Coimbra Editora, 2011, p. 52 e seguintes; MANUEL AUGUSTO DE MATOS, O Ministério Público e a representação do Estado na jurisdição administrativa, in Carla Amado Gomes/Ana Neves/ Tiago Serrão, O Anteprojeto de Revisão do CPTA e do ETAF em Debate, Ed. AAFDL, 2014; ALEXANDRA LEITÃO, A representação do Estado pelo Ministério Público nos Tribunais Administrativos, Julgar, n.º 20 (2013), p. 191 e seguintes; O ministério público no atual contencioso administrativo português, Revista Eletrónica de Direito Público, vol. 3, n.º 1, 2016, p. 165 e seguintes. Do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, entre outros, V. Parecer n.º 29/2019, de 17 de outubro de 2019 (inédito), Parecer n.º 5/2014, de 5 de abril de 2014 (inédito), Parecer n.º 7/2014, de 10 de abril de 2014 (inédito), Parecer n.º 33/2011, de 26 de janeiro de 2012, de 12 de outubro de 2012 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 198, de 12 de outubro de 2012), Parecer n.º 10/2007, de 29 de março de 2007 (inédito), Parecer n.º 10/2005, de 21 de abril de 2005 (Diário da República, 2.ª Série, 2 de setembro de 2005), Parecer n.º 114/2003, de 11 de março de 2004 (Diário da República, 2.ª Série, 14 de julho de 2005), Parecer n.º 160/2001, de 26 de setembro de 2003 (inédito), Parecer n.º 131/2001, de 12 de julho de 2002 (Diário da República, 2.ª Série, 22 de julho de 2005), Parecer n.º 51/96, de 10 de abril de 1997 (Diário da República, 2.ª Série, 15 de dezembro de 1997), Parecer n.º 21/92, de 28 de maio de 1992 (inédito), Parecer n.º 74/91, de 21 de novembro de 1991 (Diário da República, 2.ª Série, 20 de maio de 1992), Parecer n.º 40/90, de 7 de novembro de 1991 (Diário da República, 2.ª Série, 23 de julho de 1992), Parecer n.º 144/88, de 7 de dezembro (inédito), Parecer n.º 98/88, de 10 de novembro (inédito), Parecer n.º 3/81, de 8 de outubro de 1981 (inédito) e Parecer n.º 171/80, de 18 de dezembro de 1980 (inédito).

[50] A respeito da representação do Estado português em tribunais estrangeiros, v. Conselho Consultivo, Parecer n.º 119/82, de 14 de outubro de 1982, em cujas conclusões se consignou o seguinte: «1 — Não compete ao Ministério Público representar o Estado junto de tribunais estrangeiros; 2 — O cumprimento das cartas rogatórias para citação ou notificação do Estado Português, sem individualização da pessoa ou entidade a citar ou a notificar, extraídas de ações cíveis contra este intentadas em tribunais estrangeiros deve ser efetuado na pessoa do Primeiro‑Ministro, como representante do Governo» (Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 20 de junho de 1983).

[51] Loc. cit., p. 81.

[52] CARLOS LOPES DO REGO admite mesmo que, fora da enumeração, possa o Ministério Público requerer intervenção acessória «sempre que invoque que o objeto da causa envolve, pela sua natureza, conexão relevante com o interesse público». O critério deve ser, segundo o Autor, o dos possíveis «reflexos da decisão a proferir no interesse público» (obra citada, p. 95).

[53] Fazem parte do domínio público do Estado as águas territoriais com seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos; as camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário; os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com exceção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção; as estradas; as linhas férreas nacionais; e outros bens como tal classificados por lei (cf. artigo 84.º, n.º 1, da Constituição).

[54] Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, na redação que lhe foi conferida, sucessivamente, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 36/2013, de 11 de março, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

[55] Antes da formação do conceito de domínio público eram tradicionalmente repartidos por quatro categorias: aer, aqua profluens, mare et per hoc littora maris (ar, águas correntes, mar e suas margens litorais).

[56] Para uma comparação entre os dois regimes, v. FILIPE BRITO BASTOS, comentário ao artigo 21.º, in JOÃO MIRANDA/ MIGUEL ASSIS RAIMUNDO/ ANA GOUVEIA MARTINS/ MARCO CAPITÃO FERREIRA/ FILIPE BRITO BASTOS/ JORGE PAÇÃO/ SARA AZEVEDO/ DAVID PRATAS BRITO, Comentário ao Regime Jurídico do Património Imobiliário Público (Domínio público e domínio privado da Administração), 2.ª edição, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/Centro de Investigação de Direito Público, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 142 e seguintes.

[57] Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição, 2.ª reimpressão, Liv. Almedina, Coimbra, 1983, p. 968 e seguinte.

[58] Corresponde ao artigo 737.º, n.º 1, alínea a), do atual Código de Processo Civil.

[59] V. FILIPE BRITO BASTOS, obra citada, p. 143.

[60] Entendimento que se mostra pacífico na nossa jurisprudência. Assim, em ação intentada contra o Estado de Israel, v. Acórdão STJ, de 13 de novembro de 2002 (Proc.º 01S2172), em ação proposta contra a República de Moçambique, v. Acórdão do TRL, de 6 de maio de 2008 (processo n.º 10414/2007-1); em ação intentada contra a República Federativa do Brasil, v. Acórdão do TRL, de 15 de abril de 2015 (processo n.º 391/14.6TTLSB.L1-4).

[61] A representação diplomática pode competir a um terceiro Estado, de acordo com o artigo 46.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas: «Com o consentimento prévio do Estado acreditador e a pedido de um terceiro Estado nele não representado, o Estado acreditante poderá assumir a proteção temporária dos interesses do terceiro Estado e dos seus nacionais».

[62] Cf. Artigo 11.º, n.º 5, da Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro, na redação da Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, do Decreto-Lei n.º 105/2007, de 3 de abril, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, da Lei n.º 57/2011, de 28 de novembro, do Decreto-Lei n.º 116/2011, de 5 de dezembro, e da Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro. V. JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª edição, Ed. Âncora, Lisboa, 2016, p. 118.

[63] Estendendo a personalidade judiciária às heranças jacentes e patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não se encontre determinado, às associações sem personalidade jurídica e às comissões especiais, às sociedades civis, às sociedades comerciais, ainda sem constituição definitiva, aos condomínios resultantes da propriedade horizontal (relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador) e aos navios, nos casos previstos em legislação especial.

[64]  Processo n.º 137/06.2TVLSB.L1-7.

[65] Corresponde ao artigo 13.º do Novíssimo Código de Processo Civil.

[66] Observam, pertinentemente, ANTÓNIO SANTOS GERALDES/ PAULO PIMENTA/ LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, que este regime não se aplica aos agentes consulares, pois são simples órgãos administrativos do Estado acreditante, sem funções de representação (Código de Processo Civil Anotado, vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração — Artigos 1.º a 702.º), 3.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 283).

[67]   6.ª Secção, Processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1.

[68] Alterado pelo Regulamento (UE) n.º 542/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, e pelo Regulamento Delegado (UE) n.º 2015/281, da Comissão, de 26 de novembro de 2014.

[69] 4.ª Secção (1298/13.0TTLSB.L1.S1). O acórdão funda-se no anterior regulamento: o Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, na redação que lhe foi atribuída pelo Regulamento (CE) 1496/2002, da Comissão, de 21 de agosto de 2002, pelo Regulamento (CE) 1937/2004, da Comissão, de 9 de novembro de 2004, pelo Regulamento (CE) 1791/2006, do Conselho, de 20 de novembro de 2006, e pelo Regulamento (CE) 1103/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2008. Anteriormente o Supremo Tribunal de Justiça considerara, em acórdão de 18 de fevereiro de 2006 (05S3279), que, perante a impugnação de despedimento intentada por trabalhadora do pessoal administrativo e técnico, da delegação comercial da Embaixada da República da Áustria, a imunidade não consentiria a reintegração, mas admitiria o pagamento de retribuições e de indemnização. Igual entendimento seria adotado em acórdão da 4.ª Secção, de 4 de junho de 2014, com relação a um despedimento de trabalhador pela Embaixada da República Democrática e Popular da Argélia. Por seu turno, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 10 de maio de 2007 (proc. 750/2007-6), considerou não poder o Estado Português opor aos tribunais brasileiros a imunidade de jurisdição contra o despedimento de um cozinheiro pelo Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro.

[70] Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Câmara), de 19 de julho de 2012, processo n.º C-44/11 (62011CJ0044).

[71] Da República Islâmica do Irão, neste caso.

[72] A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 16.

[73] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de fevereiro de 1997 (processo n.º 96A809), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de fevereiro de 2015 (683/14.4TVLSB-A.L1-1).

[74] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 6.ª Secção, de 29 de maio de 2012 (137/06.2TVLSB.L1.S1).

[75] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de janeiro de 2019 (12515/16.4T8LSB.2.L1-4).

[76] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de dezembro de 2015 (80321/14.1VIPRT-A.L1‑8).

[77] V. MIGUEL DE SERPA SOARES/MATEUS KOWALSKI, Capacidade jurídica internacional, in Enciclopédia de Direito Internacional (coordenação de Manuel de Almeida Ribeiro/Francisco Pereira Coutinho), Ed. Almedina, Coimbra, 2011, p. 74.

[78] Assinada em São Francisco, Califórnia, em 26 de junho de 1945. A adesão de Portugal foi registada junto do Secretário-Geral em 21 de fevereiro de 1956. Contudo a versão oficial da Carta em língua portuguesa só veio a ser publicada com o Aviso n.º 66/91, de 22 de maio.

[79] JORGE MIRANDA, Curso de Direito Internacional Público, 6.ª edição, Ed. Principia, Cascais, 2016, p. 205; CARLOS BLANCO DE MORAIS, O direito ao uso da força pelos Estados em tempos de unilateralismo multipolar, in Maria Luísa Duarte/Rui Tavares Lanceiro (coordenação), O Direito Internacional e o Uso da Força no Século XXI, Ed. AAFDL, 2018, p. 41 e seguintes; MANUEL DE ALMEIDA RIBEIRO, A ONU e o uso da força pelos Estados: da letra da Carta aos novos desafios do século XXI, idem, p. 441 e seguintes.

[80] Direito Diplomático e Consular, in Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. V, (coordenação de Paulo Otero/Pedro Gonçalves), Ed. Almedina, Coimbra, 2009, p. 214 e seguintes.

[81] Acerca da evolução histórica das missões diplomáticas permanentes, v. WLADIMIR BRITO, Direito Diplomático, Instituto Diplomático/Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 2007, p. 18 e seguintes.

[82] Acerca da importância das normas de cortesia nas relações internacionais, v. MANUEL DIEZ DE VELASCO, Instituciones de Derecho Internacional, 14.ª ed., Ed. Tecnos, Madrid, 2003, p. 69.

[83] FERNANDO M. MARIÑO MENÉNDEZ, Derecho Internacional Público (Parte General), 2.ª edição, Ed. Trotta, Madrid, 1995, p. 99.

[84] V. ATTILA TANZI, Introduzione al diritto internazionale contemporaneo, 6.ª ed. CEDAM/Wolter Kluver, Milão, 2019, p. 537.

[85] «O Príncipe é considerado fora e acima do Estado, compete-lhe uma autoridade suprema que ele possui como direito inato, anterior ao Estado e ao ordenamento; esta soberania pessoal é um atributo inerente à sua pessoa, ele é o próprio sujeito da soberania. Tal soberania é, por outro lado, considerada como sua propriedade, segundo as características assumidas pelo domínio senhorial do poder feudal, e a patrimonialidade do poder adquire o seu maior relevo na aplicação que a ela se faz dos princípios de direito romano sobre a propriedade. O Estado é portanto o objeto da autoridade do Príncipe» (EMILIO ROSA, Diritto costituzionale, 3.ª edição, Unione Tipografico — Editrice Torinese, Turim, 1951,p. 47).

[86] «Na estrutura e organização do Estado moderno a soberania (…) é um atributo que diz respeito ao próprio Estado. Cumpre-se, pois, um processo de unificação e o poder do Estado não é destacável do próprio Estado, mas compete exclusivamente ao Estado como ente, em si mesmo. Para este processo de unificação do conceito de Estado, os atributos que vieram do contributo da doutrina medieval italiana foram de indiscutível e extraordinária importância e revelam-se o contributo de maior valor para a reconstrução do conceito jurídico de Estado. Nesta evolução, o imperium cinde-se da propriedade e não possui mais uma relação direta com o território que constitui, não obstante, elemento material do Estado, mas não o fundamento da autoridade atribuída. O território é um dos elementos que servem para determinar a identidade do Estado, porque (…) não poderíamos conceber a existência do Estado sem território, nem construir juridicamente certos fenómenos do Estado, e principalmente a própria validade do ordenamento jurídico sem este elemento, mas o Estado apresenta-se como entidade distinta deste seu elemento; as particularidades acidentais do território não têm eficácia alguma na essência do Estado. O território colocar-se-á portanto numa relação jurídica (…) com o Estado, mas o território não será suficiente para constituir, para individualizar um Estado» (EMILIO ROSA, obra citada, p. 47 e seguinte).

[87] Direito Internacional Público, vol. II (Reimpressão), Ed. AAFDL, 2015, p. 171.

[88] Proc. 05S3279 (www.dgsi.pt).

[89] O estatuto territorial de Macau, sob administração portuguesa até 20 de dezembro de 1999 ou do canal do Panamá, sob administração dos EUA, entre 1903 e 2000.

[90] O Sudão entre o Reino Unido e o Egito (1899-1956), o próprio Egito entre a França e o Reino Unido (1876-1882), as Novas Hébridas (hoje, Vanuatu) entre a França e o Reino Unido (1906-1980) ou o Couto Misto entre Portugal e a Espanha até 1864. Subsistem condomínios sobre espaços marinhos, como é o caso do Golfo de Fonseca, entre a Nicarágua, Honduras e El Salvador, ou o Lago Constança, entre a Suíça, a Áustria e a Alemanha.

[91] V.g. A Antártida ou os fundos marinhos (v. JÓNATAS EDUARDO M. MACHADO, Direito Internacional, 5.ª edição, Ed. Gestlegal, Coimbra, 2019, p. 238.

[92] Direito Diplomático e Consular, I, Ed. AAFDL, 2016, p. 10.

[93] Ainda no Parecer n.º 52/54, de 10 de novembro de 1954, este corpo consultivo oporia a extraterritorialidade à execução fiscal dos bens de um diplomata estrangeiro, secretário de legação, e que fora condenado, pela 2.ª Auditoria Fiscal de Lisboa, por descaminho de direitos. A extraterritorialidade justificava, então, plenamente, a isenção «da aplicabilidade das leis territoriais».

[94] V. NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET, Droit International Public, 6.ª edição, LGDJ, Paris, 1999, p. 727.

[95] V. WLADIMIR BRITO, obra citada, p. 70 e seguintes.

[96] Eram assim designadas «as convenções concluídas entre os Estados ocidentais e aqueles cuja legislação se revelava incompatível como o modo de vida dos nacionais europeus». Por meio das capitulações, «estes obtinham uma subtração quase completa à ordem jurídica local: considerados, por uma ficção jurídica, como vivendo fora do território do Estado de acolhimento, beneficiavam, na verdade, de um regime de extraterritorialidade» (NGUYEN QUOC DINH/ DINH/PATRICK DAILLIER/ ALAIN PELLET, obra citada, p. 477).

[97] Idem, p. 480.

[98] Manuel de droit diplomatique, Ed. Bruylant, Bruxelas, 1994, p. 28.

[99] Idem.

[100] Ibidem.

[101] V. ARMANDO JOSÉ DIAS CORREIA, Diplomacia, in Enciclopédia de Direito Internacional (coordenação de Manuel de Almeida Ribeiro/Francisco Pereira Coutinho/Isabel Cabrita), Ed. Almedina, Coimbra, 2011, p. 163 e seguinte.

[102] https://www.icj-cij.org/en/case/64/judgments.

[103] Anexo XVII do Ato Final, de 9 de junho de 1815, completado pelo Protocolo da Conferência de Aix-en-Chapelle, de 21 de novembro de 1818. Na órbita americana, registe-se o Convénio adotado na VI Conferência Pan Americana, da Havana (1928) e que permanece em vigor entre alguns Estados da região.

[104] NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET, obra citada, p. 720.

[105] Assim, por exemplo, a vinculação portuguesa à generalidade das disposições da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 22 de maio de 1969, nunca foi questionada, apesar de a sua ratificação só ter tido lugar após aprovação pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, de 7 de agosto.

[106] Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Ed. Coimbra, 2007, p. 254.

[107] Acerca da codificação de normas consuetudinárias no direito internacional, v. JOAQUIM DA SILVA CUNHA/ MARIA DA ASSUNÇÃO DO VALE PEREIRA, Manual de Direito Internacional Público, Ed. Almedina, Coimbra, 2000, p. 345 e seguintes. Para um balanço dos esforços de codificação da Comissão de Direito Internacional, v. JOSÉ ANTONIO PASTOR RIDRUEJO, Las Naciones Unidas y la codificación del Derecho Internacional: aspectos jurídicos y políticos, in Carlos Fernández de Casadevante/ Francisco Javier Quel (coordenadores), Las Nacionies Unidas y el Derecho Internacional, Ariel Derecho, Barcelona, 1997, p. 173 e seguintes.

[108] ANTONIO REMIRO BROTÓNS/ ROSA RIQUELME CORTADO/ JAVIER DIEZ-HOCHLEITNER/ ESPERANZA ORIHUELA CALATAYUD/ LUIS PÉREZ-PRAT DURBÁN, Derecho Internacional, Ed. Tirant lo Blanch, Valência, 2007, p. 524.

[109] Manuel de droit international public, 9.º ed., PUF, Paris, 2002, p. 202 e seguinte.

[110]Tal como definidos no artigo 29.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de Dezembro de 1982, assinada, em Montego Bay, por Portugal na mesma data, mas só aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97, de 14 de outubro, e ratificada pelo Presidente da República com o Decreto n.º 67-B/97, de 14 de outubro.

[111] Obra citada, p. 242.

[112] Obra citada, p. 246.         

[113] Obra citada, p. 728.

[114] Seguir-se-iam a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 24 de abril de 1963 (adesão portuguesa por via do Decreto-Lei n.º 183/72, de 24 de maio) e a Convenção sobre as Missões Especiais, adotada em Nova Iorque, a 8 de dezembro de 1969, que a República Portuguesa ainda não ratificou. A Comissão de Direito Internacional, na sua 58.ª sessão (2006), adotou e submeteu à Assembleia Geral das Nações Unidas um Projeto de Articulado sobre Proteção Diplomática, cujo texto, na versão em língua inglesa se encontra publicado in RUI TAVARES LANCEIRO/ TIAGO FIDALGO DE FREITAS/ FRANCISCO DE ABREU DUARTE, Coletânea de Direito Internacional Público, 4.ª edição, Ed. AAFDL, Lisboa, 2021, p. 233 e seguintes.

[115] Imunidade diplomática in Manuel de Almeida Ribeiro/ Francisco Pereira Coutinho/ Isabel Cabrita (coordenação), Enciclopédia de Direito Internacional, Ed. Almedina, Coimbra, 2011, p. 246.

[116] Não, porém, os protocolos facultativos a respeito da aquisição de nacionalidade e da resolução de conflitos, concluídos em Viena, na mesma ocasião.

[117] V. JAIME VALLE, obra citada, p. 41 e seguinte.

[118] Os enclaves de Estados estrangeiro são numerosos e resultam de vicissitudes históricas bem conhecidas. Além de numerosos enclaves neerlandeses e belgas, em ambos os territórios, é o caso de Lívia, um exclave espanhol em território francês com 12,83 Km2, cuja raiz se encontra no Tratado dos Pirenéus de 1659, como é o caso da Região Administrativa Especial de Oecusse Ambeno, território de Timor-Leste (815 Km2), completamente rodeado por território indonésio, exceto no litoral marítimo (Mar de Savu).

[119] A maior parte das missões diplomáticas acreditadas junto do Estado de Israel permanecem instaladas em Telavive, apesar de o Estado acreditador considerar Jerusalém a sua capital política.

[120] V. JAIME VALLE, obra citada, p. 69.

[121] A este propósito, releva a Convenção das Nações Unidas sobre a Prevenção e Repressão de Crimes contra Pessoas gozando de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos, aprovada em Nova Iorque, em 14 de dezembro de 1973. Do seu artigo 2.º resulta, como observa JAIME VALLE (obra citada, p. 66) um dever de estabelecer penas especialmente severas, i.e., adequadas à gravidade dos factos ilícitos. Através da Resolução da Assembleia da República n.º 20/94, de 5 de maio, teve lugar a sua aprovação, tendo o Presidente da República anuído à ratificação por decreto com a mesma data (Diário da República, Série I-A, n.º 104, de 5 de maio de 1994). A República Portuguesa formulou, contudo, uma reserva com o seguinte teor: «Portugal não extradita por facto punível com pena de morte ou com pena de prisão perpétua segundo a lei do Estado requerente nem por infração a que corresponda medida de segurança com carácter perpétuo». O Aviso n.º 268/97, de 20 de setembro de 1997 tornou público o depósito do instrumento de adesão à Convenção, ocorrido, porém, em 11 de setembro de 1995. Por conseguinte, o início de vigência relativamente a Portugal teve lugar 30 dias após: em 11 de outubro de 1995.

[122] Obra citada, p. 42.

[123] Idem, p. 44.

[124] V. MIGUEL SERPA SOARES/ MATEUS KOWALSKY, Imunidade diplomática, local citado, p. 246.

[125] Curso de derecho diplomático y consular, 5.ª edição, Ed. Tecnos, Madrid, 2016, p. 264.

[126] Obra citada, p. 47.

[127] Neste sentido, v. F. JESÚS CARRERA HERNÁNDEZ, La inmunidad de ejecución de los Estados en la Convención de Naciones Unidas sobre las Inmunidades Jurisdiccionales de los Estados y de sus Bienes, in Revista Española de Derecho Internacional, vol. LVIII (2006), 2, p. 730. O Autor considera que a redação do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), é resultado de um esforço interpretativo da parte da Comissão de Direito Internacional, de modo a dissipar dúvidas. Refere-se expressamente a contas mistas, entendendo que gozam de igual imunidade. Basta ocorrer uma afetação às funções da missão diplomática.

[128] Obra citada, p. 204 e seguinte.

[129] Obra citada, p. 47.

[130] Pode ler-se no n.º 2: «A isenção fiscal a que se refere este artigo não se aplica aos impostos e taxas cujo pagamento, em conformidade com a legislação do Estado acreditador, incumba às pessoas que contratem com o Estado acreditante ou com o chefe de missão».

[131] Neste sentido, v. EDUARDO VILARIÑO PINTOS, Curso de Derecho Diplomático y Consular, 5.ª ed., Ed. Tecnos, Madrid, 2016, p. 273.

[132] Obra citada, p. 241.

[133] Ibidem.

[134] Sobre a royal prerogative, v. HELEN FENWICK/ GAVIN PHILIPSON, Text Cases & Materials on Public Law & Human Rights, 2.ª edição, Cavendish Publishing, Londres, 2005, p. 477 e seguintes; NEIL PARPWORTH, Constitutional & Administrative Law, 12.ª edição, Oxford University Press, 2022, p. 254 e seguintes.

[135] V. CESÁREO GUTÉRREZ ESPADA, Sobre la inmunidad de jurisdicion de los Estados extranjeros en España, a la luz de la ley orgânica 16/2015, de 27 de octubre, in Cuadernos de Derecho Transnacional (outubro, 2016), Vol. 8, n.º 2, p. 7 e seguinte.

[136] Local citado, p. 8, louvando-se para descrever a evolução em R. DE GOUTIERS, A propôs de l’immunité de juridiction des Etats étrangers, in L’État souverain dans le monde d’aujourd’hui – Mélanges en l’honneur de J-P. Puissochet, Ed. A. Pedone, Paris, 2008, p. 117 e seguintes.

(X) «Os primeiros a adotarem a tese restritiva foram (…) a Bélgica, a Itália, a França, a Suíça, a Áustria e a RFA. Os tribunais norte-americanos e britânicos mostraram-se algo mais reticentes (os primeiros fizeram-no em meados dos anos 50, como reação ao facto de a URSS ser partidária da imunidade de jurisdição absoluta e os segundos nos anos 70)».

[137] Assim, entre tantos outros, v. Acórdão de 5 de novembro de 1981 (conflito n.º 124/81): «Integram-se na gestão pública do Estado os atos pelos quais médicos de um hospital militar observam ou tratam militares nele internados»; Acórdão de 13 de julho de 1993 (Conflito n.º 258): «Integra um ato de gestão privada a deliberação camarária pela qual, na sequência de hasta pública, se concretiza aquele com quem será celebrada a venda de um lote de terreno que faz parte do domínio privado da Câmara Municipal»; Acórdão n.º 11/03, de 25 de setembro de 2003: «São atos de gestão pública os praticados por um órgão da administração autárquica ao proceder ao loteamento de um terreno, emitir licenças de construção e de utilização e realizar arruamentos infra estruturantes»; Acórdão n.º 26/03, de 2 de dezembro de 2005: «São atos de gestão pública os que se compreendem no exercício de um poder público, integrando eles mesmos a realização de uma função pública, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente ainda das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos atos devam ser observadas. Configura-se como de gestão pública a seguinte situação: O lesado, cantoneiro de limpeza de uma câmara municipal, no âmbito do exercício de operações de limpeza, seguia, sem condições de segurança, na caixa de um veículo da câmara. O condutor do veículo agiu com manifesta falta de cuidado, provocando um acidente de que resultaram lesões corporais para o autor»; Acórdão n.º 1/04, de 2 de fevereiro de 2005: «O não cumprimento por parte do Instituto para a Construção Rodoviária do seu dever funcional de fiscalizar e acompanhar a execução dos trabalhos de uma empreitada de obras públicas de que resultaram prejuízos para terceiros qualifica-se como ato de gestão pública»; Acórdão n.º 12/06, de 11 de julho de 2006: «Ato de gestão pública define-se como sendo o que se compreende no exercício de um poder público, integrando a sua prática, a realização de uma função pública da pessoa coletiva, independente do uso de meios de coerção ou de regras de ordem técnica a observar»; Acórdão n.º 35/2014, de 9 de dezembro de 2014: «Pedindo-se a condenação dos RR em indemnização por danos causados na sua casa de habitação com a utilização de explosivos na construção de um troço de autoestrada e detendo a Ré EP-Estradas de Portugal, SA prerrogativas concedidas ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita à responsabilidade civil extracontratual, no domínio dos atos de gestão pública, é de concluir que a apreciação da eventual responsabilidade extracontratual dessa mesma Ré cabe à jurisdição administrativa. Não constitui impedimento à atribuição de competência aos tribunais administrativos o facto de terem sido demandados uma concessionária e um particular (n.º 7 do artigo 10.º do CPTA)».

[138] V. MARTIN DIXON, obra citada, p. 170 e seguinte.

[139] V. MARTIN DIXON, obra citada, p. 174.

[140] 6.ª Secção, Processo n.º 137/06.2TVLSB.L1.S1.

[141] Consulta a pedido.

[142] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 14 de dezembro de 1923 (Gazeta da Relação de Lisboa, Ano 38.º, p. 88), Acórdão do STJ, de 27 de fevereiro de 1962 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 114, p. 447 e seguintes), Acórdão do STJ, de 11 de maio de 1984 (BMJ, 337, p. 305 e seguintes), Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 14 de março de 1961 (Apêndice ao Diário do Governo, n.º 98, de 3 de maio de 1961), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de junho de 1922 (Gazeta da Relação de Lisboa, Ano 38.º, n.º 6, p. 86), Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5 de janeiro de 1981 (Coletânea de Jurisprudência, Ano VI, 1981, Tomo 1, p. 183 e seguintes. Sem ter sido reconhecida nem invocada a imunidade, estando em causa o Lloyd Brasileiro — Património Brasileiro, um organismo autónomo do Estado brasileiro, v. Acórdão do STJ, de 27 de maio de 1941 (Boletim Oficial do Ministério da Justiça, Ano 1.º, n.º 5, p. 289). Invocada pelo Reino de Espanha a imunidade, o STJ recusou-a por considerar que o Instituto Espanhol não beneficiava da imunidade do Estado.

(X) «Conforme o Parecer n.º 8/86, citado, as posições destes autores podem ver-se: (nota 27) MACHADO VILELA, Tratado de Direito Internacional Privado, p. 313 e 314, BARBOSA DE MAGALHÃES, Estudos sobre o Código de Processo Civil, vol. II, p. 220, e (nota 39), CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, 1980, p. 31 e seguintes, defendendo este autor que a imunidade jurisdicional abrange apenas os atos de soberania ou de império e não os atos de gestão. Na nota 27 desse parecer citam-se na doutrina internacional como partidários da imunidade absoluta PAUL GUGENHEIM e PAUL SAVATIER, e como partidários da imunidade relativa H. BATIFFOL e LAGARDE».

[143] Ali se procede ao recenseamento dos seguintes: Convenção de Bruxelas para a unificação de certas regras em matéria de abalroação (23 de outubro de 1910); Convenção de Bruxelas para a unificação de certas regras em matéria de assistência e salvação marítimas (23 de outubro de 1910); Convenção de Bruxelas para a unificação de certas regras respeitantes às imunidades dos navios do Estado (14 de abril de 1926) e Protocolo Adicional (24 de maio de 1934); Convenção Internacional para a unificação de certas regras relativas à competência cível em matéria de abalroação (Bruxelas, 10 de maio de 1952); Convenção sobre o Mar Territorial e a Zona Contígua, aprovada pela 1.ª Conferência de Direito do Mar (Genebra, 28 de outubro de 1958); Convenção sobre o Alto Mar (Genebra, 29 de abril de 1958); Convenção Internacional sobre a Responsabilidade pelos Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos (Bruxelas, 29 de novembro de 1969); Convenção para a unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional (Varsóvia, 12 de outubro de 1929); Convenção para a unificação de certas regras relativas aos danos causados por aeronaves a terceiro à superfície (Roma, 29 de maio de 1933); Convenção para a unificação de certas regras relativas ao arresto de aeronaves (Roma, 29 de maio de 1933); Convenção relativa ao reconhecimento internacional dos direitos sobre aeronaves (Genebra, 19 de junho de 1984).

[144] A fls. 99 e seguintes do Parecer n.º 77-A/87 encontra-se um interessante levantamento de contratos internacionais em que a República Portuguesa renuncia à imunidade e convenciona um foro estrangeiro.

[145] Diário da República, I Série A, n.º 117, de 20 de junho de 2006.

[146] Diário da República, I Série A, n.º 117, de 20 de junho de 2006.

[147] Cf. Aviso n.º 698/2006, de 12 de outubro.

[148] Arábia Saudita, Áustria, Benim, Cazaquistão, Chéquia, Espanha, Guiné Equatorial, Eslováquia, Finlândia, França, Iraque, Irão, Itália, Japão, Letónia, Líbano, Liechtenstein, México, Noruega, Portugal, Roménia, Suécia e Suíça. Informação confirmada em 17/11/2022 junto do Gabinete de Assuntos Jurídicos das Nações Unidas (www.treaties.un.org). Refira-se que a Bélgica, a República Popular da China, a Estónia, a Islândia, a India, Madagáscar, Marrocos, o Paraguai, a Federação Russa, o Senegal, a Serra Leoa, Timor Leste e o Reino Unido, apesar de signatários, não concluíram os procedimentos internos de vinculação.

[149] Obra citada, p. 538 e seguinte.

[150] Boletín Oficial del Estado, n.º 258, de 28 de outubro de 2015, Secção I, p. 10 303 e seguintes.

[151] Referimo-nos à Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados Concluídos entre Estados, adotada pela Conferência das Nações Unidas Sobre o Direito dos Tratados, em 23 de maio de 1969. Aprovada para adesão através da Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, de 7 de agosto, foi ratificada, com uma declaração interpretativa, nos termos do Decreto do Presidente da República n.º 46/2003, de 7 de agosto, e entrou em vigor na ordem jurídica interna em 7 de março de 2004 (cf. Aviso n.º 27/2004, de 3 de abril), depois de depositado o instrumento de ratificação em 6 de fevereiro de 2004.

[152] Direito Internacional Privado, volume I (Introdução e Direitos de Conflitos. Parte Geral), Ed. AAFDL, 3.ª edição, 2021, p. 32.

[153] Neste sentido, v. JÓNATAS EDUARDO M. MACHADO, obra citada, p. 244 e seguinte.

[154] A Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados é de alcance geral ou comum, mas em nada compromete os privilégios e imunidades relativos ao exercício de funções das missões diplomáticas e postos consulares, assim como das pessoas que a estes se encontram vinculadas» (artigo 32.º). O princípio é o da imunidade, de acordo com o artigo 15: «Um Estado Contratante beneficia de imunidade de jurisdição perante os tribunais de outro Estado Contratante se o processo não se subsumir ao disposto nos artigos 1 a 14; um tribunal não pode conhecer de um tal processo nem mesmo à revelia». O Protocolo Adicional à Convenção Europeia sobre Imunidade dos Estados, instituindo um meio de resolução de litígios, foi igualmente assinado pela República Portuguesa, não ratificado até ao momento presente.

[155] Direito Processual Civil Internacional, I, Ed. AAFDL, 2021, p. 247.

[156] ANTONIO REMIRO BROTÓNS/ ROSA RIQUELME CORTADO/ JAVIER DIEZ-HOCHLEITNER/ ESPERANZA ORIHUELA CALATAYUD/ LUIS PÉREZ-PRAT DURBÁN, obra citada, p. 1040 e seguinte. Observam que os tribunais britânicos recusaram tal condição ao Banco Nacional da Nigéria no Caso Trendtex (1977), ao passo que no Caso Novosti Press Agency, Tass Agency e Daily World, o Supremo Tribunal Federal dos EUA admitiu a imunidade da agência noticiosa soviética com base numa certificação passada pelo embaixador da URSS (1978). Notam que a jurisprudência dos tribunais nacionais tem tergiversado no reconhecimento da imunidade aos Länder alemães, ao País Basco ou à Catalunha. De facto, a Convenção Europeia sobre Imunidade dos Estados (1972) no artigo 28 exclui os estados federados (n.º 1), embora consinta à Federação inverter essa condição por notificação dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa (n.º 2).

[157] A referência ao direito internacional privado deve ser entendida como dizendo respeito às normas de direito interno sobre competência internacional dos tribunais, uma vez que o direito internacional privado hoc sensu antes providencia pela determinação do direito substantivo aplicável.

[158] A Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados, sobre esta matéria, dispõe no Artigo 11 o seguinte: «Um Estado Contratante não pode invocar a imunidade diante de um tribunal de outro Estado Contratante quando o processo disser respeito à reparação de um dano corporal ou patrimonial resultante de facto ocorrido no território do Estado do foro e se o autor ali se encontrasse presente no momento em que tal facto sobreveio».

[159] MALCOLM N. SHAW, International Law, 9.ª edição, Cambridge University Press, 2021, p. 645.

[160] O que, aliás, já víramos aflorado na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, em cujo artigo 32.º, n.º 4, pode ler-se: «A renúncia à imunidade de jurisdição no tocante às ações cíveis ou administrativas não implica renúncia à imunidade quanto às medidas de execução da sentença, para as quais nova renúncia é necessária».

[161] Cf. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, obra citada, p. 23 e seguinte.

[162] Loc. cit., p. 171 e seguinte.

[163] Neste sentido, v. DENIS ALLAND, obra citada, p. 213.

[164] FERNANDO MARIÑO MENÉNDEZ comenta, justamente, que é quase impossível saber da finalidade de um depósito bancário pertencente à missão diplomática ou ao embaixador (obra citada, p. 112).

[165] P. 281.

[166] Obra citada, p. 1043.

[167] Obra citada, p. 245.

[168]Obra citada, p. 246. V. também ATTILA TANZI, obra citada, p. 541: «um Estado estrangeiro pode ser condenado por incumprimento contratual ou ao ressarcimento de danos pelo Estado do foro, permanecendo, contudo, os bens próprios, móveis e imóveis, destinados a atividades públicas, protegidos dos processos executivos».

[169] Acerca da discussão que recaiu sobre o projeto originário, v. Parecer n.º 77-A/87, de 16 de maio de 1989.

[170] V. MALCOLM N. SHAW, International Law, 9.ª edição, Cambridge University Press, 2021, p. 649 e seguintes, com indicações jurisprudenciais do Reino Unido, designadamente, nos casos Maclaine v. Departamento de Comércio e Indústria (1988), Westminster City Council v. Governo do Irão (1986) e Kuwait Airways Corporation v. Iraqi Airways Company (1995).

[171] Em sentido contrário, decidiu o STJ, 4.ª Secção, por acórdão de 22 de setembro de 2022 (Proc.º 10736/18.4T8LSB.1.L1.S1): «Todavia (e para além do especial tratamento que devem merecer os processos judiciais emergentes de relações laborais), nestas situações não basta à embaixada ou consulado invocar que suas contas bancárias ou os seus bens estão vinculados à prossecução das finalidades da missão diplomática ou consular, impondo-se que seja efetiva e claramente comprovado que os bens ou direitos penhorados, ou indicados para penhora, têm relação direta com as respetivas atividades».    

[172] Neste sentido, v. ANTONIO REMIRO BROTÓNS/ ROSA RIQUELME CORTADO/ JAVIER DIEZ-HOCHLEITNER/ ESPERANZA ORIHUELA CALATAYUD/ LUIS PÉREZ-PRAT DURBÁN, obra citada, p. 1045.

[173] Paradigmático da conceção absoluta é, por exemplo, o acórdão do STJ, de 11 de maio de 1984 (Proc.º 000706), in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 337 (1984), p. 305 e seguintes: «O Estado (...) goza de imunidade de jurisdição perante os tribunais portugueses em ação contra ele proposta por cidadão português despedido pela sua Embaixada, onde prestava trabalho subordinado». E, de igual modo, o Acórdão STJ, de 4 de novembro de 1997, relativo à falta de provisão de cheques de um cônsul estrangeiro: «Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer de ação cível contra um Estado estrangeiro por atos de soberania ou atos de gestão pública destes, pois, neste caso, goza o Estado estrangeiro de imunidade de jurisdição segundo o direito internacional consuetudinário recebido automaticamente no direito interno português, conforme disposto no artigo 8.º n.º 1 da Constituição de 1989». Como é também o acórdão TRL, de 12 de julho de 1989 (Proc.º 4918): «I — Dado que um Estado é soberano e independente dos outros Estados, criou-se uma regra consuetudinária de direito internacional segundo a qual os Estados estrangeiros gozam de imunidade de jurisdição local quanto às causas em que intervieram na posição de réus; II — Esta regra vigora em Portugal por força do artigo 8 da Constituição da República; III — Assim, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer de ação cível ou laboral proposta contra um Estado Estrangeiro».         

[174] Proc.º 2927.

[175] Proc.º 01S2172.

[176] Local citado.

[177]

[178] Proc.º 2075/12.0TTLSB.L1-4.

[179] Proc.º 12515/16.4T8LSB.2.L1-4.

[180] Já em acórdão de 16 de novembro de 2016 (Proc.º 1360/16.7T8LSB.L1-4), o TRL valorara positivamente a circunstância de os dois Estados em causa terem já ratificado a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidades dos Estados e seus Bens: «Além disso, constatando-se que o normativo constante da Convenção da ONU foi ratificado pelos dois países em causa no caso sub judice, deve o mesmo ser observado nas relações bilaterais entre ambos por corresponder ao seus atos de vinculação, quer no que diz respeito ao princípio geral do afastamento da imunidade relativamente a contratos de trabalho, quer no que diz respeito às situações em que essa restrição à imunidade é afastada».

[181] Proc.º 2079/15.1T8CBR.C1.S1.

[182] Proc.º 10736/18.4T8LSB.1.L1-A.S1. Citado (infra) na informação do Gabinete de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República.

[183] Proc.º 10736/18.4T8LSB.1.L1.S1.

[184] Proc.º 9677/15.1T8LSB-A.L1-6.

[185] Proc.º 683/14.4TVLSB-A.L1-1.

[186] Obra citada, p. 243.

[187] F. JESÚS CARRERA HERNÁNDEZ, local citado, p. 730.

[188] ANTONIO REMIRO BROTÓNS/ ROSA RIQUELME CORTADO/ JAVIER DIEZ-HOCHLEITNER/ ESPERANZA ORIHUELA CALATAYUD/ LUIS PÉREZ-PRAT DURBÁN, obra citada, p. 1045.

[189] V. MARTIN DIXON, Textbook on International Law, 4.ª edição, Blackstone Press, Londres, 2000, p. 166.

[190] Curso de Direito Internacional Público, obra citada, p. 125.

[191] V.g. Artigos 53.º e 64.º.

[192] Ius Cogens em Direito Internacional, Ed. Lex, Lisboa, 1997, p. 255

[193] Idem, p. 274, p. 277 e seguintes.

[194] Idem, p. 271 e seguintes.

[195] V. JORGE MIRANDA, obra citada, p. 131.

[196] Declaração sobre os princípios do direito internacional em relação às relações de amizade e cooperação entre os Estados de acordo com a Carta das Nações Unidas.

[197] Curiosamente, a única decisão do Tribunal Constitucional relativa a imunidade de jurisdição de um Estado estrangeiro diz respeito, a um caso de renúncia. Com efeito, No Acordo Laboral, anexo ao Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, assinado em Lisboa, a 11 de outubro de 1995, esta Parte Contratante renunciou expressamente à imunidade de jurisdição nas ações laborais intentadas por trabalhadores ao serviço da Base Aérea das Lajes. Uma vez desaplicada por violação do princípio da igualdade a norma que convencionava a competência do tribunal da Comarca de Angra do Heroísmo, o Tribunal Constitucional não a julgou inconstitucional, entre outros, no Acórdão n.º 273/03, de 28 de maio de 2003 (3.ª Secção, proc.º 212/2003).

[198] 1.ª Secção, Proc.º 18954/20.9T8LSB.S1.

[199] 2.ª Secção, Proc.º 19354/20.6T8LSB.S1.

[200] Sobre tal problema, v. ISABEL ALEXANDRE, Relações entre a convenção e o direito processual civil, in Paulo Pinto de Albuquerque (org.), Comentário da convenção Europeia dos Direitos Humanos e Protocolos Adicionais, vol. I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019, p. 432 e seguintes.

[201] Adotada em Roma, a 4 de novembro de 1950, veio a ser aprovada para ratificação, com reservas, através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro (cf. Declaração de Retificação in Diário da República, I Série, n.º 286, de 14 de dezembro de 1978.

[202] Queixa n.º 35763/97.

[203] V. JORGE MIRANDA, obra citada, p. 124 e seguintes; EDUARDO CORREIA BAPTISTA, Jus cogens em Direito Internacional, Ed. Lex, Lisboa, 1997.

[204] Ainda que compreenda princípios fundamentais, v.g. o princípio pacta sunt servanda. Refira-se, por exemplo, que a proibição da pena de morte encontra-se longe de reunir o necessário consenso para ser considerada norma cogente. Basta darmo-nos conta de que dois dos membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos da América e República Popular da China) continuam a aplicar a pena capital.

[205] V. ISABEL ALEXANDRE, Relações entre a convenção e o direito processual civil, in Paulo Pinto de Albuquerque (org.), Comentário da convenção Europeia dos Direitos Humanos e Protocolos Adicionais, vol. I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019, p. 446. A p. 449 e seguinte, a Autora completa a cuidadosa recensão jurisprudencial no tocante à imunidade de execução, assinalando o Caso Kalogeropoulou e Outros v. Grécia e Alemanha (queixa n.º 59021/00, Acórdão de 12 de dezembro de 2002) e o Caso Manoilescu e Dobrescu c. Roménia e Rússia (queixa n.º 60861/00, Acórdão de 3 de março de 2005) e o Caso Nikolaus e Jurgen Treska v. Albânia e Itália (queixa n.º 26937/04, Acórdão de 29 de junho de 2006).

[206] Obra citada, p. 247.

[207] Sobre a contenção da jurisprudência internacional em excecionar a imunidade da jurisdição civil, mesmo em casos de responsabilidade civil extracontratual por violação de normas de jus cogens v. ISABEL ALEXANDRE, Relações entre a convenção e o direito processual civil, local citado, p. 249 e seguintes.

[208] V. CARLOS D. ESPOSITO MASSICCI/FRANCISCO J. GARCIMARTIN ALFEREZ, El Articulo 24 de la Constitucion y la Inmunidad Civil de los Agentes Diplomáticos Extranjeros (A propósito da STC 140/1995), in Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 16, n.º 47 (maio-agosto, 1996), p. 257 e seguintes.

[209] Já nos referimos à garantia bancária autónoma que permite satisfazer, de imediato, o cumprimento da obrigação: «A garantia bancária “on first demand” tem uma natureza autónoma em relação ao contrato subjacente, de que emerge a obrigação garantida» (TRL, 11 de fevereiro de 2016, Proc.º 11767-11.0YYLSB-A.L1-8).

[210] Recurso n.º 1951/1991. O Acórdão encontra-se publicado no Boletín Oficial de España, n.º 246 (suplemento), de 16 de outubro de 1995, p. 51 e seguintes.

[211] Para um exaustivo comentário ao acórdão, v. CARLOS D. ESPOSITO MASSICCI/FRANCISCO J. GARCIMARTIN ALFEREZ, local, citado, p. 257 e seguintes.

[212] A Sentença do Tribunal Constitucional espanhol 176/2001, de 17 de setembro (Boletín Oficial del Estado, de 17 de setembro) adotou semelhante entendimento. Já no Auto do Tribunal Constitucional espanhol 112/2002, de 1 de julho, concluiu-se que as quantias em dinheiro restituídas à Embaixada dos Estados Unidos da América em Madrid por conta da isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) representavam um benefício fiscal e prestavam-se a verificar a sua procedência: relativas a despesas de gestão pública ou de gestão privada. Quanto a estas últimas já as instâncias tinham considerado encontrarem-se fora da imunidade de execução, podendo, como tal, ser penhoradas a fim de satisfazer os créditos do trabalhador despedido (Sobre tal jurisprudência, v. CESÁREO GUTIÉRREZ ESPADA/ MARIA JOSÉ CERVELL HORTAL, Derecho Internacional (Corazón y funciones), Ed. Civitas/Thomson Reuters, Pamplona, 2022, p. 80).

[213] Do Capítulo III, do Título III, do Livro II.

[214] Pode ler-se no n.º 1 do artigo 9.º:

      «O Ministério Público tem intervenção principal nos processos:

      a) Quando representa o Estado;

      b) Quando representa as regiões autónomas e as autarquias locais;

      c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta;

      d) Quando assume, nos termos da lei, a defesa e a promoção dos direitos e interesses das crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída bem como de outras pessoas especialmente vulneráveis;

      e) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de caráter social;

      f) Quando representa interesses coletivos ou difusos;

      g) Nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade».

[215] De modo diverso, a intervenção do Ministério Público para defesa da ordem pública, na revisão de sentença estrangeira, tem lugar para defesa da legalidade: evitar um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (cf. artigo 980.º, alínea f), artigo 982.º e artigo 985.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

[216] Acerca da intervenção acessória do Ministério Público em processo civil, v. FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, vol. I, 3.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 696 e seguinte.

[217] Aprovado pela Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, e cuja redação seu por assente mediante a Declaração de Retificação n.º 22/2021, de 9 de julho.

[218] V. TIAGO FIDALGO DE FREITAS/ ANA ALVES LEAL/ TERESA PINTO, O Estatuto de Utilidade Pública: Anotação à Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, Aprovada pela Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, p. 120 e seguintes.

[219] Acerca da personalidade jurídica internacional da Santa Sé, v. PAULO POLIDO ADRAGÃO, Apresentação geral do Painel ‘Sujeitos não estaduais de direito internacional de inspiração religiosa, in Francisco Pereira Coutinho/ Tiago de Melo Cartaxo/ Juan Manuel Rodríguez Barrigón (coordenação), Os Sujeitos Não Estaduais no Direito Internacional, Ed. Petrony, Lisboa, 2019, p. 78 e seguintes.

[220] Acerca da subjetividade internacional da Ordem de Malta, MANUEL DE ALMEIDA RIBEIRO, A subjetividade internacional da Ordem de Malta, in Os Sujeitos Não Estaduais no Direito Internacional, citado, Lisboa, 2019, p. 109 e seguintes.

[221] Acerca da Cruz Vermelha Internacional como ator estadual sui generis, v. CARLOS R. FERNÁNDEZ LISTA, Los actores no estatales en el derecho internacional, in Os Sujeitos Não Estaduais no Direito Internacional, citada, Lisboa, 2019, p. 64.

[222] Obra citada, p. 199 e seguinte.

[223] Note-se que na Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, de 18 de maio de 2004, é reconhecida a personalidade jurídica da Sé Apostólica no plano do direito internacional (cf. artigo 1.º, n.º 2) e a personalidade jurídica da Conferência Episcopal Portuguesa, no plano do direito interno (cf. artigo 8.º), assim como das dioceses, paróquias e outras jurisdições eclesiásticas, desde que o ato constitutivo da sua personalidade jurídica canónica seja notificado ao órgão competente do Estado (cf. artigo 9.º, n.º 2) ou das demais pessoas jurídicas canónicas por «inscrição em registo próprio do Estado em virtude de documento autêntico emitido pela autoridade eclesiástica competente de onde conste a sua ereção, fins, identificação, órgãos representativos e respetivas competências (cf. artigo 10.º, n.º 3). Referimo-nos à Concordata aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 16 de novembro, e ratificada pelo Presidente da República, nos termos do Decreto n.º 80/2004, de 16 de novembro.

[224] Princípios de Direito Internacional Público, Serviço de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian (Principles of Public International Law, 4.ª ed., Oxford University Press, 1990), tradução de Maria Manuela Farrajota/Maria João Santos/Victor Richard Stockinger/Patrícia Galvão Teles, Lisboa, 1997, p. 111.

[225] É o caso da denominada República Turca do Chipre do Norte, apenas reconhecida pela Turquia, bem como várias repúblicas separatistas do Cáucaso com forte implantação russófona (Abcásia, Ossétia do Sul) Refira-se, ainda, o Kosovo cujo reconhecimento, embora concedido por Portugal, a 7 de outubro de 2008, é ainda limitado (a Sérvia, a Federação Russa e a República Popular da China opõem-se ao reconhecimento, assim como a Espanha, a Roménia ou a Grécia). Mais complexo é o caso da Formosa ou Taiwan, reconhecido por alguns Estados como sede do governo legítimo da República da China.

[226] O caso da Lituânia, da Estónia e da Letónia, após recuperação da independência, em 1991, perdida desde a invasão soviética, em 1940.

[227] O caso da Sérvia com relação à antiga República Federal da Jugoslávia, após a secessão do Montenegro, em 2006.

[228] Dicionário de Contencioso Administrativo, 2.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2018, p. 374 e seguinte.

[229] Código de Processo Civil Anotado, vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração — artigos 1.º a 702.º), 3.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2022, p. 417.

[230] Idem, p. 418.

[231] Direito Processual Civil, I, 3.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 696.

[232] Idem, p. 696 e seguinte.

[233] JOÃO CASTRO MENDES/ MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, vol. I, Ed. AAFDL, 2022, p. 397.

[234] Acerca das relações de cortesia como fundamento das imunidades de jurisdição e citando a jurisprudência internacional do TEDH v. ISABEL ALEXANDRE, obra citada, p. 239.

[235] A respeito da reciprocidade na prática de alguns Estados, v. ANTONIO REMIRO BROTÓNS/ ROSA RIQUELME CORTADO/ JAVIER DIEZ-HOCHLEITNER/ ESPERANZA ORIHUELA CALATAYUD/ LUIS PÉREZ-PRAT DURBÁN, obra citada, p. 1042. Refira-se, ainda, o citado artigo 222.º do Código de Processo Civil ao remeter, subsidiariamente, para um critério de reciprocidade.

[236] V. ALBINO DE AZEVEDO SOARES, Direito Internacional Público, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1996, p. 21 e seguinte. O Autor identifica um importante setor da doutrina que atribui às normas de cortesia internacional um caráter subsidiário secundário (p. 22).

[237] A respeito do costume bilateral, v. Acórdão do Tribunal Internacional de Justiça, de 12 de abril de 1960 (Portugal v. União Indiana). Ficou conhecido com Caso do Direito de Passagem. O acórdão do TIJ deu razão, em grande medida, às pretensões portuguesas, ao reconhecer o direito de passagem a civis entre os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli e o restante território do Estado da Índia Portuguesa. Pela primeira vez, a jurisprudência internacional reconhecia valor jurídico a normas consuetudinárias puramente bilaterais.

Legislação
COD PROC CIV 2013 ART 24 ART 59 ART 62 ART 63 ART 85 ART 89 ART 222 ART 736 N7 ART 39 ART 80 N8 ; PORT 239/2020 2020/10/12; LEI 36/2021 DE 2021/06/14;
CONV VIENA SOBRE RELAÇÕES DIPLOMATICAS DL 48295 DE 27-03-1968; CONV DAS NU SOBRE IMUNIDADE JURISDICIONAL DOS ESTADOD E SEUS BENS, RAR 46/2006 E DPR 57/2006 IN DR 20-06-2006
 
Jurisprudência
AC STJ DE 2006/02/18 PROC 05S3279; AC STJ DE 2012/05/29 PROC 137/06.2TVLSB.L1.S1; AC STJ DE 2021/05/19 PROC 10736718.4T8LSB.1L1-A.S1; AC STJ DE 2014/06/04 PROC. 2075/12.OTTLSB.L1.S1; AC STJ DE 2021/09/08 PROC 19354/20.6T8LSB.S1; AC STJ DE 2022/03/29 PROC 15998/18.4T8LSB.L1.S1; AC STJ DE 2014/11/25 PROC 1298/13.OTTLSB.L1.S1; AC STJ DE 2002/11/13 PROC 01S2172; ; AC STJ DE 2022/09/21 PROC 10736/18.4T8LSB.1.L1.S1; AC STJ DE 2016/11/10 PROC 9677/15.1T8LSB-A.L1-6; AC TRIB REL LX DE 24 FEV 2015; PROC 683/14.4TVLSB-A.L1.1 AC TRIB CONFLITOS DE 1981/11/05 PROC 124/81 ; AC TRIB CONFLITOS DE 25 SET 2003 PROC 11/2003; AC
 
Referências Complementares
DIR CONST* DIR INTERN PUBLICO
AC TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA DE 24 DE MAIO DE 1980;
CASO THE SCHOONER EXCHANGE V. MAC FADDON DE 1812
AC TEDH QUEIXA 35763/97 CASO AL-ADSANI V. RU
AC TEDH DE 14 DE JAN DE 2014 CASO JONES V. RU
AC TRIB CONST ESPANHOL RECURSO AMPARO N 14/1995 DE 28 SETEMBRO 1995
 
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