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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
22/2019, de 26.09.2019
Data do Parecer: 
26-09-2019
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Número de declarações: 
3
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



João Conde Correia dos Santos

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou em conformidade



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou todas as conclusões, mas fez declaração



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou em conformidade com declaração de voto



Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro

Votou todas as conclusões, aderindo à declaração de outro



Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro

Votou parcialmente vencidoe



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões, aderindo à declaração de outro



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou parcialmente vencidoe

Descritores e Conclusões
Descritores: 
CARTA DE CONDUÇÃO
CARTA POR PONTOS
PERDA DE PONTOS
INIBIÇÃO DE CONDUZIR
REINCIDÊNCIA
CÚMULO JURÍDICO
SANÇÃO ACESSÓRIA
PENA ÚNICA
EFEITOS DAS PENAS
DIREITO DE DESLOCAÇÃO
DIREITO SUBJECTIVO PÚBLICO
CASSAÇÃO
Conclusões: 
Conclusões
 
Cumprida a análise das questões especificadas no pedido de consulta e as demais interrogações consequentes, que entendemos suscitar e satisfazer, porque indispensáveis à compreensão do regime da carta de condução por pontos, encontramo-nos em condições de recensear o que de mais significativo pode e deve concluir-se:
 
 
                     1.ª — A proibição temporária ou definitiva de conduzir automóveis e motociclos encontra-se ligada à prática de certas infrações especialmente graves, pelo menos, desde o Código da Estrada de 1928, revisto pelo Decreto n.º 14 806, de 31 de maio de 1930, nomeadamente o atropelamento de peões com omissão do socorro, o roubo, o abuso de confiança, burla ou delito de embriaguez.
 
                     2.ª Sempre se revelaram juridicamente melindrosos os regimes da apreensão da carta, da interdição e da inibição, especialmente desde a entrada em vigor da Constituição de 1976. A jurisprudência da Comissão Constitucional e, mais tarde, do Tribunal Constitucional, concernente ao artigo 61.º do Código da Estrada de 1954, testemunha o difícil equilíbrio entre as referidas providências, o princípio da separação de poderes e as garantias do condutor na simples condição de administrado ou enquanto arguido.
 
                     3.ª — Por meio das alterações que efetuou ao Código da Estrada de 1994, a Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, criou o sistema abreviadamente conhecido como carta de condução por pontos, introduzindo no regime da habilitação legal para conduzir veículos com motor uma ficção numérica, expressa em unidades de referência (pontos) e que reflete numa escala decrescente as inibições de conduzir aplicadas ao condutor, a título de pena acessória pela prática de certas infrações criminais (cf. artigo 69.º do Código Penal), a título de injunção, como condição para o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público (cf. artigo 281.º do Código de Processo Penal) ou como sanção acessória à coima, em resultado da prática de contraordenações graves e muito graves (cf. artigo 147.º do Código da Estrada).
 
                     4.ª — O regime adotado, em paralelo com outras ordens jurídicas europeias, propõe-se não apenas guardar registo dos comportamentos ilícitos mais graves dos condutores de automóveis e motociclos, como também, e principalmente, dissuadir a prática de tais infrações em vista do progressivo decréscimo da pontuação e da iminência de eventuais encargos, ónus ou até restrições. No limite, a privação do título habilitante.
 
                     5.ª — Embora a pontuação mínima permita continuar a conduzir, a habilitação legal dos condutores pode dizer-se maior ou menor consoante as perdas e aquisições de pontos que refletem o seu comportamento na estrada, aproximando-se ou afastando-se da eventual cassação da carta de condução e de outras medidas impostas de modo intercalar.
 
                     6.ª — A aquisição originária da habilitação para conduzir veículos a motor permite depositar confiança no titular, creditando-se doze pontos no seu registo individual e que podem vir a ser acrescidos, ao fim de três anos, por bom comportamento na estrada, até ao limite de quinze (dezasseis, excecionalmente).
 
                     7.ª — Ao invés, por cada inibição de conduzir veículos a motor o condutor não apenas fica privado do acréscimo premial a que, de outro modo, teria direito, ao fim de três anos, como também vê reduzida a pontuação respetiva, em maior ou menor extensão, de acordo com os critérios estatuídos no artigo 148.º, n.º 1 a n.º 3, do Código da Estrada, e que tendencialmente refletem a gravidade reconhecida aos ilícitos cometidos.
 
                     8.ª — Os critérios mostram-se particularmente severos para com as infrações criminais rodoviárias ou diretamente associadas à condução motorizada, e para com as infrações contraordenacionais praticadas sob consumo excessivo de álcool ou de psicotrópicos, com excesso de velocidade «dentro das zonas de coexistência» e com manobras de ultrapassagem executadas sobre passadeiras e faixas de atravessamento destinadas a velocípedes ou no espaço que imediatamente antecede tais zonas de travessia (cf. artigo 148.º, n.º 1, do Código da Estrada).
 
                     9.ª — Alguns decréscimos de pontos podem não ter efeitos jurídicos, pois só quando a pontuação cai abaixo de certas fasquias é que se vão constituindo ónus, deveres ou sujeições na esfera jurídica do condutor: primeiro, o dever de frequentar ações de formação; depois, o ónus de submeter‑se a exames e provas de conhecimentos teóricos e práticos; só por fim, na eventualidade de perda da pontuação por completo, a eventual sujeição do condutor à cassação da carta ou licença de condução, e que o impede de obter novo título antes de decorrerem dois anos.
 
                     10.ª — Eventual porque a cassação jamais decorre diretamente das sanções aplicadas ao condutor, tão-pouco da perda de pontos. Precede-a um procedimento administrativo ao longo do qual o condutor tem o direito a ser ouvido e a defender-se (cf. artigo 32.º, n.º 10 da Constituição) e o direito de impugnar graciosa e contenciosamente a decisão final (cf. artigo 148.º, n.º 10 e n.º 13, do Código da Estrada).
 
                     11.ª — Diante da pluralidade de sanções aplicadas e sua expressão em pontos, o Código da Estrada no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 148.º, trata diversamente o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social, pois também o Código Penal e o Código da Estrada consignam princípios de sentido oposto, nesta matéria.
 
                     12.ª — Com efeito, o Código da Estrada, no artigo 134,º, n.º 3, desvia‑se do artigo 19.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social e do artigo 77.º do Código Penal, ao dispor que as coimas e as inibições de conduzir aplicadas acrescem simplesmente umas às outras entre si, configurando aquilo que geralmente é designado cumulação material.
 
                     13.ª — O legislador usou porém de alguma contenção relativamente aos pontos a subtrair, pois fixou como máxima a perda de seis pontos, no pressuposto de as infrações contraordenacionais terem sido cometidas num mesmo dia (contraordenação rodoviária continuada) e de se revelarem alheias ao consumo excessivo de álcool ou de psicotrópicos (cf. artigo 148.º, n.º 3).
                    
                     14.ª — No que diz respeito a infrações criminais, a lei fixou uniformemente a perda de seis pontos por cada inibição de conduzir aplicada nos termos do artigo 69.º do Código Penal ou do artigo 281.º do Código de Processo Penal, sem distinguir entre pena determinada singularmente e pena conjunta por efeito de concurso, nem distinguir injunção de inibição de conduzir calculada a partir da imputação de um só ou de vários ilícitos criminais conjuntamente.
 
                     15.ª — Assim, por cada condenação na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor, em conformidade com o artigo 69.º do Código Penal, determinada ou não por cúmulo jurídico, devem ser subtraídos apenas seis pontos ao saldo do condutor.
 
                     16.ª — De igual modo, são retirados seis pontos ao saldo do condutor por cada injunção de inibição de conduzir veículos a motor, em conformidade com o artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinada ou não por cúmulo jurídico, uma vez verificado o cumprimento e arquivado o inquérito pelo Ministério Público.
 
                     17.ª — Não obstante o cúmulo jurídico importar o apuramento concreto de penas parcelares com relação a cada um dos crimes praticados (cf. artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal), tais determinações parcelares visam principalmente definir os limites mínimo e máximo da pena conjunta a aplicar ao arguido, motivo por que só esta deve relevar para o cálculo dos pontos a subtrair ao saldo do condutor.
 
                     18.ª — A função das penas parcelares calculadas pelo julgador relativamente a cada uma das infrações é preparatória da pena conjunta a determinar pelo tribunal, segundo os factos e a personalidade do agente, não havendo razão para que as primeiras produzam efeitos além do caso julgado, sendo que outro tanto vale para o cúmulo de injunções no âmbito da suspensão provisória do processo penal.
 
                     19.ª — O reconhecimento de que o artigo 77.º do Código Penal conforma um verdadeiro concurso de penas, e não tanto um concurso de crimes (efetuado a montante), aclara a natureza do cúmulo jurídico ali disciplinado com o que isso representa na pena conjunta de inibição de conduzir e seu efeito redutor na pontuação associada à carta ou licença de condução do arguido.
 
                     20.ª — O entendimento da pena acessória conjunta como elemento determinante na interpretação e aplicação do artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada, é corroborado pela uniformização de jurisprudência levada a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão n.º 2/2018, de 11 de janeiro, ao assentar no cúmulo jurídico das penas acessórias em detrimento da cumulação material que impunha ao arguido plúrimas inibições de conduzir, a cumprir sucessivamente.  
 
                     21.ª — A ser ignorada a pena conjunta e, como tal, abatidos seis pontos por cada uma das penas parcelares, a perda absoluta de pontuação ocorreria de imediato com demasiada frequência, comprometendo o objetivo de dissuadir a reincidência do ilícito rodoviário, não só em delitos criminais, como também em contraordenações graves ou muito graves.
 
                     22.ª — O efeito mais restritivo — a cassação da carta ou licença de condução — advém, se for caso disso, depois de cumprida a inibição de conduzir.
 
                     23.ª — Se a perda de pontos for calculada a partir das várias infrações penais e respetivas condenações, uma a uma, o esgotamento dos doze pontos só não acontece por exceção, posto que o mínimo a reduzir corresponderia em tal caso a esses mesmos doze pontos (seis por cada pena parcelar de inibição, sendo duas, pelo menos).
 
                     24.ª — Se, por hipótese, a pontuação ficasse sistematicamente esgotada por efeito de pena conjunta, diminuir-se-ia consideravelmente a finalidade da pena acessória e a razão de ser das injunções acordadas no âmbito da suspensão provisória do processo penal.
 
                     25.ª — A ser alvitrado que, de outro modo, se subestimaria a prevenção contra a especial perigosidade evidenciada por certo agente condenado por múltiplas infrações penais de índole rodoviária, deve retorquir-se que é justamente com tal desiderato que se prevê, no artigo 101.º do Código Penal, a cassação judicial da carta ou licença de condução, acrescida, ou não, da interdição de vir a obtê-la, de novo, decretada como medida de segurança, independentemente da inimputabilidade do arguido.
 
                     26.ª — Do ponto de vista sintático, o disposto no n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada mostra-se inequívoco quanto a imputar a perda de pontos à condenação em pena acessória ou ao cumprimento de injunção inibitória, empregando o singular sem distinções: condenação, pena e injunção.
 
                     27.ª — Argumentar a contrario sensu que o legislador quis, deliberadamente, moderar a perda de pontos apenas no domínio contraordenacional — e, mesmo assim, com condicionalismos apertados (cf. artigo 148.º, n.º 3, do Código da Estrada) — pode revelar-se falacioso, pois há que contar com o diferente acolhimento que o Código Penal e o Código da Estrada prestam à pluralidade de sanções.
 
                     28.ª — Não se descortina motivo dirimente para aconselhar interpretação corretiva ou sequer extensiva, como tão-pouco se justifica pugnar por interpretação conforme ao artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, de modo a fazer radicar a perda de pontos no crime ou crimes perpetrados, no lugar da pena aplicada ou da injunção acordada.
 
                     29.ª — A conformidade com o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, não está em causa. Primeiro, porque a inibição de conduzir veículos a motor está circunscrita a infrações próprias da condução automóvel ou em estreita correlação, todas elas especificadas no artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal, e para cujo enunciado remete o Código de Processo Penal, no artigo 281.º, n.º 3, para efeito de injunção.
 
                     30.ª — Com efeito, a perda de pontuação pelo condutor pode ser filiada no artigo 65.º, n.º 2, do Código Penal, sendo que por esta norma o legislador conformou o âmbito de proteção da garantia constitucional, dela excluindo restrições ao exercício de direitos, inclusivamente profissionais, por falta de idoneidade aferida por certos crimes cometidos, contanto que em perfeita adequação e com razoabilidade, nomeadamente para saber da confiança comunitária em determinada pessoa para aceder ou prosseguir o uso de certos meios que, abusados ou desviados dos fins legítimos, constituem fator de risco elevado e de alarme social.
 
                     31.ª — Não se justifica fazê-lo, pois a interpretação declarativa do artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada não colide com o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, por uma outra razão, qual seja a de a perda de pontos, não obstante decorrer automaticamente de pena acessória ou de injunção cumprida, não representar a perda de um direito.
 
                     32.ª — Apenas a faculdade de conduzir veículos com motor, segundo a categoria específica da habilitação, constitui um direito do condutor e esse não é perdido automaticamente, mas no termo do procedimento próprio, já mencionado, e segundo valoração diversa da que presidiu à aplicação das inibições de conduzir precedentes.
 
                     33.ª — Tal faculdade não integra o conteúdo do direito de deslocação (cf. artigo 44.º, n.º 1, da Constituição) nem sequer pode reconhecer-se como direito fundamental em sentido material, no âmbito daqueles a que se refere o artigo 16.º, n.º 1, da Constituição, sempre consagrados pela lei ou pelo direito internacional.
 
                     34.ª — Não decorre do referido direito fundamental nem da liberdade de circulação senão um interesse constitucionalmente protegido na obtenção e conservação de título válido para conduzir veículos a motor (carta de condução, licença ou outro), e, sendo caso disso, na renovação, de modo semelhante ao que ocorre com outras formas de deslocação terrestre, aérea e marítima.
                    
                     35.ª — Interesse cuja proteção constitucional se manifesta nas normas atinentes à habilitação legal para conduzir e na oposição a restrições arbitrárias.
 
                     36.ª — O direito a conduzir determinados veículos com motor é constituído por ato administrativo, o qual, dando por verificados os pressupostos e requisitos legais, permite ao titular da habilitação praticar uma atividade relativamente proibida e, como tal, sob reserva da confiança depositada pela comunidade nos conhecimentos teóricos e práticos do condutor, na sua aptidão psicomotora e no compromisso demonstrado para com a segurança na estrada.
 
                     37.ª — Trata-se, pois então, de direito subjetivo público que todavia não pertence a nenhuma das categorias de direitos, enunciadas pelo artigo 30.º, n.º 4, da Constituição — direitos civis, profissionais ou políticos.
 
                     38.ª — Nem por isso tal direito fica à mercê de eventual arbítrio da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária ou do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., pois as condições que levam à sua ablação encontram-se integralmente subordinadas ao princípio da legalidade administrativa, imunes a considerações de mérito ou oportunidade.
 
                     39.ª — Bem assim, os tribunais comuns, seja no julgamento por infração criminal, seja no conhecimento de recurso contraordenacional, encontram-se vinculados pela lei e pelos princípios gerais, limitando-se a determinar a pena de inibição por tempo determinado (cf. artigo 69.º do Código Penal) a cassação ou mesmo a interdição de obter ou voltar a obter carta de condução, como medidas de segurança, por razões de especial perigosidade concretamente evidenciadas pelo condutor (cf. artigo 101.º).
 
                     40.ª — Por último, a perda de pontuação não é definitiva nem produz efeitos perpétuos ou indeterminados como aqueles que se encontram vedados à generalidade das sanções através do artigo 30.º, n.º 1, da Constituição. Pelo contrário, é reversível progressivamente, pois basta ao condutor, no triénio subsequente, não reincidir em infrações que justifiquem nova inibição de conduzir para logo iniciar a recuperação dos pontos subtraídos.
 
Texto Integral
Texto Integral: 


 
              Senhora Conselheira
              Procuradora-Geral da República,
                         
              Excelência,
 
 
 

Por despacho de 8 de julho de 2019, determinou Vossa Excelência que nos fosse submetido pedido de consulta apresentado pelo Senhor Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária[1] relativo aos pontos associados à carta de condução e subtração dos mesmos como efeito da inibição de conduzir decretada pelo Ministério Público ou aplicada pelo tribunal nas situações de pluralidade de infrações que tiverem justificado o cúmulo jurídico das sanções ou injunções.
 
Apesar de reservado aos membros do Governo e ao Presidente da Assembleia da República pedir pareceres a este órgão da Procuradoria-Geral da República, nos termos do artigo 10.º, alínea e), e do artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público[2], o Procurador-Geral da República, no exercício da prerrogativa que lhe concede o disposto na alínea e) do mesmo artigo pode sempre fazê-lo e, como tal, submeter à apreciação do Conselho Consultivo questões que, vindas de outros órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, entenda serem de relevante interesse geral ou possuam especial relevo para o Ministério Público.
 
Assim, anuiu Vossa Excelência em exercer a competência que lhe está reservada, acompanhando o teor da informação DA/8360/19, de 5 de julho 2019.
 
Ali é sugerido que ocorre estreita afinidade entre a temática do pedido de parecer e as atribuições do Estado confiadas a órgãos do Ministério Público (cf. artigos 12.º e 13.º do Estatuto). Afinidade evidenciada pela competência para suspender provisoriamente o processo penal e aplicar injunção proibitiva de conduzir veículos com motor e, bem assim, pela incumbência de transmitir à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária os despachos de arquivamento do inquérito penal proferidos depois de verificado o cumprimento da inibição pelo condutor.
 
Releva outrossim para os órgãos do Ministério Público aprofundar o conhecimento do regime da subtração de pontos «no âmbito de promoções, intervenções em julgamento de recursos de contraordenação ou das decisões de cassação na sequência da subtração total», como releva em processo penal no que respeita à inibição de conduzir veículos com motor seja como pena acessória, seja a outro título, o domínio de questões atinentes à subtração de pontos.
 
A este propósito, a citada informação do Gabinete de Vossa Excelência fornece importantes indicações jurisprudenciais a respeito da perda de pontos no título que habilita a condução e da necessidade, ou não, de notificação ao arguido.
 
Para melhor compreensão da problemática exposta pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e a fim de proceder à delimitação do objeto do pedido de consulta[3], transcreve-se o seu teor integral:

 

              «Têm sido remetidas à ANSR sentenças cumulatórias pela prática de dois ou mais crimes punidos com pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, para efeitos de averbamento das infrações no Registo Individual do Condutor e de subtração de pontos associados ao título de condução, conforme determinado pelos artigos 144.º e 148.º do Código da Estrada e pelo Decreto-Lei n.º 317/94, de 24 de dezembro.
 
              Assim, perante uma sentença que determine o cúmulo jurídico das penas de proibição de conduzir veículos a motor decorrentes da prática de duas ou mais infrações penais, coloca-se a questão de saber como se fará a subtração de pontos ao condutor, isto é, se atento o número das infrações praticadas objeto de cúmulo, se em função da pena conjunta aplicada.
 
              A alteração promovida ao Código da Estrada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, veio introduzir o regime da carta por pontos, consagrado nos artigos 121.º-A e 148.º do Código da Estrada.
 
              O n.º 1 do art.º 121.º-A do Código da Estrada determina que a cada condutor são atribuídos ab initio doze pontos.
 
              Por sua vez, o artigo 148.º do Código da Estrada prevê a subtração de pontos ao condutor (variáveis em função da contraordenação em causa) que pratique contraordenação grave ou muito grave, a efetuar na data do carácter definitivo da decisão condenatória ou trânsito em julgado da sentença.
 
              Caso tenha sido proferida decisão condenatória pela prática de mais do que uma contraordenação grave e/ou muito grave — cujas sanções são objeto de cúmulo material, nos termos do disposto no artigo 135.º do Código da Estrada — se as mesmas tiverem sido praticadas no mesmo dia, a subtração a efetuar não pode ultrapassar os seis pontos, a não ser que estejam em causa condenações por contraordenações relativas a condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas caso em que não se verifica qualquer limite à subtração de pontos.
 
              De igual modo o citado artigo 148.º prevê a subtração de pontos ao condutor quando este tenha sido condenado em pena de proibição de conduzir ou, tendo cumprido a injunção de proibição de conduzir veículos a motor a que foi sujeito nos termos do n.º 3 do art.º 281.º do Código de Processo Penal, tenha ocorrido o arquivamento do inquérito nos termos do n.º 3 do art.º 282.º do mesmo diploma. Nestes casos é determinada a subtração de seis pontos não sendo fixado qualquer limite à subtração de pontos em caso de concurso de crimes.
 
              Por sua vez, o n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal estabelece que no concurso de crimes a pena aplicável se determina pela soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes, tendo aquela como limite máximo e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
 
              A moldura do concurso dos crimes, ou seja, a pena abstratamente aplicável, apura-se a partir das penas parcelares aplicadas a cada crime em concurso, não se prescindindo da determinação concreta das penas singulares feita de acordo com os critérios da culpa e da prevenção geral e especial.

 

              A medida concreta da pena do concurso é determinada, dentro dos limites abstratamente fixados e acima explicitados, em função dos critérios da culpa e da prevenção tendo ainda em consideração o conjunto dos factos praticados pelo arguido e a sua personalidade.
 
              Verifica-se assim que a pena do concurso de crimes é uma pena única, mas não unitária, dado que os crimes em concurso mantêm a sua autonomia, autonomia essa que se manifesta nomeadamente na determinação da moldura da pena do concurso.
 
              A perda de pontos é uma consequência automática da prática de contraordenação grave ou muito grave ou de ilícito criminal que seja sancionado com proibição de conduzir e não uma sanção, pois para a sua aplicação não concorre a aferição do grau de ilicitude e de culpa verificados no caso concreto. Caracterizando-se por ser uma medida administrativa, cujo objetivo imediato é procurar a reabilitação dos condutores, previamente à invalidação do seu título de condução que ocorrerá com a cassação do mesmo na sequência da perda total de pontos, retirando ao condutor a faculdade de continuar a exercer a atividade de condução, aferida que foi a perigosidade do titular da habilitação para conduzir, revelada pela perda total dos pontos.
 
              Enquadrada legalmente a questão, chamando também à colação o disposto no art.º 9.º do Código Civil e analisando o quadro legal aplicável, em especial, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 148.º do Código da Estrada, parece-nos, salvo melhor opinião, que dois entendimentos surgem como passíveis de acolhimento.
 
              1 — Por um lado o de que, da leitura dos n.ºs 2 e 3 do artigo 148.º do Código da Estrada e atenta a sua ratio legis — o propósito de aumentar a segurança rodoviária através da correção dos comportamentos a ela adversos —, o legislador pretendeu apenas limitar a subtração de pontos às situações de condenação em cúmulo de contraordenações e, ainda assim, com a condição de que estas tenham sido praticadas no mesmo dia e de não se reportarem a contraordenações que configurem condutas entendidas como mais gravosas para a segurança rodoviária — condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas.
 
              Assim, ao não consagrar idêntica previsão para a condenação em pena cumulatórias de proibição de conduzir pela prática de dois ou mais crimes, não obstante a expressão “condenação em pena acessória de proibição de conduzir” utilizada no n.º 2 do art.º 148.º do Código da Estrada, não quis impor qualquer limitação à subtração de pontos no caso de concurso de crimes, em virtude da gravidade das condutas em causa.
 
              Na verdade, se na determinação da moldura da pena do concurso os crimes mantêm a sua autonomia e aquela se apura a partir das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes, então haverá que operar a subtração de pontos a cada crime pelo qual foi aplicada uma pena de proibição de conduzir, penas essas que em conjunto deram origem à pena única, mas não unitária, aplicada aos crimes em concurso.
 
              2 — Por outro lado o de que, perante uma sentença cumulatória que aplicou uma pena única de proibição de conduzir a quem foi condenado pela prática de dois ou mais crimes sancionados com penas parcelares de proibição de conduzir, a subtração a efetuar será de seis pontos. De igual modo nas situações em que, tendo o infrator cumprido a injunção de proibição de conduzir veículos a motor a que foi sujeito nos termos do n.º 3 do art.º 281.º do Código de Processo Penal, tenha ocorrido o arquivamento do inquérito nos termos do n.º 3 do art.º 282.º do mesmo diploma, caso em que é determinada a subtração de seis pontos.
 
              Este entendimento alicerçar-se-á na interpretação literal do n.º 2 do art.º 148.º do Código da Estrada que dispõe que “A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor” e no facto de a prática de dois ou mais crimes que, não obstante manterem a sua autonomia e aos quais foram aplicadas penas de proibição de conduzir de per si, originar a aplicação de uma pena única, em cúmulo, obtida a partir das penas parcelares aplicadas.
 
              Face ao exposto e sendo a Procuradoria-Geral da República o órgão representativo do Estado junto dos Tribunais, solicita-se o vosso parecer quanto à questão enunciada atenta a relevância da mesma na esfera jurídica dos condutores aos quais foi aplicada uma pena única acessória de proibição de conduzir pela prática de dois ou mais crimes».
 
Refira-se ainda que entendeu Vossa Excelência, nos termos da sempre citada informação apresentada em 5 de julho de 2019 (DA/8360/19) recortar mais especificamente o objeto da consulta, definindo-o nos termos seguintes:
 
              «Tendo em consideração a relevância da questão colocada pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária […] para o exercício das funções do Ministério Público e para a unidade do direito, solicita-se ao Conselho Consultivo a emissão de parecer sobre a incidência da subtração de pontos ao condutor prevista no n.º 2 do art. 148.º do Código da Estrada, quando, em caso de dois ou mais crimes, e por força do cúmulo jurídico efetuado, tenha sido aplicada pena acessória única ou injunção única de proibição de condução de veículos a motor.
              Ou, (…)
              Nos casos de condenação pela prática de dois ou mais crimes em que seja aplicada, por força do cúmulo jurídico efetuado, pena acessória única de proibição de condução de veículo a motor, ou quando, em sede de suspensão provisória do processo, pela prática de dois ou mais crimes, seja aplicada injunção única de proibição de condução de veículo a motor, a subtração de pontos prevista no n.º 2 do art. 148.º do Código da Estrada opera relativamente a cada crime/ pena/ injunção parcelar ou opera relativamente à pena/ injunção única aplicada».
 
O regime da associação de pontos à carta de condução começou a ser aplicado em 1 de janeiro de 2016, constituindo uma inovação na ordem jurídica nacional. As questões que emergem da sua aplicação permitem descortinar uma significativa alteração do que até então era considerado direito ou faculdade de conduzir veículos a motor.
 
Justifica-se pois empreender uma breve retrospetiva ao direito estradal e às penas, medidas de segurança e medidas de polícia rodoviária que incidiram na permissão de conduzir: apreensão e cassação da carta, proibição ou interdição de conduzir, de modo temporário ou definitivo, interdição de vir a obter ou revalidar a carta de condução, submissão a exames.
 
Seguidamente, por se tratar de regime jurídico que, pela sua novidade não mereceu ainda tratamento doutrinal sistemático[4] nem tão-pouco justificou senão um reduzido número de acórdãos publicados, impõe-se proceder à sua descrição, tão sistematizada quanto possível.
 
Por outro lado, a consulta sugere a necessidade de recensear os traços mais importantes de alguns institutos do direito penal e do direito contraordenacional, especialmente aqueles que convivem ou cuidam das situações de pluralidade de sanções. Cuidaremos, seguidamente, de descortinar a relação entre as denominadas penas parcelares e a pena conjunta aplicada por efeito de cúmulo jurídico.
 
Poderemos então analisar as várias alternativas hermenêuticas que o enunciado da norma consente, nomeadamente aquelas que se apresentam com credenciais de conformidade constitucional com relação à garantia contra efeitos automáticos das penas que importem a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
 
O regime da perda de pontuação pode sugerir, de imediato, um efeito automático da aplicação de sanções acessórias estradais ou da notificação à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária de penas acessórias ou injunções cujo conteúdo consista em inibição de conduzir. Como tal, não se pode passar ao largo da referida garantia, consignada no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro.
 
Cumpre-nos, assim, prolatar parecer[5].
 
 
§ 1.º
 
A inibição de conduzir veículos com motor: retrospetiva.
 
A primeira medida legislativa duradoura a incidir na privação, temporária ou definitiva, da carta ou de outro título habilitante da condução automóvel encontra-se no Código da Estrada aprovado pelo Decreto n.º 15 536, de 14 de abril de 1928, amplamente revisto pelo Decreto n.º 18 406, de 31 de maio de 1930:
 
                   «Art. 151.º Quando o atropelamento for voluntariamente causado pelo seu autor, com o propósito de ferir ou matar, ser-lhe-ão aplicadas as penas das secções 1.ª, 2.ª e 4.ª do capítulo III do título IV do livro II do Código Penal.
                   §1.º A condenação de qualquer condutor de viaturas automóveis, pelo crime de que trata o presente artigo, importa a imediata apreensão da sua carta de condutor e a sua inabilidade para obter nova carta.
                   §2.º Em todos os demais casos ficarão os autores dos acidentes sujeitos às sanções da secção V do mesmo capítulo, título e livro, que punem o homicídio, ferimentos e outras ofensas corporais involuntárias.
 
                   Art. 152.º Ao condutor que pela segunda vez cometa atropelamento ou cause desastre grave, provando-se que transgrediu qualquer das disposições relativas ao trânsito, será pelo Conselho Superior de Viação cassada a respetiva carta de condutor, ficando inibido de conduzir automóveis por período não superior a um ano; e à terceira vez, em iguais circunstâncias, ser-lhe-á apreendida a carta por período não superior a cinco anos.
                   a) Aquelas suspensões do direito de conduzir não livram o delinquente de outras penalidades em que esteja incurso;
                   b) Aos condutores que na via pública atropelarem alguém e não pararem imediatamente para prestar socorros, bem como os que forem condenados por embriaguez, roubo, abuso de confiança ou burla, serão cassadas as cartas, por um período não superior a cinco anos, pelo Conselho Superior de Viação;
                   c) Também o mesmo Conselho poderá deliberar cassar a carta, por períodos não superiores a um ano, aos condutores que embora não causem atropelamentos e não pratiquem graves infrações, abusem imprudentemente de velocidade ou de arriscadas manobras, cometam frequentes transgressões, ou de cuja competência tenha dúvidas.
                   § Único. A alínea anterior só terá efetivação se o condutor, depois de avisado pelo Conselho Superior de Viação, reincidir na prática dos atos por este apontados.
 
                   Art. 153.º O Conselho Superior de Viação é competente para ordenar a reinspecção médica dos condutores de cuja integridade ou robustez física ou mental suspeite, cassar-lhes as cartas temporária ou definitivamente, conforme os casos.
 
                   Art. 154.º Em todos os casos de inabilidade para conduzir, resultantes de terem sido mandadas cassar cartas de condutor pelo Conselho Superior de Viação, haverá a faculdade de recurso para o Ministro do Comércio e Comunicações».
 
Estabelecia-se já a criação de um registo de condutores e das infrações cometidas, pois todas as autoridades incumbidas de autuar, resolver e julgar sobre transgressões referentes ao trânsito ficavam obrigadas doravante a remeter periodicamente ao Conselho Superior de Viação «nota de todos os acidentes, desastres e multas por transgressões» (cf. artigo 155.º). O referido órgão, por seu turno, era encarregado de organizar um registo especial. A cada condutor corresponderia uma folha em que seriam averbadas «as penalidades e transgressões em que for incorrendo» (§1.º). Mais ainda. Nos tribunais seria junta uma cópia de tais assentamentos por ocasião de processo criminal instaurado por acidente ou desastre de automóvel (§2.º).
 
A sinistralidade na estrada continuou a aumentar. Depois da elevada quebra no tráfego automóvel durante da II Guerra Mundial, atingiram-se níveis alarmantes nos anos imediatamente subsequentes. Disso nos dá conta o Decreto-Lei n.º 36 840, de 19 de abril de 1948, ao confessar o malogro de outras providências anteriores.
 
Apesar do efeito preventivo que se esperava das penas aplicadas às transgressões mais graves, ampliar a proibição de guiar entendeu-se ser medida particularmente ajustada, tal era já a generalização do transporte em automóvel próprio e da licença de condução e tal era já o transtorno que representava ter a carta apreendida pelas autoridades.
 
As motivações deste diploma mostram-se sobejamente interessantes, principalmente se considerarmos que a necessidade de ir mais longe em medidas preventivas e punitivas haveria de crescer de forma constante, não raras vezes aguda, até aos nossos dias.
 
A criminalização da condução automóvel sem carta só veio a ter lugar com o Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro. A cassação depois de esgotadas as unidades de referência ficcionadas (pontos) haveria de esperar pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, e pelos diplomas que puseram em marcha esse novo instrumento.
 
Voltando ao Decreto-Lei n.º 36 840, de 19 de abril de 1948, justifica-se respigar alguns excertos do preâmbulo, pois dão conta de um fenómeno que lamentavelmente haveria de subsistir, agravando-se até, por vezes:
 
                   «O grande número de desastres de automóvel, ocorridos em 1946 e nos primeiros meses de 1947, levou o Governo a adotar determinadas medidas destinadas a pôr termo a tal estado de coisas.
                   Assim, dotou-se a polícia de viação e trânsito com novos meios automóveis, aumentaram-se os seus efetivos, ordenou-se uma maior permanência na estrada, foram dadas instruções às brigadas móveis para o cuidado exame dos veículos, inspecionaram-se nos postos os sistemas de sinalização luminosa, determinou-se que os condutores sobre cuja capacidade profissional houvesse dúvidas fossem examinados (…) e, finalmente, conseguiu-se uma efetiva colaboração da guarda nacional republicana na fiscalização do cumprimento das disposições do Código da Estrada.
                   Por outro lado, determinou-se, ainda no intuito de aumentar a eficiência do sistema de repressão ao tempo em vigor, que os factos previstos e punidos nos artigos 31.º, 32.º, 33.º, 35.º e seu § único e 61.º e 62.º e parágrafos — trânsito fora de mão; ultrapassagem pela direita; ultrapassagem nas curvas, bifurcações, cruzamentos e passagens de nível; excesso de velocidade, e desobediência ao sinal de paragem — fossem consideradas “arriscadas manobras” para o efeito do artigo 152.º do Código da Estrada, pelo que, de harmonia com o que nele se dispõe, se ordenou que as cartas de condução fossem apreendidas por períodos de oito a trinta dias, respetivamente pela segunda e terceira transgressões, podendo as que se seguissem determinar a apreensão da carta por um ano».
 
Contudo, prosseguia o preâmbulo, depois de um breve tempo de acalmia, assistira-se a «um acentuado recrudescimento no número de desastres, contra o que, e muito justificadamente, a opinião pública reclama enérgicas providências». Mais se transcreve:
 
                   «Verifica-se também que a grande maioria dos acidentes são devidos principalmente a imperícia dos condutores, ao não cumprimento das regras de trânsito, a excesso de velocidade, ao encadeamento de luzes, a defeitos nos sistemas de sinalização e travagem e à utilização de pneus em estado deficiente.
                   (…)
                   Importa, por consequência, eliminar da estrada os condutores que sistematicamente desrespeitam as normas estabelecidas e impedir de circular as viaturas que, pelo seu deficiente estado, possam ocasionar desastres».
Contra este estado de coisas, o Decreto-Lei n.º 36 840, de 19 de abril de 1948, apostando de modo incisivo na proibição de conduzir, determinava a apreensão da carta:
 
              — Aos condutores surpreendidos a guiar embriagados (entre seis meses a cinco anos, segundo a reincidência);
 
              — Aos condutores que cruzando-se com outros automóveis não diminuíssem a intensidade das luzes dos faróis (entre três meses a um ano, segundo a reincidência);
 
              — Aos condutores transportando carga em excesso (seis meses e um ano, pela primeira e sucessivas infrações, respetivamente);
 
              — Aos condutores reincidentes em excesso de velocidade ou em manobras arriscadas (por três meses a um ano, segundo a reincidência); e,
 
              — Aos condutores sobre cuja competência a Direção-Geral dos Serviços de Viação tivesse dúvidas, a fim de serem submetidos a novo exame.
 
Aos tribunais, por seu turno, competia condenar na interdição de conduzir, por aplicação de pena acessória, nos seguintes termos:
 
                   «Art. 7.º Aos condutores que sejam condenados a pena superior a três meses de prisão por homicídio ou ofensas corporais resultantes de acidentes de viação a que tenham dado causa poderá ser imposta na sentença condenatória a interdição do direito a conduzir viaturas automóveis por um período de dois a dez anos.
                   §1.º Sempre que se verifiquem acidentes de viação de que resultem morte ou ferimentos graves, a Direção-Geral dos Serviços de Viação é obrigada a apreender a carta de condução ao condutor do veículo, só podendo restituí-la, sendo decretada a interdição de conduzir, no termo do período que para o efeito for fixado, ou, não o sendo, após comunicação de tal facto.
                   §2.º O período de interdição, imposto pelo tribunal, começará a contar-se a partir do termo da pena de prisão, sem levar em conta o tempo que até aí tiver durado a apreensão da carta.
                   §3.º O não cumprimento da decisão judicial que impuser a interdição de conduzir veículos automóveis constitui crime de desobediência qualificada. A condenação por este crime tem por efeito a perda da viatura a favor do Estado».
As infrações estradais no Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 672, de 20 de maio de 1954[6] permaneceram cometidas integralmente ao direito penal, ora por meio de transgressões e contravenções ora pela previsão de crimes gerais ou especiais, sem prejuízo obviamente da responsabilidade civil.
 
 Determinava-se no artigo 58.º, n.º 1, que os crimes e as contravenções cometidos na via pública fossem puníveis segundo a legislação penal, embora com as modificações inscritas no Código da Estrada.
 
Considerou-se, no entanto, que a legislação penal acusava demasiada benevolência, nomeadamente contra estados de embriaguez por parte dos condutores, tendo em linha de conta o incremento exponencial do tráfego rodoviário e da rede de estradas nacionais[7].
 
O uso de veículos com motor, ligeiros e pesados, de transporte de passageiros ou mercadorias, tornara-se generalizado[8] e a estrada passara a representar perigos consideráveis para a segurança de pessoas e bens.
 
Pode ler-se a este propósito na nota preambular do Código da Estrada de 1954, o seguinte:
 
                   «Não deve esquecer-se que a via pública é um bem destinado ao uso de todos e que, em certa proporção, condutores e peões tiram dela benefício; mas não é menos verdade, contudo, que o condutor, principalmente o de veículos automóveis, coloca em especial risco as pessoas e bens sujeitos à sua atividade.
 
                   […]
                    Factos há cuja prática revela tão grande indiferença pela vida e interesses humanos que será justo aproximá-los mais da punição do crime voluntário do que do cometido por negligência: a imprevisão criminosa tem em alguns casos de se aproximar da intenção. É o que acontece, por exemplo, na embriaguez e no abandono da vítima de acidente».
 
Por seu turno, a permissão para conduzir deveria tornar-se mais criteriosa, não somente ao nível da perícia:
 
                   «A par de certos conhecimentos técnicos e de determinada robustez psicofísica, é de exigir a quem guia um comportamento e uma estrutura moral capazes de garantirem o respeito pelos direitos e interesses alheios.
                   Não obstante a dificuldade da instituição de uma prova nesta matéria, é possível, por forma indireta e através de elementos externos reveladores, proceder a averiguações nesse sentido.
                   Assim, a par da organização do registo criminal, como índice de uma conduta certificativa de certo comportamento, pareceu conveniente, em determinados casos, recorrer ao instituto da reabilitação de delinquentes e, noutros, dar aos tribunais em geral a faculdade de decretar a inibição do direito de conduzir, quando houver fundadas dúvidas quanto ao perigo que possa representar para a segurança de pessoas e bens o exercício da condução por determinados indivíduos».
No artigo 61.º, regulava-se a inibição do direito de conduzir, em termos que, no essencial, perduraram ao longo de 40 anos, embora conhecendo alterações, quase todas decorrentes do confronto com normas da ordem constitucional inaugurada em 1976.
 
A inibição definitiva encontrava-se a cargo da Direção-Geral de Transportes Terrestres e visava, em primeiro lugar, os indivíduos condenados criminalmente três vezes ou mais por ofensas corporais voluntárias, dano voluntário ou por homicídio, ofensas corporais ou dano negligentes, cometidos no exercício da condução. Seguiam-se os condenados duas vezes, ou mais, em pena de prisão maior ou degredo, os condenados em pena maior fixa por homicídio voluntário ou por crimes contra a segurança exterior ou interior do Estado. Interdição definitiva de quem fosse declarado delinquente habitual ou por tendência, de quem tivesse sido condenado em pena maior por «qualquer crime cometido no exercício da condução de veículos, servindo estes de instrumento ou meio para auxiliar ou preparar a sua execução e ainda dos indivíduos sob a medida de segurança própria de interdição do exercício da condução (cf. n.º 2 do artigo 46.º, ex vi do n.º 1 do artigo 61.º).
 
De igual modo seria desencartado definitivamente quem tivesse sido julgado alcoólico habitual, com base em exame pericial, além dos condutores julgados habitualmente imprudentes, «considerando-se como tais os que, por costume, transitem com excessiva velocidade onde, por lei, deva ser moderado o andamento, ou pratiquem por hábito manobras perigosas[9], por modo a revelarem, em qualquer dos casos, falta de atenção frequente ou desrespeito pelos interesses do trânsito» (cf. alínea c) do n.º 1, do artigo 61.º).
 
Por seu turno, a inibição temporária podia ir até cinco anos, no caso dos «condutores condenados em pena correcional por qualquer crime cometido no exercício da condução ou que tenham utilizado o veículo ou a licença de condução para o prepararem ou executarem» (cf. alínea d) do n.º 2, do artigo 61.º).
 
Concorrentemente, assistia aos tribunais o poder de decretarem em suas sentenças a proibição temporária ou definitiva do exercício da condução de veículos automóveis quando entendessem que a posse da carta de condução poderia oferecer aos seus titulares oportunidades ou condições especialmente favoráveis para a prática de crimes, se fossem julgados habitualmente imprudentes ou exibissem reincidência em infrações rodoviárias no registo criminal (cf. n.º 4 do artigo 61.º). A proibição temporária podia, no entanto, ser substituída por caução de boa conduta, «quando se deva supor que o arguido será de futuro um condutor prudente e evitará as infrações por que foi julgado» (idem).
 
Para tais efeitos, era necessário um cadastro próprio e mais funcional, pelo que se determinou o seguinte:
 
«Artigo 66.º
(Registo das infrações)
                   1 — Todas as autoridades a quem compete tomar conhecimento e julgar das infrações às disposições do presente código e das posturas municipais sobre a matéria nele contida deverão enviar mensalmente à Direção-Geral dos Transportes Terrestres uma relação de todas as infrações verificadas ou julgadas e bem assim das penas aplicadas.
                   2 — A Direção-Geral dos Transportes Terrestres organizará em registo especial o cadastro de cada condutor, no qual serão lançadas todas as penalidades e medidas de segurança que lhe forem aplicadas por infrações às leis do trânsito ou em relação com o exercício da condução, bem como a notícia dos acidentes em que tenha participado.
                   Aos processos em que deva ser apreciada a responsabilidade de qualquer condutor será sempre junta uma cópia dos assentamentos que lhe dizem respeito».
 
O Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio[10], empreendeu inovações significativas em matéria sancionatória, não obstante o anterior Código ter conhecido múltiplas alterações em tal domínio, ora para se adaptar a exigências decorrentes do direito internacional e do direito da então Comunidade Económica Europeia, ora para disciplinar de modo mais rigoroso a segurança de pessoas e bens na circulação rodoviária.
 
Refira-se como antecedente especialmente relevante o combate à condução sob influência do consumo alcoólico através da Lei n.º 3/82, de 29 de março, que estatuiu a inibição de conduzir por um período de oito dias a três meses a quem apresentasse uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,80 g/l e de 30 dias a seis meses a quem apresentasse um valor igual ou superior a 1,2 g/l. Por seu turno, coube ao Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de abril, endurecer este combate.
 
O ilícito de mera ordenação social[11] deparava-se com resistências na sua extensão às infrações rodoviárias. Tal adaptação implicaria um maior protagonismo da Administração Pública na aplicação das sanções, o que exigia transformações não meramente legislativas.
 
Talvez por isso, o Código da Estrada e os múltiplos diplomas extravagantes em que se desdobrava o direito estradal conservavam o paradigma das transgressões e contravenções com elevado encargo na pendência processual dos tribunais.
 
Só o novo Código da Estrada (1994) converteu as transgressões e contravenções ao figurino contraordenacional, além de ter reformado no artigo 147.º o registo individual das infrações mais graves praticadas por cada condutor, sucedendo ao regime anterior, porventura demasiado incipiente e pouco prestável às necessidades[12].
 
Registo de infrações penais ou contraordenações cuja consequência tivesse sido a inibição de conduzir aplicada como pena criminal, como medida de segurança ou como sanção contraordenacional acessória.
 
Assim, na redação originária do atual Código da Estrada, determinou-se o que vai transcrito:
«Artigo 147.º
(Registo individual do condutor)
                   1 — Cada condutor tem um registo individual, organizado nos termos estabelecidos em diploma próprio, do qual devem constar:
                   a) As condenações em crimes e contraordenações que tenham aplicado a sanção de inibição de conduzir;
                   b) As condenações em medida de segurança que impliquem cassação da licença para conduzir.
                   2 — Aos processos em que deva ser apreciada a responsabilidade de qualquer condutor é sempre junta uma cópia dos assentamentos que lhe dizem respeito.
                   3 — Qualquer condutor poderá ter acesso ao seu registo, sempre que o solicite nos termos regulamentares».
 
Pouco depois, o Decreto-Lei n.º 317/94, de 24 de dezembro[13], correspondendo ao preceituado no transcrito n.º 1, do artigo 147.º, do Código da Estrada, veio criar uma base de dados e definir o conteúdo do novo registo individual de cada condutor.
 
Entre os seus objetivos avultava o de melhorar o acesso das autoridades aos antecedentes de cada condutor e providenciar desse modo por uma aplicação mais eficaz do Código da Estrada.
 
Contudo, ainda não se estabelecia nenhum mecanismo de conexão entre a reiteração de comportamentos ilícitos e a suspensão ou privação da carta de condução decretadas como sanções.
 
Até então, revelara-se muito difícil o equilíbrio entre a inibição de conduzir e a reincidência em infrações estradais graves. Por um lado, era preciso que o condutor dispusesse de garantias procedimentais e processuais que lhe concedessem proteção efetiva pelos tribunais. Por outro, era necessário que a cassação temporária ou definitiva da carta ou licença de condução não incorressem na categoria de efeitos infamantes ou que decorressem ipso facto de condenações jurisdicionais ou administrativas.
 
O Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 337/86, de 9 de dezembro de 1986[14], tinha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do segmento final do primeiro parágrafo do artigo 61.º, n.º 4, do Código da Estrada de 1954, ao investir uma autoridade administrativa em poderes para aplicar, sem contraditório imparcialmente assegurado, a medida de inibição da faculdade de conduzir a quem, tendo cometido uma transgressão estradal, pagasse voluntariamente a multa[15]:
 
                   «A inibição definitiva ou temporária da faculdade de conduzir será imposta pelos tribunais, sem prejuízo do disposto no artigo 55.º, quando deva seguir-se à condenação do condutor por qualquer infração, e pela Direção-Geral de Viação, nos casos restantes».
 
Entendeu-se constituir reserva dos tribunais aplicar sanções por contravenções a que não coubesse estritamente a pena de multa, como era o caso. Encontrava-se o arguido privado do contraditório e de alguns direitos de defesa inscritos no artigo 32.º, n.º 1, n.º 3 e n.º 5, da Constituição[16].
 
Do ato do Diretor-Geral cabia recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna, como pressuposto da interposição de recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo, restrito à legalidade do ato administrativo. Restrição que levaria a jurisdição administrativa a abster-se de apreciar o mérito do ato, designadamente a determinação do tempo por que era aplicada a inibição, de tal sorte que o condutor não teria oportunidade de contraditar plenamente as motivações da autoridade recorrida.
 
Vale a pena recordar que, ao tempo, dava ainda os primeiros passos a extensão progressiva do bloco de legalidade ao erro manifesto de apreciação e à violação de certos princípios gerais de direito administrativo, designadamente o da proporcionalidade. A margem de controlo da discricionariedade administrativa era curta. De acordo com o artigo 19.º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo[17], só o desvio de poder parecia poder justificar a anulação de um ato praticado no exercício de poderes discricionários.
 
Concluiu o Tribunal Constitucional pela verificação de um tratamento arbitrariamente desigual do condutor arguido por contravenção quando comparado com o arguido por ilícito de mera ordenação social, ao qual assistia o direito de impugnar a decisão administrativa nos tribunais comuns, com jurisdição plena:
 
                   «Este tem sempre a possibilidade de ver os factos de que é acusado serem discutidos — e decididos — numa audiência de julgamento, por um juiz e com observância da regra do contraditório, de aí comparecer, ser ouvido e, querendo, assistido por um defensor (…). Isto é coisa que não acontece com aquele, sempre que pague voluntariamente a multa devida pela transgressão».
 
Mais tarde, no Acórdão n.º 224/90, de 26 de junho de 1990[18], o Tribunal Constitucional entendeu que as alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 2 do mesmo artigo 46.º do Código da Estrada, ao inculcarem a proibição de conduzir automóveis como consequência inelutável de certas condenações criminais, infringiam a garantia constitucional ínsita no artigo 30.º, n.º 4[19], segundo a qual se proíbem efeitos automáticos às penas, em termos de fazerem perder ao arguido direitos civis, profissionais ou políticos.
 
Entendeu o Tribunal Constitucional que as normas em questão fixavam como efeito acessório automático a perda de um direito civil: a faculdade de conduzir automóveis por quem se encontrasse devidamente habilitado[20].
 
Só alguns anos após a entrada em vigor do novo Código da Estrada viria a ensaiar-se um meio que, pelo menos, obrigava a ponderar a inibição de conduzir em face da reincidência na prática de contraordenações rodoviárias tidas como de especial gravidade.
 
A redação atribuída ao artigo 148.º, n.º 2, pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, veio permitir aos tribunais, para efeito de cassação da carta ou licença, presumir a perda de idoneidade para a condução de veículos a motor de quem, num período de cinco anos, tivesse praticado e sido punido por três contraordenações muito graves ou cinco contraordenações graves ou muito graves.
 
De acordo com o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro, o Código da Estrada, além de obter novo escalonamento das contraordenações (graves, muito graves e as demais) foi objeto de modificações na sistematização e na disciplina do que passou a referir como registo de infrações, nos termos seguintes e que desde então se mantiveram inalterados:
 
«Artigo 144.º
(Registo de infrações)
                   1 — O registo de infrações é efetuado e organizado nos termos e para os efeitos estabelecidos nos diplomas legais onde se preveem as respetivas contraordenações.
                   2 — Do registo referido no número anterior devem constar as contraordenações graves e muito graves praticadas e respetivas sanções.
                   3 — O infrator tem acesso ao seu registo, sempre que o solicite, nos termos legais.
                   4 — Aos processos em que deva ser apreciada a responsabilidade de qualquer infrator é sempre junta uma cópia dos assentamentos que lhe dizem respeito». 
 
Por via da Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro, a cassação motivada por reincidência contraordenacional grave e muito grave passou a constituir um poder de exercício vinculado atribuído às autoridades administrativas, na redação que se transcreve:
«Artigo 148.º
(Cassação do título de condução)
                   1 — A prática de três contraordenações muito graves ou de cinco contraordenações entre graves ou muito graves num período de cinco anos tem como efeito necessário a cassação do título de condução do infrator.
 
                   2 — A cassação do título a que se refere o número anterior é ordenada logo que as condenações pelas contraordenações sejam definitivas, organizando-se processo autónomo para verificação dos pressupostos da cassação.
 
                   3 — A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação.
 
                   4 — A efetivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.
 
                   5 — A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contraordenações».
 
O registo individual veio a adquirir nova valência, depois de as alterações ao Código da Estrada levadas a cabo pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, introduzirem um sistema de pontuação associado à carta de condução e ao registo individual de condutores, recolhendo experiências em outros ordenamentos jurídicos europeus, designadamente no francês[21].
 
 
 
 
 
§ 2.º
 
A ficção de unidades de referência associadas à carta e o registo de infrações (pontuação).
 
O registo individual, por acréscimo ao disposto no já transcrito artigo 144.º, passou a conhecer um regime específico com relação às infrações estradais mais graves:
 
 
 
«Artigo 149.º
(Registo de infrações)
                   1 — Do registo de infrações relativas ao exercício da condução, organizado nos termos de diploma próprio, devem constar:
                   a) Os crimes praticados no exercício da condução de veículos a motor e respetivas penas e medidas de segurança;
                   b) As contraordenações graves e muito graves praticadas e respetivas sanções.
                   c) A pontuação atualizada do título de condução.
                   2 — Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o Ministério Público comunica à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária os despachos de arquivamento de inquéritos que sejam proferidos nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal.
                   3 — A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária assegura o acesso dos condutores ao registo de infrações». 
 
Em ordem a desenvolver tal inovação, era preciso modificar também o Decreto-Lei n.º 317/94, de 24 de dezembro, o que veio a suceder com a publicação da Lei n.º 27/2015, de 14 de abril, e do Decreto-Lei n.º 80/2016, de 28 de novembro.
 
O registo evoluiu para uma nova configuração, de modo a concatenar o conhecimento dos antecedentes do condutor e a medida maior ou menor da respetiva habilitação para conduzir.
 
A habilitação para conduzir estava a ser objeto de uma alteração profunda com implicações na natureza jurídica do ato que a defere e do título que o dá conhecer (carta de condução, licença, autorização).
 
Desde então, além dos dados reveladores de comportamentos ilícitos graves de cada condutor, e que facultam um acesso mais expedito às autoridades, converge no registo individual um sistema correlativo de aquisição e perda de unidades de referência, comummente designadas pontos, ora como prémio, ora como efeito da reabilitação ou da condenação pela prática de infrações rodoviárias especialmente gravosas.
 
Conjuga-se um sistema premial com o regime sancionatório, de modo a acrescentar ao fator dissuasório da coima e das sanções acessórias maior incentivo à prática de condução segura, através da acumulação periódica de pontos na conta corrente que o decurso do tempo sem infrações graves proporciona ao condutor.
 
A condenação definitiva pela prática de certas infrações diminui as condições de habilitação para conduzir veículos a motor, subtraindo pontos ao condutor, ao passo que o bom comportamento sem infrações graves permite conservar e até fazer acrescer o saldo na conta individual.
 
Quer isto dizer que a habilitação para conduzir veículos a motor passou a conhecer vários graus aferidos quantitativamente e que exprimem a maior ou menor aptidão social do condutor para ser um agente de garantia e fomento da segurança rodoviária. No limite, a perda de pontuação por completo, ao revelar a perda de confiança da comunidade em determinado indivíduo para continuar a conduzir veículos a motor, justifica a cassação da carta ou de outro título habilitante.
 
Querendo, nessa eventualidade, obter novo título de habilitação legal para conduzir veículos terrestres com motor tem não só de fazer prova de todos os requisitos pessoais, como também de submeter-se a provas teóricas e práticas em igualdade com os iniciados. E não pode fazê-lo antes de decorridos dois anos sobre a cassação definitiva.
 
É o que resulta dos preceitos que passamos a transcrever do Código da Estrada em sua redação atual.
 
Em primeiro lugar, veremos por que modo são creditados os pontos:
 
«Artigo 121.º-A
(Atribuição de pontos)
                   1 — A cada condutor são atribuídos doze pontos.
                   2 — Aos pontos atribuídos nos termos do número anterior podem ser acrescidos três pontos, até ao limite máximo de quinze pontos, nas situações previstas no n.º 5 do artigo 148.º
                   3 — Aos pontos atribuídos nos termos dos números anteriores pode ser acrescido um ponto, até ao limite máximo de dezasseis pontos, nas situações previstas no n.º 7 do artigo 148.º».
 
«Artigo 148.º
(Sistema de pontos e cassação do título de condução)
                   (…)
                   5 — No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º-A.
 
                   6 — Para efeitos do número anterior, o período temporal de referência sem registo de contraordenações graves ou muito graves no registo de infrações é de dois anos para as contraordenações cometidas por condutores de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, no exercício das suas funções profissionais.
                  
                   7 — A cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, é atribuído um ponto ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de ação de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento.
 
(…)».
 
Temos, assim, que a habilitação legal para conduzir confere automaticamente doze pontos, mas encontra-se sujeita a vicissitudes modificativas. É possível estar habilitado com um máximo de dezasseis pontos ou com um ponto, apenas.
 
Por cada triénio sem contraordenações graves ou muito graves nem condenações por crimes de natureza rodoviária averbadas ao registo de infrações, são atribuídos três pontos até ao máximo de quinze (cf. artigo 148.º, n.º 5). Por cada período de revalidação em circunstâncias análogas, e se, além disso, o condutor frequentar por iniciativa própria ação de formação em segurança rodoviária, é atribuído mais um ponto, o que pode elevar o saldo máximo a dezasseis (cf. artigo 148.º, n.º 7).
 
Compreende-se a limitação superior. A acumulação desmesurada de pontos poderia revelar-se contraproducente. Reduziria drasticamente a utilidade marginal da pontuação. Com elevada probabilidade, alguns condutores incorreriam em excesso de confiança. Embora a pontuação não conceda impunidade pelas infrações cometidas, tais condutores contariam com uma margem demasiado folgada, antes de serem confrontados com a iminência da cassação.
 
Em segundo lugar, cumpre observar o regime da subtração de pontos até se esgotar o saldo, ou seja, até ser atingido o limiar da inaptidão absoluta, em termos que justificam ponderar a cassação da carta ou de outro título de habilitação:
       «Artigo 148.º
                   (Sistema de pontos e cassação do título de condução)
                   1 — A prática de contraordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtração de pontos ao condutor na data do caráter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:
 
                   a) A prática de contraordenação grave implica a subtração de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves;
 
                   b) A prática de contraordenação muito grave implica a subtração de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contraordenações muito graves.
 
                   2 — A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.
 
                   3 — Quando tiver lugar a condenação a que se refere o n.º 1, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtração a efetuar não pode ultrapassar os seis pontos, exceto quando esteja em causa condenação por contraordenações relativas a condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas, cuja subtração de pontos se verifica em qualquer circunstância.
 
                   4 — A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:
 
                   a) Obrigação de o infrator frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento[22], quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;
 
                   b) Obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;
 
                   c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.
 
                    (…)
 
                   8 — A falta não justificada à ação de formação de segurança rodoviária ou à prova teórica do exame de condução, bem como a sua reprovação, de acordo com as regras fixadas em regulamento, tem como efeito necessário a cassação do título de condução do condutor.
 
                   9 — Os encargos decorrentes da frequência de ações de formação e da submissão às provas teóricas do exame de condução são suportados pelo infrator.
 
                   10 — A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do n.º 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.
 
                   11 — A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação.
 
                   12 — A efetivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.
 
                   13 — A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contraordenações».
 
Note-se que resulta do n.º 4 uma escala de medidas consequentes à perda progressiva de pontos. Perda que só é derradeira na hipótese de o condutor não dispor de pontuação suficiente e incorrer em saldo nulo. 
 
A medida menos incisiva consiste no dever de frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária ao descer a ≤ 5 pontos (cf. n.º 4, alínea a)). Com o cumprimento desta obrigação de meios pretende-se que o condutor retome consciência do perigo que representa para si e para os outros deixar de observar o Código da Estrada, em aspetos fundamentais.
 
Decrescido o saldo a ≤ 3 pontos, encontra-se prevista uma obrigação de resultado. O condutor é submetido a uma prova teórica equivalente à que é prestada no exame de condução. Se reprovar, perde a habilitação. Tal eventualidade não configura um caso de cassação, pois é o interessado que infirma ou confirma ter deixado de reunir as condições necessárias para conduzir veículos terrestres com motor.
 
Por último, se o condutor deixar de ter pontuação positiva, a carta, licença ou outro título ser-lhe-ão cassados, embora tal não ocorra automaticamente.
 
A cassação da carta de condução prevista no n.º 4, alínea c), só pode ocorrer no termo de um procedimento autónomo (cf. n.º 10).
 
Pretendeu-se obstar à proibição constitucional de perda, no todo em parte, de direitos civis, profissionais ou políticos por efeito automático de aplicação de uma pena (cf. artigo 30.º, n.º 4 da Constituição). Isto, no pressuposto de a habilitação para conduzir poder ainda subsumir-se em alguma das referidas classes de direitos.
 
O ato que determina a cassação é impugnável segundo o regime da impugnação judicial das decisões que condenem em sanções contraordenacionais e do recurso para os tribunais superiores (cf. n.º 13).
 
Conduzir veículos a motor com a habilitação adequada é hoje um direito condicionado, já não apenas pelo vencimento de certos limites etários que obrigam a revalidar a carta, como também pela preservação de um comportamento idóneo. A cassação parte do reconhecimento fundamentado de que tal idoneidade assentou originariamente em erro ou gorou-se supervenientemente.
 
A cassação é definitiva, mas não perpétua, uma vez que o antigo condutor, como assinalámos, pode vir a obter nova habilitação, decorridos dois anos da efetivação da medida (cf. artigo 148.º, n.º 11, do Código da Estrada).
 
Por seu turno, não se confunde com a inibição de conduzir, aplicada acessoriamente à coima, pena de prisão ou multa.
 
A inibição de conduzir conserva o ato administrativo que permitira a atividade (verificação constitutiva). Tal licença não é revogada, mas suspensa. Perde transitoriamente eficácia, recuperando-a logo que a inibição se encontre cumprida, exceto se outra vicissitude ocorrer entretanto.
 
O peso das infrações rodoviárias, para tal efeito, não é nem poderia ser igual, em vista do perigo ou da lesão que representam para os bens jurídicos protegidos. Por outro lado, a qualificação das infrações tem de oferecer um mínimo de segurança e certeza. Por esse motivo, nos artigos 145.º e 146.º enunciam-se taxativamente as contraordenações graves e muito graves, respetivamente.
 
E, mesmo entre infrações contraordenacionais graves e muito graves, a condução sob influência do consumo de álcool ou de substâncias psicotrópicas constitui circunstância agravante na perda de pontos, especialmente, como vimos, nas hipóteses de concurso.
 
Já pôde observar-se — até porque as questões sob consulta daí decorrem — que a inibição de conduzir veículos a motor e a consequente perda de pontuação no registo individual nem sempre decorrem da aplicação de sanção contraordenacional.
 
Além da sanção acessória aplicada por autoridade administrativa ou pelos tribunais, estes podem ainda decretar a inibição de conduzir como pena acessória (cf. artigo 69.º do Código Penal[23]) ou como medida de segurança (cf. artigo 101.º).
 
E, bem assim, no âmbito da suspensão provisória de processo penal, o Ministério Público decreta, com a anuência do juiz de instrução, injunção inibitória de conduzir (cf. artigo 281.º, n.º 3, do Código de Processo Penal[24]) como condição para ulteriormente vir a arquivar o inquérito (cf. artigo 282.º, n.º 3) e afastar a aplicação das penas que viessem a resultar da condenação.
 
A associação entre a prática de infrações rodoviárias e a perda de pontuação não podia deixar de contemplar, por maioria de razão, as infrações criminais praticadas contra os mesmos bens jurídicos ou contra bens jurídicos conexos. Há decerto um maior desvalor dos comportamentos sancionados criminalmente, motivo por que seria paradoxal que só as infrações contraordenacionais justificassem reduzir os marcadores da aptidão para conduzir veículos a motor (pontos).
 
Como pressuposto indispensável à ulterior comparação entre ambas, iremos, em seguida, analisar mais detidamente a inibição de conduzir determinada a partir de norma contraordenacional, i.e. como sanção acessória.
 
 
§ 3.º
A sanção contraordenacional acessória de inibição de conduzir.
Não obstante o enquadramento normativo que vimos de expor, só estaremos em condições de captar mais fielmente o alcance das questões controvertidas depois de analisarmos detidamente as disposições legais que se prestam a dúvidas, de as articularmos entre si, e de revisitarmos os institutos jurídicos que gravitam em torno da pluralidade de infrações.
 
Para o efeito, importa passar em revista o regime contraordenacional do Código da Estrada nos traços que relevam, a título principal, para o tema da consulta.
 
Já pudemos atentar na repartição das contraordenações estradais, segundo a ilicitude, em graves e muito graves, pois são estas que relevam para a subtração de pontos efetuada no registo individual do condutor.
 
Por exclusão de partes, as contraordenações leves são, de acordo com o artigo 136.º, n.º 2, aquelas infrações para cuja prática apenas se prevê a aplicação de coima.
 
Quer isto dizer que a condenação em coima e sanção acessória, que só pode ocorrer pela prática de contraordenações graves ou muito graves (cf. artigo 136.º, n.º 3) reduz sempre a pontuação. As contraordenações leves estão apenas sujeitas a coima e em nada modificam a pontuação do condutor.
 
A menos que o arguido não possua habilitação legal para conduzir — caso em que se procede à apreensão do veículo — a sanção acessória que decorre da prática de contraordenações estradais é a inibição de conduzir:
 
«Artigo 147.º
(Inibição de conduzir)
                   1 — A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contraordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir.
                   2 — A sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às contraordenações graves ou muito graves, respetivamente, e refere-se a todos os veículos a motor.
                   3 — Se a responsabilidade for imputada a pessoa singular não habilitada com título de condução ou a pessoa coletiva, a sanção de inibição de conduzir é substituída por apreensão do veículo por período idêntico de tempo que àquela caberia».  
 
A inibição de conduzir veículos com motor, embora aplicada a título de sanção acessória, manifesta um papel primordial se tivermos em linha de conta o efeito limitativo que inflige à autonomia individual de circulação por estrada.
 
Já o efeito dissuasor da coima, em larga medida, depende da condição patrimonial do infrator.
 
A sanção acessória parece mostrar-se portanto mais igualitária, desse ponto de vista. Como também se revela mais igualitária a subtração de pontos ao cadastro dos condutores.
 
Não porém de modo absoluto, uma vez que a inibição de conduzir também pode comportar desvantagens patrimoniais, em especial para o condutor que por razões profissionais ou por necessidades da vida pessoal e familiar precise regularmente de conduzir veículos. O aluguer de automóvel com motorista ou o recurso a transportes coletivos de passageiros, mesmo quando possam satisfazer às necessidades de circulação de quem foi inibido de conduzir, representam encargos, mas com diferente peso na situação de cada um, consoante o património e rendimentos de que disponha. 
 
Refira-se que a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir nem sempre compete às autoridades administrativas. Pode ser aplicada pelos tribunais[25].
 
Concorrendo crime e contraordenação rodoviária, a aplicação da coima é consumida, mas compete ao tribunal aplicar a sanção acessória se o ilícito contraordenacional em concurso for grave ou muito grave.
 
O Código da Estrada ocupa-se do concurso entre infrações criminais e contraordenacionais, precisamente por motivo das sanções acessórias e nos termos que passaremos a observar:
 
«Artigo 134.º
(Concurso de infrações)
                   1 — Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contraordenação.
                   2 — A aplicação da sanção acessória, nos termos do número anterior, cabe ao tribunal competente para o julgamento do crime.
                   3 — As sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente». 
Decorre do n.º 1 que o concurso entre crime e contraordenação não é resolvido inteiramente por consunção, pois permanece uma das consequências do ilícito de mera ordenação social: a inibição de conduzir, a título de sanção acessória.
 
Cuida-se na referida disposição daqueles casos em que, segundo explica ANTÓNIO BEÇA PERREIRA[26], os «factos integrantes da contraordenação não constituem crime, só por si», antes constituindo, por exemplo, «elemento da negligência causal do crime». A negligência pode assim encontrar-se na abstenção de abrandar a velocidade com relação ao subsequente atropelamento da vítima de ofensas corporais.
 
Importa não perder de vista, bem assim, que, de acordo com o n.º 3, o concurso entre sanções por diferentes infrações contraordenacionais, determina cúmulo material e não jurídico entre as sanções.
 
Ao arguido que pratique várias infrações contraordenacionais graves ou muito graves são aplicadas diversas sanções acessórias de inibição de conduzir que ele haverá de cumprir sucessivamente.
 
Esta norma mostra-se particularmente severa no cotejo com o Regime Geral das Contraordenações (cf. artigo 19.º) e com o Código Penal (cf. artigo 77.º), ambos revelando preferência pela sanção conjunta, em cúmulo jurídico, com detrimento do cúmulo material e das sanções a cumprir sucessivamente.
 
O cúmulo material prevalece, no direito rodoviário, graças à posição de norma especial que cabe ao n.º 3 do artigo 134.º do Código da Estrada (lex specialis derogat legi generali).
 
A aplicação da sanção acessória ora pelos tribunais ora pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária não produz efeitos inteiramente iguais. O incumprimento da sanção acessória sujeita-se a regimes punitivos diversos consoante a aplicação provenha dos tribunais ou da autoridade administrativa:
 
«Artigo 138.º
(Sanção acessória)
                   1 — As contraordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória.
                   2 — Quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em sentença criminal transitada em julgado, por prática de contraordenação rodoviária, é punido por crime de violação de imposições, proibições ou interdições, nos termos do artigo 353.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.
                   3 — Quem praticar qualquer ato estando inibido de o fazer por força de sanção acessória aplicada em decisão administrativa definitiva, por prática de contraordenação rodoviária, é punido por crime de desobediência qualificada, nos termos do n.º 2 do artigo 348.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.
                   4 — A duração mínima e máxima das sanções acessórias aplicáveis a outras contraordenações rodoviárias é fixada nos diplomas que as preveem.
                   5 — As sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos».
Por outro lado, e uma vez que, nos termos do transcrito artigo 134.º, n.º 2, do Código Penal, a sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor não deixa de ser aplicada no caso de concorrer a prática de crime, suscita-se o problema da conjugação com eventual pena acessória de igual objeto e conteúdo.
 
A resposta dos nossos tribunais superiores, tanto quanto pudemos perscrutar na jurisprudência publicada, vem acautelando o que representaria violação do princípio ne bis in idem (cf. artigo 29.º, n.º 5, da Constituição[27]).
 
Com este propósito, a Relação de Coimbra pronunciou-se, por Acórdão de 7 de novembro de 2012[28], cujo sumário se reproduz:
 
                   «No contexto do disposto no artigo 134.º, n.º 1, do Código da Estrada, perante um comportamento que configura contraordenação e, simultaneamente, é constitutivo de qualquer um dos crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º, do Código Penal, esgotando a prática do crime o significado, efeito, ou ilicitude da contraordenação, por forma a que possa entender-se que a consome, a sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar deve ser decretada com base no disposto no artigo 69.º, do Código Penal, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, dado que a aplicação concomitante da pena acessória de proibição de conduzir prevista na legislação penal e da(s) sanção(ões) acessória(s) de inibição de conduzir prevista(s) no Código da Estrada se traduziria em dupla sanção pela mesma conduta».
 
Mais tarde, por Acórdão de 8 de março de 2017[29], haveria de reiterar tal posição, consignando-a nos termos seguintes:
 
                   «Perante um comportamento que, em simultâneo, configura contraordenação e um dos crimes previstos na alínea a) do artigo 69.º do Código Penal, esgotando a prática do ilícito penal o significado, efeito, ou ilicitude da contraordenação, por forma a que possa entender-se que a consome, a sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar deve ser decretada com base naquela norma, sob pena de violação do princípio ne bis in idem».
 
Uma vez que a sanção contraordenacional e a pena criminal de inibição de conduzir veículos a motor, aplicadas acessoriamente num mesmo processo penal, tornariam indistinta a razão de ser e finalidades de uma e outra, o cúmulo material levantaria as maiores dúvidas no confronto com o artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, e em face da proibição do excesso irradiada pelo Estado de direito de modo particularmente incisivo para o domínio penal.
 
Com esta ressalva, a inibição de conduzir aplicada como sanção acessória é determinada, com as adaptações naturalmente necessárias, pelos critérios que orientam a medida da sanção principal (coima), nos termos que passamos a reproduzir:
«Artigo 139.º
(Determinação da medida da sanção)
                   1 — A medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contraordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infrator relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos.
                   2 — Na fixação do montante da coima, deve atender-se à gravidade da contraordenação e da culpa, tendo em conta os antecedentes do infrator relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos, e a situação económica do infrator, quando for conhecida.
                   3 — Quando a contraordenação for praticada no exercício da condução, além dos critérios referidos no número anterior, deve atender-se, como circunstância agravante, aos especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor, designadamente quando este conduza veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo de crianças, táxis, pesados de passageiros ou de mercadorias, ou de transporte de mercadorias perigosas». 
 
Todavia, a inibição de conduzir, depois de determinada a sua extensão, em termos gerais, conhece por vezes critérios específicos de modulação que levam a uma diferente medida concreta. Critérios, uma vez mais, divergentes do Regime Geral das Contraordenações e dos critérios do Código Penal.
 
Vejamos, em primeiro lugar, as indicações que permitem ao aplicador atenuar especialmente a inibição de conduzir:
 
«Artigo 140.º
(Atenuação especial da sanção acessória)
                   «Os limites mínimo e máximo da sanção acessória cominada para as contraordenações muito graves podem ser reduzidos para metade tendo em conta as circunstâncias da infração, se o infrator não tiver praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contraordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na condição de se encontrar paga a coima». 
Considerando os limites temporais determinados no artigo 147.º, n.º 2, para a inibição de conduzir, temos pois que o máximo e mínimo que se encontram previstos para as contraordenações muito graves podem ser reduzidos respetivamente para um ano e para um mês (ficando assim em paridade com as contraordenações apenas graves), verificados cumulativamente os pressupostos seguintes:
              — Ocorrência de circunstâncias que possam atenuar a ilicitude da conduta ou a culpa do agente;
                   — Inexistência de comportamento reincidente;
                   — Cumprimento da obrigação de pagar a coima aplicada.
Por outro lado, a inibição pode ser suspensa, desde que a contraordenação seja apenas grave, de acordo com o preceito que vai transcrito:
«Artigo 141.º
(Suspensão da execução da sanção acessória)
                   1 — Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contraordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
                   2 — Se o infrator não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contraordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.
                   3 — A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infrator, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contraordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:
                   a) (Revogada).
                   b) Ao cumprimento do dever de frequência de ações de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;
                   c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.
                   4 — (Revogado).
                   5 — Os encargos decorrentes da frequência de ações de formação são suportados pelo infrator.
                   6 - (Revogado)». 
 
Resulta das disposições transcritas que a suspensão pela autoridade administrativa constitui um poder discricionário, que consiste não apenas na fixação em concreto do tempo por que decorre (entre seis meses e um ano, na hipótese de não reincidência, ou entre um a dois anos, havendo reincidência), como também na opção pelas condições a fixar ao arguido e até na recusa em suspender a execução da sanção acessória.
 
Por fim, se já vimos que a não reincidência contribui para a atenuação ou para a suspensão da execução da sanção acessória, veremos que, pelo contrário, a sua verificação positiva agrava o peso da inibição de conduzir ou, pelo menos, agrava para o dobro o limite mínimo e o limite máximo previstos quer para as contraordenações graves quer para as muito graves:
 
«Artigo 143.º
(Reincidência)
 
                   1 — É sancionado como reincidente o infrator que cometa contraordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contraordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória.
                   2 — No prazo previsto no número anterior não é contado o tempo durante o qual o infrator cumpriu a sanção acessória ou a proibição de conduzir, ou foi sujeito à interdição de concessão de título de condução.
                   3 — No caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respetiva contraordenação são elevados para o dobro».
 
Passaremos, seguidamente, à comparação entre a inibição de conduzir aplicada como sanção contraordenacional e a mesma inibição aplicada a título de injunção, medida de segurança ou pena acessória, sabendo de antemão que são tais casos a gerar maiores dúvidas no que concerne à consequente perda de pontuação no registo individual do condutor, em face do disposto no artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada.
 
 
 
§ 4.º
A inibição de conduzir como consequência de infração criminal.
 
Encontram-se previstos e punidos no Código Penal dois crimes de perigo que integram nos seus elementos típicos a condução de veículo em via pública ou equiparada.
 
Em ambos os tipos surge a condução perigosa, mas tal perigo, no segundo crime, resulta simplesmente da direção de veículos sob estado alterado de reflexos ou consciência, excitação ou torpor, induzidos pelo consumo de álcool ou de substâncias psicotrópicas, em quantidades exorbitantes.
 
Transcreve-se o teor integral de ambos, começando pelo de condução perigosa:
 
«Artigo 291.º
(Condução perigosa de veículo rodoviário)
                   1 — Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:
                   a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou
                   b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em autoestradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em autoestradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;
                   E criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
                   2 — Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada e nela realizar atividades não autorizadas, de natureza desportiva ou análoga, que violem as regras previstas na alínea b) do número anterior, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
                   3 — Se o perigo referido no n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
                   4 — Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias».
 
Trata-se de crime de perigo concreto para a vida, integridade física ou património de outrem.
 
Com a sua prática concorre necessariamente a preterição de normas de trânsito ou de segurança rodoviária. Normas que correspondem, por vezes, a deveres gerais, à semelhança do ilícito disciplinar, como sucede com os deveres de prudência e moderação no emprego da velocidade, de acordo com várias disposições do Código da Estrada.
 
Reproduzem-se, para melhor ilustração de tais deveres, os exemplos mais representativos:
 
«Artigo 24.º
(Princípios gerais)
                   1 — O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
                   2 — Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.
                   3 — Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de €120,00 a €600,00. 
 
Artigo 25.º
(Velocidade moderada)
                   1 — Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade:
                   a) À aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões e ou velocípedes;
                   b) À aproximação de escolas, hospitais, creches e estabelecimentos similares, quando devidamente sinalizados;
                   c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações;
                   d) Nas zonas de coexistência;
                   e) À aproximação de utilizadores vulneráveis;
                   f) À aproximação de aglomerações de pessoas ou animais;
                   g) Nas descidas de inclinação acentuada;
                   h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida;
                   i) Nas pontes, túneis e passagens de nível;
                   j) Nos troços de via em mau estado de conservação, molhados, enlameados ou que ofereçam precárias condições de aderência;
                   l) Nos locais assinalados com sinais de perigo;
                   m) Sempre que exista grande intensidade de trânsito.
                   2 — Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de €120,00 a €600,00». 
 
Encontramos, em seguida, no artigo 292.º, a previsão de um crime que dispensa a violação de tais deveres de cuidado. Trata-se de crime de perigo abstrato.
 
O tipo penal não compreende resultado algum e o perigo consiste simplesmente na condução sob o efeito de bebidas alcoólicas ou de psicotrópicos acima de níveis determinados.
 
A condução sob efeito de tais consumos, por si, mesmo até de velocípedes e veículos de tração animal, representa um perigo, sem mais, e é punida nos seguintes termos:
 
«Artigo 292.º
(Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas)
                   1 — Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
                   2 — Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica». 
Contrariamente ao previsto no artigo 291.º, este crime é praticado mesmo sem infração concorrente de normas do Código da Estrada ou de legislação rodoviária extravagante.
 
Contudo, não são apenas tais crimes a justificar a pena acessória de inibição de conduzir. Entendeu-se ser igualmente de atender a crimes perpetrados na direção de veículo com motor e com relevância deste facto na imputação, no nexo de causalidade. Casos em que a condução de tais veículos é determinante no perigo, no resultado ou no seu agravamento. No homicídio praticado por colisão dolosa com outro veículo pode dizer-se que o automóvel constitui a arma do crime.
 
A estes acrescem ainda outros ilícitos criminais que o agente pode cometer mediante a utilização de um veículo com motor, infringindo, ou não, normas de segurança rodoviária. O uso do veículo, em tais hipóteses, embora não se revele condição necessária no nexo de causalidade, proporciona ao agente utilidade muito significativa, por exemplo, na abordagem da vítima, na fuga ou no transporte de bens subtraídos a terceiros.
 
Mas, nem assim fica esgotado o conjunto dos crimes praticados por condutores em contexto rodoviário e nessa qualidade. Há um quarto e último conjunto.
 
Com efeito, a ordem pública estradal e os bens jurídicos que salvaguarda exigem a cooperação no controlo da segurança rodoviária, devida pelos condutores às autoridades de polícia. Daí que também a recusa injustificada de cooperação represente um comportamento especialmente gravoso, a ponto de ser criminalizado como crime de desobediência.
 
Com isto, completámos o elenco das infrações criminais que justificam aplicar, além da pena de prisão ou de multa, a proibição de conduzir veículos com motor a título de pena acessória, nos termos que se transcrevem do Código Penal:
Artigo 69.º
(Proibição de conduzir veículos com motor)
                   1 — É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
                   a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º;
                   b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou
                   c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
                   2 — A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.
                   3 — No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.
                   4 — A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à [Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária] no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.
                   5 — Tratando-se de título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional, a apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, pela [Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária], da proibição decretada. Se não for viável a anotação, a secretaria, por intermédio da [Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária], comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título.
                   6 — Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança.
                   7 — Cessa o disposto no n.º 1 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação de cassação ou de interdição da concessão do título de condução nos termos do artigo 101.º.» 
 
A determinação da pena acessória compreende uma valoração, um juízo e graduação próprios. Seria um erro considerá-la simples adicional à pena principal, como se explica em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 de janeiro de 2015[30]:
 
                   «A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal. A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232)».
 
Pouco depois, no tocante especificamente à proibição de conduzir e suas finalidades, acrescenta a mesma Relação, em Acórdão de 18 de março de 2015[31]:
                   «[Isto,] sem deixar de se ter em conta a natureza e finalidades próprias da pena acessória de modo a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo artigo 40.º do Código Penal».
A pena acessória, nos casos previstos pelo n.º 1 do transcrito artigo 69.º do Código Penal, é obrigatoriamente aplicada. Condenado o arguido em pena principal, a inibição de conduzir não pode deixar de ser determinada pelo tribunal, mesmo a quem não possua habilitação legal para conduzir. Isto, segundo razões igualitárias, como se explica em Acórdão da Relação de Guimarães, de 4 de maio de 2015[32]:
 
                   «Resulta do artigo 69.º, nº. 1, alínea a), do Código Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é sempre aplicada ao agente que seja condenado por condução de veículo em estado de embriaguez e a norma não faz depender essa condenação da titularidade ou não de licença ou carta de condução.
                   A imposição desta pena acessória, mesmo a arguidos sem licença ou carta de condução, justifica-se por aplicação do princípio constitucional da igualdade estabelecido no n.º 1, do artigo 13.º da CRP».
 
A cassação da carta ou a proibição a quem não a possuindo de vir a obtê-la podem ainda ser determinadas judicialmente como medidas de segurança:
Artigo 101.º
(Cassação do título e interdição da concessão do título de condução de veículo com motor)
                   1 — Em caso de condenação por crime praticado na condução de veículo com motor ou com ela relacionado, ou com grosseira violação dos deveres que a um condutor incumbem, ou de absolvição só por falta de imputabilidade, o tribunal decreta a cassação do título de condução quando, em face do facto praticado e da personalidade do agente:
                   a) Houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie; ou
                   b) Dever ser considerado inapto para a condução de veículo com motor.
                   2 — É suscetível de revelar a inaptidão referida na alínea b) do número anterior a prática, de entre outros, de factos que integrem os crimes de:
                   a) Omissão de auxílio, nos termos do artigo 200.º, se for previsível que dele pudessem resultar graves danos para a vida, o corpo ou a saúde de alguma pessoa;
                   b) Condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos do artigo 291.º;
                   c) Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, nos termos do artigo 292.º; ou
                   d) Facto ilícito típico cometido em estado de embriaguez, nos termos do artigo 295.º, se o facto praticado for um dos referidos nas alíneas anteriores.
                   3 — Quando decretar a cassação do título, o tribunal determina que ao agente não pode ser concedido novo título de condução de veículos com motor, de qualquer categoria, durante o período de duração da cassação. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3, 4, 5 e 6 do artigo 69.º
                   4 — Se o agente relativamente ao qual se verificarem os pressupostos dos n.os 1 e 2 não for titular de título de condução, o tribunal limita-se a decretar a interdição de concessão de título, nos termos do número anterior, sendo a sentença comunicada à [Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária]. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 69.º
                   5 — É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 100.º
                   6 — Se contra o agente tiver sido já decretada interdição de concessão de título nos cinco anos anteriores à prática do facto, o prazo mínimo de interdição é de dois anos.
                   7 — Quando seja decretada cassação de título de condução, a obtenção de novo título, quando possível, depende sempre de exame especial». 
Se a pena acessória que encontrámos no artigo 69.º do Código Penal é justificada pela ilicitude da conduta e pela valoração da culpa, ainda que o crime possa não concorrer com nenhuma infração rodoviária, já a medida de segurança prevista no artigo 101.º surge fundada em especial perigosidade do agente e em «fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie ou dever ser considerado inapto para a condução de veículo com motor[33]».
 
Inaptidão para conduzir veículos a motor que, não obstante poder assentar num juízo de inimputabilidade, compreende outras perturbações fisiológicas ou comportamentais.
 
O indivíduo simplesmente revela não conseguir praticar uma condução segura ora por se encontrar dependente do consumo de álcool ou de psicotrópicos, ora por configurar os seus interesses como primordiais sobre os da segurança na estrada, indiferente à vida, à integridade física ou ao bem-estar de terceiros.
 
A inibição de conduzir como medida de segurança pressupõe sempre a prática de infração em estreita conexão com a ordem pública rodoviária, ainda que o agente tenha sido absolvido por inimputabilidade.
 
A medida de segurança descrita em nada modifica a pontuação do condutor. Ultrapassa-a, pois tem como efeito a privação da habilitação legal para conduzir veículos com motor ou a proibição de vir a adquiri-la[34].
 
Por fim, a inibição de conduzir veículos com motor pode consistir em modo ou condição impostos ao condutor (injunção) para garantir a suspensão provisória do processo penal e, eventualmente, o seu ulterior arquivamento.
 
Como veremos, tal mecanismo não compreende todo e qualquer crime, e, por outro lado, dirige-se preferentemente a indivíduos não reincidentes em crimes da mesma natureza.
 
A determinação compete ao Ministério Público, embora a iniciativa possa partir do arguido.
 
O Ministério Público tem de contar com a anuência do juiz de instrução, com o assentimento do assistente, e, claro está, com a concordância do próprio interessado.
 
Interessado que deste modo vê afastada a aplicação da pena principal e das penas acessórias previstas se e na medida em que cumpra as injunções e regras de conduta que lhe forem fixadas.
 
Uma delas, a inibição de conduzir veículos a motor sempre que para o crime imputado seja de aplicar pena acessória de igual objeto e conteúdo.
 
A Diretiva n.º 1/2014, da Procuradora-Geral da República, de 15 de janeiro[35], estabelece orientações acerca de tal injunção e da obrigatoriedade de comunicação do arquivamento do processo à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, para que conste do registo individual do condutor.
 
Passemos em revista as pertinentes disposições do Código de Processo Penal, em que se move a injunção de inibição de conduzir veículos a motor da competência do Ministério Público:
 
«Artigo 281.º
(Suspensão provisória do processo)
                   1 — Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
                   a) Concordância do arguido e do assistente;
                   b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
                   c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;
                   d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
                   e) Ausência de um grau de culpa elevado; e
                   f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
                   2 — São oponíveis ao arguido, cumulativa ou separadamente, as seguintes injunções e regras de conduta:
                   a) Indemnizar o lesado;
                   b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
                   c) Entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa quantia ou efetuar prestação de serviço de interesse público;
                   d) Residir em determinado lugar;
                   e) Frequentar certos programas ou atividades;
                   f) Não exercer determinadas profissões;
                   g) Não frequentar certos meios ou lugares;
                   h) Não residir em certos lugares ou regiões;
                   i) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas;
                   j) Não frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões;
                   l) Não ter em seu poder determinados objetos capazes de facilitar a prática de outro crime;
                   m) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.
                   3 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor.
                   4 — Não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a dignidade do arguido.
                   5 — Para apoio e vigilância do cumprimento das injunções e regras de conduta podem o juiz de instrução e o Ministério Público, consoante os casos, recorrer aos serviços de reinserção social, a órgãos de polícia criminal e às autoridades administrativas.
                   6 — A decisão de suspensão, em conformidade com o n.º 1, não é suscetível de impugnação.
                   7 — Em processos por crime de violência doméstica não agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.
                   8 — Em processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado, o Ministério Público, tendo em conta o interesse da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.
                   9 — No caso do artigo 203.º do Código Penal, é dispensada a concordância do assistente prevista na alínea a) do n.º 1 do presente artigo quando a conduta ocorrer em estabelecimento comercial, durante o período de abertura ao público, relativamente à subtração de coisas móveis de valor diminuto e desde que tenha havido recuperação imediata destas, salvo quando cometida por duas ou mais pessoas. 
Artigo 282.º
(Duração e efeitos da suspensão)
                   1 — A suspensão do processo pode ir até dois anos, com exceção do disposto no n.º 5.
                   2 — A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo.
                   3 — Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto.
                   4 — O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:
                   a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
                   b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
                   5 — Nos casos previstos nos n.os 6 e 7 do artigo anterior, a duração da suspensão pode ir até cinco anos». 
A distinção entre a inibição de conduzir como injunção ou como pena acessória é de certo modo relativa no que concerne ao conteúdo. Em Acórdão de 10 de outubro de 2016, o Tribunal da Relação de Guimarães[36] não hesita em considerar que a diferença é sobretudo nominal:
 
                   «I — A inibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal, é uma verdadeira pena criminal; embora acessória, é imposta independentemente da vontade do arguido e o seu incumprimento faz incorrer o arguido na prática de um crime. Diferentemente, a injunção, aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, é um instrumento que visa a composição social, é uma sanção de índole especial penal e o seu incumprimento acarreta apenas o prosseguimento do processo.
                   II - Não obstante, são puramente conceptuais as averbadas diferenças, pois a pena acessória e a injunção visam, uma e outra, os mesmos factos, têm o mesmo conteúdo e alcance prático, para além de comungarem o mesmíssimo modo de execução e idêntica razão de ser, designadamente quanto à paridade das respetivas funções de prevenção especial e geral».
Perante o incumprimento da injunção, o processo penal prossegue, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 282.º do Código de Processo Penal e que vimos de reproduzir. O arguido cumprirá igualmente a inibição de conduzir, desta feita, como pena acessória, mas será condenado outrossim a cumprir a pena de prisão ou de multa, pois com o seu comportamento impediu que o processo viesse a ser arquivado. Daí que, em tais casos, a comunicação à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária compita ao juiz e não ao Ministério Público.
 
A pena acessória de igual conteúdo que vier a ser aplicada é integralmente cumprida sem desconto algum do tempo por que o arguido tiver correspondido à inibição de conduzir veículos com motor. Veio a ser este o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, ao uniformizar jurisprudência através do Acórdão n.º 4/2017, de 27 de abril de 2017[37]:
 
                   «Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art.º 281.º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art.º 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar».
 
Com efeito, o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdãos tirados em 20 de janeiro[38] e em 22 de setembro de 2014[39] tinha considerado dever efetuar‑se o aludido desconto, caso a suspensão fosse revogada. O agente estivera temporariamente privado de conduzir veículos a motor por se encontrar a cumprir a inibição, de modo que, no entendimento do Tribunal, de facto ele já cumprira, ao menos parcialmente, a pena acessória que posteriormente lhe foi aplicada.
 
Pelo contrário, o Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 22 de fevereiro de 2017[40], entendera pesar sobremaneira o comportamento do arguido justamente ao não honrar o compromisso que assumiu. Apesar de inibido de conduzir como condição para o ulterior arquivamento do processo, deitou por terra a oportunidade que lhe fora concedida.
 
Tal questão e os argumentos esgrimidos em ambos os sentidos podem prestar-se à dilucidação da natureza jurídica da inibição de conduzir veículos a motor ora como injunção ora como pena acessória.
 
Vamos prosseguir em direção à pluralidade de infrações, à pluralidade de sanções e seus reflexos na pontuação associada à carta de condução.
 
 
§ 5.º
Cúmulo entre penas acessórias e entre injunções inibitórias.
 
Pudemos dar-nos conta de que o Código da Estrada, por via do artigo 134.º, n.º3, é taxativamente adverso ao cúmulo jurídico das infrações contraordenacionais que prevê e sanciona.
 
Contudo, esta norma não pode ser transposta sem mais para a subtração de pontos, visto que o n.º 3 do artigo 148.º consigna um limite máximo de seis pontos ao cúmulo material se as contraordenações tiverem sido cometidas no mesmo dia, contanto que nenhuma delas sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas.
 
É altura de reconsiderar o teor do artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada. Agora, de olhos postos na eventualidade de a subtração de pontos vir associada à aplicação de pena única ou à imposição de injunção única, por efeito de cúmulo jurídico operado nos termos do artigo 77.º do Código Penal.
 
Retome-se o teor exato da referida norma do Código da Estrada:
 
               «A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor».
 
Tudo aponta para que a referência a pena acessória e a injunção vise abarcar as situações de pluralidade de infrações, desde que a pena ou a injunção sejam uma só.
 
Falta saber todavia se entre injunções e entre penas acessórias homogéneas opera o chamado cúmulo jurídico ou se este se encontra reservado ao concurso de penas principais, visto que até há pouco tempo atrás a questão manifestava-se extremamente disputada.
 
Se entre penas acessórias e entre injunções de inibição de conduzir estiver excluído o cúmulo jurídico, teremos de rever a inclinação pelo sentido literal a extrair do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada.
 
Cumulando-se materialmente várias inibições de conduzir, teriam de ser subtraídos seis pontos por cada uma.
 
Com efeito, mostrou-se extremamente controvertido na jurisprudência saber se, concorrendo a aplicação de penas acessórias, haveria ou não lugar a cúmulo jurídico, à aplicação de pena acessória única, designadamente a uma só inibição de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69.º do Código Penal.
 
De um lado, entendeu-se que nada no Código Penal consentiria aplicar uma única pena acessória, de tal sorte que as inibições de conduzir decorrentes de sanção penal teriam de ser aplicadas em regime de cúmulo material, ainda que a pena principal (de prisão ou multa) fosse determinada como pena única, em regime de cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.º 2.
 
Assim, por Acórdão de 13 de março de 2013, o Tribunal da Relação do Porto[41] considerou que «a lei não permite a cumulação jurídica das penas acessórias que, por isso, devem ser cumuladas materialmente».
 
De igual modo, por Acórdão de 28 de março de 2012[42], o Tribunal da Relação de Coimbra concluiu que «as penas acessórias aplicadas ao arguido, como a proibição de conduzir veículos com motor, não podem ser objeto de cúmulo jurídico»
 
Mais tarde, contudo, por Acórdão de 10 de abril de 2013[43], o mesmo Tribunal adotou entendimento diverso:
 
                   «As penas acessórias, onde se inclui a proibição de conduzir veículos com motor, são cumuláveis juridicamente segundo o critério fixado no n.º 1 do art.º 77.º do Código Penal, ainda que se trate de conhecimento superveniente».
 
E, no Acórdão de 13 de dezembro de 2014, reiterou tal posição, como resulta do sumário:
 
                   «I — Em caso de concurso de crimes puníveis também com pena acessória, o cúmulo jurídico a efetuar tem de englobar todas as penas parcelares aplicadas, em conformidade com as disposições dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal.
 
                   II — Diversamente, perante a previsão do art.º 134.º, n.º 3, do Código da Estrada, o concurso de contraordenações decorrentes de violação de normas regulamentadoras da circulação rodoviária implica a acumulação material quer das coimas quer de todas as sanções acessórias impostas, a cumprir sucessivamente».
 
Era esse também o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, porquanto tinha, em Acórdão de 31 de outubro de 2012[44], deliberado como se transcreve do sumário respetivo:
 
                   «[…]
 
                   III — As penas acessórias são verdadeiras penas. Assim sendo, são aplicáveis às penas acessórias (a todas elas), com as devidas adaptações, as disposições dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal.
 
                   (…)
 
                   V — O arguido foi condenado nas penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados pelos períodos de 18 meses, 18 meses e 9 meses, esta última na sequência da prática de crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes e as duas primeiras pela prática de crimes de desobediência, cometidos mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
 
                   VI — Como decorre dos factos apurados nas diversas audiências de julgamento a que o arguido foi submetido no âmbito dos processos que subjazem aos crimes por ele perpetrados, estamos perante delinquente que à data dos factos consumia heroína e cocaína, consumo que iniciou aos 18 anos de idade, sendo possuidor de um vasto currículo criminoso. Mais recentemente começou a consumir álcool, tendo efetuado um tratamento quando deu entrada no Estabelecimento Prisional.
 
                   VII — Há notícia de que iniciou o seu percurso delituoso no ano de 2000, no qual se manteve até à sua prisão, cometendo crimes da mais diversa natureza. Tem 38 anos de idade.
 
                   VIII — Tendo em conta estes factos, bem como os demais constantes da decisão de facto proferida, especialmente atinentes às condições pessoais do arguido, fixa-se a pena acessória única de proibição de conduzir veículos motorizados em 2 anos».
 
A desarmonia de julgados veio a justificar, uma vez mais, recurso para uniformização de jurisprudência, por cuja mercê seria prolatado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2018, de 11 de janeiro de 2018[45], e em que se harmonizou a controvérsia nos seguintes termos:
 
                   «Em caso de concurso de crimes, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, com previsão no n.º 1, alínea a) do artigo 69.º do Código Penal, estão sujeitas a cúmulo jurídico».
 
Refira-se que o Ministério Público, nas alegações de recurso, tinha propugnado justamente esse entendimento:
 
                   «I — Quanto à questão de saber se, em concurso de crimes, havendo lugar à aplicação de penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, p.p. no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, estas penas acessórias deverão ser cumuladas materialmente, a nossa resposta não pode deixar de ser negativa.
                   II — Acolhemos antes, o entendimento de que devem ser observadas as regras do cúmulo jurídico estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, na consideração do disposto no artigo 71.º do CP e no respeito dos princípios da necessidade, da mínima restrição dos direitos, da adequação e da proporcionalidade.
                   III — Dando cumprimento ao que dispõe a norma do artigo 442.º, n.º 2, do Código Penal, entendemos ser este o sentido da jurisprudência a fixar».
Eis o motivo por que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária vem sendo notificada do trânsito em julgado de decisões que aplicam em concurso de crimes uma só pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor e, bem assim, notificada pelo Ministério Público do arquivamento de inquérito após cumprimento de uma só inibição de conduzir, determinada em termos semelhantes.
 
Isto, no lugar da aplicação de inibições de conduzir sucessivas que, de outro modo, o arguido haveria de cumprir em cúmulo material.
 
A publicação do citado acórdão harmonizador elevou consideravelmente as inibições de conduzir a título de cúmulo jurídico, pois a jurisprudência que sustentava o cúmulo material dispunha de peso muito significativo nas Relações. 
 
 
 

§ 6.º
Perda e atribuição premial de pontos.

Ao obter a carta de condução ou título equivalente, e findo o período probatório (cf. artigo 122.º do Código da Estrada) presume-se que a aptidão do condutor é plena. É confirmada, sem mais, a creditação de doze pontos.
 
A habilitação é maior do que a de outros condutores com carta há mais tempo, mas que, tenham desvirtuado os conhecimentos adquiridos e subestimado o interesse público na ordem do trânsito e os direitos de terceiros. Cometeram infrações de peso e viram diminuída a habilitação por meio de uma ou mais subtrações de pontos. Não como uma sequela da inibição de conduzir a que estiveram sujeitos, mas como um reflexo da menor confiança da comunidade no modo como utilizam a permissão para guiar.
 
Por outro lado, a aptidão do encartado recente já se presume menor, ao ser comparada com a dos condutores que, ao cabo de três anos sem infrações graves no registo, obtiveram um adicional de três pontos, perfazendo um total de quinze.
 
Recorde-se que, na hipótese de o condutor, ao longo de cada triénio, conservar o registo imaculado de infrações contraordenacionais graves ou muito graves, adquire três pontos até ao limite máximo de quinze que encontrámos estatuído pelo n.º 2 do artigo 121.º-A e pelo n.º 5 do artigo 148.º, ambos do Código da Estrada[46].
 
Por conseguinte, quem for definitivamente condenado por infração rodoviária acima de leve, não apenas fica privado do aludido acréscimo, no triénio subsequente, como também, e de acordo com o artigo 148.º, n.º 1 a n.º 3, do Código da Estrada, perde:
 
              — Dois pontos por cada contraordenação grave;
 
                   — Três pontos por cada contraordenação grave praticada:
 
                   * Em condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas;
 
                         * Por excesso de velocidade no interior das zonas de coexistência[47]; ou
 
                         * Mediante ultrapassagem efetuada imediatamente antes ou sobre passagem demarcada para peões ou velocípedes;
 
              — Quatro pontos por cada contraordenação muito grave;
 
                   — Cinco pontos por cada contraordenação muito grave praticada:
 
                   * Em condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, ou
 
                         * Por excesso de velocidade no interior das zonas de coexistência;
 
              — Seis pontos, no máximo, por cúmulo de contraordenações graves ou muito graves praticadas no mesmo dia e desde que a condução não tenha sido empreendida sob influência do consumo de álcool ou de substâncias psicotrópicas;
 
                   — Seis pontos por pena acessória de proibição de conduzir;
 
                   — Seis pontos por inibição de conduzir decretada e observada pelo arguido no âmbito da suspensão do processo e ulterior arquivamento do inquérito.
 
À primeira vista, pode parecer arbitrário que a redução de pontos seja igual em caso de infração penal e de cúmulo efetuado sobre contraordenações graves. Seis pontos em ambos os casos, de acordo com o disposto no n.º 3 e no n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada.
 
Uma tal perceção tenderia a descortinar no n.º 2 do artigo 148.º a necessidade de interpretação corretiva de modo a estabelecer um nexo entre a perda de seis pontos e cada uma das infrações criminais em que tivesse assentado a condenação na pena acessória única ou a injunção única em inibição de conduzir.
 
A norma contida no artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada, diz respeito a infrações criminais e ao seu efeito no registo individual do condutor, determinando de modo tarifado a perda de seis pontos. Nem mais nem menos.
 
Quer isto dizer que, independentemente de qualquer valoração autónoma, de qualquer procedimento próprio, são retirados seis pontos ao saldo do condutor sempre que tiver sido inibido de conduzir veículos a motor por efeito:
 
              — Da aplicação de pena acessória; ou
 
                   — De injunção decorrente da suspensão do processo, em termos de permitir o seu arquivamento pelo Ministério Público.
 
Em vista da maior gravidade do ilícito criminal, seria incongruente no sistema, como já pudemos assinalar, que o ilícito de mera ordenação social fosse negativamente refletido na pontuação dos condutores, permanecendo esta inalterada em caso de condenação penal ou de suspensão provisória do processo penal sob injunção de inibição de conduzir veículos a motor.
 
Todavia, a proporção entre a gravidade de umas e outras infrações é dificilmente mensurável sem incorrer no arbítrio, pelo que a redução de pontos por inibição de conduzir decorrente de norma penal não tem de manifestar-se progressiva de modo a refletir a maior ressonância moral ou o maior alarme social das infrações criminais por comparação com as contraordenações.
 
Se a condenação por contraordenação muito grave implica a subtração de quatro ou cinco pontos (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 148.º) isso não determina que da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir pela prática de crime rodoviário tenha de resultar uma elevação da perda de pontos ao dobro ou ao triplo.
 
A igualdade ou escassa diferença entre a perda máxima associada à inibição de conduzir imputada a contraordenações (seis ou cinco pontos, consoante ocorra cúmulo jurídico ou não) e a perda prevista no âmbito penal (seis pontos) não deve impressionar-nos.
 
É preciso ter em linha de conta que, nos casos de injunção ou de pena acessória, o condutor, além da inibição de conduzir, terá sido condenado ou poderá vir a sê-lo em pena de prisão ou de multa. Pena que reveste uma finalidade propedêutica, em ordem à reinserção do arguido numa comunidade de condutores que se quer segura. Não há pena acessória sem pena principal de prisão ou de multa.
 
Provavelmente, o regime de pontos perderia muito em eficácia dissuasora se os doze pontos iniciais fossem por regra perdidos de uma só vez, o que sucederia na hipótese de adotar uma subtração significativamente majorada.
 
Cremos que a pontuação da carta não pretende ser um cadastro, no sentido algo infamante que esta expressão pudesse assumir. A pontuação é um instrumento destinado a refletir a maior ou menor habilitação do condutor para exercer a atividade que lhe é permitida.
 
Reconhecer tal função ao regime da carta por pontos é certo que não permite dar resposta às dúvidas hermenêuticas suscitadas a respeito do cúmulo de infrações criminais rodoviárias ou em contexto rodoviário determinante. Mostra-se contudo um ponto de partida objetivo cuja solidez iremos comprovar à medida que apreciarmos as objeções suscetíveis de serem formuladas à interpretação declarativa do artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada.
 
Somos chegados, assim, ao aspeto principalmente controvertido: saber se a subtração deve operar cumulativamente na hipótese de tal pena ou injunção resultarem de cúmulo jurídico ou se, pelo contrário, o saldo do condutor é reduzido em tantas vezes seis pontos quantas as penas e injunções parcelares que levaram ao apuramento da pena ou injunção conjuntas.
 
Por outras palavras, deve, ou não, desvalorizar-se o elemento literal do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada?
 
 
 

§ 7.º
Efeitos automáticos das penas e pressupostos da interpretação conforme à Constituição

 
 
Começaremos por atender a uma objeção de ordem constitucional que levaria, de certo modo, a corrigir a causa da redução de pontos: não a pena, mas o crime ou cada um dos crimes.
 
A aplicação de pena conjunta acessória pelo tribunal ou de equivalente injunção pelo Ministério Público tem na sua base um conjunto de crimes e seriam estes — e não a pena — a produzir a supressão de pontos.
 
A não ser deste modo, supostamente, infringir-se-ia o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição e que vimos preceituar o seguinte:
 
                   «Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos».
 
Porque a subtração de pontos não poderia constituir um efeito da pena conjunta aplicada em cúmulo jurídico sem deixar de infringir a disposição constitucional transcrita, impor-se-ia uma interpretação corretiva conforme à Constituição que deslocaria o centro de gravidade da pena para cada um dos crimes.
 
A perda de pontos consistiria em efeito do crime e não da pena acessória ou da injunção.
 
Por conseguinte, ao saldo de pontos do arguido seriam subtraídos tantas vezes seis pontos quantas os crimes por que tivesse sido condenado, desde que compreendidos tais delitos no artigo 69.º do Código Penal, ou seja, vinculando o juiz a aplicar inibição de conduzir veículos a motor a título de pena acessória ou, nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Penal, vinculando o Ministério Público, em suspensão provisória de processo, ao decretamento de injunção com igual conteúdo.
 
 
A interpretação conforme à Constituição tem pressupostos relativamente bem demarcados. Dir-se-á de antemão que a sua verificação, relativamente ao disposto no artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada, é extremamente duvidosa.
 
 

7.1. Pressupostos da interpretação conforme a norma ou princípio constitucional

 
A um primeiro tempo, o enunciado deve mostrar-se equívoco e prestar-se a uma pluralidade de sentidos.
 
A um segundo tempo, verifica-se que de entre tais sentidos razoavelmente possíveis um deles salvaguarda a conformidade com determinada norma constitucional, preferindo aos demais por essa razão. Nas palavras de JORGE MIRANDA[48], trata-se de procurar «um sentido que — na órbita da razoabilidade (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil) — evite a inconstitucionalidade». A interpretação conforme surge, assim, como um instrumento de controlo, ao repudiar a validade da norma em todos os outros sentidos plausíveis[49].
 
Em nosso entender, a hermenêutica do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada não confirma os pressupostos referidos. Nem um, nem outro.
 
É certo que o Código Penal, de certo modo, empreendeu a delimitação ou configuração da garantia enunciada no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, em divergência com o entendimento dominante na jurisprudência constitucional e que, ao princípio, parecia minoritário entre a doutrina[50].
 
Assim, com a revisão do Código Penal empreendida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, o legislador deixou de limitar-se a reproduzir o preceito constitucional, antes dispondo o que se transcreve:
«Artigo 65.º
(Princípios gerais)
                   «1 — Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
                   2 — A lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões».
 
De harmonia com tais disposições, a subtração de pontos haveria de decorrer, não da pena (cf. n.º 1 do artigo 65.º) mas de certos crimes estreitamente conexos com a atividade de condução de veículos com motor (cf. n.º 2). Por conseguinte, decorreria do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada a subtração de seis pontos por cada infração encontrada na base da pena conjunta, aplicada em cúmulo jurídico (cf. artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal).
 
Contudo, em nosso entender, o disposto no n.º 1 em nada compromete a interpretação declarativa do citado preceito do Código da Estrada, sem prejuízo de se poder discutir a eventualidade de o n.º 2 o poder acomodar.
 
 
7.2. Natureza jurídica da inibição de conduzir.
 
Já se viu que a inibição de conduzir prevista no artigo 69.º do Código Penal, como pena acessória, é aplicada vinculadamente com a pena principal por determinados crimes. O tribunal não pode furtar-se à sua aplicação. Tratar-se-á verdadeiramente de uma pena?
 
Em face do artigo 61.º do Código da Estrada de 1954, o Supremo Tribunal de Justiça, qualificara a inibição de conduzir veículos a motor como medida de segurança; não como pena acessória hoc sensu. Referimo-nos a acórdão de uniformização da jurisprudência, tirado em 29 de abril de 1992[51]. Por maioria tangencial, recuperava-se doutrina expendida no acórdão-fundamento e que remontava a 8 de outubro de 1969.
 
Tal caracterização, relativamente à inibição de igual conteúdo prevista no artigo 69.º do Código Penal, encontra-se sustentada por JOSÉ DE FARIA COSTA[52], ao criticar a formulação dada à pena acessória de inibição de conduzir no referido preceito, na parte em que vincula o juiz à sua aplicação, confiando-lhe tão-só a medida da pena, ou seja, o tempo da inibição[53].
 
Na opinião do Autor, o legislador absteve-se indevidamente de retirar consequências, no tocante às penas acessórias, da proibição constitucional de certos efeitos automáticos, aditada, como sabemos, pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro. Não o tendo feito, devemos interrogar-nos sobre se não terá desvirtuado a natureza jurídica de tais sanções. São estes os precisos termos do que escreveu[54]:
 
                   «A partir desse momento, aquilo que seria de esperar era que o legislador procedesse a um tratamento sistemático sobre as penas acessórias. Porém, a verdade é que não foi isso que aconteceu: o legislador do CP, não obstante enunciar igual comando ao constitucional, em seguida, ao invés de proceder ao tratamento das penas acessórias como se de verdadeiras penas se tratasse, quedou-se simplesmente por uma alteração formal, dando a alguns dos efeitos das penas a designação de penas acessórias, ligando-as a uma ideia de prevenção da segurança geral e individual, mas alheias à culpa do agente».
 
A fim de reprovar o regime das penas acessórias por desvirtuá-las e as convolar em medidas de segurança atípicas, prossegue JOSÉ DE FARIA COSTA[55]:
 
                   «Tudo somado comprova-se que assiste razão a quem, tal como nós, considera que o Código Penal de 1982 não criou um verdadeiro sistema de penas acessórias (JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português — as consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 177 e s.). Parece claro — isso sim — que as assumiu mais como “medidas de segurança atípicas” e, por tal motivo, diretamente relacionadas com a perigosidade dos respetivos agentes, embora ligadas com a intimidação geral. E se esse foi o pensamento do legislador, isto é, repete-se, se ele não assumiu as penas acessórias como verdadeiras penas, mas antes como “medidas de segurança atípicas” a aplicar, todavia, não de uma forma automática, como simples decorrência da pena ou da condenação, então, por certo que a procura da medida justa da pena acessória, sempre ancorada no limite da culpa, não foi preocupação que tivesse estado presente no espírito do legislador de então. Pura e simplesmente porque para as penas acessórias foi transposto o pensamento que preside à doutrina geral das penas. Tivesse o legislador penal de 1982 a preocupação de tratar aquelas como verdadeiras penas, como consequências jurídicas do crime, então, eventualmente aquilo que deveria ter feito poderia estar perto do seguinte: deveria tê-las ligado à censura pelo facto praticado, revelador de um particular conteúdo de ilícito e, a partir daí, estabeleceria a sua conexão à culpa e entregar-lhes-ia uma função de coadjuvação da pena principal (ideia esta igualmente acolhida em JORGE DE FIGUEIREDO DIAS [n.º 9], p. 181), traduzida justamente na especial censura dirigida ao agente pelas circunstâncias que envolveram o crime. Mas não uma função de reação contra a perigosidade do agente — porque para isso existem as medidas de segurança —, não para o neutralizar e desse jeito evitar a repetição do facto».
 
Cremos não ser preciso ir tão longe, até porque a qualificação como medida de segurança não previne de modo suficiente a colisão com o disposto no n.º 1 do artigo 65.º do Código Penal, e com o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição[56].
 
Ainda que se descortine na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor uma medida de segurança atípica, nada nos permite asseverar que a proibição de efeitos automáticos restritivos de certos direitos não compreenda outrossim as medidas de segurança e os efeitos automáticos que esta produza com quebra de certos direitos. Além disso, e apesar de imperfeita, a inibição referida conserva o essencial das sanções penais em contraste com a inibição de conduzir por cassação judicial da carta, nomeada expressamente, essa sim, medida de segurança (cf. artigo 101.º do Código Penal).
 
 

7.3. Efeitos da pena e efeitos restritivos decorrentes da prática de certos crimes.

 
Haveremos de poder centrar-nos no n.º 2 do artigo 65.º do Código Penal. Disposição que, como vimos, foi aditada pela revisão concluída em 1995. Os trabalhos preparatórios da Comissão de Revisão, através das atas das reuniões, revelam ter prevalecido um desígnio configurador da norma constitucional, ainda que em contramão com alguma doutrina[57] e com a jurisprudência constitucional[58].
 
Jurisprudência que já vinha sendo verberada, em especial por MÁRIO TORRES[59], e que, posteriormente à revisão do Código Penal de 1995, mudou substancialmente de rumo. Com efeito, desde então, o Tribunal Constitucional, não de forma inteiramente linear, enveredou por admitir efeitos necessários de certas condenações pela prática de certos ilícitos penais, desde que observando o princípio da proporcionalidade — em especial, o subprincípio da adequação (aptidão do efeito restritivo para salvaguardar um certo interesse público constitucionalmente protegido).
 
Já no Acórdão n.º 274/90, de 17 de outubro de 1990[60], embora por escassa maioria[61], o Tribunal Constitucional deu por conforme ao artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, certa norma da Lei n.º 34/87, de 16 de julho (responsabilidade criminal de titulares de cargos políticos) que associava a perda de mandato ao trânsito em julgado de sentença condenatória[62]:
 
Alegou então o Ministério Público que «o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição apenas veda que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos seja ligada automaticamente à condenação em certo tipo de pena, e não a condenação por determinadas espécies de crimes, pelo que esse comando constitucional não é infringido pela norma constante do artigo 29.º, alínea f), da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que estabelece que implica a perda do respetivo mandato a condenação de membros de órgão representativo de autarquia local por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções».
 
Ciente da jurisprudência muito constante que congregava efeito das penas e efeito de certos crimes, o Tribunal Constitucional encontrou arrimo no artigo 120.º, n.º 3, da Constituição:
 
                   «Todavia, e seja como for, no caso de crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos, há que ter em conta que o n.º 3 do artigo 120.º da Constituição estabelecia já antes da revisão de 1989 que “a lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respetivos efeitos”, ao que a última reforma constitucional acrescentou, in fine, que tais efeitos “podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato”.
                  
                   Para o caso dos autos, e dadas as regras gerais sobre aplicação de leis no tempo, não pode ser tido em consideração este acrescento, resultante da revisão de 1989. Contudo, tal não significa que o artigo 30.º, n.º 4, não deva ser interpretado conjugadamente com o artigo 120.º, n.º 3, na sua anterior versão.
 
                   Ora, dessa interpretação conjugada parece resultar que esta última disposição constitucional, ao remeter para a lei a determinação dos efeitos resultantes da condenação em crime de responsabilidade, se apresenta como norma especial relativamente à regra geral constante do artigo 30.º, n.º 4».
 
O Tribunal Constitucional concluiria do modo seguinte:
 
                   «Assim sendo, porque a perda do mandato é inerente à própria ideia de condenação em crime de responsabilidade, não repugna aceitar que ela se configure, in casu, como efeito automático da condenação. Por isso, o artigo 120.º, n.º 3, ao remeter para a lei a determinação dos efeitos da condenação em tal espécie de crimes não podia deixar de ter em vista a perda do mandato, tendo o acrescento efetuado em 1989 sido introduzido apenas com a intenção de dissipar quaisquer dúvidas que, porventura, existissem.
 
                   Consequentemente, a norma questionada não viola o n.º 4 do artigo 30.º da Lei Fundamental, porquanto o âmbito de aplicação deste se há de ter como limitado pelo referido n.º 3 do artigo 120.º».
 
Ora, neste caso, a ratio decidendi apoiara-se numa particularidade do estatuto constitucional dos titulares de cargos políticos que permitia fundar uma distinção; como que uma exceção ao disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.
 
Paradigmático da progressiva viragem jurisprudencial, porventura no seu ponto de maturação, iria revelar-se o Acórdão n.º 748/2014, de 11 de novembro[63], cuja fundamentação nos permite revisitar a evolução pregressa.
 
O Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de fevereiro, quando conjugada com a do n.º 3 do artigo 10.º, e que fundava a não renovação da carteira profissional dos agentes de segurança privada definitivamente condenados pela prática de crimes contra a integridade física.
 
Não deixa de assinalar, uma vez mais, que, no passado, a sua jurisprudência tendeu a assimilar «efeitos necessários das penas» e «efeitos automáticos ligados à condenação pela prática de certos crimes», mas relativiza o peso de acórdãos anteriores e faz notar que esta conceção nunca porém se revelara absoluta.
 
Pode ler-se na fundamentação o seguinte:
                   «Todavia, não são de todo incomuns casos em que o Tribunal Constitucional, seja por perscrutar a não automaticidade do efeito produzido, seja por detetar uma conexão suficientemente relevante entre o crime praticado e a atividade sob licenciamento, proferiu juízo no sentido da não inconstitucionalidade de certos normativos, considerando não haver aí violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição (cf. Acórdãos n.ºs 363/91 e 522/95)».
 
Recorda, por outro lado, ter-se concluído pela não inconstitucionalidade de norma do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de abril, que já impunha como efeito decorrente da prática do crime de condução sob efeito do álcool a sanção acessória de inibição de conduzir (cf. Acórdãos n.º 291/95, de 7 de junho de 1995[64], n.º 53/97, de 23 de janeiro de 1997[65], n.º 149/2001, de 28 de março de 2001[66] e n.º 79/2009, de 11 de fevereiro de 2009[67]).
 
Em tais casos, aquilo que o Tribunal Constitucional vinha exigindo era que tais previsões «surjam como ‘razoavelmente proporcionadas’ relativamente a todo e qualquer comportamento reconduzível ao tipo legal de crime em causa». (cf., neste sentido, o Acórdão n.º 202/2000[68])».
 
No caso dos agentes de segurança privada condenados por crime contra a integridade física, o Tribunal considerou haver «uma ligação suficientemente forte entre o tipo legal de crime efetivamente preenchido e o tipo de atividade profissional cuja inibição se pretende induzir através da norma sob escrutínio».
 
E logo se acrescenta na fundamentação do sempre citado Acórdão n.º 748/2014:
 
                   «Basta pensar na importância e no risco que, num Estado de Direito, inerem à atividade de segurança privada, tendo em conta — sobretudo — os meios técnicos de que, sob certo condicionamento, esta pode beneficiar».
 
O argumento derradeiro para deixar passar a norma no crivo consistiu em verificar a possibilidade de o efeito cessar por via da reabilitação criminal, pelo que a restrição imposta, ao desaparecer perante tal condição, não se apresentava perene.
 
E já anteriormente, por ocasião do Acórdão n.º 311/2012, de 20 de junho de 2012 [69], o Tribunal Constitucional entendera que a recusa de inscrição na Ordem dos Advogados, radicada em condenação por crime gravemente desonroso, além de inculcar uma valoração própria — de adequação, diríamos nós, entre o crime e o exercício da profissão — faz parte da ponderação necessária ao preenchimento de um conceito que, a despeito da sua indeterminação, é preenchido por factos cujo conhecimento é indispensável à verificação de um requisito incontroverso de acesso a determinada profissão: a idoneidade moral para a prática da advocacia.
 
A jurisprudência constitucional ulterior em nada infletiu tal orientação de referência. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 80/2018, de 4 de maio de 2016[70], considerou-se que a norma em causa (publicidade da condenação pela prática de contraordenações laborais) pura e simplesmente não era de aplicação automática.
 
No Acórdão n.º 132/2018, de 13 de março de 2018[71], esteve sob escrutínio a incompatibilidade entre a atividade de exploração de escolas de condução e a prévia interdição ou suspensão do interessado na profissão de instrutor de condução. O Tribunal Constitucional fixou interpretação conforme ao n.º 4 do artigo 30.º «no sentido de a falta de idoneidade (…) como consequência de uma sentença condenatória penal se restringir aos casos em que essa sentença aplique uma pena acessória de inabilitação, interdição ou suspensão do exercício da atividade do ensino da condução», não bastando, por conseguinte, a condenação em pena de prisão ou multa por crime praticado no exercício da atividade de instrutor de condução automóvel. Do mesmo passo julgaria inconstitucional outra norma que determinava a revogação de título profissional aos instrutores de condução, independentemente de pena acessória aplicada. A segunda norma não se prestava a interpretação conforme, tão irredutível se afirmava a letra do preceito[72].
 
Representativo do exato sentido e alcance da sempre referida disposição constitucional parece-nos o Acórdão n.º 748/93, de 29 de setembro de 1993[73], pelo qual foi declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de normas[74] que estabeleciam a incapacidade eleitoral ativa dos eleitores definitivamente condenados a pena de prisão por crime doloso (ou por crime doloso infamante) enquanto não tivessem expiado a respetiva pena.
 
Este, sim, era inequivocamente um caso de infração à garantia constitucional contra alguns efeitos automáticos das penas: perda de direitos políticos, em concreto.
 
Uma certa ideia, segundo a qual, efeitos automáticos das penas e efeitos decorrentes da prática de certos crimes todos ofenderiam (automaticamente) o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, deixou de ser consensual, se é que alguma vez o foi.
 
Em Lições de 1980, ANTÓNIO MANUEL DE ALMEIDA COSTA[75], expunha a conceção que historicamente influenciaria os trabalhos preparatórios quer do atual Código Penal, quer da proibição de alguns efeitos automáticos das penas, introduzida na Constituição pela Revisão de 1982.
 
Aquilo que repudia, muito claramente, é «um princípio geral de que toda a condenação tenha como efeito automático a privação de certos direitos do condenado[76]». Tal «não exclui a possibilidade de, em certos casos, se admitir, como consequência da condenação por determinados crimes, a privação de faculdades jurídicas (v.g. da tutela e do poder paternal a quem for condenado por lenocínio[77])».
 
E é de particularíssima relevância o que, logo após, o Autor nos revela acerca da preparação, então em curso, da reforma penal, no que concerne ao aspeto que aqui nos trouxe[78]:
 
                   «Foi esta, aliás, a doutrina acolhida pelo nono Projeto de Código Penal (Parte Geral), apresentado à Assembleia da República (Proposta de Lei n.º 117/I — publicada no Diário da Assembleia da República de 28 de julho de 1977). Aí, depois de se afirmar no relatório que precede o articulado a intenção de retirar às penas todo e qualquer efeito infamante, estabelece-se no artigo 66.º, que “nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”. E da redação dos artigos subsequentes resulta que tais limitações ao exercício de direitos do condenado decorrem (à exceção – por razões óbvias – da suspensão do exercício de funções públicas durante o cumprimento da pena privativa de liberdade – art.º 68.º), não da pena em si mesma, mas, ou da declaração do juiz em face da verificação da perigosidade do delinquente – caso em que estaremos perante penas acessórias –, ou como consequência automática da natureza do crime praticado».
 
O citado Autor conclui assim[79]:
 
                   «Quer dizer, também para o Projeto EDUARDO CORREIA as incapacidades resultantes da condenação aparecem referidas, não já a uma ideia puramente intimidativa e de prevenção geral (infâmia), mas, bem pelo contrário, à própria personalidade do delinquente. Isto, como se viu, quer integrem penas acessórias, quer assumam a natureza de efeitos da condenação por certos e determinados crimes».
 
Manifesta preocupação revela com a razoabilidade dos efeitos associados a certos crimes, de modo a não concitarem a exclusão social do agente. Por isso, entende aplicar-se a tais efeitos o n.º 1 do artigo 30.º da Constituição, pelo que cremos proveitoso transcrevê-lo na versão coeva:
 
«Artigo 30.º
(Limites das penas e das medidas de segurança)
 
                   1 — Não poderá haver penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, nem de duração ilimitada ou indefinida.
                   2 — Em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas da liberdade prorrogar-se sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas sempre mediante decisão judicial.
                   3 — As penas são insuscetíveis de transmissão.
                   4 — Ninguém pode ser privado, por motivos políticos, da cidadania portuguesa, da capacidade civil ou do nome».
 
O meio que justamente impede a perpetuação de tais efeitos é a reabilitação, cumprindo-nos convocar, de novo o citado Autor[80]:
 
              «Daí que (…) sobretudo importe a determinação do período de tempo findo o qual o condenado é reinvestido no gozo dos seus direitos. E, no que diz respeito a este ponto, de acordo com o que já referimos a propósito da inutilidade e incongruência do pensamento dos efeitos das penas, importa reduzi-lo ao máximo.
 
 
A reabilitação ocorre por decisão do tribunal ou pelo decurso do tempo sem razões que interrompam o prazo, aplicando-se atualmente a Lei n.º  37/2015, de 5 de maio (Lei da Identificação Criminal[81]). Vejamos primeiramente o que deve ser inscrito no registo criminal, inclusivamente em favor da reabilitação anterior ao cancelamento definitivo:
 
«Artigo 6.º
(Âmbito do registo criminal)
 
                   Estão sujeitas a inscrição no registo criminal as seguintes decisões:
                  
                   a) Que apliquem penas e medidas de segurança, determinem o seu reexame, substituição, suspensão, prorrogação da suspensão, revogação e declarem a sua extinção;
                  
                   b) Que concedam, prorroguem ou revoguem a liberdade condicional ou a liberdade para prova;
 
                   c) De dispensa de pena;
                  
                   d) Que determinem a reabilitação de pessoa coletiva ou entidade equiparada;
 
                   e) Que determinem ou revoguem o cancelamento provisório no registo;
 
                   f) Que apliquem perdões ou amnistias, ou que concedam indultos;
 
                   g) Que determinem a não transcrição em certificados do registo criminal de condenações que tenham aplicado;
 
                   h) Os acórdãos proferidos em recurso extraordinário de revisão;
 
                   i) Os acórdãos de revisão e confirmação de decisões condenatórias estrangeiras».
 
 E, a respeito do cancelamento por extinção, designadamente pelo decurso do tempo, dispõe-se o que vai transcrito:
 
«Artigo 11.º
(Cancelamento definitivo)
 
                   1 — As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
 
                   a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
 
                   b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
 
                   c) Decisões que tenham aplicado pena de multa a pessoa coletiva ou entidade equiparada, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena, consoante a multa tenha sido fixada em menos de 600 dias, entre 600 e 900 dias ou em mais de 900 dias, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
 
                   d) Decisões que tenham aplicado pena de dissolução a pessoa coletiva ou entidade equiparada, decorridos 10 anos sobre o trânsito em julgado;
 
                   e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
 
                   f) Decisões de dispensa de pena ou que apliquem pena de admoestação, decorridos 5 anos sobre o trânsito em julgado ou sobre a execução, respetivamente;
 
                   g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.
 
                   2 — Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.
 
                   3 — Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.
 
                   4 — Cessam também a sua vigência no registo criminal:
 
                   a) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução de decisões cuja vigência haja cessado nos termos do n.º 1;
 
                   b) As decisões respeitantes a pessoa singular, após o seu falecimento;
 
                   c) As decisões respeitantes a pessoa coletiva ou entidade equiparada, após a sua extinção, exceto quando esta tenha resultado de fusão ou cisão, caso em que as decisões passam a integrar o registo criminal das pessoas coletivas ou equiparadas que tiverem resultado da cisão ou em que a fusão se tiver efetivado;
 
                   d) As decisões consideradas sem efeito por disposição legal.
 
                   5 - A cessação da vigência das decisões não aproveita ao condenado quanto às perdas definitivas que lhe resultarem da condenação, não prejudica os direitos que desta advierem para o ofendido ou para terceiros nem sana, por si só, a nulidade dos atos praticados pelo condenado durante a incapacidade.
 
                   6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável»
 
Cumprido este excurso, podemos ficar cientes de duas coisas, pelo menos.
 
Em primeiro lugar, de que a recuperação de pontos subtraídos à carta de condução, ao fim de três anos sem novas condenações, constitui, em sentido próprio, uma reabilitação: o condutor reaverá progressivamente os pontos concernentes à habilitação legal para conduzir. A perda não é irreversível nem indeterminada.
 
Em segundo lugar, estamos em condições de melhor confirmar que a distinção entre efeitos das penas e efeitos de certos crimes não é uma subtileza discursiva, antes se afigura uma exigência de raciocínio.
 
E, em termos pragmáticos, revela-se absolutamente necessária. Seria impraticável e indesejável exigir ao tribunal que, franqueando o limite da separação de poderes, fosse incumbido de salvaguardar o interesse público geral através da aplicação de tantas penas acessórias quantas possam mostrar-se eficazes para restringir direitos cujo exercício não é sequer de prever ao tempo da condenação[82]. É que o juízo do tribunal deve circunscreve-se à perigosidade criminal, ao passo que o exercício de algumas profissões e a prática de certas atividades reclamam um juízo mais amplo: de idoneidade cívica e moral.
 
Por conseguinte, os efeitos restritivos associados a certos crimes, desde que consignados por lei, adequados à salvaguarda de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, temporários, revisíveis e razoáveis, não colidem com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 30.º da Constituição.
 
 

7.4. A função do n.º 2 do artigo 65.º do Código Penal na delimitação da esfera de proteção de norma constitucional pelo legislador.

 
Ora, a introdução do n.º 2 ao artigo 65.º do Código Penal, pela revisão de 1995, teve precisamente em vista assinalar este entendimento, antecipando-se à abertura jurisprudencial. Tal norma fixa uma interpretação meramente declarativa do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, o que assoma de modo muito claro nos trabalhos da Comissão Revisora, presidida por JORGE FIGUEIREDO DIAS.
 
De certa forma, levou a cabo a configuração do conteúdo da garantia ínsita no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
 
Transcrevem-se pelo seu particular interesse dois trechos da discussão.
 
O primeiro, da ata n.º 7, em torno do princípio constitucional relativo a efeitos automáticos das penas e à justificação do n.º 2 do artigo 65.º [83]:
 
                   «No seu entender [JORGE FIGUEIREDO DIAS], este princípio teve uma aplicação incorreta por parte do Tribunal Constitucional tendo sido extraordinariamente alargado o seu conteúdo. O que aqui se pretendeu afirmar foi que nenhuma pena envolve, por si só (por ser pena maior, por exemplo), em razão da sua espécie ou da sua gravidade, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. A questão que se coloca agora, dada a própria consagração constitucional e a interpretação que relativamente a ela se alcançou, é se valerá a pena explicitar o conteúdo correto do princípio, correndo o risco de tal preceito vir a ser declarado inconstitucional ou, embora em desacordo com o âmbito atribuído ao princípio, mantê-lo, introduzindo um outro número, onde se faça corresponder à condenação por certos crimes a interdição do exercício de determinados direitos ou profissões.
                   No que respeita à alternativa colocada, a Comissão propendeu para a consignação no Código da figura da demissão ou proibição do exercício de profissão.
                   Por último, foi ainda abordada a pena de proibição de condução de veículos motorizados (novo artigo 68.º-A) que deverá prever, ao contrário do artigo 69.º-A do Anteprojeto, uma menção a grave violação das regras de trânsito rodoviário, pena esta que não poderá ser acumulada com a medida de segurança da apreensão da carta de condução».
O n.º 2 do artigo 65.º veio de novo a ser discutido, permanecendo registado o seguinte debate[84]:
 
                   «O Senhor Conselheiro Sousa Brito apresentou uma proposta de eliminação do n.º 2, dado em sua opinião ele se encontrar em contradição teleológica com o n.º 1 e com o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. Referiu, a propósito, um conjunto de decisões do Tribunal Constitucional que se pronunciaram pela inconstitucionalidade, por violação da referida norma constitucional, dos dispositivos legais que estatuem a perda de direitos como efeito necessário da condenação por certas infrações.
                   Para o Senhor Professor Figueiredo Dias, sintetizando opinião anteriormente adiantada sobre a matéria, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido, neste domínio, errada, não correspondendo aos objetivos que se pretendiam com a norma do artigo 65.º, n.º 1.
                   Observou ainda o Senhor Conselheiro Sousa Brito que a jurisprudência constitucional afigura-se-lhe, no essencial, correta. Por outro lado, entende que o n.º 2 não faz falta.
                   O Senhor Conselheiro Manso Preto exprimiu a sua opinião de não ver contradição da norma em apreço com a Constituição, tanto mais que não são penas de aplicação automática. No mesmo sentido se pronunciaram o Senhor Dr. Lopes Rocha e o Senhor Dr. Ferreira Ramos.
                   Segundo o Senhor Professor Costa Andrade a norma do n.º 2, em bom rigor legislativo, não se torna necessária. Entende-a em conjugação com o n.º 1. Talvez, por outro lado, seja útil em termos de uma indicação para o legislador extravagante. Se existem dúvidas quanto à sua constitucionalidade será aqui que a decisão deverá ser tomada.
                   No seguimento desta intervenção, o Senhor Professor Figueiredo Dias fez notar que pode perfeitamente entender-se que no n.º 2 o efeito seja automático. Por exemplo (não é, no entanto, a solução da atual reforma), nada impediria que ao crime de violação de uma filha correspondesse automática suspensão do poder paternal, pois o que está em causa é a natureza do crime e não da pena. A pergunta que deve merecer resposta clara da Comissão é pois a de se saber, se à prática de certos crimes se podem fazer corresponder certos efeitos de forma automática.
                   A Comissão aprovou com o voto contra do Senhor Conselheiro Sousa Brito, e com o recolher de uma sugestão do Senhor Dr. Ferreira Ramos (prática de certos crimes e não condenação para certos crimes) a seguinte redação:
                   “A lei pode fazer corresponder à prática de certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões”».
 
JORGE FIGUEIREDO DIAS[85] já anteriormente criticara o sentido do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, tal como fora tomado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional. E escrevera a esse respeito o seguinte:
 
                   «Esta argumentação vai, porém, longe demais. Do princípio do Estado de direito democrático não decorre direta e necessariamente que ele seja violado pelo facto de, por força de lei formal, à condenação por um crime e à imposição da pena respetiva acrescerem outros efeitos de natureza penal: ainda estes podem ser vistos como fazendo parte do conteúdo da condenação e da pena nela (legalmente) aplicada. Não pois, diretamente, mas o princípio político-criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas é o que oferece verdadeiro fundamento ao disposto no artigo 30.º - 4 da CRP».
 
O Autor[86], do mesmo passo, distingue os efeitos das penas, próprios da natureza da sanção criminal, e os efeitos decorrentes do «conteúdo do ilícito respetivo», ou seja, do facto previsto e punido como crime.
 
A modificação introduzida no enunciado do n.º 2 do artigo 65.º, por sugestão de FERREIRA RAMOS, eliminou qualquer dúvida que pudesse restar acerca do sólido fundamento de uma tal distinção.
 
Aquilo que a norma constitucional inviabiliza é a possibilidade de a lei fazer surtir de uma condenação penal a perda de certos direitos, na linha de alguns efeitos das penas previstos nos artigos 71.º e seguintes do Código Penal de 1886. Efeitos que resultavam simplesmente da pena, independentemente de qualquer nexo com o crime praticado ou sequer com o bem jurídico protegido ou com certos meios usados de forma ilegítima.
 
Explica-nos CAVALEIRO FERREIRA[87] em que consistiam:
 
                   «Tais efeitos seguiam-se necessariamente à condenação, como sua consequência estabelecida diretamente pela lei.
                   Podiam ser efeitos penais ou não penais.
                   Os efeitos penais eram a perda a favor do Estado dos instrumentos do crime, não tendo o ofendido ou terceira pessoa direito à sua restituição (confisco dos instrumentos do crime) — artigo 75.º, n.º 1.
                   Quando a condenação fosse em pena maior, os condenados incorriam necessariamente na perda de qualquer emprego ou funções públicas, dignidades, títulos de nobreza ou condecorações (n.º 1 do art.º 76.º); na incapacidade de eleger, ser eleito ou nomeado para quaisquer funções públicas (n.º 2 do art.º 76.º); na de ser tutor, curador, procurador em negócios de justiça, ou membro do conselho de família (n.º 3 do art.º 76.º).
                   Os efeitos não penais (civis) de qualquer condenação eram referidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 75.º: obrigação de restituir ao ofendido as coisas de que pelo crime o tiver privado, ou de pagar-lhe o seu valor legalmente verificado, se a restituição não for possível, e obrigação de indemnizar o ofendido do dano causado (a exigência de requerimento dos lesados fora já dispensada pelo Código de Processo Penal; finalmente, era ainda efeito da condenação a obrigação de pagar as custas do processo (n.º 4 do artigo 75.º).
                   Os efeitos civis eram objeto da ação civil em processo penal».
A reação constitucional intentada pelo n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, introduzido pela I Revisão, teve por escopo garantir a mediação do juiz (PEDRO CAEIRO[88]) e dirigiu-se a alguns efeitos indiretos e não naturais das penas: a indignidade civil, a inelegibilidade ou a inidoneidade profissional aferidas, sem mais, por efeito de uma qualquer condenação criminal.
 
De modo algum se pretendeu que a prática verificada de certos crimes deixasse de constituir critério para aferir a aptidão de um indivíduo para exercer determinada atividade que requer a especial confiança da parte dos cidadãos e das autoridades.
 
Em comentário jurisprudencial já referido supra, MÁRIO TORRES percorrera minuciosamente os trabalhos preparatórios da I Revisão Constitucional no tocante ao n.º 4 do artigo 30.º e de entre outros testemunhos que reproduz[89] sobressai o esclarecimento pedido pelo então Deputado COSTA ANDRADE aos seus pares:
 
                   «Penso que se pode interpretar corretamente o sentido dos proponentes se se entender que o legislador pode, a propósito de cada crime, dizer que “este” crime tem, além da pena, “estes” efeitos secundários. Portanto, o que aqui se recusa é apenas o carácter automático, não é verdade?»
 
Ora, os restantes membros da Comissão Eventual de Revisão Constitucional anuíram em ser esse o entendimento correto: poder haver correlação negativa entre os pressupostos e requisitos do exercício de um direito e a prática de um crime específico ou que faça parte de uma certa categoria de crimes[90].
 
Como nos recorda a fundamentação do Acórdão n.º 748/93, de 23 de setembro[91], o projeto de lei de revisão constitucional n.º 3/II, apresentado pelo Partido Comunista Português, propunha um aditamento ao artigo 30.º da Constituição com o seguinte teor:
 
                   «As penas não poderão envolver como efeito necessário a perda de quaisquer direitos para além dos que delas expressamente decorram»
 
No debate, o Deputado VITAL MOREIRA, anunciou a adesão por parte deste partido à proposta da Frente Republicana e Socialista, com a seguinte explicação:
 
                   «É apenas para dizer que da discussão na subcomissão resultou que o objetivo proposto pela FRS e pela nossa proposta era, no fundo, o mesmo.
 
                   Tratava-se de inconstitucionalizar explicitamente, segundo o Código Penal atual, certo tipo de penas, independentemente da sua natureza, apenas decorrente da gravidade da pena de prisão que lhe compete, que implicaria, de imediato, como efeito secundário - sei lá!? -, A impossibilidade de exercer funções públicas, a perda de direitos políticos, etc.
 
                   Portanto, o gravame sobre qualquer pessoa por efeito de um crime será apenas aquele que decorre do tipo profundo desse crime, e não haver, automática e genericamente, efeitos secundários.
 
                   Nessa medida e na medida em que a redação proposta pela FRS nos parece mais explícita quanto a este objetivo do que a nossa, nós, na discussão, acabámos por admitir a possibilidade de aderir à redação proposta pela FRS em substituição da nossa».
 
Historicamente, não se encontra intenção alguma de atribuir à norma constitucional um alcance mais vasto do que o próprio da letra do preceito: a perda de direitos civis, profissionais ou políticos com fundamento na prática de determinados crimes, em estreita conexão axiológica, não pode decorrer automaticamente da pena aplicada (prisão ou multa), sem prejuízo de o agente ser transitoriamente proibido de exercer certo direito ou de praticar certa atividade.
 
Vale por dizer que a prática de determinado crime e a condenação transitada em julgado podem recortar negativamente a idoneidade para o exercício de certas atividades. A pena aplicada é, para esse efeito, irrelevante.
 
O comportamento ilícito e culposo é que deixa antever a necessidade de impor restrições, de modo a que, além da reinserção confiada à boa execução da pena principal, o agente adquira ou recupere consideração pelo bem jurídico lesado.
 
A pena, em si, abstraindo do crime, pouco ou nada transmite acerca da idoneidade de alguém, ignorando-se o crime que justificou a sua aplicação. É por isso que a norma constitucional só repele a perda de direitos por simples efeito de uma qualquer pena, da pena de prisão simplesmente ou de penas de prisão acima de determinado tempo (v.g. prisão maior).
 
O que o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição tem em vista é garantir que ao cumprimento da pena não se siga uma segregação social do agente por ter estado preso, e apenas por isso.
 
Tal porém não obsta a que o registo criminal, ao informar da prática pretérita de certos crimes, condicione o acesso ou o exercício de algumas atividades ou profissões particularmente sensíveis, do ponto de vista da confiança que a comunidade há de poder depositar em que as desempenha.
 
 
 

7.5. O elemento literal do enunciado normativo (artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada.

 
Se a perda de pontuação decorrer da prática de crimes rodoviários ou afins pelo condutor, fica ultrapassada a suspeita de inconstitucionalidade por infração à garantia contra efeitos restritivos de certos direitos oriundos da pena aplicada.
 
Por conseguinte, nos casos de cúmulo, o quantum de pontos a subtrair à carta de condução do arguido haveria de calcular-se com base, não na pena ou injunção conjunta aplicada (seis pontos), mas em cada uma das infrações cometidas, pois só por tal modo se estabeleceria a conexão entre a perda de pontuação e o crime. Só de tal modo se poderia afirmar que a perda de pontos decorre do crime e das suas características e não como efeito automático da pena ou da injunção.
 
O problema está no facto de que um tal entendimento encontra firme oposição na letra do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada. A referência é literalmente feita à pena de inibição e à injunção de efeito equivalente.
 
Já houve oportunidade de observar o enunciado da disposição, mas é preciso retomá-la sob um ângulo ligeiramente diferente.
 
A norma enunciada pelo artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada, separa disjuntivamente a aplicação de pena acessória e a inibição de conduzir por injunção acordada no âmbito da suspensão provisória do processo.
 
Separa, mas não deixa de empregar o singular em ambos os casos. O legislador dispensou toda e qualquer conexão com a eventual multiplicidade de infrações imputadas, sendo que tanto pode suceder que apenas uma das infrações, ou todas elas, sejam puníveis acessoriamente com a inibição de conduzir.
 
O elemento literal do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada, imputando a perda de pontos, ora à pena acessória de inibição de conduzir, ora à injunção com igual conteúdo, mostra-se demasiado inequívoco para admitir que tal efeito no registo individual decorra do ilícito criminal e da culpa do agente. Em ambos os casos, refere-se à inibição de conduzir veículos a motor, sem atender às infrações (uma só, ou várias).
 
Contudo, as características da inibição de conduzir inculcam por si um conjunto circunscrito de crimes (cf. artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal), todos eles reveladores da personalidade do agente enquanto condutor. Por conseguinte, do emprego das expressões ‘pena’ e ‘injunção’, tratando-se em qualquer caso da inibição de conduzir veículos com motor, bem pode dizer-se que aponta invariavelmente para os ilícitos penais praticados enquanto condutor.
 
Por seu turno, o emprego de tais expressões verbais no singular sem abrir distinções entre pena ou injunção determinadas singular ou conjuntamente aconselha ao intérprete proceder de modo igual, abstendo-se de introduzir extensões sem amparo hermenêutico suficiente (ubi lex dixit, voluit; ubi noluit, tacuit). A extensão ao plural pressuporia a uma distinção de monta.
 
Mas, se porventura este modo de compreender a norma não for convincente, nem por isso havemos de conformar-nos com a inconstitucionalidade material do artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada, por infração ao sempre citado n.º 4 do artigo 30.º, da Constituição, nem tão-pouco com a aludida interpretação conforme cujo preço consiste em subtrair desmesuradamente pontos aos condutores inibidos por injunção ou pena acessória determinadas em cúmulo jurídico.
 
Na verdade, há ainda importantes aspetos por considerar. Primeiro dos quais é o de saber qual o efeito verdadeiramente automático e restritivo. O segundo é este: o favorecimento de interpretação supostamente conforme ao n.º 4 do artigo 30.º da Constituição dá por adquirido que a redução de pontos na carta de condução dever subsumir-se aos direitos cuja perda a norma constitucional manda evitar, faltando saber se nos encontramos perante a privação de direitos e, nessa hipótese, se devem considerar-se direitos profissionais, políticos ou civis, pois só estes gozam de salvaguarda no âmbito da norma constitucional.
 
 

 
7.6. A faculdade de conduzir veículos com motor e os direitos civis, políticos ou profissionais.

 
Questão à qual não se deve fugir é portanto a de saber se a pontuação associada à carta de condução constitui um direito.
 
Temos por certo que os pontos não constituem direitos; muito menos, direitos civis, profissionais ou políticos como são aqueles que se encontram na esfera de proteção do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
 
Os pontos evidenciam a maior ou menor habilitação do condutor, pois refletem o seu comportamento na estrada, mais ou menos consentâneo com os parâmetros de uma condução regular e segura.
 
A privação do acréscimo trienal de pontos pode dizer-se que constitui uma sanção — tanto quanto o possa ser a privação de um instrumento premial que consiste na presunção de reabilitação ou em recompensa pelos méritos demonstrados — mas a subtração de pontos, apesar de ser socialmente percebida como punitiva, é apenas a imagem do condutor e da forma como tem exercido tal atividade, em termos de segurança rodoviária.
 
A imagem refletida na pontuação nem sempre é completamente nítida, pois a oscilação na conta‑corrente de pontos deixa de fora as contraordenações leves e mostra-se insensível ao período de tempo por que foi cumprida cada inibição de conduzir. É muito diferente ter de abster-se de guiar veículos com motor por três meses ou por três anos.
 
A razão de ser é explicada com muita clareza em Acórdão da Relação do Porto, tirado em 9 de maio de 2018[92], a fim de reconhecer na subtração de pontos associados à carta de condução um efeito automático da condenação, mas que não comporta qualquer acréscimo sancionatório.
 
Vale a pena transcrever dos fundamentos o seguinte trecho:
 
                   «Ora, o sistema de pontos traduz apenas uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizar em termos de perigosidade os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contraordenacionais podem vir ou não a ter no futuro, no que toca a uma eventual reavaliação da autorização administrativa habilitante ou licença de condução de veículos automóveis, atribuída a um determinado particular, reavaliação essa que poderá culminar com a aplicação de uma medida de segurança, mais precisamente com a decisão de cassação da respetiva carta de condução».
 
Ainda que por forma tendencial, a pontuação reflete quantitativamente a maior ou menor aptidão qualitativa do condutor para guiar veículos a motor, não do ponto de vista da sua perícia motora em competições desportivas ou em exibições de arrojo, mas a respeito da contenção e correção com que comanda os automóveis ou motociclos ao seu dispor.
 
A pontuação também não permite um retrato igual ou equivalente ao que se retira dos exames médicos ou de provas de conhecimentos teóricos e práticos, nem sequer da avaliação da destreza psicomotora, mas permite um juízo a respeito da consideração ou indiferença que o condutor vem manifestando com relação ao perigo (para si e para terceiros) ou, pelo menos, do temor que evidencia perante a suscetibilidade de ser condenado.
 
A perda de pontos constitui efeito automático de sanções aplicadas, logo que se consolidem na ordem jurídica, mas nem tal perda representa em si uma nova sanção nem tão-pouco ocorre privação de direitos, pelo que não se infringe a garantia constitucional do artigo 30.º, n.º 4.
 
Em parecer deliberado no decurso dos trabalhos preparatórios da proposta de lei n.º 336/XII[93] (4.ª), o Conselho Superior do Ministério Público, em 2 de abril de 2015, teve ocasião de exprimir o seu receio quanto a uma possível inconstitucionalidade, já que, no anteprojeto, a perda de pontos podia redundar automaticamente em cassação da carta ou da licença. Todavia, o mesmo Conselho Superior registaria o apreço, pouco depois, em 19 de junho de 2015, pelos melhoramentos que a iniciativa legislativa viera a conhecer, exprimindo-o em parecer solicitado pela Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas.
 
Com efeito, a perda de pontos nunca implica, por si, a cassação da carta ou de outro título que habilite a condução. Admitindo sem conceder que a faculdade de conduzir veículos com motor seja um direito entre aqueles a que se refere a norma constitucional (direitos civis, profissionais e políticos) a redução de pontos nunca produz, como efeito automático ou necessário, a privação de tal faculdade.
 
Assim, entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães, em aresto de 23 de janeiro de 2017[94], que a falta de notificação ao arguido da perda de pontos não constitui nulidade, considerando, no essencial, o seguinte:
 
                   «O facto de a perda de pontos ser uma consequência automática e da competência da Administração, e não dos Tribunais (e não uma sanção, que sempre implica para a sua graduação, o grau de ilicitude e de culpa verificados no caso concreto), implica que não seja admissível impugnação judicial dessa consequência, exceto quando e se vier a ser decidida a cassação do título de condução, esta sim a ser organizada em processo autónomo pela Administração, e impugnável para os tribunais judiciais».
 
Nem mesmo se o registo individual ficar reduzido a um saldo nulo de pontos, pode a cassação ocorrer automaticamente. É sempre precedida de procedimento próprio, da iniciativa oficiosa da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e que tem início após a perda total de pontos associados ao título de condução (cf. artigo 148.º, n.º 10, do Código da Estrada).
 
Procedimento que irá garantir a audiência do interessado (cf. artigo 121.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo[95]) e cujo ato decisório, a revelar‑se lesivo e ilegal, pode ser impugnado administrativa ou contenciosamente, nos termos gerais (cf. artigo 148.º, n.º 13, do Código da Estrada).
 
Se retomarmos o já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de maio de 2018, ali encontraremos caracterizada a decisão cassatória:
 
                   «Decisão esta que tem carácter administrativo e pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, assente fundamentalmente no número e gravidade daquelas condutas ilícitas e do decurso do tempo que sobre elas se vier a verificar, nomeadamente e também para efeitos de recuperação ou não de pontos, nos termos do disposto no artigo 121.º-A e 148.º, n.ºs 5 e 7, do Código da Estrada.
 
                   (…)
 
                   Quer dizer, o sistema de pontos tem um sentido essencialmente pedagógico, seja pela subtração de pontos efetuada proporcionalmente em função da gravidade de uma infração concretamente cometida, seja pela sua concessão, nos termos supra referidos, estimulando desse modo o condutor para comportamentos estradais de índole positiva, sendo que aquela subtração (…) ocorre como efeito automático da infração cometida sem que assuma, no entanto, em si, qualquer natureza sancionatória, sendo apenas reflexo ou um índice da gravidade da infração cometida e do relevo que esta possa ter no somatório de outras, tendo em vista aferir em dada altura a perigosidade do titular da licença de condução, em termos de saber se esta última se deve ou não manter, nos termos em que foi concedida pela administração. O sistema de pontos será assim também um sistema que permitirá à administração aferir se o titular da licença de condução reúne ou não as condições legais para continuar a beneficiar dela. Inserir-se-á, portanto, tal desiderato, no âmbito dos poderes de administração do Estado».
 
Na verdade, em muitos casos — na sua maioria, provavelmente — a perda de pontos nem sequer terá efeitos na atividade do condutor ou pode constituí-lo apenas no cumprimento de um dever de facere sem natureza punitiva, como seja a frequência de ações de formação ou no ónus de submeter-se a provas (cf. alíneas a) e b), respetivamente, do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada).
 
Nem se oponha que a subtração de pontos constitui ainda uma perda, embora parcial, do direito de conduzir com o que regressaríamos ao confronto com a garantia constitucional ínsita no n.º 4 do artigo 30.º. O direito a conduzir, segundo a categoria específica de veículos a motor constante da habilitação legal ou tem-se ou não se tem.
 
A diminuição de pontos não implica uma perda ou privação parcial do direito. O lastro de perdas revela um condutor menos habilitado, em abstrato, mas enquanto dispuser nem que seja de um só ponto pode continuar a conduzir veículos com motor.
 
Por outro lado, o direito de conduzir veículos com motor, além de não integrar nenhum direito fundamental, não faz parte dos direito civis, profissionais e políticos salvaguardados pela sempre referida norma constitucional.  
 
Daí não decorre que o direito a conduzir, constituído por ato administrativo, esteja sujeito ao arbítrio do legislador ou da Administração Pública. Mas decorre, isso sim, que a perda imediata ou progressiva de um tal direito não encontra abrigo entre aqueles a que se refere a citada norma constitucional, reforçando a implausibilidade de uma interpretação conforme à Constituição.
 
 

7.7. A faculdade de conduzir: interesse constitucionalmente protegido e direito subjetivo constituído por ato administrativo.

 
A faculdade de conduzir veículos com motor, segundo diversas categorias de veículos, pode quando muito beneficiar de proteção reflexa por via da liberdade de circulação e do direito de deslocação. No entanto, conduzir veículos com motor não é em si uma faculdade que integre o conteúdo de tais situações jurídicas ativas fundamentais.  
 
Do direito de deslocação, constitucionalmente consignado pelo artigo 44.º, n.º 1, da Constituição, não decorre senão um interesse legalmente protegido em obter e conservar a habilitação necessária para conduzir veículos a motor, terrestres ou aéreos, assim como a navegar por seus próprios meios em águas públicas ou a comandar aeronaves.
 
Obtida a habilitação para conduzir, temos que foi praticado um ato administrativo constitutivo de um direito subjetivo público. Não mais. Nem sequer direito fundamental em sentido apenas material, pois haveria então de resultar da lei ou de convenção internacional (cf. artigo 16.º, n.º 1 da Constituição).
 
Tal condição não o expõe ao arbítrio dos poderes públicos, antes lhe concede a proteção própria dos atos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos contra medidas ablativas, em especial contra a revogação, anulação ou declaração de caducidade[96] (cf. artigos 165.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo).
 
Vejamos com maior detalhe por que razão conduzir veículos a motor não faz parte, a priori, da esfera de proteção das normas que na nossa Constituição protegem a livre circulação de pessoas e o direito de se deslocarem pelo território.
 
Para o que se transcrevem do capítulo I do título II da parte I do texto constitucional as pertinentes disposições:
 
«Artigo 44.º
(Direito de deslocação e emigração)
 
                   1 — A todos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.
                   2 — A todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar».
 
O direito consagrado no n.º 1 defende as pessoas contra impedimentos jurídicos arbitrários que estabeleçam fronteiras internas. A circulação e a deslocação das pessoas não dependem de condução automóvel individual, pois deste modo a universalidade estaria comprometida com relação àqueles que, por razões várias, não possuem ou deixaram de possuir capacidade psicomotora suficiente para guiar[97]. E, do ponto de vista social e económico, não pode sugerir-se que a posse de veículo com motor seja condição imprescindível ao exercício daquela liberdade fundamental ou faça parte do conteúdo mínimo de subsistência ou da dignidade pessoal.
 
Se todos são livres de se locomoverem (liberdade de circulação) e a todos assiste o direito a mudar de domicílio (direito de deslocação) já quanto à condução de automóveis, aeronaves ou embarcações apenas dispõem de um interesse que a lei protege diretamente e a norma constitucional reflexamente.
 
Interesse constitucionalmente protegido em obter, no estrito cumprimento da lei, pela sua parte, e por parte da Administração Pública, a licença para exercer uma atividade relativamente proibida[98].
 
Tal licença, não obstante a discricionariedade técnica indispensável às provas de exame, releva de um poder vinculado que consiste na verificação administrativa dos pressupostos e requisitos vários que a lei postula como indispensáveis para conduzir veículos com motor na via pública.
 
A deslocação individual ou coletiva pratica-se livremente por meios com menor autonomia, seja pelo uso de transportes coletivos de passageiros seja por recurso à condução por outrem de veículos particulares com motor. O direito a conduzir determinados veículos, segundo a categoria própria, só se constitui por efeito da licença que pode ser titulada por diversas formas de habilitação (cf. artigo 121.º e artigos 123.º a 125.º do Código da Estrada[99]). De jeito algum, constitui um direito político. Por seu turno, apesar de a habilitação legal se mostrar necessária para exercer algumas atividades profissionais, ela faz parte dos requisitos que legalmente podem condicionar o acesso a determinadas profissões (cf. artigo 47.º, n.º 1, da Constituição). Tão-pouco consiste num direito civil.
 
7.8. Direitos civis e efeitos das penas.
 
Não ignoramos que a expressão direitos civis, empregue pelo n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, presta-se a alguma ambiguidade, sobretudo pela indeterminação que vem emprestada do anglicismo (civil rights). Seriam direitos cívicos com um sentido amplo e compreensivo dos direitos fundamentais; além dos direitos formalmente constitucionais. Ignorando o direito inglês a diferença entre os sentidos formal e material de constituição, alguns direitos subjetivos públicos, embora desprovidos da proteção constitucional dos direitos fundamentais, ali teriam abrigo, designadamente o direito a conduzir veículos a motor nas estradas e demais vias públicas.
 
Tal conceção é contraditória nos termos, pois se a matriz constitucional britânica dispensa um estatuto de superioridade formal de certas normas, não abdica de um critério de essencialidade. Os direitos civis e políticos surgem no constitucionalismo inglês em virtude do pacto que atribui ao homem estatuto do súbdito, na condição de serem intocados os direitos que possui, por natureza. Não é por isso que a faculdade de conduzir automóveis ou motociclos adquire a condição de direito civil e, logo, de direito fundamental.
 
Civil rights são direitos de liberdade[100], inatos, originários, na linha do pensamento liberal de JOHN LOCKE[101] e cuja influência chega à nossa Carta Constitucional de 1826, nomeadamente ao artigo 145.º em cujo proémio se manda garantir «a inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses», como observa JOÃO DE CASTRO MENDES[102]
 
A contraposição complementar entre o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[103] e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais[104], traduz no plano internacional o contraponto constitucional entre direitos, liberdades e garantias, por um lado, e direitos económicos, sociais e culturais, por outro.
 
Em todo o caso, a primeira das referidas convenções internacionais nada traz consigo a respeito da autonomia de condução automóvel e da sua elevação a civil right. O que de mais significativo manifesta, com relação ao que nos trouxe até aqui, é o arrimo a restrições à circulação de pessoas pelo território de cada Estado, contanto que justificadas por razões de ordem pública e de modo compatível com outros direitos de igual posição.
 
Transcrevem-se do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos as pertinentes disposições, agrupadas sob o mesmo artigo:
«Artigo 12.º
 
                   1 — Todo o indivíduo legalmente no território de um Estado tem o direito de circular livremente e de aí escolher livremente a sua residência.
 
                   2 — Todas as pessoas são livres de deixar qualquer país, incluindo o seu.
 
                   3 — Os direitos mencionados acima não podem ser objeto de restrições, a não ser que estas estejam previstas na lei e sejam necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou a moralidade públicas ou os direitos e liberdades de outrem e sejam compatíveis com os outros direitos reconhecidos pelo presente Pacto.
 
                   4 — Ninguém pode ser arbitrariamente privado do direito de entrar no seu próprio país».
 
Explica JORGE MIRANDA[105] que «a liberdade civil abrange os direitos das pessoas no seio da sociedade civil», ao passo que «a liberdade política compreende todos os pertinentes à relação com o Estado-poder, sejam direitos de participação stricto sensu ou direitos políticos, sejam – principalmente – quaisquer liberdades enquanto exercidas ou projetadas na vida política».
 
Não nos iludamos porém com o contexto da sociedade civil em que são exercidos e a natureza civil de certos direitos. A referência a direitos civis no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição surge a par dos direitos políticos, mas também de direitos profissionais que, em tal linha, já estariam contemplados nos «direitos das pessoas no seio da sociedade civil», pois é nesse âmbito que as diversas profissões são exercidas.
 
Os direitos que a norma constitucional visa salvaguardar contra efeitos atribuídos automaticamente a sanções penais não são os outros direitos fundamentais, nem os direitos infraconstitucionais com vida própria na ordem jurídica.
 
Não são os direitos, liberdades e garantias consagrados por norma constitucional, pois já estariam suficientemente protegidos pelo regime próprio (cf. artigos 17.º a 19.º da Constituição).
 
A própria liberdade pessoal os demais efeitos naturais[106] das penas de encarceramento estariam fulminados pelo artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, pois surgem automaticamente das penas.
 
A expressão civil serve igualmente para delimitar outras esferas de intervenção e até de jurisdição. É assim que as autoridades civis podem surgir em contraponto às autoridades militares ou às autoridades eclesiásticas ou que a jurisdição cível se demarca das demais.
 
É ainda cívico o termo utilizado pelo artigo 49.º, n.º 2, da Constituição, para adjetivar o dever de sufrágio, subtraindo-o deste modo ao regime dos deveres fundamentais perfeitos. Neste horizonte, para J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA[107] não é sequer um dever fundamental apto a permitir a punição do absentismo eleitoral.
 
Por seu turno, a Constituição italiana de 1947, configura alguns dos direitos e deveres dos cidadãos sob a epígrafe ‘rapporti civili’, ao que se seguem ‘rapporti etico-sociali’, ‘rapporti economici’ e ‘rapporti politici’.
 
Ora, se as liberdades civis cabem na primeira categoria, enquanto direitos negativos da esfera pessoal, já os direitos cívicos têm sede na segunda categoria, entendidos como direitos positivos, a prestações, identificados com o status activae civitatis de JELLINEK[108].
  
Tudo isso vale para dizer que a autonomia de condução automóvel não integra o conteúdo de nenhum direito cívico ou civil.
 
A natureza civil de certos direitos, em nosso entender, diz antes respeito à sua fonte no direito privado, em especial no direito civil. São os direitos que radicam em normas de direito civil, nomeadamente a capacidade civil (cf. artigo 67.º do Código Civil) e o exercício da autonomia contratual (cf. artigo 405.º). São, à cabeça, os direitos de personalidade (cf. artigo 70.º e seguintes) e, depois, muitos outros direitos pessoais ou patrimoniais colhidos na legislação civil, de natureza real ou obrigacional, familiar ou sucessória.
 
Pelo contrário, a condução de veículos a motor na via pública é objeto de um direito que se constitui, modifica e extingue segundo normas de direito público, maxime normas de direito administrativo. Nada tem de civil[109]. É verdadeiramente um direito subjetivo público, conceito que se encontra aquém do conceito de direitos fundamentais. Como JORGE MIRANDA faz notar, o direito subjetivo público reflete a conceção de direitos surgidos como reflexo do direito objetivo do Estado ou que pelo menos só nele encontram o seu fundamento[110].
 
Convoquemos uma vez mais a jurisprudência constitucional. No Acórdão n.º 243/2007, de 30 de março[111], o Tribunal confrontar-se-ia com a relação entre, por um lado, a inibição de condução por crime rodoviário sob o efeito de consumo excessivo de bebidas alcoólicas, e por outro, a consequente recusa de renovação da licença de uso e porte de arma de defesa[112]
 
Concluiu-se perante o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, que o uso e porte de arma constitui-se por meio da licença, a qual «visa excluir a ilicitude de um ato que é genericamente proibido». Por conseguinte, o direito emergente do ato administrativo que habilita o condutor não se encontra sob a estatuição protetora da norma constitucional.
 
Termo de comparação igualmente adequado encontramo-lo no tradicionalmente designado jus ӕdificandi. O direito de propriedade (cf. artigo 1305.º do Código Civil) ou o direito de superfície (cf. artigos 1524.º e 1525.º) — direitos civis, um e outro, inquestionavelmente — são indispensáveis para se poder construir em determinado imóvel, mas não bastam. É necessário que o plano urbanístico e as demais normas de direito público o consintam[113]. E é preciso ainda, fora casos excecionais, obter uma licença ou formular uma comunicação prévia, eventualmente depois de reunida uma série de pareceres e aprovações de diferentes autoridades públicas. O direito a construir é hoje pacificamente reconhecido pela jurisprudência constitucional[114], com o assentimento da maior parte da doutrina[115], como sendo um direito subjetivo público. Ele acresce ou combina-se com o direito de propriedade privada, mas não é imanente ao seu conteúdo.
 
Entre as conclusões a que chegou este órgão consultivo por ocasião do parecer n.º 33/2016, de 2 de março de 2017, pode ler-se:
 
                   «As pertinentes normas constitucionais, em especial o disposto no n.º 4 do artigo 65.º, não consentem um arquétipo legislativo que tome o designado jus ӕdificandi como inato às coisas imóveis e correlativos direitos reais de gozo. Só a administração pública pode legitimar as transformações do solo, através do plano, por ato administrativo ou sobre comunicação prévia, acrescentando ao conteúdo do direito civil de propriedade um direito subjetivo público de caráter real».
 
E o mesmo vale para tantos outros direitos constituídos por atos administrativos permissivos, ordenados pela necessidade coletiva de conter certos riscos a um nível sofrível, sem prejuízo de tais direitos decorrerem de um princípio geral de liberdade ou de terem na sua base específicos direitos, liberdades e garantias. Nem por isso se confundem.
 
É o que ocorre com a utilização de edifícios ou suas frações para fins consentâneos, com a abertura e exploração de certos estabelecimentos comerciais ou industriais, com a plantação de espécies florestais de rápido crescimento, com a navegação marítima ou aérea, com a posse e manuseamento de explosivos para artes pirotécnicas.
 
Um outro exemplo. Deliberou este Conselho no parecer n.º 27/2001, que votou em 16 de janeiro de 2003, considerar o seguinte a respeito da caça:
 
                   «Por virtude da alteração do paradigma da liberdade de caçar, que surge agora confinada a uma atuação ordenada, que visa sobretudo o aproveitamento racional do património cinegético e o desenvolvimento da riqueza e valorização do mundo rural, a função social da propriedade, é, nesse plano, representada sobretudo por referência a valores ambientais».
 
E outro tanto poderia dizer-se da pesca lúdica ou de mais tantas manifestações de liberdade que dependem, no seu exercício, de licenças, autorizações ou outros atos permissivos de controlo reservados à Administração Pública, com maior grau de vinculação (autorização) ou de discricionariedade (licença), consoante, por um lado, a natureza dos direitos condicionados ou constituídos pelo próprio ato administrativo, e por outro, as exigências dos demais direitos e interesses públicos a salvaguardar.
 
Valemo-nos, por uma vez mais, do Acórdão da Relação do Porto tirado em 9 de maio de 2018, ao dar conta do seguinte:
 
              «Aliás, tanto a atribuição da licença de condução, em função da qual a lei faz conceder ao respetivo titular (…) 12 pontos, como a sua cassação, pela perda de todos os pontos, mas perda esta que tem materialmente subjacente a condenação ou a verificação prévia de infrações contraordenacionais ou penais, nos termos supra referidos, traduzem decisões de carácter administrativo: a primeira um ato administrativo permissivo de conteúdo positivo, ou mais precisamente autorização permissiva expressa na licença ou carta de condução, ou habilitação, relativa a direito cujo exercício ‘pode importar em sacrifícios especiais para um quadro de interesses públicos que convém acautelar’, entendendo o legislador introduzir limitações no exercício da liberdade de modo a garantir em certas atividades um determinado padrão de competência técnica, fazendo-o através de atos que são pressuposto da atribuição daquela licença de condução; enquanto que a segunda se traduz numa medida de segurança, também de carácter administrativo, que pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, relativamente a alguém que já havia obtido a concessão de autorização-habilitação para conduzir, mas cujas condutas, material e processualmente determinadas, com respeito pela estrutura acusatória do processo, assim como pelas garantias de defesa e controlo jurisdicional efetivos vieram a revelar a existência daquela inaptidão, e em respeito, portanto, das normas constitucionais, designadamente das invocadas pelo recorrente – artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 29.º, n.º 1, 30.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1, 4, 5 e 10, 202.º, n.º 2, e 219.º, n.º 1, da CRP».
 
7.9. Síntese.
 
Em jeito de antecipação das conclusões, pode dizer-se que é possível considerar a subtração de pontos associados à carta de condução como um efeito reflexo da prática confirmada de certos crimes numa relação de adequação. Não obstante a referência à inibição de conduzir aplicada como pena acessória ou acordada como injunção processual penal, tais crimes encontram-se perfeitamente identificados, pois só para eles se dispõe esta consequência jurídica.
 
No entanto, a conformidade com o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição não exige ao n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada prestar-se a tal entendimento, o qual, porventura induziria a quebrar a unidade da pena conjunta ou de injunção congénere e consequentemente a subtrair à carta de condução do arguido tantas vezes seis pontos quantas as infrações efetivamente praticadas. No demais, tal interpretação conforme estiolaria a letra do preceito.
 
Na verdade, a subtração determinada nos n.ºs 1 a 3 do artigo 148.º do Código da Estrada, embora automática, não atinge direitos. Por outro lado, o direito que pode ou não vir a ser indiretamente atingido, qual seja, o direito de conduzir veículos com motor é um simples direito subjetivo público. Não integra a priori o conteúdo do direito fundamental de deslocação, nem pode ser qualificado como direito político, profissional ou sequer civil.
 
Em todo o caso, entre a súbita ou progressiva perda absoluta de pontos e a cassação da carta ou licença de condução há sempre lugar a uma valoração segundo critérios de justiça e no termo de procedimento administrativo que assegura ao condutor ser ouvido e defender-se, sem prejuízo de poder impugnar graciosa e contenciosamente a decisão que vier dali a resultar.
 
Entendemos, pois, estar arredada a plausibilidade das questões de inconstitucionalidade e dos efeitos hermenêuticos que pudessem patrocinar. Cumpre-nos alcançar, de seguida, o verdadeiro papel desempenhado na determinação da medida da pena conjunta pelas denominadas penas parcelares. Só assim estaremos em condições de confirmar sem hesitações o acerto da interpretação declarativa da norma em questão.  
 
 

§ 8.º
A função das penas parcelares no cúmulo jurídico

 
Pudemos encontrar razões não despiciendas para asseverar que a norma do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada — com relação aos segmentos ‘pena acessória’ e ‘injunção’ — não deve ser interpretada extensivamente. Nada indica que a letra tenha permanecido aquém do espírito.
 
Insistimos em que o sentido da norma é bastante claro: o condutor perde seis pontos, se ainda os tiver no seu registo individual, como consequência inelutável da inibição de conduzir aplicada acessoriamente à multa ou pena de prisão sentenciadas, logo que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária for notificada, mas vem submetida à nossa ponderação uma outra possível objeção.
 
Objeção que radica numa suposta intenção do legislador em referir-se a cada uma das penas parcelares que se encontram na base do cúmulo jurídico efetuado pelo juiz ou pelo Ministério Público.
 
Tal interpretação extensiva levaria a admitir o plural de ‘pena’ no espírito da lei para alcançar, nos casos de pena única, as penas parcelares calculadas para efeito de traçar os limites na previsão de cúmulo por concurso de infrações. E outro tanto, por semelhante razão, caberia às injunções de inibição de conduzir.
 
O argumento assenta no modo como se opera o cúmulo jurídico, nos termos do Código Penal. A pena acessória de proibição de conduzir, ao ser aplicada em resultado de concurso, não consistiria numa pena única, antes representando uma pena composta, uma constelação de penas parcelares, de tal sorte que a pena ou injunção conjuntas seriam tão‑só o resultado de uma adição. E outro tanto se diria relativamente à injunção decretada no âmbito da suspensão provisória do processo penal pelo Ministério Público.
 
Veremos que não é aquilo que resulta do Código Penal, pelo que importa percorrer as disposições pertinentes.
 
Em primeiro lugar, observemos o que ali se dispõe sobre pluralidade de infrações:
«Artigo 30.º
(Concurso de crimes e crime continuado)
                   1 — O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
                   2 — Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
                   3 — O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais».
 
No n.º 1 encontra-se prevista a concorrência de infrações penais imputadas ao mesmo agente, depois de excluído o designado concurso aparente ou concurso de normas potencialmente aplicáveis.
 
Prevê-a com duas variantes: o agente praticou por mais de uma vez o mesmo crime ou o agente, através dos mesmos atos ou omissões, cometeu múltiplos crimes, previstos e punidos segundo diferentes normas incriminadoras.
 
A fim de impedir certas cumulações materiais das condenações aplicáveis e que se traduziriam, não raro, em condenações demasiado prolongadas, senão perpétuas — interditas pelo n.º 1 do artigo 30.º da Constituição e desprovidas de alcance socializador — o n.º 2, em nome de um princípio geral de moderação punitiva, configura uma das previsões de pena única: o chamado crime continuado.
 
Preenchidos os pressupostos e requisitos ali enunciados, todos eles atestando uma certa unidade, obsta-se à sucessão das penas que seriam de aplicar por cada um dos crimes, caso demonstrassem uma conduta assídua de criminalidade por via de delitos cometidos de forma dispersa no tempo e no espaço.
 
A pena única do crime continuado é determinada nos termos das disposições que transcrevemos do Código Penal:
 
«Artigo 79.º
(Punição do crime continuado)
                   1 — O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.
                   2 — Se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior». 
Apesar da pluralidade de infrações criminais, não ocorre pluralidade de penas. A qualificação como crime continuado leva a que seja aplicada uma única pena, a qual terá como limites, mínimo e máximo, os que correspondem ao crime mais grave.
 
Em matéria de penas acessórias ou da injunção de efeito equivalente, nada justifica uma rutura, ou seja, nada justifica confinar a pena única ao campo das penas principais (prisão e multa).
 
Em segundo lugar, atenderemos ao modo como nos demais casos se determina a pena única.
 
O Código Penal disciplina conjuntamente uma previsão geral de concurso de penas nos seguintes termos:
 
«Artigo 77.º
(Regras da punição do concurso)
                   1 — Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
                   2 — A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
                   3 — Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
                   4 — As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis».
E admite-se que o conhecimento do concurso possa ocorrer supervenientemente:
 
«Artigo 78.º
(Conhecimento superveniente do concurso)
                   1 — Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
                   2 — O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
                   3 — As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior». 
 
Em qualquer caso, concurso de penas, verdadeiramente, como defende PAULO DÁ MESQUITA[116], na linha do ensino de CAVALEIRO FERREIRA e não tanto concurso de crimes.
 
Segundo o seu entendimento, e que aqui acompanhamos, no cúmulo jurídico configurado pelo artigo 77.º está verdadeiramente em causa um concurso de penas por contraste com a sucessão de penas que ocorreria de outro modo, isto é, a cumulação material das penas aplicadas em diferentes condenações. A expressão concurso de crimes[117], não só é suscetível de convocar um sentido demasiado amplo, integrando o concurso aparente, como é também mais extenso por outro motivo: a pluralidade de infrações pode eventualmente justificar a aplicação de penas sucessivas. Basta não se verificarem os pressupostos do cúmulo jurídico.
 
E acrescenta o Autor que, por seu turno[118]:
 
                   «A sucessão de penas pode dar lugar a uma punição por reincidência, caso estejam reunidos os requisitos legais constantes dos artigos 76.º e 77.º do Código Penal 82 (artigos 75.º e 76.º, redação de 95), sendo que as regras específicas da punição por reincidência operam exclusivamente quanto à pena que se vai aplicar ao segundo crime».
 
Feita esta precisão, regressemos ao transcrito artigo 77.º do Código Penal e às suas disposições.
 
O n.º 1 do artigo reproduzido vem acrescer ao crime continuado do n.º 2 do artigo 30.º um outro arquétipo de pena única[119].
 
Trata-se de norma com uma previsão bem mais vasta, por comparação com a do crime continuado, pois é de modo a considerar em conjunto todos os crimes de que é acusado o mesmo agente, contanto que sobre eles ainda não tenha recaído decisão transitada em julgado[120]. Abdica-se de pressupostos e requisitos de afinidade que não sejam a acusação pendente pela prática de outras infrações criminais contra o mesmo ou os mesmos agentes.
 
Por seu turno, o n.º 2 define o modo como deve o tribunal delinear a moldura penal em tais casos e como deve determinar uma só pena, abstraindo, de certo modo, das punições que concretamente fossem de aplicar ao arguido por cada infração cometida, se o aludido pressuposto não se confirmasse.
 
Por conseguinte, a determinação concreta de certa pena por cada crime em concurso tem um único e exclusivo fim: contribuir para a determinação da pena conjunta, identificando os respetivos limites, máximo e mínimo.
 
O limite máximo, exceto se ultrapassar 25 anos de prisão ou 900 dias de multa, é fixado pela soma das eventuais penas aplicáveis, não fora o concurso. O limite mínimo define-se pela mais elevada das penas concretamente apuradas.
 
As penas parcelares esgotam aqui a sua função. São fundamento[121] da pena conjunta ao operar-se o concurso, mas com um desiderato, apenas. O de circunscrever a medida da pena conjunta nos seus limites. Nada mais.
 
Apurados os limites mínimo e máximo, a medida da pena resulta de juízo valorativo concentrado estritamente nos factos e na personalidade do agente (cf. artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal).
 
A partir da pena aplicável, o tribunal depara-se, nas palavras de JOSÉ LOBO MOUTINHO[122], com «um espaço em aberto, um intervalo de variação que torna indispensável uma ulterior operação de determinação da medida da pena». E acrescenta[123]: «uma vez que a soma das penas concretamente aplicadas constitui tão-somente o limite máximo da pena conjunta aplicável ao concurso de crimes, ela não fornece necessariamente a pena que, de acordo com as coordenadas do sistema punitivo vigentes, corresponde ao concurso». Conclui o Autor que[124] «a fixação da pena única está muito longe de constituir uma apreciação meramente formal».
 
O Supremo Tribunal de Justiça tem identificada a razão de ser da natureza instrumental das designadas penas parcelares, explicando-o nomeadamente em Acórdão de 21 de novembro de 2012[125]:
 
                   «Segundo preceitua o n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que deverá ter-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.
 
                   Assim, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente».
 
Refira-se bem assim o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra tirado em 16 de junho de 2015[126], em cujo sumário pode ler-se:
 
                   «(…)
                   3 — O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é a personalidade do agente.
                   4 — Por isso, impõe-se a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constituir uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente».
 
E, particularmente eloquente acerca da função instrumental das penas parcelares, parece-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de junho de 2013[127], podendo ler-se no respetivo sumário:
 
                   «I — Depois de efetuado o cúmulo jurídico das várias penas parcelares que estejam numa relação de concurso, o que conta para efeitos de cumprimento é única e exclusivamente a pena única.
                   II — A pena única traduz a efetiva punição pela globalidade da conduta criminosa, o que tem como consequência o desaparecimento das penas parcelares, que deixaram de ter qualquer relevância. Estas só renascerão em caso de novo concurso de crimes que abarque os ilícitos da condenação anterior, obrigando a um novo cúmulo jurídico que abranja também tais penas parcelares, assim se obtendo uma nova pena única mais abrangente.
                   III — No entanto, nesta nova pena única, para efeitos de desconto, nunca podem relevar as aludidas penas parcelares, mas sim a pena única aplicada nos processos abrangidos pelo cúmulo. Pela simples razão que o arguido não cumpre as penas parcelares mas sim pena única.
                   IV — Isto acontece porque a regra é o desconto ter lugar na mesma medida do cumprimento efetivo da pena – seja ela de prisão ou de multa – ou ainda do tempo em que efetivamente o arguido esteve detido ou restringido da sua liberdade por efeito da aplicação das medidas de coação referidas no artigo 80º, do Código Penal.
                   V — Não há dúvida que, perante o artigo 81.º, n.º 1, do Código Penal, há lugar a desconto pela parte da pena efetivamente cumprida – no caso de cumprimento parcial – como pela totalidade da pena, em caso de extinção desta pelo cumprimento.
                   VI — Isto acontece porque a extinção pelo cumprimento não pressupõe necessariamente o cumprimento efetivo da totalidade da pena, podendo parte dela ter sido cumprida em liberdade condicional. Mas quando a lei exige que o desconto da pena seja feito «na medida em que já estiver cumprida», pressupõe o cumprimento, seja parcial, seja total, excluindo os casos de extinção da pena por outras causas diversas do cumprimento (prescrição, amnistia, etc.).
                   VII — É precisamente por isso que a pena de prisão suspensa, depois de declarada extinta, não pode integrar um cúmulo jurídico superveniente.
                   VIII — Se o que é relevante é a pena cumprida ou extinta pelo cumprimento, então jamais se poderá trazer à colação as penas parcelares, em caso de concurso, pois que a pena a cumprir, a pena cumprida ou a pena declarada extinta pelo cumprimento, será sempre a pena única imposta em cúmulo jurídico, não as penas parcelares. Estas não tinham de ser cumpridas, não foram cumpridas, nem declaradas extintas. Tudo se passa como se elas não existissem».
 
O cálculo de cada pena concreta não pode produzir efeitos para além do processo e, portanto é insuscetível de servir de parâmetro à diminuição de pontos aos condutores. Só a pena única pode e deve prestar-se a essa função.
 
Com tal entendimento parece concordar MANUEL SIMAS DOS SANTOS[128] ao descrever de modo expressivo a relação entre penas:
 
                   «Na determinação da pena única conjunta, o todo não equivale à mera soma das partes».
 
Atribuir às penas parcelares um papel para o qual não têm vocação seria subverter a preferência do legislador pelo método adotado no artigo 77.º do Código Penal, sobretudo desde que ficou claro aplicar-se às penas acessórias este regime.
 
Assim, a operação que conectasse a subtração de pontos da carta de condução às penas parcelares, aditando tantas vezes a perda de seis pontos quantas as infrações praticadas, consistiria em atribuir-lhes uma função que não lhes pertence.
 

 
§ 9.º
A natureza excecional da contraordenação rodoviária continuada.

Importa atender ainda a um outro argumento que pode ser esgrimido de encontro à interpretação declarativa do disposto no n.º 2 do artigo 148.º, do Código da Estrada.
 
Dir-se-ia que o legislador, quando pretendeu conter a perda de pontos, fê-lo. Por isso, no n.º 3 do artigo 148.º, entendeu estabelecer um cúmulo formal, com um máximo de seis pontos a subtrair, na hipótese de contraordenações praticadas pelo agente num mesmo dia, a menos que «esteja em causa condenação por contraordenações relativas à condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas».
 
Estabeleceu, para este efeito, algo que porventura pode designar-se ‘contraordenação rodoviária continuada’.
 
Se o condutor for condenado em coima e inibição de conduzir por duas contraordenações simplesmente graves, cometidas no mesmo dia, ser-lhe-ão retirados quatro pontos, visto que o cômputo não atinge os seis. Prevalece o cúmulo material.
 
Pelo contrário, o condutor condenado pela prática continuada (num mesmo dia) de três contraordenações muito graves (sem influência de álcool nem de psicotrópicos) em lugar de perder, sem mais, doze pontos, perde apenas seis. Graças ao limiar máximo fixado no n.º 3 do artigo 148.º.
 
Em matéria de infrações penais, nada se determinou, pelo que a extrapolação do limiar de seis pontos para a pluralidade de infrações criminais como que significaria fechar os olhos à intencionalidade do legislador.
 
Não é assim tão simples. O Código da Estrada, como vimos dispor no artigo 134.º, n.º 3, optou pela cumulação material das sanções aplicadas às contraordenações rodoviárias: cumulação das coimas e das inibições de conduzir.
 
Se a subtração de pontos ocorresse por igual, na hipótese de o n.º 3 do artigo 148.º nada dizer, a lei teria levado às últimas consequências a proibição do cúmulo jurídico no domínio das contraordenações estradais e as perdas acresceriam aritmeticamente umas às outras, exasperando o saldo.
 
A verdade é que não foi assim. Optou-se deliberadamente por abrir uma exceção ao que de outro modo resultaria do princípio geral da cumulação material. Optou-se por também aqui — no n.º 3 do artigo 148.º — reconhecer ou presumir uma certa unidade entre a pluralidade de infrações contraordenacionais praticadas num mesmo dia, porventura ligadas entre si.
 
Seria incongruente interpretar o n.º 2 do artigo 148.º de modo inverso, com base num improvisado argumento a contrario sensu[129]. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária é notificada da condenação em pena acessória de inibição de conduzir ou do arquivamento do processo depois de cumprida injunção com igual conteúdo. É um dado, ao contrário do que acontece com as sanções aplicadas pela própria Administração Pública. O cúmulo jurídico e seu resultado — a pena conjunta — são os únicos elementos que relevam do teor da notificação vinda do tribunal ou do Ministério Público.
 
Ali dispõe-se que a inibição de conduzir fundada em norma penal ou processual penal reduz seis pontos ao saldo do condutor, sabendo-se de antemão que o eventual cúmulo jurídico — ao invés do cúmulo material de coimas e sanções acessórias — dá lugar à aplicação de uma pena acessória única ou de uma injunção inibitória única. E a lei não distinguiu entre a pena única do crime continuado e a pena conjunta resultante de concurso executado na presença dos pressupostos legais.
 
Ora, justamente para não ocorrer uma subtração de pontos imoderada, o legislador optou por determinar um cúmulo fixo; não por cada infração, mas por cada inibição de conduzir aplicada pelo juiz ou decretada pelo Ministério Público.
 
Imoderada, note-se, pois, sem o limite de seis pontos, o saldo originário de um condutor com doze pontos ficaria prontamente reduzido a zero, na eventualidade de ter cumprido injunção conjunta sobre duas infrações e de se encontrar arquivado o inquérito pelo Ministério Público.
 
O saldo zero significa abertura oficiosa de procedimento e possível cassação da carta de condução, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada.
 
Sendo a pontuação do condutor uma síntese do seu comportamento na estrada e tendo em vista dissuadir comportamentos de risco, tais funções pereceriam na generalidade dos casos por imporem o esgotamento, de uma só vez, a toda a pontuação, sendo que o arguido já cumpriu inibição de conduzir e cumpriu ou esteve condicionado ao cumprimento de pena privativa da liberdade ou de multa. 
 
Deve também refletir-se no entendimento que, como vimos, o Supremo Tribunal de Justiça veio a fixar para o n.º 4 do artigo 77.º do Código Penal, no citado Acórdão n.º 2/2018, de 11 de janeiro:
 
                   «Em caso de concurso de crimes, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, com previsão no n.º 1, alínea a) do artigo 69.º do Código Penal, estão sujeitas a cúmulo jurídico».
 
A ratio decidendi conta com a ideia de proporcionalidade, de moderação, a qual está na raiz do cúmulo jurídico de todas as disposições do artigo 77.º do Código Penal.
 
Conquanto o n.º 4 do artigo 77.º se refira a ‘penas acessórias’ e determine que são sempre aplicadas ao agente, tal esteio linguístico não impediu o Supremo Tribunal de Justiça de vislumbrar uma opção legislativa pelo cúmulo jurídico, nessa linha de recusa do excesso, tão cara ao Estado de direito.
 
Ora, mais ainda no artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada, onde o quantificador do substantivo surge no singular, haverá de atender-se à preferência pelo cúmulo jurídico, de tal sorte que também no caso de pena conjunta por várias infrações criminais a subtração de pontos deva ser igual a seis. 
 
Refira-se ainda que a pena única aplicada ao crime continuado e às demais situações toma em consideração infrações com desvalores muito diversos.
 
A admitir-se que por cada infração fossem reduzidos seis pontos, teríamos um reflexo exagerado na habilitação legal do condutor por conta de crimes praticados na forma tentada, de crimes praticados com culpa leve, de crimes parcialmente justificados (v.g. em excesso de legítima defesa).
 
Por fim, o protagonismo das penas parcelares poderia desembocar ainda num outro resultado que se afigura excessivo e incongruente.
 
Assim, pudemos assinalar que a concorrência entre a imputação de crime e de ilícito contraordenacional, mesmo que a infração seja materialmente igual, não opera um concurso de normas.
 
Dá lugar a um concurso de sanções, já que, nos termos do artigo 134.º, n.º 2, do Código da Estrada, o tribunal, embora afaste a aplicação da coima, deverá aplicar sanção acessória (de inibição de conduzir) que se encontre prevista.
 
E vimos também por que motivo não devem cumular-se inibições de conduzir decretadas, uma a título de pena acessória e outra a título de sanção contraordenacional.
 
Ora, a admitir a subtração de pontos como decorrente de cada uma das sanções que delinearam a pena acessória única, o condutor ver-se-ia privado não apenas dos seis pontos enunciados no artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada, como também de outro tanto a calcular nos termos do n.º 1 ou do n.º 3 por conta da sanção contraordenacional acessória.
 
Inibido de conduzir pela primeira vez, deparar-se-ia, depois de ter cumprido a pena ou a injunção, com um procedimento de cassação da carta.
 
Em tal caso, a pena ou a injunção teriam perdido a finalidade que as orienta finalisticamente, pois de modo insólito o efeito mais severo — a eventual cassação — adviria após o cumprimento.
 
É indispensável, por último, não perder de vista que, nos termos do artigo 101.º do Código Penal, o tribunal pode decretar a cassação da carta ou licença de condução ao arguido e até interditá-lo de vir a obter nova habilitação legal para conduzir veículos a motor.
 
Vale recordar tais medidas de segurança para obtemperar o receio de a limitação a seis pontos poder, em certos casos, deixar demasiado desprotegida a estrada e a comunidade dos seus utilizadores contra a especial perigosidade que um determinado agente inspire.
 
De resto, tais medidas de segurança em nada dependem da imputabilidade ou inimputabilidade do condutor, tão-pouco do facto de estar habilitado legalmente, ou não, para conduzir veículos a motor. Baseiam-se em fundado receio de reincidência ou na inaptidão para conduzir veículos a motor (cf. artigo 101.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal).
 
 
 
§10.º
 
Conclusões
 
Cumprida a análise das questões especificadas no pedido de consulta e as demais interrogações consequentes, que entendemos suscitar e satisfazer, porque indispensáveis à compreensão do regime da carta de condução por pontos, encontramo-nos em condições de recensear o que de mais significativo pode e deve concluir-se:
 
 
                     1.ª — A proibição temporária ou definitiva de conduzir automóveis e motociclos encontra-se ligada à prática de certas infrações especialmente graves, pelo menos, desde o Código da Estrada de 1928, revisto pelo Decreto n.º 14 806, de 31 de maio de 1930, nomeadamente o atropelamento de peões com omissão do socorro, o roubo, o abuso de confiança, burla ou delito de embriaguez.
 
                     2.ª Sempre se revelaram juridicamente melindrosos os regimes da apreensão da carta, da interdição e da inibição, especialmente desde a entrada em vigor da Constituição de 1976. A jurisprudência da Comissão Constitucional e, mais tarde, do Tribunal Constitucional, concernente ao artigo 61.º do Código da Estrada de 1954, testemunha o difícil equilíbrio entre as referidas providências, o princípio da separação de poderes e as garantias do condutor na simples condição de administrado ou enquanto arguido.
 
                     3.ª — Por meio das alterações que efetuou ao Código da Estrada de 1994, a Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, criou o sistema abreviadamente conhecido como carta de condução por pontos, introduzindo no regime da habilitação legal para conduzir veículos com motor uma ficção numérica, expressa em unidades de referência (pontos) e que reflete numa escala decrescente as inibições de conduzir aplicadas ao condutor, a título de pena acessória pela prática de certas infrações criminais (cf. artigo 69.º do Código Penal), a título de injunção, como condição para o arquivamento do inquérito pelo Ministério Público (cf. artigo 281.º do Código de Processo Penal) ou como sanção acessória à coima, em resultado da prática de contraordenações graves e muito graves (cf. artigo 147.º do Código da Estrada).
 
                     4.ª — O regime adotado, em paralelo com outras ordens jurídicas europeias, propõe-se não apenas guardar registo dos comportamentos ilícitos mais graves dos condutores de automóveis e motociclos, como também, e principalmente, dissuadir a prática de tais infrações em vista do progressivo decréscimo da pontuação e da iminência de eventuais encargos, ónus ou até restrições. No limite, a privação do título habilitante.
 
                     5.ª — Embora a pontuação mínima permita continuar a conduzir, a habilitação legal dos condutores pode dizer-se maior ou menor consoante as perdas e aquisições de pontos que refletem o seu comportamento na estrada, aproximando-se ou afastando-se da eventual cassação da carta de condução e de outras medidas impostas de modo intercalar.
 
                     6.ª — A aquisição originária da habilitação para conduzir veículos a motor permite depositar confiança no titular, creditando-se doze pontos no seu registo individual e que podem vir a ser acrescidos, ao fim de três anos, por bom comportamento na estrada, até ao limite de quinze (dezasseis, excecionalmente).
 
                     7.ª — Ao invés, por cada inibição de conduzir veículos a motor o condutor não apenas fica privado do acréscimo premial a que, de outro modo, teria direito, ao fim de três anos, como também vê reduzida a pontuação respetiva, em maior ou menor extensão, de acordo com os critérios estatuídos no artigo 148.º, n.º 1 a n.º 3, do Código da Estrada, e que tendencialmente refletem a gravidade reconhecida aos ilícitos cometidos.
 
                     8.ª — Os critérios mostram-se particularmente severos para com as infrações criminais rodoviárias ou diretamente associadas à condução motorizada, e para com as infrações contraordenacionais praticadas sob consumo excessivo de álcool ou de psicotrópicos, com excesso de velocidade «dentro das zonas de coexistência» e com manobras de ultrapassagem executadas sobre passadeiras e faixas de atravessamento destinadas a velocípedes ou no espaço que imediatamente antecede tais zonas de travessia (cf. artigo 148.º, n.º 1, do Código da Estrada).
 
                     9.ª — Alguns decréscimos de pontos podem não ter efeitos jurídicos, pois só quando a pontuação cai abaixo de certas fasquias é que se vão constituindo ónus, deveres ou sujeições na esfera jurídica do condutor: primeiro, o dever de frequentar ações de formação; depois, o ónus de submeter‑se a exames e provas de conhecimentos teóricos e práticos; só por fim, na eventualidade de perda da pontuação por completo, a eventual sujeição do condutor à cassação da carta ou licença de condução, e que o impede de obter novo título antes de decorrerem dois anos.
 
                     10.ª — Eventual porque a cassação jamais decorre diretamente das sanções aplicadas ao condutor, tão-pouco da perda de pontos. Precede-a um procedimento administrativo ao longo do qual o condutor tem o direito a ser ouvido e a defender-se (cf. artigo 32.º, n.º 10 da Constituição) e o direito de impugnar graciosa e contenciosamente a decisão final (cf. artigo 148.º, n.º 10 e n.º 13, do Código da Estrada).
 
                     11.ª — Diante da pluralidade de sanções aplicadas e sua expressão em pontos, o Código da Estrada no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 148.º, trata diversamente o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social, pois também o Código Penal e o Código da Estrada consignam princípios de sentido oposto, nesta matéria.
 
                     12.ª — Com efeito, o Código da Estrada, no artigo 134,º, n.º 3, desvia‑se do artigo 19.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social e do artigo 77.º do Código Penal, ao dispor que as coimas e as inibições de conduzir aplicadas acrescem simplesmente umas às outras entre si, configurando aquilo que geralmente é designado cumulação material.
 
                     13.ª — O legislador usou porém de alguma contenção relativamente aos pontos a subtrair, pois fixou como máxima a perda de seis pontos, no pressuposto de as infrações contraordenacionais terem sido cometidas num mesmo dia (contraordenação rodoviária continuada) e de se revelarem alheias ao consumo excessivo de álcool ou de psicotrópicos (cf. artigo 148.º, n.º 3).
                    
                     14.ª — No que diz respeito a infrações criminais, a lei fixou uniformemente a perda de seis pontos por cada inibição de conduzir aplicada nos termos do artigo 69.º do Código Penal ou do artigo 281.º do Código de Processo Penal, sem distinguir entre pena determinada singularmente e pena conjunta por efeito de concurso, nem distinguir injunção de inibição de conduzir calculada a partir da imputação de um só ou de vários ilícitos criminais conjuntamente.
 
                     15.ª — Assim, por cada condenação na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor, em conformidade com o artigo 69.º do Código Penal, determinada ou não por cúmulo jurídico, devem ser subtraídos apenas seis pontos ao saldo do condutor.
 
                     16.ª — De igual modo, são retirados seis pontos ao saldo do condutor por cada injunção de inibição de conduzir veículos a motor, em conformidade com o artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinada ou não por cúmulo jurídico, uma vez verificado o cumprimento e arquivado o inquérito pelo Ministério Público.
 
                     17.ª — Não obstante o cúmulo jurídico importar o apuramento concreto de penas parcelares com relação a cada um dos crimes praticados (cf. artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal), tais determinações parcelares visam principalmente definir os limites mínimo e máximo da pena conjunta a aplicar ao arguido, motivo por que só esta deve relevar para o cálculo dos pontos a subtrair ao saldo do condutor.
 
                     18.ª — A função das penas parcelares calculadas pelo julgador relativamente a cada uma das infrações é preparatória da pena conjunta a determinar pelo tribunal, segundo os factos e a personalidade do agente, não havendo razão para que as primeiras produzam efeitos além do caso julgado, sendo que outro tanto vale para o cúmulo de injunções no âmbito da suspensão provisória do processo penal.
 
                     19.ª — O reconhecimento de que o artigo 77.º do Código Penal conforma um verdadeiro concurso de penas, e não tanto um concurso de crimes (efetuado a montante), aclara a natureza do cúmulo jurídico ali disciplinado com o que isso representa na pena conjunta de inibição de conduzir e seu efeito redutor na pontuação associada à carta ou licença de condução do arguido.
 
                     20.ª — O entendimento da pena acessória conjunta como elemento determinante na interpretação e aplicação do artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada, é corroborado pela uniformização de jurisprudência levada a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão n.º 2/2018, de 11 de janeiro, ao assentar no cúmulo jurídico das penas acessórias em detrimento da cumulação material que impunha ao arguido plúrimas inibições de conduzir, a cumprir sucessivamente.  
 
                     21.ª — A ser ignorada a pena conjunta e, como tal, abatidos seis pontos por cada uma das penas parcelares, a perda absoluta de pontuação ocorreria de imediato com demasiada frequência, comprometendo o objetivo de dissuadir a reincidência do ilícito rodoviário, não só em delitos criminais, como também em contraordenações graves ou muito graves.
 
                     22.ª — O efeito mais restritivo — a cassação da carta ou licença de condução — advém, se for caso disso, depois de cumprida a inibição de conduzir.
 
                     23.ª — Se a perda de pontos for calculada a partir das várias infrações penais e respetivas condenações, uma a uma, o esgotamento dos doze pontos só não acontece por exceção, posto que o mínimo a reduzir corresponderia em tal caso a esses mesmos doze pontos (seis por cada pena parcelar de inibição, sendo duas, pelo menos).
 
                     24.ª — Se, por hipótese, a pontuação ficasse sistematicamente esgotada por efeito de pena conjunta, diminuir-se-ia consideravelmente a finalidade da pena acessória e a razão de ser das injunções acordadas no âmbito da suspensão provisória do processo penal.
 
                     25.ª — A ser alvitrado que, de outro modo, se subestimaria a prevenção contra a especial perigosidade evidenciada por certo agente condenado por múltiplas infrações penais de índole rodoviária, deve retorquir-se que é justamente com tal desiderato que se prevê, no artigo 101.º do Código Penal, a cassação judicial da carta ou licença de condução, acrescida, ou não, da interdição de vir a obtê-la, de novo, decretada como medida de segurança, independentemente da inimputabilidade do arguido.
 
                     26.ª — Do ponto de vista sintático, o disposto no n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada mostra-se inequívoco quanto a imputar a perda de pontos à condenação em pena acessória ou ao cumprimento de injunção inibitória, empregando o singular sem distinções: condenação, pena e injunção.
 
                     27.ª — Argumentar a contrario sensu que o legislador quis, deliberadamente, moderar a perda de pontos apenas no domínio contraordenacional — e, mesmo assim, com condicionalismos apertados (cf. artigo 148.º, n.º 3, do Código da Estrada) — pode revelar-se falacioso, pois há que contar com o diferente acolhimento que o Código Penal e o Código da Estrada prestam à pluralidade de sanções.
 
                     28.ª — Não se descortina motivo dirimente para aconselhar interpretação corretiva ou sequer extensiva, como tão-pouco se justifica pugnar por interpretação conforme ao artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, de modo a fazer radicar a perda de pontos no crime ou crimes perpetrados, no lugar da pena aplicada ou da injunção acordada.
 
                     29.ª — A conformidade com o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, não está em causa. Primeiro, porque a inibição de conduzir veículos a motor está circunscrita a infrações próprias da condução automóvel ou em estreita correlação, todas elas especificadas no artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal, e para cujo enunciado remete o Código de Processo Penal, no artigo 281.º, n.º 3, para efeito de injunção.
 
                     30.ª — Com efeito, a perda de pontuação pelo condutor pode ser filiada no artigo 65.º, n.º 2, do Código Penal, sendo que por esta norma o legislador conformou o âmbito de proteção da garantia constitucional, dela excluindo restrições ao exercício de direitos, inclusivamente profissionais, por falta de idoneidade aferida por certos crimes cometidos, contanto que em perfeita adequação e com razoabilidade, nomeadamente para saber da confiança comunitária em determinada pessoa para aceder ou prosseguir o uso de certos meios que, abusados ou desviados dos fins legítimos, constituem fator de risco elevado e de alarme social.
 
                     31.ª — Não se justifica fazê-lo, pois a interpretação declarativa do artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada não colide com o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, por uma outra razão, qual seja a de a perda de pontos, não obstante decorrer automaticamente de pena acessória ou de injunção cumprida, não representar a perda de um direito.
 
                     32.ª — Apenas a faculdade de conduzir veículos com motor, segundo a categoria específica da habilitação, constitui um direito do condutor e esse não é perdido automaticamente, mas no termo do procedimento próprio, já mencionado, e segundo valoração diversa da que presidiu à aplicação das inibições de conduzir precedentes.
 
                     33.ª — Tal faculdade não integra o conteúdo do direito de deslocação (cf. artigo 44.º, n.º 1, da Constituição) nem sequer pode reconhecer-se como direito fundamental em sentido material, no âmbito daqueles a que se refere o artigo 16.º, n.º 1, da Constituição, sempre consagrados pela lei ou pelo direito internacional.
 
                     34.ª — Não decorre do referido direito fundamental nem da liberdade de circulação senão um interesse constitucionalmente protegido na obtenção e conservação de título válido para conduzir veículos a motor (carta de condução, licença ou outro), e, sendo caso disso, na renovação, de modo semelhante ao que ocorre com outras formas de deslocação terrestre, aérea e marítima.
                    
                     35.ª — Interesse cuja proteção constitucional se manifesta nas normas atinentes à habilitação legal para conduzir e na oposição a restrições arbitrárias.
 
                     36.ª — O direito a conduzir determinados veículos com motor é constituído por ato administrativo, o qual, dando por verificados os pressupostos e requisitos legais, permite ao titular da habilitação praticar uma atividade relativamente proibida e, como tal, sob reserva da confiança depositada pela comunidade nos conhecimentos teóricos e práticos do condutor, na sua aptidão psicomotora e no compromisso demonstrado para com a segurança na estrada.
 
                     37.ª — Trata-se, pois então, de direito subjetivo público que todavia não pertence a nenhuma das categorias de direitos, enunciadas pelo artigo 30.º, n.º 4, da Constituição — direitos civis, profissionais ou políticos.
 
                     38.ª — Nem por isso tal direito fica à mercê de eventual arbítrio da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária ou do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., pois as condições que levam à sua ablação encontram-se integralmente subordinadas ao princípio da legalidade administrativa, imunes a considerações de mérito ou oportunidade.
 
                     39.ª — Bem assim, os tribunais comuns, seja no julgamento por infração criminal, seja no conhecimento de recurso contraordenacional, encontram-se vinculados pela lei e pelos princípios gerais, limitando-se a determinar a pena de inibição por tempo determinado (cf. artigo 69.º do Código Penal) a cassação ou mesmo a interdição de obter ou voltar a obter carta de condução, como medidas de segurança, por razões de especial perigosidade concretamente evidenciadas pelo condutor (cf. artigo 101.º).
 
                     40.ª — Por último, a perda de pontuação não é definitiva nem produz efeitos perpétuos ou indeterminados como aqueles que se encontram vedados à generalidade das sanções através do artigo 30.º, n.º 1, da Constituição. Pelo contrário, é reversível progressivamente, pois basta ao condutor, no triénio subsequente, não reincidir em infrações que justifiquem nova inibição de conduzir para logo iniciar a recuperação dos pontos subtraídos.
 
        MARIA DE FÁTIMA DA GRAÇA CARVALHO
 
 
 
                       DECLARAÇÃO DE VOTO
 
Votei o parecer, em toda sua extensão, embora sem aderir, desde já, à tese de que o artigo 77.º do Código Penal respeita a um verdadeiro concurso de apenas e não tanto a um concurso de infrações, tal como se refere na 19.ª conclusão, com referência ao exposto a página 90.
 
De facto, para além da epígrafe e da inserção sistemática da norma em questão, afigura-se-me que o concurso de crimes continua a ser o elemento determinante, apelando o legislador à consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente no estabelecimento das suas consequências jurídicas, ou seja, da sua punição através do cúmulo jurídico. Por outro lado, penso ser esse o entendimento predominante e que é, aliás, expressamente acolhido pelo STJ no acórdão de uniformização de jurisprudência de 11 de janeiro de 2018 (citado na conclusão seguinte do parecer e no qual este também se baseou), que refere que «o artigo 77.º versa sobre concurso de crimes que não propriamente de penas» (página 15).
 
Poder-se-á tratar de mera questão terminológica, embora a explicitação e as citações constantes de página 90 do parecer permitam vislumbrar alguma dimensão conceptual.
 
De qualquer modo, não se me afigurando essencial para a solução da questão objeto deste parecer a aceitação da referida tese, abstenho-me, apenas nesta parte, de aderir à fundamentação.
 
                    
 
 
 
 
 
 
JOÃO EDUARDO CURA MARIANO ESTEVES
 
 
 
                DECLARAÇÃO DE VOTO
 
 
Não acompanho a fundamentação do parecer na parte em que procede à interpretação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, admitindo que possam ter lugar efeitos automáticos de uma condenação que adensem e perpetuem, em infração ao princípio constitucional da ressocialização, o estigma da reprovação social, com fundamento numa distinção ilusória de efeitos das penas e efeitos do crime.
 
 
              
               CATARINA SARMENTO E CASTRO
 
 
 
                         DECLARAÇÃO DE VOTO
 
 
 
Subscrevo o presente Parecer, apenas não acompanhando na parte em que afasta o juízo com base no artigo 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, plasmado nas conclusões 29.ª e 30.ª, antes seguindo, nessa parte, a posição que reiteradamente defendi no Tribunal Constitucional (v.g. no Acórdão n.º 376/2018).
 
No entanto, já que, como se afirma na conclusão 31.ª, não está em causa a perda de um direito, não chegaria, neste caso, a uma solução inconstitucionalidade, acompanhando, nesta perspetiva, o Parecer.
 
 
 

 
 
[1] A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária constitui, nos termos do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de março, «um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa» (cf. artigo 1.º) que tem por missão «o planeamento e coordenação a nível nacional de apoio à política do Governo em matéria de segurança rodoviária, bem como a aplicação do direito contraordenacional rodoviário» (cf. artigo 2.º, n.º 1). Encontra-se sob a direção do Ministro da Administração Interna, de acordo com o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 126-B/2011, de 29 de dezembro (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 161-A/2013, de 2 de dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 112/2014, de 11 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 163/2014, de 31 de outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio).

[2] Referimo-nos ao Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na redação conferida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (15.ª versão).

[3] Ofício n.º 227962/2019/UFTC/ANSR, entrado na Procuradoria-Geral da República em19 de junho de 2019.

[4] Refira-se MARIA TERESA LUME, Código da Estrada Anotado, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 117 e seguintes, p. 151 e seguintes; Contraordenações ao Código da Estrada, Ed. Almedina, Coimbra, 2017, p. 119 e seguintes; INDALÉCIO SOUSA/ CÍNTIA ANDRADE, Contraordenações Rodoviárias, Ed. Almedina, Coimbra, 2019.

[5] O pedido de consulta foi presente ao relator em 10 de julho de 2019, distribuído para parecer da 1.ª espécie, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

[6] Foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 39 932, de 24 de novembro de 1954, pelo Decreto-Lei n.º 40 275, de 8 de agosto de 1955, pelo Decreto-Lei n.º 42 102, de 15 de janeiro de 1959, pelo Decreto-Lei n.º 44 968, de 9 de abril de 1963, pelo Decreto n.º 47 070, de 4 de abril de 1966, pelo Decreto-Lei n.º 48 744, de 5 de dezembro de 1968, pelo Decreto-Lei n.º 48 890, de 17 de fevereiro de 1969, pelo Decreto-Lei n.º 49 193, de 18 de agosto de 1969, pelo Decreto-Lei n.º 49 308, de 20 de outubro de 1969, pela Lei n.º 5/70, de 6 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 529/72, de 19 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 419/73, de 21 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 207/76, de 20 de março, pelo Decreto-Lei n.º 266/76, de pelo Decreto-Lei n.º 910/76, de 31 de dezembro, pelo Decreto Regulamentar n.º 41/77, de 16 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 143/79, de 23 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 337/79, de 24 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 146/80, de 22 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 457/80, de 10 de outubro, pelo Decreto Regulamentar n.º 22/81, de 3 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 6/82, de 12 de janeiro, pelo Decreto Regulamentar n.º 4/82, de 15 de janeiro, pelo Decreto Regulamentar n.º 10/82, de 4 de março, pelo Decreto-Lei n.º 376/82, de 13 de setembro, pelo Decreto Regulamentar n.º 65/82, de 28 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 461/82, de 26 de novembro, pelo Decreto Regulamentar n.º 28/85, de 9 de maio, pelo Decreto Regulamentar n.º 30/85, de 9 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 290/86, de 10 de setembro, pelo Decreto Regulamentar n.º 47/87, de 29 de julho pelo Decreto-Lei n.º 95/89, de 28 de março, pelo Decreto-Lei n.º 239/89, de 26 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 240/89, de 26 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 272/89, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 194/90, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 268/91, de 6 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 2/91, de 5 de janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 270/92, de 30 de novembro.

[7] V. Plano Rodoviário Nacional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de maio de 1945, com alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n,º 36 554, de 24 de outubro de 1947.

[8] O número de automóveis em utilização elevara-se ao quíntuplo desde 1926 (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39 672, de 20 de maio de 1954).

[9] As manobras perigosas eram discriminadas no mesmo preceito. Vieram com o passar do tempo a conhecer ampliações no seu catálogo, com vista, em muitos casos, a refletir inovações na sinalização ou em outros dispositivos de segurança (v.g. traço contínuo).

[10] Desde a sua entrada em vigor, conheceu várias redações sucessivas por via de aditamentos, alterações e revogações introduzidas pelos diplomas seguintes: (i) Decreto-Lei n.º 214/96, de 20 de novembro, (ii) Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro (Cf. Declaração de Retificação n.º 1-A/98, de 31 de janeiro), (iii) Decreto-Lei n.º 162/2001, de 22 de maio (Cf. Declaração de Retificação n.º 13-A/2001, de 24 de maio), (iv) Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de setembro (Cf. Declaração de Retificação n.º 19-B/2001, de 29 de setembro), (v) Lei n.º 1/2002, de 2 de janeiro, Lei n.º 20/2002, de 21 de agosto, (vi) Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro, (vii) Decreto-Lei n.º 113/2008, de 1 de julho, (viii) Decreto-Lei n.º 113/2009, de 23 de maio, (ix) Lei n.º 78/2009, de 13 de agosto, (ix) Lei n.º 46/2010, de 7 de setembro, (x) Decreto-Lei n.º 82/2011, de 20 de junho, (xi) Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho, (xii) Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro, (xiii) Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, (xiv) Decreto-Lei n.º 40/2016, de 29 de julho, (xv) Lei n.º 47/2017, de 7 de julho, (xvi) Decreto-Lei n.º 151/2017, de 7 de dezembro, e (xvii) Decreto-Lei n.º 107/2018, de 29 de novembro.

[11] Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com a redação retificada e publicada in Diário da República, Série I, 6 de janeiro de 1983. A primeira alteração resultou do Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, retificada conforme declaração publicada in Diário da República, Série I, de 31 de outubro de 1989. Veio a conhecer nova revisão com o Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, e duas alterações subsequentes: a primeira, por via do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro; a segunda, através da Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.

[12] Aliás, só recentemente fora instituído o dever de os tribunais remeterem à Direção-Geral de Viação nota das sentenças de interdição do exercício da condução (alterações ao Código da Estrada efetuadas pelo Decreto-Lei n.º 268/91, de 6 de agosto). Algo que outrora tinha sido praticado, mas que entretanto deixara de ter base legal.

[13] Veio a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 105/2006, de 27 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 130/2009, de 1 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 80/2016, de 28 de novembro.

[14] Diário da República, I Série, n.º 299, de 30 de dezembro de 1986.

[15] Já anteriormente, a Comissão Constitucional julgara inconstitucional esta mesma norma, em outro segmento, nos Acórdãos n.º 164, de 10 de julho de 1979, n.º 198, de 29 de abril de 1980, e n.º 217, de 27 de maio de 1980, tendo o Conselho da Revolução vindo a declarar inconstitucional com força obrigatória geral o aludido trecho: «O pagamento voluntário da multa feito depois de instaurado o processo equivale à condenação». Isto, porque permitia a aplicação da inibição da faculdade de conduzir enquanto efeito automático do pagamento e, assim, independentemente da audiência de julgamento e da possibilidade efetiva da constituição de defensor e da presença e audiência do arguido (cf. Resolução do Conselho da Revolução n.º 259/80, de 26 de junho, in Diário da República, I Série, n.º 161, de 15 de julho de 1980).

[16] Redação atribuída pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro (I Revisão Constitucional).

[17] Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 40 768, de 8 de setembro de 1956. Apesar das modificações que conheceu até à sua revogação pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, o teor do artigo 19.º e do seu § único permaneceram inalterados. Nem por isso, contudo, deixaria o Supremo Tribunal Administrativo de se libertar de uma interpretação demasiado literal do preceito: «O exercício de poderes discricionários só pode ser atacado contenciosamente com fundamento em desvio de poder. § Único. A anulação por desvio de poder terá lugar sempre que da prova exibida resultar para o Tribunal a convicção de que o motivo principalmente determinante da prática do ato recorrido não condizia com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário».

[18] Diário da República, I Série, n.º 182, de 8 de agosto de 1990.

[19] Preceito aditado com a revisão aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro.

[20] Interroga-se em declaração de voto o Senhor Conselheiro CARDOSO DA COSTA sobre se não assistiria razão, a final, à leitura por que vinha pugnando o Senhor Conselheiro MÁRIO TORRES, no sentido de que decorreria do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição ser proibido um efeito automático às penas, mas não aos crimes cometidos, no pressuposto de revelarem inaptidão ou perda de idoneidade do agente para desempenhar certas funções ou desenvolver determinadas atividades (Revista do Ministério Público, ano 7.º, n.º 25, 1986, p. 111, e n.º 26, 1986, p. 161).

[21] Lei 89-496, de 10 de julho de 1989, que introduziu no Code de la Route os artigos L223-1 a L223‑8. A entrada em vigor do «permis de conduire a points» teve lugar em 1 de julho de 1992.

[22] Trata-se do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de maio.

[23] Referimo-nos ao Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, na atual redação que tomámos do texto amplamente revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março (Cf. Declaração de retificação n.º 73-A/95, de 14 de junho) com as sucessivas alterações introduzidas (i) pela Lei n.º 90/97, de 30 de julho, (ii) pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, (iii) pela Lei n.º 7/2000, de 27 de maio, (iv) pela Lei n.º 77/2001, de 13 de julho, (v) pela Lei n.º 97/2001 (vi) pela Lei n.º 98/2001, (vii) pela Lei n.º 99/2001 (viii) pela Lei n.º 100/2001, (ix) e pela Lei n.º 101/2001, todas de 25 de agosto, (x) pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, (xi) pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, (xii) pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, (xiii) pela Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro, (xiv) pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, (xv) pela Lei n.º 11/2004, de 27 de março (Cf. Declaração de retificação n.º 45/2004, de 5 de junho), (xvi) pela Lei n.º 31/2004, de 22 de julho, (xvii) pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (xviii) pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, (xix) pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro (Cf. Declaração de retificação n.º 102/2007, de 31 de outubro), (xx) pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, (xxi) pela Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro, (xxii) pela Lei n.º 40/2010, de 3 de setembro, (xxiii) pela Lei n.º 4/2011, de 16 de fevereiro, (xxiv) pela Lei n.º 56/2011, de 15 de novembro, (xxv) pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, (xxvi) pela Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto, (xxvii) pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, (xxviii) pela Lei n.º 59/2014, de 26 de agosto, (xxix) pela Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, (xxx) pela Lei n.º 82/2014, de 30 de dezembro, (xxxi) pela Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro, (xxxii) pela Lei n.º 81/2015, de 3 de agosto, (xxxiii) pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, (xxxiv) pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, (xxxv) pela Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto, (xxxvi) pela Lei n.º 39/2016, de 19 de dezembro, (xxxvii) pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março, (xxxviii) pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, (xxxix) pela Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, (xl) pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, (xli) pela Lei n.º 16/2018, de 27 de março, (xlii) pela Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, (xliii) pela Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro, e (xliv) pela Lei n.º 102/2019, da mesma data.

[24] O Código de Processo Penal foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro (Retificação publicada em 31 de março de 1987) tendo conhecido modificações sucessivas por efeito dos seguintes atos legislativos: (i) Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de dezembro, (ii) Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de junho, (iii) Lei n.º 57/91, de 13 de agosto, (iv) Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, (v) Decreto-Lei n.º 343/93, de 1 de outubro, (vi) Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de novembro, (vii) Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, (viii) Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, (ix) Lei n.º 7/2000, de 27 de maio, (x) Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro, (xi) Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro (Retificação publicada em 31 de março de 2000), (xii) Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto (Retificação publicada em 29 de outubro de 2003), (xiii) Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, (xiv) Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto (Retificação publicada em 26 de outubro de 2007), (xv) Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, (xvi) Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, (xvii) Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, (xviii) Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, (xix) Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro (Retificação publicada em 19 de abril de 2013), (xx) Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, (xxi) Lei n.º 27/2015, de 14 de abril, (xxii) Lei n.º 58/2015, de 23 de junho, (xxiii) Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, (xxiv) Lei n.º 1/2016, de 25 de fevereiro, (xxv) Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, (xxvi) Lei n.º 24/2017, de 23 de agosto, (xvii) Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, (xviii) Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, (xxix) Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, (xxx) Lei n.º 1/2018, de 29 de janeiro, (xxxi) Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, (xxxii) Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, (xxxiii) Lei n.º 27/2019, de 28 de março, (xxxiv) Lei n.º 33/2019, de 22 de maio, (xxxv) pela Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro, e (xxxvi) pela Lei n.º 102/2019, da mesma data.
 

[25] Não por impugnação do ato praticado pela autoridade administrativa nem em recurso interposto apenas pelo arguido de decisão judicial, ou no seu exclusivo interesse, de acordo com a proibição de reformatio in pejus consignada no artigo 72.º-A, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações.

[26] Regime Geral das Contraordenações, 10.ª ed., Ed. Almedina, Coimbra, 2014, p. 81.

[27] «Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime». Apesar de literalmente a garantia constitucional sugerir-se confinada a um duplo julgamento, a verdade é que dali decorre igualmente a proibição de reincidir na aplicação de sanções iguais pelo mesmo crime. V. por todos, J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Ed. Coimbra, 2007, p. 497 e seguinte: «A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infração, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do ‘mesmo crime’. Não se reconduz à ‘prática do mesmo crime’ o sancionamento de uma conduta como infração disciplinar e como crime (Acórdão TC n.º 263/94) e como crime e como contraordenação (Acórdão do TC n.º 244/94)».

[28] Recurso criminal n.º 30/11.7GAMIR.C1.

[29] Recurso criminal n.º 232/13.1GBTCS.C1.

[30] Rec.º72/11.2GDSRT.C1.

[31] Rec.º136/14.0GCACB.C1.

[32] Rec.º240/14.5GBPTL.G1.

[33] Cf. M. MIGUEZ GARCIA/ J. M. CASTELA RIO, Código Penal – Parte geral e especial com notas e comentários, 2.ª ed., Coimbra, 2015, p. 451.

[34] O conhecimento de tal interdição é veiculado pelo Registo de Infrações de Não Condutores (Decreto-Lei n.º 98/2006, de 6 de junho). Tal registo contempla, além de indivíduos sem carta de condução, as pessoas coletivas, os instrutores e diretores das escolas de condução, assim como os titulares do alvará respetivo, os examinadores e outros responsáveis dos centros de exames, as entidades autorizadas a exercer a atividade de inspeção de veículos e os seus respetivos técnicos e inspetores (cf. artigo 1.º, n.º 1).

[35] Alterada pela Diretiva n.º 1/2015, de 30 de abril.

[36] Rec.º307/13.7GAALJ-G1.

[37] Diário da República, 1.ª Série, n.º 115, de 16 de junho de 2017.

[38] Coletânea de Jurisprudência, 2014, Tomo 1, p. 302.

[39] Rec.º7/13.8PTBRG.G1.

[40] Rec.º272/15.6GCLSA.C1.

[41] 4.ª Secção, Proc.º 1316/10.3PTPRT.P2.

[42] 5.ª Secção, Proc.º 79/10.7GCSEI.C1.

[43] Coletânea de Jurisprudência, 2013, Tomo 3, p. 47.

[44] 3.ª Secção, Proc.º 15/08.0GAVRL.P1.S1.

[45] Diário da República, 1.ª Série, n.º 31, de 13 de fevereiro de 2018.

[46] Limite que é ligeiramente majorado se tal situação se observar ao revalidar a carta de condução e se o condutor tiver frequentado, por iniciativa própria, ações de formação: uma, pelo menos.

[47] Zona de coexistência é, nos termos da alínea bb) do artigo 1.º do Código da Estrada, a «zona de via pública especialmente concebida para utilização partilhada por peões e veículos, onde vigoram regras especiais de trânsito e sinalizada como tal».

[48] Fiscalização da Constitucionalidade, Ed. Almedina, Coimbra, 2017, p. 84.

[49] Cf. CRISTINA QUEIROZ, Justiça Constitucional, Ed. Petrony, Lisboa, 2017, p. 220 e seguinte.

[50] MÁRIO TORRES, Suspensão e demissão de funcionários e agentes como efeito de pronúncia ou condenação criminais, Revista do Ministério Público, n.º 25 (1986), p. 119 e seguintes

[51] Diário da República, Série I-A, n.º 157, de 10 de julho de 1992. O Acórdão contou vários votos de vencido e seria anotado muito criticamente por PEDRO CAEIRO (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, abril-dezembro 1993, p. 553 e seguintes).

[52] Penas acessórias — Cúmulo jurídico ou cúmulo material (a resposta que a lei [não] dá), Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3945, Ano 136 (2007), p. 322 e seguintes.

[53] Idem, p. 324.

[54] Idem, p. 324 e seguinte.

[55] Idem, p. 325 e seguinte. De igual modo, considerando que a inelegibilidade subsequente à perda de mandato por condenação penal no exercício de cargo político é uma medida de segurança e, por isso, alheia ao âmbito do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, v. MÁRIO FERREIRA MONTE, A perda de mandato e a inelegibilidade emergente de crimes praticados no exercício de cargos públicos (Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 771/2009, de 23 de setembro de 2009, Direito Regional e Local, n.º 8 (2009), p. 56 e seguintes).
 

[56] V. MARIA TERESA LUME, Código da Estrada Anotado, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 153.

[57] V. J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Ed. Coimbra, 3.ª ed., 1993, p. 198. Sustentam os autores não haver razões para distinguir entre efeitos automáticos das penas e da condenação por certos crimes, referindo-se a uma identidade de razão. Todavia, em ulterior edição (I, 4.ª edição, Coimbra, 2007) pode ler-se o seguinte: «Problemática é a questão de saber se a proibição automática da perda de direitos como consequência de condenação penal, a qual pressupõe que o condenado goza desses direitos, vale também para os muitos casos de inibições, em que a lei impede o exercício de certos direitos ou o acesso a certas atividades profissionais ou económicas a quem tenha sido condenado [por] certos crimes. A questão é especialmente delicada nos casos em que a lei não prevê nenhum prazo de caducidade de tais inibições» (p. 505). Aproximadamente, PEDRO CAEIRO (Sanção de inibição da faculdade de conduzir: anotação a Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de abril de 1992), in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, fasc.2-4 (1993), considera que «as normas que imponham a produção automática de efeitos penais (‘efeitos das penas’) devem ser consideradas inconstitucionais desde 1982 e os ‘efeitos de crimes’ (cf. artigo 69.º, n.º 2, do CP) não constituem uma categoria a se, só podendo relevar através do mecanismo das penas acessórias» (p. 566). O que deve acontecer, na opinião do Autor, é que o tribunal decrete medidas de segurança acessórias segundo um juízo de perigosidade criminal (p. 567); PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Ed. Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2008, p. 219 e seguinte.

[58] V.g. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 16/84, de 15 de fevereiro de 1984 (Proc.º 27/83) que julgou inconstitucional certa norma do Código de Justiça Militar por impor a demissão do oficial, sargento ou praça como consequência da condenação por determinados crimes; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 165/86, de 20 de abril de 1986 (Proc.º 311/85), ao declarar inconstitucional com força obrigatória geral a mesma norma; Acórdão n.º 91/84, de 29 de agosto de 1984 (Proc.º 137/84) por meio do qual o Tribunal Constitucional se pronunciou pela inconstitucionalidade de norma regional da Madeira que associava ao crime de descaminho o encerramento dos estabelecimentos de bordado protegido e a proibição de exercer a atividade em modo industrial; Acórdão n.º 282/86, de 21 de outubro de 1986, com declaração de inconstitucionalidade a recair sobre o cancelamento da inscrição de técnicos de contas por efeito de certas penas disciplinares aplicadas aos mesmos; Acórdão n.º 562/2003 (Proc.º 577/99), pelo qual, o Tribunal Constitucional entendeu ser de declarar com força obrigatória geral de norma restringindo a certa promoção de militares da Guarda Nacional Republicana ao efeito do cumprimento superior a 20 dias de uma ou mais penas de detenção; Acórdão, n.º 771/2009, de 23 de setembro de 2009, que julgou inconstitucional a inelegibilidade de candidato em eleições autárquicas por ter perdido o mandato anterior na sequência de condenação penal por crimes previstos e punidos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho (responsabilidade por crimes no desempenho de cargos políticos e outros cargos públicos).

[59] O primeiro dos arestos referenciados na nota que imediatamente antecede mereceu crítica desfavorável da parte do Conselheiro MÁRIO TORRES (Suspensão e demissão de funcionários e agentes como efeito de pronúncia ou condenação criminais, Revista do Ministério Público, n.º 25 e n.º 26, 1986, Lisboa).

[60] Proc.º 109/89.

[61] Votaram vencidos os Senhores Conselheiros MÁRIO DE BRITO, MESSIAS BENTO E JOSÉ DE SOUSA BRITO.

[62]                                                                     «Artigo 29.º
(Efeitos das penas aplicadas a titulares de cargos políticos de natureza eletiva)
      Implica perda do respetivo mandato a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções dos seguintes titulares de cargo político:
         a) Presidente da Assembleia da República;
         b) Deputado à Assembleia da República;
         c) Deputado ao Parlamento Europeu;
         d) Deputado a assembleia regional;
         e) Deputado à Assembleia Legislativa de Macau;
         f) Membro de órgão representativo de autarquia local».

[63] Proc.º 132/2014.

[64] Proc.º 417/94.

[65] Proc.º 379/96.

[66] Proc.º 574/2000.

[67] Proc.º 991/08.

[68] Proc.º 823/96. Tal aresto, embora albergando a leitura tradicional do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, acaba por revelar maior sensibilidade ao facto de a inibição de caçar em certas zonas cinegéticas surgir como efeito fixo e inabalável da condenação penal por crimes venatórios.

[69] Proc.º 858/11.

[70] Proc.º 167/16.

[71] Proc.º 725/2017

[72] Com voto de vencida da Conselheira MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS por considerar que tal norma era conforme com o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, precisamente no sentido do aresto por nós considerado paradigmático (o Acórdão n.º 748/2014, de 11 de novembro).

[73] Proc.º 109/93, in Diário da República Série I-A, n.º 298, de 23 de dezembro de 1993.

[74] Tratava-se de normas constantes da alínea c) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio (Lei Eleitoral do Presidente da República), da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 14/79, de 16 de maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República), da alínea c) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de agosto (Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa Regional dos Açores), e da alínea c) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de setembro (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais), e, por fim, do n.º 1 do artigo 29.º da Lei n.º 69/78, de 3 de novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral).

[75] EDUARDO CORREIA/ ANABELA MIRANDA RODRIGUES/ ANTÓNIO MANUEL DE ALMEIDA COSTA, Direito Criminal III (1)Lições do Prof. Eduardo Correia e dos Drs. Anabela Miranda Rodrigues e António Manuel de Almeida Costa, ao Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de Coimbra, Impresso por João Abrantes, Coimbra,1980.

[76] P. 243.

[77] P. 244. Sublinhados no original.

[78] P. 244 e seguinte. Sublinhados no original.

[79] P. 246. Sublinhados no original.

[80] P. 303. Sublinhados no original.

[81] Redação fixada nos termos da Declaração de Retificação n.º 28/2015, de 15 de Junho.

[82] Por que motivo haveria de ser interditado do exercício da profissão de engenheiro o arguido condenado por violação de regras de construção se ao tempo nem sequer se inscrevera na universidade?

[83] MANUEL SIMAS SANTOS/ PEDRO FREITAS, Código Penal – Atas e Projeto da Comissão de Revisão (Ministério da Justiça 1993), Ed. Rei dos Livros, Lisboa, 2018, p. 70.

[84] Idem, p. 517 e seguinte.

[85] Direito Penal Português – Parte Geral, II (As Consequências Jurídicas do Crime), Ed. Notícias, Lisboa, 1993, p. 159.

[86] Idem, p. 160.

[87] Lições de Direito Penal, II, Penas e Medidas de Segurança, reimpressão da edição de 1989, Ed. Almedina, Coimbra, 2010, p. 56 e seguinte.

[88] Sanção de inibição da faculdade de conduzir (anotação a Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de abril de 1992), loc. cit., p. 565.

[89] Revista do Ministério Público, n.º 25 (1986), p. 117.

[90] Diário da Assembleia da República, II Legislatura, Série II, 2.º suplemento ao n.º 6, de 28 de outubro de 1981, p. 70 (54).

[91] Proc.º109/93, in Diário da República, Série I-A, n.º 298, de 23 de dezembro de 1993.

[92] Proc.º 644/16.9PTPRT-A.P1.

[93] Da qual viria a resultar a Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, que introduziu o sistema de pontos na parte do regime da habilitação legal para conduzir que se encontra no Código da Estrada.

[94] Proc.º 176/16.6TBRG.G1.

[95] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.

[96] A habilitação pode contudo estribar-se em ato administrativo precário. O Código da Estrada consagra um regime probatório durante os três primeiros anos da habilitação a menos que o titular já se encontrasse legalmente habilitado a conduzir (cf. artigo 122.º, n.º 1). Ora, ao longo do regime probatório, há consequências desfavoráveis que precedem a definitividade do ato sancionatório ou o trânsito em julgado da sentença condenatória, pois a simples instauração de procedimento de que possa resultar a condenação por crime decorrente da violação de regras de circulação rodoviária ou a aplicação de coima pela primeira contraordenação muito grave ou segunda grave leva a prorrogar automaticamente o regime probatório até haver decisão (cf. n.º 3). Até findar este regime, a habilitação funda-se em ato administrativo precário, porquanto o título de condução é cancelado se o condutor for condenado por sanção administrativa definitiva ou sentença transitada em julgado «pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de uma segunda contraordenação grave» (cf. artigo 130.º, n.º 3, alínea a), do Código da Estrada.

[97] O Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir encontra-se aprovado pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 40/2016, de 29 de julho.

[98] Neste sentido, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 4.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, p. 238 e seguintes.

[99] Nos termos do artigo 121.º, n.º 4, do Código da Estrada, «o documento que titula a habilitação legal para conduzir ciclomotores, motociclos, triciclos, quadriciclos pesados e automóveis designa-se ‘carta de condução’». Já o documento que titula a habilitação legal para conduzir outros veículos a motor, designadamente tratores e outras máquinas agrícolas e florestais, designa-se «licença de condução» (cf. n.º 5). No artigo 125.º enunciam-se outros títulos, nomeadamente autorizações especiais e autorizações temporárias de condução (cf. n.º 1, alíneas h) e i)).

[100] Cf. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 6.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2019, p. 165.

[101] Cf. RUTH ABBEY, Rights, in Political Concepts: A Reader and Guide, (IAN MACKENZIE), Imprensa da Universidade de Edimburgo, 2005, p. 111 e seguinte.

[102] Direitos, liberdades e garantias — alguns aspetos gerais, Estudos sobre a Constituição, 1.º vol., obra coletiva, Livraria Petrony, Lisboa, 1977, p. 99.

[103] Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de Dezembro de 1966. Aprovado internamente para ratificação presidencial através da Lei n.º 29/78, de 12 de junho.

[104] Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução N.º 2200-A (XXI), de 16 de Dezembro de 1966. Aprovado internamente para ratificação presidencial através da Lei n.º 45/78, de 11 de julho.

[105] Direitos Fundamentais, 2.ª ed., Ed. Almedina, 2017, Coimbra, p. 145.

[106] Efeitos naturais das penas privativas da liberdade são aqueles que decorrem da própria reclusão. Assim, o preso, pela sua condição sofre compressão em múltiplos direitos e liberdades: no direito de deslocação, na escolha ou exercício da profissão, na liberdade de reunião, no direito de manifestação ou na iniciativa económica privada. Ora, mesmo não estando judicialmente inibido de conduzir, encontra-se impedido de o fazer (fora do espaço penitenciário) pela pena a executar.

[107] Constituição da República Portuguesa Anotada, I, cit., p. 671 e seguinte.

[108] V. FAUSTO CUOCOLO, Istituzioni di Diritto Pubblico, 8.ª ed., Ed., Giuffrè, Milão, 1994, p. 703

[109] Não se compreende o motivo por que J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA referem o direito a conduzir automóveis como sendo um direito civil para este efeito (artigo 30.º, n.º 4, da Constituição) a par dos direitos que integram a capacidade civil (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Ed. Coimbra, 2007, p. 505).

[110] Direitos Fundamentais, p. 79 e seguintes.

[111] 1.ª Secção, proc.º 87/05.

[112] Estava em causa a desaplicação pelas instâncias da alínea c) do n.º 2, do artigo 1.º da Lei n.º 22/97, de 7 de julho, e que, ao tempo, já fora revogada.

[113] V. artigo 4.º, n.º 2, da Lei de Bases da Política de Solos, do Ordenamento do Território e do Urbanismo: «O direito de propriedade privada e os demais direitos relativos ao solo são ponderados e conformados no quadro das relações jurídicas de ordenamento do território e de urbanismo, com princípios e valores constitucionais protegidos, nomeadamente nos domínios da defesa nacional, do ambiente, da cultura e do património cultural, da paisagem, da saúde pública, da educação, da habitação, da qualidade de vida e do desenvolvimento económico e social» (Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, com uma alteração introduzida pela Lei nº 74/2017, de 16 de agosto).

[114] De modo muito uniforme, pelo menos desde o Acórdão n.º 341/86, de 10 de dezembro de 1986, até ao que se julga ser o mais recentemente acórdão proferido acerca da questão (Acórdão n.º 608/2017, de 3 de outubro de 2017).

[115] V., por todos, FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, I, 4.ª ed., Ed. Almedina, Coimbra, p. 830 e seguintes.

[116] O Concurso de Penas: Estudo sobre o Conceito de Concurso de Penas e os Pressupostos e Requisitos para a Realização do Cúmulo Jurídico de Penas no Código Penal Português (Redações de 1982 e 1995), Ed. Coimbra, 1997, p. 8 e seguintes.

[117] Em sentido preferente por esta designação, v. JOSÉ LOBO MOUTINHO, Da unidade à pluralidade dos crimes no direito penal português, Ed. Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2005, p. 1238 e seguinte. Opõe que ‘sucessão de penas’ não se acomoda à pluralidade de multas penais. Sugere para os casos de pena única, falar-se de concurso de crimes, para os casos de reiteração de crimes, em acumulação de crimes, e para os demais casos, sucessão de crimes (p. 1239).

[118] Idem, p. 21.

[119] Única, e não unitária, como observa JOSÉ LOBO MOUTINHO, ob. citada, p. 1254 e seguintes, por não dispensar a pluralidade de penas concretamente determinadas. A pena unitária, por sua vez, pelo menos, no direito germânico, designa o «grau mais elevado da unidade da pena estabelecida como consequência jurídica do concurso, grau esse caracterizado, não simplesmente pela existência de uma avaliação conjunta dos factos e do agente, mas antes pelo facto de que essa avaliação é a única avaliação concreta que é realizada e a ela se procede diretamente em relação a um tipo de pena (uma penalidade) estabelecido de modo abstrato» (p. 1257). E explica ademais: «Assim, em tese, a pena única, consoante o grau da respetiva unidade, pode ser conjunta ou unitária e aquela que o Código estabelece é conjunta» (p. 1263).

[120] Sem prejuízo do concurso superveniente previsto no artigo 78.º do Código Penal.

[121] JOSÉ LOBO MOUTINHO, loc. cit., p. 1262.

[122] Idem, p. 1269.

[123] Ibidem, p. 1291.

[124] Ibidem, p. 1341.

[125] 3.ª Secção, Proc.º 86/08.OGBOVR.P1.S1.

[126] Recurso criminal n.º 627/14.3PBCBR.C1.

[127] 5.ª Secção, Rec.º556/07.7GABRR-A.L1.

[128] As penas no concurso de crimes, Revista do Centro de Estudos Judiciários, n.º 13, 2010, p. 119

[129] Acerca dos argumentos de inferência lógica, em especial do argumento a contrario sensu, e do risco que potencia o seu emprego falacioso ou precipitado, v. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 7.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian Lisboa, 2014, p. 554 e seguinte.
 
Anotações
Legislação: 
L 116/2015 DE 2015/08/28; COD ESTRADA ART121-A ART148 ART134; DL 317/94 DE 1994/12/24; CPP ART281 N3 ART282; CP ART77 N2 ART69 ART101; L 1/1982 DE 1982/09/30; CRP76 ART30 N4 ART29 N5; DL 44/2005 DE 2005/02/23; L 72/2013 DE 2013/09/03; RGCO ART72 ART19;
 
Jurisprudência: 
AC TRIB CONST 274/90 DE 1990/10/17; AC TRIB CONST 35/2004 DE 2004/02/21; AC TRIB CONST 243/2007 DE 2007/03/30; AC TRIB CONST 224/90 DE 1990/06/26;
AC STJ N 2/2018 DE 11/01/2018 IN DR 13/01/2018; AC STJ DE 31/10/2012, PROC. 15/08.OGAVRL.P1.S1; AC STJ DE 2012/11/21, PROC. 86/08.OGBOVR.P1.S1; AC STJ 4/2017 DE 2017/04/27 IN DR 2017/06/16;
AC TRIB RELAC GUIMARÃES DE 2016/10/10, REC 307/13.7GAALJ-G1; AC TRIB REL GUIMARÃES DE 2017/01/23, PROC. 176/16.6TBRG.G1;
AC TRIB REL PORTO DE 2013/03/13, PROC 1316/10.3PTPRT.P2; AC TRIB REL PORTO DE 2018/05/09, PROC 644/16.9PTPRT-A.P1;
AC REL COIMBRA DE 2012/03/28, PROC 79/10.7GCSEI.C1: AC TRIB REL COIMBRA DE 2014/12/13; AC REL COIMBRA DE 2015/06/16, PROC 627/14.3PBCBR.C1; AC REL COIMBRA DE 2012/11/07, REC 30/11.GAMIR.C1; AC REL COIMBRA DE 2017/03/08, REC 232/13.1GBTCS.C1; AC REL COIMBRA DE 2015/01/14, REC 72/11.2GDSLT.C1; AC REL COIMBRA DE 2015/03/18, REC 136/14OGCACB.C1;
AC DO TRIB REL LISBOA DE 2013/06/04; 
Referências Complementares: 
DIR CONST/ DIR CRIM / DIR PROC PENAL /DIR ADM
 
DIRECTIVA 1/2014 DA PGR DE 16 DE JAN
DIRECTIVA 1/2015 DE 30 ABRIL
 
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