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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
29/2020, de 18.02.2021
Data do Parecer: 
18-02-2021
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Número de votos vencidos: 
2
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Economia e da Inovação
Relator: 
João Conde Correia dos Santos
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
João Conde Correia dos Santos

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou em conformidade



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões, aderindo à declaração de outro



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou parcialmente vencidoe



Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou todas as conclusões, aderindo à declaração de outro



Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou parcialmente vencidoe



João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou em conformidade

Descritores e Conclusões
Descritores: 
PERDA DE BENS
DEVOLUÇÃO DE BENS
OBJETOS PERIGOSOS
COISA FORA DO COMÉRCIO
CONFISCO
VANTAGENS
PERDA NÃO BASEADA NUMA CONDENAÇÃO
DIREITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL
ASAE
SANÇÃO ACESSÓRIA
MEDIDA DE SEGURANÇA
CONDENAÇÃO JUDICIAL
CASO JULGADO
Conclusões: 

         

Conclusões

               1.ª O confisco já era conhecido na Grécia e em Roma, foi utilizado durante toda a Idade Média e abusado pelos monarcas do Estado absoluto, que o converteram num agressivo instrumento de política económica;

               2.ª Devido a estes abusos, na sequência do pensamento iluminista, a generalidade das Constituições do início do século XIX proibiu o confisco de bens, assim garantindo o direito de propriedade da burguesia emergente;

             

              3.ª A partir dos anos 80, do século passado, o confisco renasceu no contexto da «guerra contra as drogas», incorporou novas valências (confisco alargado, confisco do património incongruente) e ganhou consagração internacional (v.g. Convenções das Nações Unidas, do Conselho da Europa, direito da União Europeia), tornando-se, rapidamente, num dos pilares da atual política criminal (art. 19.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2020, de 27 de agosto);

             

              4.ª O confisco dos instrumentos, produtos e vantagens do crime é uma medida de geometria variável, que poderá constituir uma pena acessória [art. 8.º, al.ª a), do Dec-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro], uma medida análoga à medida de segurança (art. 109.º, n.º 2, do Código Penal) ou uma medida de mera redução do património do condenado à situação patrimonial anterior à prática do crime (art. 110.º, n.º 5, do Código Penal);

              5.ª Compreende-se, por isso mesmo, que, quando não tem natureza penal, o confisco tanto possa ser baseado numa condenação (v.g. arts. 109.º, n.º 1 e 110.º, n.º 1, do Código Penal), como não baseado numa condenação (arts. 109.º, n.º 2, e 110.º, n.º 5, do mesmo diploma legal);

              6.ª O direito de mera ordenação social surgiu no direito nacional, em finais da década de setenta, do século passado, sendo as suas soluções, muitas vezes, similares, às do Código Penal que é, subsidiariamente, aplicável (art. 32.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro);

             

               7.ª O confisco no regime geral de mera ordenação social restringe-se aos instrumentos e aos produtos de uma contraordenação [arts. 21.º, n.º 1, al.ª a), 21.º-A, n.º 1, 22.º, n.º 1, e 25.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), não incluindo as suas vantagens, que apenas relevam para a determinação da medida da coima (art. 18.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Dec-Lei), sendo, por isso mesmo, muito menos ambicioso do que no direito penal;

              8.ª À semelhança do direito penal, a perda dos instrumentos e dos produtos de uma contraordenação pode ser baseada numa condenação [arts. 21.º, n.º 1, al.ª a), e 21.º-A, n.º 1, do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro] ou independente dessa mesma condenação (arts. 22.º, n.º 1, e 25.º do mesmo diploma legal);

             

              9.ª Com efeito, a perda de objetos que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, representem grave perigo para a comunidade ou risco de serem utilizados para a prática de um crime ou de outra contraordenação (art. 22.º, n.º 1, do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro) pode ter lugar, ainda que não possa haver procedimento contra o agente ou a este não seja aplicada uma coima (art. 25.º do mesmo diploma legal);

             

              10.º A prescrição do procedimento contraordenacional (tal como outras causas como a morte, a amnistia ou o mero desconhecimento da autoria dos factos) não obsta, assim, à perda de objetos perigosos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contraordenação ou que por esta foram produzidos;

             

              11.ª A correta utilização dos institutos da perda sanção acessória [arts. 21.º, n.º 1, al.ª a) e 21.º-A, n.º 1, do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro] e da perda independente de coima, de objetos perigosos (arts. 22.º, n.º 1 e 25.º do mesmo diploma) gera decisões autonomizáveis, carecidas de impugnação e de pronúncia independentes;

               12.ª Tratando-se de coisas perigosas ou fora do comércio jurídico, desde que o Tribunal da Relação não tenha conhecido do seu destino, proferindo decisão a determinar a sua entrega ou o seu confisco, nada impede que a entidade administrativa as declare, depois, perdidas, nos termos dos artigos 22.º, n.º 1, e 25.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro;

             

              13.ª A declaração de perda de tais objetos deverá obedecer ao princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP), devendo ser necessária para salvaguardar os perigos que a comercialização daqueles produtos desencadeia; e

 

               14.ª Tendo a entidade administrativa, na sua decisão inicial, face à natureza dos bens, permitido a sua comercialização em países terceiros, onde não vigoram as regras da União Europeia, a perda independente só poderá concretizar-se depois de esgotada esta possibilidade.

Texto Integral
Texto Integral: 

N.º 29/2020
JCC
 
 
Senhor Secretário de Estado do Comércio, Serviços e
Defesa do Consumidor
Excelência:
 
 
Solicitou Vossa Excelência, nos termos da alínea a), do artigo 44.º, do Estatuto do Ministério Público, parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria--Geral da República sobre:

               «o procedimento a adotar neste caso, isto é, se [a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE)] tem de proceder à devolução dos bens ou se, pelo contrário, poderá ser determinada uma outra medida que previna uma eventual introdução dos bens apreendidos no circuito comercial»[1].

 
Para o efeito, circunscrevendo melhor a questão colocada, invoca que:

              «no âmbito de uma ação inspetiva às instalações da Requerente Florêncio Augusto Chagas, S.A., a ASAE procedeu à apreensão de vários produtos da construção (perfis ocos de aço), uma vez que os mesmos não ostentavam a marcação CE nem se encontravam acompanhados da declaração de desempenho e respetiva documentação de suporte, em violação dos artigos 11.°, n.ºs 4 e 5 e 14.°, n.º 2, ambos do Regulamento (UE) n.º 305/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março, e artigo 12.°, n.º 2, alínea j), do Decreto-Lei n.º 130/2013, de 10 de setembro, conforme melhor descrito na Decisão administrativa que se anexa.
               Sucede que a sociedade em questão recorreu da decisão    administrativa, tendo os autos subido até ao Tribunal da Relação de Lisboa, que acordou pela prescrição do procedimento contraordenacional.
               Face ao vertido no douto Acórdão, já transitado em julgado, permanece em causa a devolução de bens à então Recorrente, porquanto não foi dado destino aos mesmos pelos Digníssimos Juízes Desembargadores, sendo certo que a legalidade se mostra impossível de repor.
               Receia a ASAE, no entanto, que essa devolução, tal como agora é pretendido pela então Recorrente, contrarie um dos fundamentos base da apreensão, que é o de evitar e fazer cessar situações de ilegalidade.
               Estes casos, em que a reposição da legalidade não se mostra possível conforme parecer técnico que se junta, parecem contrariar a devolução, tout court, dos bens à Recorrente».

 
1. Atentos os elementos disponibilizados no pedido de parecer, é a seguinte a situação controvertida:
Por decisão proferida pela ASAE, Florêncio Augusto Chagas, S.A., pessoa coletiva n.º 500 117 152, com sede na Avenida Jorge Manuel Vieira, Zona Industrial de Paul, Torres Vedras, foi condenada na coima de € 8.000,00, acrescida das custas processuais, fixadas em € 204,00, pela prática da contraordenação prevista e punida pelos arts. 11.º, n.ºs 4 e 5 e 14.º, n.º 2, do Regulamento (UE) n.º 305/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, e 12.º, n.º 2, al. j), do Decreto-lei n.º 130/2013, de 10 de Setembro;
A mesma decisão determinou, nos termos do disposto nos artigos 21.º, n.º 1, alínea a), 21.º-A, n.º 1, e 24.º, todos do Regime Geral das Contraordenações, conjugados com as pertinentes disposições específicas aplicáveis in casu, a perda dos bens identificados e apreendidos nos autos, bem como a sua destruição, com custos a suportar pela sociedade arguida;
No entanto, face à natureza dos referidos bens, a ASAE facultou à sociedade condenada a possibilidade de proceder à sua comercialização em países terceiros, com prova documental nos autos, uma vez que naqueles, não se aplicam as disposições da legislação de harmonização da União Europeia;
Inconformada com esta decisão, a arguida interpôs recurso para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Juízo Local Criminal de Torres Vedras), invocando a prescrição do procedimento contraordenacional e, subsidiariamente, a revogação da condenação ou a sua redução;
No referido Tribunal, o recurso foi julgado parcialmente procedente, tendo a arguida sido condenada na coima de € 7.500,00 e nas custas do processo, mantendo-se no demais a decisão recorrida;
Mais uma vez inconformada com a decisão, a arguida interpôs, novo, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando, novamente, a prescrição do procedimento contraordenacional, a revogação da condenação ou a sua redução;
Por acórdão, transitado em julgado, proferido em 26 de setembro de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa declarou prescrito o procedimento contraordenacional e determinou o, consequente, arquivamento do processo; e
Por requerimento, datado de 8 de outubro de 2019, os mandatários da arguida, invocando que «tendo em conta a prescrição do procedimento de contraordenação resulta claro que prescreveram também os motivos e fundamentos em que assentou a apreensão das mercadorias» pelo que carece de qualquer razão a sua manutenção, solicitaram a sua restituição, imediata, à Florêncio Augusto Chagas, S.A.
 
2. Nos termos do artigo 44.º, alª a), do Estatuto do Ministério Público (aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), compete ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República emitir parecer restrito a matéria de legalidade[2].
O Conselho Consultivo não é, portanto, competente nem para o apuramento de matéria de facto[3], nem, muito menos, para a decisão de casos concretos. As conclusões dos pareceres sobre disposições de ordem genérica que tenham sido homologadas e publicadas em Diário da República, apesar de valerem como interpretação oficial perante os serviços das matérias que se destinam a esclarecer (art. 50.º, n.º 1, do EMP), não vinculam os tribunais, os quais são independentes e estão exclusivamente sujeitos à lei. As suas decisões são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo, ainda, sobre as de quaisquer outras autoridades (arts. 203.º e 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), maxime os pareceres deste Conselho[4].
De todo o modo, seja qual for a decisão que, eventualmente, venha a ser proferida, o presente parecer sempre poderá contribuir para a uniformidade dos procedimentos das entidades administrativas (art. 50.º, n.º 1, do EMP) ou para a eventual correção de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais [art. 44.º, al.ª f), do EMP]. Por isso mesmo, atenta a lei vigente, se a solução encontrada para a questão controvertida se mostrar antagónica com os objetivos e fins que presidem à ASAE (evitar a introdução dos bens apreendidos no circuito comercial da União Europeia), será necessário ponderar uma eventual intervenção legislativa corretora, que prossiga o interesse público, sem, obviamente, se divorciar dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos, tal como prescreve o artigo 266.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
 
 
I
Breve análise da evolução do confisco
 
As origens históricas da perda ou do confisco de bens perdem-se na bruma da história: já era conhecido na Grécia e em Roma, de tal forma que, segundo Lopes Praça:

                «Em Roma, na decadência do Império, era perigoso ser rico. O desejo de apanhar as riquezas individuais convertia-as n’um verdadeiro crime aos olhos da cobiça e da devassidão moral»[5].

 
Na Idade Média o confisco continuou a ser amplamente utilizado: «Qui confisque le corps confisque les biens», diziam os Gauleses[6].

               O mesmo sucedeu com o Estado absoluto. Na síntese de Miguel Pino Abad:
               «a partir del siglo XIII, la Monarquía utilizó la ley penal como instrumento para hacer valer su autoridade y proteger el orden social que ell misma establecía».

De tal forma que, ainda segundo o mesmo autor, o confisco era uma pena pública destinada «a engrossar las arcas de la Corona»[7].
 
Não admira, por isso mesmo, que o jusracionalismo iluminista tenha reagido a estes abusos crescentes.
Montesquieu (1689-1755), apesar de ainda se render às vantagens das penas patrimoniais, já dizia que:

                «les confiscations rendraient la propriété des biens incertaine; elles dépouilleraient des enfants innocents; elles détruiraient une famille, lorsqu’il ne s’agirait que de punir un coupable» ou que:
               «la grande charte des Anglais défend de saisir et de confisquer, en cas de guerre, les marchandises des négociants étrangers, à moins que ce ne soit par représailles. Il est beau que la nation anglaise ait fait de cela un des articles de sa liberté»[8].

 
Pouco tempo depois, na famosa obra Dei delliti e delle pene, o marquês Cesare Beccaria (1735-1794), que dizia ser discípulo de Montesquieu, escreveu que:

              «as confiscações põem a preço a cabeça dos fracos, fazem sofrer aos inocentes a pena do réu, e põem os próprios inocentes na desesperada necessidade de cometer os delitos»; e que
              «a perda dos bens é uma pena maior do que a de expulsão»[9].

 
No mundo anglo-saxónico, Jeremias Benthan (1748-1832) juntou-se ao coro de protestos, afirmando a propósito da general confiscation:

               «I refer to this head those vexations exercised upon a sect, upon a party, upon a class of men, under the vague pretence of some political offence, in such manner that the imposition of the confiscation is pretended to be employed as a punishment, when in truth the crime is only a pretence for the imposition of the confiscation. History presents many examples of such robberies. The Jews have often been the object of them: they were too rich not to be always culpable. The financiers, the farmers of the revenue, for the same reason, were subjected to what were called burning chambers. When the succession to the throne was unsettled, everybody, at the death of the sovereign, might become culpable, and the spoils of the vanquished formed a treasury of reward in the hands of the successor. In a republic torn by factions, one half of the nation became rebels in the eyes of the other half. When the system of confiscations was admitted, the parties, as was the case at Rome, alternately devoured each other»[10].

 
Neste contexto, a generalidade das Constituições do início do século XIX proibiu o confisco[11]. O artigo 11.º da Constituição, de 23 de setembro de 1822, afirmava que «fica abolida (…) a confiscação de bens» e o artigo 145.º, § 19, da Carta Constitucional, de 29 de abril de 1826, afirmava que «nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja».
Mesmo assim, apesar desta proibição, que se manteve até à Constituição de 1976, a verdade é que o confisco sobreviveu nas formas de confisco especial, sendo conhecido no Código Penal de 1886, quer na parte geral (art. 75.º, n.º 1), quer na parte especial (v.g. arts. 240.º, § 1, 323.º, 458.º[12]) e, sobretudo, na legislação extravagante (v.g. no art. 9.º do Decreto n.º 15982, de 27 de setembro de 1928, no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 29964, de 10 de outubro de 1939, ou no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 41204, de 24 de junho de 1957[13]). 
De todo o modo, ainda assim, apesar destas manifestações esparsas, foi necessário esperar até à década de setenta, do século passado, para assistir ao fulgurante renascimento do confisco. Os EUA, no contexto da «guerra contra a droga», proclamada pelo presidente Nixon, reintroduziram-no como instrumento de combate ao flagelo da droga e da criminalidade organizada e depois, paulatinamente, foram alargando o seu âmbito de aplicação, estendendo-o a outras realidades criminais[14]. Seguindo este exemplo inicial, alguns Estados Europeus (Itália, Reino Unido) também introduziram novos mecanismos de ablação dos produtos do crime, contribuindo para a difusão internacional desta nova política criminal. Pouco a pouco, a nova lógica foi-se espalhando até se tornar global.
No final dos anos oitenta, esta nova estratégia de luta contra o crime consolidou-se, alargou-se a novos Estados e logrou consagração internacional. A Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, adotada pela 6.ª sessão plenária das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1988 (Convenção de Viena)[15] e a Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime, concluída em 8 de novembro de 1990 (Convenção de Estrasburgo)[16] são disto mesmo dois bons exemplos. Em ambos os casos, o confisco dos instrumentos e produtos do crime foi elevado à categoria de mecanismo fundamental na luta contra o crime.
A consolidação desta nova política criminal passou, ainda, pela extensão do confisco a todas as formas de crime aquisitivo, pela criação de robustos instrumentos de confisco alargado e pela introdução de mecanismos de confisco não baseado numa condenação[17]. Na verdade, as formas de confisco clássico, decorrentes de uma condenação e baseadas na prova de uma relação, direta ou indireta, entre uma coisa e um crime, rapidamente começaram a mostrar-se insuficientes. Nalgumas situações, quando for impossível demonstrar todos os proventos do crime ou toda a carreira criminosa do condenado, será preciso ampliar a perda a outros ativos, que, provável ou presumivelmente, ainda decorrem daquele crime, ou, então, que provêm de outros crimes semelhantes, para garantir a integral ablação das suas vantagens; noutras situações, apesar de não ser possível lograr uma condenação penal, ainda assim, justifica-se o confisco dos instrumentos e dos proventos do crime: morte, fuga, doença, amnistia, imunidade, prescrição, etc.  A impossibilidade de lograr uma condenação penal não deve impedir o confisco.
No princípio do novo milénio, com o aumento exponencial do flagelo do terrorismo, o confisco ou a perda de bens foi encarregado de uma nova missão: estancar o seu financiamento[18]. A investigação patrimonial e financeira começou a ser utilizada como um mecanismo de deteção, prevenção e combate ao financiamento do terrorismo. Embora já não estejam em causa as vantagens decorrentes da prática do crime, ou o seu sucedâneo, mas, ao contrário, os instrumentos necessários para a sua prática, justifica-se a utilização do mesmo instrumento. Apenas seguindo o rasto do dinheiro (na fórmula internacional «follow the money»), conseguiremos, muitas vezes, evitar a consumação futura destes crimes hediondos e a, consequente, perda de vidas humanas e de bens materiais, muitas vezes, de valor elevado.
Por último, a crise económico-financeira, que rebentou no final da primeira década do novo milénio, demonstrou a importância do white collar crime e, assim, a política criminal do confisco recebeu um novo impulso fundador: a investigação, a perseguição e, sobretudo, a consciência social da danosidade do crime económico aumentou substancialmente, legitimando a adoção generalizada de medidas profiláticas da mesma índole[19]. Se o principal estímulo para a prática destes crimes é o lucro, só adequadas medidas económicas antagónicas o podem combater. A reação penal deve anular a motivação criminal.
Desta forma progressiva, que acompanha o intensificar da globalização, em menos de cinquenta anos, o confisco tornou-se num mecanismo central de qualquer política criminal realista, quer em termos nacionais, quer em termos internacionais. Ameaçar com a perda dos proventos do crime tem um inquestionável efeito preventivo, de que não podemos prescindir[20]. No sugestivo título de Hans Nelen, «hit them where it hurts most».
Uma vez que a infiltração da economia legal pela economia ilegal pode pôr em causa o próprio Estado de direito e carece, assim, de uma resposta enérgica, ao lucro a todo o custo, devemos contrapor o maior confisco possível. Para além da pena aplicada, torna-se, agora, essencial recuperar os proventos do crime. Afinal Cesar Beccaria também dizia que:

               «àquele que procura enriquecer-se à custa dos outros dever-lhe-ia ser reduzido o seu próprio património»[21].

 
Não admira, por isso mesmo, que, nos últimos anos, o legislador nacional tenha elevado a recuperação de ativos à qualidade de prioridade de política criminal: «são prioritárias a identificação, a localização e a apreensão de bens ou produtos relacionados com crimes, a desenvolver pelo Gabinete de Recuperação de Ativos, nos termos previstos na Lei n.º 45/2011, de 24 de junho, e pelo Ministério Público, nos termos legalmente previstos»[22].
 
 
II
O confisco não baseado numa condenação
 
O confisco não baseado numa condenação (non conviction based confiscation) mergulha as suas raízes históricas no direito inglês arcaico[23]. Tradicionalmente, a perda fundava-se aí na ideia antiga de que também os objetos inanimados podiam ser culpados do mal e, em consequência, declarados perdidos em benefício da comunidade. A censura comunitária que sobre eles recaía impunha a sua perda como deo dandum (deodand). «Simply put, the theory has been that, if the object is “gilty”, it should be held forfeit. In the words of a medieval Englisch writer, “where a man killeth another with the sword of John at Stile, the sword shall be forfeit as deodand and yet no default is in the owner”»[24].
Para além disso, o direito inglês admitia, igualmente, o confisco no caso de crimes capitais (felony). Durante a Idade Média, quando a separação entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal ainda não era muito clara, o incumprimento das obrigações perante os senhores feudais (origem inicial do termo felony), determinava o confisco. Condutas como o homicídio, a violação, o incêndio ou o roubo eram então punidas com pena de morte e o confisco de bens em benefício dos senhores feudais ou do próprio rei.
Mais do que os deodands ou a felony forfeiture, as modernas non-conviction based confiscations foram, no entanto, influenciadas pela antiga possibilidade de confiscar barcos e mercadorias, constante do direito marítimo: esses velhos procedimentos in rem são mesmo o paradigma da moderna civil forfeiture[25]. Na generalidade dos casos de contrabando ou de pirataria, o responsável não estava presente, não era conhecido ou não podia, sequer, ser identificado, sendo necessário proceder contra os próprios navios ou as suas mercadorias: era a forma mais eficaz de lograr o confisco. O navio era tratado como arguido, como o instrumento ou a coisa suscetível de censura e merecedora do confisco. Os atos do capitão ou da tripulação, independentemente da culpa ou da inocência do proprietário, eram suficientes para o legitimar. Havia na própria coisa uma certa capacidade de culpa. «A certain personality, a power of complicity and guilty in the wrong»[26].
Esta oportuna ficção jurídica foi-se desenvolvendo e consolidando, pouco a pouco, alcançando outros domínios, para além do limitado espaço geográfico onde surgiu inicialmente. Paulatinamente, a possibilidade de processar as próprias coisas (procedimento in rem), em vez de perseguir e punir os verdadeiros culpados (procedimento in persona), tornou-se numa ideia conatural aos sistemas da common law, convertendo-se na pedra angular do seu atual regime de recuperação dos ativos provenientes da prática do crime. A condenação do autor do facto é, para o efeito, irrelevante.
Na década de oitenta do século passado, como já referimos, face à emergência de uma nova realidade criminal, sobretudo por força das convenções e dos fóruns internacionais, o confisco não baseado numa condenação começou também a influenciar os sistemas da civil law[27]. Os mecanismos tradicionais do confisco começaram a ser vistos como insuficientes, sendo, muitas vezes impossível (maxime por simples questões processuais) estabelecer a necessária ligação entre os bens confiscáveis e o crime pregresso. A desejável e mais do que justa perda soçobra, frequentemente, apenas porque não é sequer possível condenar o visado. Em vez de perseguir o arguido, o confisco começou, lentamente, a prosseguir também contra as próprias coisas, deixando assim de ter natureza exclusivamente penal, para passar a ter também inquestionável natureza real (actio in rem): a condenação por uma qualquer atividade criminal anterior é, cada vez menos, uma exigência incondicional.
Três acontecimentos internacionais ilustram muito bem a utilização progressiva de mecanismos de confisco não baseados numa condenação nos sistemas da civil law.
Em primeiro lugar, numa reunião dos Ministros da Justiça e da Administração Interna, realizada em Paris, em 5 de maio de 2003, o G-8 adotou um documento (G8 Best Principles on tracing, freezing and confiscation of assets) nos termos do qual:

              «States are encouraged to examine the possibility to extend, to the extent consistent with the fundamental principles of their domestic law, confiscation by: permitting the forfeiture of property in the absence of a criminal conviction» [28].

 
Também no mesmo ano, em 31 de outubro, a Assembleia-Geral das Nações Unidas adotou a Convenção Contra a Corrupção (Convenção de Mérida), segundo a qual, cada Estado Parte deverá, em conformidade com o seu direito interno:

               «considerar a adoção de medidas que se revelem necessárias para permitir a declaração de perda desses bens na ausência de sentença criminal quando contra o autor da infração não possa ser instaurado um procedimento criminal em razão de falecimento, fuga, ausência ou noutros casos apropriados» [29].
 

Por último, ainda no mesmo ano, as 40 recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) preconizavam, igualmente, que:

              «Countries may consider adopting measures that allow such proceeds or instrumentalities to be confiscated without requiring a criminal conviction, or which require an offender to demonstrate the lawful origin of the property alleged to be liable to confiscation, to the extent that such a requirement is consistent with the principles of their domestic law»[30].

 
Na União Europeia, a comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho (de 20 de novembro de 2008), denominada «produto da criminalidade organizada: garantir que o “crime não compensa”», lançou o debate sobre a possibilidade de criar mecanismos de confisco «sem uma condenação prévia no âmbito de um processo penal», designadamente:

               «quando há suspeita de que os bens são o produto de crimes graves, devido à sua desproporção em relação ao rendimento declarado do seu proprietário e ao facto de este ter contactos habituais com criminosos conhecidos. Neste caso devia ser possível recorrer a um tribunal civil (que pode ordenar o confisco de bens) com base no pressuposto, segundo um cálculo de probabilidades, de que esses bens podem provir de atividades criminosas. Nestes casos o ónus da prova é invertido e o presumível criminoso tem de provar a origem lícita dos ativos»; ou ainda «quando a pessoa suspeita de certos crimes graves tiver morrido, estiver em fuga desde há algum tempo ou não puder, por qualquer outra razão, ser objeto de um processo» [31].

 
Neste cenário axiológico, não admira que o artigo 4.º, n.º 2, da recente Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril (inspirada naquele artigo 54.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção[32]) também proponha que o confisco não baseado numa condenação deverá ser admissível:

               «se não for possível a perda com base no n.º 1 (isto é, nos termos tradicionais), e pelo menos se tal impossibilidade resultar de doença ou de fuga do suspeito ou arguido, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para permitir a perda dos instrumentos ou produtos nos casos em foi instaurado processo penal por uma infração penal que possa ocasionar direta ou indiretamente um benefício económico, e em que tal processo possa conduzir a uma condenação penal se o suspeito ou arguido tivesse podido comparecer em juízo»[33] .

 
Logo na mesma altura, porventura insatisfeitos com as soluções consagradas na nova Diretiva, o Parlamento Europeu e o Conselho solicitam à Comissão que:

               «na primeira oportunidade e tendo em conta as diferentes tradições e sistemas jurídicos dos Estados-Membros, analise a viabilidade e as eventuais vantagens de introduzir novas regras comuns para o confisco de bens decorrentes de atividades de natureza criminosa, inclusive na falta de condenação de uma ou mais pessoas especificamente por essas atividades»[34].

 
Não admira, por isso mesmo, que o recente relatório da Comissão Europeia para o Parlamento Europeu e o Conselho, de 2 de junho de 2020, denominado «recuperação e perda de bens: garantir que o crime não compensa», tenha concluído que:

               «A Comissão considera que a introdução de mais medidas no domínio da perda não baseada numa condenação é viável e apresenta vantagens em termos de aumento das atividades de congelamento e perda dos produtos do crime»[35].

 
Devido a este impulso exógeno decisivo, será provável que – num futuro próximo – as non-conviction based confiscations assumam também um lugar central no sistema europeu de recuperação de ativos. A civil law será, paulatinamente, contaminada pela maior possibilidade de declarar a perda sem necessidade de uma condenação prévia.
 
 
III
As bases dogmáticas do confisco
 
O confisco teve na sua origem objetivos de índole diversa. Por um lado a retribuição associada à ideia de apagar todas as consequências do ilícito; por outro lado a prevenção geral, procurando demonstrar que «o crime não compensa» ou a prevenção especial, procurando evitar os riscos decorrentes da posse de certos bens intrinsecamente perigosos ou detidos por pessoas com propensão para os utilizar no cometimento de novos crimes[36].
Fruto desta tripla origem e da rápida evolução das últimas décadas, malgrado a harmonização decorrente dos instrumentos internacionais, não existe, hoje, consenso relativamente à verdadeira natureza jurídica do confisco[37], que é considerado uma pena, um efeito das penas, uma medida análoga às medidas de segurança ou, simplesmente, uma medida civil, enxertada no processo penal de restituição do património do condenado ao status quo ante à prática do crime.
 
O confisco não deve ser, nas palavras de Jorge de Figueiredo Dias:

              «pena acessória, antes de mais, porque a perda não possuiu qualquer ligação com a culpa do agente pelo ilícito-típico  perpetrado: podendo o instituto intervir mesmo relativamente a inimputáveis, por um lado, e podendo ele intervir, por outro lado, mesmo que nenhuma pessoa determinada possa ser perseguida ou condenada, torna-se patente que a – eventual – culpa do agente não constituiu sequer limite da intervenção da providência»[38].

 
Acresce que, para que pudesse ser considerado uma pena, o confisco deveria agredir o património lícito do condenado. Retirar-lhe aquilo que ele obteve através da prática do crime não representa uma qualquer sanção, antes é um mecanismo de restituição do condenado à situação patrimonial que tinha antes da prática do crime (commodum ex injuria sua non habere debet). Como, lucidamente, já dizia Sidónio Rito «o crime nunca é título legítimo de aquisição»[39].
Poderão assim ser questionadas soluções legais como as constantes do artigo 8.º, alª a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, que qualifica como pena acessória a perda de bens[40]. Como resulta do pensamento de Inês Ferreira Leite, a perda só será, verdadeiramente, uma pena quando, censurando um determinado comportamento, atingir o património que o arguido adquiriu licitamente[41]. Para o efeito, não poderá estar ligada à mera ablação dos instrumentos, produtos ou vantagens decorrentes da prática de um crime mas a outros bens lícitos existentes na esfera jurídica do condenado. Quando a perda apenas procura evitar o perigo para a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública ou o risco sério de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, não se poderá falar de pena. Seguindo o mesmo entendimento, o simples confisco dessas coisas é suficiente para afastar esses perigos ou riscos. Ir para além disso será, sem qualquer utilidade prática, confundir as funções da perda de bens com as funções da pena de multa, originando uma dupla agressão ao património do condenado, obviamente sujeita a todas as garantias do direito criminal[42]. O confisco destes bens não tem, segundo este raciocínio, qualquer sentido, não logrando nada que não tenha sido já obtido com a própria pena.
Da mesma forma, como veremos melhor infra, também a possibilidade de confiscar o valor equivalente, em vez de confiscar o próprio instrumento ou produto (art. 109.º, n.º 3, do Código Penal) é questionável[43]. Uma vez que não se confisca a própria coisa, a justificação para a sua perda deixa de ser o perigo (que, muitas vezes, já nem, sequer, existe, porque a coisa foi, por exemplo, destruída) para passar a ser a censura criminal da utilização daqueles bens, transformando esta medida numa verdadeira pena acessória. Retirar do património do arguido aquele valor tem, assim, hoje um claro caráter sancionatório.
Para Jorge de Figueiredo Dias o confisco também não deve ser um efeito da pena ou da condenação porque:

                «uma vez mais, pode no caso não haver sequer pena ou condenação e haver lugar, todavia, à perda. E depois porque, tendo a nossa lei vigente (…) considerado os efeitos da pena como pena acessória, se a perda não conforma uma pena acessória não poderia nunca também, no sistema legal, constituir um efeito da pena»[44].

 
Ainda segundo o mesmo professor: o confisco não deve, igualmente, ser uma medida de segurança, uma vez que não está em causa a perigosidade de um qualquer agente, mas a perigosidade da própria coisa. Nas suas próprias palavras:

               «A perda dos instrumentos e (ou) do produto do crime não é por outro lado, rigorosamente, uma medida de segurança. E não o é, desde logo mas decisivamente, porque a medida de segurança criminal constitui (…) um instrumento sancionatório orientado pela e para a perigosidade do agente, que constitui assim um seu pressuposto irrenunciável. Tal não sucede com o instituto da perda, onde a perigosidade e a sua prevenção se referem aos objetos relacionados com o crime como seus instrumentos ou produto, não à pessoa do agente do facto ilícito-típico praticado».

 
1. Segundo uma conceção corrente na Alemanha (ou nos EUA), compartilhada entre nós por Jorge de Figueiredo Dias, o confisco dos instrumentos e produtos deverá distinguir-se do confisco das vantagens[45].
Os instrumentos e produtos do crime (na restrita conceção nacional), mesmo quando não são intrinsecamente perigosos, podem, pela sua própria natureza ou pelas circunstâncias do caso, pôr em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecer sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, devendo, por isso mesmo, ser confiscados, ainda que nenhuma pessoa possa ser condenada pela prática do facto.
Na síntese do Tribunal Constitucional:
«este tipo de medidas tem como fundamento razões de índole preventiva, visando impedir que tais instrumentos ou produtos possam ser utilizados para a prática de novos ilícitos ou que, atenta a sua perigosidade, possam colocar em causa a segurança das pessoas ou da ordem pública»[46].
Já as vantagens decorrentes da prática do crime são, normalmente, constituídas por bens ou utilidades que, per si, não desencadeiam qualquer perigo. Mesmo que possam ser investidas na prática de um novo ilícito, a verdade é que, normalmente, são branqueadas através da aquisição de bens inofensivos. Na base do seu confisco, está portanto:

                «um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que “o ‘crime’ não compensa”. Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), assim sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração). Nem é seguramente diferente o pensamento político-               -criminal que a doutrina alemã pretende afirmar – a propósito do instituto paralelo da Verfall – quando fala da necessidade de “aniquilamento do benefício patrimonial ilicitamente conseguido” e, consequentemente, de o Estado “não tolerar uma situação patrimonial antijurídica”, operando a “restauração da ordenação dos bens correspondente ao direito”»[47].

 
Com efeito:

               «El comiso no tiene los mismos fines que la pena criminal, sino que persigue remediar un estado patrimonial ilícito surgido como consecuencia de la comisión de un delito. Fin del comiso es corregir la perturbación del ordenamiento jurídico consecuencia de la situación patrimonial ilícita generada por la comisión de delitos. No pretende desaprobar ni castigar un comportamiento antijurídico, sino impedir que persista en el futuro una perturbación del ordenamieneto jurídico producida en el pasado»[48].

 
Na fórmula do Tribunal Constitucional:

               «além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente. Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto»[49].

 
Mesmo assim, apesar desta diferença substancial, a verdade é que Jorge de Figueiredo Dias, ao contrário da doutrina alemã, qualificava, quer a perda dos instrumentos e produtos do crime, quer a perda das suas vantagens como uma «medida sancionatória análoga à medida de segurança»[50].
Esta solução não era unânime na doutrina nacional, não faltando quem preconizasse uma maior separação entre a perda dos instrumentos e produtos do crime e a perda das suas vantagens. À sua autonomia dogmática corresponderia uma autonomia técnica. Assim, enquanto no primeiro caso se poderia falar de «uma providência sancionatória de natureza análoga à medida de segurança», no segundo só se poderia falar de uma medida de caráter penal[51].

               Com efeito:
               «Em primeiro lugar, do ponto do vista das finalidades prosseguidas, a perda encontra-se mais próxima das penas do que das medidas de segurança, porque a mensagem “o crime não compensa” é primacialmente dirigida à comunidade (prevenção geral), e só em segundo plano ao visado (prevenção especial).
               Depois, e decisivamente, a analogia com as medidas de segurança fica-se pela suficiência da prática de um facto ilícito-típico, deixando de fora o segundo elemento fundamental daquelas sanções: a concreta perigosidade revelada pelo agente. Como se sabe, é o perigo do cometimento de novos ilícitos que constitui o fundamento e, em certo sentido, a medida da medida de segurança. Ora, mesmo que se “torcesse” o instituto de maneira a fazer incidir o juízo de perigosidade não sobre o agente, mas sim sobre um estado patrimonial (a disponibilidade das vantagens), nada é mais alheio ao instituto da perda do que a avaliação concreta do perigo de que as vantagens sejam futuramente utilizadas na prática de novos crime, valha esse perigo como o se (co-pressuposto) da reação, ou como sua medida. Por outro lado, ainda que tal perigosidade pudesse ser estabelecida num plano abstrato – e nada leva a crer que assim seja, sobretudo nos crimes reditícios de que o agente é apenas beneficiário e não investidor (corrupção passiva, tráfico de influências) –, esse juízo exorbitaria claramente do quadro das medidas de segurança»[52].    

 
Em suma, correspondendo aos diferentes interesses que tem subjacentes, o confisco é um instituto de geometria variável, que tanto pode ser uma medida análoga à medida de segurança (baseada na perigosidade de certas coisas), como uma mera medida de restituição do património do arguido ao estado patrimonial anterior à prática do crime.
 
2. Contrariando toda esta lógica secular, as alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio (na sequência da Diretiva 2014/42/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia) vieram equiparar os instrumentos e produtos às vantagens da prática do crime.

              «Na verdade, não é possível justificar o confisco dos instrumentos à luz da ideia de que o crime não compensa e da reposição do status quo ante – precisamente porque, à data da prática do crime, o agente possuía esses bens. Quando (como já aflorámos) se deixa de fazer depender o confisco dos instrumentos da respetiva perigosidade intrínseca, e se permite a perda subsidiária do valor dos mesmos, o confisco não pode deixar de constituir uma pena acessória, destinada a censurar especialmente a utilização criminosa daqueles bens. Consequentemente, tem que estar coberta pela culpa, não pode ser aplicada no caso de não se conhecer o agente, etc. Tudo consequências absurdas e altamente indesejáveis que só a irreflexão e o sincretismo podem explicar»[53].

 
Tal como está consagrado no direito português vigente, o confisco poderá, em certos casos, assumir uma função punitiva, sendo (embora isso não seja pacífico do ponto de vista doutrinal) uma verdadeira pena acessória.
 
 
IV
O confisco dos instrumentos do crime no direito penal português
 
Neste contexto, atenta a verdadeira natureza dogmática do mecanismo, uma vez que ele pode não ter caráter penal, não admira que a perda dos instrumentos do crime possa ter lugar mesmo sem condenação (non-conviction based confiscation), nos termos do artigo 109.º, n.º 2, do Código Penal: o seu confisco «tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz».  O mesmo sucede com a perda dos produtos e das vantagens (art. 110.º, n.º 5, do mesmo diploma legal).

              
              1. A doutrina, embora só recentemente tenha despertado para este problema, afirma que:
              «Este regime legal, inquestionável atenta a mera letra da lei, justifica-se, seja porque os instrumentos do crime são intrinsecamente proibidos exorbitando o comércio jurídico (armas, produtos estupefacientes, géneros alimentícios e aditivos alimentares anormais, pornografia, contrabando, etc.), seja porque apesar de serem legais, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, põem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública ou oferecem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos (art. 109.º, n.º 1, 2.ª parte). Em ambos os casos está, portanto, em causa uma medida sancionatória de natureza análoga à medida de segurança, que se dirige in rem contra a própria res e é alheia à punição do autor dos factos. O que se tenta evitar é a perigosidade da própria coisa e não a perigosidade da pessoa, justificando-se o confisco com a necessidade de prevenir aqueles perigos e riscos. A perda dos instrumentos do crime procura, apenas, prevenir a prática de crimes futuros, não tendo nenhum caráter de censura de condutas pretéritas, afigurando-se, assim, legítimo proceder à mesma sem a necessidade de prévia condenação»[54].

 
2. Na mesma linha de argumentação, tem caminhado a jurisprudência nacional. Segundo o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de março de 2007 (disponível em www.dgsi.pt):  

               «O fundamento da perda a favor do Estado dos instrumentos que serviram ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, prevista no art. 109.º do CP, não é uma qualquer relação instrumental com o facto, mas a natureza da coisa e as condições de perigosidade que tal natureza revele; a perda constitui, deste modo, uma medida de segurança pelos riscos do instrumento em relação à afetação de determinados valores, ou de prevenção pela especial aptidão («sério risco») para a prática de novos ilícitos»[55].

 
Na verdade, conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de março de 2015:

               «é unânime o entendimento segundo o qual a perda de instrumentos, produtos e vantagens de um facto ilícito típico é uma medida preventiva, exclusivamente determinada por necessidades de prevenção e não como reação contra o crime: só deve ser decretada para evitar a perigosidade resultante da circulação do objeto (…); radica em exigências, individuais e coletivas, de segurança e na perigosidade dos bens apreendidos, ou seja, nos riscos específicos e perigosidade do próprio objeto e não na perigosidade do agente do facto ilícito (daí que não possa ser considerada uma medida de segurança) ou na culpa deste ou de terceiro (daí que não possa ser vista como uma pena acessória); e deve ser proporcional à gravidade do facto ilícito cometido (…).
                O que está em causa é a natureza da coisa e as condições de perigosidade que tal natureza revele (…), sendo a perigosidade avaliada em função do objeto em si ou tendo em conta as circunstâncias do caso»[56].

 
3. Nos termos do artigo 186.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, «logo que transitar em julgado a sentença, os animais as coisas ou os objetos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado». Com efeito, a sentença deverá, atento o disposto no artigo 374.º, n.º 3, alª c), do mesmo Código, conter a indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime. Por isso mesmo, se, por simples lapso, omissão ou qualquer outra razão, não for decretada a perda dos instrumenta, producta ou vantagens fica esgotado o poder jurisdicional, não podendo o erro ser, depois, reparado.
Convocando, de novo, a própria jurisprudência:

               «o momento correto para dar destino aos objetos apreendidos é a sentença. É isso que (…) igualmente decorre do evoluir normal do processo: é na sentença, após fixação da matéria assente, que se há de decidir se determinado objeto serviu ou estava destinado a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou se por este foi produzido e, bem assim, se o mesmo - pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso – oferece riscos sérios de ser utilizado no cometimento de novo facto ilícito, ou coloca em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas (…).
               Ora, não tendo sido ordenado o perdimento a favor do Estado de determinados bens apreendidos no tal momento correto que é a sentença, é possível fazê-lo em momento posterior, por simples despacho?

Há que distinguir:

               Se o bem ou objeto em causa é, por sua própria natureza, algo cuja detenção é proibida por particulares, o seu perdimento a favor do Estado deve ser declarado em despacho autónomo, mesmo após o trânsito em julgado da sentença onde (…) se omitiu o destino a dar-lhe. Com efeito, carece de qualquer razoabilidade permitir, por exemplo, que (…) seja devolvido ao arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, a droga que lhe foi apreendida, se o tribunal omitiu na decisão final o destino a dar-lhe.
               Se, porém, o objeto tem, em si, natureza lícita (rectius, se em abstrato a sua detenção por particulares é permitida por lei), então a sentença é o único momento em que pode ser declarado o seu perdimento a favor do Estado, verificados os pressupostos de que depende essa decisão»[57].

 
Por isso mesmo, ainda que a sentença não contenha os requisitos previstos na lei para a perda de bens, tratando-se de bens proibidos (v.g. armas), não podendo, em caso algum, ser devolvidos ao arguido, que não tem licença para a sua detenção, deverão ser sempre declarados perdidos a favor do Estado, pois são bens subtraídos do comércio jurídico e insuscetíveis de ser possuídos seja por quem for[58]. No instante imediatamente posterior à sua restituição, o possuidor passaria a deter um objeto proibido, em violação das leis vigentes, aplicáveis nesse caso concreto e, logo, eventualmente, a incorrer numa pena.
 
 
V
A perda no direito de mera ordenação social
 
O direito de mera ordenação social foi introduzido no direito penal nacional em finais da década de setenta do século passado[59], sendo as suas soluções, muitas vezes, similares, às do Código Penal, que é, subsidiariamente, aplicável (art. 32.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro)[60]. Ainda há muita similitude nas soluções. Com efeito, apesar das diferenças, persiste uma grande afinidade entre o direito de mera ordenação social e o direito penal. De tal forma que:

               «à semelhança deste, o direito das contraordenações caracteriza-se fundamentalmente como direito sancionatório, atuando com vista à proteção de bens jurídicos, mediante previsão de comportamentos ilícitos acompanhada de uma ameaça de sancionamento no caso da sua prática»[61].

 
Por isso mesmo, segundo alguma doutrina, em bom rigor, o direito de mera ordenação social ainda faz parte integrante do direito penal em sentido amplo[62]. Não admira, portanto, que, para além da semelhança das soluções, seja notória a semelhança das razões que lhes estão subjacentes. Tudo aquilo que dissemos relativamente à perda dos bens relacionados com o crime é, assim, também aqui aplicável. As razões que justificam o confisco dos instrumentos, produtos e vantagens decorrentes da prática de um crime são as mesmas que justificam a perda dos instrumentos, produtos e vantagens de uma contraordenação. 
 
1. O Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de julho[63], instituiu, entre nós, o direito de mera ordenação social, prevendo, naquilo que, aqui, interessa, a aplicação de coimas (art. 16.º e ss.), bem como, nos casos em que a lei o determinasse, a apreensão de objetos como sanção acessória de uma contraordenação (art. 19.º, n.º 1). Com efeito, a «apreensão» determinava a transferência da propriedade para o Estado ou para a entidade pública que a lei determinasse, sendo nulos os negócios jurídicos de alienação dos objetos, posteriores ao seu trânsito em julgado (art. 22.º)[64].
A apreensão só seria, contudo, permitida quando os objetos: que, ao tempo da decisão, pertencessem ao agente; que representassem um perigo para a comunidade ou para a prática de outra contraordenação; ou que, tendo sido alienados ou onerados a terceiro, este conhecesse ou devesse conhecer as circunstâncias determinantes da possibilidade da sua apreensão (art. 19.º, n.º 2).
Acresce que, excetuando os casos em que os objetos representassem um perigo para a comunidade ou para a prática de outra contraordenação, não haveria lugar à apreensão, quando ela fosse manifestamente desproporcionada à gravidade da contraordenação e da censurabilidade do agente ou do terceiro[65]; a apreensão deveria ser suspensa sempre que as suas finalidades pudessem ser devidamente prosseguidas através de medidas menos gravosas para as pessoas atingidas; e, quando possível, poderia ser limitada a uma parte dos objetos em causa (art. 20.º[66]).
A apreensão da própria coisa poderia ser substituída pela apreensão do seu valor equivalente: quando, antes ou depois da decisão, o agente frustrasse dolosamente, por qualquer meio, a apreensão total ou parcial de objeto que lhe pertencia no momento da prática do facto (art. 21.º[67]).
Para além dos casos em que a apreensão decorria da condenação numa determinada coima, o Decreto-Lei nº 232/79, de 24 de julho já previa a «apreensão independente de coima»:

              «1 - Se, por qualquer motivo, não puder haver procedimento contra uma pessoa ou contra ela não puder ser aplicada uma coima, poderá a apreensão dos objetos ou do valor substitutivo ser ordenada desde que se verifiquem os pressupostos da apreensão total ou parcial;
               2 - O disposto no número anterior aplicar-se-á também nos casos em que a autoridade competente para o procedimento dele desista ou o processo seja mandado arquivar» (art. 23.º).

 
Já as vantagens decorrentes da infração seriam (seguindo o § 17 (4) da Gesetz über Ordnungswidrigkeiten alemã) consideradas na determinação da medida da coima, efetuada «em função da gravidade objetiva da contraordenação, da censura subjetiva, da situação económica do agente e do benefício económico que retirou da prática da contraordenação» (art. 17.º[68]). Em vez de consagrar um regime de perda de vantagens semelhante ao da perda de instrumentos e produtos (tal como veio a acontecer no artigo 109.º do Código Penal de 1982), o legislador preferiu outra solução, assim se afastando do pensamento pioneiro de Eduardo Correia. Com efeito, apesar do exemplo alemão, Eduardo Correia já defendia, desde 1973, que a coima, com o sentido de advertência social, seria anulada «se o pagamento da importância em que ela se exterioriza não fosse acompanhado de medidas que privassem o agente dos lucros ou benefícios da infração (…). Daí que certas consequências acessórias, como a restituição das vantagens patrimoniais (…) possam ligar-se às medidas patrimoniais que, diretamente, exprimem uma censura social» [69].
O regime material da apreensão era depois completado por normas processuais, nomeadamente o processo de apreensão (art. 70.º), o processo autónomo de apreensão (art. 71.º) e a impugnação judicial da apreensão (art. 72.º).
Quanto ao processo de apreensão, o legislador previa que, quando a autoridade administrativa decidisse, no processo de aplicação de coima, apreender qualquer objeto, a mesma autoridade seria competente para: decidir da participação no processo das pessoas interessadas; decidir da necessidade de defensor oficioso e nomeá-lo; e decidir sobre a indemnização (art. 70.º, n.º 1). A autoridade administrativa deveria, ainda, em tais casos, notificar essas pessoas da apreensão (art. 70.º, n.º 2), passando, se o contrário não resultasse desse diploma, os notificados a ser considerados como participantes processuais, gozando de posição processual igual à do arguido (art. 70.º, n.º 3).
Quanto ao processo autónomo de apreensão, o legislador previa que a decisão da autoridade administrativa deveria, com as devidas adaptações, conter os seguintes elementos: a identificação dos visados; o nome e o endereço do advogado; a descrição do facto imputado; as provas obtidas e a indicação das normas segundo as quais se apreendia. A decisão deveria ainda informar que a condenação transitava em julgado e tornava-se exequível se não fosse judicialmente impugnada. Finalmente, a decisão devia conter a ordem de confisco do bem ou do pagamento do seu valor equivalente, no prazo máximo de duas semanas após o trânsito em julgado, bem como a indicação de que, em caso de impossibilidade de entrega ou de pagamento tempestivo, o visado devia comunicar o facto, por escrito, à autoridade apreensora (art. 71.º, n.º 1). A mesma norma estabelecia, ainda, que a competência para decidir da apreensão regia-se pelos critérios que fixavam a competência para a aplicação de uma coima, sendo, além disso, competente a autoridade em cuja área se encontrassem os objetos a apreender (art. 71.º, n.º 1).
Finalmente, quanto à impugnação judicial da apreensão, o legislador previa que ela obedecia ao regime da impugnação da decisão de aplicação de uma coima, não sendo, contudo, admissível recurso da decisão do tribunal da comarca quando o valor dos objetos apreendidos não excedesse 50000$00 (art. 72.º).
Apesar da confusão entre apreensão e confisco ou, como o nosso legislador prefere, perda e de nunca ter chegado a conhecer efetiva aplicação[70], a verdade é que este sistema, compreendendo regras materiais e regras adjetivas, já continha os traços essenciais daquele que é hoje o regime da perda no direito de mera ordenação social: no essencial, um sistema dual, que compreende o confisco baseado numa condenação e o confisco não baseado numa condenação.
 
2. Pouco tempo depois, o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, veio reafirmar, sob a epígrafe «sanções acessórias», que, nos casos em que a lei o determine, poderá decidir-se como sanção acessória de uma contraordenação a apreensão de objetos (art. 21.º, n.º 1) e, sob a epígrafe «apreensão independente de coima», que a apreensão dos objetos poderá ser ordenada, mesmo que não possa haver procedimento ou não possa ser aplicada uma coima (art. 25.º), deste modo repetindo, quase ipsis verbis o regime material anterior.
À semelhança do regime anterior e ao invés do Código Penal, entretanto, publicado (Decreto-Lei 433/82, de 23 de setembro), continuou, também, a inexistir um verdadeiro sistema de perda das vantagens emergentes da prática de uma contraordenação. O artigo 18.º afirmava que a determinação da medida da coima seria feita «em função da gravidade da contraordenação, da culpa e da situação económica do agente» (n.º 1) e que, sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo 17.º, a coima deveria, «sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contraordenação» (n.º 2).
A mesma lógica de continuidade sucedeu do ponto de vista processual, passando o legislador a regular o processo de apreensão, o processo autónomo de apreensão e a impugnação judicial da apreensão, nos artigos 83.º, 84.º e 85.º do novo diploma legal. Para além da alteração da numeração dos artigos, registam-se, assim, apenas pequenas alterações de redação, sem qualquer influência no efetivo conteúdo das normas.
As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, limitaram-se a reorganizar os artigos, passando o número dois do artigo 21.º a ser o número um do artigo 22.º. O seu conteúdo normativo manteve-se, porém, mais uma vez inalterado.
Finalmente, do ponto de vista substantivo, o Decreto-Lei n.º 244/95, de 17 de outubro, limitou-se a substituir o vocábulo apreensão pelo vocábulo perda[71], assim corrigindo aquela confusão original, a alterar o artigo 22.º, que sob a epígrafe «perda de objetos perigosos» passou a dispor que «podem ser declarados perdidos os objetos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contraordenação, ou que por esta foram produzidos, quando tais objetos representem, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, grave perigo para a comunidade ou exista sério risco da sua utilização para a prática de um crime ou de outra contraordenação» e que «salvo se o contrário resultar do presente diploma, são aplicáveis à perda de objetos perigosos as regras relativas à sanção acessória de perda de objetos» e a introduzir o artigo 21.º-A, que, sob a epígrafe «pressupostos da aplicação das sanções acessórias» prescreve, para além do mais, que a perda «só pode ser decretada quando os objetos serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contraordenação, ou por esta foram produzidos» (n.º 1).
Ainda em termos substantivos, o legislador persistiu na ablação das vantagens da contraordenação através da medida da coima (art. 18.º, n.º 1), sendo que «se o agente retirou da infração um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este (agora) elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido (art. 18.º, n.º 2)[72].
Já do ponto de vista processual, o Decreto-Lei n.º 244/95, de 17 de outubro, revogou o artigo 84.º, que consagrava o Processo autónomo de apreensão (art. 3.º), simplificou o processo de apreensão, passando a dispor, apenas, que «quando, no decurso do processo, a autoridade administrativa decidir apreender qualquer objeto, nos termos do artigo 48.º-A, deve notificar a decisão às pessoas que sejam titulares de direitos afetados pela apreensão» (artigo 83.º) e alterou a impugnação judicial da apreensão, passando a ser «aplicáveis as regras relativas à impugnação da decisão de perda de objetos» (art. 85.º). Para além destas normas, introduziu o já referido artigo 48.º-A que, sob a epígrafe «apreensão de objetos», dispõe que: «podem ser provisoriamente apreendidos pelas autoridades administrativas competentes os objetos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contraordenação, ou que por esta foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem suscetíveis de servir de prova»; que «os objetos são restituídos logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeitos de prova, a menos que a autoridade administrativa pretenda declará-los perdidos»; e que «em qualquer caso, os objetos são restituídos logo que a decisão condenatória se torne definitiva, salvo se tiverem sido declarados perdidos».
A revogação do processo autónomo de apreensão (art. 84.º) não significou, todavia, a revogação da perda independente de coima (art. 25.º), que continuou a vigorar no elenco das consequências jurídicas da prática do facto ilícito típico relativo à perda de objetos perigosos, sendo-lhe, agora, aplicável, o regime geral (art. 22.º, n.º 2). O legislador teve o cuidado de afirmar que (repetimos) «salvo se o contrário resultar do presente diploma, são aplicáveis à perda de objetos perigosos as regras relativas à sanção acessória de perda de objetos».
Deste modo, podemos dizer que, apesar da grande evolução que a perda dos instrumentos, produtos e, sobretudo, vantagens da prática do crime registou nas últimas décadas, o seu regime contraordenacional (material e processual) continua praticamente igual ao que foi gizado no longínquo ano de 1979, numa altura em que o confisco começava a renascer da longa letargia em que tinha mergulhado. Em bom rigor, sem prejuízo do que esteja previsto em normas especiais, continuam aqui a faltar mecanismos de ablação das vantagens da prática de uma contraordenação. Ao contrário do § 29.ºA da Gesetz über Ordnungswidrigkeiten alemã (que tanta influência tem tido sobre o nosso regime), introduzido em 1986, e do pensamento pioneiro de Eduardo Correia[73], o ilícito continua, muitas vezes, a compensar[74]. Ao associar a perda das vantagens ao montante da coima, para além de confundir uma sanção com uma medida de mera restituição patrimonial, o legislador inviabiliza a perda nos casos em que, por um qualquer motivo, não possa ser aplicada uma coima. Por exemplo, ao contrário do direito penal (arts. 110.º, n.º 5, 127.º, n.º 3, e 128.º, n.º 1, do Código Penal), se o arguido falecer durante o procedimento, por mais elevadas e manifestas que sejam, as vantagens decorrentes do facto ilícito típico jamais poderão ser confiscadas.
 
3. Embora o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, constitua o regime geral das contraordenações, existem outros diplomas específicos, que, apesar da sua especificidade, consagram soluções legais semelhantes.
É o caso paradigmático da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto[75]). Também aí existem normas específicas relativas à «apreensão e perda a favor do Estado dos objetos pertencentes ao arguido, utilizados ou produzidos aquando da infração» [art. 30.º, n.º 1, alª a)], incluindo a perda, «ainda que não possa haver procedimento contra o agente ou a este não seja aplicada uma coima» (art. 36.º), e se remete a ablação das vantagens para a medida da coima (art. 20.º, n.º 1).
Será também o caso, quando entrar em vigor, do novíssimo regime jurídico das contraordenações económicas (Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro[76]), que – à semelhança do direito anterior – continuará a qualificar perda como uma sanção acessória [art. 28.º, n.º 1, al.ªs a) e b)], a prever a perda de bens de terceiros (art. 32.º), a perda independente da coima (art. 34.º) e a remeter a ablação das vantagens do facto para a medida da coima [arts. 20.º, n.º 1, e 22.º, alª b)]. No artigo 31.º refere, ainda, que «os bens apreendidos que sejam considerados proibidos pela legislação aplicável devem ser sempre declarados perdidos a favor do Estado».
 
4. À semelhança do Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, segundo o qual «a perda dos objetos tem lugar, ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser criminalmente perseguida ou condenada»[77], o regime geral das contraordenações prevê, como já recenseámos, que «a perda de objetos perigosos ou do respetivo valor pode ter lugar ainda que não possa haver procedimento contra o agente ou a este não seja aplicada uma coima» (art. 25.º). Em ambos os casos, está em causa um confisco não baseado numa condenação. As duas normas foram geradas no mesmo contexto e período temporal, sendo coerentes entre si.
No ordenamento jurídico português, ao contrário daquilo que, normalmente, se pensa, não é, portanto, necessário uma condenação para que se possam confiscar os instrumentos e os produtos da prática de um facto ilícito típico, seja ele criminal (arts. 109.º, n.º 2, do Código Penal), seja ele contraordenacional (art. 25.º)[78]

Na verdade, como referem António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes e José António Henriques dos Santos Cabral:          
               «o que releva para efeitos de perda é a existência de uma atividade contraordenacional, ou seja, a ocorrência de uma situação em que se verifiquem todos os elementos de que depende a existência de uma contraordenação, com ressalva dos requisitos atinentes à culpa do agente ou a este não seja aplicada uma coima.
               Tal situação tanto pode decorrer por efeito da existência de causa extintiva da responsabilidade, por falta de pressupostos processuais, por ser impossível determinar o agente da contraordenação ou por a este não dever ser aplicada uma coima»[79].
 
              Na mesma linha Paulo Pinto de Albuquerque explica que:
              «A perda de objetos perigosos é uma medida sancionatória análoga da medida de segurança, que não depende da culpa do agente, nem mesmo da identificação de um culpado (artigo 25.º), ao invés do que sucede com a sanção acessória de perda de objetos. Portanto, pode ser determinada a perda de objetos perigosos de inimputáveis ou de terceiros não responsáveis pela contraordenação incluindo terceiros a quem tenham sido transmitidos, com ou sem dolo, os objetos»[80].
 
Por seu turno, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa referem, no mesmíssimo sentido, que:
               «Esta perda assume características de medida de segurança, por ser imposta, sem ter em conta a identidade do proprietário ou a procedência, mas para proteger a comunidade, porque esta é posta em perigo por esses objetos (…).
              Tendo subjacente a conexão de tais objetos com o perigo típico que acarretam para a prática de infrações, a medida deve essencialmente ser vista como medida preventiva e não como reação contra a infração, o que explica que não esteja na dependência da efetiva condenação do arguido, nem da sua culpa, podendo compreender-se perfeitamente que a perda deva ainda ser levada a cabo quando o agente é absolutamente inimputável»[81].  
 
Finalmente, Manuel Ferreira Antunes entende que a perda independentemente de coima aplica-se:
               «nomeadamente, a casos de inimputabilidade em razão da idade ou de anomalia psíquica, de arquivamento de processo contra desconhecidos, de extinção do procedimento por morte, por amnistia ou certos casos de prescrição»[82].

 
Em suma, a doutrina nacional, apesar de não utilizar sempre a mesma fundamentação, reconhece una voce que, tratando-se de objetos perigosos, a perda pode ter lugar independentemente da coima ou do próprio procedimento.
Tudo isto é assim, porque, em bom rigor, em vez de um regime unitário de perda de instrumentos, temos dois regimes: a sanção acessória de perda de objetos; e a perda de objetos perigosos.
A primeira pressupõe uma condenação, sendo aplicada simultaneamente com a coima [art. 21.º, n.º 1, alª a)], desde que os objetos confiscados, ainda que inofensivos, tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma contraordenação ou por esta tiverem sido produzidos (art. 21.º-A, n.º 1). Em causa está a censura que a utilização desses objetos desencadeia, justificando-se, assim, que «quando, devido a atuação dolosa do agente, se tiver tornado total ou parcialmente inexequível a perda de objetos que, no momento da prática do facto, lhe pertenciam» seja declarada perdida uma quantia em dinheiro correspondente ao valor daqueles (art. 23.º). Consequentemente, deverá obedecer a todas as garantias inerentes a um processo sancionatório, maxime uma condenação[83].
A segunda é independente de procedimento contra o agente ou da aplicação de uma coima (art. 25.º), sendo aplicável aos objetos que tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma contraordenação, ou que por esta tenham sido produzidos, quando tais objetos representem, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, grave perigo para a comunidade ou exista sério risco da sua utilização para a prática de um crime ou de outra contraordenação (art. 22.º, n.º 1). Mais do que a pessoa, está verdadeiramente em causa a própria coisa perigosa. De modo que a possibilidade da substituição da perda da coisa pela perda do seu valor correspondente, pressupondo a culpa do agente (arts. 23.º e 25.º) é, do ponto de vista constitucional, muito duvidosa[84].
 
4.1. O Regime Geral das Contraordenações não definiu o que sejam objetos perigosos, suscetíveis de serem declarados perdidos independentemente de coima (art. 25.º) ou, sequer, de procedimento contraordenacional, limitando-se a qualificar como tais aqueles que «representem, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, grave perigo para a comunidade ou exista sério risco da sua utilização para a prática de um crime ou de outra contraordenação» (art. 22.º, n.º 1).
Só o labor doutrinal e jurisprudencial poderá, portanto, aclarar aqueles conceitos indeterminados.
Objetos perigosos são, desde logo, aqueles que pela sua própria natureza representam um risco para a comunidade. É o caso paradigmático das armas, dos explosivos, dos bens alimentares adulterados ou de algumas substâncias químicas, que, per si, podem provocar a morte, atingir a integridade física, destruir bens patrimoniais alheios ou prejudicar a comunidade em geral. Daí que, normalmente, a sua posse seja proibida ou esteja sujeita a condições legais restritivas, cuja violação constitui, normalmente, crime ou, pelo menos, contraordenação[85].
Para além destes bens (perigosos por natureza), existem outros bens que, apesar de serem normalmente inofensivos e de estarem na livre disponibilidade das pessoas, pelas circunstâncias do caso concreto, podem representar um grave risco para a comunidade. Um simples produto químico inócuo, livremente utilizado na agricultura, pode revelar-se afinal muito perigoso, se o possuidor conhecer a fórmula química capaz de o transformar num potente explosivo. As circunstâncias do caso revelam, nessa hipótese, um grave perigo para a comunidade.
Finalmente, os objetos também podem ser perigosos, porque existe o risco de serem utilizados na prática de um crime ou de uma contraordenação. É o que acontece com todos os objetos proibidos ou fora do comércio jurídico, porque a sua devolução implicará, em princípio, o cometimento de um novo ilícito, mas também com muitos outros objetos, quando especiais condições do agente demonstrem grande probabilidade de virem a ser utilizados na prática de novos factos ilícitos (v.g. um agente «reincidente» na mesma conduta)[86].
O critério do legislador para aferir da perigosidade é, assim, um critério misto que parte das características objetivas das coisas mas não esquece as circunstâncias do caso concreto. Os dois conjugam-se e articulam-se, por forma a definir, rigorosamente, o caráter perigoso da coisa e a limitar os casos em que ela pode ser, por esta via preventiva, confiscada[87].
 
4.1.1 O Regulamento (UE) n.º 305/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2011 (que estabelece condições harmonizadas para a comercialização dos produtos de construção e que revoga a Diretiva 89/106/CEE do Conselho) considera, nomeadamente, que «a legislação dos Estados-Membros exige que as obras de construção civil sejam concebidas e realizadas de modo a não comprometer a segurança de pessoas, animais domésticos ou bens, e a não degradar o ambiente» (considerando 1.º). Por isso mesmo, os produtos de construção devem obedecer a determinados requisitos mínimos que tenham em «conta igualmente os aspetos de saúde e de segurança relacionados com a utilização do produto durante todo o seu ciclo de vida» (considerando 15.º). Assim, o referido Regulamento veio determinar, inter alia, que «os fabricantes devem assegurar que os seus produtos de construção ostentem o número do tipo, do lote ou da série, ou quaisquer outros elementos que permitam a respetiva identificação, ou, se as dimensões ou a natureza do produto não o permitirem, que a informação exigida conste da embalagem ou de um documento que acompanhe o produto de construção» (art. 11.º, n.º 4); que «os fabricantes devem indicar o seu nome, a sua designação comercial ou marca comercial registada e o seu endereço de contacto no produto de construção, ou, caso tal não seja possível, na embalagem ou num documento que acompanhe o produto de construção. O endereço deve indicar um único Ponto de Contacto do fabricante» (art. 11.º, n.º 5) e que «antes de disponibilizarem um produto de construção no mercado, os distribuidores devem assegurar que, quando tal seja exigido, o produto ostente a marcação CE e seja acompanhado pelos documentos exigidos pelo presente regulamento e por instruções e informações de segurança numa língua determinada pelo Estado-Membro em causa, facilmente compreensível pelos utilizadores. Os distribuidores devem igualmente certificar-se de que o fabricante e o importador cumpriram os requisitos previstos, respetivamente, nos n.ºs 4 e 5 do artigo 11.º e no n.º 3 do artigo 13.º» (art. 14.º, n.º 2). Só dessa forma se poderá garantir a segurança daqueles produtos no espaço da União Europeia.
O Decreto-Lei n.º 130/2013, de 10 de setembro, veio assegurar a execução na ordem jurídica interna das obrigações decorrentes do referido Regulamento, punindo, entre outras condutas, como contraordenação «a disponibilização no mercado pelo distribuidor de produtos da construção, sem que este tenha assegurado que os produtos ostentam a marcação CE, quando aplicável, que são acompanhados da declaração de desempenho e da respetiva documentação de suporte, que se encontram acompanhados de informações e instruções de segurança redigidas em língua portuguesa e que incluem os elementos de identificação referidos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 11.º e no n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento, em cumprimento do n.º 2 do artigo 14.º do mesmo Regulamento» [art. 12.º, n.º 2, al.ª j)].
Produtos de construção que não obedeçam a essas especificações, podem pôr em risco a desejável qualidade ou a segurança das construções e, logo, uma vez que são potencialmente perigosos, não podem ser comercializados no espaço da União Europeia. Com efeito, não sendo possível determinar a sua origem, fiabilidade ou desempenho, os riscos inerentes à sua utilização são muito grandes, podendo comprometer a segurança de pessoas, animais domésticos ou bens, ou degradar o ambiente. Daí que o legislador antecipe a área de tutela típica ao momento da própria importação e da comercialização: uma vez introduzidos no mercado será impossível determinar a sua origem e comprovar o seu desempenho. Impõe-se, por isso mesmo, o seu confisco, independentemente da aplicação de uma qualquer contraordenação. Uma vez que segundo o parecer técnico, invocado pela ASAE, não é possível repor a legalidade, os bens em causa, pelos riscos que consubstanciam, devem ser considerados perigosos, não podendo aquela sociedade comercial vendê-los[88].
 
5. Sendo a perda independente da coima ou do procedimento (art. 25.º do Regime Geral das Contraordenações), a prescrição do procedimento criminal não é, assim, um obstáculo à sua concretização, devendo a mesma ser declarada no momento em que ela seja conhecida ou, mesmo, como já iremos ver, posteriormente, se estivermos perante coisas proibidas. Tendo o legislador revogado o «processo autónomo de apreensão» (antigo art. 84.º) e sendo, salvo disposição em contrário, aplicáveis à perda de objetos perigosos as regras relativas à sanção acessória de perda de objetos (art. 22.º, n.º 2), o destino de tais coisas deverá ser fixado na decisão condenatória [art. 58.º, n.º 1, al.ª d)] ou, não a havendo, na decisão absolutória, que, reconhecendo a impossibilidade de aplicar uma coima ou, sequer, de iniciar o procedimento, constate o caráter perigoso de objetos, que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contraordenação ou que tenham sido por esta produzidos.
Esta decisão tanto poderá ser uma decisão proferida pela entidade administrativa, como uma decisão proferida, em sede de recurso de impugnação judicial, pelo juiz da comarca (art. 59.º), como, até, uma decisão proferida, em segunda instância judicial, pelo Tribunal da Relação (art. 73.º). Desde que estejam reunidas as condições para o efeito, nada impede que a sanção acessória de perda de objetos ou a perda de objetos perigosos seja aí determinada (v.g. na sequência de um recurso interposto pelo Ministério Público). Tudo dependerá, portanto, das vicissitudes do caso concreto: quem recorre e do que se recorre.
Seja como for, ainda que a decisão de perda possa ser confirmada ou, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus (art. 72.º-A), até, aplicada em sede de recurso, a verdade é que o veredictum da entidade administrativa deverá logo proceder ao devido enquadramento dos factos e, conforme os casos, decretar a perda sanção acessória [arts. 21.º, n.º 1, al.ª a) e 21.º-A, n.º 1] ou a perda independente de objetos perigosos (art. 25.º). O âmbito de aplicação destes dois mecanismos é diferente, não devendo a perda sanção acessória ser encarada como uma espécie de regime supletivo, aplicável sempre que exista uma condenação. Reunidos os respetivos pressupostos legais, a perda independente deverá ser decretada, ainda que exista condenação, podendo, nesse caso, subsistir, mesmo que essa condenação venha, a final, a ser anulada[89]. A confusão entre os dois mecanismos, como aconteceu no caso subjacente a este parecer, não deve ter lugar e pode ter consequências perversas sobre o destino final dos objetos apreendidos.
Na esmagadora generalidade das situações, a simples utilização criteriosa destas duas formas de ablação dos instrumentos e dos produtos do facto será suficiente para cumprir as finalidades que lhes estão subjacentes. A impugnação de ambos os segmentos da decisão (coima e perda independente) gera uma obrigação de pronúncia autónoma relativa a ambos [art. 379.º, n.º 1, alª c) e 425.º, n.º 4, do CPP) e a mera impugnação de uma parte autonomizável da decisão (por exemplo, a coima) poderá gerar um caso julgado parcial vertical (art. 73.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações e art. 403.º do CPP)[90]. Assim, se (apesar da condenação depois revogada) tivesse sido declarada a perda dos objetos perigosos independente da coima (art. 25.º), salvo se não houvesse recurso nessa parte, formando-se, então, caso julgado parcial, o Tribunal da Relação teria que ter decidido do destino a dar a tais bens. A declaração oficial da prescrição do procedimento contraordenacional não impedia o seu confisco, que, portanto, careceria de decisão adicional. Só não foi assim, porque, tendo sido decretada a perda, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, al.ª a), 21.º-A, n.º 1, e 24.º todos do Regime Geral das Contraordenações, a declaração de prescrição do procedimento contraordenacional tornava, segundo esse raciocínio, ipso facto supérflua qualquer pronúncia sobre eventuais consequências jurídicas do facto prescrito.
 
5.1. Nos casos em que o Tribunal de Comarca, ou o Tribunal da Relação, em sede de recurso, proferir uma decisão absolutória (v.g. por prescrição do procedimento contraordenacional), o destino dos objetos perigosos passíveis de perda independente de coima (art. 25.º) dependerá, desde logo, do âmbito objetivo dessa decisão. Se o tribunal conheceu da perda dos objetos perigosos, a decisão, ainda que errada, será definitiva, impondo-se às entidades públicas e privadas (art. 205.º, n.º 2, da CRP). Se, ao invés, o tribunal não conheceu do destino a dar aos objetos perigosos, nada impede, em certas situações, uma decisão confiscatória posterior.
Com efeito, à semelhança do processo crime, tratando-se de coisas fora do comércio jurídico, a mera restituição do bem implicaria a prática de uma nova contraordenação pelo visado[91]. No exato momento da sua restituição, o possuidor dos bens passaria a deter um objeto proibido, em violação das leis vigentes, relativas a esse caso concreto[92]. Nada impedirá, portanto, que, não tendo sido antes dado, oportuno, destino a tais objetos, a sua perda seja declarada em despacho autónomo, proferido no processo depois do trânsito em julgado da decisão final e obviamente suscetível de recurso. Reunidos os pressupostos legais da perda independente de objetos perigosos (tipicidade da conduta, perigosidade dos respetivos instrumenta ou producta), ela poderá ser, nesses casos, declarada depois. Já não será, assim, todavia, como é evidente, nas situações em que a perigosidade não decorre per si das próprias coisas, resultando, apenas, das circunstâncias do caso concreto ou do risco da sua utilização para a prática futura de crime ou de outra contraordenação. O que, mais uma vez, confirma a necessidade da correta utilização inicial destes mecanismos, como forma ideal de evitar problemas futuros.
E não se diga que esta solução viola o princípio do ne bis in idem (art. 29.º, n.º 5, CRP; art. 4.º, n.º 1, do protocolo n.º 7, adicional à CEDH), significando uma dupla punição do visado pela prática da mesma contraordenação. Embora o direito de mera ordenação social, enquanto direito sancionatório público, também deva estar sujeito a esta limitação (art. 79.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações)[93], a verdade é que, no caso da perda independente de objetos perigosos, está em causa uma medida análoga à medida de segurança, sem qualquer caráter punitivo, que não convoca aquela limitação[94]. O confisco procura proteger a sociedade dos perigos que aqueles objetos desencadeiam e não censurar o seu dono, que pode, até, ser desconhecido. Não sendo esta perda uma sanção penal, inexistindo um juízo sobre a culpabilidade de uma determinada pessoa concreta, não se poderá dizer (como tem destacado o próprio TEDH a propósito da perda de vantagens do crime) que esta está a ser, de novo, punida pelo mesmo facto[95].
 
5.2. A perda de objetos perigosos independente de coima, tal como a sanção acessória de perda de objetos está sujeita ao princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP)[96]: elas «só deverá ser aplicadas quando outros meios menos onerosos de política social se mostrem insuficientes ou inadequados para organizar a proteção dos respetivos bens jurídicos»[97]. Porém, neste caso concreto, não dispomos de elementos que permitam aferir dessa mesma proporcionalidade, maxime da possibilidade de adotar medidas menos gravosos, sabendo-se apenas que a legalidade não pode ser reposta.

 
5.3. Se a entidade administrativa, na sua decisão inicial, face à natureza dos bens, permitiu a sua comercialização em países terceiros, onde não vigoram as regras da União Europeia, a perda independente só poderá concretizar-se depois de esgotada esta possibilidade. Os deveres de lealdade e de boa-fé impedem qualquer outro tipo de solução. Ainda que aquela decisão seja questionável (aquilo que é perigoso na União Europeia também o deverá ser noutras geografias), ela deverá ser respeitada e cumprida. Tanto mais que são, subsidiariamente, aplicáveis as normas do Código Penal (art. 32.º do Regime Geral das Contraordenações) e do Código de Processo Penal (art. 41.º do mesmo diploma) e não quaisquer preceitos do direito administrativo, mais flexíveis na reapreciação dos factos, e que na base desta decisão está a prática de um facto ilícito típico, abstratamente sancionado como contraordenação. 

 
 
V
Conclusões

 
               1.ª O confisco já era conhecido na Grécia e em Roma, foi utilizado durante toda a Idade Média e abusado pelos monarcas do Estado absoluto, que o converteram num agressivo instrumento de política económica;
 
               2.ª Devido a estes abusos, na sequência do pensamento iluminista, a generalidade das Constituições do início do século XIX proibiu o confisco de bens, assim garantindo o direito de propriedade da burguesia emergente;
             
              3.ª A partir dos anos 80, do século passado, o confisco renasceu no contexto da «guerra contra as drogas», incorporou novas valências (confisco alargado, confisco do património incongruente) e ganhou consagração internacional (v.g. Convenções das Nações Unidas, do Conselho da Europa, direito da União Europeia), tornando-se, rapidamente, num dos pilares da atual política criminal (art. 19.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2020, de 27 de agosto);
             
              4.ª O confisco dos instrumentos, produtos e vantagens do crime é uma medida de geometria variável, que poderá constituir uma pena acessória [art. 8.º, al.ª a), do Dec-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro], uma medida análoga à medida de segurança (art. 109.º, n.º 2, do Código Penal) ou uma medida de mera redução do património do condenado à situação patrimonial anterior à prática do crime (art. 110.º, n.º 5, do Código Penal);
 
              5.ª Compreende-se, por isso mesmo, que, quando não tem natureza penal, o confisco tanto possa ser baseado numa condenação (v.g. arts. 109.º, n.º 1 e 110.º, n.º 1, do Código Penal), como não baseado numa condenação (arts. 109.º, n.º 2, e 110.º, n.º 5, do mesmo diploma legal);
 
              6.ª O direito de mera ordenação social surgiu no direito nacional, em finais da década de setenta, do século passado, sendo as suas soluções, muitas vezes, similares, às do Código Penal que é, subsidiariamente, aplicável (art. 32.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro);
             
               7.ª O confisco no regime geral de mera ordenação social restringe-se aos instrumentos e aos produtos de uma contraordenação [arts. 21.º, n.º 1, al.ª a), 21.º-A, n.º 1, 22.º, n.º 1, e 25.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), não incluindo as suas vantagens, que apenas relevam para a determinação da medida da coima (art. 18.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Dec-Lei), sendo, por isso mesmo, muito menos ambicioso do que no direito penal;
 
              8.ª À semelhança do direito penal, a perda dos instrumentos e dos produtos de uma contraordenação pode ser baseada numa condenação [arts. 21.º, n.º 1, al.ª a), e 21.º-A, n.º 1, do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro] ou independente dessa mesma condenação (arts. 22.º, n.º 1, e 25.º do mesmo diploma legal);
             
              9.ª Com efeito, a perda de objetos que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, representem grave perigo para a comunidade ou risco de serem utilizados para a prática de um crime ou de outra contraordenação (art. 22.º, n.º 1, do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro) pode ter lugar, ainda que não possa haver procedimento contra o agente ou a este não seja aplicada uma coima (art. 25.º do mesmo diploma legal);
             
              10.º A prescrição do procedimento contraordenacional (tal como outras causas como a morte, a amnistia ou o mero desconhecimento da autoria dos factos) não obsta, assim, à perda de objetos perigosos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contraordenação ou que por esta foram produzidos;
             
              11.ª A correta utilização dos institutos da perda sanção acessória [arts. 21.º, n.º 1, al.ª a) e 21.º-A, n.º 1, do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro] e da perda independente de coima, de objetos perigosos (arts. 22.º, n.º 1 e 25.º do mesmo diploma) gera decisões autonomizáveis, carecidas de impugnação e de pronúncia independentes;
 
               12.ª Tratando-se de coisas perigosas ou fora do comércio jurídico, desde que o Tribunal da Relação não tenha conhecido do seu destino, proferindo decisão a determinar a sua entrega ou o seu confisco, nada impede que a entidade administrativa as declare, depois, perdidas, nos termos dos artigos 22.º, n.º 1, e 25.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro;
             
              13.ª A declaração de perda de tais objetos deverá obedecer ao princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP), devendo ser necessária para salvaguardar os perigos que a comercialização daqueles produtos desencadeia; e
 
               14.ª Tendo a entidade administrativa, na sua decisão inicial, face à natureza dos bens, permitido a sua comercialização em países terceiros, onde não vigoram as regras da União Europeia, a perda independente só poderá concretizar-se depois de esgotada esta possibilidade.
 
  
 
                             
                                           Voto de Vencido
 
                               (Marta Cação Rodrigues Cavaleira)
 
Sumariamente, estas são as razões que me levam a não acompanhar as conclusões 12.ª a 14.ª e alguns dos fundamentos do parecer:
 
              I. Acompanho a conclusão 6.ª na medida em que se limita a constatar que o direito de mera ordenação social adota soluções, muitas vezes, similares às do Código Penal cujas normas são, nos termos do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações), aplicáveis subsidiariamente no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações (ou seja, o regime aplicável ao facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima), em tudo o que não for contrário ao regime daquele decreto-lei.
              Estou, no entanto, em desacordo com a fundamentação do parecer quando afirma que «o direito de mera ordenação social foi introduzido no direito penal nacional”, que tudo o que se disse «relativamente à perda dos bens relacionados com o crime é (…) também aqui aplicável» e, sobretudo, com a circunstância de na resposta à questão colocada se fazer exclusivo apelo ao direito penal desconsiderando-se o direito administrativo.
              Entendo, por um lado, que o direito das contraordenações é direito público sancionatório, mas não é, nem nunca foi, direito penal ainda que em sentido amplo. Por outro lado, tratando-se a perda independente de coima de uma atuação de um órgão administrativo sem carácter sancionatório, o quadro jurídico aplicável tem de ser encontrado no regime especial previsto no Regime Geral das Contraordenações e no direito administrativo, designadamente no que se refere aos princípios gerais da atividade administrativa, com especial destaque para o princípio da legalidade.
              De referir, ainda, que não se compreende a referência a que os preceitos de direito administrativo são «mais flexíveis na reapreciação dos factos».
 
              II. Ao contrário do que se verifica quando se trata da aplicação da sanção acessória de perda de objetos pertencentes ao agente (alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º  e n.º 1 do artigo 21.º-A do Regime Geral das Contraordenações), quando não possa haver procedimento contraordenacional contra o agente ou a este não seja aplicada uma coima, só podem ser declarados perdidos objetos se esses objetos forem perigosos, ou seja, quando tais objetos representem, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, grave perigo para a comunidade ou exista sério risco da sua utilização na prática de um crime ou de outra contraordenação (n.º 1 do artigo 22.º e artigo 25.º do Regime Geral das Contraordenações).
              Esta medida, quando adotada pela entidade administrativa competente, é um ato administrativo sem carácter sancionatório, que visa prevenir os perigos decorrentes da disponibilidade do objeto.
              A decisão de declarar perdido um objeto extingue o direito de propriedade, pois o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão de perda determina a transferência da propriedade do objeto para o Estado ou outra entidade pública, instituição particular de solidariedade social ou pessoa coletiva de utilidade pública que a lei preveja (artigo 24.º do Regime Geral das Contraordenações).
              Afetando de forma tão grave o direito de propriedade privada, um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (artigo 62.º da Constituição), a perda apenas pode ser determinada nos termos da lei e na medida do estritamente necessário para salvaguarda de outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos.
              Assim, como estabelece o n.º 1 do artigo 22.º do Regime Geral das Contraordenações, esta medida só pode fundamentar-se numa perigosidade do objeto para a comunidade, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, que possa ser qualificada de grave ou no risco sério de o objeto ser utilizado para a prática de um crime ou de outra contraordenação. Não basta a mera potencial perigosidade do objeto nem um risco geral da prática de novos ilícitos para justificar a ablação do direito de propriedade privada sobre um objeto.
 
              III. Fora de um quadro sancionatório, a transferência da propriedade, determinada pela declaração de perda de um objeto, é uma medida de ultima ratio que só pode ser adotada, nos termos da lei, quando se trate de um objeto perigoso.
              Tratando-se de coisas fora do comércio jurídico, que não podem ser objeto de direitos privados (n.º 2 do artigo 202.º do Código Civil), não terá aplicação a medida de perda já que esta determina a transferência da propriedade privada do objeto, a qual não existindo também não pode ser transferida.
              Poderá, sim, justificar-se à partida a perda de objetos cuja detenção por particulares seja legalmente proibida, na medida em que essa proibição traduz o reconhecimento pelo legislador da sua perigosidade ou do risco sério ou mesmo da certeza da prática de novos ilícitos penais ou contraordenacionais, o que não acontecerá quando apenas se estabelece a proibição de uma determinada utilização do objeto, permitindo-se a detenção do objeto por particulares e outras utilizações (é neste sentido que deverá ser interpretada a norma do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro).
              A simples proibição de disponibilização de um produto no mercado interno da União Europeia, na medida em que não veda a detenção e outras utilizações, nomeadamente a disponibilização do produto fora daquele mercado, não implica, por si só, que a disponibilidade deste produto pelo seu proprietário constitua um grave perigo para a comunidade ou que exista sério risco da sua utilização na prática de um crime ou de outra contraordenação.
 
              IV. Também não posso acompanhar a conclusão de que tendo a entidade administrativa, na sua decisão inicial, face à natureza dos bens, permitido a sua comercialização em países terceiros, onde não vigoram as regras da União Europeia, a perda pode concretizar-se, mas só depois de esgotada esta possibilidade.
              Desde logo, porque a declaração de perda só pode ser determinada nos estritos termos da lei, ou seja, se se tratar de um objeto perigoso e não em alternativa ao não cumprimento de uma medida menos gravosa determinada pela entidade administrativa.
              Depois, porque a circunstância de, “face à natureza dos referidos bens”, a entidade administrativa ter facultado, no âmbito do procedimento contraordenacional que veio a ser declarado prescrito e arquivado, a possibilidade de esta proceder à sua comercialização em países terceiros, uma vez que naqueles não se aplicam as regras da legislação de harmonização da União Europeia, não  vincula a Administração numa futura decisão sobre a perda dos objetos com outros pressupostos legais (note-se que na decisão inicial a perda foi determinada como sanção acessória e não com fundamento na perigosidade dos objetos).
              Por outro lado, aquela decisão espelha a possibilidade da utilização lícita e não perigosa dos produtos o que, na ausência da demonstração de um risco sério do cometimento de novos ilícitos, impede a adoção da medida que determina a extinção do direito de propriedade.
              Por fim, mas não menos importante, porque, por força do princípio da legalidade, a Administração só pode atuar dentro dos limites dos poderes que lhe foram atribuídos, ou seja, só pode adotar as medidas que a lei lhe permita adotar.
              Ora, neste âmbito, a única medida restritiva do direito de propriedade privada que o legislador previu, em salvaguarda de outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegido, foi a de, preenchidos os exigentes pressupostos legais, declarar a perda de objetos perigosos. O legislador não atribuiu aos órgãos administrativos, nesta sede, uma competência genérica para adotar outras medidas restritivas do direito de propriedade – como a imposição de venda dos produtos a um país terceiro - e, muito menos, sob a ameaça da aplicação da medida de transferência do direito de propriedade.
              Ao contrário do que se refere no parecer, a Administração não podia equacionar, de acordo com o princípio da proporcionalidade, a possibilidade de adoção de outras medidas menos restritivas, porque esse poder não lhe foi conferido pela lei.  Dito de outro modo: nesta sede, a única medida legalmente admissível é a determinação da perda dos objetos e esta só pode ser adotada se se verificarem os pressupostos legais.
 
                                 VOTO DE VENCIDO
 
                   (Eduardo André Folque da Costa Ferreira)
 
              Passo a enunciar as razões por que não acompanho as conclusões 12.ª e 14.ª.
              Creio que é necessário observar a questão controvertida de um outro ângulo ou perspetiva, contribuindo, assim, para uma leitura mais nítida da perda de bens a favor do Estado, quando decretada «ainda que não possa haver procedimento contra o agente ou a este não seja aplicada uma coima», nos termos do artigo 25.º do Regime Geral das Contraordenações (RGC), considerando que a perda de objetos perigosos disciplinada pelo artigo 22.º não foi determinada antes do trânsito em julgado do acórdão da Relação de Lisboa que absolveu a arguida, ao concluir pela prescrição do procedimento contraordenacional instruído pela ASAE. 
              I. A perda a favor do Estado de bens que se encontram fora do comércio jurídico e ultrapassam os limiares do risco permitido deve ser entendida, não como sanção, mas entre as medidas de polícia administrativa, ordenadas à reposição da legalidade ou da ordem pública, não obstante surgir contemplada no artigo 25.º do RGC.
              Medidas de polícia administrativa cuja matriz constitucional se encontra no artigo 272.º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição e que, nas palavras de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA[1] «não se confundem com as chamadas sanções administrativas».
              As primeiras «são fundamentalmente de carácter preventivo e mesmo quando assumem natureza repressiva (v.g. dispersão pela força de uma assuada), não revestem natureza sancionatória ou punitiva (cf. Acórdão TC n.º 489/89)».
              E prosseguem os citados Autores: «A aplicação de sanções exige um procedimento justo, de acordo com as pertinentes regras constitucionais, e um juízo sancionatório que não cabe nas funções constitucionais da polícia».
              O abate de gado por razões sanitárias, a demolição de obras clandestinas insuscetíveis de legalização, o despejo sumário de instalações erigidas em imóveis do domínio público, a investidura na posse administrativa de solos florestais para executar trabalhos de limpeza a expensas do proprietário ou o encerramento de estabelecimentos ilegais constituem exemplos de medidas de polícia administrativa.
              A perda de bens perigosos, não por estarem implicados na atividade ilícita, não por serem provento decorrente do crime ou de contraordenação, mas por serem perigosos nas mãos de quem quer que seja, é-o, por igual, uma medida de polícia administrativa.
              É certo que há sanções contraordenacionais acessórias cujo conteúdo é semelhante. Assim, no artigo 21.º, n.º 1, do RGC, encontramos a perda de bens do agente, o encerramento de estabelecimento cujo funcionamento decorra sem autorização ou licença necessárias, como encontramos, ainda, a suspensão de autorizações, licenças ou alvarás.
              Veja-se as últimas duas sanções contraordenacionais têm a duração máxima de dois anos (cf. n.º 2), o que mostra de forma eloquente como não podem nem visam repor a legalidade, antes obedecem aos fins próprios das sanções administrativas.
              Apenas a sanção acessória de perda de objetos pertencentes ao agente (artigo 21.º, n.º 1, alínea a)) não está sujeita ao referido termo máximo, mas, ainda assim, sujeita-se à prescrição, de acordo com o artigo 31.º.
              Pelo contrário, as medidas de polícia são adotadas enquanto perdurarem os seus pressupostos, sem outro condicionalismo temporal que não seja o da necessidade. São imprescritíveis.
              Ignoram a ilicitude do comportamento dos proprietários, não se encontram limitadas por presunções de inocência (que são irrelevantes para o efeito) e são oponíveis a terceiros.
              De igual modo, nada impede que a sua adoção concorra com a aplicação de sanções penais ou administrativas.
              II. A aproximação ao conceito de medidas de polícia administrativa[2], nas suas múltiplas variantes, permite compreender como dizem respeito à função administrativa do Estado, sem quebra das garantias de impugnação contenciosa na eventualidade de infringirem a lei; sem prejuízo da eventual responsabilidade civil do Estado se impuserem determinados prejuízos aos administrados.
              Não devem, pois, ser tratadas como medidas de segurança. Estas, como pode ler-se no parecer, assentam na perigosidade do agente e, não, das coisas ou animais.
              Escreve MARIA JOÃO ANTUNES[3]:
 
                   «Ultrapassada a discussão sobre a natureza jurídica da medida de segurança — sanção de natureza administrativa ou sanção de natureza penal — esta sanção é hoje, a par da pena, uma outra reação criminal. Sem prejuízo de não se poder dar por definitiva a inclusão de tal sanção no âmbito do direito penal. Justificar-se-á sempre discutir a subsistência do direito penal das medidas de segurança, tanto mais quanto a integração destas neste ramo do direito não deixa de ser historicamente explicável como forma de resolução de um conflito entre Escolas — a clássica e a positivista — e por se considerar, na época, que a justiça penal garantia melhor os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, quando comparada com a justiça administrativa».
 
 
              III. Com elevado proveito para o intérprete do artigo 25.º do RGC, pode consultar-se um importante acervo de pareceres deste corpo consultivo, em que se delineou a órbita própria das medidas de polícia administrativa, em sintonia com a doutrina e com a jurisprudência dos tribunais superiores:
 
 
              — O Parecer n.º 35/89, de 25 de outubro de 1990[4], em que se concluiu o seguinte: «O encerramento de estabelecimentos ou consultórios previstos nos artigos referidos na conclusão anterior não tem natureza criminal, não relevando do direito penal ou processual penal, revestindo a natureza de medida de polícia, com sede própria no direito administrativo, sujeita aos respetivos princípios;
 
              — O Parecer complementar n.º 9-B/96, de 25 de março de 1999[5], em cujas conclusões se firmou que «Interessa essencialmente à polícia administrativa a prevenção de danos sociais, visando os atos e medidas de polícia a tutela contra os perigos que ameacem a segurança pública e as turbações que prejudiquem a ordem pública numa perspetiva preventiva, não sancionatória»;
 
              — O Parecer n.º 95/98, de 8 de julho de 1999[6], em que se discerniu na ordem municipal de demolição de obras clandestinas a manifestação da autotutela declarativa e executiva, típicas da atividade de polícia administrativa;
 
              — O Parecer n.º 162/2003, de 18 de dezembro de 2003[7], mostra-se especialmente elucidativo no que toca à relação entre o exercício de poderes de polícia administrativa e a remoção de perigos para a segurança, salubridade e tranquilidade públicas: «A polícia administrativa traduz uma forma de atuação da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, com o objetivo de evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir»;
 
              — O Parecer n.º 83/2005, de 24 de novembro de 2005[8], identificando na proibição de certas reuniões e manifestações pelo governador civil uma verdadeira e própria medida de polícia administrativa;
 
              — O Parecer n.º 26/2007, de 24 de maio de 2007[9], onde se reconheceu que «A medida de encerramento de escritório prevista no artigo 56.º, n.os 1 a 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984 revestia a natureza administrativa de medida de polícia e era aplicada por decisão do respetivo conselho distrital da Ordem dos Advogados».
 
              — O Parecer complementar n.º 12-A/2016, de 15 de setembro de 2016[10], concluindo o seguinte: «A resolução por incumprimento do cocontratante, embora prevista, entre outros fundamentos resolutórios, no artigo 333.º do Código dos Contratos Públicos sob a epígrafe resolução sancionatória, não constitui uma verdadeira sanção, mas uma medida de polícia administrativa, que visa pôr fim a um uso privativo de bens do domínio público que se revelou inútil. (…) À resolução por incumprimento, não sendo de natureza sancionatória, não há que aplicar os princípios e garantias constitucionais para que se dirige o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição. Como tal, a presunção de culpa do devedor pelo incumprimento contratual (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) não tem de ceder lugar à presunção de inocência do arguido (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição). Isto, porque a resolução por incumprimento do cocontratante não é rigorosamente uma sanção, como resulta, e bem, da distinção operada no artigo 307.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, em cujas alíneas b) e c) se separam respetivamente «sanções previstas para a inexecução do contrato» e «resolução unilateral do contrato».
 
              — O Parecer n.º 19/2019, de 8 de agosto de 2019[11], em cujas conclusões se afirmou: «Ao contrário do que sugere a epígrafe do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, referindo-se a sanções, as medidas consignadas nas respetivas normas constituem medidas de polícia administrativa. (…). Todas elas dispensam o apuramento de responsabilidade pessoal. São adotadas apenas em ordem a assegurar ou restabelecer a legalidade e a reintegrar o interesse público educativo lesado ou em risco de o ser, precedendo a verificação de quebra em pressupostos essenciais que sustentaram a autorização de funcionamento de certa escola profissional privada ou a celebração de um contrato-programa de comparticipação financeira».
 
 
              IV. A intersecção das medidas de polícia administrativa com o direito de mera ordenação social nem sempre deixa evidente a sua autonomia, desde logo, por motivo das «medidas necessárias para impedir o desaparecimento das provas» (cf. artigo 48.º, n.º 1, do RGC) e da apreensão provisória de «objetos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contraordenação, ou que por esta foram produzidos, e bem assim, quaisquer outros que forem suscetíveis de servir de prova» (cf. artigo 48.º-A, n.º 1). Trata-se, aqui, de medidas cautelares adotadas no procedimento contraordenacional e por conta do procedimento contraordenacional, como ressalta da sua provisoriedade.
              Contudo, a ser iniciado procedimento contraordenacional, a adoção de medidas de polícia não perde nem a natureza administrativa nem a sua conformação, prima facie, pelo direito administrativo e pelos seus princípios gerais.
              A respeito dos poderes das polícias municipais, este Conselho Consultivo, no Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio de 2008[12], considerou que «os agentes de polícia municipal, relativamente às infrações às normas regulamentares cuja fiscalização lhes está cometida, que revistam natureza de contraordenações, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 48.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, podem ordenar a apreensão dos objetos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de tais ilícitos, ou que por eles foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem suscetíveis de servir de prova». Tal apreensão, inserida no procedimento contraordenacional, constitui uma medida cautelar que a autoridade administrativa ou o tribunal convolarão, ou não, em perda definitiva, seja a título de sanção acessória (cf. artigo 21.º, n.º 1, alínea a) e artigo 21.º-A, n.º 1), seja por aplicação do artigo 22.º, com os efeitos estatuídos no artigo 24.º.
              Ao invés, a perda independente de coima, prevista no artigo 25.º, assume uma estranha configuração.
              Por um lado, assemelha-se a uma medida de polícia, porquanto pressupõe não poder haver procedimento contra o agente ou não ter-lhe sido aplicada coima. Por outro lado, contudo, o teor da disposição dissipa a finalidade preventiva ou reintegrativa da ordem pública e da legalidade administrativa, já que se oferece como alternativa à perda de objetos perigosos a perda do respetivo valor. Algo que ANTÓNIO DE OLIVEIRA MENDES/JOSÉ DOS SANTOS CABRAL apontam como sério indício de inconstitucionalidade material[13].
              É que a perda do valor correspondente a objetos perigosos não se vê que possa constituir uma medida de polícia administrativa. Em nada contribui para prevenir ou fazer cessar perturbações da ordem pública na sua tríplice formulação tradicional: segurança, salubridade e tranquilidade públicas.
              V. O que, em todo o caso, importa reconhecer é que a aplicação de tal norma passa necessariamente pela prática de um ato administrativo, cuja validade e eficácia não abrem mão, entre outros aspetos vinculados, do fim, da fundamentação devida e da observância dos princípios gerais de direito administrativo, v.g. o princípio da proporcionalidade.
              Ora, a simples posse ou detenção do material apreendido não constitui ilícito contraordenacional; tão-pouco a sua transmissão que não tenha carácter comercial no Espaço Económico Europeu.
              Aquilo que na conclusão 14.ª vem considerado como fruto acidental de peculiares circunstâncias (ter a ASAE admitido a eventual alienação fora da União Europeia) é na verdade uma competência de ordem pública e cujo exercício deve pautar-se pelo princípio da proporcionalidade.
              Tudo leva a crer que a posse de produtos de construção desprovidos da homologação ou da pertinente sinalização CE não representa, em si mesmo, um perigo. Tão-pouco é sancionada a simples detenção, nem perante o Regulamento (UE) n.º 305/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2011, nem perante o Decreto-Lei n.º 130/2013, de 10 de setembro (cf. artigo 12.º).
              Tudo aquilo que se proíbe e sanciona pressupõe uma oferta comercial de tais produtos, a sua distribuição e colocação no mercado.
              Como tal, em meu entender, na falta dos pressupostos típicos das medidas de polícia administrativa, a perda dos objetos que a ASAE decretasse fora do procedimento contraordenacional já extinto corresponderia a aplicar uma sanção acessória que já não o pode ser.
              Recorde-se que «a perda de objetos pertencentes ao agente» (cf. artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do RGC) tem como pressuposto encontrarem-se ou terem-se encontrado tais artigos «destinados a servir para a prática de uma contraordenação» ou terem sido produzidos através da atividade ilícita (cf. artigo 21.º-A, n.º 1).
              Por seu turno, a medida de segurança de perda de objetos perigosos tem como pressuposto, segundo vimos a perigosidade, não das coisas, mas do agente. Perigosidade que, nas palavras de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[14], «deve ser aferida não apenas e função da ‘natureza’ do objeto, mas das ‘circunstâncias do caso’, pelo que os especiais conhecimentos e tendências do agente para a utilização do objeto devem ser ponderados para este efeito».
              Sem ter sido decretada a perda como sanção acessória nem como medida de segurança, «os objetos são restituídos logo que a decisão condenatória se torne definitiva, salvo se tiverem sido declarados perdidos» (cf. artigo 48.-A, n.º 3, do RGC).
              Apenas a perigosidade intrínseca dos objetos poderia justificar a adoção de uma medida de polícia administrativa.
              VI. Na sua versão originária, a Constituição admitia a expropriação sem indemnização quer dos meios de produção pertencentes a latifundiários, grandes proprietários e empresários ou acionistas (cf. artigo 82.º, n.º 2) quer dos meios de produção em abandono injustificado (cf. artigo 87.º, n.º 2), mais se permitindo o confisco sancionatório no artigo 88.º, n.º 2: «As sanções poderão incluir, como efeito da pena, a perda dos bens, direta ou indiretamente obtidos com a atividade criminosa, e sem que ao infrator caiba qualquer indemnização».
              Com a II Revisão Constitucional (1989) tais normas foram suprimidas ou modificadas e o confisco deixou, pelo menos, de poder constituir um efeito da pena: apenas pode ser decretado como sanção principal ou acessória, como medida de segurança ou a título de medida de polícia administrativa.
              A pedra angular do sistema encontra-se, hoje, de modo mais proeminente, nas seguintes disposições constitucionais:
 
              «Artigo 62.º
 
              (Direito de propriedade privada)
 
                   1 — A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
                   2. — A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
              […]
              Artigo 83.º
 
              (Requisitos de apropriação pública)
                   A lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização».
              A perda de objetos não pode ser movida por fins de utilidade pública sem dar lugar a justa indemnização. Por outro lado, a expropriação, mesmo que devidamente indemnizada, tem de assentar numa declaração de utilidade pública.
              Deixou de haver lugar para a expropriação sancionatória, ainda que o regime da expropriação de meios de produção em abandono injustificado deva obedecer a um regime especial (cf. artigo 88.º, n.º 1) e esses bens possam ser objeto de arrendamento ou de concessão de exploração compulsivos (cf. n.º 2).
              Quer isto dizer que a perda de objetos por motivo de ilicitude ou de perigo — ancoradas, respetivamente, no direito penal e no direito administrativo — devem ser rodeadas das maiores cautelas para não afrontarem o regime geral dos direitos com natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias.
              Ora, tudo indica que, no caso trazido a este Conselho, a reposição da legalidade pode passar pela simples conservação do material, como pela sua fundição, venda para sucata ou exportação para fora do EEE.
              Assim, não é por mera tolerância ou por razões de boa-fé que a ASAE deve restituir o material apreendido, mas porque a reposição da legalidade parece revelar-se possível através de meios menos onerosos para a sociedade proprietária, outrora arguida.
              Em meu entender, a ASAE deve restituir os materiais de construção apreendidos, ainda que possa chamar a atenção para as consequências jurídicas que tenha a prática de nova infração com igual objeto.
              Se, contudo, a ASAE considerar que da simples posse de tais mercadorias decorre um perigo para a segurança pública, deve ordenar a perda administrativa a favor do estado, ao abrigo do artigo 25.º do RGC.
              Terá de o fazer no termo de procedimento administrativo próprio e cumprindo, entre outros, os deveres de audiência prévia e de fundamentação (cf. artigos 121.º e seguintes, artigo 152.º, todos do Código do Procedimento Administrativo).
              O ato a praticar, completamente alheio a este ou outro procedimento contraordenacional, se ilegalmente praticado, só pode ser contenciosamente impugnado na jurisdição administrativa.
              Aquilo que tem de distintivo o enunciado do artigo 25.º do RGC é, precisamente, situar-se à margem do procedimento contraordenacional: ou porque este se encontra extinto sem ter sido aplicada coima ou porque claudicam os pressupostos de punibilidade da conduta, não tendo chegado, sequer, a ser instaurado.
 
 


[1] Oficio recebido na Procuradoria-Geral da República, em 5 de novembro de 2020, e distribuído ao relator, em 12 do mesmo mês; Interpolado nosso.

[2] Esta disposição reproduz integralmente o constante do antigo artigo 37.º, alª a), do anterior Estatuto do Ministério Público.

 [3] Neste sentido, os Pareceres deste Conselho Consultivo, n.º 1/1990, de 11 de julho de 1991 (publicado no Diário da República de 13 de dezembro de 1992); n.º 38/2011 (publicado no Diário da República de 7 de abril de 2014) ou n.º 31/2019, de 27 de fevereiro de 2020.

[4] Parecer n.º 31/2019, de 27 de fevereiro de 2020.

[5] Estudos Sobre a Carta Constitucional de 1826, Coimbra, Manuel de Almeida Cabral Editor, 1878, p. 43.

         [6] João Conde Correia, Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, Lisboa, INCM, 2012, p. 31.

       [7] La Pena de Confiscación de Bienes en el Derecho Histórico Español, Córdova, Servicio de Publicaciones de la Universidade de Córdova, 1999, p. 201 e 210, respetivamente.

      [8] De l`esprit des lois, Paris, GF Flammarion (1979), I, p. 191 (livro V, capítulo XV) e II, p. 18 (Livro XX, capítulo XIV), respetivamente.

      [9] Dos Delitos e das Penas, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian (1998), p. 111/12 (título XXV).

[10] The Works of Jeremy Bentham, published under the superintendence of his Executor, John Bowering, 1, Edinburg, Willian Tait, 1838-1843, capítulo XV, 4.

[11] João Conde Correia, Da Proibição …, p. 35.

[12] Sobre estes casos de confisco especial, cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, Lisboa, Verbo, 1982, 2, p. 336/7.

[13] Sobre a influência deste diploma legal na legislação antieconómica atual, João Conde Correia, «A recuperação dos ativos dos crimes contra a economia e a saúde pública (Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro)», RMP, 2016, 146, p. 48.

         [14] Michaël Fernandez-Bertier, «The History of Confiscation Laws: From the Book of Exodus to the War on White-Collar Crime», AA. VV. Chasing Criminal Money, Hart, Oxford (2017), p. 62 e ss.; João Conde Correia, «Cooperação Judiciária Internacional em Matéria de Recuperação de Ativos», Anatomia do Crime, 2018, 7, p. 229.

         [15] Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 6 de setembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 45/91, também de 6 de setembro.

         [16] Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 70/97, de 13 de dezembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 73/97, igualmente, de 13 de dezembro.

         [17] Michaël Fernandez-Bertier, The History …, p. 66 e ss.

         [18] Michaël Fernandez-Bertier, The History …, p. 71 e ss.

         [19] Michaël Fernandez-Bertier, The History …, p. 73. Para um curto resumo desta evolução, cfr. Johan Boucht, The Limits of Asset Confiscation on the Legitimacy of Extended Appropriation of Criminal Proceeds, Oxford, Hart (2017), p. 2 e ss. ou Malin Thunberg Shunk, Extended Confiscation in Criminal Law National, European and International Perspectives, Cambidge, Antwerp, Portland, Intersentia  (2017), p. 3 e ss.

         [20] Entre muitos outros, cfr., Roger Bowles/ Michael Faure/Nuno Garoupa, «Forfeiture of Illegal Gain: an Economic Perspective», Oxford Journal of Legal Studies (2005), 25, p. 275.

         [21] Dos Delitos…, p. 107 (Titulo XXII).

[22] Artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2020, de 27 de agosto, que define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2020-2022, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, que aprova a Lei-Quadro da Política Criminal. O artigo 16.º da Lei n.º 96/2017, de 23 de agosto, que definiu os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, consagrava uma norma semelhante. O mesmo sucedeu com o artigo 12.º da Lei n.º 72/2015, de 20 de julho, que definiu os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015-2017.

[23] João Conde Correia, «Non-Conviction Based Confiscations no Direito Penal Português Vigente: “Quem tem medo do lobo mau?”», Julgar, 2017, 32, p. 72 e ss. (que aqui seguimos de perto); Leonard W. Levy, A License to steal: The forfeiture of property, Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 1996, p. 7 e ss.; Charles Doyle, Forfeiture, Conspiracy, Venue: Federal Crime Law, New York, Nova Science Publishers inc, 2011, p. 2: Isidoro Blanco Cordero, «Recuperación de activos de la corrupcíon mediante el decomiso sin condena (comiso civil o extincíon de domínio)», AA.VV. El Derecho Penal y la Política Criminal Frente a la Corrupcíon, Mexico, Ubijus, 2012, p. 346 ou, na rica jurisprudência americana, por exemplo, o caso Calero-Toledo v. Pearson Yacht Leasing Co., de 15 de maio de 1974 (416 U.S. 663, 680 e ss.).

[24] United States v. U.S. Coin & Currency de 5 de abril de 1971 (401 U.S. 715, 719 e ss.). Para justificar esta teoria, era costume invocar a seguinte passagem da Bíblia: «se um boi ferir um homem ou mulher e lhe causar a morte, o boi será apedrejado, e ninguém comerá da sua carne; o dono do boi será absolvido» (Êxodo, 21, 28). Em sentido contrário, Leonard W. Levy (A License to steal…, p. 8 e ss.) defende, contudo, que os deodands não derivaram da Bíblia. O boi não era confiscado para ninguém, nem sequer para os familiares da vítima ou para alguma autoridade. O antigo pensamento grego, segundo o qual os objetos e os animais tinham personalidade, podiam ser processados e condenados, fornece, em seu entender, uma melhor chave explicativa, que, todavia, ainda assim, será deficiente.

[25] Leonard W. Levy, A License to steal …, p. 39; Michaël Fernandez-Bertier, The History …, p. 60 ou Dee R. Edgeworth,  Asset Forfeiture Practice and Procedure in State and Federal Courts, Chicago, Aba Publishing, 2008, p. 23/4.

[26] J.W. Goldsmith, Jr. – Grant Co. v. United States, de 17 de janeiro de 1921, 254 U.S. 510. Sobre esta possibilidade inicial de demandar os próprios barcos ou mercadorias e as suas consequências, cfr., igualmente, Stefan D. Cassella, «Civil Asset Recovery The American Experience», in Rui/Sieber (eds) Non-conviction-based confiscation in Europe: Possibilities and Limitations on Rules Enabling Confiscation without a Criminal Conviction, Duncker, Berlin, Duncker & Humblot, 2015, p. 19 e ss.

[27] Supra I.

         [28] Princípio 26.º.

         [29] Artigo 54.º, n.º 1, alª c). A referida Convenção foi, entre nós, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007, de 21 de setembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 97/2007, da mesma data.

         [30] Recomendação n.º 3 (atual recomendação n.º 4; na Recomendação n.º 38 sugerem-se, depois, uma série de medidas ao nível da cooperação judiciária internacional em matéria de recuperação de ativos). As quarenta Recomendações do GAFI surgiram em 1990, com o propósito de combater a utilização dos sistemas financeiros para fins de branqueamento de capitais, tendo sido revistas, pela segunda vez, em 2003. Estas Recomendações foram aprovadas por mais de 180 países, sendo reconhecidas como verdadeiros padrões internacionais de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

         [31] Cfr. os pontos 3.3.1., alªs i) e ii), da referida comunicação [COM (2008) 766 final]. Na sequência deste debate (de que, como veremos, a Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, é o fruto mais visível) surgiram várias manifestações mais ou menos favoráveis à adoção destes mecanismos. É, desde logo, o caso das conclusões do Conselho da União Europeia (Justiça e Administração Interna) aprovadas em junho de 2010, que solicitaram à Comissão e aos Estados-Membros a consideração, com base em novos estudos, «de formas de reconhecimento e sistemas de confisco não baseados na condenação», bem como a execução, no âmbito do reconhecimento mútuo, dessas decisões (7769/3/10 REV 3 CRIMORG 64). É, também, o caso do Parecer do Comité das Regiões sobre o Pacote de Proteção da Economia Legal que (seguindo em sentido contrário) exprime reservas quanto ao confisco não baseado numa condenação, salientando, sobretudo, que não está contemplado na base jurídica utilizada e que fere as tradições jurídicas de alguns Estados-Membros e propõe soluções penais (detenção de bens «injustificados») para se chegar a um nível equivalente de eficácia (JO C 391, de 18 de dezembro de 2012, p. 136/7).

         [32] Como, aliás, se reconhecia, expressamente, na exposição de motivos que antecedeu a proposta.

         [33] O interpolado é da nossa autoria. Revelando a sensibilidade do tema, a proposta inicial era mais ambiciosa na indicação de casos mínimos de confisco: «na sequência de um processo que, caso o suspeito tivesse sido sujeito a julgamento, poderia ter conduzido a uma condenação, quando: (a) o falecimento ou a doença do suspeito ou arguido impeça o prosseguimento da ação judicial: ou (b) a doença do suspeito ou arguido ou o facto de este se ter subtraído à ação penal ou à pena impeça o exercício efetivo da ação penal num prazo razoável, representando um risco grave de prescrição» (art. 5.º). Mesmo assim, não previa a possibilidade de alargar aquelas regras mínimas a outros casos merecedores de igual tutela jurídica (como agora resulta da inserção da expressão «pelo menos»). Para uma primeira abordagem desta diretiva, cfr. Jon Petter Rui, «Non-conviction based confiscation in the European Union – an assessment of Art. 5 of the proposal for a directive of the European Parliament and  the Council on the freezing and confiscation of proceeds of crime in the European Union», Era Forun, 2012, p. 349 e ss.; Michele Simonato, «Diretive 2014/42/EU and non-conviction based confiscation a step forward on asset recovery?», New Journal of European Criminal Law, 2015, 6, p. 213 e ss.; Juliette Lelieur, «Freezing and Confiscating Criminal Assets in the European Union», EuCLR, 2015, p. 279 e ss.; entre nós, João Conde Correia, «Reflexos da Diretiva 2014/42/EU (do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia) no direito português vigente», RCEJ, 2014, II, p. 83 e ss.

                [34] Documento 7329/1/14 REV 1 ADD 1 do Conselho.

[35] COM(2020) 217 final. A comunicação da Comissão para o Parlamento Europeu, o Conselho, o Comité Económico e Social e o Comité das regiões sobre a estratégia de segurança da União [COM(2020) 605 final], de 24 de julho de 2020, depois de afirmar que «os lucros dos grupos da criminalidade organizada são estimados em 110 mil milhões de EUR por ano na EU», também destaca que: «a resposta atual inclui legislação harmonizada em matéria de confisco e recuperação de bens, a fim de melhorar o congelamento (apreensão) e o confisco de bens de origem criminosa na UE e fomentar a confiança mútua e uma cooperação eficaz transfronteiriça entre os Estados-Membros. No entanto, apenas cerca de 1 % desses lucros são confiscados, o que permite que os grupos da criminalidade organizada invistam na expansão das suas atividades criminosas e se infiltrem na economia legal, em especial, nas pequenas e médias empresas, que têm dificuldades de acesso ao crédito, constituindo um alvo para o branqueamento de capitais» informa que «a Comissão analisará a aplicação da legislação e a eventual necessidade de novas regras comuns, nomeadamente sobre a perda (confisco) não baseada em condenação. Os gabinetes de recuperação de bens, intervenientes importantes no processo de recuperação de ativos, poderiam também estar equipados com melhores instrumentos para identificar e rastrear os bens de uma forma mais rápida em toda a UE, a fim de aumentar as taxas de perda (confisco)».

[36] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português: as consequências jurídicas do crime, Lisboa, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, p. 614.

[37] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português…, p. 614; Nicolás Rodríguez García, El decomiso de ativos ilícitos, Pamplona, Editorial Aranzadi, 2017, p. 138. Não admira, por isso mesmo, que para a Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime e ao Financiamento do Terrorismo, concluída em 16 de maio de 2005 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 82/2009, de 2 de agosto, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 78/2009, também de 27 de agosto), perda designe «uma pena ou uma medida decretada por um tribunal em consequência de um processo relativo a uma ou várias infrações penais, pena ou medida que conduzam à privação permanente do bem» art. 1º., al.ª d)].

[38] Direito Penal Português…, p. 627; no mesmo sentido: João Conde Correia, Da proibição …, p. 77; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2010, p. 355; No direito alemão, por exemplo, Sven Keusch, Problem des Verfalls im Strafrecht, Frankfurt am Main, Peter Lang, 2005, p. 13.

[39] AA.VV. Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Lisboa, AAFDL (1979), 2, p. 200.

[40] Neste sentido, João Conde Correia, A recuperação dos ativos…, p. 64; O mesmo acontece noutros diplomas legais, como, por exemplo, o artigo 317.º, n.º 1, alª a), do Código da Propriedade Industrial; o artigo 225.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos; o artigo 16.º, alª i), do Regime Geral das Infrações Tributárias; o artigo 10.º, alª a), do regime de infrações relativas ao incumprimento da disciplina legal aplicável à vinha, à produção, ao comércio, à transformação e ao trânsito dos vinhos e dos outros produtos vitivinícolas e às atividades desenvolvidas neste setor.

[41] Ne (Idem) Bis In Idem: Proibição de dupla punição e de duplo julgamento: contributos para a racionalidade do poder punitivo público, Lisboa, AAFDL, 2016, II, p. 511; no mesmo sentido, João Conde Correia, A recuperação dos ativos…, p. 64.

[42] Neste sentido, Inês Ferreira Leite, Ne (Idem) Bis In Idem…, p. 511.

[43] Pedro Caeiro, «O Confisco numa Perspetiva de Política Criminal Europeia», in Maria Raquel Desterro Ferreira/Elina Lopes Cardoso/João Conde Correia (coordenadores) O Novo Regime de Recuperação de Ativos à Luz da Diretiva 2014/42/EU e da Lei que a Transpôs, Lisboa, INCM, 2018, p. 36.

[44] Direito Penal Português…, p. 627/8; no mesmo sentido, João Conde Correia, Da proibição …, p. 77; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal…, p. 355. Era essa a solução constante do Código Penal de 1886, que no artigo 75.º, sob a epígrafe «efeitos penais da condenação», consagrava a «perda, a favor do Estado, dos instrumentos do crime, não tendo o ofendido ou terceira pessoa, direito à sua restituição». Na doutrina, continuando a defender essa solução, cfr. Augusto Silva Dias, «Criminalidade organizada a e combate ao lucro ilícito», in Maria Fernanda Palma/Augusto Silva Dias/Paulo Sousa Mendes (coordenadores), 2.º Congresso de Investigação Criminal, Coimbra, Almedina, 2010, p. 39.

                [45] Por exemplo, Joachim Vogel, «The legal construction that property can do harm», in Rui/Sieber (eds.), Non-conviction-based confiscation in Europe: Possibilities and Limitations on Rules Enabling Confiscation without a Criminal Conviction, Berlin, Duncker & Humblot, 2015, p. 233 e ss.; Boris Bröckers, in Peters/Bröckers, Vermögensabschöpfung im Strafverfharen, Heidelberg, C.F. Müller, 2019, p. 32/3; ou David Ullenboom, Praxisleitfaden Vermögensabschöpfung, Heidelberg, C.F. Müller, 2019, p. 5 e ss.

[46] Ac n.º 392/2015, de 12 de agosto.

[47] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português…, p. 632/3.

      [48] Isidoro Blanco Cordero, Recuperación…, p. 340/1.

[49] Ac. n.º 392/2015, de 12 de agosto.

[50] Direito Penal Português…, p. 628 e 638, respetivamente.

[51] João Conde Correia, Da proibição …, p. 78 e 96/7, respetivamente. Inês Ferreira Leite, Ne (Idem) Bis In Idem…, p. 481 e ss., fala de uma «sanção administrativa preventiva» e de uma «medida hibrida» respetivamente.

[52] Pedro Caeiro, «Sentido e função do instituto da perda de vantagens relacionadas com o crime no confronto com outros meios de prevenção da criminalidade reditícia (em especial, os procedimentos de confisco in rem e a criminalização do enriquecimento “ilicito”)», RPCC, 2011, 2, p. 307/8; no mesmo sentido, em Espanha, Ana Isabel Cerezo Domínguez, Análisis jurídico-penal de la figura del comiso, Granada, Editorial Comares, 2004, p. 33. Na mesma linha, Inês Ferreira Leite, refere que o confisco das vantagens não é uma medida análoga à medida de segurança, porque prossegue inegáveis fins retributivos e dispensa a demonstração da perigosidade do agente ou risco de continuação da atividade criminosa. Em causa estará «uma medida de natureza híbrida, cuja amplitude e extensão dependem das necessidades preventivo-gerais e preventivo-especiais negativas do caso concreto» [Ne (Idem) Bis In Idem…, p. 489].

[53] Pedro Caeiro, O Confisco numa Perspetiva …, p. 36.

[54] João Conde Correia, Non-Conviction Based Confiscations…, p. 88/9; para um resumo da doutrina espanhola maioritária, cfr. Isidoro Blanco Cordero, «El Decomiso en el Código Penal y la Transposición de la Directiva 2014/42/UE Sobre Embargo Y Decomiso en la Unión Europea», in Adriano Teixeira (org.), Perda das vantagens do crime no direito penal. Confisco alargado e confisco sem condenação, São Paulo, Marcial Pons, 2020, p. 85/6. 

[55] Processo 07P443.

[56] Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 25 de março de 2015, processo 1202/11.0JAPRT-A.P1; interpolado nosso; no mesmo sentido, entre muitos outros, ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de maio de 2010, processo n.º 3/08.7FIVCT.G1; ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 28, de setembro de 2010, processo n.º 24/09.2P5LSB-A.L1-5.

[57] Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 16 de abril de 2013, proferido no processo n.º 28/11.5GBORQ.E1; no mesmo sentido: ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de março de 2017, proferido no processo n.º 803/14.9JABRG.P2; ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de maio de 2017, proferido no processo n.º 341/15.0GAPVZ.P1; ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de julho de 2017, proferido no processo n.º 803/14.9JABRG.P2; ou ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de setembro de 2017, proferido no processo n.º 837/15.6GBAG-D-B.P1. Na doutrina, para o problema e outras decisões, cfr. João Conde Correia, Da proibição …, p. 138/9.

[58] Ac. Tribunal da Relação do Porto, de 24 de maio de 2017 (processo n.º 342/15.0GAPVZ.P1). 

[59] Para esta emancipação, Augusto Silva Dias, Direito das contraordenações, Coimbra, Almedina, 2019, p. 27 e ss.; Nuno Brandão, Crimes e contraordenações: da cisão à convergência material, Coimbra, Coimbra Editora, 2016, p. 175 e ss.; Alexandra Vilela, O Direito de mera ordenação social entre a ideia de “recorrência” e a de “erosão” do direito penal clássico, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 156 e ss.; Tiago Lopes de Azevedo, Da subsidiariedade no direito das contraordenações: problemas, críticas e sugestões práticas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 59; idem, Lições de direito das contraordenações, Coimbra, Almedina, 2020, p. 17 e ss.

         [60] Artigo 32.º do Regime Geral das Contraordenações (Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, alterado pela Declaração de 6 de janeiro de 1983; pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro; pela Declaração de 31 de outubro de 1989; pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro; pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro; pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro): segundo o qual «Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal».

         [61] Nuno Brandão, Crimes e contraordenações…, p. 863.

         [62] Nuno Brandão, Crimes e contraordenações…, p. 864. Em sentido contrário, pugnando pela sua integração no direito administrativo, entre outros, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: parte geral: questões fundamentais: a doutrina geral do crime, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 144 e ss.

         [63] Para a génese deste diploma, Nuno Brandão, Crimes e contraordenações…, p. 180; Augusto Silva Dias, Direito das…, p. 27 e ss.

         [64] O legislador ainda confundia, então, entre confisco ou perda e apreensão. O próprio projeto inicial do Código Penal, de 1982, denominava o confisco «da apreensão» (título VI, Capítulo único), tendo sido corrigido já durante a comissão revisora, justamente por se entender que a «“apreensão” é um ato processual que nada tem a ver com o ato substantivo da transferência para o Estado dos producta e instrumenta sceleris» (cfr. AA.VV. Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Lisboa, AAFDL, II volume, p. 199). A mesma confusão (porventura devido à influência do Dec-Lei n.º 41204, de 14 de julho de 1957, onde a indefinição era muito maior) ainda hoje é visível na legislação avulsa, nomeadamente no art. 76.º do Dec-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro (que continua a utilizar o vocábulo apreensão como sinónimo de perda) ou, num diploma mais próximo da questão que estamos a tratar, no artigo 30.º, n.º 1, alª a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto; neste sentido, João Conde Correia, «Apreensão ou Arresto dos Proventos do Crime», RPCC, 2015, p. 513.

         [65] Era a seguinte a redação deste artigo:
«Artigo 20.º
(Princípio da subsidiariedade)
1 - Não haverá lugar à apreensão, fora dos casos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, quando ela seja manifestamente desproporcionada à gravidade da contraordenação e da censurabilidade do agente ou do terceiro.
2 - A apreensão será suspensa sempre que as suas finalidades possam ser devidamente prosseguidas através de medidas menos gravosas para as pessoas atingidas.
3 - Quando possível, a apreensão poderá ser limitada a uma parte dos objetos referidos no artigo anterior».

         [66] O Tribunal Constitucional referiu no ac. n.º 327/99, de 26 de maio, que a «perda também não pode ter lugar, "independentemente da natureza e gravidade da infração e da responsabilidade do agente". É que, do artigo 18º, n.º 2, da Constituição e do próprio princípio da proporcionalidade, inerente ao Estado de Direito, decorre o princípio da necessidade das sanções: estas (no caso das contraordenações, as coimas e as respetivas medidas acessórias) só devem ser aplicadas quando outros meios menos onerosos de política social se mostrem insuficientes ou inadequados para organizar a proteção dos respetivos bens jurídicos. E mais: as coimas impostas pela prática de contraordenações devem ser proporcionadas à gravidade da contraordenação e, bem assim, à intensidade da culpa e à situação económica do agente. Do mesmo modo, as apreensões de objetos, visando o seu perdimento a favor do Estado, não devem decretar-se, se isso for desproporcionado à gravidade da contraordenação e à culpa do agente». No mesmo sentido, cfr. os acs. n.º 87/2000, de 10 de fevereiro; n.º 380/2001, de 25 de setembro; e n.º 405/2001, de 26 de setembro.

         [67] Era a seguinte a redação deste artigo:

«Artigo 21.º
(Apreensão do valor)
1 - Quando o agente frustre dolosamente, por qualquer meio, a apreensão de objeto que lhe pertencia no momento da prática do facto, pode ser ordenada a apreensão de uma quantia em dinheiro nunca superior ao valor do objeto.
2 - O disposto no número anterior aplica-se correspondentemente quando o agente tiver impossibilitado apenas parcialmente a apreensão.
3 - Aplica-se o mesmo regime aos casos em que a apreensão só se tenha tornado total ou parcialmente inexequível depois de a apreensão ter sido decidida».

[68] Sobre este regime, Alexandra Vilela, O Direito de…, p. 359 e ss.

[69] Direito penal e direito de mera ordenação social, in AA.VV. Direito Penal Económico e Europeu, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, I, p. 13.

[70] Nuno Brandão, Crimes e contraordenações…, p. 189.

[71] Como se salienta no respetivo preâmbulo, onde se refere, nomeadamente que «no plano da intensificação da coerência interna do regime geral de mera ordenação social e da respetiva coordenação com a legislação penal e processual penal, devem salientar-se, entre outros aspetos, a introdução de uma distinção clara entre a apreensão, as medidas de natureza provisória e a perda com efeitos definitivos».

[72] Interpolado nosso; para a crítica dessa solução legal, Alexandra Vilela, O Direito de…, p. 360 e ss. Pelo contrário Maria Fernanda Palma e Paulo Otero [«Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social (parecer e proposta de alteração legislativa)», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1996, 2, p. 562 e ss.]   defendem que este regime «prossegue uma função de relevância constitucional – a efetividade da prevenção e repressão das infrações contraordenacionais e a defesa de bens jurídicos, que legitima todo o direito sancionatório público, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição» (p. 564) e que «a compreensão pela coima do benefício económico retirado da infração não só indica ao julgador como se concretiza a lógica preventiva geral e especial mas também revela que as coimas pretendem obstar à obtenção de vantagens económicas por meios ilícitos e prejudiciais à ordenação social».

[73] Direito penal e direito de …, p. 13.

[74]Apontando esta insuficiência, Alexandra Vilela, O Direito de…, p. 364; Nuno Brandão, Crimes e contraordenações…, p. 484; João Conde Correia, «Que Futuro para a Recuperação de Ativos na União Europeia», in Maria Raquel Desterro Ferreira/Elina Lopes Cardoso/João Conde Correia (coordenadores), O Novo Regime de Recuperação de Ativos à Luz da Diretiva 2014/42/UE e da Lei que a Transpôs”, Lisboa, INCM, 2018, pág. 354/5; Flávia Noversa Loureiro, Direito Penal da Concorrência, Almedina, Coimbra, 2017, p. 273 e ss.; ou Inês Ferreira Leite, Ne (Idem) Bis In Idem…, p. 511; neste Conselho, no mesmo sentido, o Parecer n.º 17/20, de 10 de setembro de 2020. Na verdade, embora o § 17 (4) da Gesetz über Ordnungswidrigkeiten alemã continue a prescrever (mal) que a ablação das vantagens da conduta deverá ser feita através da coima, o § 29.ºA já prevê o confisco independente de coima; na doutrina, sobre esta norma, por exemplo, Johann Podolsky/Tobias Brenner, Vermögensabschöpfung im Straf- und Ordnungswidrigkeitenverfahren, Berlin, Richard Boorberg Verlag, 2010, p. 194 e ss.

[75] Alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto; pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto; pelo Decreto-Lei n.º 42-A/2016, de 12 de agosto; e pela Lei n.º 25/2019, de 26 de março.

   [76] Que entrará em vigor 180 dias após a publicação (art. 183.º).

         [77] Artigo 107.º, n.º 2, do Código Penal, na versão original. Atualmente o art. 109.º, n.º 2, consagra, insistimos, uma norma semelhante.

[78] O confisco das vantagens sem condenação, embora possível na lei penal (art. 110.º, n.º 5, do Código Penal), é, como já vimos, ao contrário da norma alemã (§ 29.ºA da Gesetz über Ordnungswidrigkeiten), estranhamente, inadmissível no ilícito de mera ordenação social. De todo o modo, essa omissão é irrelevante para o objeto deste parecer, uma vez que estão em causa os instrumentos da prática de uma contraordenação.

[79] Notas ao regime geral das contraordenações e coimas, Coimbra, Almedina, 2003, p. 72.

                [80] Comentário do Regime Geral das Contraordenações à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, p. 103; na página 105, em anotação ao artigo 25.º, renova o mesmo pensamento.

[81] Contraordenações: anotações ao regime geral, Lisboa, Áreas Editora, S.A., 2011, p. 230.

[82] Contraordenações e coimas: regime geral, Lisboa, Petrony, 2013, p. 169.

[83] Pedro Caeiro, O Confisco numa Perspetiva…, p. 36.

[84] António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes/José António Henriques dos Santos Cabral, Notas ao regime…, p. 71/2. Não se pode dizer que está aqui em causa a perigosidade da própria res, que já não existe ou que, pelo menos, por um motivo qualquer, não pode ser confiscada in specie, assim afastando o perigo que ela desencadeia.

[85] João Conde Correia, Da proibição …, p. 71.

[86] Sobre o problema da reincidência no direito de mera ordenação social, Alexandra Vilela, O Direito de…, p. 542 e ss.

[87] João Conde Correia, Da proibição …, p. 72.

[88]  Como já referimos, o artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, irá impor que os bens apreendidos, que sejam considerados proibidos pela legislação aplicável, sejam sempre declarados perdidos a favor do Estado.

[89] O facto de a perda de objetos ser independente da coima ou do procedimento (art. 25.º) não significa que, quando há coima, a perda deva ser sempre considerada uma sanção acessória [art. 21.º, n.º 1, al.ª a) e 21.º-A, n.º 1]. Os fundamentos para a aplicação das duas medidas são diferentes e não devem, em caso algum, ser confundidos.

[90] A questão do caso julgado parcial foi, ente nós, discutida, sobretudo por José Damião da Cunha, O caso julgado parcial: questão da culpabilidade e questão da sanção num processo de estrutura acusatória, Porto, Publicações Universidade Católica, 2002, p. 37 e ss.

[91] Supra IV, 3.

[92] É, certamente, por isso que (repetimos) o artigo 30.º do Dec-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, quando entrar em vigor, determinará a perda de bens apreendidos considerados proibidos pela legislação aplicável.

[93] É a seguinte a redação desta norma: «1 - O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contraordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contraordenação»; sobre aquele princípio no processo contraordenacional cfr. Inês Ferreira Leite, Ne (Idem) Bis In Idem…, p. 579 e ss.

[94] Inês Ferreira Leite, Ne (Idem) Bis In Idem…, p. 483.

[95] Na jurisprudência do TEDH, relativa ao confisco (muito mais complexo), das vantagens do crime, Donato Prisco v. Itália, n.º 38662/97, de 15 de junho de 1999; Capitani et Campanella v. Itália, n.º 24920/07, §§ 37 e ss., de 17 de agosto de 2011, relativos a casos em que, justamente, o confisco não tinha caráter penal. Para um resumo dessa jurisprudência, cfr. Inês Ferreira Leite, «Ne bis in idem», in Paulo Pinto de Albuquerque (org.), Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2020, 3, p. 2478 e ss. No mesmo sentido, na doutrina penal nacional, Duarte Alberto Rodrigues Nunes, «Sobre a admissibilidade do confisco civil in rem de vantagens do crime», Anatomia do Crime, 2017, 6, p. 195; sobre o problema, na doutrina penal italiana Anna Maria Maugueri, «La Tutela della Proprietà nella C.E.D.U. e la Giurisprudenza della Corte Europea in Tema di Confica», in Mariangela Montagna (a cura di), Sequestro e Confisca, Torino, G. Giappichelli, 2017, p. 67 e ss. No caso dos instrumentos e dos produtos da contraordenação, se estiver em causa apenas prevenir a perigosidade que eles desencadeiam, jamais se poderá falar de dupla punição.

[96] Supra V.1., em especial a jurisprudência do Tribunal Constitucional referida na nota 66.

[97] Ac. do Tribunal Constitucional n.º 327/99, de 26 de maio.

Anotações
Legislação: 
DL 130/2013 DE 2013/09/10; DL 433/82 DE 1982/10/27 ART21 ART25; RAR 29/91 DE 1991/09/06; DL 9/2021 DE 2021/01/29; L 45/2011 DE 2011/06/24; DL 28/1984/20; L 30/2017 DE 2017/05/30; DL 233/79 DE 1979/24 ART19; DL 356/89 DE 1989/10/17; DL 244/1995 DE 1995/10/17; L 50/2006 DE 2005/08/29; DL 9/2021 DE 2021/01/29;
 
Jurisprudência: 
AC TRIB CONST 392/2015 DE 2015/08/2015; AC STJ DE 2007/03/14; AC TRIB REL PORTO DE 2015/03/25;
 
Referências Complementares: 
DIR ADM / DIR PENAL / DIR ECON
 
DIRECTIVA 2014/42/EU; CONV ONU CONTRA TRÁFICO ESTUPEFACIENTES; REG EU DO PE E CONS DE 2011/03/09;
 
Divulgação
Número: 
204
Data: 
20-10-2021
Página: 
128
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