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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
18/1998, de 30.03.1998
Data do Parecer: 
30-03-1998
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
LOURENÇO MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DIREITO À GREVE
FUNÇÃO PÚBLICA
FUNCIONÁRIO JUDICIAL
OFICIAL DE JUSTIÇA
TRIBUNAL DE TURNO
NECESSIDADE SOCIAL IMPRETERÍVEL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÍNIMOS
SERVIÇOS ESSENCIAIS
COMPETÊNCIA
REVISÃO DE DA CONSTITUIÇÃO
DIREITO ORDINÁRIO ANTERIOR
DIREITO À LIBERDADE
DIREITO À SEGURANÇA
DETENÇÃO
INTERROGATÓRIO DO DETIDO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
PRAZO
ACTO DE GESTÃO PÚBLICA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
DIREITO DE REGRESSO
Conclusões: 
1.ª - O direito de greve, a que se refere o artigo 57º da Constituição da República, é garantido aos trabalhadores da função pública;

2.ª - Não tendo ainda sido publicada a legislação prevista no n.º 2 do artigo 12º da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, relativa ao exercício do direito de greve na função pública, aplicam-se as normas gerais sobre o exercício do direito de greve, previstas em tal diploma, com as adaptações que se revelarem necessárias;

3.ª - Mediante a inclusão do novo n.º 3 no artigo 57º da Constituição, feita pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, visou-se a "constitucionalização" do que já se previa, quanto a serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, na Lei n.º 65/77, a qual, porém, se mantém em vigor (com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 30/92, de 30 de Outubro, e na parte não declarada inconstitucional);

4.ª - Os serviços que os tribunais são chamados a prestar quando da apresentação de detidos ou presos para decisão sobre a sua restituição à liberdade, completa ou com restrições, ou de manutenção em prisão preventiva, bem como os dos tribunais de menores em situações equiparadas, destinam-se a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, na medida em que estão em jogo os interesses da liberdade e segurança individual e da segurança colectiva dos cidadãos, valores estes protegidos constitucionalmente - artigos 27º e 28º;

5.ª - Durante a greve em serviços considerados essenciais, as associações sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades;

6.ª - Nos tribunais de turno, os serviços mínimos a prestar pelos oficiais de justiça são todos os necessários ao atendimento dos cidadãos detidos ou presos que devam ser presentes, quer para interrogatório sumário pelo Magistrado do Ministério Público, quer para eventual subsequente interrogatório pelo Magistrado Judicial, no mais curto espaço de tempo e nunca para além do prazo de 48 horas, assim como os respeitantes à jurisdição de menores em situações semelhantes, implicando a realização das tarefas e diligências processuais a que os oficiais de justiça se encontram estatutariamente obrigados;

7.ª - Compete ao Governo fixar o nível, conteúdo e amplitude dos serviços mínimos, em despacho fundamentado, não devendo fazê-lo sem audição das associações sindicais ou comissões de greve, ainda quando haja trabalhadores disponíveis não aderentes à greve;

8ª. - É da competência das associações sindicais ou da comissão de greve que, nos termos do artigo 3º da Lei n.º 65/77, representam durante a greve os trabalhadores aderentes, designar os trabalhadores em greve necessários ao cumprimento da obrigação de prestação dos serviços mínimos, na hipótese de não haver trabalhadores voluntariamente disponíveis;

9.ª - O indevido prolongamento da detenção ou prisão de cidadãos, para além das 48 horas, sem apreciação judicial - artigos 28, n.º 1, da Constituição e 141º, n.º 1 do Código de Processo Penal -, pode constituir o Estado na obrigação de indemnizar, com eventual direito de regresso sobre os trabalhadores em greve, ainda que o Governo tenha adoptado as providências necessárias à indicação atempada dos serviços mínimos a cumprir pelos trabalhadores grevistas, nos termos da conclusão 7.ª.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,
Excelência:





1.


No "pré-aviso de greve/agravamento", publicado no jornal "Público", de 29 de Janeiro passado, o Sindicato dos Funcionários Judiciais, "encontrando-se já em greve aos sábados a partir das 10 horas, agravam a referida greve para greve total ao serviço dos tribunais de turno, com início no dia 14 de Fevereiro de 1998", ou seja, "das 0 às 24 horas de todos os sábados, domingos e feriados, por tempo indeterminado", a partir daquela data.

Pondera Vossa Excelência:

"2. O n.º 1 do artigo 28º da Constituição, a que corresponde o n.º 1 do artigo 141º do Código de Processo Penal, dispõe que "A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada". Por seu turno, o n.º 1 do artigo 143º do mesmo Código determina a apresentação do detido ao Ministério Público, se não for interrogado pelo juiz de instrução "em acto seguido à detenção", Ministério Público que, se não o restituir à liberdade, deve providenciar pela sua apresentação ao juiz dentro do aludido prazo máximo de quarenta e oito horas.
Do imperativo constitucional resultou, em primeira linha, a criação dos tribunais de turno, pela Lei n.º 44/96, de 3 de Setembro, depois de, em recurso interposto por diversos juízes de deliberação do Conselho Superior da Magistratura, que dava execução ao sistema anteriormente em vigor, o Supremo Tribunal de Justiça se ter pronunciado pela ilegalidade daquela. Gerou-se, a partir daí, uma situação de vazio que foi necessário colmatar.

"3. O exercício do direito à greve consta da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, garantindo-o, quanto à função pública, o n.º 1 do seu artigo 12º. Mantém-se, no entanto, por regular esse exercício (n.º 2 do citado normativo), omissão a preencher de acordo com as normas gerais previstas na Lei n.º 65/77, com as necessárias adaptações (Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 52/92, de 14/7/93, in "Diário da República", II, de 17/5/93)".

Em face do descrito, dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer urgente deste Conselho Consultivo sobre os seguintes pontos:

"a) Se a prática de actos necessários à apresentação e audição do detido, nos termos constitucionais e legais, pode considerar-se englobada na noção de serviços mínimos;
b) Caso afirmativo, qual a entidade competente para fixar os serviços mínimos;
c) Quais as consequências, nomeadamente no plano da obrigação de indemnizar por parte do Estado, do incumprimento da apresentação do detido dentro do prazo que a Constituição e a lei estabelecem".

Cumpre, pois, emiti-lo.


2.


2.1. Em formulação resumida, um autor francês identifica três grandes períodos na história da greve dos agentes públicos.

No século XIX ela era, tal como para os assalariados privados, uma infracção penal; numa segunda fase, durante a primeira metade do século XX, permanece para a Administração um acto ilícito; numa terceira fase, a segunda metade do século XX, ela é "un droit constitutionnellement aménagé". A história demonstraria, assim, a estreita relação entre o direito positivo e os movimentos sociais que lhe subjazem ([1]).

Em Portugal, foi a partir do liberalismo que surgiram as primeiras manifestações grevistas, registando-se um grande número de greves desde o último quartel do século XIX até à declaração da República, que reconhece tal direito ([2]). Revogado em 1927 o diploma que consagrava o direito à greve, esta é considerada incompatível com o sistema corporativo, entretanto instaurado, acabando por ser prevista a sua punição criminal.

Após a revolução de 25 de Abril de 1974, eclodiu um forte movimento grevista, cabendo ao Decreto-Lei n.º 392/74, de 27 de Agosto, estabelecer, de forma bastante equilibrada, um conjunto de regras sobre conflitos laborais. Nos termos de tal diploma, a greve é definida como a "recusa colectiva concertada do trabalho tendente à defesa e promoção dos interesses colectivos profissionais dos trabalhadores".

Com a Constituição da República de 76, o direito à greve passou a ter guarida na lei matricial, sendo tutelado como um dos "direitos, liberdades e garantias" ([3]).

"É garantido o direito à greve" - diz-se no n.º 1 do artigo 57º([4]) -, logo acrescentando o n.º 2 seguinte que "compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito", sendo hoje pacífico que a amplitude da greve não tem que se confinar estritamente no domínio profissional.

A Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, continua a ser o diploma que rege sobre o direito à greve, ainda que de forma incompleta, nomeadamente pelo que toca à função pública.

De particular interesse, porém, se mostra agora o n.º 3 do artigo 57º do Texto Fundamental, aditado pela recente Revisão de 97, e que se transcreve já:

"A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis".

Disposição que, segundo os trabalhos preparatórios da Assembleia da República, terá sido longamente discutida ([5]). Disse--se, em certa altura do debate ([6]):

"O que foi consagrado ...é, pura e simplesmente, a transposição para o texto da Constituição da interpretação constante da Lei n.º 65/77, segundo a qual não se confunde com o exercício do direito à greve o cumprimento de obrigações que o legislador preveja para acautelar eminentes valores tão relevantes como a greve, ela própria, e dentro de determinados limites. Ou seja, consagrámos nesta redacção, que é cuidadosa e foi feita tendo à frente a Lei n.º 65/77, aquilo que a doutrina portuguesa, sem excepções, considera poderem ser limites imanentes e adequações do exercício do direito à greve a uma sociedade democrática, onde há outros valores imperativos a manifestar e a proteger" (sublinhado nosso).

Mas logo se alerta para o facto de não se poderem impor estes limites de forma atrabiliária. Em primeiro lugar, porque só por lei da AR podem ser fixadas tais regras. Em segundo lugar, a obrigação de prestação de serviços mínimos "só pode ser imposta a estabelecimentos e a empresas cuja actividade e cujo escopo se relacionem com a satisfação de necessidades sociais impreteríveis". E porque é mínimo, aquele serviço "não visa o funcionamento normal, visa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis aferidas em concreto..." ([7]).


2.2. Algumas breves notas sobre o direito à greve, cujo conceito a Constituição não contempla expressamente.

Tem-se salientado que o conteúdo e desenvolvimento da actuação concertada dos trabalhadores se dirigem essencialmente à paralisação do trabalho, e que o conceito de greve - fenómeno colectivo solidário, pré-acordado ou concertado -, entendido como instrumento e actuação de força para realizar objectivos comuns, comporta uma amplitude que não afasta situações próximas e não estritamente coincidentes com o modelo conceptual clássico, o qual subsistirá, porém, como referente fundamental.

Disse-se no recente e já citado Parecer n.º 45/97:

"O melhor entendimento será o que "atenda à progressiva diversificação dos tipos de conduta conflitual e tome como referência básica aquilo que, à luz da história social, contradistingue a greve de outras modalidades de coacção directa: a recusa da prestação de trabalho enquanto contratualmente devida. Conduta essencialmente omissiva, (...), que se não confunde com os comportamentos activos tão característicos de sabotagem, como da greve de zelo (em que se substitui a conduta devida por uma outra, aparentemente idêntica). Recusa da prestação contratualmente devida, diferente, por isso, do boicote nas suas várias formas, ou da desobediência colectiva" ([8]).

"Devem, pois, "considerar-se cobertos pelo direito de greve, constitucionalmente reconhecido e garantido, comportamentos colectivos diversos que evidenciem o denominador comum da recusa colectiva da prestação de trabalho devida, sejam quais forem a duração, o escalonamento temporal e o número e a inserção funcional dos participantes" ([9]) ([10]).

"O conceito de greve tem igualmente de ser analisado perante as finalidades projectadas pelos trabalhadores (os objectivos da greve) e o âmbito e os limites dos interesses a defender ([11]).

O âmbito dos interesses a defender através da greve significa a plena eficácia da greve como instrumento ao serviço de todos os interesses próprios dos trabalhadores. Nesse âmbito, cabem greves em caso de conflitos jurídicos, greves de solidariedade, greves de protesto e de reivindicação pela emissão ou omissão de normas, ou para exigir da autoridade pública uma ou outra medida sócio-económica".

Do mesmo jeito se tem porfiado, ao afirmar que "do ponto de vista dos objectivos, e desvinculada a greve da pura defesa dos interesses profissionais dos trabalhadores, há uma larga zona de interesses cuja prossecução legitima a greve, para a qual apenas se vislumbram os limites que decorrem da protecção a valores preponderantes da colectividade, relativamente aos quais têm de ceder os interesses sectoriais de classe"([12]).

2.3. Nos termos do artigo 12º da Lei n.º 65/77, o direito à greve é também garantido para os trabalhadores da função pública, o que aliás já advinha da força imediatamente vinculante dos preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias (art. 18º, n.º 1, da Constituição).

O n.º 2 desse preceito prevê que o exercício do direito à greve na função pública seja regulado no respectivo estatuto, ou em diploma especial ([13]), o que indicia a existência de particularidades das tarefas públicas e dos interesses colectivos que lhe estão subjacentes, a exigirem um regime adaptado, embora respeitador do núcleo essencial do direito à greve.

Perante tal lacuna de regulamentação, tem-se entendido, de maneira uniforme, que à greve na função pública são aplicáveis as disposições da Lei da Greve, com as adaptações que se mostrem necessárias, enquanto se ajustem ao regime da função pública ([14]).

Da discussão parlamentar resulta inequivocamente que se pretendeu garantir de imediato o direito de greve e a legitimidade do seu exercício pelos trabalhadores da função pública, mesmo sem a publicação de qualquer diploma especial ([15]).

O que implica, à míngua daquela regulamentação estatutária ou de diploma especial, a necessidade de aplicação provisória à função pública das disposições adaptadas da Lei da Greve.


3.

Tema fulcral da consulta tem a ver com os contornos do que sejam as necessidades sociais impreteríveis e os correspondentes serviços mínimos indispensáveis à sua satisfação.

3.1. A este respeito preceitua o artigo 8º da Lei n.º 65/77, sob a epígrafe "Obrigações durante a greve", após a alteração da Lei n.º 30/92, de 20 de Outubro:

"1. Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para acorrer à satisfação daquelas necessidades.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, consideram--se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores:

a) Correios e telecomunicações;

b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;

c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;

d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;

e) Abastecimento de águas;

f) Bombeiros;

g) Transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares deterioráveis.

3. As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.

4. No caso do não cumprimento do disposto neste artigo, o Governo poderá determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável".

Na transcrição efectuada teve-se em conta que as normas constantes do n.º 2, alínea g), e dos nºs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 do artigo 8º, da Lei n.º 30/92, foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 868/96, P.º n.º 613/92, de 4.07.96 ([16]).

Convém, no entanto, explicitar algo mais no que concerne às pretendidas alterações constantes da Lei n.º 30/92 e à declaração parcial de inconstitucionalidade.

Para além das modificações da alínea g), de momento despiciendas, dizia-se nos restantes números do artigo 8º:

"4. Os serviços mínimos previstos no n.º 1 podem ser definidos por convenção colectiva ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.

5. Não havendo acordo anterior ao pré-aviso quanto à definição dos serviços mínimos previstos no n.º 1, o Ministério do Emprego e da Segurança Social convoca os representantes dos trabalhadores referidos no artigo 3º e os representantes dos empregadores, tendo em vista a negociação de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar.

6. Na falta de acordo até ao 5.º dia posterior ao pré-aviso de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior é estabelecida por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do Ministro do Emprego e da Segurança Social e do Ministro responsável pelo sector de actividade, com observância dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

7. O despacho previsto no número anterior produz efeitos imediatamente após a sua notificação aos representantes referidos no n.º 5 e deve ser afixado nas instalações da empresa ou estabelecimento, nos locais habitualmente destinados à informação dos trabalhadores.

8 . Os representantes dos trabalhadores a que se refere o artigo 3.º devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos nos n.ºs 1 e 3, até quarenta e oito horas antes do início do período de greve, e, se não o fizerem, deve a entidade empregadora proceder a essa designação.

9. No caso de incumprimento das obrigações previstas nos n.ºs 1, 3 e 8, pode o Governo determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável".

Justificam-se duas observações: uma, quanto à repristinação de normas, subsequente à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; outra, no que toca à remissão para a lei, feita expressamente pelo novo n.º 3 do artigo 57º da Constituição, na versão de 97.

Com efeito, o Tribunal Constitucional, no citado aresto, após exame das actas probatórias da tramitação do processo legislativo, constantes do respectivo Diário, concluiu que não fora observado o disposto no n.º 2 do artigo 171º da Constituição (o n.º 2 do artigo 168º depois da Revisão de 1997), uma vez que havia algumas normas (da que seria a Lei nº 30/92) que não tinham sido objecto de votação na especialidade, de modo autónomo e explícito, posto que englobadas na votação final global, o que violava a lógica distinta de cada uma das etapas de formação da vontade ínsita no iter legislativo, redundando na inconstitucionalidade formal de tais normas.

É certo que o disposto no n.º 6 do artigo 8º não se encontrava afectado pelo mesmo vício. Todavia, o Tribunal Constitucional considerou que "desinserida do texto global em que funcionalmente se harmoniza(va), a norma perd(ia) sentido, entendendo-se, assim, que, por arrastamento, acompanha as demais, tornando-se consequencialmente inconstitucional".

De acordo com o disposto no artigo 282º, n.º 1, da Constituição, após esta declaração de inconstitucionalidade parcial, teve lugar a repristinação da norma do n.º 4 do artigo 8º da Lei da Greve, na sua redacção originária, semelhante aliás à do n.º 9 da Lei n.º 30/92.

Sublinhe-se, de passagem, que o Tribunal havia sido chamado a pronunciar-se, em sede de fiscalização preventiva de constitucionalidade, quanto a tal diploma, nomeadamente na parte em que dava nova redacção ao artigo 8º, n.º 6, da Lei n.º 65/77, face a dúvidas sobre a sua conformidade com os princípios da precisão ou determinabilidade das leis e da reserva de lei e, ainda, perante o disposto nos artigos 18º, n.º 3 e 57º, n.ºs 1 e 2 da Constituição, não se tendo pronunciado pela inconstitucionalidade.

A segunda nota traduzir-se-á na interrogação seguinte: uma vez que o recente n.º 3 do artigo 57º da Constituição remete para a lei ( formal - v. artigo 165º, n.º1, alínea b) ([17])), será que deixou de relevar o dispositivo do artigo 8º da Lei n.º 65/77, no qual se concretizam certas obrigações durante a greve?

No confronto entre o direito constitucional novo com o direito ordinário anterior, Jorge Miranda ([18]) entende que este continua, perdura, "com novo fundamento da validade e sujeito aos princípios materiais da nova Constituição e que somente em caso de contradição deixará de vigorar". A Constituição penetra-o e envolve-o nos seus valores e, nessa medida, pode dizer-se "recriado ou novado".

Mas para uma situação de Revisão Constitucional, e para o caso do direito ordinário conforme com os preceitos revistos da Constituição, aquele Autor não faz sequer apelo ao instituto da novação, dizendo:

"Se as normas decretadas por revisão extraem a sua validade da Constituição (ou dos princípios constitucionais), dela também hão-de extraí-la as normas da lei ordinária, por maioria de razão. Mudando a norma constitucional sem que se afecte a norma legislativa antecedente (que com ela continua conforme) nenhum efeito se regista: a norma legislativa era válida e válida continua - à face da Constituição como um todo".

Não se tem notícia de que alguém tivesse suscitado dúvidas sobre a constitucionalidade da "regulamentação" consignada no artigo 8º da Lei da Greve, o que poderia então levar a outro tipo de considerações.

Nesta linha, entendemos também que se mantém em vigor aquele dispositivo, ainda que amputado, nos termos da descrita declaração do Tribunal Constitucional, enquanto o legislador não intervier (de novo), dado que o regime actual é susceptível de aperfeiçoamento e de maior clarificação. Aliás, trata-se de uma lei da Assembleia da República e, como se viu, a Revisão Constitucional visou, nesta parte, constitucionalizar os princípios gerais já consignados no artigo 8º da Lei da Greve.


3.2. Apesar da sua consagração constitucional, o direito à greve, tal como outros direitos fundamentais, não goza da prerrogativa de um direito de carácter absoluto, no sentido da sua completa sobreposição aos restantes. Os seus limites advêm desde logo do próprio conteúdo do n.º 3 do artigo 57º da Constituição, na medida em que as necessidades sociais impreteríveis da população não podem ser postergadas pelo seu exercício. Por outro lado, a sua actuação dinâmica obriga à conciliação ou harmonização prática com outros direitos e valores também constitucionalmente tutelados.

"É que, por um lado, a conexão no plano axiológico entre serviços essenciais e direitos fundamentais situados ao mesmo nível constitucional do direito de greve, impõe mútuas limitações com conteúdo material objectivo, e, por outro, a excepcionalidade da limitação pressupõe uma consideração gradativa sobre a intensidade da restrição, com referência à incidência de cada actividade ou cada serviço no exercício dos direitos fundamentais pelos membros da comunidade" ([19]).

Haveria que atender particularmente à questão dos "limites externos" do direito de greve, tendo em vista impedir o seu uso abusivo, o qual se reveste de particular "complexidade e melindre ...sobretudo porque a sua abordagem envolve a articulação de dois conceitos difusos: o da "necessidade social impreterível" e dos "serviços mínimos" ([20]), sendo aquele subordinante do segundo, pelo que deve ser analisado num primeiro momento lógico.

Empresas, estabelecimentos - ou serviços ([21]), acrescentaríamos - que se dedicam à satisfação de "necessidades sociais impreteríveis" serão "aqueles cuja actividade se proponha facultar aos membros da comunidade aquilo que, sendo essencial ao desenvolvimento da vida individual ou colectiva, envolvendo, portanto, uma necessidade primária, careça de imediata utilização ou aproveitamento, sob pena de irremediável prejuízo daquela" ([22]).

A vida, a liberdade, a saúde, a tranquilidade pública, a segurança dos cidadãos, a preservação dos suportes do emprego e da economia, têm sido apontados como direitos e valores cuja protecção o sistema constitucional garante e que podem entrar em rota de colisão com certas condições de exercício em concreto do direito de greve.

Tem-se igualmente afirmado que a essencialidade dos bens e serviços se liga ao respeito pelos direitos fundamentais, pelas liberdades públicas e pelos bens constitucionalmente protegidos ([23]).

3.3. Segundo Díez Sánchez ([24]), de duas concepções básicas costumam os legisladores lançar mão para definir os serviços como essenciais: a que aceita uma noção aberta, indeterminada, uma espécie de cláusula geral, a integrar mais ou menos casuisticamente, e outra que se socorre de um sistema de lista (taxativa), na qual se enumeram os serviços que obedecem a tal qualificação. Esta, por seu turno, pode ainda socorrer-se de uma acepção estrita em que a essencialidade do serviço estaria vinculada à sua imprescindibilidade - seria o caso da "saúde pública e segurança do cidadão (clínicas e serviços sanitários de urgência, bombeiros, juízes, polícia, funcionários de prisões, abastecimento de água, gás e electricidade, em centros urbanos de certas dimensões...) ou daqueles sem cujo funcionamento a sociedade entraria em colapso imediato (abastecimento de víveres ou energia, protecção vital das pessoas e comunicações)". Numa concepção ampla a essencialidade aparece ligada às necessidades da população implícitas nos direitos fundamentais, incluindo, para além dos mencionados na outra acepção, os transportes, escolas e centros de ensino, meios de comunicação de massas e administração pública.

De acordo com o mesmo Autor, "a aplicação da doutrina que pugna pelo escalão constitucional dos direitos em conflito (direito de greve e satisfação de outros direitos, liberdades fundamentais e bens constitucionalmente protegidos), requererá uma adequada ponderação para cada caso, partindo da identificação dos bens afectados pelo exercício do direito de greve. Tal identificação, imprescindível para determinar quando se há-de ter como essencial um serviço, haverá de efectuar-se a partir de uma correcta valoração dos bens em conflito, e não se limitar ao recurso fácil à invocação da prevalência de um interesse geral".

O que apontará, diríamos, para uma construção paulatina da noção, baseada menos em arquétipos prefigurados do que na análise das várias situações concretas, sendo certo que a jurisprudência espanhola não tem tido dúvidas em englobar nos serviços essenciais, por exemplo, os estabelecimentos penitenciários e os órgãos de Administração da Justiça.

Nesta tentativa de estabelecer um ponto de equilíbrio entre o exercício do direito de greve e o sacrifício de interesses colectivos essenciais derivado desse exercício, este Conselho não tem, no entanto, deixado de salientar que da aplicação do texto do artigo 8º da Lei da Greve "não pode resultar, de forma alguma, a prática inutilização do direito de greve". Se, de facto, não se quiseram imolar quaisquer direitos fundamentais ao direito de greve, também, por outro lado, não se quis sacrificar este àqueles: visou-se apenas atingir o necessário ponto de equilíbrio entre um e outros ([25]).

Por isso que a interpretação de qualquer preceito que lhe estabeleça restrições deva ser feita em termos de não inutilizar esse direito, de garantir o seu núcleo fundamental.


4.

Aproveitando o breve enquadramento delineado, seria o momento oportuno para, desde já, procurar indagar se os serviços de Administração da Justiça, grosso modo, os tribunais, devem ser considerados serviços essenciais.

Afigura-se, porém, mais prudente, e, para o caso, mais de acordo com o objecto da consulta, confinarmo-nos ao específico domínio para que foi decretada a greve dos Funcionários Judiciais, ou seja, ao funcionamento total dos tribunais de turno "das 0 às 24 horas de todos os sábados, domingos e feriados, por tempo indeterminado".

O que implica a ponderação do relevo a atribuir aos serviços que estão em causa e à participação dos Funcionários Judiciais na realização dos mesmos.


4.1. A denominada Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 376/87, de 1 de Dezembro ([26]), invoca no seu preâmbulo a necessidade de adaptar a organização judiciária, a organização das secretarias judiciais e dos serviços do Ministério Público - para o qual se cria um quadro próprio de funcionários ([27]) -, com vista a viabilizar a entrada em funcionamento do novo Código de Processo Penal.

A redacção originária do artigo 3º dispunha sobre o "Horário de funcionamento". Todavia, quer quanto aos dias úteis, quer quanto aos sábados, domingos e feriados, ficara ressalvado o dever de permanência (dos funcionários) para a prática dos actos urgentes decorrentes da detenção de pessoas - artigos 254º e 255º do Código de Processo Penal, para os quais se remetia ([28]).

Mediante alterações do Decreto-Lei n.º 378/91, de 9 de Outubro, foi aditado ao referido artigo 3º do Estatuto das Secretarias Judiciais e dos Oficiais de Justiça ([29]) , um número 4, do seguinte teor:

"O disposto nos números anteriores não obsta a que, por Portaria do Ministro da Justiça, se definam as secretarias judiciais que funcionam em regime permanente através do recurso a trabalho por turnos, nos termos gerais".

As futuras alterações ao preceito, no sentido da previsão de tribunais de turno, ficavam de algum modo anunciadas e vieram a colher maior concretização nas modificações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 364/93, de 22 de Outubro. Para o serviço urgente previsto no CPP e na Organização Tutelar de Menores, as secretarias dos tribunais de 1ª instância funcionariam aos sábados, domingos e feriados, mediante turnos que abrangeriam todos os oficiais de justiça do quadro respectivo, sendo estes organizados pelo secretário judicial e pelo funcionário que chefiasse os serviços do Ministério Público, devendo ser compensados nos termos da lei geral.

Sendo as tarefas respeitantes ao serviço urgente dos tribunais presididas ou dirigidas pelos Magistrados é natural que outras regras se lhes refiram. E assim o n.º 1 do artigo 90º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), na redacção da Lei n.º 24/92, de 20 de Agosto ([30]), veio dar resposta às necessidades de serviço urgente previsto no CPP e na OTM, permitindo a organização de turnos de Magistrados. Regime a cuja pormenorização procedeu o Decreto-Lei n.º 167/94, de 15 de Junho, devendo os tribunais de turno ser indicados em Portaria conjunta dos ministros das Finanças e da Justiça, e ser organizados em obediência às regras estabelecidas em tal diploma.

Por inclusão naquele decreto-lei, mais uma vez se alterou o mencionado artigo 3º do Decreto-Lei n.º 376/87, dizendo-se expressamente que "as secretarias funcionam igualmente aos sábados, domingos e feriados quando, para efeitos de funcionamento dos respectivos tribunais, sejam organizados turnos de magistrados", providenciando-se ainda pela indicação de quem e como deviam ser organizados os turnos de funcionários, suplemento remuneratório a auferir, e regras a observar nas designações.

Não ficaram por aqui as múltiplas alterações legislativas nesta matéria, o que demonstra a sua relevância mas também a busca de estabilidade de conceitos e regimes.

Pela Lei n.º 44/96, de 3 de Setembro, voltou-se aos tribunais de turno.

Ao mesmo tempo que se procedia à criação de 50 destes tribunais, para cobertura de todo o país, modificavam-se mais uma vez os preceitos organizativos e estatutários respectivos.

Alterou-se novamente o artigo 90º da LOTJ, aí se estipulando a fixação de turnos de magistrados para resposta ao serviço urgente nas férias judiciais - o que assim é declarado por disposição legal - e, o que ora nos importa, "para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal e na Organização Tutelar de Menores que deva ser executado aos sábados, domingos e feriados" (n.º 2). A ausência dos Magistrados nas férias judiciais e nos sábados, domingos e feriados não pode prejudicar a execução do serviço urgente ([31]).

Norma de natural conciliação do trabalho dos Magistrados e dos Funcionários é a do artigo 22º-C desta lei, ao estipular no n.º 4 que "a duração diária do serviço no tribunal de turno coincide com a do funcionamento das secretarias, devendo prolongar-se para completa execução do serviço que se encontre em curso".

Quanto aos Funcionários de Justiça importa conhecer a redacção actual conferida por esta lei aos artigos 3.º, 82º, 85º, do citado Decreto-Lei n.º 376/87, e artigo 7º-A.

Renova-se no n.º 3 daquele artigo 3º a conciliação do horário de funcionamento das secretarias com as exigências do serviço urgente efectuado em virtude do CPP e OTM, a executar aos sábados, domingos e feriados, passando a dispor o n.º 4:

"O serviço urgente que deva ser executado para além do horário de funcionamento das secretarias é assegurado, sob a superior orientação dos magistrados, pela forma acordada entre os funcionários que chefiem os respectivos serviços judiciais e do Ministério Público".

O sistema de retribuição deste tipo de trabalho é regulado por Portaria dos ministros das Finanças e da Justiça, nos termos da nova redacção dada ao artigo 82º. De acordo com a nova redacção do artigo 85º, os funcionários de justiça passaram a ter direito, em cada ano civil, a um período de férias igual ao previsto no regime geral do funcionalismo público mas "acrescido de tantos dias de descanso quantos os de prestação de serviço em dia de descanso semanal, complementar e feriado, designadamente em secretarias de tribunais de turno, relativos ao ano anterior" ( n.º 1)

A designação de oficiais de justiça com vista à execução daquele serviço urgente recairá no universo de funcionários que exerçam funções em todas as secretarias dos tribunais com sede nas comarcas abrangidas pelo tribunal de turno - artigo 7º-A, n.ºs 1 e 2 - sendo essa designação da competência dos funcionários que chefiem os serviços judiciais e do Ministério Público das secretarias dos tribunais cuja sede se encontre em cada comarca abrangida pelo tribunal de turno (com um regime especial para o Tribunal de Turno do Porto). A designação deve ser precedida de audição dos funcionários e estar concluída, sempre que possível, com a antecedência mínima de 60 dias.

Nos termos do n.º 6 deste artigo 7º-A, é especificada a quantidade de funcionários para cada secretaria de tribunal de turno, e por cada dia, a qual só pode ser modificada por decisão do director-geral dos Serviços Judiciários, devidamente fundamentada. Nas suas ausências, faltas e impedimentos, os oficiais de justiça designados são substituídos por aqueles que se lhes sigam na ordem de designação ([32]).


4.2. Pormenorizemos um pouco mais o conteúdo do serviço urgente que determinou a fixação de turnos nos tribunais.

Trata-se do serviço urgente que deva ser executado por imposição de disposições do Código de Processo Penal e da Organização Tutelar de Menores (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro ([33]).

Os dispositivos em causa dão sequência a normas constitucionais que consagram "direitos, liberdades e garantias".

O direito à liberdade e à segurança está inscrito no n.º 1 do artigo 27º da Constituição, ninguém podendo ser total ou parcialmente privado de liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de crime punido com pena de prisão ou de aplicação de medida de segurança. Através do n.º 3 descriminam-se as excepções a tal princípio, entre as quais se inclui a detenção ou a prisão preventiva.

Imperativamente, a detenção de alguém "será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ([34]) ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa" - n.º 1 do artigo 28º seguinte.

Tem natureza excepcional a prisão preventiva, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei, segundo preceitua o n.º 2 do mesmo artigo. É evidente a preocupação constitucional em limitar, no máximo possível, a prisão que não seja decretada ou avaliada por autoridade judicial.

Por outro lado, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, acrescenta-se no n.º 2 do artigo 32º, tendo sido banida na Revisão Constitucional de 1997, a referência anterior à "culpa formada".

Naturalmente que no CPP se encontram vertidas e reguladas aquelas normas, no sentido de lhes conferir o máximo de praticabilidade.

Com efeito, como já foi assinalado na própria consulta, o n.º 1 do artigo 141º do CPP estabelece a obrigação de o arguido detido, que não seja julgado de imediato, ser interrogado pelo juiz de instrução no prazo máximo de 48 horas após a detenção ([35]). O dispositivo do artigo 142º seguinte aponta no mesmo sentido da improrrogabilidade dessa audição, na medida em que se confere competência ao juiz de instrução da área em que a detenção se tiver operado para efectuar essa audição, quando haja fundado receio de se exceder o prazo de apresentação do detido com a sua deslocação para o juiz normalmente competente. O mesmo sucede com a norma do artigo 143º, a qual permite um primeiro interrogatório sumário do detido pelo Ministério Público, no caso de não ser interrogado pelo juiz de instrução "em acto seguido à detenção", podendo este decidir-se logo pela sua libertação.

Tais preceitos, bem como os artigos 254º a 261º, que se reportam à detenção, estão repassados da ideia de que a detenção de alguém, sem apresentação ao juiz, deve ser o mais limitada possível no tempo, podendo o detido ser liberto não apenas pelo Ministério Público, nas circunstâncias já referidas, como pelas autoridades não judiciárias, como é a situação dos órgãos de polícia criminal, "logo que se tornar manifesto que a detenção foi efectuada por erro sobre a pessoa ou fora dos casos em que era legalmente admissível ou que a medida se tornou desnecessária" (artigo 261º).

Ainda em sintonia com o imperativo da urgência se encontra o disposto no artigo 103º, n.º2, do mesmo Código, ao exceptuar do regime-regra de atendimento a realização de "actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas", permitindo até o interrogatório de arguido entre as zero e as seis horas, desde que em acto seguido à detenção.

Cumprirá ainda salientar que a regra de que os funcionários de justiça lavram os termos do processo e passam os mandados no prazo de dois dias sofre a excepção do n.º 2 do artigo 106º, onde se ressalva a hipótese de haver arguidos detidos ou presos e ficar afectado o tempo de privação de liberdade, caso em que "os actos são praticados imediatamente e com preferência sobre qualquer outro serviço".

Finalmente, cabe referir que o artigo 382º do Código Penal incrimina a conduta de funcionário que abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo, ou causar prejuízo a outra pessoa ([36]).

Sublinha-se ([37]) que a não apresentação do detido ao juiz no prazo legal, pode acarretar as seguintes consequências: responsabilidade criminal (e eventualmente disciplinar) da pessoa encarregada de proceder à apresentação; responsabilidade civil do Estado ( indemnização ao arguido); possibilidade de recurso ao expediente de "habeas corpus".

Também quanto à jurisdição de menores se detectam (na OTM) regras especiais sobre a celeridade a observar na sua apresentação à autoridade judicial - artigos 13º, 15º, 49º, 50º e 70º ( este sobre direito subsidiário).

Se, por qualquer motivo, não for possível a entrega imediata do menor ao tribunal, deve ser confiado à família, ao responsável pela sua educação ou a instituição de educação ou assistência - artigo 49º, n.º 2.

Admite-se, porém, que naquele caso, excepcionalmente, possa permanecer em compartimento apropriado de corporação policial ou que seja entregue no estabelecimento tutelar mais próximo até que cesse a causa de impossibilidade de apresentação ao juiz.

Sob pena de inconstitucionalidade, numa situação equivalente à de prisão, tal apresentação terá de ocorrer dentro do prazo limite de 48 horas, pois de outro modo a jurisdição de menores, vocacionada para uma maior protecção, actuaria em seu detrimento, comparativamente com os restantes cidadãos.

Para a jurisdição de menores podem ainda hipotizar-se outras situações carentes da prestação de serviços mínimos, as quais ameacem atentar contra valores protegidos constitucionalmente - v.g., a inseparabilidade entre pais e filhos, a que se alude no artigo 36º, nº 6, da CR, formas de abandono de menores, tal como se prevê no artigo 69º, nºs 1 e 2.


4.3. Do que acaba de ser recordado é fácil concluir que o bem primacial em causa na actividade desenvolvida pelos tribunais de turno é o da liberdade dos cidadãos, quer na sua vertente positiva de fruição, o que engloba o direito a não ser preso pelas autoridades públicas, salvo nos casos previstos no artigo 27º, n.º 3, da Constituição, ou por qualquer forma aprisionado ou impedido fisicamente de se locomover conforme for de sua vontade, quer na vertente negativa da restrição de liberdade, se tiver existido, pelo menor período de tempo.

Em plano imediato ou até concomitante surge o valor da segurança dos cidadãos, texto constitucional que comporta duas dimensões, uma, a mais corrente, traduzida num direito à protecção através dos poderes estaduais contra ameaças ou agressões de terceiros, mas também uma outra, associada ao direito à liberdade, e que se concretiza no direito de defesa perante agressões dos próprios poderes públicos ([38]).

Quer isto dizer que o acto de apresentação do detido ao magistrado judicial pode servir não apenas o objectivo de garantia da segurança da comunidade em geral, que foi e pode continuar a ser atingida através de ameaças ou ofensas a bens jurídicos pessoais, societários ou patrimoniais, mas também a defesa do detido contra uma injusta agressão dos poderes públicos, ao privarem-no de liberdade em violação das condições fixadas por lei.

Vigilante imediato do direito à liberdade e também do direito/garantia à segurança é a autoridade judiciária, a quem o detido deve ser presente em curto espaço de tempo após a detenção.

Atendendo aos interesses em jogo, delimitados expressamente pela Constituição, a qual vai ao ponto de fixar estritos prazos para a apreciação das situações, não temos dúvidas em considerar como essenciais os serviços que os tribunais são chamados a prestar quanto a cidadãos detidos ou presos, ao efectuarem as diligências necessárias à ponderação sobre se devem ser restituídos à liberdade ou permanecer em prisão preventiva, ou ser-lhes aplicada alguma medida restritiva da completa liberdade.

Todo o movimento legislativo dos últimos anos e que culmina pela criação de tribunais de turno é indicativo da essencialidade de tais serviços que no fundo se destinam a avaliar, tendo em conta a dignidade do cidadão e os interesses de segurança da restante comunidade, se se justifica ou não a manutenção de uma medida tão onerosa como é a privação ou mesmo a restrição da liberdade.

5.

Qualificados estes serviços a prestar pelos tribunais de turno como satisfazendo necessidades sociais impreteríveis - o que não se crê de todo contestável - cabe então, numa segunda etapa, tentar estabelecer os contornos dos serviços mínimos indispensáveis à sua satisfação ([39]).

Com o que estaremos a responder à primeira questão posta pela consulta.

A lei aponta para um conjunto de tarefas que garantam o nível mínimo de actividade indispensável a um funcionamento que não é possível interromper. O que não se poderá aprioristicamente determinar, como já se deixou dito, é a qualidade e a quantidade das prestações mínimas. Porque o direito de greve também é um direito fundamental, haverá que fazer um juízo de adequação ([40]) que parta da premissa de que a limitação deve ser o menos gravosa possível. De qualquer modo deve fixar-se "o nível indispensável para que um serviço preste a sua actividade e dê satisfação iniludível aos direitos ou bens com os quais pode colidir" ([41]).

Para Monteiro Fernandes ([42]), o conceito de "serviços mínimos" comportaria duas perspectivas definitórias: a primeira, tendo a ver com a medida da prestação e a natureza das necessidades a satisfazer, devendo situar-se na normal satisfação das impreteríveis necessidades; a segunda, que poderia corresponder a um grau de satisfação porventura inferior ao normal.

Embora sublinhando a "conotação de relatividade" do conceito, a determinar em concreto, inclina-se para que só a primeira perspectiva se conjugará com o sentido da lei, concluindo: "A ideia básica é a de que deve ser assegurado o volume de trabalho em cada momento necessário à imediata e plena satisfação das necessidades que, conforme o critério indicado, merecem a qualificação de impreteríveis" ([43]).

É de salientar que este Autor considera necessidades sociais impreteríveis a satisfação dos requisitos exigidos pela liberdade e segurança, já que, "pela sua inerência à vida individual e social, assumem carácter básico, "vital", insusceptível de compressão: a medida da sua satisfação é irredutível, por natureza" ([44]).

Exactamente nesta óptica acabada de enunciar, entende-se que os serviços mínimos a prestar pelos oficiais de justiça nos tribunais de turno serão aqueles indispensáveis ao atendimento dos cidadãos detidos que devam ser presentes quer para interrogatório sumário pelo Magistrado do Ministério Público quer para eventual subsequente interrogatório pelo Magistrado Judicial, dentro do prazo de 48 horas. Implicando, por isso, a realização das tarefas e diligências processuais a que os oficiais de justiça estão normalmente obrigados: proceder aos registos, lavrar os autos, cumprir os despachos exarados nos processos através dos actos materiais respectivos, internos ou externos.

Poderá observar-se que neste caso os serviços mínimos a desempenhar corresponderão aos serviços normais dos tribunais de turno. Tendencialmente assim será, ou não fosse o funcionamento dos tribunais de turno uma modalidade de serviços mínimos da Administração da Justiça, decerto os de grau mais proeminente ([45]).

Nem sequer se poderá raciocinar em termos de aquele prazo de 48 horas ser um período temporal a usar indiferenciadamente em qualquer dos seus momentos, pois que quanto mais dilatada for a permanência na situação de detido, na hipótese de vir a ser libertado, maior é o ónus que o cidadão suporta.

A lei conferiu a este tipo de actividade relacionada com a apreciação dos motivos da detenção de alguém e com a tomada de uma decisão judiciária um carácter de imperatividade e urgência que não se compadece com qualquer gradualização no seu desempenho.

Em suma: serviços mínimos nos tribunais de turno são, por via de regra, todos os que a estes estão cometidos e que, pela sua premência na execução, implicam um verdadeiro regime excepcional no atendimento dos cidadãos que por aí transitam na situação de detidos.

Nem se diga que por esta via se inviabiliza ou comprime de forma excessiva e desproporcionada o direito de greve nos tribunais, pois é sabido como em muitas outras áreas de intervenção destes órgãos de soberania não se colocam em tão elevado cume os interesses da pessoa singularmente considerada, sendo congemináveis diversas hipóteses de paragem do trabalho sem consequências de dano tão agudo ([46]).
Valerá a pena recordar a similitude dos serviços mínimos dos tribunais de turno com outras situações em que igualmente se justificarão, como por exemplo, quanto à apresentação de detidos provisoriamente com vista à extradição, às diligências respeitantes ao esclarecimento de mortes em condições desconhecidas, de modo a avaliar da dispensa ou não da valização da autópsia.


6.


Tendo concluído pela afirmativa quanto à essencialidade das necessidades a satisfazer pelos tribunais de turno, e da consequente prestação de serviços mínimos, cabe indagar sobre a segunda questão: qual a entidade competente para os fixar.


6.1. No Parecer n.º 22/89 ([47]), este Conselho foi convocado a apreciar questões relacionadas com uma declaração de greve do pessoal de investigação criminal da Polícia Judiciária, por períodos que iam das 18 às 9 horas do dia seguinte, nos dias úteis, e das 0 às 24 horas dos sábados, domingos e feriados. Aí se colocava também a questão de saber a quem competia determinar o nível e extensão dos serviços mínimos que deviam ser assegurados pelos trabalhadores em greve.

Depois de se afirmar que pela natureza das respectivas atribuições - de prevenção e investigação criminal - a Polícia Judiciária constitui um serviço público essencial que se destina a satisfazer necessidades sociais fundamentais, pelo que resulta directamente da lei que às associações sindicais e aos trabalhadores em greve cabe a obrigação de prestação de serviços mínimos, entendeu-se que "a definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos indispensáveis, releva de interesses fundamentais da colectividade, depende em cada caso da consideração de circunstâncias específicas, segundo juízos de oportunidade e compete ao Governo" (conclusão 11ª) (sublinhado agora).

Repetiu-se a posição que tem sido seguida por este Conselho, isto é, que as obrigações impostas às associações sindicais e aos trabalhadores em greve, determinadas pelo fim de continuidade do funcionamento dos serviços essenciais no mínimo indispensável, se posicionam à margem da execução do contrato, fora do contrato, o qual fica suspenso durante a greve, constituindo obrigações legais e não contratuais, não tendo sujeito activo nominado ([48]).

E porque a decisão sobre o seu conteúdo pode transformar--se em factor de conflito entre as partes não deverá ser deixada na disponibilidade de nenhuma delas, "mas submetida à decisão de uma entidade, em princípio, imparcial".

No caso, porque estavam em causa valores implicando considerações de ordem pública, apareceria o Governo, até por razões constitucionais de defesa da legalidade democrática e de tomada das providências necessárias à satisfação das necessidades colectivas - então o disposto nas alíneas f) e g) do artigo 202º da Constituição, hoje do artigo 199º - como a entidade adequada.

Argumentou-se ainda com a norma do n.º 4 do artigo 8º, da Lei da Greve a qual permite ao Governo determinar a requisição ou mobilização se os serviços mínimos não estiverem a ser assegurados, o que teria implícita a competência prévia para a definição do âmbito e nível daqueles serviços mínimos ([49]).

A propósito de situações de greve em serviços de saúde e hospitalares, considerados também de natureza essencial, este corpo consultivo repetiu a mesma conclusão ([50]), depois de se ter dado conta das hipóteses conhecidas na experiência comparada quanto à definição de serviços mínimos: por comissões de composição mista, através de directivas de Confederações de Sindicatos, ou pela autoridade governamental - normas de ordem pública - com a imposição de motivação das medidas adoptadas.

Embora se afirme que cabe às associações sindicais ou à comissão de greve designar os trabalhadores (em greve) necessários ao cumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos, aquele parecer enfatiza, no entanto, que tal obrigação pode não nascer se o empregador resolver o problema do funcionamento normal de tais serviços recorrendo a trabalhadores disponíveis, não aderentes à greve ([51]).


6.2. Oportunamete se aludiu à Lei n.º 30/92, de 20 de Outubro, a qual se debruçava com detalhe sobre a definição dos serviços mínimos: 1.ª fase - por convenção colectiva ou acordo com os representantes dos trabalhadores; 2.ª fase - negociação de acordo entre representantes dos trabalhadores e dos empregadores, por iniciativa e perante o Ministério do Emprego e Segurança Social; 3.ª fase - por despacho conjunto, devidamente fundamentado, dos ministros que tutelem o Emprego e Segurança Social e o sector de actividade em causa.

Aos representantes dos trabalhadores caberia designar os que ficavam adstritos à prestação dos serviços mínimos, procedendo a entidade empregadora à sua designação se aqueles não o fizessem até 48 horas antes do início do período de greve.

A aprovação desta lei - agora declarada inconstitucional exactamente no que concerne aos preceitos que estipulavam o aludido percurso de tentativa de concertação prévia dos serviços mínimos, e eventual decisão do Governo -, foi objecto de animada discussão no Parlamento ([52]).

Não obstante o valor relativo dos elementos aduzidos nessa discussão, em face da posição do Tribunal Constitucional - apesar de tudo, uma simples declaração de inconstitucionalidade formal -, valerá a pena respigar alguns pontos do debate.

A tónica essencial foi, por parte dos Partidos da Oposição, no sentido de a baixa conflitualidade em que se vivera não justificar a introdução de alterações à Lei da Greve, muito menos a sua substituição; por banda do Partido Maioritário, impunha-se conciliar o direito à greve com outros direitos de terceiros, respondendo a uma lacuna que a prática teria demonstrado funcionar contra os próprios sindicatos e trabalhadores, qual fosse a da indefinição dos serviços mínimos.

"O direito à greve é um direito sagrado dos trabalhadores que, como tal,...é um direito a "pesar", a concatenar com todos os direitos fundamentais dos cidadãos constitucionalmente consagrados", como sucede particularmente em matéria de serviços mínimos ([53]).

Críticas concretas à fixação dos serviços mínimos pelo Governo vieram da Oposição pois poderá conduzir - dizia-se - à "partidarização dos conflitos laborais", ficando impedido, na prática, o direito de greve, nomeadamente se, por exemplo, para horas de ponta dos transportes, o Governo fixar os serviços mínimos em 100%, sendo que tal pode vir a suceder logo nos serviços de administração directa ou indirecta do Estado ([54]).

Além disso, seria inconstitucional "o depósito nas mãos do Governo, que é a entidade patronal em muitos dos casos (a) definição dos serviços mínimos" ([55]).

Em Espanha existe lei expressa confiando à "autoridade governativa" o poder de fixar as medidas necessárias para assegurar o funcionamento quando a greve ocorra em empresas prestadoras de serviços públicos ou de reconhecida e insubstituível necessidade, e concorram circunstâncias de especial gravidade. Tem sido seguido o procedimento de o Governo ditar os serviços mínimos, mediante Reais Decretos, por sectores ou actividades, como já se anotou para o sector da Justiça e prisionais, remetendo--se a concretização do pessoal necessário para cobrir os serviços mínimos para a autoridade administrativa correspondente ou ao órgão de gestão e direcção dos serviços, que procederá à designação com prévia audição do Comité de Greve. As decisões da autoridade administrativa devem ser motivadas uma vez que coarctam o livre exercício de direitos fundamentais, indicando-se os factores ou critérios cuja ponderação conduziu a determinar quais são os serviços mínimos e em que nível se situam, não bastando fórmulas genéricas, aplicáveis a qualquer conflito, a fim de que futuramente possam ser sindicados tais actos.

Exige-se ainda que as medidas adoptadas garantam a proporcionalidade entre as restrições que se impõem aos trabalhadores em greve e as que são obrigados a suportar os utentes dos serviços essenciais, para o que devem ser tidos em conta factores como a extensão da greve, a duração prevista, a que já teve, as necessidades da concreta conjuntura ([56]).


6.3. Não deixará de se admitir que a decisão de considerar certo departamento como prestador de serviços essenciais e a consequente fixação de serviços mínimos, tomada pelos órgãos de direcção de um serviço directamente dependente do Governo, ou mesmo de um serviço personalizado, de um instituto público ou empresa pública, é susceptível de revestir a aparência de menos imparcialidade.

Dará, em menor grau, o flanco à crítica a decisão tomada pelo próprio Governo.

De qualquer modo, não se vê razão para abandonar a posição que vem sendo seguida por este Conselho, nos termos da qual é ao Governo que compete, em última instância, tomar as providências necessárias à satisfação das necessidades colectivas, bem como à defesa da legalidade democrática, tal como advém das alíneas f) e g) do artigo 199º da Constituição, e que se sublinhou anteriormente ([57]).

É certo que o novo n.º 3 do artigo 57º remete para a lei a definição das condições de prestação desses serviços mínimos, o que não se encontra cabalmente conseguido com o dispositivo actual.

Mas não será de todo inócuo argumentar que a frustrada (nessa parte) Lei n.º 30/92 acabasse por entregar ao Governo essa tarefa final.

E também que o Tribunal Constitucional ([58]) tivesse concluído pela constitucionalidade do preceito do n.º 6 do artigo 8º, atenta a importância dos interesses gerais que estavam na base da restrição e o facto de a intervenção administrativa constituir a ultima ratio, só ocorrendo na falta de acordo entre os protagonistas do conflito ([59]). Dá-se especial relevo ao despacho a proferir pelo Governo, em que o seu autor "tem de explicar como e porquê está a observar os critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade. A reiteração por lei destes critérios constitui ela própria a fixação de uma directiva ou parâmetro legal do dever de fundamentar, parâmetro este que a natureza das coisas dificilmente permitiria que fosse mais determinado. (...) A expressa imposição legal destes critérios, perfeitamente definidos e delimitados na dogmática jurídico-constitucional, garante a eficácia do controlo contencioso (...) do despacho conjunto de fixação dos serviços mínimos", pelo que a "solução em apreço não se desvia (...) do princípio constitucional da reserva de lei".

Como não será despiciendo assinalar que a Administração, ao prosseguir o interesse público, deve fazê-lo no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Resulta do n.º 2 do artigo 266º da Constituição que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar nas suas funções com observância dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade.
Por outro lado, a participação dos cidadãos nas decisões ou deliberações que lhes disserem respeito é um princípio também com inscrição constitucional - n.º 5 do artigo 267º.

Ademais, as decisões tomadas pelo Governo não deixam de estar sujeitas à possibilidade de controlo jurisdicional.

O que quer dizer que embora seja o Governo a usar do poder de fixar quais sejam os serviços essenciais e a determinar a medida dos serviços mínimos, não deve fazê-lo sem audição das associações sindicais ou comissões de greve, ainda quando haja trabalhadores disponíveis, não aderentes à greve, já que a situação pode alterar-se.

Será de notar, porém, que os trabalhadores disponíveis não podem ver o seu regime de prestação de "escalas de turno", onerado à revelia da sua permissão.

Isto independentemente do poder-dever que assiste ao Governo de determinar a requisição civil dos trabalhadores necessários ao seu cumprimento, de acordo com o disposto no n.º4 do artigo 8º da Lei n.º 65/77, que se colocará numa fase seguinte.


7.

Quais as consequências, nomeadamente no plano da obrigação de indemnizar por parte do Estado, do incumprimento da apresentação do detido dentro do prazo que a Constituição e a lei estabelecem - é a terceira questão.


7.1. Dispõe-se no n.º 5 do artigo 27º da Constituição:

" A privação de liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer" ([60]).

Em termos gerais, dispõe o artigo 22º, também da Constituição, que o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis solidariamente com os seus órgãos, funcionários e agentes, por acções ou omissões praticadas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Disposição que deve ser conjugada com a do artigo 271º, nomeadamente pelo que toca ao direito de regresso do Estado.

No Capítulo V ( do Livro IV, Título I) do Código de Processo Penal regula-se a indemnização por privação da liberdade, distinguindo-se no seu arbitramento conforme tenha havido manifesta ilegalidade ou erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia - artigo 225º ([61]).

Por esta forma dá-se cumprimento à injunção que constava daquele citado n.º 5 do artigo 27º, dispondo-se no artigo 226º seguinte quanto ao prazo e legitimidade.

Textos internacionais a que Portugal se encontra vinculado consagram o direito de ninguém ser privado de liberdade fora dos casos e pela forma estipulada na lei.

Os artigos 3º e 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem vedam a prisão ou detenção arbitrárias, e o mesmo se especifica no artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ([62]).

Também o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos prescreve em termos idênticos, ao mesmo tempo que assinala o carácter excepcional da prisão preventiva - artigo 9º ([63]).

Mas tais instrumentos vão também ao ponto de imporem um direito a indemnização por detenção ou prisão ilegal ou injustificada ([64]).


7.2. Anotar-se-á, porém, que a problemática subjacente à consulta não tem tanto a ver com a detenção ou prisão ([65]), ilegal ou injustificada, mas com o prolongamento da detenção para além do prazo constitucionalmente fixado (o mero retardamento de restituição à liberdade, mesmo que dentro do prazo das 48 horas poderá ainda ser invocado se resultante de inadequado cumprimento dos serviços mínimos) ([66]).

Poderá esta situação ser assimilada às que se encontram previstas nos aludidos artigos 225º e 226º do CPP?

Mostra-se, desde logo, de excluir a possibilidade de integração dos factos na norma do n.º 2 do artigo 225º, pois que ainda não se terá entrado, por via de regra, na fase de prisão preventiva.

Poderá, no entanto, dizer-se que se está perante uma detenção manifestamente ilegal, no caso de dilação da apresentação ao Juiz para além do prazo imperativo das 48 horas, integrando a situação no n.º 1 do artigo 225º?

Como nota preliminar adiante-se que, nestas circunstâncias, normalmente não se tratará de responsabilidade do Estado pela prática de actos lícitos.

O que estará em causa apurar será a forma como o Estado e/ou o funcionário ou agente podem vir a ser chamados a responder pela não libertação de detidos no prazo legal, e, no caso de condenação no pagamento da indemnização, como pode o Estado exercer um eventual direito de regresso contra aquele.

Consideremos, numa primeira aproximação, se a responsabilidade poderia vir a ser exercida com base no disposto no n.º 1 do artigo 225º do CPP, para, num segundo momento, aquilatarmos da pertinência de recurso a outros preceitos da lei constitucional ou ordinária, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.


7.2.1. Tem sido suscitada a questão de saber se os actos praticados no exercício da função jurisdicional propriamente dita integram ou não actividade de gestão pública, constituindo jurisprudência quase uniforme a que responde afirmativamente ([67]).

Todavia, no citado Parecer n.º 12/92, depois de se ter dado conta da jurisprudência francesa, que vem entendendo serem da competência dos tribunais comuns os litígios relativos ao funcionamento do serviço judiciário e aos actos de polícia judiciária - afastando-se a possibilidade de a jurisdição administrativa fazer o controlo de decisões de carácter jurisdicional -, disse-se, para o que ora nos importa:

"Os actos de privação da liberdade individual no âmbito do processo penal - detenção, prisão preventiva ou prisão resultante de decisão condenatória transitada em julgado - são, indubitavelmente, de natureza jurisdicional material.

"Os actos de detenção operados no âmbito do processo penal - que na forma comum começa com o inquérito - realizados pelo Ministério Público ou pelas autoridades de polícia criminal competentes podem qualificar-se, em razão da finalidade cautelar que prosseguem, de parajudiciais".

O regime indemnizatório de tais actos, praticados por quaisquer daquelas entidades, caberá aos tribunais comuns (jurisdição cível) ([68]), já que os tribunais que julguem os pedidos de indemnização a que se referem os artigos 225º e 226º do CPP não podem deixar de "julgar sobre os fundamentos fáctico-jurí-dicos da decisão de que derivou a privação de liberdade, certo que isso constitui o núcleo fundamental da causa de pedir dessas acções".

Repete-se, a final, que estavam em causa os "danos derivados da cominação de prisão preventiva ou detenção ilegal ou de prisão preventiva injustificada".

A situação apresentar-se-á aqui em termos diferentes.

Não há que avaliar uma decisão que tenha sido proferida, determinante da detenção ou da prisão, ou da sua manutenção. A detenção ou a prisão já foram efectuadas, com base em decisões prévias das respectivas autoridades. O que agora constituiria o punctum saliens seria a possibilidade de omissão de diligências de coadjuvação processual, por parte de funcionários, que levem à não apresentação, no prazo de 48 horas, do detido ou preso, a interrogatório da entidade competente, e subsequente decisão de libertação.

Não será a este tipo de situações que se dirige a previsão do artigo 225º do CPP, uma vez que não está em causa qualquer decisão judicial ou parajudicial.

Admite-se, porém, que a conclusão não seja isenta de dúvida.


7.2.2. Jusitificar-se-ia então explorar outro caminho.

O Conselho Consultivo teve oportunidade de examinar recentemente as disposições constitucionais mencionadas e o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.

Extractemos do Parecer n.º 46/97 ([69]) o que ora pode relevar:

"Algum tempo volvido sobre a entrada em vigor do Código Civil vigente – 1 de Junho de 1967 – onde se regulava a responsabilidade do Estado e outras pessoas colectivas públicas por actos de gestão privada, veio o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro, regular a responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública (X).

Em busca da justificação do diploma, Vaz Serra (X1) - que apresentara um anteprojecto e fora seguido nos aspectos essenciais – elucida sobre os interesses em causa: por um lado a necessidade de proteger terceiros lesados (a pessoa colectiva dá mais garantias de solvência que o titular do órgão, o funcionário ou o agente), e também a protecção destes, dada a complexidade de certas funções, a exposição ao risco de indemnização superior ao provento que a função lhe dá, a submissão a responsabilidade em que poderia incorrer, mesmo em caso de culpa leve (X2).

E voltado para a gestão pública (X3), sumariza assim o regime legal:

“...tratando-se de actos ilícitos praticados no domínio de actividades de gestão pública, a pessoa colectiva pública responde para com o lesado pelos actos dos seus órgãos ou agentes, praticados culposamente no exercício das suas funções e por causa desse exercício, gozando, todavia, se satisfizer a indemnização, de direito de regresso contra os titulares do órgão ou agentes, quando estes tiverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores aos exigidos em razão do cargo...”. E logo adiante: “Por outro lado, os titulares do órgão ou os agentes apenas respondem quando tiverem excedido os limites das suas funções ou procedido dolosamente no desempenho delas, sendo, neste último caso, solidariamente responsável a pessoa colectiva”.

“Portanto, os titulares dos órgãos e os agentes administrativos não respondem, em princípio, para com terceiros: quem, em princípio, responde perante estes é o Estado (ou outra pessoa colectiva de direito público), que, se satisfizer a indemnização, goza, nos termos já indicados, de direito de regresso contra os titulares do órgão ou agentes”.

"Olhemos mais em concreto a economia do Decreto-Lei n.º 48051, no que toca às modalidades de responsabilidade e aos sujeitos passivos da mesma.

O artigo 2º refere-se à responsabilidade civil do Estado e de outras pessoas colectivas públicas por “actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício” – artigo 2º, n.º1 –, prevendo-se o direito de regresso do Estado ou pessoa colectiva se os agentes singulares houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores aos exigíveis em razão do cargo – n.º 2. (...)

"Atentemos com um pouco mais de pormenor quanto aos sujeitos passivos da primeira modalidade, isto é, por factos ilícitos culposos.

Eis como Marcello Caetano resumiu as soluções daquele diploma (X4):

“- factos praticados fora do exercício das funções, ou no exercício delas mas não por causa desse exercício: responsabilidade exclusiva do titular do órgão ou agente;

- factos praticados no exercício das funções e por causa desse exercício, com dolo: responsabilidade solidária do titular do órgão ou agente e da Administração;

- factos praticados no exercício das funções e por causa desse exercício, com diligência e zelo manifestamente inferiores (ou inferiores na administração local autárquica (X5) aos que eram devidos em razão do cargo: responsabilidade exclusiva da Administração perante o lesado, mas com direito de regresso contra o titular do órgão ou agente;

- factos praticados no exercício das funções e por causa desse exercício, com diligência e zelo não manifestamente inferiores ... aos que eram devidos em razão do cargo: responsabilidade exclusiva da Administração.”

Podem, pois, verificar-se três hipóteses: a responsabilidade exclusiva do Estado ou pessoa colectiva pública; a responsabilidade exclusiva do titular do órgão ou agente; a responsabilidade solidária do Estado ou pessoa colectiva com os titulares dos seus órgãos ou agentes.

"3.2. Entretanto, com a publicação da CRP de 1976, na altura o artigo 21º, n.º 1, e a partir da Revisão de 82, o artigo 22º, as coisas parecem ter assumido contornos diferentes. Aí se diz:

“O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”

Outra norma aparece no Texto Fundamental ...que importa chamar à colação, o artigo 271º, onde se estipula:

“1. Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica.
....................................................................................

4. A lei regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes.”

"Em que medida se encontra alterada ou revogada a legislação anterior tendo por objecto a responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, incluindo as autarquias locais?

É matéria bastante controversa.

Vaz Serra (X6), quanto ao regime do actual artigo 22º, dizia que “não exclui que a responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas possa existir fora do âmbito desse artigo ...”, pois se limita a fazer uma proclamação da responsabilidade solidária.

No que toca ao artigo 271º, n.º 1, o mesmo Autor interrogava-se sobre se este preceito, “que declara os funcionários e agentes do Estado...responsáveis civilmente pelas suas acções e omissões de que resulte violação dos direitos ou dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos, afastará um regime (Dec.-Lei cit.: responsabilidade civil no âmbito dos actos de gestão pública) que, em princípio, só admite a responsabilidade da pessoa colectiva de direito público e apenas em certos casos também a dos titulares dos órgãos e dos agentes?” Acrescentava - ainda em termos interrogativos – se se teria querido submeter a responsabilidade dos funcionários e agentes do Estado por actos praticados no domínio da gestão pública às mesmas regras que são aplicáveis no âmbito da gestão privada.

Outros autores se vêm dando conta de uma certa conflitualidade do regime constitucional com o Decreto-Lei n.º 48.051, anterior à Constituição, e também com o do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, a denominada Lei das Autarquias Locais (artigos 90º e 91º) (X7) (...).

Não se oferecem dúvidas de que o preceito do artigo 22º respira um sentido ampliativo de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas para com o cidadão lesado nos seus direitos, liberdades e garantias, ou simplesmente prejudicado (iniquamente, em confronto com outros em condições idênticas)(...)

"E aquele sentido de alargamento pode albergar a responsabilidade do Estado por actos legislativos, jurisdicionais, e até políticos (X8), se a referência aos titulares dos seus órgãos for entendida não apenas para as entidades públicas mas para os órgãos do próprio Estado.

Que o disposto no artigo 22º tem de ser articulado com o artigo 271º, no que concerne à responsabilidade civil, é ponto também fora de questão, nomeadamente, no que toca a saber como se exerce o direito de regresso (X9).

Onde as dúvidas se tornarão mais agudas será no confronto do regime actual do Decreto-Lei n.º 48.051 quanto à responsabilização dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes que agiram com culpa mas apenas na forma de culpa leve - diligência e zelo não manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo – v. o artigo 2º, n.º 2 (X10).

Segundo aquele diploma, o Estado e demais pessoas colectivas não gozam de direito de regresso pelo que tiverem satisfeito ao lesado, em caso de culpa leve . Mas em face do artigo 22º da Constituição, o titular, funcionário ou agente do Estado, não só poderá ver-se sempre demandado – pois o lesado pode demandá-lo só, apenas o Estado ou ambos conjuntamente – como a sua responsabilidade não se encontraria excluída por virtude de ter agido apenas com culpa leve.

Será que o novo regime constitucional, não só visa uma responsabilidade solidária generalizada do Estado ou outras entidades públicas e dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes, o que aparentemente redundaria num reforço da posição do lesado, como ainda procura abranger estes em todas as modalidades de culpa nas suas acções ou omissões no exercício das suas funções e por causa delas (...)?

(...)"No tocante à afirmação da solidariedade, não repugna colocar o acento na garantia patrimonial que para o cidadão provém do facto de o Estado e as demais entidades públicas estarem sempre por detrás da satisfação da responsabilidade. Garantia que raramente sairá reforçada na prática pela adição do património do titular do órgão, do funcionário ou agente.

De onde se conclui que o regime da responsabilidade dos titulares de órgãos do Estado e demais entidades públicas, dos seus funcionários ou agentes se encontra numa fase não estabilizada, continuando-se à procura do equilíbrio entre o interesse de uma protecção (reforçada) do cidadão contra as entidades públicas, e o do funcionamento eficaz de cada serviço, onde o funcionário ou agente são peças fundamentais (...)".


7.3. A transcrição, ainda que extensa, ter-nos-á permitido melhor percepcionar os contornos das questões que se levantam.

Considerando que a actividade desenvolvida pelos funcionários judiciais em greve, quando desempenham os serviços mínimos, ainda continuaria a ser qualificável como de gestão pública, o Estado poderia vir a ser obrigado a indemnizar pelos actos omissivos de apresentação atempada dos detidos, nos termos do artigo 22º da Constituição e do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.

E quanto a um eventual direito de regresso?

Aceitando, como parece o mais adequado, que a actividade de coadjuvação processual, se bem que deva ser considerada de gestão pública, não é enquadrável na função judicial ou mesmo parajudicial ([70]), mas na administrativa, perfila-se uma dificuldade quanto à eventual responsabilização civil dos funcionários judiciais, no âmbito do disposto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, ainda que reunidos os outros pressupostos.

Na verdade, e como se referiu, a tese que este Conselho tem sustentado - não sendo uniforme na doutrina - é a de que os trabalhadores que cumprem serviços mínimos actuam fora do vínculo laboral/contratual normal, o qual se encontra suspenso. A sua obrigação de cumprimento dos serviços mínimos decorre apenas da lei.
Sendo assim, na hipótese de o Estado vir a ser accionado num pedido de indemnização por prejuízos derivados do prolongamento da detenção para além das 48 horas, não teria fundamento legal de regresso contra os funcionários que culposamente não procederam à execução dos actos materiais e processuais que haviam de permitir a atempada apresentação dos detidos aos magistrados (do Ministério Público ou Judiciais).

Todavia, pode argumentar-se em contrário, ou seja, no sentido da não exclusão do direito de regresso do Estado contra o trabalhador grevista que não cumpriu os serviços mínimos e esteve na origem da não apresentação atempada do detido, dizendo que a relação Estado-funcionário/agente, que a despeito da greve, se mantém para outros efeitos, também se manteve para este.

Colocando-nos ainda e apenas na óptica do eventual accionamento por responsabilidade do Estado, esta poderia vir a ser excluída, designadamente, na hipótese de terem sido tomadas todas as providências de indicação atempada dos serviços mínimos a cumprir pelos trabalhadores grevistas, e estes não terem sido executados por culpa exclusiva dos mesmos trabalhadores ([71])?

Ainda assim, a resposta negativa, isto é, a que continua a responsabilizar o Estado, é a que se mostra mais conforme com os textos internacionais aceites por Portugal, designadamente, o disposto no nº 5 do artigo 5º da CEDH, e a jurisprudência da Comissão e do TEDH. E também a que melhor se coaduna com o aludido sentido ampliativo da responsabilidade do Estado, que emana do artigo 22º da Constituição.


8.

Do exposto se extraem as seguintes conclusões:

1.ª - O direito de greve, a que se refere o artigo 57º da Constituição da República, é garantido aos trabalhadores da função pública;

2.ª - Não tendo ainda sido publicada a legislação prevista no n.º 2 do artigo 12º da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, relativa ao exercício do direito de greve na função pública, aplicam-se as normas gerais sobre o exercício do direito de greve, previstas em tal diploma, com as adaptações que se revelarem necessárias;

3.ª - Mediante a inclusão do novo n.º 3 no artigo 57º da Constituição, feita pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, visou-se a "constitucionalização" do que já se previa, quanto a serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, na Lei n.º 65/77, a qual, porém, se mantém em vigor (com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 30/92, de 30 de Outubro, e na parte não declarada inconstitucional);

4.ª - Os serviços que os tribunais são chamados a prestar quando da apresentação de detidos ou presos para decisão sobre a sua restituição à liberdade, completa ou com restrições, ou de manutenção em prisão preventiva, bem como os dos tribunais de menores em situações equiparadas, destinam-se a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, na medida em que estão em jogo os interesses da liberdade e segurança individual e da segurança colectiva dos cidadãos, valores estes protegidos constitucionalmente - artigos 27º e 28º;

5.ª - Durante a greve em serviços considerados essenciais, as associações sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades;

6.ª - Nos tribunais de turno, os serviços mínimos a prestar pelos oficiais de justiça são todos os necessários ao atendimento dos cidadãos detidos ou presos que devam ser presentes, quer para interrogatório sumário pelo Magistrado do Ministério Público, quer para eventual subsequente interrogatório pelo Magistrado Judicial, no mais curto espaço de tempo e nunca para além do prazo de 48 horas, assim como os respeitantes à jurisdição de menores em situações semelhantes, implicando a realização das tarefas e diligências processuais a que os oficiais de justiça se encontram estatutariamente obrigados;

7.ª - Compete ao Governo fixar o nível, conteúdo e amplitude dos serviços mínimos, em despacho fundamentado, não devendo fazê-lo sem audição das associações sindicais ou comissões de greve, ainda quando haja trabalhadores disponíveis não aderentes à greve;

8ª. - É da competência das associações sindicais ou da comissão de greve que, nos termos do artigo 3º da Lei n.º 65/77, representam durante a greve os trabalhadores aderentes, designar os trabalhadores em greve necessários ao cumprimento da obrigação de prestação dos serviços mínimos, na hipótese de não haver trabalhadores voluntariamente disponíveis;

9.ª - O indevido prolongamento da detenção ou prisão de cidadãos, para além das 48 horas, sem apreciação judicial - artigos 28, n.º 1, da Constituição e 141º, n.º 1 do Código de Processo Penal -, pode constituir o Estado na obrigação de indemnizar, com eventual direito de regresso sobre os trabalhadores em greve, ainda que o Governo tenha adoptado as providências necessárias à indicação atempada dos serviços mínimos a cumprir pelos trabalhadores grevistas, nos termos da conclusão 7.ª.



[1]) Philippe TERNEYRE, "Grèves dans les Services Publics", in Répertoire de Droit du Travail, Dalloz, Tome III, p. 2.
[2]) Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, "Curso de Direito do Trabalho", 2ª edição, Verbo, p. 168; António Monteiro Fernandes, "Direito do Trabalho", II, Relações Colectivas de Trabalho, Coimbra, 1994, p.271 e sgs..
[3]) Cfr., sobre esta matéria, os Pareceres deste Conselho, n.º 100/89, de 5 de Abril de 1990, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Novembro de 1990 e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 399, págs. 5 e segs., e 45/97, de 16.12.97, homologado por despacho de 22.01.98, do Ministro da Justiça, publicado no DR, II Série, nº 67, de 20.03.98.
[4]) Na redacção da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro. Corresponde ao artigo 58º na redacção da Lei Constitucional n.º 1/82, que reuniu os artigos 59º e 60º da primitiva redacção e 57º após a Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho.
[5]) Não se dispõe ainda das actas das reuniões da CERC.
Cfr. o DAR, I Série, n.ºs 96 e 100, de 18.07.97 e 24.07.97, respectivamente, quanto à discussão em plenário.
[6]) Deputado José Magalhães, DAR citado, de 18.07.97, p. 3506.
[7]) A Deputada Elisa Damião - loc. cit., p. 3508 - repetiu a mesma ideia de que o n.º 3 do artigo 57º "é a constitucionalização de um preceito já existente na sociedade portuguesa visando garantir a ordem e o respeito por outros valores igualmente constitucionalizados...".
[8]) Cfr., Monteiro Fernandes, "Direito de Greve - Notas e Comentários à Lei N.º 65/77, de 26 de Agosto”, Coimbra, 1982, p. 19.
[9]) Cfr., Monteiro Fernandes, "Direito de Greve ..., cit. p. 20.
[10]) Pareceres, n.º 123-B/76, de 3.03.77, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 265, pp. 57 e segs. e n.º 156/81, de 3 de Dezembro de 1981, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 316, p. 82, e no Diário da República, II Série, n.º 121, de 28.05.82, p. 4295.
[11]) Cfr., Bernardo Xavier, " A ilicitude dos objectivos da greve (A propósito do artigo 59º, n.º 2 da Constituição)", estudo publicado na "Revista de Direito e Economia", Ano V, n.º 2, Julho/Outubro de 1979, pp. 267 e segs., designadamente, pp. 304 e 305.
[12]) Do Parecer n.º 123-B/76, cit., e retomado em vários pareceres posteriores.
[13]) Não foi, até ao momento, cumprida esta previsão. O PSD apresentou, sobre o direito à greve na função pública, o Projecto de Lei n.º 109/I (Diário da Assembleia da República, I Legislatura, 2ª Secção Legislativa - 1977-1978, II Série, n.º 50, de 17 de Março de 1978) que, no entanto, não chegou a ser discutido.
[14]) Cfr. nota (17) do citado Parecer n.º 45/97.
[15]) A discussão parlamentar da Proposta e dos projectos de lei, de que resultou a Lei n.º 65/77, está documentada no Diário da Assembleia da República, I Série, nºs. 122, 123 e 127, de 29 e 30 de Junho e 9 de Julho de 1977, respectivamente.
[16]) Publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 240, de 16.10.96.
[17]) A qual se refere aos "direitos, liberdades e garantias".
[18]) “Manual de Direito Constitucional”, Tomo II, Coimbra, 1996, p. 275 e sgs..
[19]) Do citado Parecer n.º 45/97.
[20]) Monteiro Fernandes, op. cit., p. 298.
[21]) Na conclusão 4ª do Parecer n.º 41/86, de 19.03.87, inédito, disse-se: " Na administração pública, ao conceito de "empresa" usado nessa disposição (o artigo 2º da Lei da Greve) corresponde o de "serviço", entendido como uma unidade de organização funcional com individualidade suficiente para gerar conflitos colectivos específicos".
[22]) Parecer n.º 86/82, de 8.07.82, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 325, p. 252, no qual se apreciava o tema genérico dos serviços essenciais e, correspondentemente, das prestações mínimas a cumprir em período de greve, tendo-se concluído, além do mais, que não era possível enunciar, pela via regulamentar, os serviços ou esquemas que, em relação a cada sector, empresa ou actividade, devam ser definidos como meios de garantir os fins a que se referem os n.ºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei da Greve. .
[23]) No aludido Parecer n.º 45/97 - nota 23 -, deu-se conta da elaboração doutrinal e jurisprudencial em Espanha, nomeadamente, a partir das sentenças do Tribunal Constitucional Espanhol, 26/1981, de 17 de Julho, e 51/1986, de 24 de Abril, em que se constrói o conceito de serviços essenciais a partir de uma dupla acepção. Recopilou-se a doutrina pelo seguinte modo:
"Serviços essenciais serão aquelas actividades industriais ou mercantis das quais derivam prestações vitais ou necessárias para a vida em comunidade, colocado o acento conceptual no carácter necessário das prestações e na sua conexão com exigências vitais; ou (numa acepção conceptual restrita) um serviço é essencial, não tanto pela natureza de actividade que desenvolve, mas pelo resultado que se pretende com essa actividade, mais concretamente, pela natureza dos interesses a cuja satisfação se destina a prestação, e em consequência, para que um serviço se considere essencial, devem ser essenciais os bens e interesses satisfeitos, entendendo-se por estes os direitos fundamentais, as liberdades públicas e os bens constitucionalmente protegidos.
Segundo o TC espanhol, a linha interpretativa que coloca o acento do conceito nos bens e nos interesses da pessoa, é a que deve ser tida em conta por ser a que melhor se coaduna com os princípios que inspiram a Constituição. A consequência será que não existe a priori nenhum tipo de actividade que, por si, não possa ser considerada como essencial, e só o serão aquelas que satisfaçam direitos ou bens constitucionalmente protegidos e na medida e com a intensidade com que os satisfaçam".
A referência a estas decisões pode ver-se também em J.J. Díez Sánchez , "El derecho de huelga de los funcionarios públicos", ed. Civitas, SA, 1990, pp. 102 e sgs.., onde se colhe igualmente a indicação de que não é correcto afirmar que todos os serviços públicos são per se essenciais.
[24]) Op. cit., p. 105.
[25]) Cfr. Pareceres deste Conselho n.º 86/82, de 8 de Julho de 1982, n.º 100/89, de 5 de Abril de 1989, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, pág. 1242 e 399, pág. 8, respectivamente.
[26]) Objecto de rectificação no Diário da República, I Série, n.º 76, de 31.03.88.
[27]) Sendo certo que são funcionários de justiça tanto os indivíduos providos em lugares das secretarias judiciais como dos serviços do Ministério Público (artigo 28º), distribuindo-se pelos grupos e categorias a que se referem os artigos seguintes.
[28]) No mapa discriminativo do conteúdo funcional, a que se refere o artigo 37º, encontra-se explícita a colaboração devida pelos funcionários a tarefas em que intervenham Magistrados e à movimentação dos processos respectivos - cfr., para além das funções do pessoal de chefia, o disposto nas alíneas d), e), f), g), j), l) e m) , do Mapa I, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 364/93, de 22 de Outubro.
[29]) Designação porventura menos feliz do que a de "Lei Orgânica" (para as Secretarias).
[30]) Regulamentada pelos Decretos-Leis n.ºs 312/93, de 15 de Setembro e 364/93, de 22 de Outubro. Cfr. especialmente, os artigos 21º-A e 22º-A.
[31]) Previu-se a fórmula de cálculo do suplemento remuneratório por tal serviço (artigo 23º--A).
[32]) De acordo com o artigo 5º desta Lei n.º 44/96, foram revogados, a partir da entrada em funcionamento dos tribunais de turno, o artigo 21º-A do Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 312/93, de 15 de Setembro, bem como o Decreto-Lei n.º 167/94, de 15 de Junho, e a Portaria n.º 514/94, de 8 de Julho.
[33]) Rectificado no DR, I Série, de 14.12.78, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio; Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03 (aprova o Código Penal), que revogou o artigo 19º; Decreto-Lei n.o 58/95, de 31.03 (aprova a nova Lei Orgânica do IRS) - que revogou os artigos 71º-83º, 84º, nºs. 2, 3 e 4, 85º-116º, 119º, 120º, 121º, n.º 2, 122º-144º, 212º e 213º; o Ac. do TC n.º 870/96, de 04.07.96 (DR I-A, n.º 204, de 03/09) declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 41º da OTM.
[34]) Anote-se que a expressão "para restituição à liberdade" [foi introduzida pela última Revisão (97)].
[35]) É hoje jurisprudência quase pacífica que, mesmo no caso de a prisão ter sido ordenada pelo juiz , deve haver interrogatório judicial, a fim de garantir o direito de defesa do arguido.
[36]) O Código Penal de 1886 era mais explícito na previsão deste tipo de situações - cfr., nomeadamente, o que se encontrava disposto nos artigos 291º e 292º.
[37]) Leal-Henriques, Borges de Pinho e Simas Santos, "Código de Processo Penal", I Vol., Lisboa, 1996, p. 594.
[38]) Cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 184.
[39]) Sobre a matéria podem ver-se: J. J. Nunes Abrantes, "Greve, Serviços Mínimos e Requisição Civil", Veja, 1992; do mesmo Autor, " O novo processo de definição dos serviços mínimos em caso de greve", na Revista do Ministério Público, Ano 14º, n.º 53, 1993, p. 39 e sgs., perante as alterações da Lei n.º 30/92; A . Menezes Cordeiro, "Manual de Direito do Trabalho", Reimpressão, 1994, p. 389; Monteiro Fernandes, obs. cits., "Direito de Greve", p. 63 e "Direito do Trabalho", p. 302 a 304; Philippe Terneyre, op. cit., pp. 23 e sgs.; Pierre Ortscheidt, "Code du Travail", 59.ª edição, Dalloz, 1997, p. 786.
[40]) Concluiu-se no Parecer n.º 54/87, de 22.10.87, não homologado: "O artigo 8º, n.º 1, da Lei n.º 65/77..., impondo aos trabalhadores em greve e às associações sindicais a obrigação de assegurar, durante a greve nas empresas e estabelecimentos destinados à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis, assume a prevalência de outros valores, nomeadamente ligados à vida e saúde dos cidadãos, à segurança, tranquilidade, higiene e condições essenciais da vida em sociedade".
[41]) Díez Sánchez, loc. cit., p. 114.
[42]) "Direito do Trabalho" cit., p. 303.
[43]) Exemplifica com um serviço de urgências de um hospital, normalmente dotado de um generalista e de três especialistas. Num contexto de greve, e no primeiro entendimento, seria exigível a manutenção de toda a equipa, enquanto que no segundo, poderia considerar-se "suficiente" a permanência do generalista.
[44]) Op. cit., p. 300.
[45]) No sentido de que " a prestação de serviços mínimos poderá materialmente corresponder à prestação normal ", citando Monteiro Fernandes - v. Maria do Rosário Palma Ramalho, "Lei da Greve Anotada", Lisboa, 1994, p. 61.
[46]) Em Espanha encontra-se determinada por Decreto Real a garantia de prestação de serviços mínimos para a Justiça, assim como para os estabelecimentos penitenciários - para estes o Real Decreto 1642/1983, de 1 de Junho, e para aqueles, o Real Decreto n.º 755/1987, de 19 de Junho, ambos modificados pelo Real Decreto n.º 1474/1988, de 9 de Dezembro.
Entre outros serviços da Administração da Justiça, são considerados como serviços essenciais - para os quais se fixam dotações mínimas de pessoal - todas as situações em que se vença um prazo estabelecido na lei cujo incumprimento possa supor a perda ou prejuízo de direitos. Estão incluídos nos serviços essenciais "todas as actuações penais" bem como o serviço dos "Juzgados de Guardia", os quais funcionam ininterruptamente e conhecem das diligências relativas a pessoas privadas de liberdade e postas à disposição judicial, bem como dos procedimentos de "habeas corpus", autorização de extracção de órgãos para transplante, medidas cautelares, recepção de denúncias de particulares, etc..
[47]) De 29.03.89, homologado por despacho do Ministro da Justiça, de 26.07.89.
[48]) No Parecer n.º 52/92, citado na própria consulta, tratou-se com cópia de pormenores das duas teses sustentadas na doutrina, no que respeita à articulação dos artigos 7º, n.º 1, e 8º, da Lei da Greve, quanto às relações de trabalho durante a prestação dos serviços mínimos. A posição que aqui venha a ser adoptada - ou de actuação fora do contrato, a seguida por este Conselho Consultivo, ou de não suspensão do contrato para os trabalhadores chamados a desempenhá-los -, pode ter a sua influência teórica na questão de saber quem deve fixar tais serviços mínimos. Nesta perspectiva -cfr. a nota (19) do Parecer -, onde se dá conta de como Menezes Cordeiro apresenta a sua solução - deferida em última instância à entidade empregadora -, baseado na redução teleológica do disposto no artigo 7º, n.º 1 da Lei da Greve.
[49]) Invocou-se a posição de alguma doutrina - cfr. nota 46.
[50]) Parecer n.º 100/89, de 5.04.90, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 399, p. 5, com um voto de vencido em que se refuta a competência do Governo, também entidade empregadora, carecendo do atributo da imparcialidade e de lei em que se apoie tal competência. Eventuais divergências só seriam susceptíveis de solução com recurso ao tribunal ou, se for o caso, mediante os poderes a que se refere o n.º 4 do artigo 8º da Lei da Greve.
Argumentação que é retomada por J. J. Nunes Abrantes, "Greve, Serviços Mínimos...", cit., pp. 17 e 18, concluindo que a competência cabe aos sindicatos e trabalhadores em greve.
[51]) Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit, p. 61, dá conta de que um sector da doutrina tende a considerar que esta obrigação tem carácter subsidiário, só surgindo quando o empregador não tivesse possibilidade de assegurar a satisfação das necessidades sociais gerais de sustentação da empresa mediante a prestação dos trabalhadores não grevistas ou mesmo por recurso a meios lícitos alternativos. O que parece controverso.
[52]) As alterações tiveram por base os Projectos de lei n.ºs 147/VI (do CDS) , visando substituir a Lei n.º 65/77, e 159/VI (do PSD), visando alterar alguns dos seus artigos. Cfr., DAR, II Série-A, n.º 43, de 11.06.92 ( Parecer da CACDLG sobre um recurso interposto pelo PCP à admissão do Projecto de lei n.º 159/VI, semelhante ao que fora emitido em impugnação do mesmo Partido sobre o Projecto de lei n.º 147/VI, com fundamento em restrição inconstitucional ao direito de greve); n.º 52, de 18.07.92 (Relatórios da CACDLG e da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, sobre aqueles Projectos); I Série, n.º 76, de 15.06.92, para decisão do recurso interposto; I Série, n.º 90, de 17.07.92 e n.º 91, de 18.07.92, com a discussão, na generalidade, de ambos os projectos, tendo sido rejeitado o n.º 147/VI (CDS), e aprovado, na generalidade, o n.º 159/VI (PSD), o qual, uma vez avocado para discussão na especialidade, foi aprovado nesta e em votação final global, com alterações propostas pelo próprio Partido proponente.
[53]) Intervenção da Deputada Margarida Silva Pereira, DAR, I Série, de 18.07.92, cit., p. 3003.
[54]) Intervenções do Deputados Artur Penedos (PS) (p. 2959) e João Proença, (PS) (p. 2968), do DAR, I Série, de 17.07.92.
[55]) Deputada Odete Santos (PCP), DAR, I Série, de 18.07.92, p. 3010.
[56]) Apud J.J. Díez Sánchez, ob. cit., pp. 116 e sgs..
[57]) Em acórdão do STJ, de 21.06.95, P.º 4143, num caso de greve de transportes públicos, entendeu-se que competia ao Governo a fixação dos serviços mínimos, cabendo às associações sindicais e aos trabalhadores a designação individual daqueles que irão assegurar a prestação dos serviços fixados pelo Governo; a mesma solução seguiu o acórdão da Relação de Lisboa, de 3.06.92, P.º n.º 73514, acrescentando que na hipótese de os sindicatos não designarem os trabalhadores a requisição ou mobilização é a única forma de colmatar a falta.
[58]) Ac. n.º 289/92, de 9.09.92, publicado no DR, II Série, de 19.09.92
[59]) Diz-se ainda no acórdão, apoiando-se em variada doutrina, que a definição dos serviços mínimos e a "tarefa de concordância prática e de optimização de diferentes bens" nela implicada, "liga-se (...) indissociavelmente à avaliação das circunstâncias de cada caso". "A ponderação dos interesses em jogo - defende-se - leva implicados «juízos concretos de oportunidade» (B. Xavier) que dificultam a previsão legal de todas as situações de compressão do direito". Grande parte da doutrina referenciada atribui esta tarefa de individualização ao Governo, e assim, é "na perspectiva deste ineliminável grau de abertura da norma do artigo 8º, n.º 6, e na sua ligação à natureza do direito (de greve)" que se há-de ver "se dela resultam parâmetros de controlabilidade que a legitimem perante a Constituição".
[60]) Também para os cidadãos injustamente condenados a Constituição estabelece o direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos - n.º 6 do artigo 29º.
[61]) Que diz: "1. Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade. 2. O disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, se a privação de liberdade lhe tiver provocado prejuízos anómalos e de particular gravidade. Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para aquele erro".
[62]) A primeira, emanada da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10.12.48, a segunda, aprovada para ratificação com os seus cinco primeiros protocolos, pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro.
Para pormenores, v. os Pareceres n.os 111/90, de 6.12.90, inédito, e 12/92, de 30.03.92, cuja doutrina foi tornada obrigatória para o Ministério Público - v. Colecção de Pareceres, Vol, I, pp. 481 e sgs., que por vezes acompanharemos. Este último debruçou-se sobre a questão de saber qual a ordem de tribunais que era competente - judiciais ou administrativos - para conhecer das acções intentadas contra o Estado para indemnização por danos resultantes da prisão ou detenção ilegal (tendo concluído pela competência dos primeiros).
[63]) O PIDCP foi aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12 de Junho.
[64]) Nos termos do artigo 5º, n.º5, da CEDH, "qualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo tem direito a indemnização". Por seu turno, o n.º 5 do artigo 9º do PIDCP dispõe que "todo o indivíduo vítima de prisão ou detenção ilegal terá direito a compensação".
[65]) Sobre a distinção entre detenção - medida cautelar ou de polícia - e prisão preventiva - medida de coacção, imposta pelo juiz , supondo a qualidade de arguido - pode ver-se o citado Parecer n.º 11/90, ponto 7, rigor de distinção que também se detecta na redacção dada aos preceitos respectivos após a Revisão Constitucional de 97.
[66]) Pode usar-se, no caso de excesso do prazo para entrega do detido ao poder judicial, a providência de habeas corpus - artigos 22o e 221º do CPP.
[67]) Cfr., para desenvolvimentos, o citado Parecer n.º 12/92, pontos 4.7. a 5.1..
[68]) Invocou-se também o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, enquanto exclui da competência do contencioso administrativo as acções e os recursos que tenham por objecto actos relativos a inquérito, instrução criminal e ao exercício da acção penal.
[69]) De 9.10.97, homologado, com excepção da última conclusão, por despacho do Ministro da Justiça, que agora acompanharemos de perto.
X) Para uma evolução histórica desde o Código de Seabra (1867) – artigos 2399º e 2400º, com a alteração de 1930, em que a Administração passa a responder, pela primeira vez, solidariamente, mas apenas por actos ilícitos culposos praticados pelos seus órgãos ou agentes no desempenho das suas funções –, passando pelo Código Administrativo de 1936-40 (artigos 310º e 366º, respectivamente), pelo Código Civil de 1966 (artigos 501º e 500º), até ao citado Decreto-Lei n.º 48051 e ao Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março ( Lei das Autarquias Locais, artigos 90º e 91º) – cfr. “Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública”, sob a coordenação de Fausto Quadros, Coimbra, 1995, pp. 55 a 85 e 140 a 151.
X1) Cfr. Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 103º, cit., p. 344.
X2) A . Laubadère, op. cit., p. 717, a propósito dos titulares da responsabilidade, indica quais os sistemas possíveis: 1º - o funcionário, autor do facto danoso é responsável através do seu património pessoal (era a fórmula anglo-saxónica tradicional, pelo menos quanto ao Estado); 2º - a pessoa pública é sempre responsável pela acção dos seus agentes e pelo funcionamento dos seus serviços públicos ( ainda que exerça direito de regresso); 3 - segundo os casos, ou o funcionário ou a pessoa colectiva, podendo a vítima dirigir-se a um ou outra, ou usar uma fórmula de cúmulo, consistindo em a vítima poder escolher a administração ou o funcionário para exercer a responsabilidade.
Todavia, o interesse geral apontará para uma solução “nuancée et équilibrée”: uma ausência total de responsabilidade do funcionário encorajaria negligências; ao invés, uma responsabilização excessiva paralisaria a sua iniciativa e entravaria o recrutamento. Já uma consideração de justiça elementar indica que o funcionário deva suportar as consequências de faltas que normalmente poderia evitar, “mais non les conséquences d’appréciations souvent délicates sur lesquelles il peut être appelé à prendre partie dans son service et que le juge administratif pourra déclarer génératrices d’un droit de réparation”.
X3) Que define – loc. cit., Ano 110º, p. 315 – assim: “Os actos de gestão pública são os praticados no exercício de uma função pública para fins de direito público da pessoa colectiva, isto é, os regidos pelo direito público e, consequentemente, por normas que atribuem à pessoa colectiva poderes de autoridade (jus imperii) para tais fins”.
No mesmo sentido já era a lição de Marcello Caetano, Manual ..., ob.cit. p. 1222, com remissões para o Tomo I.
X4) Manual..., vol. II, p. 1234.
X5) Disparidade hoje já corrigida pela Lei das Autarquias Locais – artigo 90º, n.º 2.
X6) Revista citada, Ano 110º, pp. 320 e 322 e sgs..
X7) Cfr. a menção feita por Maria José Rangel de Mesquita, in “Responsabilidade Civil Extracontratual...”, op. cit., p. 115, nota 134.
X8) Cfr., porém, o artigo 120º da Constituição.
X9) Enquanto não houver mediação legislativa autónoma, da competência da Assembleia da República – artigo 168º, alínea u) – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, p. 953, consideram em vigor o disposto no Decreto-lei n.º 48051.
X10) Sobre este e outros problemas de conciliação do regime constitucional com o da lei ordinária – v. a explanação pertinente feita por Maria José Rangel de Mesquita, in “Responsabilidade Civil Extracontratual...”, op. cit., pp. 101 a 124.
[70]) Esta própria dos magistrados e dos órgãos de polícia criminal.
[71]) Philippe Terneyre "La grève dans les services publics", Collection Droit Public, Paris 1991, pp.134 e sgs. e Lucien Rapp, "Les conséquences de la grève dans les services publics: réflexions sur l'usager", in Revue française de droit public, 1988, pp. 837 e sgs., dão conta da situação de responsabilidade que pode ser exigida ao Estado, colectividades territoriais, estabelecimentos e empresas públicas, se não tomaram as medidas necessárias, por exemplo, ao funcionamento dos serviços mínimos. Também contra os próprios sindicatos têm sido propostas acções de indemnização pelos utentes de serviços. A jurisprudência, quanto a estes, só os tem responsabilizado se participaram efectivamente em acções constitutivas de infracções penais ou em factos que não possam ser ligados ao exercício normal do direito de greve. Uma vez que os prejuízos, por efeito de uma greve, indirectamente suportados por terceiros, não serão indemnizáveis, já os que se referiram serão enquadráveis nas regras gerais da responsabilidade civil.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART22 ART27 N1 N3 N5 ART28 N1 N2 ART32 N2 ART57 N1 N2 N3 ART199 F ART262 N2 ART267 N5 ART271.
L 65/77 DE 1977/08/26 ART8 ART12 N1 N2.
L 30/92 DE 1992/10/20 ART8.
DL 376/87 DE 1987/12/01 ART3 ART7 A ART82 ART85.
DL 378/91 DE 1991/10/09.
LOTJ87 ART22 C ART90.
L 24/92 DE 1992/08/20.
DL 167/94 DE 1994/06/15.
L 44/96 DE 1996/09/03.
CPP87 ART141 N1 ART142 ART143 N1 ART225 ART226.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART2.
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR ADM * FUNÇÃO PUBL / DIR TRABALHO / DIR JUDIC * EST OFIC JUST / DIR PROC PENAL.*****
CEDH ART5
DUDH ART3 ART9
PIDCP ART9
Divulgação
Data: 
31-07-1998
Página: 
10755
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