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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
45/1997, de 16.12.1997
Data do Parecer: 
16-12-1997
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
GUARDA PRISIONAL
SERVIÇOS ESSENCIAIS
DIREITO À GREVE
SERVIÇOS PRISIONAIS
GREVE
NECESSIDADE SOCIAL IMPRETERÍVEL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÍNIMOS
SEGURANÇA DAS INSTALAÇÕES
FUNÇÃO PÚBLICA
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
GREVISTA
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES
DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES
DIREITOS FUNDAMENTAIS DE NATUREZA ANÁLOGA
LIMITE IMANENTE
TRABALHADOR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CONFLITO DE DIREITOS
ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL
Conclusões: 
1ª - Os serviços da administração prisional, especialmente do corpo do guarda prisional que desempenham tarefas essenciais à segurança, ordem, e disciplina nos estabelecimentos prisionais, são qualificáveis no conceito de serviços destinados a satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, nos termos do artigo 8º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto (Lei de Greve);

2ª - Decretada a greve em serviços públicos essenciais, com o os dos serviços de administração prisional, os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, bem como os serviços necessários à segurança e manutenção das instalações;

3ª - Os trabalhadores aderentes à greve e adstritos à prestação dos serviços exigidos, no cumprimento das obrigações que lhes impõe o artigo 8º, nºs 1 e 3, da Lei nº 65/77, têm direito a ser retribuídos pela prestação daqueles serviços, por força dos artigos 59º, nº 1, alínea c) da Constituição da República e, por analogia, do artigo 9º, nº 1 do decreto-Lei nº 637/74, de 20 de Novembro;

4ª - A quantidade concreta e o nível da retribuição deve ser medidos pelo nível e quantidade dos serviços prestados, e disponibilidade efectiva dos trabalhadores;

5ª - Os serviços previstos na conclusão 2ª, prestados no âmbito da administração penitenciária devem ser retribuídos pelas entidades competentes para o processamento e abono dos respectivos vencimentos.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,
Excelência:
 
 
 
I
 
1. O Senhor Director-Geral dos Serviços Prisionais, a quem foi dirigido “um elevado número de requerimentos” apresentados por elementos do Corpo da Guarda Prisional, pretendendo que seja declarado nulo o acto que determinou o não pagamento do trabalho prestado no dia de greve decretado pelo respectivo Sindicato (27 de Janeiro) no âmbito dos serviços mínimos que asseguraram, entendeu, dada a importância e o melindre da questão apresentada, solicitar orientações de Vossa Excelência ([1]).
 
 
2. Concordando com a sugestão formulada,Vossa Excelência dignou-se solicitar parecer do Conselho Consultivo.
 
Cumpre, pois, emiti-lo.
 
 
II
 
1. Os requerimentos - seguindo um mesmo modelo - fundamentam a pretensão nos termos seguintes:
 
- o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) decretou greve para o dia 27 de Janeiro de 1997, entre as 8 horas e as 20 horas.
 
- Ficou asegurada a prestação dos serviços mínimos para ocorrer à satisfação de “necessidades sociais impreteríveis”.
 
- Os requerentes, tendo embora aderido à greve decretada, asseguraram a prestação dos serviços mínimos.
 
- O trabalho efectivamente prestado pelos requerentes no âmbito dos serviços mínimos não lhes foi remunerado.
 
- O acto que determinou a não retribuição do trabalho efectivamente prestado é ilegal  e está ferido de nulidade.
 
Em consequência, cada um dos requerentes, com base em argumentação jurídica que desenvolve, pede que seja declarada a nulidade do acto de não pagamento do serviço prestado nas condições expostas (serviços mínimos prestados durante um dia de greve) e que seja determinado o pagamento devido.
 
 
2. Não vem indicado no expediente enviado o tipo, características, natureza e extensão dos serviços mínimos prestados durante o dia de greve.
 
Refere-se, no entanto, que os requerentes pertencem a dois grupos: um maior que integra os guardas que desempenham as funções específicas do pessoal de vigilância (nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 174/92, de 12 de Maio), e outro que respeita aos guardas que exercem actividades com carácter formativo (nº2 do artigo 2º) ou tarefas de apoio ao funcionamento de determinados serviços.
 
III
 
1. A greve constitui um direito dos trabalhadores, constitucionalmente tutelado como um dos "direitos, liberdades e garantias" ([2]).
 
A consagração constitucional do direito à greve vem inscrita no artigo 57º, nºs. 1 e 2, da Constituição ([3]); é garantido o direito à greve", competindo aos  trabalhadores "definir o âmbito dos interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito".
 
A caracterização constitucional do direito de greve como um dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores significa, designadamente, que deve ser considerado como direito subjectivo negativo, "não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve, nem podendo ser compelidos a pôr-lhe termo", com eficácia externa imediata, em relação a entidades privadas, não constituindo o exercício do direito de greve qualquer violação do contrato de trabalho, nem podendo as mesmas entidades neutralizar ou aniquilar praticamente esse direito", e "com eficácia externa, no sentido de directa aplicabilidade, não podendo o exercício desse direito depender da existência de qualquer lei concretizadora" ([4]).
 
Garantindo em termos fundamentais o direito, a Constituição não contém, no entanto, um conceito de greve.
 
Entre a densificação sociológica do respectivo conteúdo com apelo a noções sócio-laborais correntes e a  estrita caracterização jurídica dos elementos constitutivos (juridicização específica do conceito), poderá caber um complexo de actuações materiais dos trabalhadores cuja pertinência ao conceito de greve tem sido questionada por sectores da doutrina nacional ([5]).
 
A noção de greve - e é este um elemento permanente do conceito - supõe uma actuação colectiva e concertada dos trabalhadores na prossecução de objectivos comuns. O conteúdo e o desenvolvimento consequencial da actuação colectiva e concertada dos trabalhadores, na amplitude e nas formas e modos de desenvolvimento, são referidos essencialmente à paralização de trabalho ([6]).
 
Neste conceito clássico, greve é "a abstenção da prestação de trabalho, por um grupo de trabalhadores, como instrumento de pressão para realizar objectivos comuns" ([7]). Abstenção da prestação de trabalho como omissão do comportamento contratualmente devido, manifestada como fenómeno colectivo no sentido de solidário, pré-acordado ou concertado, como instrumento e actuação de força para  realizar objectivos comuns.
 
Esta noção, dir-se-ia "clássica", de greve (abstenção colectiva e concertada da prestação de trabalho com a finalidade de pressionar a entidade patronal à satisfação de um objectivo comum dos trabalhadores), está, contudo, aquém da amplitude conceitual permitida pela formulação constitucional da consagração do direito de greve e pela retoma da amplitude dessa formulação no artigo 1º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto (Lei da Greve) ([8]).
 
Como refere MONTEIRO FERNANDES ([9]), "não se demonstra que o tratamento jurídico-positivo do exercício do direito de greve estabelecido por este diploma, seja incompatível com todas as modalidades de conduta conflitual colectiva dos trabalhadores não estritamente coincidentes com o aludido conceito "clássico". Reconhecendo-se, embora, um nexo de adequação entre o regime jurídico definido pela Lei nº 65/77 e o conceito "típico" de greve, não poderão ser afastadas desse regime situações próximas e não estritamente coincidentes com o modelo conceitual clássico, porventura como referente fundamental.
 
O melhor entendimento será o que "atenda à progressiva diversificação dos tipos de conduta conflitual e tome como referência básica aquilo que, à luz da história social, contradistingue a greve de outras modalidades de coacção directa: a recusa da prestação de trabalho enquanto contratualmente devida. Conduta essencialmente omissiva, (...), que se não confunde com os comportamentos activos tão característicos de sabotagem, como da greve de zelo (em que se substitui a conduta devida por uma outra, aparentemente idêntica). Recusa da prestação contratualmente devida, diferente, por isso, do boicote nas suas várias formas, ou da desobediência colectiva" ([10]).
 
Devem, pois, "considerar-se cobertos pelo direito de greve, constitucionalmente reconhecido e garantido, comportamentos colectivos diversos que evidenciem o denominador comum da recusa colectiva da prestação de trabalho devida, sejam quais forem a duração, o escalonamento temporal e o número e a inserção funcional dos participantes" ([11]) ([12]).
 
O conceito de greve tem igualmente de ser analisado perante as finalidades projectadas pelos trabalhadores (os objectivos da greve) e o âmbito e os  limites dos interesses a defender ([13]).
 
O âmbito dos interesses a defender através da greve significa a plena eficácia da greve como instrumento ao serviço de todos os interesses próprios dos trabalhadores. Nesse âmbito, cabem greves em caso de conflitos jurídicos, greves de solidariedade, greves de protesto e de reivindicação pela emissão ou omissão de normas, ou para exigir da autoridade pública uma ou outra medida sócio-económica".
 
Semelhante construção do conceito de greve, âmbito, finalidade e objectivos tem sido elaborada por este Conselho Consultivo ([14]).
 
Reconhecendo expressamente que a Constituição, programaticamente avançada na protecção dos interesses dos  trabalhadores, induz o intérprete a um particular cuidado no  domínio das limitações do direito de greve, adianta que "do  ponto de vista dos objectivos, e desvinculada a greve da pura defesa dos interesses profissionais dos trabalhadores, há uma larga zona de interesses cuja prossecução legitima a greve, para a qual apenas se vislumbram os limites que decorrem da protecção a valores preponderantes da colectividade, relativamente aos quais têm de ceder os interesses sectoriais de classe".
 
 
2. O direito à greve, assim constitucionalmente garantido, é um direito de todos os trabalhadores, incluindo os funcionários públicos.
 
A consideração do direito à greve como um dos direitos, liberdades e garantias, e a força imediatamente vinculante dos preceitos constitucionais respeitantes (art. 18º, nº 1, da Constituição), não admitiria a exclusão dos trabalhadores da função pública da plenitude de exercício deste direito.
 
Dando, porém, expressa afirmação a este princípio, o artigo 12º da Lei da Greve (Lei nº 65/77, de 26 de Agosto), veio dispor que "é garantido o exercício do direito à greve na função pública".
 
E no nº 2 este preceito prevê que o exercício do direito à greve na função pública será regulado no respectivo estatuto, ou em diploma especial ([15]).
 
Reconhecido, assim, expressamente o direito à greve na função pública (conceito que abrange todas as espécies de funcionários públicos e agentes administrativos, incluindo os da administração regional e local) ([16]), a própria norma que o afirma contém, do mesmo passo, a indicação orientadora de legislação adequada - diversamente da regulamentação de exercício do direito em geral, as especificidades da função pública, das diversas actividades que neste conceito se integram, do estatuto dos funcionários, das tarefas públicas e de interesses eminentemente colectivos, exigirão um regime adaptado que, respeitando a conformação constitucional do direito, tenha em conta particularidades e exigências próprias.
 
Não existindo ainda regime próprio, tem-se entendido perante esta omissão legislativa - lacuna de regulamentação - que, em princípio, à greve na função pública são aplicáveis as disposições da Lei de Greve, com as adaptações que se afigurem necessárias, enquanto se ajustem ao regime da função pública ([17]).
 
Neste ponto pode considerar-se existir completa unanimidade.
 
A norma do artigo 12º da Lei nº 65/77, remetendo a regulamentação da greve na função pública para diploma ou estatuto próprio, não pretendeu  de modo algum limitar ou condicionar o exercício do direito de greve na função pública.
 
Com efeito, da discussão parlamentar do referido diploma resulta inequivocamente que se pretendeu garantir imediatamente o exercício do direito de greve na função pública, bem como a legitimidade desse exercício, mesmo sem a publicação de qualquer diploma especial.
 
Esta consagração expressa (embora porventura desnecessária) do direito à greve na função pública, não obsta (antes, implica) à necessidade de aplicação provisória das disposições da Lei da Greve à função pública, com as necessárias adaptações, enquanto não for publicado diploma especial ou inserida regulamentação específica no respectivo estatuto ([18]).
 
 
3. A consagração constitucional do direito de greve e a indeterminação neste nível dos respectivos limites, não significam que o direito de greve se não veja confrontado com os seus princípios limites.
 
O direito de greve, mesmo ao nível da definição constitucional, não se move "numa atmosfera rarefeita sem conexão com o ordenamento jurídico" ([19]); mas cada direito inter-age em conexão dinâmica com os demais, verificando-se situações de colisão concreta entre direitos ou valores constitucionalmente protegidos a impor a coordenação dos vários direitos fundamentais, não através de uma relação de hierarquia de valores, mas por meio de uma harmonização prática no quadro da unidade do sistema de direitos e valores constitucionalmente protegidos.
 
Os direitos fundamentais tem, assim, os seus limites imanentes, que se revelam quando conflituem com outros direitos essenciais no caso de colisão de direitos, por necessidade de defesa de outros direitos constitucionalmente protegidos ([20]).
 
O direito de greve tem, também, traçados os seus próprios limites (limites imanentes aos direitos fundamentais; limites internos e limites externos), pois nenhum direito constitucional se apresenta como direito ilimitado.
 
Não estando fixados limites directos ao direito de greve, não pode a lei determiná-los enquanto possa atingir o núcleo essencial do direito.
 
Mas, enquanto derivação constitucional directa (conexão com outros direitos constitucionais), ou por derivação constitucional mediata ou indirecta (conexão com bens ou valores constitucionalmente protegidos), a lei pode intervir nessa inter-relação valorativa, como concretização das limitações impostas pela consideração material possível (e harmonização prática) dos valores eventualmente em conflito no quadro da unidade do sistema constitucional - artigo 18º, nºs 2 e 3 da Constituição.
 
A vida, a liberdade, a saúde, a tranquilidade pública, a segurança dos cidadãos, a preservação dos suportes do emprego e da economia, constituem direitos e valores cuja protecção o sistema constitucional assegura e que, por isso, devem ser conjugados, em necessária harmonização axiológica, com as condições particulares e específicas do exercício e do desenvolvimento concreto do direito de greve.
 
A consideração dos limites do direito de greve tem sido sobretudo desenvolvida a propósito do exercício do direito no domínio de actividades que são caracterizadas como serviços essenciais da comunidade ([21]).
 
Embora sem suficiente precisão conceitual, a qualificação dos serviços essenciais à comunidade parte do carácter (reconhecido e indispensável) das necessidades a satisfazer e da respectiva relação com os interesses e valores fundamentais da comunidade: a essencialidade dos bens e serviços liga-se ao respeito pelos direitos fundamentais, pelas liberdades públicas e pelos bens constitucionais protegidos.
 
É que, por um lado, a conexão no plano axiológico entre serviços essenciais e direitos fundamentais situados ao mesmo nível constitucional do direito de greve, impõe mútuas limitações com conteúdo material objectivo, e, por outro, a excepcionalidade da limitação pressupõe uma consideração gradativa sobre a intensidade da restrição, com referência à incidência de cada actividade ou cada serviço no exercício dos direitos fundamentais pelos membros da comunidade.
 
 
4. A Lei da Greve (Lei nº 65/77) inclui uma disposição específica como caminho indicativo de solução para as situações de conflito que possam colocar limites externos ao exercício e ao desenvolvimento concreto do direito de greve.
 
Dispõe, com efeito, o artigo 8º sob a epígrafe "obrigações durante a greve":
 
           "1. Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para acorrer à satisfação daquelas necessidades.
 
           2. Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores:
 
                     a) Correios e telecomunicações;
                     b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
                     c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
                     d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis; ([22])
                     e) Abastecimento de águas;
                     f) Bombeiros;
                     g) Transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares deterioráveis.
 
           3. As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações ([23]).
 
Esta norma, que visa estabelecer um ponto de equilíbrio entre o exercício do direito e o sacrifício de interesses colectivos essenciais derivado desse exercício, coloca, na busca de harmonia prática de valores, delicados problemas de interpretação e aplicação.
 
"Visando o (...) artigo 8º conciliar o exercício do direito de greve com a subsistência de outros direitos fundamentais, da aplicação do texto não pode resultar, de forma alguma, a prática inutilização do direito de greve. Se, de facto, não se quiseram imolar quaisquer direitos fundamentais ao direito de greve, muito menos se quis sacrificar este àqueles: visou-se apenas atingir o necessário ponto de equilíbrio entre um e outros" ([24]).
 
A interpretação desta norma deve, assim, ter em conta um limite essencial: o princípio segundo o qual, garantido constitucionalmente um direito, a interpretação de qualquer preceito que lhe estabeleça restrições deve ser feito em termos de não inutilizar esse direito, de garantir a seu núcleo fundamental, respeitando, naturalmente, a unidade do sistema jurídico.
 
 
5. A vida em sociedade pressupõe a satisfação de numerosas necessidades, de diferente natureza e de diverso grau ([25]).
 
Umas sentidas individualmente, embora com reflexo na própria comunidade, outras emergentes do simples convívio social, da vida de relação que ele implica.
 
Outras ainda sem a satisfação imediata das quais a vida, individual ou colectiva, não é possível, pelo menos em grau compatível com as condições mínimas de existência, nos seus diversos aspectos; outras também, que, embora sem esse carácter de permanência em função do estádio de evolução social atingido, são também essenciais, mas podem ser retardadas na sua satisfação sem prejuízo relevante, e outras por fim que, sem dano atendível, podem ser dispensadas por corresponderem apenas a exigências utilitárias ou hedonistas.
 
Mas se em determinado tipo de sociedade certas necessidades individuais podem ser satisfeitas imediatamente por quem as sente, em completa auto-suficiência, a evolução social torna cada  vez mais impossível este estilo de vida e implica que, na complexa sociedade actual, mesmo as necessidades individuais mais imediatas (v.g. a alimentação) só possam ser satisfeitas em resultado de acções colectivas organizadas.
 
Por isso, as empresas, os estabelecimentos, os serviços que prosseguem esses fins, dependentes não apenas da orientação que lhes seja imprimida mas, sobretudo, de actividades dos seus trabalhadores que, por outro lado, são também elementos do agregado social cujas necessidades o produto do seu trabalho também se destina a satisfazer.
 
Assistindo a estes trabalhadores o direito de greve, a lei salienta que aos elementos da comunidade social de que eles inclusivamente fazem parte, também cabe o direito de verem satisfeitas as necessidades sociais a cuja realização visa a actividade do correspondente complexo laboral. Por isso, aquele direito pode ser sacrificado (mas só deve ser sacrificado) dentro de limites que não ponham em causa a própria subsistência da vida individual ou social pelo sacrifício (ou tão-só pelo incomportável agravamento) das condições da sua satisfação, de necessidades primárias e de concretização imediata dos membros do agregado social.
 
Trata-se de uma colisão de direitos e de interesses, mesmo de valores, a resolver pela prevalência do mais relevante, numa dialéctica tendente à harmonização prática.
 
Empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, serão aquelas cuja actividade se proponha facultar aos membros da comunidade aquilo que, sendo essencial ao desenvolvimento da vida individual ou colectiva, envolvendo uma necessidade primária, careça de imediata utilização ou aproveitamento ([26]).
 
Com a orientação deste critério interpretativo, poder-se-á dizer que o conceito, em boa medida indeterminado ([27]), de empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, deve ser integrado por referência àqueles que em razão da natureza dos interesses a cuja satisfação se destinam a sua produção e os seus serviços, visam a realização de direitos fundamentais da pessoa, essencialmente ligados com a vida, a saúde, a segurança ou as mínimas condições de existência e de bem estar dos cidadãos, e cuja interrupção determinaria, imediatamente ou a muito curto prazo, a impossibilidade de satisfação dessas necessidades fundamentais.
 
O conceito de serviços essenciais, assim delimitado e integrado, abrange os serviços de administração prisional, especificamente quanto respeite à guarda da população prisional e às decorrentes exigências de ordem, segurança e tranquilidade nos estabelecimentos prisionais.
 
As exigências decorrentes da especificidade própria deste sector da Administração e a respectiva satisfação, estão bem patentes na definição das competências do pessoal do corpo da guarda prisional constante do artigo 2º do Decreto-Lei nº 174/93, de 12 de Maio: garantir a segurança e a ordem nos estabelecimentos prisionais, velar pela observância da Lei e dos regulamentos penitenciários, exercer custódia sobre os detidos no exterior dos estabelecimentos mas ao cuidado da administração penitenciária, desempenho de actividades de carácter formativo, orientação de serviços ou sectores produtivos e de ocupação dos tempos de lazer dos reclusos.
 
A integração dos serviços de administração penitenciária na qualificação de serviços essenciais não foi discutida, e é ponto assente que os elementos do corpo da guarda prisional referidos satisfazeram os serviços mínimos durante o dia de greve decretada.
 
Não vem discutida, também, a adequação do nível, quantidade e qualidade dos serviços prestados para satisfazer a necessidade que os impõe: necessidades sociais impreteríveis.
 
Juízo semelhante vale, mutatis mutantis, para as obrigações constantes do nº 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77: prestação de serviços necessários à manutenção e segurança das instalações.
 
IV
 
1. O trabalho prestado no cumprimento das obrigações definidas nos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77 deve, porém, ser remunerado.
 
A obrigação de prestação de serviços mínimos nos termos do artigo 8º é específica dos trabalhadores, enquanto tais, isto é, prestadores de actividade necessária e integrante de um determinado sector, seja económico, seja de outra natureza, como especificamente a função administrativa.
 
Satisfazendo uma obrigação de prestação, constitui direito fundamental dos trabalhadores serem retribuídos pelo trabalho que prestem - dispõe assim o artigo 59º, nº 1, alínea a) da Constituição ([28]).
 
A imposição constitucional de retribuição do trabalho, porém, quando inserida no contexto da greve e da obrigação de prestação dos serviços mínimos que tem como destinatários os trabalhadores em greve, tem de ser conjugada com o regime e disciplina da greve que, no que respeita aos trabalhadores aderentes, determina a suspensão das relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente do direito à retribuição, desvinculando, em consequência, os trabalhadores dos deveres de subordinação e assiduidade (artigo 7º, nº 1, da Lei nº 65/77).
 
As obrigações impostas quanto à prestação de serviços  mínimos terá, por isso, a sua fonte na lei e não no contrato, e o seu cumprimento por parte dos trabalhadores aderentes à greve e adstritos à prestação de tais serviços não se insere na execução do contrato de trabalho que liga os trabalhadores às entidades empregadoras, mas na observância do regime legal específico do direito de greve ([29]).
 
Suspenso o contrato durante a greve, mas obrigados os trabalhadores à prestação de serviços mínimos e devendo todo o trabalho ser remunerado - logo por injunção constitucional - há que determinar por que título hão-de ser remunerados os serviços mínimos prestados pelos trabalhadores aderentes à greve.
 
A matéria foi expressamente objecto do Parecer deste Conselho nº 52/92. Escreveu-se então:
 
“A solução a que se chegou - as prestações de serviço correspondentes às obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º situam-se fora do contrato de trabalho - implica que a respectiva retribuição não se possa conceber como correspectiva da execução do contrato pelos trabalhadores.”
 
“Dando como assente por imperativo constitucional, o direito à retribuição (artigo 59º, nº 1, alínea a) da Constituição), dir-se-á que a sua concretização se deve operar por analogia com o disposto no nº 1 do artigo 9º do Decreto–Lei nº 637/74.([30])
A analogia radica na similitude da obrigação de prestação, num caso e noutro por via de preceitos imperativos, à margem, portanto, da autonomia da vontade, isto é, do cumprimento de relações de serviço voluntariamente criadas.
 
Assim a medida da retribuição consistirá, tal como se dispõe no Decreto–Lei nº 637/74, na retribuição correspondente ao vínculo de emprego, correspectiva do dever de prestar o trabalho, que neste diploma é significado pelas palavras «vencimento ou salário decorrente do respectivo contrato de trabalho ou categoria profissional».
 
A quantidade concreta há-de medir-se pelas «quantidades» dos serviços prestados, que representam afinal os limites do exercício do direito de greve que as obrigações impostas pelo artigo 8º determinam (horas, dias, disponibilidade efectiva dos trabalhadores).
 
Assim, resultará do princípio da estrita necessidade que deve pautar a concretização de tais obrigações restritivas do exercício do direito de greve. A Lei nº 65/77 fala em «serviços mínimos indispensáveis» (nº 1 do artigo 8º) e «serviços necessários à segurança e manutenção» (nº 3 do artigo 8º), e o Decreto–Lei nº 637/74 alude às medidas determinadas ... necessárias para, em circunstâncias particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de sectores vitais da economia nacional» (artigo 1º, nº 1) (X1).
 
2. Determinado o título por que deve ser remunerada tanto a prestação de serviços mínimos para satisfazer necessidades sociais impreteríveis, como os serviços necessárias para assegurar a manutenção e segurança de equipamentos e instalações, há que decidir a quem incumbe satisfazer a retribuição de tais serviços prestados pelos trabalhadores aderentes à greve.
 
O Parecer referido firmou, a propósito, a seguinte posição:
 
“Entendemos que estão obrigadas ao pagamento precisamente as entidades empregadoras que recebem e de imediato beneficiam das prestações de serviço em causa.
 
É certo que se detectaram na origem das obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º motivações e finalidades que estão para além de tais entidades.
 
O que justifica as obrigações do nº 1 do artigo 8º são razões de ordem social e tem-se visto, como fundamento para as impostas pelo nº 3, o benefício dos próprios grevistas em conservar os seus empregos pela preservação das próprias empresas.
Essas razões, todavia, não são contrárias à consideração de que a empresa é o instrumento de realização da satisfação das necessidades sociais impreteríveis que justifica as obrigações legais impostas pelo nº 1, e são as empresas desse tipo, exemplificadas no nº 2, que devem prestar essa satisfação, para tanto nelas se conjugando organização, capitais e trabalho.
 
Não se compreenderia juridicamente que, recebendo dos trabalhadores bens como componente das prestações a que estão legalmente obrigadas, integrassem o respectivo valor sem dispêndio de uma contrapartida para quem lho prestasse, alterando a justa repartição dos frutos da sua actividade, locupletando-se, por isso, à custa alheia.
 
No que concerne à segurança e manutenção de bens e equipamentos, certamente que da deterioração ou destruição ou desaparecimento desses bens, que afinal representam o esteio do complexo organizativo, resultará o comprometimento ou a perda das fontes de rendimento dos trabalhadores.
 
Mas a conservação a que visam atalhar os deveres impostos no nº 3 do artigo 8º não pode ser vista desse exclusivo prisma, desconhecendo os interesses legítimos, por um lado, dos empregadores e, por outro lado, a função social das próprias empresas, enquanto comparticipantes de uma organização económica, em que também assentam objectivos de bem estar social, de correcção de desigualdades de distribuição de riqueza (artigo 81º, alíneas a) e b) da Constituição).
 
Ora, sendo as empresas destinatárias e beneficiárias de um bem - as prestações de serviço impostas pelo artigo 8º, nº 3, da Lei nº 65/77 - de que auferem na medida em que tais prestações evitam a deterioração ou perda de instalações e equipamento, não se vê, como, sem injusto locupletamento à custa alheia, não deveriam remunerar os seus trabalhadores prestadores de tais serviços.
 
Relativamente à natureza dessas empresas, isto é, como instrumentos de realização da função social na organização económica, também não se vê como justamente essa função desempenhariam, beneficiando, sem a despesa, das contrapartidas de prestações indispensáveis à sua própria existência e desempenho, à custa, portanto, de um dos elementos em que ela própria se analisa  -  o trabalho.
 
Parece-nos em suma, que sendo as empresas as imediatas beneficiárias das prestações em causa é sobre elas que impende o dever de retribuir o respectivo valor aos trabalhadores que as cumpriram em obediência ao dever que lhes impõem os nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77”.
 
Não existem razões, quer de natureza legislativa quer de reformulações doutrinais, para modificar a posição do Conselho.
 
 
3. Resta, assim, aplicar a doutrina formulada, no âmbito da função pública ao caso concreto da consulta - retribuição dos serviços mínimos efectuados por elementos do corpo da guarda prisional em dia de greve.
 
Como é reconhecido neste Conselho Consultivo, o exercício do direito de greve garantido no artigo 57º da Constituição da República é admitido em relação à função pública, devendo ser-lhe aplicadas as normas gerais sobre o exercício do direito de greve, previstas na Lei nº 65/77, com as adaptações que se revelarem necessárias, enquanto não for publicada a legislação prevista no seu artigo 12º ([31]).
 
Relativamente aos serviços mínimos prestados por elementos do corpo da guarda prisional, devem valer os princípios que se deixaram expostos, cabendo às entidades processadoras dos vencimentos efectuar os procedimentos necessários ao pagamento da retribuição por tais serviços.
 
Deste modo, a pretensão dos requerentes deve ser decidida de acordo com os princípios e a solução enunciada ([32]).
 
V
 
 
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
 
1ª - Os serviços da administração prisional, especialmente do corpo do guarda prisional que desempenham tarefas essenciais à segurança, ordem, e disciplina nos estabelecimentos prisionais, são qualificáveis no conceito de serviços destinados a satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, nos termos do artigo 8º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto (Lei de Greve);
 
2ª - Decretada a greve em serviços públicos essenciais, com o os dos serviços de administração prisional, os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, bem como os serviços necessários à segurança e manutenção das instalações;
 
3ª - Os trabalhadores aderentes à greve e adstritos à prestação dos serviços exigidos, no cumprimento das obrigações que lhes impõe o artigo 8º, nºs 1 e 3, da Lei nº 65/77, têm direito a ser retribuídos pela prestação daqueles serviços, por força dos artigos 59º, nº 1, alínea c) da Constituição da República e, por analogia, do artigo 9º, nº 1 do decreto-Lei nº 637/74, de 20 de Novembro;
 
4ª - A quantidade concreta e o nível da retribuição deve ser medidos pelo nível e quantidade dos serviços prestados, e disponibilidade efectiva dos trabalhadores;
 
5ª - Os serviços previstos na conclusão 2ª, prestados no âmbito da administração penitenciária devem ser retribuídos pelas entidades competentes para o processamento e abono dos respectivos vencimentos.


VOTO

(Eduardo de Melo Lucas Coelho) – Vencido quanto à fundamentação do direito à retribuição aludido na conclusão 3ª, desenvolvida no ponto IV, 1., nos mesmos termos do voto que emiti no parecer nº 52/92 e da parte final de voto similar no parecer 100/89.

Continuo, de facto, a propender para a tese – que o parecer, creio, deixa intocada -, segundo a qual a fonte da obrigação de retribuição dos serviços mínimos é ainda a relação de emprego público, suja suspensão pela greve não chega a atingir a área de prestação desses serviços.

A divergência não é meramente teórica. E há, porventura que testar a resistência das teses em confronto a todas as possíveis implicações práticas. O exercício seria, porém, desproporcionado neste momento, uma vez que apenas está em causa o aspecto remuneratório.

Aceite-se, em todo o caso, que a fundamentação perfilhada no parecer se apresenta argumentativamente sinuosa.

Levando ao extremo a ideia da suspensão da relação laborar, exclui-se e autonomiza-se logicamente desta relação, mas logo se vê obrigada a reassumir as suas vestes pela via da aplicação analógica do artigo 9º, nº 1, do Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de Novembro.

Não será esta a melhor prova de que tudo se resolve sempre no âmbito da relação de emprego público equacionada na consulta?



[1]) Ofício dirigido ao Gabinete de Vossa Excelência, juntando cópia de um dos requerimentos apresentados.
[2]) Acompanha-se, neste ponto, por vezes textualmente, o Parecer deste Conselho nº 100/89, de 25 de Abril de 1990, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Novenbro de 1990 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 399, págs. 5 e segs.
[3]) Na redacção da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Julho. Corresponde ao artigo 58º na redacção da Lei Constitucional nº 1/82, que reuniu os artigos 59º e 60º da primitiva redacção e 57º após a Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho. O texto revisto aditou o nº 3, assim redigido: “A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para acorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”. O anterior nº 3 passou a nº 4..
[4]) Cfr. J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª edição, Coimbra, 1984, 1º Volume, pág. 313.
Segue-se neste ponto, a abordagem introdutória ao conceito de greve do parecer deste Conselho nº 54/87, de 22 de Outubro de 1987 (não homologado).
[5]) Cfr., v.g. BERNARDO LOBO XAVIER, Direito de Greve, Lisboa, 1984, págs. 55 e segs.
[6]) J. CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição, Anotada cit., pág. 314, admitem a extensão deste segundo elemento "a qualquer outra forma típica de incumprimento da prestação de trabalho", já que o preceito constitucional "não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou seus modos de desenvolvimento", desde que não se traduzam em dano de direitos ou bens constitucionalmente protegidos de outrem.
[7]) Cfr., BERNARDO LOBO XAVIER, Direito de Greve, cit., págs. 55 e 56, com várias referências e formulações diversas retiradas da doutrina estrangeira.
[8]) Alterado pela Lei nº 30/92, de 20 de Outubro.
[9]) Direito de Greve, Notas e Comentários à Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, Coimbra, 1982, pág. 18 e 19
[10]) Cfr., MONTEIRO FERNANDES, Direito de Greve, cit. pág. 19.
[11]) Cfr., MONTEIRO FERNANDES, Direito de Greve, cit. pág. 20.
[12]) Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº 123-B/76, de 3 de Março de 1977, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 265, págs. 57 e segs. e nº 156/81, de 3 de Dezembro de 1981, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 316, pág. 82, e no Diário da República, II Série, nº 121, de 28/5/82, pág. 4295.
[13]) Cfr., BERNARDO XAVIER, A licitude dos objectivos da greve (A propósito do artigo 59º, nº 2 da Constituição), estudo publicado na "Revista de Direito e Economia", Ano V, nº 2, Julho/Outubro de 1979, págs. 267 e segs., designadamente, págs. 304 e 305.
[14]) Cfr. o parecer nº 123-B/76, cit., Boletim do Ministério da Justiça, nº 265, e retomado em vários Pareceres posteriores.
[15]) Não foi, porém, até ao momento, cumprida esta previsão.
O PSD apresentou, sobre o direito à greve na função pública, o Projecto de Lei nº 109/I (Diário da Assembleia da República, I Legislatura, 2ª Secção Legislativa - 1977-1978, II Série, nº 50, de  17 de Março de 1978) que, no entanto, não chegou a ser discutido
[16]) Excluindo as forças armadas e militarizadas - cfr. artigo 13º da Lei nº 65/77.
[17]) Neste sentido, os pareceres deste Conselho nº 91/82, de 9 de Junho de 1982, publicado no Diário da República, II Série, nº 70, de 25 de Março de 1983 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 327, pág. 372 e nº 41/86, de 19 de Março de 1987, (não publicado).
     Modo diferente de abordagem, embora conduzindo ao mesmo resultado, foi seguido nos pareceres nº 184/79, de 24 de Janeiro de 1980, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Junho de 1980 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 298, pág. 62 e nº 3/82, de 28 de Janeiro de 1982 (não publicado). Entendeu-se que, existindo omissão e sendo defensável a existência de analogia com os casos da greve, em geral, regulada pela Lei nº 65/77, caberia ao  intérprete criar as normas adequadas dentro do espírito do sistema, nos termos do 10º, nº 3 do Código Civil. No entanto, em ambos os pareceres acabou por se considerarem aplicáveis à greve da função pública normas da lei nº 65/77 que regulavam as questões concretas em causa.  Cfr., também, o Pareceres nº 22/89, de 29 de Março de 1989 e 100/89,cit.
     JORGE LEITE e F.COUTINHO DE ALMEIDA, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, pág. 472, entendem que à greve na Administração Pública é analogicamente aplicável a Lei da Greve (Lei nº 65/77). Da mesma opinião comunga JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Coimbra, 1985, I Vol., pág. 708.
[18]) A discussão parlamentar da Proposta e dos projectos de lei, de que resultou a primeira versão, neste aspecto inalterada, da Lei nº 65/77, está documentada no Diário da Assembleia da República, I Série, nºs. 122, 123 e 127, de 29 e 30 de Junho e 9 de Julho de 1977, respectivamente.
[19]) Cfr., BERNARDO LOBO XAVIER, Direito de Greve, cit., pág. 92.
[20]) Cfr., J. CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição, Anotada, cit.,tomo I, pág. 316; J. CANOTILHO, Direito Constitucional, Coimbra, 4ª Edição, 1986, pág. 482; J.C.VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, págs. 215 e segs..
[21]) Cfr., v.g. ANTÓNIO BAYLOS GRAU, Huelga en Servicios Essenciales, in, "Jurisprudência Constitucional y Relaciones Laborales", Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1983, pág. 179, e segs; MARIO GHIDINI, Diritto del Lavoro, Pádua, 4ª ed., 1981, pág. 129; YVES SAINT-JOURS, Les Relations du Travail dans le Secteur Public, L.G.D.J., 1976, págs. 129 e segs., e ROGER LATOURNERIE, Le Droit Français de la Grève, ed. Sirey, 1972, pág. 616 e segs..
[22]) Redacção da Lei nº 30/92, de 20 de Outubro (alíneas c) e d)).
[23]) A alínea g) do nº 2, na redação constante da Lei nº 30/92 era a seguinte:
     “Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e descargas.”
     Todavia, as normas constantes no nº 2, alínea g), e nos nºs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 da Lei nº 30/92 foram declaradas inconstitucionais pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 868/96, (Processo nº 613/92), de 4 de Julho de 96, publicado no Diário da República, I Série-A, nº 24, de 16 de Outubro de 1996.
[24]) Cfr. Pareceres deste Conselho nº 86/82, de 8 de Julho de 1982, nº 100/89, de 5 de Abril de 1989, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, nº 325, pág. 1242 e 399, pág. 8, respectivamente.
[25]) Cfr. ver Parecer citado na nota anterior.
[26]) O conceito de serviços essenciais da comunidade tem sido objecto de considerável elaboração doutrinal e jurisprudencial em Espanha.
     A sentença 26/1981, de 17 de Julho, do Tribunal Constitucional Espanhol, construiu o conceito de serviços essenciais a partir de uma dupla acepção, ampla e restrita.
     Serviços essenciais serão aquelas actividades industriais ou mercantis das quais derivam prestações vitais ou necessárias para a vida em comunidade, colocado o acento conceptual no carácter necessário das prestações e na sua conexão com exigências vitais; ou (numa acepção conceitual restrita) um serviço é essencial, não tanto pela natureza de actividade que desenvolve, mas pelo resultado que se pretende com essa actividade, mais concretamente, pela natureza dos interesses a cuja satisfação se destina a prestação, e em consequência, para que um serviço se considere essencial, devem ser essenciais os bens e interesses satisfeitos, entendendo-se por estes os direitos fundamentais, as liberdades públicas e os bens constitucionalmente protegidos.
     Segundo o TC espanhol, a linha interpretativa que coloca o acento do conceito nos bens e nos interesses da pessoa, é a que deve ser tida em conta por ser a que melhor se coaduna com os princípios que inspiram a Constituição.
A consequência será que não existe a priori nenhum tipo de actividade que, por si, possa ser considerada como essencial, e só o serão aquelas que satisfaçam direitos ou bens constitucionalmente protegidos e na medida e com a intensidade com que os satisfaçam - sentença 51/1986, de 24 de Abril.
Cfr., v.g., MANUEL CARLOS PALOMEQUE LOPEZ, Derecho Sindical Español, 2ª ed.rev., ed. Tecnos, 1988, págs.251 e segs.; JUAN GARCIA BLASCO, El Derecho de Huelga en España: Calificación y Efectos Juridicos, ed. Bosch, pág. 87 e segs., com várias referências comparadas.
A discussão tem incidido também no campo do sector público, refutando-se hoje a consideração sobre a essencialidade de todos os serviços prestados no sector público.
[27]) A enumeração do artigo 8º, nº 2, da Lei nº 65/77, concretizando, embora, o critério geral enunciado no nº 1, não constitui elenco fechado, mas meramente indicativo e exemplificativo.
[28]) O direito à retribuição do trabalho tem, segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Constituição da República Portuguesa Anotada», 3ª edição revista, 1993, Coimbra Editora, pág. 318 anotação 1 ao artigo 59º, nº 1, alínea a), e pág. 142, anotação IV ao artigo 17º). Disso resulta a aplicabilidade directa do preceito constitucional independentemente de intervenção do legislador e a vinculação directa das entidades públicas e privadas (artigo 18º, nº 1 conjugado com o artigo 17º da Constituição). Também no sentido de o direito à retribuição do trabalho ser um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, JORGE MIRANDA, «Manual de Direito Constitucional», tomo IV, Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Ldª, 1988, pág. 143.
[29]) É a posição do Conselho, sucessivamente reafirmada e densificada em vários Pareceres; Cfr. por todos o Parecer nº 52/92, de 14 de Julho
[30]) O Decreto-Lei nº 637/74, de 20 de Novembro dispõe sobre o regime de requisição civil em caso de incumprimento de obrigação de prestação de serviços mínimos.
     O artigo 9º, nº 1 dispõe:
     “A requisição civil das pessoas não concede direito a outra indemnização que não seja o vencimento ou salário decorrente do respectivo contrato de trabalho ou categoria profissional, beneficiando, contudo, dos direitos e regalias correspondentes ao exercício do seu cargo e que não sejam incompatíveis com a situação de requisitados.”
X1) Terá interesse consignar algumas notas de direito comparado quanto à retribuição dos serviços mínimos e de manutenção e segurança da empresa:
a)  No direito espanhol constitui causa de suspensão do contrato de trabalho o exercício do direito de greve (artigo 45º, nº 1, alínea b), da Lei nº 8/1980, de 10 de Março - Estatuto dos Trabalhadores - suspensão que tem como efeito exonerar das obrigações recíprocas de trabalhar e remunerar o trabalho (nº 2 do mesmo artigo).
     O direito de greve é reconhecido na Constituição Espanhola aos trabalhadores para defesa dos seus interesses, prescrevendo-se que a lei que regula o exercício desse direito «estabelecerá as garantias precisas para assegurar a manutenção dos serviços essenciais da comunidade» (artigo 28º, nº 2) e prescreve-se, também, que a lei reguladora do exercício do direito dos trabalhadores e empresários a adoptar medidas de conflito colectivo sem prejuízo das limitações que estabeleça», incluirá as garantias precisas para assegurar o funcionamento dos serviços essenciais da comunidade» (artigo 37º, nº 2). A Constituição Espanhola foi sancionada pelo Rei em 27.12.78 e publicada no Boletim Oficial do Estado, de 29.12.78, data em que entrou em vigor.
     Por seu turno o artigo 6º, nº 2, do  Decreto Ley de Relaciones de Trabajo, de 4.4.77 dispõe que «durante a greve considera-se suspenso o contrato de trabalho e o trabalhador não tem direito ao salário».
     Com os elementos disponíveis, encontrou-se uma referência à retribuição de serviços de manutenção e segurança da empresa, no sentido de que a retribuição é devida e assenta em que a suspensão do contrato não os abrange. Ao prestarem tais serviços os grevistas não estão fora do contrato e consequentemente têm de ser retribuídos. EDUARDO GONZALEZ BIEDMA, Derecho de huelga y servicios de mantenimiento y seguridad de la empresa, Editora Civitas S.A., Madrid, 1992, pág. 128 a 131).
     Quanto a serviços mínimos veja-se ANTÓNIO BAYLOS GRAU, Derecho de huelga y servicios essenciales, Tecnos, Madrid, 1987. O autor trata apenas de violação do direito de greve por excesso dos limites de imposição de serviços mínimos, envolvendo responsabilidade da Administração e direito a indemnização.
b)  No direito francês  parece não se pôr a questão da retribuição dos serviços indispensáveis enquanto se entende que quem os tem de prestar não está em greve, por o respectivo exercício lhe haver sido interdito ou por disposições legais ou administrativas. Sendo assim o serviço que prestem tem de ser remunerado.
     Sobre tais  interdições vejam-se JEAN-CLAUDE JAVILLIER, «Droit du Travail», 2ème édition, Paris, Librarie Générale du Droit et de Jurisprudence, 1981, págs. 543 e segs., e SUZANE AYOUB , «La fonction publique», Masson et Cie, Éditeur, 1975, págs. 224 e 225. Veja-se ainda sobre os aspectos pecuniários da greve no direito francês. FRANCISCO X. LIBERAL FERNANDES, «O direito de greve no ordenamento francês, alemão e italiano, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia», II. Coimbra, (número especial do Bol. da Fac. de Direito), págs. 339 e segs.”
     A doutrina nacional, que o Parecer 52/92 analisa, significativamente de acordo com a posição firmada, parte, porém, de um dado - a formulação legislativa nacional - que condiciona decisivamente o ensaio de construção teórica.
[31]) Cfr., entre outros, os Pareceres citados nºs 22/89 e 100/89.
[32]) Não interessa, assim, à economia do parecer a discussão sobre a qualificação do vício do acto que determinou o desconto de dia de greve (se nulidade, se anulabilidade). No caso concreto, a solução será o deferimento da pretensão, independentemente da natureza do vício que afecte o acto de que os interessados reclamam.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART17 ART18 ART57 N1 N2 ART59 N1 A.
L 65/77 DE 1977/08/26 ART1 ART7 N1 ART8 ART12.
DL 174/93 DE 1993/05/12 ART2.
DL 637/74 DE 1974/11/20 ART9 N1.
Referências Complementares: 
DIR ADM * FUNÇÃO PUBL / DIR CONST * DIR FUND / DIR TRAB * DIR SIND.
Divulgação
Data: 
20-03-1998
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