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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
53/1998, de 07.10.1998
Data do Parecer: 
07-10-1998
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
SOUTO DE MOURA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
ASSEMBLEIA REGIONAL DA MADEIRA
DEPUTADO
DEPUTADO REGIONAL
IMUNIDADE PARLAMENTAR
CRIME
INDÍCIOS
INQUÉRITO
DECLARANTE
ARGUIDO
INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
DECLARAÇÕES DE ARGUIDO
INTEGRAÇÃO DA LEI
LACUNA
ANALOGIA
NORMA EXCEPCIONAL
ESTATUTO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO
RESERVA DE LEI
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Conclusões: 
1º - A nova redacção dada ao nº 2 do artigo 157º da Constituição da República, pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, ao consagrar a necessidade de autorização da Assembleia da República para um Deputado seu ser ouvido como declarante ou como arguido, elevou à categoria de imunidade parlamentar o que já antes se configurava na legislação ordinária como um direito dos Deputados;

2º - A disciplina do preceito referido na conclusão anterior aplica-se directamente aos Deputados à Assembleia da República, e, por remissão, aos Deputados portugueses ao Parlamento Europeu e aos Deputados à Assembleia Legislativa Regional dos Açores;

3º - A matéria das imunidades, direitos e prerrogativas, apanágio dos Deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, rege-se pelo disposto na Lei nº 13/91, de 5 de Junho, que aprovou o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, e pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional da Madeira nº 1/93/M, de 19 de Fevereiro de 1993, que aprovou o respectivo Regimento;

4º - O vício de inconstitucionalidade orgânica de que enferma a norma do nº 1 do artigo 12º da referida Resolução não impede a sua aplicação, enquanto tal inconstitucionalidade não for declarada pelo Tribunal Constitucional com força obrigatória geral;

5º - A autoridade judiciária, ou os órgãos de polícia criminal competentes, não carecem de obter autorização da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, para interrogar um Deputado seu como arguido, em processo que contra ele corra por crime punível com pena superior a três anos de prisão no seu limite máximo.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,
Excelência:




I

1. Foi solicitada à Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira, autorização para que um Senhor Deputado àquele órgão regional pudesse prestar declarações como arguido, no âmbito de um inquérito que corre termos no Departamento de Investigação e Acção Penal (D.I.A.P), do Tribunal de Instrução Criminal (T.I.C.) da comarca de Lisboa.

Com base em Parecer da Comissão de Regimento e Mandatos daquela Assembleia, aprovado por unanimidade, o Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira (A.L.R.M.) pediu que se habilitasse a mesma com os elementos do processo “indispensáveis a uma mais rigorosa e adequada ponderação da pretensão”.


2. Vossa Excelência solicitou a pertinente informação ao Gabinete ([1]), mas, pela relevância das questões em foco, entendeu dever submetê-las à apreciação do Conselho Consultivo, com prioridade e urgência.

Cumpre, assim, emitir parecer, com as limitações do condicionalismo referido.



II

1. A Senhora Procuradora da República junto da 9ª secção da Procuradoria da República junto do D.I.A.P., do T.I.C. da Comarca de Lisboa, providenciou pela audição como arguido de um Senhor Deputado a exercer funções na A.L.R.M., no âmbito de autos de inquérito que correm naquela secção do D.I.A.P., e em que se investigam irregularidades relacionadas com viagens pagas a deputados ([2]).

Na sequência de carta precatória expedida à comarca do Funchal, o Senhor Deputado foi notificado para comparecer em data determinada na Procuradoria da República do Círculo Judicial do Funchal, a fim de ser interrogado. No entanto, a magistrada competente veio a ser informada por escrito, de que “... o estatuto do deputado impede a inquirição de um deputado, sem prévia autorização da Assembleia Legislativa Regional”. Depois disso manteve a notificação para interrogatório efectuada antes, informando ainda o Senhor Deputado de que a autorização prévia da Assembleia Regional da Madeira se não mostrava necessária, atenta a moldura penal do ilícito criminal em investigação.

Alguns dias depois, o Chefe de Gabinete da Presidência da A.L.R.M. informou a Procuradoria da República do Círculo Judicial do Funchal de que, como a entidade em questão era Deputado da A.L.R.M., a sua presença na Procuradoria da República, para efeitos de interrogatório, deveria ser solicitada nos termos regimentais àquela Assembleia Legislativa.


2. Sem discutir o entendimento perfilhado pela A.L.R.M., foi de facto solicitado ao Senhor Presidente da A.L.R.M. que se dignasse providenciar no sentido de ser obtida a pertinente autorização, com vista a que o Deputado em questão prestasse declarações como arguido no inquérito.

Instada a pronunciar-se nos termos legais e regimentais, a Comissão de Regimento e Mandatos da A.L.R.M. elaborou parecer em que conclui pela necessidade de a Assembleia ser habilitada “com os elementos indispensáveis a uma mais rigorosa e adequada ponderação da pretensão”, no que foi seguida pelo Presidente da A.L.R.M. Transcreve-se o passo do parecer que fundamenta a posição assumida:

“(...) Após ter procedido a uma cuidadosa análise do pedido formulado, concluiu esta Comissão não estar na posse dos elementos bastantes para que possa pronunciar-se quanto à autorização a dar para a audição do Senhor Deputado.
Assim, e de acordo com o nº 2 do artigo 157º do novo texto da Constituição da República, aquando da autorização parlamen-tar para que o Deputado seja ouvido como arguido no âmbito de um processo criminal, a decisão de autorização da Assembleia será obrigatória “quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”.
Ora, no caso em apreço, e de harmonia com o referido preceito constitucional, passou a ser exigível a autorização parlamentar, mas para a efectivação dessa autorização passou a ser exigível que ocorram fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda a citada moldura penal, cabendo naturalmente à Assembleia Legislativa Regional verificação da ocorrência dos novos pressupostos constitucionais. (...).”

Foi na sequência desta tomada de posição que se solicitou informação ao Gabinete de Vossa Excelência, senhor Procurador-Geral, e que, subsequentemente, a questão veio a ser submetida ao Conselho Consultivo.


III

1. A Senhora Procuradora da República junto da 9ª Secção do D.I.A.P. manifestou-se pela falta de suporte legal da posição assumida, tanto pelo Senhor Deputado em questão, como pela A.L.R.M., já que a disciplina legal aplicável, no caso o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, dispensa qualquer autorização, havendo suspeitas de crime a que corresponda pena superior a três anos. E, quanto ao referido artigo 157º da Constituição da República, na redacção da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, não seria ele invocável, já que se aplicaria apenas aos deputados à Assembleia da República, “inexistindo qualquer disposição legal que o torne extensivo aos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.”


2. No respeitante à Informação elaborada pelo Gabinete, foram contempladas duas questões distintas: a da aplicabilidade do artigo 157º da Constituição da República aos deputados às Assembleias Regionais, por um lado, e a da interpretação do preceito em foco, por outro.

No tocante à primeira questão, a Informação pronunciou-se pela não aplicação do preceito constitucional, directamente, e sem mais, aos Deputados às Assembleias Regionais, bem como, aliás, aos Deputados ao Parlamento Europeu, ponderando, a tal respeito:

“O estatuto constitucional dos Deputados da Assembleia da República pode servir - e tem servido - de matriz ao estatuto dos Deputados portugueses designados para o Parlamento Europeu e dos Deputados nas Assembleias Regionais: não constitui, contudo, um regime imediatamente aplicável para outros que não sejam os seus destinatários.

“A semelhança entre alguns aspectos dos estatutos dos Deputados que constituem a Assembleia da República e dos Deputados do Parlamento Europeu ou das Assembleias Regionais decorre da aproximação destes àquele; não se tem, originariamente por adquirido que as incompatibilidades, as imunidades ou as regalias dos deputados de outros órgãos correspondam necessariamente às dos Deputados ao parlamento nacional.”

Conclui então que o regime de imunidades dos deputados à A.L.R.M. é o constante dos artigos 20º e 21º da Lei nº13/91, que aprovou o Estatuto Político-Administrativo da Região.

A propósito do sentido do artigo 157º da Constituição da República, especificamente da parte final do seu nº 2, a Informação debruçou-se em primeiro lugar sobre o conteúdo da expressão “fortes indícios” ([3]). Aproximou-a do conceito de simples “indícios” do cometimento de uma infracção, e do de “indícios suficientes” de tal ocorrência que afloram em várias disposições do Código de Processo Penal (C.P.P.), afirmando que “A conjugação dos elementos apurados parece, assim, dever aproximar-se do grau de probabilidade, da intensidade persuasiva que permite a dedução da acusação”. E noutro passo : “Sendo a prova indiciária mero pressuposto de uma decisão processual quanto à prossecução do processo (e não pressuposto de uma decisão judicial de mérito, como acontece com a prova produzida em audiência de julgamento), os indícios fortes situam-se em momento anterior, embora próximo, ao da formulação da acusação.

“De outro modo, ficaria postergado, necessariamente, o exercício do direito de defesa que se expressa, fundamentalmente, através das declarações do arguido”.

A questão da determinação da entidade competente para a valorização dos indícios é decidida no sentido de caber sempre, em processo penal, aos tribunais. E, portanto, quanto à matéria da consulta, ao Ministério Público, enquanto autoridade judiciária na fase de inquérito.

Segundo aquela Informação, pressuposto desta tomada de posição é a própria disciplina constitucional referente às funções cometidas aos tribunais, e o princípio de separação de poderes, convocado aliás de forma expressa na mesma revisão constitucional que alterou o regime das imunidades dos Deputados à Assembleia da República. A exigência imposta pelo nº 2 do artigo 157º da Constituição da República, da existência de fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão, cujo limite máximo seja superior a três anos, para que seja obrigatória a decisão de autorização, do interrogatório como arguido de um Deputado, mereceu na Informação a que nos vimos a referir, o comentário seguinte:

“A norma constitucional em apreço impõe à autoridade judiciária requerente a formulação especial de um juízo prévio sobre o grau de relevância dos elementos de prova recolhidos na observância dos critérios nela referidos.

“A menção da pendência do inquérito, do tipo de crime em apreço e da moldura penal que lhe corresponde não é suficiente para que o conteúdo da decisão da Assembleia seja afirmativo - do requerimento deverá constar o resultado da leitura que o Ministério Público ou o juiz de instrução fez da prova indiciária já reunida.

“A Assembleia da República aprecia a verificação dos pressupostos de levantamento da imunidade e pode solicitar os esclarecimentos que entender necessários, no limite do quadro interpretativo que vimos esboçando.”


IV

1.1 As expressões “imunidades”, “prerrogativas”, privilégios” ou “garantias” parlamentares, propõem-se indicar o complexo de disposições normativas, mediante as quais, com maior ou menor amplitude e consoante as épocas históricas, os regimes políticos vigentes nos vários países, ou os acordos internacionais subscritos, se tende a assegurar e a garantir aos membros dos parlamentos um “status” jurídico particular, sobretudo no que respeita ao exercício de certas liberdades, “status” que se consubstancia, fundamentalmente, na previsão de derrogações do direito comum.

Ao âmbito das imunidades penais corresponde não tanto um instituto unitário, mas um conjunto de situações em que se verifica, como resultado último, e em definitivo, a subtracção de um sujeito à aplicação de sanções penais, ou, então, tão-só, a sua subtracção temporária ao exercício do “jus puniendi” do Estado, mediante a interrupção ou suspensão do procedimento.

É possível pois distinguir, no seio das imunidades, as situações de irresponsabilidade correspondentes ao primeiro caso, das situações de inviolabilidade. Ou, como alguma doutrina assinala, as “imunidades penais substanciais" das “imunidades penais processuais” ([4]) ([5]).

Referem alguns autores que, com as imunidades, se trata de garantir a independência dos Deputados e de defender a sua liberdade perante os restantes poderes do Estado ([6]).

A irresponsabilidade abrange, e só abrange, os votos e opiniões emitidas no exercício das funções do deputado. Mas, por força dela, fica assegurada a liberdade do parlamentar em matéria de expressão verbal. Esta imunidade não foi concebida, obviamente, para privilegiar os deputados face aos outros cidadãos, mas para os proteger. Protecção de ordem pública, nessa medida irrenunciável, e que se justifica para que o exercício do mandato conferido pelo povo seja exercido com o menor constrangimento possível ([7]). Como refere uma autora, “deixar falar um deputado sem receio de represálias provenientes do exterior, é dar mediatamente voz ao Parlamento, confirmando-o como forum privilegiado de debate das questões nacionais” ([8]).

As imunidades processuais procuram pôr os deputados a cobro de perseguições movidas por particulares ou autoridades, mediante queixas infundadas, ou ainda evitar que através da suspensão do exercício das funções dos deputados se possa influir sobre a composição dos parlamentos.

Dir–se–á então, em síntese, que as imunidades penais cobram a a sua razão de ser na necessidade de protecção dos parlamentos, e só reflexa ou instrumentalmente dos Deputados, face a ameaças de tipo político, que consistam em, pela via penal, se perturbar o funcionamento das câmaras ou alterar a composição que às mesmas conferiu a vontade popular ([9]).


1.2. A questão subjacente ao presente parecer prende–se tão- -só com uma imunidade processual, consistente na necessidade de autorização do Parlamento para que um seu deputado possa ser ouvido como arguido. Procuraremos então, de seguida, apreender o essencial desse tipo de imunidade, tal como está contemplado nas Constituições dos vários países da União Europeia.


1.2.1. A "Lei Fundamental da República Federal Alemã” prevê no nº 2 do artigo 46º a necessidade de autorização do "Bundestag", para que um deputado possa ser preso (salvo o caso de flagrante delito, ou de prisão no dia seguinte ao de cometimento do crime), e ainda para que contra ele possa ser movido procedimento crime ("zur Verantwortung gezogen").


1.2.2. A "Lei Constitucional Federal da Áustria" contempla no nº 2 do seu artigo 57º a necessidade de autorização do "Conselho Nacional", para a prisão dos parlamentares, salvo o caso de flagrante delito.


1.2.3. A Constituição belga prevê no artigo 59º a autorização para a prisão do deputado, salvo o caso de flagrante delito, e ainda para que contra ele seja movido procedimento crime. A possível suspensão da prisão ou procedimento poderá prolongar–se pelo período das sessões ou de toda a legislatura.


1.2.4. Para além da autorização para a prisão, e salvo o caso de flagrante delito, a Constituição dinamarquesa prevê no artigo 57º, também, a necessidade de autorização para que os deputados possam ser acusados.


1.2.5. A Constituição espanhola seguiu no nº 2 do artigo 71º a mesma disciplina, estendida porém aos casos de simples procedimento contra o deputado ("No podrán ser inculpados ni procesados").


1.2.6. A Constituição finlandesa contempla, no seu artigo 47º, apenas o procedimento a adoptar no caso do cometimento de crimes por membros do Governo. É o artigo 14º do "Parliament Act", que prevê a necessidade do consentimento para a prisão, detenção ou proibição de deslocações de deputado, excepto o caso de flagrante delito, por crime punido com pena não inferior a seis meses no seu limite mínimo.


1.2.7. No artigo 26º da Constituição francesa estipula–se a necessidade de autorização para qualquer modalidade de privação da liberdade do deputado, salvo nos casos de flagrante delito, condenação definitiva ou de cometimento de crime ([10]).

Por outro lado, o Parlamento pode requerer a suspensão do procedimento ou da aplicação de medidas restritivas de liberdade pelo período das sessões.


1.2.8. O artigo 62º da Constituição grega prevê a necessidade de autorização, quer para a instauração do procedimento criminal contra os deputados, quer para a aplicação a estes de medidas de coacção, ou para a sua detenção, excepcionando apenas o caso de flagrante delito.


1.2.9. O nº 10 do artigo 15º da Constituição irlandesa limita–se a remeter para as normas de funcionamento das duas Câmaras, a Câmara de Representantes e o Senado, a regulamentação das medidas que assegurem o funcionamento correcto e a defesa das Câmaras e dos seus deputados.


1.2.10. Face ao artigo 68º da Constituição italiana, a pertinente autorização é sempre requerida, salvo o caso de flagrante delito, para os casos de detenção, para a aplicação de outras medidas restritivas de liberdade, ou para a submissão a procedimento penal de um deputado.


1.2.11. O artigo 69º da Constituição luxemburguesa adopta um regime igual, limitando, porém, a imunidade ao período das sessões. No entanto, a Câmara poderá sempre requerer a suspensão da detenção ou do procedimento que deva ter lugar durante o período dessas sessões.


1.2.12. O artigo 71º da Constituição dos Países Baixos contempla apenas a imunidade da irresponsabilidade. Quanto à inviolabilidade dos deputados ela não está prevista. Apontam–se a Malásia, as ilhas Maurícias e o Zimbawe como os outros países onde não existe esta imunidade ([11]).


1.2.13 No tocante ao Reino Unido, haverá que mencionar pelo seu carácter precursor o ponto IX da “Bill of Rights” (1689), onde se consagra a irresponsabilidade dos parlamentares.

Em matéria de inviolabilidade propriamente dita a imunidade concedida respeita, grosso modo, à impossibilidade de detenção ou prisão na área do Parlamento ou no percurso de deslocação de e para ele. Excepto se tiver sido deduzida uma acusação penal contra o parlamentar.

Refira-se que, para além do que antes se apontou, o regime que vem sendo adoptado na Irlanda é semelhante, mas só nos casos de traição ou alteração da ordem pública é que a privação da liberdade do deputado é possível ([12]).


1.2.14. Finalmente, o artigo 8º da Constituição sueca exclui a possibilidade de privação da liberdade do deputado, salvo no caso de este se confessar culpado, de haver flagrante delito, ou de estar em causa crime punível com a pena de dois anos de prisão no seu limite mínimo.


1.3. Passemos a uma breve nota referente aos países da comunidade de língua portuguesa.

A Lei Constitucional da República de Angola, no nº 1 do artigo 84º, e a Constituição da República da Guiné-Bissau, no nº 2 do artigo 82º, contemplam apenas a inviolabilidade do deputado no tocante à privação de liberdade.

A esta imunidade acresce, no nº 1 do artigo 53º da Constituição da República Federativa do Brasil, a referente ao simples processamento criminal dos deputados e senadores, “sem prévia licença de sua Casa”.

No nº 3 do artigo 181º da Constituição da República de Cabo Verde, confere-se à Assembleia Nacional, para além dos casos de prisão ou detenção, a competência para autorizar o prosseguimento do procedimento criminal contra o deputado, depois de pronunciado.

Segundo o artigo 144º da Constituição da República de Moçambique, tal autorização é exigida, do mesmo modo, para que o deputado seja submetido a julgamento.

Por último, para além das situações de prisão em flagrante e por crime punível com pena maior, a perseguição criminal de um deputado, está submetida ao consentimento da Assembleia Nacional, de acordo com o nº 2 do artigo 84º da Constituição da República Democrática de S. Tomé e Príncipe.

É chegado o momento de nos debruçarmos sobre o regime legal da inviolabilidade dos Deputados face à lei portuguesa.


1.4.1. O artigo 160.º da Constituição da República tinha, na sua versão original, a seguinte redacção:

“(Imunidades)

1. Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.

2. Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena maior e em flagrante delito.

3. Movido procedimento criminal contra algum Deputado e indiciado este por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo.”

A revisão constitucional de 1982 acrescentou no n.º 3 a expressão “definitivamente” a seguir a “e indiciado este”.

Com a revisão de 1989, apenas se viria a substituir a expressão “pena maior”, do nº 2 do preceito, por “pena de prisão superior a três anos”, deixando de se falar em indiciação por despacho de pronúncia ou equivalente e passando a usar-se a expressão “acusado este definitivamente”. Esta nova redacção manteve-se após a revisão de 1992, até que, com a 4.ª revisão, operada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, a matéria das imunidades dos Deputados passou a estar regulada no artigo 157.º da Constituição da República, que se passa a transcrever:

“(Imunidades)

1. Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.

2. Os Deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.

3. Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime doloso a que corresponda a pena de prisão referida no número anterior e em flagrante delito.

4. Movido procedimento criminal contra algum Deputado, e acusado este definitivamente, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de crime do tipo referido nos números anteriores.”

Vê-se assim, que a actual disciplina constitucional da matéria introduziu, no seu número segundo, uma imunidade relativa à audição dos deputados “como declarantes” ou como arguidos ([13]).

Para além da irresponsabilidade dos Deputados que o n.º 1 do artigo 157.º contempla, a qual coincide com a prevista no n.º 1 do artigo 160.º das anteriores versões da Constituição da República, e que era aliás tratada na alínea a) do artigo 89.º da Constituição de 1933 ([14]), só tinham sede constitucional as imunidades referentes à privação da liberdade do deputado, ou à sua acusação definitiva, ainda aqui em termos próximos dos previstos na Constituição de 1933. Houve portanto uma ampliação das imunidades dos deputados na última revisão constitucional.


1.4.2. O “Estatuto dos Deputados” foi inicialmente consagrado na Lei n.º 3/85, de 13 de Março ([15]). O seu Capítulo II reporta-se às “Imunidades”, estando a “Irresponsabilidade” prevista no artigo 10º, e a “Inviolabilidade” no artigo 11º do diploma. Passamos a transcrever estes dois preceitos:






“Artigo 10º
(Irresponsabilidade)

Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.

“Artigo 11.º
(Inviolabilidade)

1 - Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena maior e em flagrante delito.

2 - Movido procedimento criminal contra algum deputado, e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.

3 - A decisão prevista no presente artigo será tomada por escrutínio secreto e maioria absoluta dos Deputados presentes, precedendo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.”

De acordo com a alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do diploma, ocasiona a suspensão do mandato de deputado, entre o mais, “O procedimento criminal, nos termos do artigo 11.º”.

De acordo com o artigo 6º, alínea g), do seu nº 1, tal suspensão cessa “por decisão absolutória ou equivalente, ou com o cumprimento da pena”. E, para o caso de suspensão de mandato de Deputados, o n.º 1 do artigo 9.º prevê a respectiva substituição “pelo primeiro candidato não eleito na respectiva ordem de precedência, na mesma lista”.

Se já não houver candidatos efectivos ou suplentes não eleitos, na lista do deputado a substituir, não haverá substituição, de acordo com o n.º 4 do artigo.

Hoje, o Estatuto dos Deputados está consagrado na Lei n.º 7/93, de 1 de Março ([16]). A matéria das imunidades continua contemplada no Capítulo II e artigos 10.º e 11.º do diploma, mantendo ambos a redacção anterior, salvo três modificações de pormenor no artigo 11º: onde se falava em “pena maior” diz-se agora “pena superior a três anos”, onde o preceito se referia à “Assembleia”, passa agora a referir-se à “Assembleia da República”, e a expressão “Comissão de Regimento e Mandatos”, do final do seu n.º 3, foi agora substituída por “comissão competente”.

As normas dos artigos 4.º , 6.º e 9.º referidas antes mantêm a mesma redacção.

Entretanto, a Lei nº 3/85 continha no seu Capítulo III (“Condições de exercício do mandato”) o artigo 13º, epigrafado “Direitos e regalias dos Deputados”, cujos dois primeiros números estabeleciam:

“1- Os Deputados não podem, sem autorização da Assembleia da República, ser jurados, peritos ou testemunhas, nem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos, excepto, neste último caso, quando presos em caso de flagrante delito ou quando suspeitos de crime a que corresponda pena maior.

2- A autorização referida no número anterior, ou a sua recusa, serão precedidas de audição do Deputado.

................................................................................................”.

O mesmo Capítulo III, relativo às “Condições de exercício do mandato” do Deputado, também figura no Estatuto aprovado pela Lei nº 7/93. Neste diploma, é o artigo 14º, epigrafado “Direitos dos Deputados” que se refere à autorização supra referida. Os números 1º e 2º deste artigo 14º são a transcrição dos nºs 1º e 2º do artigo 13º da Lei nº 3/85, com a única diferença de a expressão “pena maior” ter sido substituída pela expressão “pena superior a três anos”.


1.4.3. A 31 de Dezembro de 1985 foi publicado o “Estatuto dos Deputados ao Parlamento Europeu”, através da Lei n.º 144/85, de 31 de Dezembro.

Transcreve-se o seu artigo 1.º:

“1- O Estatuto dos Deputados ao Parlamento Europeu designados por Portugal é regulado pelas disposições comunitárias vigentes e, na medida em que não contrarie aquelas e em que seja compatível com a natureza do Parlamento Europeu, pela Lei n.º 3/85, de 13 de Março, com as necessárias adaptações, designadamente pelas disposições dos artigos 12,º 13.º, nºs 3, 4 e 5, 14.º, 15.º, nºs 1,2, 3 e 7, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º.

2- Aplicam-se aos deputados ao Parlamento Europeu as disposições da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, designadamente os seus artigos 2.º, nºs 2 e 3, 16.º n.º 1, 19.º, n.º 1, e 20.º.

3- O tempo de exercício do mandato de deputado ao Parlamento Europeu será considerado como tempo de exercício do mandato de deputado à Assembleia da República para efeito da aplicação dos artigos 24.º e seguintes e 31.º da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, desde que o deputado não tenha adquirido direito a qualquer tipo de subvenção equivalente a conceder pelo Parlamento Europeu.

4- Os deputados ao Parlamento Europeu são considerados titulares de cargos políticos para os efeitos do disposto na Lei n.º 4/83, de 2 de Abril”. ([17])

O Protocolo anexo ao Tratado de Fusão dos Executivos, de Bruxelas, de 8 de Abril de 1965, que institui um Conselho e uma Comissão únicos nas Comunidades Europeias, relativamente a privilégios e imunidades, prevê nos seus artigos 9.º e 10.º as imunidades dos membros do Parlamento Europeu.

É o seguinte o seu texto:

“9.º - Os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções.
10.º - Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:
a) No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país;
b) No território de qualquer outro Estado-membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.
Beneficiam igualmente de imunidade quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.
A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito do Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.”

Por outro lado, o artigo 3.º do Regimento do Parlamento Europeu, referente aos privilégios e imunidades dos Deputados, limita--se a remeter para o Protocolo referido.


1.4.4. O “Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores”, começou por estar consagrado na Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, a qual continha um preceito, o artigo 21.º, referente às imunidades.

Era o seguinte o seu texto:

“1 - Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.

2- Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena maior e em flagrante delito.

3- Movido procedimento criminal contra algum Deputado, e indiciado este por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.”

O Estatuto em questão foi significativamente revisto pela Lei nº 9/87, de 26 de Março, se bem que o artigo 21º, que se transcreveu, tenha permanecido com a mesma redacção ([18]). No entanto do diploma passou a constar um artigo 22º, em cujo nº 1 ficou estabelecido:

“1- Os deputados não podem, sem autorização da Assembleia Regional, no período de funcionamento efectivo do Plenário, ou da Mesa, nos restantes casos, ser jurados, peritos ou testemunhas ou ser ouvidos como declarantes nem como arguidos, excepto, neste último caso, quando presos em caso de flagrante delito ou quando suspeitos de crime a que corresponda a pena maior.

...................................................................................................”.

Entretanto, a recente Lei nº 61/98, de 27 de Agosto, alterou inúmeras disposições do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, entre as quais o seu artigo 22º, cuja redacção, presentemente, é:

“O Estatuto dos Deputados à Assembleia Legislativa Regional é equiparado ao Estatuto dos Deputados à Assembleia da República no que se refere aos direitos, regalias e imunidades consagradas constitucionalmente.”

1.4.5. O “Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira” consta da Lei nº 13/91, de 5 de Junho.

O respectivo preceito, referente a imunidades, adoptou uma redacção já nossa conhecida, do artigo 160º da Constituição revista em 1992. É ela:

“Art. 20º - 1- Os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.

2- Nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia Legislativa Regional, salvo por crime punível com pena superior a três anos e em flagrante delito.

3- Movido procedimento criminal contra algum deputado, e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior, a Assembleia Legislativa Regional decidirá se o deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.”

Estabelece por outro lado o seu artigo 21º, nº 1:

“Os deputados não podem ser jurados, peritos ou testemunhas sem autorização da Assembleia Legislativa Regional, durante o período de funcionamento efectivo desta.”

O Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira ([19]) desdobrou a disciplina em foco em dois preceitos, reservando o artigo 10º para a irresponsabilidade dos Deputados, acolhendo o texto do nº 1 do artigo 20º, que acabou de se transcrever, e prevendo no artigo 11º, a inviolabilidade, de modo seguinte:

“1- Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena superior a três anos e em flagrante delito.

2- Movido procedimento criminal contra algum deputado, e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.

3- As deliberações previstas no presente artigo serão tomadas por escrutínio secreto e maioria absoluta dos Deputados presentes, precedendo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

4- O Presidente da Assembleia, uma vez conhecida a detenção ou retenção de um deputado, adoptará de imediato as medidas necessárias para salvaguardar os direitos e as prerrogativas da Assembleia e dos seus membros.”

Em matéria de “direitos e regalias” estipulou o artigo 12º nos seus primeiros dois números:

“1- Os deputados não podem, sem autorização da Assembleia, ser jurados, peritos ou testemunhas, nem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos, excepto neste último caso, quando presos em flagrante delito, ou quando suspeitos de crime a que corresponda pena superior a três anos.

2- A autorização referida no número anterior, ou a sua recusa, serão precedidas de audição do deputado.”


1.5. A terminar, cremos ter interesse para o desenvolvimento do parecer fazer uma referência à imunidade dos membros do Governo prevista no artigo 199º da Constituição da República, antes da última revisão, e que transitou para o artigo 196º, depois dela.

Aquele artigo 199º tinha uma redacção que era equivalente à do nº 3 do artigo 160º da Constituição, à data. Era a seguinte:



“Artigo 199º

(Efectivação da responsabilidade criminal dos membros do Governo)

Movido procedimento criminal contra um membro do Governo e acusado este definitivamente, salvo em caso de crime punível com pena de prisão superior a três anos, a Assembleia da República decide se o membro do Governo deve ou não ser suspenso para efeito do seguimento do processo.”

O artigo 196º da Constituição da República, depois da revisão de 1997, passou a ser do seguinte teor:

“Artigo 196º

(Efectivação da responsabilidade criminal dos membros do Governo)

1. Nenhum membro do Governo pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia da República, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante delito.

2. Movido procedimento criminal contra algum membro do Governo, e acusado este definitivamente, a Assembleia da República decidirá se o membro do Governo deve ou não ser suspenso para efeito do seguimento do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de crime do tipo referido no número anterior.”

É patente a similitude com a nova redacção do nº 4 do artigo 157º da Constituição da República (supra 1.4.1.). Em ambos os preceitos a expressão “salvo no caso de crime punível com pena de prisão superior a três anos”, foi substituída pela expressão “sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de crime do tipo referido no número anterior.”


2.1. A principal questão a resolver com o presente parecer é a de saber se a imunidade introduzida pela revisão constitucional de 1997, e constante do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República, pode beneficiar os Deputados à A.L.R.M.

Recorde-se que se trata de uma imunidade traduzida na necessidade de autorização da Assembleia, para que os Deputados possam ser ouvidos “como declarantes” ou como arguidos, sendo tal autorização obrigatória “quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”.

Uma primeira resposta à questão irá, como se viu (supra, III, 1.), no sentido de se excluirem os Deputados à A.L.R.M. da disciplina do preceito constitucional apontado. Esta resposta decorre linearmente do facto de o artigo 157º da Constituição da República, até pela sua inserção sistemática, só se dirigir aos Deputados à Assembleia da República, surgindo em consequência, para o conjunto dos parlamentares portugueses uma dupla disciplina, quanto ao ponto sobre que nos debruçamos.

Antes do mais, convém notar, que passou a haver uma falta de coincidência entre o preceito constitucional em foco, e o disposto no artigo 14º da Lei nº 7/93 (supra, IV, 1.4.2.), que integra o Estatuto dos Deputados à Assembleia da República, discrepância essa que deverá ser resolvida, evidentemente, pela prevalência da disciplina constitucional. Podendo falar-se, inclusive, da revogação tácita do dito artigo 14º do Estatuto dos Deputados, pelo artigo 157º da Constituição da República, na parte que interessa.

Por outro lado, porque os direitos e as modalidades de imunidades dos Deputados ao Parlamento Europeu acompanham, nos termos enunciados, os que beneficiem os Deputados aos parlamentos nacionais (supra, IV, 1.4.3.), também os parlamentares europeus beneficiarão de imunidade equivalente à do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República.

Os Deputados à Assembleia Legislativa Regional dos Açores, por força da nova redacção dada ao artigo 22º da Lei nº 39/80, foram equiparados para efeitos de direitos, regalias e imunidades aos Deputados à Assembleia da República (supra, IV, 1.4.4.).

Nesta perspectiva, ficarão então arredados da disciplina comum apenas os Deputados à A.L.R.M.

A Constituição passou a consagrar para os Deputados à Assembleia da República mais uma imunidade a que correspondia aquilo que o seu Estatuto configurava como simples direito.

Por força de disposição legal expressa, os Deputados ao Parlamento Europeu e à Assembleia Legislativa Regional dos Açores beneficiam dessa imunidade. Mas mantendo-se em vigor os artigos 22º e 12º, respectivamente da lei nº 9/87, de 26 de Março, e da Resolução da A.L.R.M. nº 1/93 M, serão estes, e só estes, os preceitos aplicáveis à audição como arguidos dos Deputados regionais da Madeira.


2.2. Em contraposição a este ponto de vista, poder-se-ia responder afirmativamente à questão da aplicabilidade da nova disciplina constitucional, aos Deputados à A.L.R.M., por aplicação analógica. O que se traduziria na manutenção da antecedente uniformidade de regime para todos os Deputados portugueses, em matéria de imunidades, quer integrem o Parlamento Europeu, o Parlamento Nacional ou os dois Parlamentos Regionais.

Vamos então abordar a viabilidade desta última posição, o que implicaria forçosamente a detecção de uma lacuna na disciplina jurídica das imunidades dos Deputados à A.L.R.M.


2.3.1. Como é sabido, uma lacuna corresponde sempre a uma incompletude contrária a um plano, ao plano do Direito vigente, e determina-se segundo critérios eliciáveis da ordem jurídica global ([20]). Como “incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste” ([21]), a lacuna envolve, como questão prévia ao respectivo preenchimento, a questão da afirmação da respectiva existência.

A decisão sobre se um caso é juridicamente irrelevante ou deve ser juridicamente regulado, resulta, no dizer de Oliveira Ascensão, da descoberta de “algum indício normativo que permita concluir que o sistema jurídico requer a consideração e solução daquele caso”.

E, mais adiante: “Só valorando nós poderemos dizer se determinada ausência de disciplina contraria ou não o plano ou a concepção do sistema jurídico” ([22]).

Karl Engisch pronunciou-se sobre a questão da detecção das lacunas numa passagem que julgamos útil transcrever.

Refere o autor a certo passo:

“Com efeito, não podemos falar duma lacuna no Direito (positivo) logo que neste não exista uma regulamentação cuja existência nos representamos. Não nos é lícito presumir pura e simplesmente uma determinada regulamentação, antes temos que sentir a sua falta, se queremos apresentar a sua não-existência como uma “lacuna”. Mas a inexistência da regulamentação em causa pode corresponder a um plano do legislador ou da lei, e então não representa uma “lacuna” que tenha de se apresentar sempre como uma “deficiência” que estamos autorizados a superar.” ([23])

O autor afirma de seguida que a inexistência de regulamentação, “planeada”, “consciente e deliberadamente” pelo legislador, “se nos cai mal” poderá corresponder a uma “lacuna político-jurídica”, “lacuna crítica” ou “lacuna imprópria”, ou seja, uma lacuna do ponto de vista de um futuro direito mais perfeito (“de lege ferenda”), não de uma lacuna verdadeira, ou seja, de uma lacuna no direito vigente (“de lege lata”). Ora, uma lacuna “de lege ferenda” “apenas pode motivar o poder legislativo a uma reforma do Direito, mas não o juiz a um preenchimento da dita lacuna.”

E diz mais adiante:

“Saber se numa dada hipótese a lei deve ser entendida em termos de se concluir que certos factos pertencem ao domínio do jurídico, é novamente uma questão de interpretação, na qual a luta entre as teorias interpretativas se volta a acender, dado a questão da ajuricidade “consciente e deliberada” poder ser respondida, já do ponto de vista do legislador histórico, já, objectivamente, do ponto de vista da lei (...). Mas vai-se demasiado longe quando secamente se enuncia um “princípio geral negativo” segundo o qual, sempre que não esteja prevista uma consequência jurídica no Direito positivo, a aplicação desta consequência jurídica é eo ipso inadmissível. (...) pode bem acontecer, antes, que, aquela ausência represente uma verdadeira lacuna a preencher pelo juiz, por não estar na “vontade” do legislador ou da lei a intenção de excluir a consequência jurídica em questão.” ([24])


2.3.2. É face a considerações como as que antecedem que surgem dificuldades em ver quanto ao ponto em apreço uma lacuna no ordenamento jurídico português. Na verdade, se é certo que, antes da revisão de 1997, a disciplina constitucional constituiu um paradigma com referência ao qual se conformaram nas várias leis ordinárias as imunidades de todos os Deputados, mesmo que o não fossem à Assembleia da República, também haverá que convir na impossibilidade da aplicação analógica do nº 2 do artigo 157º da Constituição, expressamente dirigido aos Deputado da Assembleia da República, como se não existissem normas em vigor, no nosso ordenamento, para cobrir a disciplina das imunidades dos Deputados à A.L.R.M.

Com a nova redacção dada ao nº 2 do artigo 157º, enriqueceu–se o leque das imunidades dos Deputados à Assembleia da República, reforçando-se por essa via a protecção da autonomia dessa instituição parlamentar. Passou então a haver uma discrepância entre o regime aplicável aos Deputados à A.L.R.M. e o regime aplicável a todos os outros. No entanto, se para todas as regras de uma ordem jurídica valem os requisitos da ausência de contradição lógica, da compatibilidade material e da concordância de valorações, a dissociação temporal, e a distribuição de competências para regulação de diferentes sectores parcelares, faz com que nem sempre seja possível evitar contradições de valoração no tratamento de tais sectores ([25]).

É sintomático que, depois da nova disciplina constitucional ter dado lugar ao desfasamento, entre o regime aplicável aos Deputados à Assembleias Regionais e o regime aplicável aos outros Deputados, tenha tido lugar uma alteração do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores, com escopo de alinhar as imunidades dos Deputados açorianos com as dos Deputados ao parlamento nacional. É crível que algo semelhante venha a ocorrer no tocante à Madeira, mas, até lá, a “diferença de valoração” subsistente só poderá dar azo a uma crítica ao legislador, e não à superação de uma falha da lei a que o intérprete se propusesse meter ombros.

Diz-nos a tal propósito Larenz ([26]).

“A fronteira entre uma lacuna da lei e uma falha da lei na perspectiva da política legislativa só pode traçar-se na medida em que se pergunta se a lei é incompleta comparada com a sua própria intenção reguladora, ou se somente a decisão nela tomada não resiste a uma crítica de política legislativa. Certamente que em ambos os casos, como com razão assinalaram especialmente Heck e Binder, se trata de uma questão de valoração, e não, por exemplo, de um juízo sobre factos ou de uma conclusão lógica.
É que, em ambos os casos, consideramos que a lei não contém uma norma que devia conter. Mas a pauta de valoração posta como base é diferente em cada passo: num caso é a intenção reguladora e a teleologia imanente à própria lei; no outro caso são pautas de uma crítica, fundamentada político-juridicamente, dirigida à lei. Se a lei não está incompleta, mas defeituosa, então o que está indicado é não uma integração de lacunas, mas, em última instância, um desenvolvimento do Direito superador da lei.”


2.3.3. Tanto mais que a própria Constituição assinala um direito de iniciativa, na matéria, aos parlamentos regionais.

De acordo com o nº 1 do artigo 231º da Constituição da República, “São órgãos de Governo próprio de cada região a assembleia legislativa regional e o Governo regional”. O nº 6 do preceito estipula que “o estatuto dos titulares dos órgãos de Governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos”.

Ora, um dos poderes das regiões autónomas, previsto na alínea e) do nº 1, do artigo 227º, da Constituição da República, é exactamente o de “exercer a iniciativa estatutária, nos termos do artigo 226º”.
Passamos a transcrevê-lo:
“ 1. Os projectos de estatutos político-administrativos das regiões autónomas serão elaborados pelas assembleias legislativas regionais e enviados para discussão e aprovação à Assembleia da República.
2. Se a Assembleia da República rejeitar o projecto ou lhe introduzir alterações, remetê-lo-á à respectiva assembleia legislativa regional para apreciação e emissão de parecer.
3. Elaborado o parecer, a Assembleia da República procede à discussão e deliberação final.
4. O regime previsto nos números anteriores é aplicável às alterações dos estatutos.”

As imunidades dos Deputados à A.L.R.M. integram o respectivo estatuto, o qual, por sua vez, tem que figurar no Estatuto Político–Administrativo da Região. A alteração deste é só da iniciativa do parlamento regional, pelo que não deve o intérprete ignorar tal competência, e desprezar o regime que a seu tempo o parlamento regional propôs em matéria de imunidades dos seus Deputados. Para afinal ir aplicar a estes um regime material próprio dos Deputados à Assembleia da República, e criado por esta Assembleia só para eles.


2.3.4. Mas, mesmo no caso de se estar perante uma lacuna a preencher, dificilmente se deixaria de assinalar a toda a matéria das imunidades o seu carácter de excepcionalidade, com a consequente impossibilidade de aplicação analógica do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República.

Neste campo das imunidades, diz-nos Marcello Caetano que, “Tratando-se de excepção ao Direito comum, os preceitos que as estabelecem não são susceptíveis de interpretação extensiva ou analógica” ([27]). Para Jorge Miranda, o espírito das normas que prevêem as imunidades e as regalias não é o de criar privilégios em violação do princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Não estando em causa atributos pessoais ou interesses legítimos dos Deputados, estará sim em causa a instituição a que pertencem, pelo que as imunidades só tiram razão de ser da vida institucional da Assembleia, ao serviço da qual têm de ser compreendidas. Ora, é pondo em evidência exactamente o carácter funcional e institucional das situações de imunidade, que este autor conclui pela inadmissibilidade da analogia quer na sua definição quer na sua enumeração, embora possa admitir-se interpretação extensiva ([28]) ([29]).

E, como se sabe, o artigo 11º do Código Civil refere que “As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

Mas acerquemo-nos mais de perto do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República para se ver em que medida é que ele contém um claro desvio à disciplina decorrente das normas gerais relativas ao interrogatório do arguido que figuram no Código de Processo Penal.


2.3.5. O arguido surge na economia do C.P.P. como um verdadeiro sujeito processual, dotado de um estatuto que lhe permite, entre o mais, determinar a tramitação que o processo, em certos estádios, deva seguir. Sem definir propriamente “arguido”, o C.P.P. enumera as situações em que tal condição é adquirida: “ope legis” nos termos do seu artigo 57º, ou mediante a respectiva constituição, de acordo com os artigos 58º e 59º ([30]).

Atendendo aos factos que deram origem ao presente parecer, interessa à respectiva economia, fundamentalmente, a situação prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 58º do C.P.P.: alguém dever prestar declarações no processo, e tal processo, ainda na fase de inquérito, correr contra essa mesma pessoa.

O parecer nº 77/96 deste Conselho Consultivo ([31]) teceu as seguintes considerações, que julgamos útil trazer à colação, porque referentes à hipótese em foco, sobre o estatuto do arguido, as suas declarações, e o “timing” da sua constituição como tal:

“A aquisição da qualidade processual de arguido determina a atribuição de um complexo de direitos e a sujeição a determinados deveres processuais.

“O artigo 61º do C.P.P., com efeito, enumera, “em especial”, um conjunto de direitos, consagrando-se os direitos de presença em actos processuais; de audiência (ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que deva ser tomada decisão que o afecte); de silêncio sobre a imputação dos factos; de escolher ou solicitar a nomeação de defensor e de ser por este assistido; de intervenção no inquérito e instrução oferecendo provas e requerendo diligências; de informação e de recurso.(x)

“O arguido goza de tais direitos em qualquer fase do processo.

“O elenco dos direitos estatutários do arguido reconduz-se afinal à concretização instrumental no processo do direito fundamental a todas as garantias de defesa: - direito fundamental que assiste a toda a pessoa suposta de autoria de um facto punível de se opor eficazmente à pretensão punitiva, quer exercitando a sua própria defesa (defesa privada ou material), quer simultaneamente através de defensor (defesa pública ou formal) (x1).”

Mas as declarações do arguido, contempladas nos artigos 140º a 144º do C.P.P., e sistematicamente integradas no Capítulo II do Título II do Código, que se refere aos meios de prova, podem constituir um contributo valioso para a reconstituição dos factos. E por isso é que, como se apontou no parecer citado,

“As regras gerais relativas às declarações do arguido, conjugadas com as normas próprias do estatuto, revelam a dupla natureza que tais declarações revestem no complexo do processo: oferecer ao arguido a possibilidade de exercer o seu direito de defesa e constituir, também, um meio de prova (x2).

“Na verdade, após afirmar o primado do respeito pela personalidade e pela exigência de condições para a plena liberdade de determinação do arguido (x3), o artigo 140º, nº 2, do C.P.P. manda aplicar às declarações do arguido, “correspondentemente” as regras aplicáveis ao depoimento das testemunhas (x4): declarações sobre factos de que tenha conhecimento e que constituam objecto de prova, pessoalidade do acto, proibição de perguntas sugestivas ou impertinentes ou quaisquer outras que possam prejudicar a espontaneidade e a sinceridade das respostas.

“Este regime traduz a conformação das declarações como meio de prova (esclarecimento sobre factos), mas igualmente como garante da defesa, na medida em que o arguido poderá esclarecer a sua posição perante os factos, fornecendo todos os esclarecimentos que entender convenientes para se defender das imputações que lhe são feitas e para que possa contribuir, co-determinantemente, para a obtenção da verdade judicial (x5).”

E mais adiante:

“Como quer que seja, e qualquer que seja, numa situação precisa, o valor e a função preponderante, as declarações do arguido constituem um momento e um acto essencial do processo penal, que não está na disponibilidade ou na vontade da autoridade judiciária praticar ou não praticar.

“O juízo (complexo) sobre a utilidade das declarações não está na discricionaridade da autoridade judiciária; esta, sempre que a investigação seja dirigida contra alguma pessoa e o acto se revele processualmente necessário, deve constituí-la arguido e convocá-la a declarações, dando-lhe, assim, a oportunidade de esclarecer ou não esclarecer os factos e, se pretender prestar declarações, tomar sobre os factos a posição que entender.

“O juízo processual relevante sobre a constituição de arguido como acto do processo e sobre a convocação de declarações nessa qualidade pertence pois, apenas, à autoridade judiciária que conduz o processo, ou, nos termos permitidos pela delegação, ao órgão de polícia criminal no qual tenha sido delegada a sua realização.

“Independentemente de o arguido pretender usar ou não o seu direito ao silêncio ou entender prestar esclarecimentos sobre os factos, sobre a indicação de causas susceptíveis de excluírem a ilicitude ou a culpa, ou a revelação de circunstâncias valoráveis na determinação da responsabilidade ou da culpa, a constituição de arguido como acto formal do processo e a convocação para declarações nessa qualidade pressupõe um juízo prévio e necessário sobre a condução do processo e que apenas cabe na competência da autoridade judiciária.

“Constitui, pois, uma decisão processual necessária e tendencialmente obrigatória no plano da condução processual: havendo indicações precisas sobre a identidade e localização do arguido, não é processualmente admissível, pela função e natureza das declarações do arguido, que este não seja convocado para, querendo, prestá-las (x6).

“Decidido, assim, pela autoridade judiciária competente - ou pelo órgão de polícia criminal no qual a realização de inquérito tenha sido delegada - as declarações do arguido ( e o antecedente ou concomitante acto formal de constituição) tornaram-se, concretamente, actos processualmente necessários.”

O Ministério Público é a autoridade judiciária competente na fase de inquérito, cabendo-lhe, na qualidade de seu director, praticar os actos e assegurar os meios de prova necessários à realização das finalidades que a lei assinala a tal fase preliminar: investigar a existência do crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, e descobrir e recolher o material probatório que permita tomar uma decisão sobre a acusação ([32]).

Responsável por levar a bom termo o efeito útil que se pretende obter com o inquérito, o Ministério Público tem que poder decidir, nos parâmetros legais, que diligências se impõe levar a cabo, e qual o momento correcto para as levar a cabo ([33]).

Pode também decidir delegar nos órgãos de política criminal diligências que não tenham que ser realizadas por si ou pelo juiz de instrução criminal, entre as quais se conta o interrogatório de arguido não detido, ou os interrogatórios subsequentes ao primeiro interrogatório de arguido detido ([34]).

Ora, por força da disciplina do nº 2 doa artigo 157º da Constituição da República, já não depende só do Ministério Público ou dos órgãos de polícia criminal a eleição do momento da constituição de alguém como arguido e da sua audição, se a pessoa em questão for Deputado ([35]).

Estando em causa crime negligente, crime doloso a que corresponda uma pena que não ultrapasse três anos de prisão no seu limite máximo, ou ainda se se estiver perante um processo dirigido contra a pessoa de um Deputado, sem que se possa falar da existência de fortes indícios contra ele, a Assembleia da República é livre de negar a autorização. E, se tal ocorrer de facto, terá como consequência a suspensão do procedimento criminal contra o Deputado.

No caso de se tratar de crime doloso, ser um crime punível com pena de prisão superior a três anos, no seu limite máximo, e haver fortes indícios da infracção, ainda aí a autoridade judiciária terá que obter uma autorização da Assembleia, se bem que o preceito constitucional nos refira que ela será obrigatória.

Estamos pois perante uma norma constitucional de carácter processual penal, que remete para um órgão de soberania, não jurisdicional, a decisão de bloquear temporariamente um procedimento crime, ou faz depender a impossibilidade desse bloqueio de especiais condicionalismos.


2.4.1. Na origem do presente parecer está a tese defendida pela Comissão de Regimento e Mandatos da A.L.R.M., da aplicabilidade ao caso em apreço do nº 2 do artigo 157º da C. da R. (Supra II, 2). Embora aquela Comissão não fundamente a sua posição, entendemos que ela só pode derivar de uma aplicação analógica do preceito. Ora, posta de lado a existência de qualquer lacuna da lei no tocante à matéria de imunidades, e especificamente das imunidades processuais, dos Deputados à A.L.R.M., resta então chamar à colação as disposições que se propõem regular a matéria, e que, como se viu, se incluem no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e no Regimento da A.L.R.M. (Supra, IV. 1.4.5.).

O artigo 20º daquele Estatuto não contempla qualquer imunidade processual que se prenda com o interrogatório de um Deputado como arguido, e é no nº 1 do artigo 12º do Regimento citado que surge a previsão do interrogatório de Deputado naquela qualidade. Aí se diz, entre o mais, que “os deputados não podem, sem autorização da Assembleia, (...) ser ouvidos (...) como arguidos, excepto neste último caso, (...) quando suspeitos de crime a que corresponda pena superior a três anos.” Tal significa que, segundo o Regimento, face a uma maior gravidade do crime, nenhuma autorização da A.L.R.M terá que ser obtida, na linha, aliás, do que a seu tempo, também se dispôs no nº 1 do artigo 13º da Lei nº 3/85, e no artigo 14º do Estatuto dos Deputados aprovado pela Lei nº 7/93 (Supra, IV, 1.4.2.).

A factualidade de que nos é dado conhecimento reporta-se à pendência de um processo contra certo Deputado à A.L.R.M., pela prática de crime punível com pena superior a três anos de prisão. Está–se então perante uma situação em que nenhuma norma prevê a necessidade de autorização da A.L.R.M., para que aquele parlamentar seja interrogado como arguido.


2.4.2. No entanto, se no caso em apreço propendemos para a desnecessidade de obtenção de autorização da A.L.R.M., para ouvir o Senhor Deputado como arguido, sempre se alertará para o facto de a norma do nº 1 do artigo 12º, do Regimento da A.L.R.M., estar ferida de inconstitucionalidade.

Recorde-se que se trata de Regimento aprovado por Resolução da A.L.R.M. (supra, nota 19), o qual trata, no seu artigo 10º, da irresponsabilidade dos Deputados, no artigo 11º da inviolabilidade, e, em matéria de “direitos e regalias”, no nº 1 do artigo 12º, da necessidade de obtenção de autorização da A.L.R.M. para a audição dos Deputados.

Quer se considere esta necessidade de autorização um direito, uma regalia, ou uma imunidade de cariz processual, do que não haverá dúvida é que se está perante matéria claramente estatutária dos Deputados à A.L.R.M. E, no tocante à referida necessidade de autorização para que o Deputado seja ouvido, nem se descobre qualquer traço desse “direito” no Estatuto Político-Administrativo da Região.

Como se viu antes, o nº 6 do artigo 231º da Constituição da República remete para os estatutos político-administrativos das regiões o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprios das regiões, estatutos que, por força do artigo 226º da mesma Constituição da República estão sujeitos a discussão, aprovação e deliberação final da Assembleia da República.

E porque se trata de matéria que faz parte da reserva de lei estatutária é que, no Acórdão nº 92/92, de 11 de Março, do Tribunal Constitucional ([36]) se afirmou:

“a) Só a Assembleia da República pode legislar sobre o estatuto (e suas alterações) dos titulares dos órgãos de governo regional - maxime sobre o estatuto dos deputados regionais [cfr. os artigos 228º, nº 1, e 233º, nº 5, da Constituição];

b) Esse estatuto - ou seja, o estatuto dos órgãos de governo regional - tem de constar do estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma (cfr. artigo 233º, nº 5);

c) O mesmo estatuto há-de versar “sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades” dos titulares daqueles órgãos, e bem assim “sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades” (cfr. artigo 120º, nº 2).” ([37])

E mais adiante, a propósito do Decreto regional aí em apreço:

“As normas do mesmo diploma, que, sem as alterar, reproduzem normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, atinentes ao estatuto do deputado regional, também são inconstitucionais.

Com efeito (salvo alguma norma que revista natureza meramente organizatória, como é o caso do artigo 3º, mas que nem por isso se justificaria deixar subsistir, já que, com ela, a assembleia regional pretendeu ainda definir o estatuto do deputado regional), as normas em causa versam matéria que, como se disse, se inscrevem na reserva de estatuto. Por isso, violam elas os mencionados artigos 164º, alínea b), 228º, nº 1, e 233º, nº 5, da Constituição. Ao que acresce que nunca as normas do Estatuto Político-Administrativo - designadamente as que concernem ao estatuto do deputado regional - poderiam ser “apropriadas” pela assembleia legislativa regional e por ela transformadas em normação regional.
O ordenamento jurídico regional há-de ser, com efeito, um ordenamento (especial) complementar do ordenamento jurídico nacional. Não pode ser um ordenamento paralelo ou de substituição deste último.
O poder normativo regional não pode, por isso, pegar em legislação nacional e transformá-la em legislação regional. procedendo como que a uma novação do título (da fonte) dessa legislação.”

De referir, a finalizar, que o vício de inconstitucionalidade orgânica que atingirá, entre outras, a norma do nº 1 do artigo 12º da Resolução da A.L.R.M. nº 1/93/M, não afectará a sua aplicação, enquanto aquela inconstitucionalidade não for declarada com força obrigatória geral ([38])
V

Termos em que se conclui:

1º - A nova redacção dada ao nº 2 do artigo 157º da Constituição da República, pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, ao consagrar a necessidade de autorização da Assembleia da República para um Deputado seu ser ouvido como declarante ou como arguido, elevou à categoria de imunidade parlamentar o que já antes se configurava na legislação ordinária como um direito dos Deputados;

2º - A disciplina do preceito referido na conclusão anterior aplica-se directamente aos Deputados à Assembleia da República, e, por remissão, aos Deputados portugueses ao Parlamento Europeu e aos Deputados à Assembleia Legislativa Regional dos Açores;

3º - A matéria das imunidades, direitos e prerrogativas, apanágio dos Deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, rege-se pelo disposto na Lei nº 13/91, de 5 de Junho, que aprovou o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, e pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional da Madeira nº 1/93/M, de 19 de Fevereiro de 1993, que aprovou o respectivo Regimento;

4º - O vício de inconstitucionalidade orgânica de que enferma a norma do nº 1 do artigo 12º da referida Resolução não impede a sua aplicação, enquanto tal inconstitucionalidade não for declarada pelo Tribunal Constitucional com força obrigatória geral;

5º - A autoridade judiciária, ou os órgãos de polícia criminal competentes, não carecem de obter autorização da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, para interrogar um Deputado seu como arguido, em processo que contra ele corra por crime punível com pena superior a três anos de prisão no seu limite máximo.



VOTOS




(José Adriano Machado Souto de Moura) Declaração de voto.
Elaborámos um projecto de parecer em que defendemos a aplicação analógica do nº 2 do artigo 157º da C.R., aos deputados à A.L.R.M., posição que não temos motivo para abandonar.
São os seguintes os fundamentos de tal aplicação analógica:

a) Como a palavra indica, “lacuna” implica a ideia de incompletude e de uma incompletude que provoca um sentimento de insatisfação, de desaprovação. Ao lamentarmos a ausência de uma norma para aplicar a certa relação, ou a certa situação, obviamente que formulamos um juízo negativo de apreciação. Tal juízo há-de ser produzido, forçosamente, segundo um certo ponto de vista. Esse ponto de vista não é obviamente o da valoração subjectiva do julgador, sob pena de se violar o imperativo de obediência à lei e se estar a invadir um terreno que pertence àquele legislador. O ponto de vista em que nos devemos colocar é o da valoração subjacente à ordem jurídica, globalmente considerada. E, como bem refere CANARIS, “a ordem jurídica é sempre outra coisa e algo mais que a soma das disposições legais, sendo isto verdade num duplo sentido. Por um lado, a lei não pretende valer só por ela mesma, não pretende constituir apenas uma ordem arbitrária, antes tem a pretensão de ser uma ordem justa: cada lei está submetida pela sua natureza à exigência da ideia de direito, e recebe então, à custa desta, um sentido e um conteúdo que a ultrapassam. Por outro lado, a lei é também criada com o propósito de constituir uma ordem razoável, pertinente; e isso significa que se propõe ter em conta a natureza das coisas e que portanto deve ser explicada e completada por esta última.”([1])
Ora, o que no caso, se constata do ponto de vista da ordem jurídica global, ou, se se quiser, do “plano do legislador”, é que com a nova disciplina do nº 2 do artigo 157º, da C.R., se quis alargar o elenco das inviolabilidades constitucionalmente consagradas para os Deputados à Assembleia da República. Que os Deputados ao Parlamento Europeu e à Assembleia Legislativa Regional dos Açores beneficiaram desse alargamento por disposição expressa da lei. E que por falta de disposição equivalente, os Deputados à A.L.R.M. ficaram privados do dito alargamento. Ora, não houve no passado qualquer discriminação, nem há o mínimo motivo para que se introduza agora tal discriminação, quanto às imunidades dos Deputados à A.L.R.M. comparadas com as dos demais.
Não poderá passar despercebido que o elenco de imunidades dos Deputados começou por estar previsto, em 1976, no artigo 160º da Constituição da República, e foi essa pauta que veio a servir sempre, para que, ao nível da lei ordinária, se tratassem as imunidades de todas as espécies de Deputados. Não é ousado afirmar que, na matéria, para além de uma simples repercussão ou “efeito à distância” ([2]) da valoração da Constituição, a disciplina do seu artigo 160º, na redacção anterior à última revisão, foi substancial, e até formalmente, o paradigma e a referência do legislador ordinário, em matéria de imunidades. E também por isso é que tais imunidades eram as mesmas, quaisquer que fossem os Deputados.
De acentuar também, que a nova imunidade do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República, correspondia já a um “direito” previsto na legislação ordinária, que em moldes iguais beneficiava todos os Deputados.
Se até 1997 todos os preceitos pertinentes da lei ordinária copiavam a disciplina constitucional, o corte na uniformidade de regimes operado depois da última revisão, está longe de implicar, a nosso ver, uma quebra da igualdade, como opção deliberada, no plano do legislador.
Com propriedade se afirmará, com Baptista Machado, que “a analogia serve aqui tanto para determinar a existência de uma lacuna como para o preenchimento da mesma” ([3]).
E, no fundo, é o princípio da igualdade que dita a assimilação deste caso omisso: se dois casos têm juridicamente o mesmo valor eles exigem a mesma consequência jurídica. O cerne da “ideia de direito” encontra então aqui plena realização: deve ser tratado igualmente o que é igual.
Por certo que a afirmação de uma lacuna no caso em apreço, enquanto deficiência do sistema, “de lege lata”, só tem sentido na perspectiva da actual situação jurídica. Mas a tal propósito, mais uma vez, Engisch nos elucida:
“Muitos crêem só poder responder à questão de saber se uma regulamentação legal é lacunosa do ponto de vista do anterior legislador histórico. Segundo a teoria da interpretação objectiva, hoje dominante, a questão deve, pelo contrário, ser respondida do ponto de vista actual. Na minha opinião, na determinação das “lacunas” não nos podemos efectivamente ater apenas à vontade do legislador histórico. A mudança das concepções de vida pode fazer surgir lacunas que anteriormente não haviam sido notadas e que temos de considerar como lacunas do Direito vigente e não simplesmente como “lacunas jurídico-políticas”. Como também se diz, não há apenas “lacunas primárias”, lacunas de antemão inerentes a uma regulamentação legal, mas ainda “lacunas secundárias”, quer dizer, lacunas que só supervenientemente se manifestam, porque entretanto as circunstâncias se modificaram. Isto vale, de resto, não só para a modificação das valorações, mas também pelo que toca à alteração das circunstâncias de facto relativas ao objecto da regulamentação”. ([4])

b) A nosso ver, não procede a argumentação adversa à aplicação do nº 2 do artigo 157º, da Constituição da República, baseada no facto de caber só à A.L.R.M. a iniciativa de alterar o Estatuto dos seus Deputados, incluindo as respectivas imunidades. Na verdade, é porque aquele órgão regional não tomou essa iniciativa que sentimos a falta, para os Deputados madeirenses, de uma disposição que os equiparasse a todos os outros. Constatada uma lacuna, a aplicação analógica de uma norma só é obstaculizada, nos termos do artigo 11º do Código Civil, pela sua natureza excepcional. Não encontramos qualquer impedimento que se relacione com a competência do órgão que produziu tal norma. A “norma aplicável aos casos análogos” não é a norma que, considerando o órgão que a gerou, seria análoga à que deveria existir e não existe.
Isto dito, obviamente que só se topará com uma lacuna quando falte uma norma. E essa norma falta, desde logo, porque o órgão competente para tomar a iniciativa de a produzir, não se prontificou a tanto.

c) Do mesmo modo improcede, quanto a nós, qualquer obstáculo derivado da natureza excepcional da norma do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República, designadamente na parte que interessa ao caso em apreço.
Repare-se que o que está em causa não é a irresponsabilidade do Deputado, não é sequer a interrupção do curso normal do processo contra ele dirigido. Exige-se a recolha de uma autorização. Tal autorização é obrigatória. No fundo, tudo se reduzirá, como veremos adiante, a uma mera obrigação de comunicação à Assembleia, da necessidade de ouvir um Deputado como arguido.
Daí que se não trate de uma disciplina directamente oposta à do direito processual penal comum. Trata-se sim, de uma disciplina diferente para um círculo restrito de pessoas, os Deputados. Será pois uma norma especial ([5]), ou, como alguns autores referem, uma norma particular, porque dirigida só a certa categoria de pessoas, e integrada num estatuto pessoal ([6]).
Mas, mesmo que se estivesse perante uma norma considerada em abstracto excepcional, seria precipitada a proibição da sua aplicação por analogia aos Deputados à A.L.R.M. É que, como refere O. Ascensão, “se para qualificarmos uma regra como excepcional, nos bastarmos com o simples facto de ela contrariar outra regra de âmbito mais vasto, o resultado será insatisfatório” ([7]). A excepcionalidade substancial de uma norma mede-se pela sua contradição com os princípios que inspiram a normalidade da disciplina jurídica. A proibição da sua aplicação analógica deriva só de, no caso omisso, não concorrerem as razões específicas que levaram ao afastamento da regra geral. Ora, como observa o autor citado, “surgem casos que apresentam mais semelhanças com os regulados de modo excepcional que com os constantes da regra geral” ([8]). Cremos que seria exactamente a hipótese em apreço. O artigo 157º, nº 2 da Constituição da República estabelece uma disciplina própria para um círculo restrito de pessoas, os Deputados à Assembleia da República. Face à teleologia da norma, o círculo dos Deputados à A.L.R.M. constitui um universo pessoal equivalente ao previsto no preceito. A excepcionalidade da disciplina do artigo 157º, nº 2 afere-se por referência ao cidadão comum. Não por referência a outros Deputados.

d) A partir do momento em que, como acabou de se defender, se optasse pela aplicação do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República aos deputados à A.L.R.M., então a resposta à questão subjacente ao presente parecer reclamaria a indagação do sentido preferível a atribuir ao aludido preceito.
Ora, em primeiro lugar, haverá que delimitar as situações em que os Deputados devem ser ouvidos “como declarantes” em processo penal, quanto mais não seja para as distinguir daquelas em que devem ser ouvidos como arguidos.
Depois, sempre interessará saber se é à própria A.L.R.M. que compete avaliar a existência de fortes indícios do crime eventualmente imputado a um dos seus Deputados. Comecemos pela primeira questão, recuperando considerações feitas no projecto de parecer aludido, a tal propósito.
O breve excurso feito antes pelas constituições de alguns países (supra, IV, 1.2.) revela-nos que, independentemente do que consagrem quanto à irresponsabilidade por certos crimes, a inviolabilidade dos deputados se centra sempre nas situações em que se vejam privados da liberdade. Alguns Estados não vão mais além (Áustria, Finlândia, Suécia, Reino Unido, Irlanda, Angola, Guiné-Bissau), mas, noutros, as imunidades processuais contemplam também o procedimento criminal instaurado contra um deputado (Alemanha, Bélgica, Espanha, Grécia, França, em termos limitados, Itália, Luxemburgo, Brasil, S. Tomé e Príncipe). Por último, as Constituições dinamarquesa e espanhola dão relevância ao momento da acusação, as de Cabo Verde e Moçambique ao da submissão a julgamento.
Antes da última revisão, a Constituição da República só conferia dignidade constitucional em matéria de imunidades, ao momento de privação da liberdade do Deputado (prisão ou detenção), e ao momento da acusação definitiva. A lei ordinária também só atendia àqueles momentos no âmbito das imunidades (supra, 1.4.2, 1.4.3., 1.4.4. e 1.4.5.), variando apenas as expressões usadas, as quais aliás se equivaliam: “indiciado...definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente”, “indiciado...por despacho de pronúncia ou equivalente”, “acusado definitivamente”.
A audição como declarante ou arguido de um Deputado era tratada só na legislação ordinária, e em conjunto com outras intervenções dos parlamentares no processo penal, na qualidade de jurados, peritos ou testemunhas. Isto ao nível dos “Direitos e regalias dos Deputados” ou das “Condições de exercício de mandato do deputado”, e separadamente das imunidades que como tais lhes eram conferidas.
Com o nº 2 do artigo 157º da Constituição da República, ultimamente revista, reforçou-se pois o elenco das imunidades processuais dos Deputados com consagração constitucional ([9]), e, sem paralelo em qualquer das constituições apontadas, vem-se exigir a autorização da Assembleia para audição de um Deputado, não só como arguido, mas também “como declarante”.
No sistema do Código de Processo Penal de 1929, distinguiam-se como meros intervenientes no processo, e no âmbito da prova pessoal ([10]), as testemunhas dos declarantes. Estes integravam o conjunto de pessoas cujo depoimento interessava ao processo, mas que, em face de certas ligações familiares ou de afinidade, por terem participado o facto à autoridade, em virtude de serem ofendidos, estarem presos ou de terem interesse directo na causa, seria de esperar que fossem parciais. Ensinava Cavaleiro de Ferreira que “Os depoentes têm diferente designação, consoante a maior ou menor credibilidade que em abstracto apresentam: testemunhas ou declarantes.” ([11]).
A incapacidade para depor estava prevista, antes do mais, nos nºs 1 e 2 do artigo 216º do C.P.P. de 1929, com base na presunção de que as pessoas em causa não tinham, por natureza, o entendimento bastante para reproduzir fielmente os factos ([12]).
Nos nºs 3º, 4º, 5º e 6º daquele preceito contemplavam-se todos aqueles depoentes em relação aos quais era legítimo esperar que tivessem interesse em alterar ou encobrir a verdade. Por força de uma presunção, estabelecida também aqui “juris et de jure”, tais intervenientes adquiriam o estatuto de declarantes.
O C.P.P. de 1987 alterou significativamente tal estado de coisas, eliminando a figura das chamadas “testes suspectae” e, portanto, dos declarantes.
O Título II do Código, que se reporta aos meios de prova, inclui num primeiro capítulo a regulamentação da prova testemunhal, a que se segue, no Capítulo II, a disciplina “Das declarações do arguido, do assistente e das partes civis”. O leque das pessoas que podem ser testemunhas alargou-se significativamente, através do artigo 131º, cifrando-se a incapacidade para tal, só, na interdição por anomalia psíquica ([13]). Concomitantemente, o Código impede de depor como testemunhas os arguidos os assistentes e as partes civis, no seu artigo 133º ([14]), os quais prestam declarações no processo e dispõem de um estatuto próprio.
Face a estas considerações, que sentido dar à expressão “serem ouvidos como declarantes” do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República?
Não é nem por um momento crível que o legislador tenha utilizado a expressão “declarantes” para cobrir situações que permanecessem sujeitas à disciplina do C.P.P. de 1929 ([15]). Ora, debruçando-nos sobre o Código vigente, constatamos que o desaparecimento dos “declarantes” não impediu que outros intervenientes processuais, aliás verdadeiros sujeitos processuais, continuassem a “prestar declarações”. São eles os assistentes, as partes civis e os arguidos. Porque o nº 2 do artigo 157º da Constituição da República coloca lado a lado “declarantes” e “arguidos”, somos levados a considerar, apenas as declarações dos assistentes e das partes civis. No entanto, ficará sem explicação, nesse caso, a ausência de qualquer menção à necessidade de consentimento da Assembleia, para que os deputados deponham como testemunhas. Dir-se-ia que, por paridade de razões, tal menção se imporia.
Cremos que o elemento sistemático de interpretação pode ser-nos neste ponto de alguma valia.
Recorde-se que o nº 2 do artigo 157º da Constituição da República encontra alguma equivalência na legislação ordinária, através da disciplina do artigo 14º da Lei nº 7/93 (supra IV, 1.4.2.), do artigo 22º da Lei nº 9/87 (supra, IV, 1.4.4.), do nº 1 do artigo 21º da Lei nº 13/91, e do artigo 12º da Resolução do A.L.R.M. nº 1/93/M (supra, IV, 1.4.5.). Nesses normativos contempla-se, para além da participação como jurados, todo o conjunto de intervenções possíveis dos deputados no processo, como veículos de prova: peritos, testemunhas, declarantes, ou arguidos.
Ao transpor para o rol das imunidades, o que antes figurava na legislação ordinária como prerrogativa ou simples direito dos deputados, tudo leva a crer que o legislador constitucional tenha pretendido continuar a submeter ao consentimento da Assembleia toda a intervenção dos deputados em processo penal. Ser “ouvido como declarante” corresponderia nesse caso a todas as situações em que, exceptuado o caso de interrogatório de arguido, o deputado deva ser ouvido num processo penal.
Refira-se, ainda, que o C.P.P. vigente utiliza por vezes a expressão “declarações” para ter em conta o próprio depoimento de testemunhas. É o caso das “declarações para memória futura” dos artigos 271º e 294º, das situações de urgência do artigo 320º, e da leitura permitida de declarações, em audiência, do nº 2 do artigo 356º, todos do C.P.P.
Serve para dizer que nos inclinamos a incluir na expressão, “declarantes”, desde logo, todos quantos prestam declarações em processo penal. Mas, tanto o elemento teleológico como sistemático de interpretação apontam para uma interpretação extensiva do preceito, de modo a serem nele abrangidas também as testemunhas.

e) O juízo processual quanto à necessidade de audição como arguido, de um Deputado, terá que prever a eventualidade de a Assembleia da República recusar o consentimento para tal, tratando-se de crime punível com pena inferior a três anos, no seu limite máximo.
Mas, nos casos de crime doloso punível com pena superior a três anos de prisão, no seu limite máximo, aquele juízo do Ministério Público ou do órgão de polícia criminal em que a diligência tiver sido delegada, terá que atender ao facto de a autorização para o interrogatório só ser incontornável se houver fortes indícios de crime.
O C.P.P. refere-se por mais de uma vez, na disciplina proposta para as fases preliminares, aos indícios do crime, utilizando expressões que veiculam um grau de exigência diferente. Logo na definição de “suspeito”, da alínea e) do nº 1 do artigo 1º, se fala em “pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar”.
O material probatório para que ao arguido sejam aplicadas as medidas de coacção de “Proibição de permanência, de ausência e de contactos”, “Obrigação de permanência na habitação” ou de “Prisão preventiva” ([16]), há-de, a seu turno, ser mais valioso, porque aqui a lei exige “fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos”.
Finalmente, com a expressão “indícios suficientes” do crime e de quem o cometeu, ou de se terem verificado os pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, expressões essas usadas a propósito da acusação e da pronúncia ([17]), o legislador quis reportar-se ao grau máximo de segurança probatória compatível com as fases anteriores ao julgamento.
Nesta gradação de exigência, relativa aos indícios, os “fortes indícios” surgem pois numa posição intermédia. Cremos que a densificação do conceito empregue pelo legislador constitucional não há-de afastar-se do sentido que lhe vem sendo dado, como pressuposto da aplicação das medidas de coacção apontadas. Por isso é que, também aqui, só se estará perante “fortes indícios” de um crime se se dispuser de uma base de sustentação segura, se se estiver perante um material probatório suficientemente consistente, que autorizassem a prisão da pessoa em questão.
Os “fortes indícios” situar-se-ão aquém da suficiência de indícios exigida para a acusação e pronúncia, mas para além dos indícios bastantes para que alguém seja considerado suspeito, portanto.
Ora, a expressão usada na alínea a) do nº 1 do artigo 58º do C.P.P., “correndo inquérito contra pessoa determinada”, não pode ser feita equivaler à existência de fortes indícios de que tal pessoa cometeu um crime. Não é legítimo pressupor que, porque um inquérito corre contra certa pessoa, logo existam “fortes indícios” contra ela.
Na prática, tal poderá traduzir-se na constituição do Deputado como arguido em momento mais tardio do que aquele em que o seria qualquer outro cidadão, o que poderá representar algum prejuízo para os respectivos direitos de defesa.
O legislador constitucional terá, no entanto, optado por sacrificar nesta parte o interesse da pessoa do Deputado, em homenagem ao interesse da instituição parlamentar.

f) Se a autoridade competente só obtém a garantia de ouvir um Deputado como arguido, havendo “fortes indícios” contra ele, (tratando-se evidentemente de crime doloso punível com mais de três anos de prisão), reunidos tais “fortes indícios” a autorização da Assembleia será obrigatória. E com ser obrigatória, furta-se-lhe qualquer opção quanto à oportunidade política do consentimento, como, sobretudo, lhe estará vedado discordar da autoridade judiciária quanto à matéria de facto (quantidade e valor de indícios reunidos), bem como quanto à matéria de direito (qualificação penal do facto) ([18]).
A nosso ver, o sentido da disposição constitucional não pode ser nunca, quanto à secção em apreço, o de atribuir ao Parlamento a função de controlar a opção da autoridade judiciária. E, no entanto, a tal se chegaria, se se levasse a tarefa de verificação dos pressupostos, da obrigatoriedade do consentimento, ao ponto de ser a Assembleia a dizer que crime está em causa e se os indícios dele são fracos ou fortes.
Cremos que com a disposição em questão se pretende, por um lado, comunicar à Assembleia a pendência de um inquérito contra um seu Deputado, a necessidade de o ouvir como arguido, e a verificação dos pressupostos de que depende a obrigatoriedade de autorização para tal ([19]). Por outro lado, e sobretudo, tal dispositivo vinculará o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal a uma maior exigência na angariação do material probatório, precedente à audição como arguido de um deputado.
Tentemos ver porquê.
De acordo com o nº 1 do artigo 202º da Constituição da República, “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”. E, nos termos do seu nº 2, “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.
Tem-se entendido que, com este preceito, a Constituição pretendeu ensaiar uma definição da função jurisdicional, apontando a expressão “reprimir a violação da legalidade democrática” especialmente para a justiça criminal. E, se a delimitação da reserva de competência judicial em geral permanece como questão controvertida, dúvidas não subsistem de que a repressão dos crimes assume natureza necessariamente jurisdicional ([20]).
O artigo 219º da Constituição da República atribui ao Ministério Público, entre o mais, a função de “exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade”.
Nos termos do nº 5 do artigo 32º, ainda da Constituição da República, “O processo penal tem estrutura acusatória”. Ora, o conteúdo dessa garantia da constituição processual penal, cifra-se entre nós, por um lado, numa distinção material de fases no processo, e, por outro, numa distinção subjectiva entre a entidade investigadora - acusadora e julgadora. Como é sabido, o processo penal comum integra uma fase obrigatória, eminentemente investigatória, que é o inquérito, competindo a sua direcção, tal como a acusação, ao Ministério Público. Daí, a caracterização deste, como órgão autónomo que integra a função de administração da justiça penal ([21]).
Acresce que, como se referiu na Informação elaborada pelo Gabinete (parecer, III, 2,):
“O princípio da separação de poderes integra o núcleo essencial de identidade da Constituição (artigo 288º, alínea j)).
A 4ª Revisão Constitucional convocou, de forma expressa, o princípio da separação de poderes para o artigo 2º do texto constitucional onde se procede à definição do Estado de Direito Democrático.
Se é certo que, enquanto sub-princípio do princípio do Estado de Direito Democrático, a separação de poderes integrava já a matriz de todas as restantes normas constitucionais”, o “cerne da Constituição, a sua expressa e, pelo menos do ponto de vista formal, autónoma afirmação no artigo 2º significará a declaração da sua relevância estruturadora.”
Para além dos elementos de interpretação a que interessa atender para qualquer lei, invocam-se, no caso da lei constitucional, um conjunto de princípios hermenêuticos de que destacamos:
- um princípio da unidade do diploma fundamental, nos termos do qual a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas;
- um princípio da conformidade funcional que tem em vista impedir, em sede de concretização da constituição, a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecida. De tal modo que o intérprete não poderá chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido (Ehmke) ([22]).
A qualificação jurídico-penal dos factos, e, sobretudo, o juízo sobre a prova recolhida, referente a tais factos, surgem como tarefas típicas da função jurisdicional. E, tendo em conta a natureza da participação do Ministério Público no processo penal, ao serviço da administração da justiça penal, impor-se-á evitar, em obediência à repartição de poderes e funções constitucionalmente estabelecida, qualquer interpretação que desemboque na usurpação de funções que àquela entidade são próprias. Ainda que tal usurpação se revele meramente instrumental ([23]).
A avaliação da prova é uma tarefa típica da autoridade judiciária, que a ser levada a cabo pelo Parlamento, na situação em apreço, só cobraria justificação como fiscalização da opção daquela autoridade.
Por outras palavras, deverá a nosso ver eleger-se como sentido preferível, para a norma do nº 2 do artigo 157º da Constituição da República, aquele que represente a menor compressão possível de um princípio que decorre da própria disciplina normativa global que vimos a analisar: a administração da justiça penal compete aos tribunais, e as funções típicas daquela administração serão apanágio, portanto, das autoridades judiciárias.
Por outro lado, pensamos que a posição assumida, de se subtrair ao órgão parlamentar a aferição dos fortes indícios do crime, implica que a decisão de autorização, porque obrigatória, não seja objecto de qualquer deliberação ou votação, e se traduza só numa obrigação de comunicação prévia da necessidade da audição.
Conforme refere Carla Amado Gomes ([24]), “Caso estejamos perante um pedido de resposta obrigatoriamente positiva - suspeita da prática punível com pena superior a três anos, a título doloso -, é evidente que cabe apenas à Comissão apreciar o pedido e, uma vez confirmado o tipo de crime em questão, dar a obrigatória autorização. Seria, de facto, contraproducente que, exigindo a norma constitucional a concessão obrigatória de autorização, esta viesse a ser negada por votação no Plenário.”

f) Se, em última instãncia, a razão de ser das imunidades processuais dos deputados se prende com a manutenção da composição do parlamento e com a sua protecção de queixas infundadas, a respectiva comparência pontual perante a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal, não prejudicará aqueles objectivos em termos relevantes. O tempo de audição do Deputado redundará numa ausência dos trabalhos parlamentares que pouco ou nada brigará com a composição da Assembleia. Por outro lado, movido procedimento crime contra um Deputado, é exactamente a sua audição que melhor poderá contribuir para se estabelecer o infundado da queixa.
Ora, assim sendo, nas palavras da mesma autora, “a restrição do direito à tutela jurisdicional, efectiva e célere (artigo 20º/1, 1ª parte, e nº 4, da CRP), dos cidadãos lesados pela conduta do parlamentar e que contra ele desejem mover procedimento criminal, surge como injustificada por qualquer valor constitucionalmente relevante” ([25])
[1]) In “De la maniére de constater et de combler les lacunes de la loi en droit allemand”, “Le Problème des Lacunes en Droit”, Bruxelles, Bruyant, 1968, pag. 165.
[2]) A expressão é de Larenz. Cfr. “Metodologia da Ciência do Direito”, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, pág. 594.
[3]) Ob. cit., no parecer, pág. 196.
[4]) Ob. citada no parecer, págs. 286 e 287.
[5]) Cfr. Baptista Machado, in ob. cit., no parecer, pág. 95.
[6]) Cfr. Oliveira Ascensão, in ob. cit., no parecer, págs. 550 e 551.
[7]) Cfr. ob. citada no parecer, pág. 439.
[8]) Idem.
[9]) Não nos cumpre, enquanto intérpretes, aferir da oportunidade da inovação que os Deputados constituintes introduziram no seu próprio estatuto. Assinale-se no entanto uma tendência crítica que aqui e ali vai surgindo contra a consagração das imunidades parlamentares processuais (Cfr. Plácido Fernandez - Viagas Bartolomé, in ob. cit., na nota (8), págs 18 e segs. e 92 e segs., ou Hervé Isar, in “Immunités parlementaires ou impunité du parlementaire” - Revue Française de Droit Constitutionel”, 1994, nº 20, P.U.F., págs. 690 e segs.).
[10]) Como tal se entendendo a prova obtida através do discurso de uma pessoa reportado a certos factos. Opõe-se-lhe a prova real, que se obtém através da observação directa de coisas ou pessoas.
[11]) Cfr. “Curso de Processo Penal” Vol. 1º, Editora Danúbio, Lisboa, 1986, pág. 223.
[12]) Transcreve-se na íntegra o aludido artigo 216º do C.P.P. de 1929:
“Não podem ser testemunhas:
1º Os interditos por demência;
2º Os menores de sete anos;
3º Os ascendentes, descendentes, irmãos, afins nos mesmos graus, marido ou mulher do ofendido, da parte acusadora ou do arguido;
4º Os que participarem o facto à autoridade pública, salvo os que o fizerem no exercício das suas funções e no cumprimento de obrigação legal;
5º Os ofendidos com a infracção penal, ou que tiverem interesse directo na causa;
6º Os presos, salvo tratando-se de infracções penais cometidas na cadeia ou de factos que da cadeia pudessem ser presenciados ou praticados antes da prisão.
§1º Quando haja diferentes arguidos da mesma infracção, os ascendentes, descendentes, irmãos, afins nos mesmos graus, marido ou mulher de um deles não poderão ser ouvidos como testemunhas em relação a qualquer dos outros.
§2º Às pessoas inábeis para testemunhas, nos termos dos nºs 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, deste artigo e parágrafo anterior, poderão ser tomadas declarações quando o juiz o entenda convenientes mas as indicadas no nº 3 e § 1º não poderão ser obrigadas a prestá-las, se não forem participantes.”
[13]) O preceito é do seguinte teor:
“1- Qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei.
2- A autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo.
3- Tratando-se de depoimento de menor de 16 anos em crime sexual, pode ter lugar perícia sobre a personalidade.
4- As indagações, referidas nos números anteriores, ordenadas anteriormente ao depoimento não impedem que este se produza.”
[14]) Fá-lo do seguinte modo:
“1- Estão impedidos de depor como testemunhas:
a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;
b) As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição;
c) As partes civis.
2- Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem.”
De sublinhar que as consequências da eliminação da figura do declarante vão ao ponto de se admitir a depor como testemunha o co-arguido no mesmo crime, em caso de separação de processos.
[15]) Muito menos nos interessará considerar audições “como declarantes” de indivíduos a que caiba o estatuto de testemunha ou arguido, à revelia da disciplina do Código vigente e em actos feridos de invalidade, com as possíveis consequências do nº 3 do artigo 59º do C.P.P.
[16]) Previstas, respectivamente, nos artigos 200º, 201º e 202º do C.P.P.
[17]) Cfr. artigos 283º e 308º do C.P.P.
[18]) Tal não impede, muito pelo contrário, que a autoridade judiciária que subscreve o pedido de autorização deva fundamentar a afirmação que fizer de estarem preenchidos os pressupostos da obrigatoriedade, no caso concreto, do consentimento.
[19]) Também o nº 4 do artigo 157º da Constituição da República passou a exigir uma decisão de suspensão do deputado acusado definitivamente, em todos os casos, considerando-a obrigatória “quando se trate de crime de tipo referido nos números anteriores”. Não se pretendeu fiscalizar a opção de acusar, indo o Parlamento apurar se havia no caso “indícios suficientes” para tanto. E, no entanto, considerou-se necessário o consentimento obrigatório da Assembleia, também em tal condicionalismo.
O mesmo se poderia dizer a propósito do nº 2 do artigo 196º da Constituição da República.
[20]) Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in obra citada na nota (6) do parecer, pág. 792.
[21]) Sobre tal caracterização pode ver-se, v.g., Figueiredo Dias, in obra citada na nota (x2), do parecer págs. 367 e segs.
[22]) Cfr. Gomes Canotilho, in obra citada na nota (35) do parecer, pág. 1096 e segs..
[23]) A afirmação de que a indagação dos “fortes indícios” levada a cabo pelos Deputados serviria não o exercício da acção penal mas só a decisão de autorização parece-nos insuficiente. Basta configurar-mos o impasse gerado na hipótese de o Ministério Público considerar certa prova como “fortes indícios” e os Deputados não.
[24]) Cfr., ob. citada na nota (8) do parecer, págs. 96 e 97.
[25]) Idem, pág. 90.

(Ireneu Cabral Barreto) Vencido pelas razões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. José Adriano Machado Souto de Moura

(António Gomes Lourenço Martins) Vencido pelas razões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. José Adriano Machado Souto de Moura)


[1]) Informação 34/98, Pº nº 230/96, de 27 de Maio de 1998.
[2]) Trata-se do Pº nº 12642/95. OTDLSB.
[3]) Todos os sublinhados serão nossos.
[4]) Assim v.g. Ferrando Mantovani, in "Diritto Penale", Cedam, Padova, 1988, pág. 787. Refira-se ainda que no Parecer n.º' 77/96 de 14.11.96, se apelidaram as imunidades processuais de imunidades em sentido estrito.
Aliás, não há uniformidade na terminologia empregue a tal propósito, correspondendo aquela que adoptámos à usada em França. Em Espanha, Itália e na Alemanha usam-se para a “irresponsabilidade”, respectivamente, os termos “inviolabilidad”, “insindicabilitá” ou “irresponsabilitá” e “Indemnität”. Para a inviolabilidade usam-se os termos “inmunidad”, “inviolabilitá” e “Immunität”.
[5]) Na perspectiva do direito penal, a irresponsabilidade traduz–se numa "causa pessoal de exclusão da punibilidade", atinente ao âmbito de aplicação pessoal da lei penal. (cfr. Claus Roxin, in "Derecho Penal – Parte General” – Tomo 1º Madrid, Civitas, 1997, pag. 971, e Hans Heinrich Jescheck, in "Tratado de Derecho Penal – Parte General ", Granada, Comares, 1993, pág. 166).
Do ponto de vista do direito processual penal, a seu turno, a inviolabilidade ou as imunidades contra o procedimento criminal funcionam como um obstáculo ou excepção processual ao desenvolvimento normal do processo. Assim, a pertinente autorização das câmaras legislativas constituirá um verdadeiro pressuposto processual positivo ou uma condição de procedibilidade.
(Cfr. E. Correia in “Direito Criminal - I”, Coimbra, Almedina, 1971, pág. 191, e F. Dias in “Direito Processual Penal” - Primeiro Volume - Coimbra Editora, 1981, págs. 109 e 110).
[6]) Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira in "Constituição da República Portuguesa Anotada " Coimbra Editora, 1993, págs. 637 e 638.
[7]) Parece remontar à sessão do parlamento britânico de 12 de Janeiro a 12 de Fevereiro de 1397 a origem desta imunidade. 0 deputado Thomas Haxey denunciou a péssima conduta do rei Ricardo II, e foi por isso condenado à morte, por traição. A Câmara dos Comuns conseguiu que a pena não fosse cumprida (Cfr., Christian Bigaut, in " La responsabilité pénale des hommes politiques", Paris, L. G. D. J., 1996, pág., 81).
[8]) Cfr. Carla Amado Gomes, in “As Imunidades Parlamentares no Direito Português”, Coimbra Editora, 1998, pág. 42.
[9]) Cfr. Plácido Fernández – Viagas Bartolomé, in "La inviolabilidad e inmunidad de los Deputados y Senadores – La crisis de los "privilegios parlamentares", Madrid, Civitas, 1990, pág. 17.
[10]) Como é sabido, o sistema penal francês adoptou uma divisão tripartida das infracções, em contravenções, delitos e crimes, por ordem crescente de gravidade.
[11]) Cfr. “Les Parlements dans le Monde” - Centre International de Documentation Parlementaire de L’Union Interparlementaire”,. Bruxelles, Bruylant, 1986, pág. 144.
[12]) Cfr. ob. cit. na nota anterior, págs. 166 e 182.
Socorremo-nos para os restantes elementos comparatísticos, fundamentalmente, de “Las Constituciones de los Quince Estados de la Unión Europea - Textos y Comentarios” (de Mª Isabel Álvarez Vélez e Mª Francisca Alcón Justas, Madrid, Dykinson, 1996), bem como de “Constituições dos Países de Comunidade de Língua Portuguesa” (Faculdade de Direito de Coimbra, “Jus Gentium Conimbrigae”, Coimbra, 1997).
[13]) Assinale-se desde já o facto de o legislador constitucional se referir a “declarantes”, figura que deixou de existir no Código de Processo Penal de 1987, quer como sujeito quer como mero interveniente processual.
[14]) Transcreve-se o preceito na parte que interessa:
“Art.º 89.º Os membros da Assembleia Nacional gozam das seguintes imunidades e regalias:
a) São invioláveis pelas opiniões e votos que emitirem no exercício do seu mandato, com as restrições constantes dos §§ 1.º e 2.º;
b) Não podem ser jurados, peritos ou testemunhas sem autorização da Assembleia;
c) Não podem ser detidos nem estar presos sem assentimento da Assembleia, excepto por crime a que corresponda pena maior ou equivalente na escala penal, e, neste caso, quando em flagrante delito ou em virtude de mandato judicial;
d) Movido procedimento criminal contra algum Deputado e indiciado este por despacho de pronúncia ou equivalente, o juiz comunicará o facto à Assembleia, que, fora o caso previsto na última parte da alínea c) deste artigo, decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito do seguimento do processo; ..........................................................................................................................”.
[15]) Sofreu alterações, sem relevância para a matéria do presente parecer, através das Leis nºs 94/89 e 98/89, respectivamente, de 29 de Novembro e 29 de Dezembro.
[16]) Alterada pelas Leis n.º 24/95 e nº 55/98, ambas de 18 de Agosto, sem consequências para a questão em apreço no parecer.
[17]) A Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, refere-se ao “Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos”, e a Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, referida no n.º 3 do preceito, trata do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos.
[18]) Continuou-se pois, inclusivamente, a falar de “pena maior”, expressão que deixara de figurar no Código Penal de 1982, e que, como se viu, foi substituída no texto constitucional com a revisão de 1989 (supra 1.4.1.).
[19]) Aprovado pela Resolução da A.L.R.M. nº 1/93/M, de 28 de Abril de 1993, e publicado no Diário da República - I Série-B, da mesma data.
[20]) Cfr. Baptista Machado in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Coimbra, Almedina, 1983, pág. 194.
[21]) A expressão é de Oliveira Ascensão (cfr. “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, Coimbra, Almedina, 1993, pág. 422).
[22]) Ob. cit. na nota anterior, págs. 421 e 422.
[23]) In “Introdução ao Pensamento Jurídico”, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 6ª edição, 1988, pág. 281.
[24]) Idem, págs. 282 e 283.
[25]) Sobre este ponto veja-se Larenz, in “Metodologia da Ciência do Direito”, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, 2ª Edição, pág. 456.
[26]) Ob. citada na nota anterior, pág. 453.
[27]) Vide “A Constituição de 1933 - Estudo de Direito Político”, Coimbra Editora, 1956, pág. 88, ou “Manual de Ciência Política e Direito Constitucional”, Coimbra Editora, 5ª Edição, 1967, pág. 548.
[28]) Cfr. entrada “Deputado”, in “Dicionário Jurídico da Administração Pública”, Lisboa, 1990, pág. 535. Do mesmo modo, contrária à aplicação analógica, é a posição de Carla Amado Gomes, in ob. citada na nota (8), pág. 30.
[29]) Por certo que no caso em apreço se não coloca a hipótese de se operar a interpretação extensiva do nº 2 do artigo 157º da C. da R. de modo a serem aí abrangidos também, os Deputados à A.L.R.M. Este preceito disciplina só as imunidades de um círculo específico de Deputados que são os Deputados à Assembleia da República, como claramente resulta do elemento sistemático de interpretação. Assim sendo, não se poderá dizer que a letra da lei ficou aquém do seu espírito. Ao estatuir sobre certa espécie de Deputados e só sobre eles, a omissão de outros Deputados na previsão do normativo surge como mera consequência lógica.
[30]) São estes os textos dos preceitos:
“Artigo 57º
Qualidade de arguido
1 - Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal.
2- A qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo.”
“Artigo 58º
Constituição de arguido
1- Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que:
a) Correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal;
b) Tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coacção ou de garantia patrimonial;
c) Um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254º a 261º; ou
d) For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado.
2- A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61º que por essa razão passam a caber-lhe.
3- A constituição de arguido implica a entrega, sempre que possível no próprio acto, de documento de que constem a identificação do processo e do defensor, se este tiver sido nomeado, e os direitos e deveres processuais referidos no artigo 61º.
4- A omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela.”
“Artigo 59º
Outros casos de constituição de arguido
1- Se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no nº 2 do artigo anterior.
2- A pessoa sobre quem recair suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituída, a seu pedido, como arguido, sempre que estiverem a ser efectuadas diligências destinadas a comprovar a imputação que pessoalmente a afectem.
3- É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 e 4 do artigo anterior.”
[31]) Votado a 14 de Novembro de 1996, publicado em “Pareceres da Procuradoria-Geral da República”, vol. V, pág. 151 e segs.
x) Artigo 61º: “Direitos e deveres processuais:
“1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito:
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;
c) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos ou as declarações que acerca deles prestar;
d) Escolher defensor ou solicitar ao tribunal que lhe nomeie um;
e) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele;
f) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias;
g) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem;
h) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.
Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 265, considera que a enumeração não é exaustiva, porquanto o arguido é titular de outros direitos e está submetido a outros deveres, em razão da sua qualidade, mas também de outros que não integram o seu estatuto
x1) Cfr., v.g., Vicente Gimeno Sendra Constitución y Processo, ed. Tecnos, págs. 88 e segs., designadamente, pág. 95.
x2) Cfr., v.g. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, cit. pág. 440.
x3) Artigo 140º, nº 1 do C.P.P.: “Sempre que o arguido prestar declarações, e ainda que se encontre detido ou preso, deve encontrar-se livre na sua pessoa, salvo se forem necessárias cautelas para prevenir o perigo de fuga ou actos de violência”.
x4) Artigo 140º, nº 2 do C.P.P.: “Às declarações do arguido é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 123º e 138º, salvo quando a lei dispuser de forma diferente”.
O interrogatório do arguido é feito pelo Ministério Público ou pelo juiz de instrução, nos termos do artigo 144º do C.P.P.: “1. Os subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo.
2. No inquérito e em actos de instrução, os interrogatórios referidos no número anterior podem ser feitos por órgão de polícia criminal no qual o Ministério Público ou o juiz de instrução tenham delegado a sua realização”.
x5) Cfr., porém, numa perspectiva crítica, Rodrigo Santiago, Reflexão sobre as “declarações do arguido como meio de prova no Código de Processo Penal de 1987, in, “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 4º, Fasc. 1, Janeiro-Março de 1994, págs. 27 e segs.
x6) Com o que, vistas bem as coisas, o regime não será fundamentalmente diferente do C.P.P./29 (cfr. nota 18): a simples diferença será que de uma obrigatoriedade, directa ex vi legis se passou a uma obrigatoriedade material - processual concreta, sem a cominação expressa de nulidade.
No entanto, o encerramento do inquérito sem que a audição do arguido, processualmente necessária para a investigação, tenha tido lugar por falta de autorização legal, traduzir-se-á na omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, constituindo nulidade relativa prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d) do C.P.P.
[32]) Cfr. artigos 262º, 263º e 267º do C.P.P.
[33]) Por isso é que, no parecer que referimos, se tiraram, entre outras, três conclusões que mantêm plena actualidade:
“1ª. A constituição de arguido, prevista no artigo 58º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, traduz-se num acto formal através do qual se assume no processo a qualidade de arguido, com a atribuição dos correspondentes direitos e deveres processuais - artigo 61º do Código de Processo Penal;
2ª. As declarações do arguido no inquérito constituem meio de prova e têm também como finalidade assegurar o direito de defesa, possibilitando ao arguido esclarecer os factos e expor e indicar os elementos que considerar relevantes na perspectiva da sua defesa;
3ª. O juízo sobre a necessidade de prestação de declarações e sobre a decisão de constituição de arguido compete à autoridade que dirige o inquérito, devendo ser consequentemente entendido numa perspectiva processual - concreta. ............................................................................................................................”.
[34]) É o seguinte o texto do artigo 144º do Código de Processo Penal:
“1 - Os subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo.
2 - No inquérito, os interrogatórios referidos no número anterior podem ser feitos por órgão de polícia criminal no qual o Ministério Público tenha delegado a sua realização.”
[35]) Igual limitação se imporá ao juiz de instrução se a necessidade da audição do Deputado como arguido se manifestar durante a instrução. Abstraímos porém desta eventualidade por a questão subjacente à consulta dizer respeito a um interrogatório na fase de inquérito.
[36]) Publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, Vol. 21º, págs. 7 e segs. O acórdão pronunciou-se, em sede preventiva, pela inconstitucionalidade de todas as normas do decreto, aprovado pela A.L.R.M., na sessão de 11 de Fevereiro de 1992, subordinado ao título “Alterações ao Estatuto do Deputado”.
[37]) Os preceitos invocados são os da versão do texto constitucional oriunda da revisão de 1992, correspondendo-lhes, na actual redacção, os artigos 226º, nº 1, 231º, nº 6, e 117º, nº 2, respectivamente.
[38]) Sobre a questão da “(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)”, se pronunciaram inúmeros pareceres deste conselho consultivo. Firmou-se uma posição, expressa v.g. no parecer nº 190/81, de 29.10.84, do seguinte modo:
“[...] a Administração não pode deixar de aplicar normas inconstitucionais, enquanto em sede própria não for declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, excepto se se tratar de respeitar normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, caso dos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 18º, nº 1, da Constituição.” Cfr. ob. cit. na nota 31, págs. 587 a 591.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART32 N5 ART157 N2 N4 ART160 ART164 B ART196 ART202 N1 N2 ART219 ART226 ART227 N1 E ART228 N1 ART 231 N1 N6 ART 233 N5.
LC 1/97 DE 1997/09/20.
EPARAM91 ART20 ART21.
L 3/85 DE 1991/03/13 ART4 N1 G ART6 N1 G ART9 N1 N4 ART10 ART11 ART13 N1 N2.
L 7/93 DE 1991/03/01 ART4 ART6 ART9 ART10 ART11 ART14 N1 N2.
L 7/93 DE 1991/03/01 ART4 ART6 ART9 ART19 ART11 ART14 N1 N2.
L 39/80 DE 1980/08/05 ART21 ART22.
L 9/87 DE 1987/03/26 ART12 ART22 N1.
L 61/98 DE 1998/08/27 ART22.
RARM 1/93/M DE 1993/04/28 ART10 ART11 ART12 N1.
CCIV66 ART11.
CPP87 ART1 N1 E ART57 ART58 N1 A ART59 ART61 ART131 ART133 ART140 N2 ART144 ART271 ART294 ART320 ART356 N2.
CPP29 ART216 N1 N2 N3 N4 N5 N6.
Jurisprudência: 
AC TC 92/92 DE 1992/03/11.
Referências Complementares: 
DIR CONST * ORG PODER POL / DIR CRIM / DIR PROC PENAL / DIR CIV * TEORIA GERAL*****
RGI PE.*****
PROTOCOLO ANEXO AO TRATADO DE FUSÃO DOS EXECUTIVOS DE BRUXELAS DE 1965/04/08 ART9 ART10*****
L FUNDAMENTAL DA RFA ART46 N2.
LC FEDERAL DA AT ART57 N2.
CONST BE ART59.
CONST DK ART57.
CONST ES ART71 N2.
CONST FI ART47.
PARLIAMENT ACT ART 14.
CONST FR ART26.
CONST GR ART62.
CONST IE ART68.
CONST IT ART68.
CONST LU ART69.
CONST PAÍSES BAIXOS USE HOLANDA ART71.
BILL OF RIGHTS 1689 PONTO IX.
CONST SUE ART8.
LC ANG ART84 N1.
CONST GW ART82 N2.
CONST BR ART82 N2.
CONST BR ART53 N1.
CONST CV ART181 N3.
CONST MZ ART144.
CONST ST ART84 N2.
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DR111
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