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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
38/1995, de 22.02.1996
Data do Parecer: 
22-02-1996
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
LOURENÇO MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
SEGREDO PROFISSIONAL
CAUSA DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE
JORNALISTA
MINISTÉRIO PÚBLICO
CÓDIGO DEONTOLÓGICO
POlÍCIA JUDICIÁRIA
PROCESSO PENAL
AUTORIDADE JUDICIÁRIA
DIREITO A INFORMAÇÃO
ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
DIREITO A INFORMAR
PROVEDORIA DE JUSTIÇA
DIREITO A SER INFORMADO
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
DIREITO DE EXPRESSÃO
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO
LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
FONTE DE INFORMAÇÃO
ARQUIVO
IDENTIFICAÇÃO
DEVER DE COLABORAÇÃO
QUEBRA DE SEGREDO PROFISSIONAL
Conclusões: 
1- O direito ao sigilo dos jornalistas, incluindo na categoria de jornalistas os operadores de televisão, destina-se, essencialmente a garantir-lhes a protecção das fontes de informação - artigos 38 n 2, alínea b), da CRP, 5 alínea c), e 8, n 1, da Lei n 62/79, de 20 de Setembro, que aprovou o Estatuto do Jornalista;
2- O conceito de fonte de informação abrange não apensas as pessoas, como autores de declarações, opiniões e juízos, transmitidos ao jornalista, mas também os documentos e arquivos jornalísticos, em suporte escrito, de som e de imagem - artigo 7, n 3, alínea b), daquele Estatuto;
3- Os jornalistas têm o direito e os directores das empresas de comunicação social, nomeadamente das estações televisivas, o dever revelar a exibir as fontes referidas na conclusão anterior, salvo consentimento expresso do interessado (n 2 do artigo 8 da Lei n 62/79);
4- Ressalvada a existência de norma que afaste a oponibilidade da colaboração solicitada pelas autoridades judiciárias, o sigilo referido nas conclusões anteriores só pode ser quebrado por decisão do tribunal, na situação e nos precisos termos do n 3 do artigo 135 do Código de Processo Penal;
5- Antes de ser suscitada a quebra de sigilo, a autoridade judiciária se tiver dúvidas sobre a legitimidade da escusa, procede às averiguações necessárias e, se concluir pela ilegitimidade, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento ou o fornecimento dos elementos probatórios;
6- Fora dos casos especiais e da situação referidos nas conclusões anteriores, os magistrados do Ministério Público não dispõem de mecanismos legal que lhes permita quebrar ou requerer a quebra do referido sigilo;
7- A Polícia Judiciária, no exercício das suas competências de investigação criminal, sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente, pode solicitar a esta, se necessário, a apreenção de objectos, nomeadamente gravações em poder dos jornalistas e das respectivas empresas de comunicação social, nos termos e para os fins dos artigos 178 e 182 do Código de Processo Penal, lançando mão, se for caso disso, do mecanismo legal fixado nos artigos 135 ns 2 e 3, e 182, n 2 deste diploma legal;
8- Face ao disposto nos artigos 12, n 2, e 30 da Lei n 9/91, de 9 de Abril, os jornalista podem e os directores e as empresas de comuinicação social devem invocar, se for caso disso, o sigilo referido nas conclusões anteriores relativamente às solicitações do Provedor de Justiça;
9- As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias - artigos 181, n 1, da CRP e 13, n 1, da Lei n 5793, de 1 de Março -, podendo, por isso, ordenar a prestação de depoimentos ou a apresentação de documentos, nos casos e termos dos artigos 135, n 2, e 182, n 2, do Código de Processo Penal, bem assim suscitar a intervenção do Tribunal da Relação nos termos e para os fins do n 3 do referido artigo 135;
10- Não se tratando de fontes de informação em que seja legítima a invocação do sigilo, os jornalistas, os directores e as empresas de comunicação social devem prestar a colaboração a que têm direito as autoridades referidas nas conclusões anteriores, nomedamente, fornecendo-lhes "gravações em bruto" que tenham em seu poder.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,


Excelência:






1.


O Senhor Presidente da Alta Autoridade para a Comunicação Social expôs a Vossa Excelência o seguinte:


"Junto desta Alta Autoridade foi suscitada a questão de estar a ocorrer com certa frequência que certas entidades, nomeadamente o Ministério Público, a Polícia Judiciária, o Provedor de Justiça e Comissões de Inquérito da Assembleia da República, solicitam ou determinam a operadores televisivos que lhes forneçam gravações em bruto, isto é, cujo conteúdo não foi tornado público, de factos e acontecimentos que tenham realizado.


Trata-se de matéria que interfere com direitos de terceiros e com o segredo profissional dos jornalistas, podendo, neste último ponto, as gravações configurarem para o profissional de televisão a mesma natureza de elementos de trabalho, identicamente ao que sucede com as notas escritas para o jornalista de imprensa ou factos conhecidos para qualquer jornalista, sujeitos a segredo profissional.


Em particular, tal problemática suscita as seguintes questões:

- Em que circunstâncias deve uma estação televisiva fornecer gravações em bruto às autoridades?

- Qual é a interferência do segredo profissional dos jornalistas nesta matéria?

- Que regras são aplicáveis se está em curso processo criminal?


O plenário da AACS deliberou que se solicitasse à Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer sobre a matéria, de forma a este organismo se poder pronunciar".


Em conformidade com tal deliberação, é solicitada a emissão do parecer em causa, tão breve quanto possível.


Após redistribuição no Conselho Consultivo, cumpre emiti-lo.




3


Vejamos os elementos de direito que se afiguram pertinentes.




2.1. Dispõe o artigo 37º, nº 1, da Constituição da República, epigrafado de "Liberdade de expressão e informação", que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações".


Trata-se de dois conjuntos de direitos distintos, embora conexionados, o direito de expressão e o de informação, em geral; o artigo seguinte explicita esses direitos quando exercidos através da imprensa e demais meios de comunicação de massa.


No que toca ao direito de informação (2ª parte), prevêem-se três níveis: o direito de "informar", o direito de "se informar" e o direito de "ser informado". Como escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (1):


"O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos, mas pode também revestir uma forma positiva, enquanto direito de informar, ou seja, direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação (cfr. artigos 38º e 39º) e pelos poderes públicos (artigo 48º, nº 3) sem esquecer outros direitos específicos...".


O que ora mais importará vai ser o direito de se informar, tendo como sujeito activo o jornalista.




2.2. Os nºs. 1 e 2 do artigo 38º do Diploma Fundamental estatuem sobre a "liberdade de imprensa e meios de comunicação social" nos seguintes termos:

1. É garantida a liberdade de imprensa.

2. A liberdade de imprensa implica:

a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando pertencerem ao Estado ou tiverem natureza doutrinária ou confessional;

b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissional, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção;

..........................................................................................".


Discute-se qual a amplitude do conceito de imprensa: se um sentido restrito - a imprensa no sentido mais tradicional abarcaria apenas os jornais, revistas, impressos -, se um sentido amplo, no qual caberiam a rádio, a televisão e o cinema .


Sobre aqueles normativos e respectivos direitos e liberdades escrevem os constitucionalista atrás citados:


"II. Não é claro o conceito de imprensa envolvido na noção constitucional de liberdade de imprensa (nº 1). Existe um conceito restrito e um conceito amplo de imprensa, tendo por pontos de referência, quer a forma de expressão (critério formal), quer a natureza e conteúdo da comunicação (critério material). Assim, em sentido estrito, seria imprensa segundo o primeiro critério apenas a imprensa escrita, a comunicação impressa (jornais, revistas, etc.), e de acordo com o segundo critério, apenas a comunicação que revestisse determinada natureza (por ex., informação ou formação política, ideológica e cultural); em sentido amplo, o conceito abrangeria todos os meios de comunicação social, independentemente da natureza e conteúdo da comunicação.


"Que a Constituição adopta um conceito formal amplo -, eis o que é indiscutível, bastando referir a expressa menção da rádio e da televisão (nº 5). Todavia, ao acentuar sobretudo os direitos dos jornalistas (nºs 1 e 2) e ao separar conceitualmente (cfr. a epígrafe) a liberdade de imprensa e os meios de comunicação social, parece apontar-se para uma distinção material entre uma e outros, de tal modo que estes assumem uma autonomia específica, não sendo apenas veículo daquela. Parece razoável, porém, ver a liberdade de imprensa como um modo de ser qualificado das liberdades de expressão e da informação (artigo 37º-1), consistindo, portanto, no exercício destas através de meios de comunicação de massa, independentemente da sua forma (impressos, radiofónicos, audiovisuais) (2).

...................................................................................


2.3. Vejamos os normativos do direito internacional.


Diz o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 (3) que "Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de [...] procurar, de receber e de propagar, sem consideração de fronteiras, as informações e as ideias através de qualquer meio de expressão".


E estatui o artigo 19º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, assinado em Nova York em 7 de Outubro de 1977 (aprovado, para ratificação, pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho): "Toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias [...], sob forma oral ou escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à sua escolha" (nº 2); "O exercício das liberdades previstas no número 2 do presente artigo comporta deveres e responsabilidades especiais. Pode, em consequência, ser submetido a certas restrições, que devem, todavia, ser expressamente fixadas na lei, e que sejam necessárias: a) Ao respeito dos direitos ou da reputação de outrem; b) À salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou da moralidade públicas" (nº 3) (4).


De modo semelhante se expressa a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, que, no nº 2 do artigo 10º, estatui:


"O exercício destas liberdades (de expressão, entenda-se), porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e da prevenção do crime, a protecção da saúde e da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e imparcialidade do Poder Judicial".




2.4. A designada Lei de Imprensa - Decreto-Lei nº 85-C//75, de 26 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 181/76, de 9 de Março, e 377/88, de 24 de Outubro, e pela Lei nº 15/95, de 25 de Maio -, refere-se no artigo 1º ao "direito à informação", dispondo no nº 3:


"O direito da imprensa a informar integra, além da liberdade de expressão do pensamento:

a) A liberdade de acesso às fontes oficiais de informação;

b) A garantia de sigilo profissional;

.....................................................................................".


O artigo 2º define imprensa, como "todas as reproduções impressas para serem difundidas, que serão designadas por publicações [...]".


Nos termos artigo 4º a liberdade de imprensa "será exercida sem subordinação a qualquer forma de censura , autorização, caução ou habilitação prévia" (nº 1), decorrendo os seus limites "unicamente dos preceitos da presente lei e daqueles que a lei geral e a lei militar impõem, em ordem a salvaguardar a integridade moral dos cidadãos, a garantir a objectividade e a verdade da informação, a defender o interesse público e a ordem democrática" (nº 2).


E dispõe o nº 4 do artigo 5º, relativo ao "acesso à informação e sigilo profissional":


"Os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não podendo o seu silêncio sofrer qualquer sanção directa ou indirecta. Os directores e as empresas não poderão revelar tais fontes, quando delas tiverem conhecimento".




2.5. O artigo 5º do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei nº 62/79, de 20 de Setembro, inclui entre os direitos do jornalista: "a liberdade de criação, expressão e divulgação; b) A liberdade de acesso às fontes oficiais de informação; c) A garantia do sigilo profissional [...]".


O artigo 7º, sobre o "acesso às fontes de informação", dispõe, no nº 1, que o "direito de acesso", "nos termos da Lei de Imprensa e demais legislação aplicável é condição essencial ao exercício da actividade de jornalista", e, na alínea b) do nº 3 que, "para efectivação do direito de acesso às fontes de informação, são reconhecidos aos jornalistas em exercício de funções os seguintes direitos: [...] b) Não serem, em qualquer local e em qualquer momento, desapossados do material utilizado ou obrigados a exibir os elementos recolhidos, a não ser por mandado judicial, nos termos da lei; [...]".


E o artigo 8º, sobre "sigilo profissional", dispõe que "os jornalistas têm o direito de recusar a revelação das suas fontes de informação [...]" (nº 1), e que "os directores e as empresas de comunicação social não poderão revelar tais fontes quando delas tiverem conhecimento, salvo consentimento expresso do interessado" (nº 2).


De onde se vê uma ajustada articulação entre a Lei de Imprensa e o Estatuto do Jornalista, aprovado por uma lei, no que concerne à recusa de revelação das fontes, quer por parte do jornalista, quer por banda dos directores das empresas de comunicação social.


Por outro lado, o nº 6 do Código Deontológico do Jornalista (5) diz que "o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas".




2.6. Sobre a "Liberdade de informação e de programação", dispõe o nº 2 do artigo 15º da Lei nº 58/90, de 7 de Setembro (Regime da Actividade de Televisão) que "o exercício da actividade de televisão é independente em matéria de programação salvo nos casos contemplados na presente lei, e a Administração Pública ou qualquer órgão de soberania, com excepção dos tribunais, não podem impedir ou condicionar a difusão de quaisquer programas".




2.7. Sintetizemos os elementos recolhidos, na medida em que relevam para a economia do parecer:




2.7.1. A Constituição da República (artigo 38º) garante a liberdade de imprensa, implicando esta:


- a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários;

- o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção do sigilo profissional.




2.7.2. A Lei de Imprensa (Decreto-Lei nº 85-C/75) define "imprensa" (artigo 2º, nº 1) como "todas as reproduções impressas para serem difundidas, que serão designadas por publicações [...]".


E dispõe que o direito da imprensa a informar integra, além da liberdade de expressão do pensamento (alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 1º):

- a liberdade de acesso às fontes oficiais de informação e a garantia do sigilo profissional;

- e que os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não podendo o seu silêncio sofrer qualquer sanção, e bem assim que os directores e as empresas não poderão revelar tais fontes, quando delas tiverem conhecimento (artigo 5º, nº 4).




2.7.3. O Estatuto do Jornalista (Lei nº 62/79) considera "jornalistas profissionais" (artigo 1º), para os efeitos dessa lei, entre outros, "os indivíduos que [...] exerçam as seguintes funções: a) de redacção ou reportagens fotográficas (em) empresa jornalística ou noticiosa; b) de natureza jornalística [...] em empresa de comunicação social ou que produzam [...] documentários cinematográficos de carácter informativo [...]".


Inclui entre os direitos do jornalista (artigo 5º):

- a liberdade de criação, expressão e divulgação;

- a liberdade de acesso às fontes oficiais de informação e

- a garantia do sigilo profissional.


Mais estipula:

- não serem os jornalistas, em qualquer lugar e em qualquer momento, desapossados do material utilizado ou obrigados a exibir os elementos recolhidos, a não ser por mandado judicial, nos termos da lei (artigo 7º, nº 3, alínea b);

- terem os jornalistas o direito de recusar a revelação das suas fontes de informação (artigo 8º, nº 1); e

- não poderem os directores e as empresas de comunicação social revelar tais fontes quando delas tiverem conhecimento, salvo consentimento expresso do interessado (artigo 8º, nº 2).




2.7.4. O Código Deontológico do Jornalista (nº 6) - não publicado, como tal, sem eficácia jurídica - estabelece que o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas". Embora como princípio - regra, de acordo com esse nº 6, o jornalista deva "usar como critério fundamental a identificação das fontes", devendo também as opiniões ser sempre "atribuídas".




2.7.5. O Regime da Actividade de Televisão (Lei nº 58/90) dispõe que a Administração Pública ou qualquer órgão de soberania, com excepção dos tribunais, não podem impedir ou condicionar a difusão de quaisquer programas (nº 2 do artigo 15º), nada dispondo sobre sigilo profissional dos jornalistas e respectivas empresas ou sobre a obrigatoriedade (ou não) de estes exibirem às autoridades os elementos recolhidos.



3

Regressemos à consulta.



3.1. Pergunta-se, em primeiro lugar, em que circunstâncias deve uma estação televisiva fornecer gravações em bruto (6) às autoridades, nomeadamente ao Ministério Público, à Polícia Judiciária, à Provedoria de Justiça e às Comissões de Inquérito da Assembleia da República.

De seguida, questiona-se qual a interferência do segredo profissional dos jornalistas nesta matéria.

Como adiante melhor se verá, a resposta à primeira questão passa pela análise e invocação do segredo profissional dos jornalistas, extensível, nos termos do nº 2 do artigo 8º da Lei nº 62/79, aos directores e às empresas de comunicação social em que os mesmos exerçam funções.

Daí que as duas primeiras questões impliquem um tratamento conjunto.

Por outro lado, os termos da resposta a essas questões dão, a nosso ver, cabal satisfação à terceira - conhecimento das regras aplicáveis se está em causa processo criminal.

Prossigamos, então.



3.2. Garante a Constituição da República (artigo 38º, nº 1) a liberdade de imprensa, implicando esta (nº 2, alínea b)) o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção do sigilo profissional.



3.2.1. Parece seguro ter a CRP adoptado um sentido formal amplo do conceito de "imprensa", abrangendo todos os meios de comunicação social - sejam impressos, radiofónicos ou audiovisuais -, independentemente da natureza e conteúdo da comunicação, como se viu.

De onde decorre que os jornalistas da televisão têm igualmente direito, nos termos da lei, à protecção do sigilo profissional, questão, aliás, que não vem nem se afigura dever ser posta em dúvida.

Tendo a CRP remetido para a lei ordinária a configuração do sigilo profissional e sua protecção, adiante se verá como deve entender-se tal direito, tal garantia.



3.2.2. Prevê ainda a CRP, como se viu (artigo 38º, nº 2, alínea b)), o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação.

Importa, por isso, conhecer o sentido do conceito "fontes de informação", que a Constituição e a lei não definem e o extinto Conselho de Imprensa abordou frequentemente, a propósito do direito ao sigilo profissional dos jornalistas e empresas jornalísticas.



Dizem os constitucionalistas citados (7);

"V. Outro dos direitos constitucionais dos jornalistas é o direito de acesso às fontes de informação (nº 2/b). Ele coloca o problema da delimitação normativo-material do conceito "fonte de informação", parecendo seguro que equivale a "objecto de informação", abrangendo não apenas os meios de informação (imprensa, cinema, rádio, televisão, exposições, escritos, folhetos, cartazes, inquéritos de opinião, relatórios e documentos, etc.) mas também as situações ou relações de facto, as opiniões e os juízos de valor sobre que versa a informação. Conexo com ele está o direito à protecção do sigilo profissional (que obviamente pressupõe a existência deste) e implica designadamente a garantia de não ser prejudicado ou lesado por não revelar as fontes de informação. Não deixa porém de levantar problemas o sigilo profissional quando as informações forem obtidas de forma ilícita, e, até, criminalmente sancionável".

Numa carta de 25 de Setembro de 1984, aprovada em reunião plenária, enviada pelo Conselho de Imprensa ao Serviço do Provedor de Justiça dizia-se (8):

"Um documento (escrito ou fotográfico, entenda-se), a partir do qual é elaborada uma peça jornalística é considerado uma fonte de informação, tal como a identidade de pessoas ou entidades que fornecem ao jornalista uma informação [...].

"Daqui decorre, também, o princípio [...] de que a protecção legal do sigilo profissional dos jornalistas deve ser estendida aos arquivos jornalísticos, sob pena de se esvaziar de sentido uma disposição essencial no regime legal em vigor, inserida no direito de informação [...].

"Para o jornalista, um documento, como um comunicado, é uma fonte de informação que utilizará parcial ou integralmente; para as organizações de investigação ele é um instrumento de análises periciais (examinava-se um pedido da Polícia Judiciária)" .

O Conselho de Imprensa defendera sempre o alargamento do conceito de fonte de informação, protegida pelo sigilo profissional, não apenas a pessoas na origem da informação mas a documentos. Entendendo mesmo que os jornalistas e as empresas não tinham que fornecer fotografias de incidentes públicos, por exemplo, ocorridos num comício político, nem identificar pessoas fotografadas, quer a fotografia tenha sido publicada quer não.

Escreve MARC CARRILLO (9):

"O segredo jornalístico confere ao seu titular o direito de não revelar as fontes de informação, incluindo nestas fontes tanto as pessoas que lhe proporcionaram esta informação como também os elementos integrantes da informação - por exemplo, gravações audiovisionais, material escrito, etc., - que, em caso de serem conhecidos, podem servir para identificar a sua procedência. O bem jurídico protegido é, pois, o direito à informação, não a intimidade da fonte que proporciona a informação; é a fonte informativa, não o seu conteúdo".

Na óptica deste autor, o segredo visa proteger a identidade do sujeito produtor da notícia a fim de preservar a sua integridade e o anonimato, garantia de uso no futuro, nomeadamente pela subtracção a quaisquer represálias de terceiros.

Entende-se, porém, que o conceito de fonte de informação, abarca não só as pessoas (como autoras de declarações, opiniões e juízos), como também os documentos, fontes privilegiadas de informação, e outros suportes das informações recolhidas (nomeadamente gravações audiovisuais e material escrito).

"Fonte de informação", em sentido amplo, estende-se a todo e qualquer objecto (coisa), situação ou acontecimento (de qualquer tipo ou natureza, como um acidente, um espectáculo, uma manifestação pública, etc.), que forneçam ao jornalista, de qualquer forma e por qualquer meio, elementos para qualquer tipo de informação (escrita, sonora ou visual).

Não há razões para crer que a Constituição tenha usado o termo "fontes de informação" em sentido mais restrito que o ora exposto.




3.3. Publicada em conformidade com o programa das Forças Armadas - com força de lei constitucional -, ainda antes de promulgação da Constituição da República, a Lei de Imprensa (Decreto-Lei nº 85-C/75), como se refere no seu preâmbulo, veio "institucionalizar em todos os seus aspectos a liberdade de expressão de pensamento pela imprensa, deixando para momento ulterior a elaboração do estatuto da rádio (10) e da televisão (11)".


Ao entender por imprensa "todas as reproduções impressas para serem difundidas, que serão designadas por publicações" (artigo 2º, nº 1), a referida lei usou um conceito restrito de "imprensa", não se aplicando, naturalmente, à actividade de televisão, aqui em causa.


E, como vimos, a Lei nº 58/90 (Regime da Actividade da Televisão) nada dispõe sobre o sigilo profissional dos jornalistas e respectivas empresas, muito menos sobre a obrigatoriedade, ou não, de exibirem às autoridades os elementos recolhidos.




3.4. O Estatuto do Jornalista (Lei nº 62/79) dá-nos um conceito amplo de "jornalista profissional" - para os efeitos do disposto nesta lei - por forma a abranger os indivíduos que exerçam actividades jornalísticas na televisão (como empresas noticiosas ou de comunicação social que são), nomeadamente funções de "redacção ou reportagens fotográficas" e de "natureza jornalística", incluindo a produção de "documentários cinematográficos de carácter informativo" (cfr. artigo 1º, alíneas a) e b)).


Assim sendo, não se oferecem dúvidas de que esses jornalistas (operadores) televisivos beneficiam dos direitos previstos no artigo 5º da referida Lei, e que os respectivos directores e empresas de comunicação social, ao abrigo do nº 2 do mesmo artigo 8º, não podem revelar as fontes de informação, quando delas tiverem conhecimento, salvo consentimento expresso do interessado.


Dos referidos direitos dos jornalistas está aqui especialmente em causa a "garantia do sigilo profissional" (artigo 5º, alínea c)), que o nº 1 do artigo 8º do referido Estatuto define como "o direito dos jornalistas de recusar a revelação das suas fontes de informação, não podendo o seu silêncio sofrer qualquer sanção directa ou indirecta", complementado com a proibição de os directores e as empresas de comunicação social (nº 2 do mesmo artigo 8º), poderem revelar tais fontes quando delas tiverem conhecimento, salvo consentimento expresso do interessado.




3.4.1. Atentemos com mais algum pormenor no Estatuto do Jornalista, no ponto em que se articula o acesso às fontes de informação com o sigilo profissional (artigos 7º e 8º).


Repare-se que o artigo 5º ao elencar os "direitos fundamentais dos jornalistas" apenas refere:

- "A liberdade de acesso às fontes oficiais de informação" (alínea b); e

- "A garantia de sigilo profissional" (alínea c)).

Pareceria, assim, que apenas as fontes oficiais de informação poderiam constituir objecto de sigilo, o que tinha o seu quê de contrasenso.


Onde mais carecia de sigilo, o jornalista estava desprotegido.


Logo no nº 1 do artigo 7º se desfaz o equívoco, ao referir-se a "direito de acesso às fontes de informação", estabelecendo no nº 2 que "abrange, designadamente, o livre acesso às fontes de informação controladas pela Administração Pública" ... A menção às fontes oficiais é exemplificativa.


No artigo 38º da CRP alude-se ao direito dos jornalistas ao acesso às fontes de informação, sem distinguir entre oficiais ou privadas.


Assume relevo particular o disposto no nº 3 do citado artigo 7º do Estatuto de Jornalista, quando descrimina as condições de efectivação do direito de acesso às fontes, garantindo-se ao jornalista em exercício de funções a não detenção ou o afastamento de lugares onde legitimamente a sua presença se justifique pelo exercício da actividade profissional mas, além disso, não serem em qualquer lugar ou momento "desapossados do material utilizado (por exemplo, câmaras fotográficas ou de filmar) ou obrigados a exibir os elementos recolhidos, a não ser por mandado judicial, nos termos da lei" (alínea b)).


Ora, elementos recolhidos tanto podem ser fotografias, audiovisuais, registos de som, como notas ou apontamentos escritos, estenografados, etc..


Mostra-se claro que o conceito de fonte de informação não se deve cingir aos elementos recolhidos de pessoas em concreto, antes se espraiando pelo material recolhido. Ou seja, abrange não apenas a origem, que pode ser humana ou não, mas o próprio suporte em que ela se encontra vertida, guardada ou arquivada.


Procuremos alcançar, com mais profundidade, o que caracteriza e como se fundamenta este tipo de sigilo profissional.




4


4.1. Em termos gerais, escreveu-se no parecer nº 56/94, de 9 de Março de 1995 (12):


"O segredo profissional era, no antigo direito, confinado ao segredo de confissão, alargando-se posteriormente a diversas profissões.


"Por segredo profissional - escreveu FERNANDO ELOY (x) entende-se, na generalidade, a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão.


"Reconhece, na verdade, a doutrina que o segredo profissional é correlativo indispensável de todas as profissões que assentam numa relação de confiança: "nem o médico, nem o advogado, nem o padre poderiam cumprir a sua missão se as confidências que lhes são feitas não fossem asseguradas por um segredo ..." (x1)).


"Sintetizando: segredo profissional é a proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou que foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional.


E, extractando do parecer nº 20/94 (14), acrescentava:


"A confidencialidade tem no plano jurídico vários tipos de aplicação, pressupondo cada uma delas uma razão específica: assim, por exemplo, o segredo de justiça tem por fundamento "razões ligadas à protecção do bom nome e à própria eficácia da justiça", no segredo profissional, que impende sobre funcionários, sobre advogados, sobre médicos, etc., o que está em causa é "a tutela da confiança" e a protecção de dados "cujo grau de incidência, em termos de intimidade da vida privada é, sem dúvida, variável, podendo não ser, em absoluto, sigilosos"; no segredo de Estado "é evidente que estão presentes valores de outra índole, situados no plano da defesa da própria soberania nacional".




4.2. Aproximemo-nos, todavia, do segredo profissional dos jornalistas.


Neste caso - como se disse no Parecer nº 205/77 - (15) - "não se está a pensar em algo de semelhante ao que acontece com certas profissões, como as do médico, advogado e outras. Aqui, o problema põe-se ao invés: trata-se de uma proibição de revelar factos ou acontecimentos de que tiveram conhecimento ou que lhe foram confiados em razão e no exercício das respectivas funções. De certo modo, do que se trata nestas profissões é de um dever (positivo) de não revelar esses factos, cuja violação acarreta sanções.


"[...] Seria paradoxal falar-se de segredo profissional a respeito dos jornalistas, no mesmo sentido em que se fala a propósito de médicos, advogados e outros profissionais equiparados, incluindo os funcionários públicos.


"É que a missão do jornalista consiste, precisamente, em divulgar e não em ocultar informações, mesmo que secretas, de que tiverem conhecimento.


"[...] O jornalista não é, em princípio, obrigado a guardar segredo, por força da lei, relativamente a factos de que teve conhecimento por via do exercício da sua profissão (...). Mas, se esses factos forem de natureza daqueles que o segredo profissional protege, então pode pôr-se um problema de participação criminosa, o mesmo se dizendo relativamente às chamadas publicações interditas, susceptíveis de sanções penais.


"[...] Interessa, por isso, clarificar a seguinte ideia: o reconhecimento do segredo profissional do jornalista não equivale à imposição de um dever de guardar sigilo sobre factos ou informações de que teve conhecimentos por virtude do exercício da sua profissão.


"Integra, antes, uma verdadeira abstenção do Estado, relativamente ao direito de exigir aos cidadãos que prestem o seu concurso à justiça, e que se traduz no dever de depor ou de prestar declarações, o qual se encontra consagrado, em termos penais, nas leis de processo".




4.3. Para P. SALVADOR CODERCH (16), "o direito ao segredo profissional, para os profissionais da informação, consiste em não revelar as fontes da mesma, não prestar declarações perante os juízes sobre factos revelados nas suas informações e não entregar os "carnets" pessoais de notas, fitas magnetofónicas e demais material informativo que tenham utilizado".


Acentuando o conteúdo da protecção, o bem jurídico protegido, afirma WALTER HAUBRICH (17) que se protege "la libertad de prensa y no la relación de confianza informador - periodista. De lo contrario, corremos el riesgo de dejar caer de la tutela legal el material de trabajo del redactor o las comunicaciones de una organización ilegal (no hay relación de confianza alguna entre el periodista y la banda armada que le manda una carta o, al menos, eso se supone)" - sublinhado nosso.


Aliás, não se protege somente o autor ou a origem da informação, mas também o remetente e o guarda da mesma. E o próprio conteúdo dessa informação, todo o tipo de comunicações feitas ao jornalista, ainda que o transmitente oculte a sua condição, bem como o que os americanos chamam "work product".


O já mencionado MARC CARRILLO (18), a propósito da relação entre o jornalista e a sua fonte afirma:


"2) La relación de confianza que tiene que existir entre el cliente por um lado y el abogado o médico por otro, no debe darse forzosamente - aunque no hay que excluir esta posibilidad - entre el profesional de la información y la persona que le facilita confidencialmente una noticia de interés social. Es decir, por ejemplo, el abogado obtiene de una persona información sobre ella misma y una contraprestación económica a cambio de un asesoramiento legal para el que ha sido contratado o designado; por el contrario, el periodista no aporta - en principio - al confidente nada que se pueda valorar, al margen de la difusión de unos hechos, o unas opiniones, de los que el confidente es el autor (19).


E agora noutra direcção mas também com interesse, adita:


"Los bienes jurídicos protegidos por el secreto tipificado por la legislación penal son, por un lado, el deber de reserva, que corresponde al titular afectado por materias que conoce por razón de su profesión (funcionario), y por otro la intimidad del cliente (en el caso de la consulta al abogado o al médico). En el secreto periodístico, lo que se protege posee un valor objetivo más intenso; lo que predomina es el derecho a comunicar y recibir información veraz (jus narrandi) como requisito esencial de una sociedad democrática" ... (sublinhado agora).


Deste modo, o sigilo profissional do jornalista não é tanto uma garantia do redactor ou do director da empresa mas mais uma garantia institucional.


Não é um privilégio do jornalista (20); o que está verdadeiramente no cerne é a liberdade de imprensa, no sentido amplo já focado.


E diferentemente do que se passa com o padre, o médico ou o advogado, o segredo do jornalista não constitui um dever, sinalagma da relação de confiança que se estabeleceu entre o profissional e o correligionário ou o cliente, mas um direito (de revelar ou não a sua fonte) (21).


Enquanto além existe uma relação bilateral, aqui subjaz uma relação triangular: fonte, jornalista, sociedade (publicidade). A protecção da fonte, mediante o direito do jornalista ao sigilo justifica-se pelo interesse público da liberdade de informar, elemento considerado essencial numa sociedade democrática.






5


5.1. Em toda a comunicação existe um sujeito ou sujeitos que transmitem uma determinada mensagem (22). A liberdade de informação pode ser exercida por qualquer cidadão, mas a mera existência desta liberdade determina o aparecimento de uma categoria própria de sujeitos que habitualmente a exercem: os profissionais de informação.


Este sujeito activo do direito é o emissor, o qual utiliza na sua comunicação um canal, um meio de difusão da palavra, da escrita ou da imagem.


Na mensagem ou notícia reside o fulcro da comunicação, entendida aquela, no seu expoente mais elevado, como o conhecimento de factos de transcendência pública, necessária a uma real participação dos cidadãos na vida colectiva.


À emissão da mensagem corresponde a sua recepção pela comunidade, ao que pode seguir-se o debate público.


Em termos da CRP, diríamos que o direito de informar tem como correspectivo, ainda que parcial, o direito de ser informado.


Sem mensagens ou notícias o emissor (o jornalista) não desempenha a sua função social. É para aceder aos factos relevantes como notícia que se lhe garante o livre acesso a certas fontes, umas oficiais outras privadas.


Mas para além dos factos que o jornalista recolhe de tais fontes, casos há em que os dados são como que "res nullius", resultam do fluir da vida em sociedade, por exemplo, uma manifestação pública, um espectáculo, um acidente, uma catástrofe.




5.2. Já atrás se concluiu - ponto 3.2.2. - que a CRP, no seu artigo 38º, nº 2, alínea b), ao enunciar o direito dos jornalistas ao "acesso às fontes de informação", deve esta expressão ser entendida num sentido amplo, abarcando pessoas, documentos, coisas, situações ou acontecimentos e respectivos suportes (elementos integrantes), tais como gravações audiovisuais e material escrito.


Sentido amplo que já tem sido adoptado por este Conselho (23).


O extinto Conselho de Imprensa, ao abordar o problema do âmbito e alcance do sigilo profissional, exprimiu a opinião de que o "sigilo profissional abrange os arquivos das empresas jornalísticas, pelo que as autoridades não têm o direito de ordenar a apreensão de documentos de qualquer tipo neles guardados". "Por maioria de razão não poderão ser obrigados os redactores e repórteres fotográficos a entregar documentos em seu poder ou a revelar os autores de documentos que se encontram arquivados nas empresas onde trabalham, nem identificar pessoas fotografadas, quer a fotografia tenha sido publicada, quer não (24).


É evidente que também o termo documento tem aqui um sentido amplo que não apenas de documento escrito ou impresso.


Por outro lado, segundo informa um autor (25), "diversas legislações contemplam explicitamente estes princípios (defendidos pelo CI, entenda-se). Por exemplo, na ex-R.F.A., as leis dos diversos Estados incluem disposições como a do artigo 24º da Lei da Renânia do Norte-Westefália: "A apreensão de impressos, fitas de som e de imagem, de fotografias e de cartazes que se encontrarem na posse de pessoas que tenham o direito de recusar-se a testemunhar ou na posse da redacção, da empresa editora ou da tipografia, é interdita se essa busca tiver por objecto descobrir, constatar ou provar factos aos quais se alarga o direito de recusa a testemunhar".




5.3. Os elementos doutrinais recolhidos permitem-nos concluir que a garantia do sigilo profissional do jornalista, que aparece constitucionalmente ligada à protecção da independência no exercício do seu múnus, está essencialmente ligada à protecção das suas fontes de informação.


E o conceito de fonte de informação não deve ser entendido no sentido restrito de fontes de factos recolhidos a partir de pessoas em concreto, cuja posição privilegiada de confidente o sigilo profissional protegeria, mas deve abarcar também os documentos e arquivos jornalísticos, documentos entendidos como suportes que registem a escrita, o som ou imagem, separada ou conjuntamente.


Com feito, se muitas vezes o jornalista teve acesso a certos factos através de confidências pessoais - mais ou menos interessadas por parte do confidente (com o qual pode não haver sequer qualquer relação privilegiada) -, identificáveis, em outras ocasiões chegaram ao seu conhecimento mediante comunicações orais, escritas, ou por outra via, sem qualquer possibilidade de identificação do agente transmissor, ao menos por parte da capacidade de indagação do jornalista. E nem por isso o resguardo de tais fontes deixará de se justificar.


MÁRIO TORRES (26) chama a atenção para três acepções possíveis do "sigilo profissional".


"O sentido normal, segundo o qual determinado profissional tem o dever de não revelar informações colhidas no exercício da sua profissão, não é, obviamente, aplicável aos jornalistas, cuja tarefa essencial consiste exactamente em divulgar aquilo que conseguiram recolher na sua actividade profissional.


"Noutra acepção, significa o direito de omitir a identidade do autor de um artigo (é o chamado "segredo de redacção").


"O sentido mais importante para os jornalistas é, porém, o que consiste em considerar o sigilo profissional como o direito (e, por vezes, o dever) de não revelar a fonte das suas informações" (sublinhado agora).


O jornalista tem, pois, o direito de não revelar as fontes informativas utilizadas. Se as revelar não lhe será, em princípio, exigível responsabilidade por tal acção, salvo se atingir outros valores protegidos legalmente.


Para além dessa disponibilidade da revelação existem outras vertentes, nomeadamente a ética ou deontológica, que o jornalista atenderá ou não.


Um outro ponto valerá a pena aflorar, já que fundamentalmente, no plano da consulta, estará em causa o fornecimento de "gravações em bruto": o de saber se integrando essas gravações a recolha de factos ou acontecimentos de natureza pública, porventura já parcialmente transmitidos pela televisão, ainda assim pode ser invocado o sigilo quanto a tais fontes.


Não é de excluir tal possibilidade, na medida em que haja pormenores, não divulgados, que o jornalista ou a empresa considerem dever proteger, no âmbito e pela finalidade a que se dirige o sigilo profissional.


E não se objecte que esta amplitude do sigilo se mostra excessiva ao apontar para o princípio - regra de que o jornalista ou o director da respectiva empresa não é obrigado a exibir ou fornecer, independentemente de a fonte ser pessoal, ou documental ou outra, os elementos recolhidos, nomeadamente as "gravações em bruto".


Na verdade, o princípio-regra de sigilo do jornalista, como outros segredos profissionais, pode ser afastado (quebrado) nos termos da lei vigente, tal como se demonstrou, entre outros, no referido parecer nº 20/94 (supra, 4.1.).


Ponto é que exista norma que, prosseguindo um motivo social imperioso, afaste - sobrepondo-se-lhe - o dever de guardar segredo, impondo ao detentor dos dados obtidos de fontes sigilosas o dever de informar.


Não obstante a diferença conceitual e de regime entre os referidos segredos profissionais (27), inexistem razões de direito que impeçam a aplicação, ao segredo profissional do jornalista, dos regimes de invocação e quebra da generalidade dos segredos profissionais.




6


Conheçamos, então, os termos em que os jornalistas e respectivas empresas podem invocar - e ver ou não quebrado - o seu sigilo profissional, perante determinadas autoridades, relativamente a fontes de informação (sigilosas), devendo ter-se sempre presente a posição já assumida de que a inobservância do sigilo (segredo) profissional - tal como da confidencialidade prevista em diversos normativos - depende da existência de disposição que, sobrepondo-se-lhe, explícita ou implicitamente o afaste.


Por outras palavras: como se escreveu no parecer nº 20/94, "não existindo disposição com esse alcance, deve observar-se o princípio "onde há dever de sigilo (ou confidencialidade) não existe dever de cooperação com qualquer autoridade".




6.1. Começaremos pelos tribunais (28), no âmbito quer do processo civil quer do processo penal.




6.1.2. Em processo civil referem-se à colaboração a prestar aos tribunais os artigos 519º, 535º e 536º do Código de Processo Civil (29).


Dispõe o artigo 519º que todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado [...], facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados (nº 1), sendo condenadas em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem possíveis, quando recusem a colaboração devida (nº 2); «a recusa é, porém, legítima se a obediência importar violação da intimidade da vida privada e familiar, da dignidade humana ou do sigilo profissional [...]» (nº 3).


O artigo 535º dispõe que o tribunal pode «requisitar informações» [...] ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade» (nº 1), podendo essa requisição ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros (nº 2).


E o artigo 536º estipula que «os organismos oficiais devem satisfazer a requisição, a menos que ela respeite a matéria confidencial ou reservada ou a processos em segredo de justiça».


Perante estas disposições não se podem suscitar dúvidas: os jornalistas podem e as respectivas empresas de comunicação social devem recusar a sua colaboração com os tribunais, neste campo, quando essa colaboração importar violação do sigilo profissional a que estão sujeitos, nos exactos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 7º e dos nºs. 1 e 2 do artigo 8º do Estatuto do Jornalista e do nº 6 do Código Deontológico do Jornalista.


Nessas circunstâncias, poderão (os jornalistas) e deverão (as respectivas empresas) recusar a apresentação das gravações que lhes forem solicitadas desde que estas contenham matéria sigilosa, nos termos atrás apontados.




6.1.3 No processo penal, onde prevalece a busca da verdade material (30), não será ela a determinar sensível mudança de regime no tocante à relevância do dever de sigilo profissional, nomeadamente por pedidos aos jornalistas e respectivas empresas.


A diferença face ao processo civil passa pelo facto de se admitir a quebra de sigilo profissional.


Dispõe o nº 1 do artigo 135º do Código de Processo Penal que «os ministros de religião [...], os jornalistas [...] e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo». E acrescenta o nº 2 que, «havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária (o juiz, o juiz de instrução, o Ministério Público) perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento».


Relativamente ao regime que vigora no processo civil a distinção só transparece do preceituado no nº 3 deste artigo 135º, que dispõe (31): «O tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento» (32).


Por outro lado, como se dispõe no artigo 182º, «tratando-se de pedidos de «documentos ou quaisquer objectos que tiverem em sua posse e que devam ser apreendidos» (33), as pessoas indicadas nos referidos artigos 135º e 136º (34) devem apresentá-los à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou segredo de Estado (nº 1). Neste caso, «se a recusa se fundar em segredo profissional, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 135º, nº 2» (nº 2), o que poderá implicar a apresentação desses documentos ou objectos.


Dispunha o artigo 185º (redacção originária), do Código Penal de 1982 (revogado e não substituído pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, que reviu aquele diploma legal):


«O facto previsto no artigo anterior (revelação de segredo profissional) não será punível se for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim».


Este artigo, invocado, na redacção originária do nº 3 do artigo 135º do Código Penal, para fundamentar a quebra do sigilo profissional, considerava causas de exclusão de ilicitude (na revelação de um segredo profissional) o cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou a prossecução de um interesse público ou privado legítimo. Eram estes os fundamentos da quebra do sigilo que, nos termos do nº 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal, só o «tribunal superior» podia ordenar, colocando assim termo a um conflito entre os deveres de cooperar com o tribunal e de guardar sigilo profissional.


A revogação do referido artigo 185º implicou, nesta matéria, a remissão para as normas relativas à exclusão da ilicitude da acção constantes da parte geral do Código, bem assim a alteração do nº 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal, que ao revogado artigo se reporta.


O nº 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal, na redacção actual, introduzida pelo Decreto-Lei nº 317/95, estabelece hoje directamente os termos em que pode ser quebrado o segredo profissional.


Decorre, assim - como se escreveu no parecer nº 20/94 -, "que há, em processo penal, uma regulamentação expressa dos termos em que, excepcionalmente, pode ocorrer a quebra do segredo profissional", incluindo o sigilo profissional do jornalista, com a consequente obrigação de estes e as respectivas empresas , decretada a quebra do sigilo, entregarem ao tribunal fontes de informação sigilosas, nomeadamente as "gravações em bruto" a que se refere a consulta, que ficarão apreendidas (artigo 182º, nº 1, do Código de Processo Penal), juntas ou adstritas ao processo.


De onde resulta que, também em processo penal, a lei impôs como regime-regra a tutela do sigilo, modelado embora por exigências decorrentes do princípio da verdade material.




6.2. Ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar - nº 1 do artigo 221º da Constituição.


Para além do exercício da acção penal, no desempenho das suas outras funções - cfr. o artigo 3º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro - e por causa desse exercício, os magistrados do Ministério Público sentirão por vezes a necessidade - ou conveniência - de obter informações e documentação relativas a matéria confidencial, sigilosa.


Poderão obter essas informações ou esses documentos?


Como se escreveu no parecer nº 20/94, "a resposta afigura-se, necessariamente, negativa, pois falta uma «lei» que lhe confira tal prerrogativa.


"É certo que, no exercício das suas funções, na defesa, por exemplo da legalidade, poder-se-á revelar de muita utilidade o domínio pelo Ministério Público de matéria coberta pelo segredo profissional.


"Mas, ou a ofensa da legalidade atinge tal intensidade que faz cair o seu autor no campo processual penal, com a consequente aplicação das disposições do respectivo Código atrás referidas, ou a problemática resta circunscrita ao contencioso civil, administrativo ou fiscal, onde a quebra do segredo não é, salvo casos especiais devidamente ressalvados em normas próprias, permitida.


"Não pode, pois, o Ministério Público, fora desses casos especiais, e obviamente da existência de uma conexão entre as informações solicitadas e o procedimento a seu cargo, invocar a sua especial posição, as suas funções, como representante do Estado, defensor da legalidade democrática e de diversos interesses postos por lei a seu cargo, para fundamentar um pedido de informações e ou documentação confidenciais, sigilosas [...] (35)




6.3. A Polícia Judiciária é caracterizada, quanto à sua "natureza e atribuições", no artigo 1º da sua Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro , nos termos seguintes:


"1- A Polícia Judiciária é um órgão de polícia criminal (36) auxiliar da administração da justiça, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado pelo Ministério Público.


2- São atribuições da Polícia Judiciária a prevenção e a investigação criminal, bem como a coadjuvação das autoridades judiciárias nos termos dos artigos seguintes.


3- A Polícia Judiciária actua, no processo, sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente.


4- ................................................................................".


Os artigos seguintes referem-se à competência da Polícia Judiciária em matéria de prevenção criminal e de investigação criminal, competindo-lhe a investigação de variados crimes (artigo 4º, nº 1).


O artigo 7º reporta-se ao "dever de cooperação e colaboração mútua", dispondo no nº 2 que "os serviços públicos ou privados deverão prestar à Polícia Judiciária a colaboração que justificadamente lhes for solicitada".


Por força do disposto nesta norma, a Polícia Judiciária, no exercício das suas competências de investigação criminal, pode requisitar os elementos de informação que julgar necessários para a investigação em curso.


Tratando-se de documentos ou objectos a apreender, para ficarem juntos ao processo - caso das referidas "gravações em bruto" -, deverão observar-se as regras dos artigos 178º, nº 3, e 182º, nº 1, do Código de Processo Penal, nos termos das quais: as apreensões devem ser autorizadas por despacho da autoridade judiciária, salvo quando efectuadas no decurso de revistas ou de buscas, caso em que lhe são aplicáveis as disposições previstas neste Código para tais diligências (artigo 178º, nº 3); os jornalistas (e as empresas de comunicação social), como as demais pessoas indicadas nos artigos 135º e 136º, devem apresentar à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou segredo de Estado (artigo 182º, nº 1).


Destes normativos resulta a impossibilidade de a Polícia Judiciária requerer directamente aos jornalistas e respectivas estações televisivas a apresentação das referidas "gravações em bruto", para serem apreendidas e juntas a processo, devendo, antes, solicitar à autoridade judiciária competente que o faça, sempre que julgado necessário à investigação em curso.


Ter-se-á presente, de novo, o princípio atrás assente de que "onde há dever de sigilo não há dever de cooperação com qualquer autoridade", salvo se existir disposição - o que não é o caso - que, sobrepondo-se-lhe, afaste esse dever de sigilo.


Daí que, tratando-se ou julgando tratar-se de matéria sigilosa, podem (os jornalistas) e devem (as respectivas empresas) invocar o carácter sigiloso do material requisitado pela competente autoridade judiciária, recusando a sua apresentação.


Nesse caso resta à autoridade judiciária lançar mão do mecanismo, já descrito, previsto nos artigos 182º, nº 2, e 135º, nº 2, do Código de Processo Penal.


Sintetizando:


Não sendo a Polícia Judiciária uma autoridade judiciária - mas, sim, um órgão da polícia criminal que actua sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente -, deve aquela entidade, quando o considerar necessário, solicitar à autoridade judiciária competente que ordene a apreensão das referidas "gravações em bruto", (artigos 178º, nº 3, e 182º, nº 1, do Código de Processo Penal), desencadeando-se depois, se for caso disso, o mecanismo já conhecido, dos artigos 182º, nº 2, e 135º, nº 2, deste diploma legal.




6.4. Passemos à Provedoria de Justiça, acompanhando o parecer nº 20/94.


A Constituição da República (artigo 23º) prevê a colaboração (cooperação) com o Provedor de Justiça por parte dos "órgãos e agentes da Administração Pública", apenas a partir da 2ª Revisão Constitucional (Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho).


Não obstante, a Lei nº 81/77, de 22 de Novembro, que aprovou o Estatuto do Provedor da Justiça, e vigorou até à sua revogação pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, continha já (artigo 28º, nº 1) a seguinte disposição:


"1. O Provedor de Justiça poderá solicitar a qualquer cidadão depoimentos ou informações sempre que o reputar necessário para o apuramento dos factos".


A Lei nº 9/91 (actual Estatuto de Provedor de Justiça), manteve esta disposição, com ligeiras alterações formais, no seu artigo 30º, que ficou assim redigido:


"1 - O Provedor de Justiça pode solicitar a qualquer cidadão depoimentos ou informações sempre que os julgar necessários para apuramento dos factos.


2 - .......................................................................................


3 - Em caso de recusa de depoimento ou falta de comparência no dia e hora designados, o Provedor de Justiça pode notificar, mediante aviso postal registado, as pessoas que devam ser ouvidas, constituindo crime de desobediência qualificada a falta injustificada de comparência ou recusa de depoimento.


4 - .....................................................................................".


Por outro lado, a Lei nº 9/91 manteve, nos seus precisos termos, no nº 1 do seu artigo 12º - epigrafado de "dever de sigilo" -, a norma da revogada Lei nº 81/77 - epigrafada de "obrigação de sigilo"-, com a seguinte redacção:


"1 - O Provedor de Justiça é obrigado a guardar sigilo relativamente aos factos de que tome conhecimento no exercício das suas funções, se tal sigilo se impuser em virtude da natureza dos mesmos factos", acrescentou ao referido artigo 12º, com o nº 2, a seguinte disposição:


"2 - O mero dever de sigilo, que não decorre do reconhecimento e protecção da Constituição ou da lei, de quaisquer cidadãos ou entidades cede perante o dever de cooperação com o Provedor de Justiça no âmbito da competência deste".


No tocante ao "dever de cooperação" dos "órgãos e agentes das entidades públicas, civis e militares", a Lei nº 9/91 manteve no artigo 29º, as normas dos nºs. 1, 2 e 3 do artigo 27º da Lei nº 81/77 (com alterações formais nos nºs. 1 e 2).


Depois de estatuir, nos nºs. 1 e 2, que "as entidades públicas, civis e militares" e os seus "órgãos e agentes" devem prestar ao Provedor de Justiça toda a colaboração que lhes for solicitada, dispõe o referido artigo 29º, nº 3:


"3 - O disposto no número anterior não prejudica as restrições legais respeitantes ao segredo de justiça nem a invocação de interesse superior do Estado, nos casos devidamente justificados pelos órgãos competentes, em questões respeitantes à segurança, à defesa ou às relações internacionais".

O nº 6 do artigo 29º determina, ex novo, que "o incumprimento não justificado do dever de cooperação previsto nos nºs. 1, 2, 4 e 5, por parte do funcionário ou agente da administração pública [...] constitui crime de desobediência, sem prejuízo do procedimento disciplinar que no caso couber".
6.4.1. Procurando "harmonizar as normas dos artigos 12º, nº 2, 29º, nº 3 e 30º, nº 3 da Lei nº 9/91, por forma a atribuir a cada uma delas um sentido e alcance compatíveis com os das outras, tendo em conta o princípio de que, em qualquer diploma, todas as normas são úteis e harmonizáveis", concluiu-se no referido parecer nº 20/94 ter havido um erro sistemático na colocação da norma do nº 2 do artigo 12º "importada" do Estatuto da Alta Autoridade contra a Corrupção" (artigo 7º, nº 2, da Lei nº 45/86, que se referia à colaboração de cidadãos e entidades privadas, enquanto o artigo 6º se referia à colaboração das entidades públicas) -, que devia fazer parte do artigo 30º do mesmo diploma (Lei nº 9/91), que se refere exclusivamente à colaboração dos cidadãos para com o Provedor de Justiça.


Nota-se no referido parecer que o artigo 30º da Lei nº 9/91, relativo à colaboração dos cidadãos para com a Provedoria de Justiça, não contém norma paralela (equivalente) à do nº 3 do referido artigo 29º, que se refere à recusa, com fundamento em sigilo, por parte das entidades públicas, civis e militares e seus órgãos e agentes, mas que essa norma existe, no diploma, deslocada, constituindo o citado nº 2 do artigo 12º, "que permite a invocação do "mero dever de sigilo" que decorra da Constituição ou da lei, por parte de "quaisquer cidadãos ou entidades" - expressão que só tem sentido face às entidades referidas nos citados artigos 29º e 30º, se abranger, apenas, os cidadãos e entidades privadas".


E concluiu-se: "Deste modo, deve entender-se que as entidades públicas, seus órgãos e agentes (artigo 29º) e os cidadãos (estes também como representantes ou agentes de entidades privadas) (artigo 30º) têm regras distintas sobre a possível recusa e colaboração com o Provedor de Justiça [...]".




6.4.2. A doutrina exposta, agora apenas reportada à colaboração de quaisquer cidadãos ou entidades privadas, não oferece dúvidas quanto à resolução da questão posta: recaindo sobre os jornalistas e respectivas empresas o dever de sigilo - que decorre do reconhecimento e protecção da Constituição e da lei, quanto aos primeiros e da lei, quanto aos segundos -, não devem os mesmos apresentar à Provedoria de Justiça as solicitadas "gravações em bruto", desde que contenham matéria sigilosa, nos termos atrás esclarecidos.


Tal resulta do nº 2 do artigo 12º da Lei nº 9/91 que estabelece, a contrário, que esse dever de sigilo não cede perante o dever de cooperação com o Provedor de Justiça.




6.5. Vejamos, por fim, o regime de colaboração com as Comissões de Inquérito da Assembleia da República.


Prevê o nº 1 do artigo 181º da CRP a constituição de comissões nacionais de inquérito que, nos termos do nº 5 da mesma disposição, "gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais".


O actual Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, definido pela Lei nº 5/93, de 1 de Março, dispõe em conformidade, no nº 1 do artigo 13º, que "as comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias". E acrescenta nos números seguintes o referido artigo 13º:


"2 - As comissões têm direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e de autoridades administrativas nos mesmos termos que os tribunais.


3 - A comissão de inquérito ou a sua mesa, quando aquela não esteja reunida, pode, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar por escrito aos órgãos do Governo e da Administração, ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito.


4 - A prestação das informações e dos documentos referidos no número anterior tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deverá ser satisfeita no prazo de 10 dias, sob pena das sanções previstas no artigo 19º, salvo justificação ponderosa dos requeridos que aconselhe a comissão a prorrogar aquele prazo ou cancelar a diligência.


5 - O pedido referido no nº 3 deverá indicar esta lei e transcrever o nº 4 deste artigo e o nº 1 do artigo 19º.


6 - No decorrer do inquérito só será admitida a recusa de fornecimento de documentos ou da prestação de depoimentos com o fundamento em segredo de Estado ou em segredo de justiça, nos termos da legislação respectiva".




6.5.1. Este corpo consultivo teve oportunidade de se pronunciar no referido parecer nº 56/94, sobre a invocação do sigilo profissional por parte de depoentes que prestam declarações perante Comissões Parlamentares de Inquérito.


Analisando o nº 1 do artigo 13º da Lei nº 5/93 - ao prescrever que as comissões gozam de "todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias" - escreveu-se nesse parecer:


"Sublinhe-se o adjectivo "todos" - aliás, inscrito no diploma ordinário anterior (nº 1 do artigo 4º) -, significativo de que o legislador quis atribuir às comissões os mesmos - nem mais nem menos - poderes de que dispõem as autoridades judiciárias".


E acrescentou-se que tal propósito está em sintonia com o direito comparado mais significativo, caso da Constituição italiana e da lei belga, e de harmonia com as normas dos nºs 2 e 3 do mesmo artigo 13º, que podem ler-se como corolário daquele nº 1.


No Parecer nº 56/94 centrou-se de seguida a atenção na norma do nº 6 do mesmo artigo 13º, que não tinha correspondência na lei anterior (Lei nº 43/77), escrevendo-se a propósito:


"Numa primeira aproximação àquela norma, buscando apenas o seu sentido literal, e impressionados em demasia com o peso do adjectivo só, seríamos levados a concluir que, perante as comissões parlamentares de inquérito, a recusa de depoimento, por parte de qualquer pessoa, só é admitida por um de dois fundamentos: segredo de Estado ou segredo de justiça.


"Ou seja, no que ora nos interessa: nunca, ninguém, podia recusar-se a depor invocando segredo profissional, já que ele não está aí previsto como fundamento de recusa.


"Afigura-se, porém, não ser esta a melhor interpretação - apegada em demasia ao elemento literal, e que os demais elementos da hermenêutica (interligados no seu conjunto) não comportam.


"Pense-se, desde logo, que há outros segredos, além dos dois expressamente previstos na norma em apreço, com assento em normas de valor hierárquico superior - sigilo profissional dos jornalistas (artigo 32.º, n.º 2, alínea b), da Constituição) e segredo religioso (Concordata) (x).


"Aliás, a existência de outros segredos para além daqueles dois, no âmbito das investigações das comissões parlamentares de inquérito, resulta claramente do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 5/93, ao permitir a consulta das actas e documentos, desde que não revelem matéria sujeita a segredo de Estado, a segredo de justiça ou sujeita a sigilo por razões da reserva de intimidade das pessoas.


"Interpretação diferente daquela que defendemos significava, por outro lado, reconhecer às comissões maiores poderes de investigação que às autoridades judiciárias, em flagrante e manifesta oposição com as normas constitucional (n.º 5 do artigo 181.º), regimental (artigo 259.º) e ordinária (artigo 113.º, n.º 1), que lhes conferem (apenas) os mesmos poderes - todos, mas não mais,


Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 5/93, a falta de comparência ou a recusa de depoimento perante a comissão "só se terão por justificadas nos termos da lei processual penal".


Remissão esta, para a lei processual penal, que outros preceitos também operam (cfr. entre outros, os artigos 16.º, n.º 3, 17.º, n.ºs 2 e 4, e 19.º).


O elemento sistemático, a harmonia do sistema, a indispensável articulação entre as várias normas, confortam, pois, a interpretação por nós defendida".


E prossegue o parecer, mais adiante:


"Face ao exposto afigura-se dever-se concluir pela invocabilidade do segredo profissional perante as comissões parlamentares de inquérito.


"É nosso entendimento, neste domínio, que as comissões estão no mesmo pé que as autoridades judiciárias, umas e outras gozando dos mesmos poderes de investigação, de igual "capacidade de gozo".


"Entendimento que nos remete para o regime consagrado na lei processual penal no tocante ao segredo profissional (37).


"Este regime consta, fundamentalmente, do artigo 135.º do Código de Processo Penal (x1), ao qual, por isso, já dedicámos especial atenção.


"Nele se prevê a escusa de depor sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional (n.º 1).


"Porém, havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária procede às averiguações necessárias, ordenando a prestação do depoimento se, após as averiguações, concluir pela ilegitimidade da escusa (n.º 2 )


"Tratar-se-á aqui, se bem se pensa, de uma averiguação de natureza essencialmente formal e sumária (...), fundamentalmente de matéria de facto, que habilite a ajuizar da legitimidade ou ilegitimidade da escusa.


"Ora, em nosso entender, e face a tudo quanto se disse, e aos elementos carreados para o parecer, não se vislumbra fundamento válido para não considerar aplicável esta norma procedimental às comissões, recusando-lhes o poder de efectuar essas averiguações sumárias e o consequente poder de ordenar a prestação de depoimento se concluírem pela ilegitimidade da escusa (-).


"A não ser assim, estava a contrariar-se, num aspecto fundamental do "processo de investigação", a "equiparação" entre umas e outras, a negar às comissões a mesma "capacidade de gozo" das autoridades judiciárias.


"Seria um claro entorse no sistema, que redundaria na sua paralisia, em flagrante oposição com a intenção querida e claramente expressa pelo "legislador" constitucional, regimental e ordinário.


"Acresce que, em nossa opinião, essa actividade de averiguação e a (eventual) decisão que ordena a prestação de depoimento, não relevam materialmente da função jurisdicional, não atingindo o núcleo essencial da competência jurisdicional dos tribunais em matéria penal.


"Dúvidas, poderão, sim, suscitar-se face ao disposto no n.º 3 do mesmo preceito - se a autoridade judiciária concluir pela legitimidade (viabilidade) da escusa, a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional só pode ser decidida pelo tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado (sendo a intervenção deste tribunal suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento) [...].


"Atente-se, antes do mais, em que no n.º 2 é a autoridade judiciária que, após proceder à averiguações necessárias, "ordena ou requer seja ordenada a prestação do depoimento" , ao passo que no n.º 3 é o tribunal que decide da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, verificados determinados pressupostos (x2).


"Assim sendo, desde logo se nos afigura que não seria defensável uma tese que pretendesse reconhecer às comissões um poder que a lei reserva para o tribunal - a decisão, com quebra do sigilo, de prestar o depoimento.


"Aqui, sim, já nos situaremos no âmbito de uma actividade materialmente jurisdicional.


"As dúvidas radicarão noutro plano - terão as comissões poder para suscitar a intervenção do tribunal superior (intervenção que, nos termos da parte final do n.º 3, é "suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento")(x3).


"Uma resposta negativa poderia pretender alicerçar-se no princípio da separação de poderes, previsto no artigo 114.º, n.º 1, da Constituição - princípio que veda, por um lado, que um órgão de soberania se atribua, fora dos casos em que a Constituição expressamente o permite ou impõe, competências para o exercício de funções que essencialmente são conferidas a outro e diferente órgão, e por outro lado, que um determinado órgão de soberania se atribua competências em domínios para os quais não foi concebido, nem está vocacionado (-).


A este propósito interessará, porém, registar o que ELVIRA PERALES (38) escreveu:


"A separação de poderes na actualidade não corresponde aos mesmos princípios que regiam nos inícios do constitucionalismo; na actualidade, os termos mais adequados não são os de divisão ou separação , mas os de distinção ou colaboração de poderes, o que resulta bem visível da consideração dos textos constitucionais [...].


"Deste modo, importará considerar que o conceito de separação de poderes não é um princípio inamovível, mas algo sempre adaptável às circunstâncias concretas e a cada regime político em particular, desde que se mantenha a independência entre os diversos poderes que caracteriza o Estado de direito democrático, tal como é concretamente configurado na Constituição.


"As comissões de investigação não implicam, desde modo, um atentado à "divisão de poderes", mas antes uma forma de levá-la a cabo, já que a existência e os direitos das comissões de investigação têm na sua base o sistema parlamentar de governo, ocupando um papel relevante dentro dos mecanismos de controlo previstos face a um governo responsável.


"Por outro lado, as comissões de investigação, tal como o próprio Bundestag, são independentes face aos outros órgãos do Estado, especialmente às entidades administrativas e aos tribunais, ainda que, em determinadas ocasiões, necessitem da sua colaboração. As comissões de investigação são independentes tanto na sua actuação, como nas decisões que tomam, com os únicos limites estabelecidos na Constituição".


"Face a todo o exposto, e tendo aqui em conta, sobretudo, as várias remissões que no articulado da Lei n.° 5/93 são feitas para a lei processual penal - com particular destaque, porventura, para a do n.° 1 do artigo 17.° -, propendemos a concluir pela possibilidade de as comissões parlamentares de inquérito suscitarem a intervenção do tribunal "superior", nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 135.° do Código de Processo Penal.


"Conclusão esta que também encontra apoio, não despiciendo, no direito de coadjuvação a que têm direito as comissões parlamentares".




6.5.2. Em conformidade com o exposto - e se for caso disso, por se tratar de material sigiloso - podem os jornalistas e devem as respectivas empresas de comunicação social invocar o sigilo previsto no artigo 38º, nº 2, alínea b), da CRP e nos artigos 5º, alínea c), e 8º, nºs. 1 e 2 do Estatuto do Jornalista, perante as Comissões Parlamentares de Inquérito, recusando a apresentação das "gravações" solicitadas podendo então suscitar-se a aplicação do mecanismo dos citados artigos 135º e 182º do Código de Processo Penal, nos termos apontados.




Conclusão:


5.

Termos em que se conclui:


1. O direito ao sigilo profissional dos jornalistas, incluindo na categoria de jornalistas os operadores de televisão, destina-se, essencialmente, a garantir-lhes a protecção das fontes de informação - artigos 38º, nº 2, alínea b), da CRP, 5º, alínea c), e 8º, nº 1, da Lei nº 62/79, de 20 de Setembro, que aprovou o Estatuto do Jornalista;


2 - O conceito de fonte de informação abrange não apenas as pessoas, como autores de declarações, opiniões e juízos, transmitidos ao jornalista, mas também os documentos e arquivos jornalísticos, em suporte escrito, de som e de imagem - artigo 7º, nº 3, alínea b), daquele Estatuto;


3 - Os jornalistas têm o direito e os directores das empresas de comunicação social, nomeadamente das estações televisivas, o dever de não revelar e exibir as fontes referidas na conclusão anterior, salvo consentimento expresso do interessado (nº 2 do artigo 8º da Lei nº 62/79);


4 - Ressalvada a existência de norma que afaste a oponibilidade da colaboração solicitada pelas autoridades judiciárias, o sigilo referido nas conclusões anteriores só pode ser quebrado por decisão do tribunal, na situação e nos precisos termos do nº 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal;


5 - Antes de ser suscitada a quebra do sigilo, a autoridade judiciária, se tiver dúvidas sobre a legitimidade da escusa, procede às averiguações necessárias e, se concluir pela ilegitimidade, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento ou o fornecimento dos elementos probatórios;


6 - Fora dos casos especiais e da situação referidos nas conclusões anteriores, os magistrados do Ministério Público não dispõem de mecanismo legal que lhes permita quebrar ou requerer a quebra do referido sigilo;


7 - A Polícia Judiciária, no exercício das suas competências de investigação criminal, sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente, pode solicitar a esta, se necessário, a apreensão de objectos, nomeadamente gravações em poder dos jornalistas e das respectivas empresas de comunicação social, nos termos e para os fins dos artigos 178º e 182º do Código de Processo Penal, lançando mão, se for caso disso, do mecanismo legal fixado nos artigos 135º nºs. 2 e 3, e 182º, nº 2 deste diploma legal;


8 - Face ao disposto nos artigos 12º, nº 2, e 30º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, os jornalistas podem e os directores e as empresas de comunicação social devem invocar, se for caso disso, o sigilo referido nas conclusões anteriores relativamente às solicitações do Provedor de Justiça;


9 - As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias - artigos 181º, nº 1, da CRP e 13º, nº 1, da Lei nº 5/93, de 1 de Março -, podendo, por isso, ordenar a prestação de depoimentos ou a apresentação de documentos, nos casos e termos dos artigos 135º, nº 2, e 182º, nº 2, do Código de Processo Penal, bem assim suscitar a intervenção do Tribunal da Relação nos termos e para os fins do nº 3 do referido artigo 135º;


10 - Não se tratando de fontes de informação em que seja legítima a invocação do sigilo, os jornalistas, os directores e as empresas de comunicação social devem prestar a colaboração a que têm direito as autoridades referidas nas conclusões anteriores, nomeadamente, fornecendo-lhes "gravações em bruto" que tenham em seu poder.




_________________________________________




1) "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição, Coimbra, 1993, págs. 225/226. NUNO e SOUSA, A Liberdade de Imprensa, Coimbra, 1984, págs. 13 e segs., elenca diversos argumentos a favor de ambos os sentidos (amplo e restrito) do conceito de "imprensa" usado no artigo 38º da CRP.
2) Ob. cit., págs. 229 e segs.
3) Publicada no "Diário da República, 1ª Série, de 9 de Março de 1978 e no B.M.J., nº 245, pág. 7 (versão francesa) e no nº 249.
4) O nº 2 do artigo 29º da referida DUDH prevê também a possibilidade de restrições ou limites à liberdade de expressão e de informação, em termos muito próximos (não prevê, p.ex., a salvaguarda da segurança nacional).
5) Não publicado. O referido "Código Deontológico" foi elaborado nos termos do nº 2 do artigo 11º do Estatuto do Jornalista,onde se dispôs que "os deveres deontológicos serão definidos por um código deontológico, a aprovar pelos jornalistas, que incluirá as garantias do respectivo cumprimento".
A propósito do "Código Deontológico", previsto no Estatuto da Ordem dos Médicos, escreveu-se no parecer nº 99/82, de 14/6/82, deste Corpo Consultivo, publicado no "Diário da República", II Série, de 27/7/82, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 321, pág. 193: "Tal "Código", publicado no seguimento de um decreto-lei, assegurando a respectiva execução pelo desenvolvimento dos seus preceitos basilares, apresenta-se como um regulamento, a que a doutrina apelida de execução [-]. O poder de regulamentar as leis pertence ao Governo que exerce esta competência, na falta de indicação expressa da lei em contrário, pelos Ministros responsáveis pelos departamentos a que respeitam as matérias a regulamentar [-]. [...] Os regulamentos do Governo são publicados obrigatoriamente na I Série do "Diário da República" - artigo 122º, (hoje nº 1) da Constituição [...]. Não foram observadas no processo da formação do "Código Deontológico" as regras atrás descritas; por isso, o "Código" não tem sequer existência jurídica" (hoje, eficácia jurídica, nº 2 do citado artigo 122º da Constituição da República).
Como quer que seja - escreveu CUNHA RODRIGUES, em "Comunicação sobre Segredo Médico", apresentada nos Primeiras Jornadas Nacionais de Ética em Psiquiatria, Porto, 5 e 6 de Dezembro de 1981 - não pode olvidar-se que as normas deontológicas, para além da sua irrecusável eficácia interna, podem ser utilizadas na concretização de cláusulas gerais e como critérios de avaliação da ilicitude e da culpa, o que é importante numa matéria que apela frequentemente à subjectivação e às circunstâncias. No mesmo sentido, cfr. FIGUEIREDO DIAS - SINDE MONTEIRO, "Responsabilidade Médica em Portugal", BMJ, nº 332, págs. 24-25.
6) No pedido de parecer, ao referirem-se tais "gravações", diz-se serem aquelas "cujo conteúdo não foi tornado público, de factos e acontecimentos que (os operadores televisivos) tenham realizado".
Naturalmente que o pedido de tais "gravações" terá em vista toda a gravação, na sua integralidade, incluindo pois, a parte já publicitada, não fazendo sentido que à gravação a fornecer às autoridades requisitantes sejam retiradas as partes que já foram para o ar.
7) Na nota (1), ibidem, pág.231.
8) Citada e transcrita por A. ARONS DE CARVALHO, in "A Liberdade de Informação e o Conselho de Imprensa - 1975-1985", Lisboa, 1986, págs. 177/178.
9) "La cláusula de conciencia y el secreto profesional de los periodistas", Editorial Civitas, S.A., págs. 201 e segs.
10) A Lei nº 87/88, de 30 de Julho, veio regular o "exercício da actividade de radiodifusão no território nacional".
11) A citada Lei nº 58/90, de 7 de Setembro, veio regular "o exercício da actividade de televisão no território nacional".
12) Aguardando homologação, versou sobre a invocação do sigilo profissional por parte de depoentes que prestam declarações perante Comissões Parlamentares de Inquérito, onde se concluiu pela possibilidade de escusa.
X) "Da inviolabilidade das correspondências e do sigilo profissional dos funcionários telégrafo-postais", em "O Direito", ano LXXXVI, 1954, pág. 81".
(X1) "EMILE GARÇON, "Code Pénal annoté", 378".
(14) "Votado na sessão de 9 de Fevereiro de 1995".
(15) De 3.11.77, não publicado.
16) "El Secreto Profesional de los Periodistas", Cuadernos y Debates, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1988, pág. 18.
17) "El Secreto Profesional ...", Cuadernos ... loc. cit. na nota anterior. pág. 46.
18) "Ibidem, pág. 180.
19) Não está obviamente excluído que haja informações que tenham sido pagas.
20) Cfr. NUNO e SOUSA, op. cit., pág. 156, nota 244.
Citando o DAC, Sup. ao nº 10, de 6 de Novembro, este autor sintetiza em que consiste o sigilo profissional do jornalista: não dizer onde se foi buscar a informação; não ser obrigado a revelar onde se tomou conhecimento de certo "dossier", como tirou certas fotografias; visa-se proteger a pessoa que passou notícias ao jornalista.
21) Não entramos na problemática dos meios ilícitos de obter informações ou até de participação criminosa.
R.LEITE PINTO, "Direito de Informação e Segredo de Justiça no Direito Português", ROA, Ano 51, Julho 91, pág. 510, fala de "dever/direito de não revelar as fontes de informação, e o da protecção das fontes informativas ...".
22) Seguiremos agora de perto RAFAEL B. GISBERT, "El concepto de libertad de información a partir de su distinción de la libertad de expresión", in Revista de Estudios Políticos, Jul/Set.94, pág 271 e segs..
23) Cfr. Parecer nº 17/93, de 17.06.93, não publicado, ponto 7.5.
24) Comunicado do CI, de 9/1/78, citado por ARONS DE CARVALHO, "A Liberdade de Informação e o Conselho de Imprensa - 1975/1985", págs. 176.
25) ARONS DE CARVALHO, ob.cit., pág. 182, nota (7).
26) "Algumas considerações sobre a liberdade de informação e segredo profissional dos jornalistas", in Revista do Ministério Público, Ano 3, vol. 12, pág. 159.
27) "Grosso modo", e repetindo, o jornalista tem o direito (e também o dever deontológico) de não revelar as suas fontes sigilosas, enquanto que os demais profissonais têm o dever de não revelar os factos de que tiverem conhecimento em razão ou no exercício das suas funções.
28) Na matéria que se segue acompanharemos os citados pareceres, nº 20/94 e 56/94, por vezes textualmente.
29) Cfr. a nova redacção dos nºs. 3, alínea c) e 4, do Código de Processo Civil, dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, para entrar em vigor em 1 de Março próximo, de acordo com a qual se remete para o regime do processo penal quanto à legitimidade da escusa e dispensa do dever de sigilo.
30) Cfr. o artigo 340º do Código de Processo Penal - «1. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa [...]».
31) Redacção do Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro. A alteração introduzida neste nº 3 veio colmatar, nesta parte, o vazio criado pela revogação do artigo 185º (redacção original) do Código Penal, pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março.
32) Dispõe o nº 5 do referido artigo 135º que, "nos casos previstos nos nºs. 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa [...]".
33) O artigo 178º do Código de Processo Penal disciplina a apreensão de objectos, nomeadamente quando "susceptíveis de servir a prova" (nº 1), os quais são juntos ao processo, quando possível (nº 2), sendo as apreensões "autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária, salvo quando efectuadas, no decurso de revistas ou de buscas [...]" nº 3).
34) O artigo 136º refere-se ao "segredo de funcionários".
(35) Cfr., confirmando esta conclusão, o artigo 82º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (L.P.T.A.), ao estatuir que, «a fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos, devem as autoridades públicas facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, no prazo de 10 dias, salvo em matérias secretas ou confidenciais".
36) Alterado nos artigos 72º e 133º pelo Decreto-Lei nº 301/95, de 18 de Novembro.
(X) O n.º 4 do artigo 135.º do Código de Processo Penal estipula que "o disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso".
37) "Órgãos de polícia criminal: todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código" (artigo 1º, alínea c), do Código de Processo Penal).Cfr. o nº 4.1.2.
(X1) Cfr., também, os artigos 136.º, 137.º e 182.º, todos do mesmo Código.
(X2) "Por força do disposto no n.º 5 do artigo 135.º, "nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável".
(X3) Determinar qual seja este tribunal superior, é tarefa que comporta algumas dúvidas.
Na verdade, "as comissões parlamentares de inquérito funcionam na sede da Assembleia da República, podendo, contudo, funcionar ou efectuar diligências, sempre que necessário, em qualquer ponto do território nacional" (artigo 14.º, n.º 1, da lei n.º 5/93).
Face a esta possibilidade (de funcionar ou efectuar diligências), poderá entender-se que a comissão deverá suscitar a intervenção do Tribunal da Relação (Lisboa, Porto, Coimbra e Évora), consoante o ponto do território nacional onde, de facto, está a funcionar ou efectuar diligências.
Reconhecendo, embora, que a questão se não apresenta isenta de dúvidas, propendemos, porém, a pensar que o "tribunal superior" deverá, in casu, ser o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando, nomeadamente, e para além do disposto na 1.ª parte do citado n.º 1 do artigo 14.º,. que a Assembleia da República, de que as comissões são órgãos auxiliares, "tem a sua sede em Lisboa, no Palácio de São Bento" (artigo 45.º, n.º 1, do Regimento da Assembleia da República).
38) "Comisiones de Investigacion en el "Bundestag", "Revista Española de Derecho Constitucional", Ano 7º, Janeiro-Abril, 1987, págs. 265-266.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART37 N1 ART38 N1 ART221 N1 ART181.
L 29/78 DE 1978/06/12. L 81/77 DE 1977/11/22 ART28 N1.
L 65/78 DE 1978/10/13. L 9/91 DE 1991/04/09 ART12 N1 ART30.
DL 85-C/75 DE 1975/02/26 ART1. L 5/93 DE 1993/03/01 ART13.
DL 181/76 DE 1976/03/09.
DL 377/88 DE 1988/10/24.
L 62/79 DE 1979/09/20 ART1 ART5 ART7 ART8.
L 58/90 DE 1990/09/07 ART15.
CPC67 ART519 ART535 ART536.
CPP87 ART135 ART182.
CP82 ART185
DL 48/95 DE 1995/03/18.
L 47/86 DE 1986/10/15 ART3.
DL 295-A/90 DE 1990/09/21 ART1 ART7.
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR PROC PENAL.*****
DUDH ART19
CEDH ART10 N1
Divulgação
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