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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
90/1998, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
FERNANDES CADILHA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
PILOTO
ACIDENTE DE AVIAÇÃO
RISCO AGRAVADO
Conclusões: 
A aterragem de emergência de um avião, na sequência de uma avaria na iluminação do painel de instrumentos, que impede o piloto de prosseguir o voo, implicando uma colisão no solo, não corresponde a uma actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa
Nacional,
Excelência:






1. Para ser submetido a parecer do Conselho Consultivo, nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-se Vossa Excelência enviar à Procuradoria-Geral da República o processo respeitante ao ex-sargento miliciano piloto (...) (...).

Cumpre emitir parecer.


2. Dos elementos constantes do processo extraem-se, com interesse, os seguintes factos:

a) O requerente foi incorporado na FAP, como voluntário, em 4 de Outubro de 1968. Em 22 de Janeiro de 1970 terminou com aproveitamento um curso de pilotagem, tendo sido posteriormente designado para prestar serviço no nº 2 RA a partir de 1 de Maio desse ano;

b) Em data indeterminada do ano de 1970, quando se encontrava no Destacamento Aéreo de Cazombo, na ex-província ultramarina de Angola, foi encarregado de efectuar a evacuação, por via aérea, de um militar doente que se encontrava em Teixeira de Sousa, junto à fronteira com o Zaire;

c) De regresso dessa missão, o requerente detectou uma avaria na iluminação do painel de instrumentos do avião que pilotava, o que determinou que tivesse de efectuar uma aterragem de emergência junto de um aquartelamento do Exército, em Nanacandundo, em campo aberto;

d) Durante a aterragem, o avião embateu com violência numas árvores que existiam no terreno, no enfiamento do local onde se efectuou o contacto com o solo;

e) Após o acidente, o requerente passou a apresentar queixas de tonturas e perdas de conhecimento e, tendo sido presente à Junta de Saúde de Aeronáutica (JSA), em 17 de Abril de 1973, foi-lhe diagnosticado epilepsia temporal, sendo sido declarado incapaz para todo o serviço militar;

f) O relatório médico realizado em 11 de Dezembro de 1996, na consulta de neurologia do Centro de Medicina Aeronáutica da Força Aérea, na sequência do pedido de revisão do processo, confirmou o diagnóstico de epilepsia pós-traumática, com a atribuição de uma desvalorização funcional de 0,50;

g) No exame de sanidade realizado em 23 de Abril de 1997, considerou-se que o sinistrado apresentava um quadro compatível com epilepsia pós-traumática com uma desvalorização global de 0,50;

h) Em declaração complementar, emitida em 25 de Setembro de 1997, os peritos médicos, invocando a ausência de documentos médicos de exame directo reportados às lesões sofridas em resultado do acidente, admitiram que pudesse estabelecer-se um nexo causal entre o acidente e a doença;

i) Pronunciando-se sobre a existência dessa relação causal, a solicitação do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, a Direcção de Saúde (DS) considerou, em nota emitida em 5 de Fevereiro de 1998, não ser possível determinar com certeza o nexo de causalidade entre o acidente e a doença, dado o espaço de tempo decorrido (27 anos) e a insuficiência dos elementos clínicos;

j) O Serviço de Justiça e Disciplina foi de parecer que os factos descritos não configuraram uma situação de risco agravado, não permitindo a qualificação do militar em causa como deficiente das Forças Armadas;

l) A Junta de Saúde da Força Aérea, em 23 de Junho de 1997, manteve a declaração de incapacidade para o serviço militar, com um coeficiente global de desvalorização de 0,50.


3. Interessa agora averiguar se a situação descrita é enquadrável na norma do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, para efeito da pretendida qualificação como deficiente das Forças Armadas.

Deverá referir-se, antes de mais, que a circunstância de o acidente ter ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, não constitui obstáculo à aplicação do regime jurídico definido neste diploma, tendo em consideração o que dispõe o nº 2 do seu artigo 18º:

“O presente diploma é aplicável aos:
(...)
2. Cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo.
(...)

Na delimitação do conceito de deficiente das forças armadas, o Decreto-Lei nº 43/76 estabelece, designadamente, o seguinte:

«Artigo 1º
Definição de deficiente das forças armadas

(...).
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.

3. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.»


«Artigo 2º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1º

1. Para efeitos de definição constante no nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para 'incapacidade geral de ganho', deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O 'serviço de campanha ou campanha' tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As 'circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha' têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. 'O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores' engloba aqueles casos especiais aí não previstos, que pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.»


4. Como resulta do respectivo preâmbulo, uma das inovações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 43/76 reporta-se ao alargamento do regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, justificam pelo seu circunstancialismo o mesmo critério de qualificação.

Entre essas situações encontram-se aquelas que são definidas nas referidas disposições dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, como resultantes de acidente ocorrido no exercício de funções e deveres militares, e por causa desse exercício, em circunstâncias que envolvam um risco agravado equiparável ao que é inerente às restantes actividades expressamente mencionadas na lei: serviço de campanha, prisioneiro de guerra, manutenção da ordem pública, prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública.

O Conselho Consultivo tem interpretado a norma do nº 2 do artigo 1º, no estrito campo de aplicação a que se refere o nº 4 do artigo 2º, como abrangendo os casos que “pelo seu circunstancionalismo justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas" ([1]).


5.1. Este corpo consultivo já por mais de uma vez se debruçou sobre acidentes ocorridos durante o voo de aeronaves, firmando-se também a tal propósito o entendimento de que “o risco agravado necessário implica uma actividade arriscada por sua própria natureza e não por efeito de circunstâncias imprevisíveis e ocasionais”. De tal modo que a raridade ou a probabilidade muito baixa de terem lugar as circunstâncias que ocasionaram o sinistro, levarão a afastar aquela situação de risco agravado ([2]). Por isso é que, aplicada esta doutrina a acidentes envolvendo aeronaves, se entendeu que o simples voo normal de instrução envolve sempre um risco, designadamente de avaria mecânica, mas que tal risco não se apresenta superior ao da normal actividade castrense ([3]).

Equiparada a essa situação se considerou, aliás, o voo de helicóptero e por isso é que no Parecer nº 85/89 ([4]) se concluiu:

“O transporte em helicóptero da Força Aérea, de dia, decorrido em condições de visibilidade normal, ainda que tenha surgido em dada altura uma zona de nevoeiro e envolva o risco de avaria mecânica, não caracteriza um tipo de actividade militar com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto–Lei nº 43/76.”

As falhas mecânicas que estiveram na origem de acidentes de aviação, concretamente à descolagem, foram apreciadas nos Pareceres nº 18/93, de 1.4.93, e nº 66/96, de 10.4.97, ambos homologados, e inéditos, e entendeu-se, em coerência com as anteriores posições do Conselho, que o condicionalismo que envolveu a queda dos aviões aí em causa era insusceptível de configurar uma situação de risco agravado.

Naquele primeiro parecer concluiu-se da seguinte forma:

“Não caracteriza um tipo de actividade militar com risco agravado, enquadrável no nº 4 do artigo 2, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a condução de um avião que, na sequência de uma avaria do motor, aterrou de emergência em zona arborizada de mata, produzindo lesões nos seus ocupantes e a sua completa destruição”.

Igualmente, no parecer nº 66/96 citado, afirmou-se:

“A descolagem de um avião que sofre uma falha de motor na linha de subida, ainda a baixa altitude, pela qual vai embater em árvores existentes no enfiamento da pista, despenhando-se no solo, não corresponde a uma actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro”.


6. No caso presente, pensa-se que a situação é essencialmente idêntica à dos casos relatados anteriormente. A aterragem de emergência, que poderá ter produzido as lesões invocadas como causa de incapacidade, ocorreu por virtude de uma avaria na iluminação do painel de instrumentos do aparelho, que impediu o piloto de prosseguir o voo durante o período nocturno.

Na falta de elementos que a permitam caracterizar mais precisamente, tal avaria deve ser considerada como revestindo carácter ocasional ou imprevisível, e insusceptível, portanto, de transmudar uma situação de risco genérico em situação de risco agravado.

Entendemos assim ser de afastar a qualificação do sinistrado como deficiente das Forças Armadas por referência ao disposto no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.


7. Termos em que se conclui:

A aterragem de emergência de um avião, na sequência de uma avaria na iluminação do painel de instrumentos, que impede o piloto de prosseguir o voo, implicando uma colisão no solo, não corresponde a uma actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.


[1]) Dos pareceres nºs. 55/87, de 29 de Julho de 1987, e 80/87, de 19 de Novembro de .1987, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva, apud parecer nº 40/93, de 1 de Julho de 1993.
[2]) Cfr. Parecer nº 56/76, homologado a 29.12.76, publicado no B.M.J. nº 272, a pág. 33, e segs., em que estava em causa um acidente ocorrido durante um voo normal de instrução e foi recusada a qualificação do requerente como D.F.A.
Diferentemente, no Parecer nº 44/76, publicado no B.M.J. nº 267, a pág. 18 e segs., foi qualificado como D.F.A. o piloto de um avião em que, durante o voo, deflagrou um incêndio, e, para evitar o despenhamento da aeronave numa povoação, e ainda para salvar o próprio material, o militar optou por se não ejectar em voo, antes conduziu o avião para um aeródromo perto, aterrando de emergência e sofrendo um acidente aquando dessa aterragem.
[3]) Para além dos citados Parecer nº 44/76 e 56/76, poderão ver-se v.g. os Pareceres nº 23/77, de 3.3.77, homologado a 14.3.77, e nº 272/77, homologado a 16.1.78, ambos inéditos.
[4]) Inédito, homologado a 16.1.90.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 N3 ART2 N4 ART18 N2.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA
Divulgação
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