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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
37/1995, de 12.10.1995
Data do Parecer: 
12-10-1995
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
SALVADOR DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
SODIM - SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO DA MADEIRA SA
MAR - REGISTO INTERNACIONAL DE NAVIOS DA MADEIRA
ZONA FRANCA
OFF-SHORE
TRUSTS
GESTÃO FIDUCIÁRIA
MAR
MARINHA MERCANTE
NAVIO
EMBARCAÇÃO
FRETAMENTO DE NAVIO
NACIONALIDADE
PAVILHÃO DE NAVIO
PAVILLON DES KERGUELN
BANDEIRA NACIONAL
BANDEIRA DE CONVENIÊNCIA
CUMPRIMENTO
CONTRATO
LIBERDADE CONTRATUAL
AUTONOMIA DA VONTADE
CRÉDITO
CREDOR
HIPOTECA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
REGISTO
REGISTO INTERNACIONAL DE NAVIOS
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO ESPECIAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO
GRADUAÇÃO
* CONT REF/COMP
Conclusões: 
1 - A zona franca da Madeira é legalmente entendida como o enclave territorial em que as mercadorias lá existentes são, em regra, consideradas exteriores ao território aduaneiro para efeitos de aplicação de direitos aduaneiros, restrições quantitativas ou medidas de efeito equivalente - artigos 3 do Decreto-Lei n 500/80, de 20 de Outubro, e 1, n 1, do Decreto Regulamentar n 53/82, de 23 de Agosto;
2 - O Registo Internacional de Navios da Madeira - MAR funciona em relação aos navios como registo de natureza especial;
3 - Para os efeitos daquele registo, o conceito de navio abrange as embarcações de comércio e as auxiliares e de recreio, que operem no meio ambiental marinho, incluindo plataformas fixas ou flutuantes e rebocadores - artigo 5, alínea e), do Decreto-Lei n 96/89, de 2 de Março;
4 - Os navios registados no MAR arvoram a bandeira portuguesa e entende-se, para todos os efeitos, que exercem a sua actividade no âmbito da zona franca da Madeira - artigo 6 do Decreto-Lei n 96/89;
5 - Os princípios da extraterritorialidade, que envolve a zona franca da Madeira, e da internacionalidade caracterizante do MAR, que têm incidência particularizada no quadro aduaneiro e fiscal e de incentivos económico-financeiros à actividade da marinha de comércio, não afectam o regime da nacionalidade dos navios;
6 - Os navios registados no MAR têm a nacionalidade portuguesa;
7 - A Convenção Internacional para a Unificação de Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos, de 10 de Abril de 1926, é aplicável às hipotecas, "mortgages" e penhores sobre navios regularmente estabelecidos segundo a lei de um dos Estados contratantes a que o navio pertença, incluindo a graduação dos créditos correspondentes, no confronto com outros créditos garantidos por privilégio creditório (artigos 1 a 3, e 5 e 6);
8 - As disposições da aludida Convenção são aplicáveis em cada Estado contratante quando o navio onerado tiver a nacionalidade de um deles (artigo 14, 1 parte);
9 - A República Portuguesa está internacionalmente vinculada à Convenção (Decreto n 19 857, de 18 de Maio de 1931, e Carta de Adesão, de 12 de Dezembro de 1931, publicados no "Diário do Governo", de 2 de Junho de 1932);
10 - A previsão normativa de que as partes podem designar a lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente sobre navios registados no MAR constante do n 3 do artigo 14 do Decreto-Lei n 96/89 contraria o estatuído no artigo 14 daquela Convenção e no n 2 do artigo 8 da CRP;
11 - No concurso de credores subsequente à penhora de navios registados no MAR, não podem os tribunais portugueses aplicar, em preterição da referida Convenção, a lei estrangeira relativa à hipoteca ou direito equivalente que as partes hajam eventualmente designado à luz do n 3 do artigo 14 do Decreto-Lei n 96/89 (artigo 207 da CRP).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhora Secretária de Estado da Justiça,
Excelência:





I

A Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. expôs à Direcção Geral dos Registos e do Notariado que se suscitavam dúvidas sobre o regime jurídico da hipoteca no âmbito do Mar - Registo Internacional de Navios da Madeira - quando as partes tenham escolhido uma lei estrangeira para a regular, na medida em que na zona franca daquela Região vigora o princípio da extraterritorialidade determinante do "afastamento da aplicação das regras nacionais sobre a hipoteca e a graduação e concurso de créditos".

A Direcção-Geral dos Registos e Notariado manifestou a opinião de que se as partes optaram pela escolha de uma lei estrangeira, esta regulará os actos e respectivos efeitos, mas se isso conflituar com normas portuguesas de interesse e ordem pública, enquanto reguladora de outros actos submetidos a concurso e a graduação de créditos, atribuindo prioridade a créditos relativamente aos quais a lei estrangeira escolhida a não reconheça, dificilmente poderá admitir-se a exclusão de aplicabilidade da lei portuguesa, e sugeriu a audição deste corpo consultivo ([1]).


Vossa Excelência concordou com a sugestão da Direcção--Geral dos Registos e Notariado, pelo que cumpre emitir parecer.


II


O "Memorandum" elaborado pela Sociedade de Desenvolvi-mento da Madeira, S.A. enuncia a seguinte problemática:

- as partes podem designar a lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente, inscrevendo-a em conjunto com a hipoteca - nºs 3 e 4 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89, de 28 de Março;

- estas normas, em geral com pretensão de aplicação absoluta - sejam de natureza processual ou de direito público ou visem a prossecução da política económica e social do Estado - foram confrontadas no caso da zona franca da Madeira com o princípio da extraterritorialidade que a norteia e enforma, e recomendam o afastamento da aplicação das regras nacionais sobre as hipotecas e concurso de créditos;

- as partes, no âmbito da sua autonomia privada, têm a faculdade de designar uma lei que irá regular a hipoteca em toda a sua extensão;

- foi para obviar aos inconvenientes da graduação de créditos adveniente da lei portuguesa que se consagrou a escolha de uma lei estrangeira para regular a hipoteca e a graduação de créditos;

- a aplicação em qualquer caso da lei portuguesa na graduação de créditos constituiria um absurdo por a alteração do regime da hipoteca haver visado evitar o inconveniente da sua aplicação;


- a graduação só observará a lei portuguesa no caso de as partes a terem escolhido ou de não terem realizado qualquer escolha de lei ou, tendo escolhido a lei estrangeira, não hajam inscrito esse facto no registo ([2]).


III

1. A problemática essencial que é objecto do parecer circunscreve-se, pois, à questão de saber se a lei estrangeira escolhida e registada pelas partes para regular, na zona franca da Madeira, o contrato de hipoteca sobre navios, cede ou não quanto às normas da lei portuguesa relativas à graduação de créditos.


2. A resposta a esta questão pressupõe, essencialmente, a caracterização da zona franca da Madeira e do Registo Internacional de Navios da Madeira, a análise das normas de conflitos relativas à constituição e efeitos das hipotecas sobre navios e da Convenção de Bruxelas de 10 de Abril de 1926 para a Unificação das Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos no confronto com o estatuído nos nºs 3 e 4 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89, de 28 de Março, e no nº 2 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.


3. Sob o desiderato de melhor esclarecimento da questão posta, confrontar-se-ão os regimes geral da hipoteca e dos privilégios creditórios, e especial relativo aos navios, constante do Código Comercial, com breve referência ao Regulamento Geral das Capitanias, e a uma ou outra menção histórica e de direito comparado.




IV

1. A criação da zona franca da Região Autónoma da Madeira foi autorizada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 500/80, de 20 de Outubro.

Reconheceu-se, para o efeito, a especial situação geo-estraté-gica da Madeira, com características específicas de certo tipo de economia e a particularidade da sua configuração sócio-política, e que a zona franca determinaria a implementação de novos sectores industriais atinentes ao desenvolvimento económico e social da Região ([3]).

Aquela zona reveste natureza industrial e constitui uma área de livre importação e exportação de mercadorias (artigo 2º).

A definição do regime jurídico-fiscal aplicável às mercadorias, a natureza, o âmbito territorial e as características da zona, bem como a regulamentação da actividade industrial foram remetidas para decreto regulamentar do Governo da República (artigo 3º).

Na mesma data foi publicado o Decreto-Lei nº 501/80 que, sob a motivação consubstanciada no facto de a economia da Madeira se caracterizar por acentuada especificidade em relação ao território português, estabeleceu a transferência para o Governo Regional de atribuições e competências no âmbito de investimentos estrangeiros.


2. A regulamentação anunciada no Decreto-Lei nº 501/80 foi implementada pelo Decreto Regulamentar nº 53/82, de 23 de Agosto ([4]).

Orientou-se, fundamentalmente, pelo princípio da flexibilidade do controlo aduaneiro em função de um polo económico-potencial em termos de Região, voltado para o comércio internacional, implicando novas soluções de tratamento da fiscalidade externa ([5]).

O nº 1 do artigo 1º estabeleceu que se "entende por zona franca um enclave territorial em que as mercadorias que nele se encontram são consideradas como não estando no território aduaneiro para efeitos da aplicação de direitos aduaneiros, de restrições quantitativas e demais imposições ou medidas de efeito equivalente, sem prejuízo da aplicação de disposições que venham a ser tomadas em casos excepcionais".

A zona seria externamente resguardada por uma vedação, com abertura exterior, com vista à eficácia da fiscalização, dependendo a construção de imóveis no seu interior de autorização do Governo Regional (artigo 1º, nºs 2, 3 e 4).

Sem prejuízo de imposição de restrições motivadas por moralidade, segurança pública, saúde ou vida das pessoas e animais, preservação dos vegetais, tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou arqueológico, é permitida a entrada na zona de mercadorias de qualquer natureza, independentemente da quantidade, países de origem ou de proveniência ou de destino, propriedade comercial ou industrial e de ordem técnica, e à sua entrada funcionará uma estância aduaneira (artigos 2º, nº 1, 3º, nºs 1 e 2).

A permanência de mercadorias na Zona é de duração ilimitada, salvo nos casos justificados, designadamente em razão da sua natureza, em que a entidade gestora da zona pode fixar prazo para o efeito (artigo 3º, nº 8).

Na zona podem ser autorizadas pelo Governo Regional todas as actividades de natureza industrial, comercial ou financeira com base em parâmetros de idoneidade da entidade requerente e do interesse naquelas actividades (artigo 4º, nº 1).

Pode ser autorizada a instalação na zona de empresas que tenham por objecto a "stockagem" ou pratiquem uma de variadas operações de manipulação que a lei enumera (artigo 4º, nº 1).

Ademais, poderão realizar-se operações de carga, descarga e transbordo e o abastecimento para consumo a bordo de aeronaves e navios (artigo 4º, nº 5).

No exterior da Zona, a fiscalização aduaneira pode ser exercida através da vigilância permanente nos seus limites e no portão, patrulhamento das vias de acesso e controlo da saída e entrada de pessoas (artigo 5º, nº 1).

As empresas instaladas na zona devem organizar a contabilidade em termos de permitir a identificação das mercadorias e o controlo dos movimentos e operações respectivos, e exibi-la, e apresentar as mercadorias em seu poder quando solicitadas para o efeito (artigo 6º, nº 1).

A saída de mercadorias estrangeiras da zona franca para bordo de aeronaves com destino a país estrangeiro ou para bordo de navios não fica sujeita a formalidades aduaneiras, sem prejuízo da sua fiscalização, no percurso, até ao embarque (artigo 8º, nºs 1 e 2).

A matéria não prevista neste diploma é resolvida de harmonia com a legislação em vigor e, na sua falta, tratando-se de questões aduaneiras, por despacho do Secretário de Estado do Orçamento, ou, nos outros casos, por despacho do Governo Regional (artigo 10º).


3. Na linha da flexibilidade do controlo aduaneiro, o Decreto-Lei nº 502/85, de 30 de Dezembro, concedeu às empresas autorizadas a instalar-se na zona franca a possibilidade de beneficiarem de incentivos fiscais, que enumera, em regime contratual, em função de critérios de prioridade económica ou social a definir pelo Governo Regional.



4. O Decreto-Lei nº 165/86, de 26 de Junho, concedeu benefícios fiscais e financeiros de âmbito regional para a promoção e captação de investimentos na zona franca da Madeira (artigo 1º).

Trata-se de incentivos financeiros às empresas, e fiscais a estas e aos sócios, designadamente no quadro das operações de capitais, investimento estrangeiro e da transferência de tecnologia, e no âmbito da segurança social.

Às empresas estrangeiras registadas na zona franca, bem como aos respectivos sócios ou titulares é garantida, além do mais, a liberdade de repatriação de capitais investidos e lucros, de transferência de fundos referentes a operações comerciais e de não imposição de restrição à importação de capitais e a simplificação dos respectivos procedimentos administrativos (artigo 11º, nº 2).


5. O Decreto Legislativo Regional nº 22/86/M, de 2 de Outubro, estabeleceu o regime de adjudicação da administração e exploração da zona franca da Madeira e autorizou o Governo Regional a proceder à regulamentação das condições de exercício das suas actividades.


6. O Decreto Regulamentar Regional nº 21/87/M, de 5 de Setembro, aprovou o Regulamento das Actividades Industriais e de Serviços Integrados no Âmbito Institucional da Zona Franca da Madeira (artigo 1º).

A administração e exploração foi concessionada à SDM–Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. com base no contrato administrativo de concessão celebrado com a Região em 8 de Abril de 1987 (artigo 1º do Regulamento).

Estabeleceu-se, além do mais, que as questões emergentes das licenças concedidas serão resolvidas por um tribunal arbitral composto por três membros, um nomeado pela concessionária, outro pelo utente interessado e o terceiro pelas partes, ou, na falta de acordo, nos termos da legislação portuguesa em vigor, podendo os árbitros ser assistidos por peritos, devendo julgar segundo o direito constituído ou, nos casos omissos ou duvidosos, segundo a equidade (artigo 34º do Regulamento).


7. O Decreto Regulamentar Regional nº 16/87/M, de 13 de Junho, aprovou o Regulamento das Actividades Financeiras "Off-Shore" Integradas no Âmbito Institucional da Zona Franca da Madeira.

As instituições que estabeleçam sucursais financeiras exteriores na Região devem escolher, como domicílio particular para os negócios realizados através daquelas, o estabelecimento próprio delas, quando exista, ou de entidade reconhecida e aceite pelo Governo Regional (artigo 12º).

Às referidas entidades devem ser concedidos poderes pela administração ou direcção da instituição no país de origem para receber citações judiciais (artigo 13º).


8. O Decreto-Lei nº 234/88, de 5 de Julho, criou, na dependência do Ministério da Justiça, os serviços de registos e notariado privativos da zona franca da Madeira - uma conservatória do registo comercial e um cartório notarial (artigo 1º) ([6]).

À Conservatória do Registo Comercial foi atribuída competência para a prática de todos os actos cometidos às conservatórias do registo de comércio respeitantes às entidades que operem exclusivamente no âmbito institucional da zona franca, e o registo de instrumentos de gestão fiduciária "trust", nos quais figurem, como gestores fiduciários, "trustees", aquelas entidades (artigo 2º, nº 1 e 2).


Ao cartório notarial foi, por seu turno, atribuída competência para a prática de actos notariais respeitantes às mesmas entidades (artigo 3º, nº 2).

As sociedades licenciadas para operar no âmbito institucional da zona franca da Madeira gozam da faculdade de uso de palavras ou de parte de palavras estrangeiras ou de feição estrangeira na composição das firmas ou denominações (nº 4 do artigo 4º) ([7]).


9. O Decreto-Lei nº 352-A/88, de 3 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 264/90, de 31 de Agosto, disciplinou a constituição e o funcionamento de sociedades ou sucursais de "trust off-shore" na zona franca ([8]).

Ponderou-se que na zona franca operarão entidades oriundas de países com ordenamentos jurídicos diversos do português, designadamente dos países da "common law", e que convinha dotar a Zona de atributos de atracção do investimento estrangeiro e de competitividade nos mercados internacionais, disponibilizando àquelas entidades os instrumentos jurídicos de que normalmente dispunham noutros centros "off-shore", como é o caso do "trust".

Afirmou-se que o diploma só visava a instituição de "trusts", destinados a actividades "off-shore", isto é, com base num critério de extraterritorialidade, sem interferência no ordenamento jurídico interno e exclusivamente protagonizado por pessoas colectivas - as "trusts companies" - que usufruem do mesmo estatuto ([9]).

Entende-se por "trust off-shore" o constituído segundo a lei designada pelo instituidor que admita tal instituto, sendo este e o beneficiário não residentes em território português, e por "trustee" uma pessoa colectiva autorizada a operar, enquanto tal, no âmbito institucional da zona franca da Madeira (artigo 1º, alínea e)).

Os "trusts", constituídos ao abrigo da legislação que admite o instituto, integram a actividade desenvolvida no âmbito da Zona e esta, e são lá reconhecidos os criados ao abrigo de lei estrangeira (artigo 3º).

A doutrina tem caracterizado o "trust" como a operação triangular pela qual uma pessoa - o settlor - transmite a outra - "trustee" - determinados bens para que esta os administre ou deles disponha em proveito de um terceiro, assinalando como sua particularidade o facto de a propriedade dos bens ser do "trustee", e as vantagens, da pessoa designada pelo "settlor" ([10]).

À lei aplicável ao "trust" reporta-se o artigo 5º.

O instituidor ou quem o represente designará expressamente a lei reguladora do "trust", nomeadamente no que concerne à validade, interpretação, efeitos e administração (nº 1).

No instrumento do "trust" poderá o instituidor reservar o poder de substituir a lei aplicável àquele ou a um dos seus elementos susceptível de substituição por outra lei de diferente jurisdição, sem prejuízo da inclusão das cláusulas obrigatórias segundo a lei portuguesa (nº 2).

Também é permitida a constituição e funcionamento de sociedades, bem como a abertura de sucursais por instituições já existentes que visem exclusivamente o "trust" ou gestão fiduciária "off–shore", salvo para a actividade de natureza financeira (artigo 13º).



Estas sociedades e sucursais fazem parte integrante da actividade desenvolvida na zona franca e integram esta para todos os efeitos (artigo 14º).


11. O Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Julho, aprovou o Estatuto dos Benefícios Fiscais.

O artigo 41º estabelece os pressupostos da isenção, até 31 de Dezembro do ano 2011, do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e pessoas colectivas e do imposto do selo atribuída às entidades instaladas naquelas zonas ([11]).

E a alínea g) do nº 1 do artigo 50º prescreve que ficam isentas de contribuição autárquica as entidades licenciadas ou que o venham a ser para operar no âmbito institucional daquelas zonas francas, relativamente aos prédios ou parte deles directamente destinados à realização dos seus fins.


12. A Portaria nº 500/90, de 4 de Julho, criou uma delegação aduaneira junto da zona franca da Madeira, com a categoria de urbana, dependente da Alfândega do Funchal (artigo 1º).

E a Portaria nº 570/90, de 20 de Julho, criou, junto da mesma zona, um posto fiscal com os efectivos julgados necessários ao exercício da fiscalização aduaneira (nº 1).


13. O Decreto-Lei nº 10/94, de 13 de Janeiro, harmonizou os regimes de instalação e exercício da actividade das entidades financeiras nas zonas francas com as disposições comunitárias ([12]).

A constituição de instituições de crédito, sociedades financeiras, seguradoras e resseguradoras, gestoras de fundos de

pensões, a abertura de sucursais e agências ou de agências gerais, delegações e escritórios de representação, e o exercício das respectivas actividades nas zonas francas passou a reger-se pelas respectivas normas gerais e pelo disposto naquele diploma (artigo 1º).

A concessão da licença de funcionamento pressupõe, no caso de sucursal ou agência de instituição de crédito ou sociedade financeira, a prévia classificação em sucursal financeira exterior ou em sucursal financeira internacional, consoante exclua ou não do âmbito da sua actividade as operações com residentes e restantes entidades referidas na alínea c) do nº 1 do artigo 41º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, nos termos e condições aí enunciados (artigo 2º, nº 3).

As sucursais de instituições de crédito e sociedades financeiras com sede em país ou território fora da União Europeia devem ter capital mínimo adequado às operações que realizarem ou ter todas as suas operações garantidas pelos capitais próprios da instituição ou sociedade em que se integrem (artigo 3º).

As sucursais ou agências de instituições de crédito ou sociedades financeiras já licenciadas nas zonas francas foram classificadas como sucursais financeiras exteriores se, em 60 dias contados do início da vigência do diploma em apreço, não solicitassem a classificação de sucursal financeira internacional (artigo 4º, nº 1).


14. O Decreto-Lei nº 149/94, de 25 de Maio, regulamentou o registo dos instrumentos de gestão fiduciária ("trust") em que figurem gestores fiduciários ("trustees") que operem exclusivamente no âmbito institucional da zona franca da Madeira (artigo 1º).

Estão sujeitos a registo, por inscrição, o acto constitutivo, a modificação de algum dos seus elementos e a extinção do "trust" (artigo 2º, nº 1 e 6º, nº 1).

Do registo deve constar, além do mais, o nome e a identificação, objecto ou tipo do "trust", a data da sua constituição e a
duração que seja determinada, a lei reguladora, os bens que o integram, a denominação, sede e poderes de disposição e administração do "trustee", as regras fixas e relativas à prestação de contas e acumulação de rendimentos, e eventuais condições e restrições (artigo 6º, nºs 2 e 3).

Os actos constitutivos , modificativos e extintivos do "trust" são obrigatoriamente publicados na 4ª Série do "Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira", a quem a Conservatória remeterá, oficiosamente, em 5 dias, o extracto do registo (artigo 5º).


15. O Decreto-Lei nº 212/94, de 10 de Agosto, permitiu a constituição e manutenção de sociedades por quotas e anónimas unipessoais licenciadas para operar na zona franca da Madeira (artigo 1º, nº 1).

Os actos de registo comercial na zona franca apenas são publicados no "Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira", 4ª Série, e à Conservatória do Registo Comercial incumbe enviar-lhe, oficiosamente, em 5 dias, o extracto do registo (artigo 7º).


16. Dos diplomas analisados relativos à zona franca da Madeira importa salientar que ela se traduz, fundamentalmente, numa área de livre importação e exportação de mercadorias.

Funciona como um enclave territorial em que as mercadorias lá existentes se consideram localizadas, para efeitos aduaneiros e fiscais, fora do território aduaneiro.

Os operadores da zona gozam de consideráveis benefícios aduaneiros e fiscais e têm acesso a serviços notariais e de registo comercial próprios.

As entidades que visem operar na Zona dispõem de instrumentos específicos, designadamente quanto à constituição de sociedades e de "trusts".

É a ideia de liberdade na importação e exportação de mercadorias no quadro de isenções na área fiscal e aduaneira, e de simplificação de instrumentos económicos, com vista a promover o surgimento de novos sectores industriais tendentes ao desenvolvimento da Região.


V


1. O Decreto-Lei nº 287/83, de 22 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 199/84, de 14 de Junho, permitiu, a título temporário, o registo e uso da bandeira nacional, de embarcações de comércio estrangeiras tomadas de fretamento em casco nú, com opção de compra, por armadores nacionais inscritos ([13]).

Visou adaptar o sector da marinha mercante à nova legislação sobre locação financeira, honrar a tradição da bandeira portuguesa no transporte marítimo e manter o prestígio das tripulações, em termos de evitar que navegassem sob pavilhões estranhos que lhes não conferissem os direitos constitucionalmente garantidos ([14]).

As embarcações registadas ao abrigo deste diploma têm direito ao uso da bandeira portuguesa, como indicação da sua nacionalidade (artigo 7º, nº 3).

Os navios que usem a bandeira portuguesa nos termos do diploma em análise, ficam sujeitos ao cumprimento dos mesmos requisitos técnicos exigidos aos navios nacionais (artigo 14º) ([15]).


2. Até finais de 1986, vigorou em Portugal o regime de preferência de bandeira, instituído pelo Decreto-Lei nº 75-U/77, de 28 de Fevereiro ([16]).

Dez anos volvidos, estava-se perante uma crise mundial dos transportes marítimos, caracterizada, sobretudo, pelo excesso de tonelagem, fretes baixos e concorrência desleal.

Em relação a Portugal, a situação era ainda mais gravosa face à perda de mercados em razão da descolonização e da falta de condições e de iniciativa de investimento.

Impunha-se a necessidade de implementação de medidas tendentes a reapetrechar e desenvolver a marinha mercante nacional, com vista a atenuar os efeitos da futura adopção das políticas da Comunidade Europeia de livre prestação de serviços, com ressalva dos mecanismos proteccionistas vigentes durante o período transitório.

Com tal desiderato, foi publicado o Decreto-Lei nº 34/87, de 20 de Janeiro ([17]), alterado pelo Decreto-Lei nº 86/89, de 23 de Março.

O transporte por via marítima de mercadorias essenciais ao abastecimento do País, importadas por empresas públicas ou com participação maioritária do Estado e por qualquer outra entidade, sempre que, neste último caso, àquelas se destinassem, ao abrigo de contratos celebrados anteriormente à importação, devia efectuar-se em navios de bandeira portuguesa, desde que em condições de frete ajustadas às vigentes no mercado internacional (artigo 1º, nº 1) ([18]).

Eram equiparados a navios de bandeira portuguesa, consultados que fossem os carregadores interessados, os navios que reunissem as condições exigidas para o registo temporário sob aquela bandeira, e os que se destinassem a substituí-los temporariamente por causa de imobilização técnica para reparação, e os que visassem garantir o cumprimento de obrigações resultantes de contratos continuados de transporte envolvendo navios portugueses (artigo 1º, nº 5).

O tráfego marítimo de passageiros e de mercadorias entre portos nacionais foi reservado a navios de bandeira portuguesa, salvo insuficiência de oferta (artigo 7º, nºs. 1 e 2).


3. A partir da segunda guerra mundial os armadores de navios passaram a suportar maiores encargos resultantes, além do mais, da maior contribuição das empresas para a segurança social e do mais elevado custo derivado da adopção de mais exigentes normas de segurança na navegação e de condições de trabalho das tripulações.

Por outro lado, a navegação aérea conquistou o mercado de transporte internacional, não só de passageiros como também em relação a determinado tipo de carga ([19]).

Ademais, os armadores ocidentais foram confrontados por duas situações que lhes foram altamente desfavoráveis, ou seja, as bandeiras de matrícula livre e as frotas mercantes estatais.

As frotas mercantes das ex-União Soviética e República Democrática Alemã atingiram tal desenvolvimento que as empresas marítimas ocidentais não podiam, em termos de custos, competir com elas.

As bandeiras de conveniência não são um fenómeno só da actualidade, certo que, no século XVI, os armadores ingleses faziam navegar os navios sob bandeira espanhola a fim de poderem exercer o comércio com as "índias ocidentais".

Mas o fenómeno tem assumido nos últimos tempos maior acuidade, atingindo, em 1986, cerca de 40% da frota mercante mundial.

Os Estados de pavilhão de conveniência ou oferecem aos armadores benefícios fiscais e facilidades de financiamento ou aceitam a matrícula de navios sem a exigência das condições de segurança ou de contribuições para a segurança social normalmente exigidas nos países modernos.

Os pavilhões de conveniência são essencialmente caracterizados pelo controlo dos navios por cidadãos estrangeiros, pela facilidade de obtenção da matrícula, pelo pagamento de reduzidos impostos, pela desconformidade negativa entre o desenvolvimento económico global e a sua frota mercante, pela autorização de recurso a tripulação estrangeira, pela não ratificação das convenções internacionais sobre direitos sociais e segurança ou impossibilidade de assegurar o controlo do cumprimento das suas regras.

Afrontados na concorrência por navios sob pavilhão de conveniência, os armadores nacionais têm vindo a desertar do pavilhão natural.

Esta "deserção" das frotas nacionais levou à adopção da Convenção das Nações Unidas sobre as condições de matrícula de navios, de 8 de Fevereiro de 1986.

Esta Convenção estabelece, fundamentalmente, que cada Estado tem um registo de matrícula dos navios a quem outorga a sua bandeira, que a matrícula pressupõe um nexo real entre o navio, o Estado e o proprietário, e que tal nexo é susceptível de resultar da nacionalidade da tripulação, da qual uma parte significativa deve ser do Estado do pavilhão, ou da propriedade do navio, cuja parte significativa deve pertencer a cidadãos desse Estado, e da residência efectiva de um representante do armador naquele Estado.


4. Alguns dos Estados da União Europeia, perante o referido quadro económico das frotas mercantes, criaram matrículas especiais.

É o caso, por exemplo, da França que, por Decreto de 20 de Março de 1987, autorizou os armadores franceses a matricular os navios, salvo os que transportem petróleo bruto, no "Port aux Français", nas Terras austrais e antárticas francesas, estatuto conhecido por "Pavillon des Kerguelen".

Este estatuto caracteriza-se, fundamentalmente, por a tripulação estrangeira poder atingir 75% e por o requerimento de matrícula dever ser acompanhado de um plano social tendente à salvaguarda de interesses nacionais ([20]).


5. Na linha da solução legislativa adoptada no estrangeiro, o Decreto-Lei nº 96/89, de 28 de Março, criou o Registo Internacional de Navios da Madeira-MAR ([21]).


5.1. No seu exórdio justificativo refere-se, a propósito, o seguinte:

- a competição no sector da marinha de comércio é extremamente forte, há baixa de fretes marítimos e consequentes margens de rentabilidade muito reduzidas;

- a nível internacional relevam, por isso, as bandeiras de conveniência e registos especiais, e vários Estados criaram segundos registos, estancando os processos de saída de navios do registo principal para registos de conveniência, atraindo novos armadores e navios aos novos registos;


- a marinha de comércio, pelo seu carácter internacional, reveste características muito especiais, certo que a actividade se desenvolve normalmente em águas internacionais ou de países diferentes dos do registo, sendo cada vez mais frequente que os navios não tenham qualquer contacto com os países de origem, porque a sua inserção em "pools" de transporte internacional é indispensável para a respectiva rentabilização;

- pretende-se que este registo figure entre os internacionais considerados de qualidade, tanto mais que os navios que o vão realizar arvorarão a bandeira portuguesa, pelo que se estabelece que todas as convenções internacionais em que o Estado português seja signatário obrigarão também o MAR;

- os navios registados no MAR podem exercer a sua actividade em quaisquer portos e águas internacionais.


5.2. O Regime do MAR é, essencialmente, o seguinte.

Os serviços de registo de navios integrados na Conservatória do Registo Comercial privativa da Zona Franca dependem do Ministério da Justiça (artigo 1º, nº 2).

Ao MAR, que depende dos Ministérios da Justiça e do Mar, incumbe, além do mais, o registo de todos os actos e contratos referentes aos navios a ele sujeitos e o controlo dos requisitos de segurança exigíveis pelas convenções internacionais aplicáveis (artigo 1º, nº 1).

No âmbito das suas atribuições, incumbe ao MAR, além do mais, efectuar o registo de navios de comércio, incluindo os contratos de construção, e das embarcações de recreio, e a inscrição dos factos jurídicos a ele sujeitos e referentes aos navios registados (artigo 3º, alíneas a) e m)).

Entende-se por navio, para efeitos do presente diploma, toda a embarcação de comércio ou de recreio que opere no meio ambiental marinho, incluindo plataformas fixas ou flutuantes, embarcações auxiliares e rebocadores (artigo 5º, alínea e)).

E por indústria de transporte marítimo o exercício da actividade de transportador marítimo, em nome próprio ou alheio, através do recurso a navios próprios ou afretados (artigo 5º, alínea a)) ([22]).

Os navios registados no MAR exercem, para todos os efeitos, a sua actividade no âmbito da zona franca da Madeira e arvoram a bandeira portuguesa (artigo 6º) ([23]).

As sociedades e suas formas de representação, bem como os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que prossigam a actividade industrial de transportes marítimos ou de marinha de recreio na Região Autónoma da Madeira fazem parte da actividade desenvolvida no âmbito institucional da zona franca e como tal integram-na para todos os efeitos, desde que o requeiram e sejam licenciados (artigo 8º, nº 1).

São objecto de registo no MAR os navios de que sejam proprietários as entidades "off shore" licenciadas, isto é, as sociedades e suas formas de representação e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que prossigam a actividade industrial de transporte marítimo na Região Autónoma da Madeira, bem como as entidades não inseridas no âmbito institucional da sua zona franca, e ainda os navios afretados em casco nú por aquelas entidades desde que autorizadas pelos seus proprietários ou pela autoridade competente do país do registo de propriedade (artigo 15º, nºs 1 e 2).


Os navios registados no MAR não podem transportar passageiros ou carga entre portos nacionais, salvo se no mercado ocorrer insuficiência de oferta (artigo 15º, nº 2) ([24]).

Os navios de bandeira portuguesa que tenham recebido incentivos ao investimento não podem transferir o registo para o MAR sem satisfazerem os compromissos assumidos perante o Estado português, mas podem ser provisoriamente registados nos consulados de Portugal (artigo 16º, nº 1) ([25]).


5.3. Da parte do Decreto-Lei nº 96/89 analisada flui, pois, a criação de um registo internacional de navios - readoptando a antiga designação - isto é, um registo de conveniência relativo a navios, incluindo os factos jurídicos concernentes, a fim de atrair navios e armadores para a sua órbita.

Utiliza-se, para os fins previstos no diploma, o conceito de navio em sentido amplo, abrangente de embarcações de comércio e de recreio susceptíveis de operarem nos mares, incluindo plataformas fixas ou móveis, embarcações auxiliares e rebocadores.

Ademais, importa salientar considerar-se que os navios registados no MAR exercem a sua actividade no âmbito da zona franca da Madeira, arvoram a bandeira portuguesa e, em regra, não podem transportar passageiros ou carga entre portos nacionais.



5.4. Vejamos agora o disposto no artigo 14º que, pelo seu relevo na economia do parecer, se transcreve:

"1 - A venda de navios poderá ser feita por declaração de venda (bill of sale), com reconhecimento presencial da assinatura do vendedor.

2 - A constituição, a modificação e a extinção da hipoteca ou de direito a ela equivalente devem constar de documento assinado pelo titular do navio, com reconhecimento presencial da assinatura ([26]).

3 - As partes podem designar a lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente, devendo, em tal caso, com o pedido de registo, juntar cópia dessa legislação por elas assinada, depois de traduzida, excepto quando o conservador dispense a tradução ou determine que esta seja feita por perito por ele escolhido ([27]).

4 - A escolha das partes deve ser inscrita em conjunto com o próprio registo da hipoteca.

5 - Na falta de estipulação das partes ou na ausência de inscrição da mesma, a hipoteca ou direito equivalente rege-se pela lei portuguesa".


O nº 1 reporta-se à forma do contrato de compra e venda do navio.

O conceito de navio a que esta disposição se reporta abrange, como já se referiu, qualquer embarcação de comércio ou de recreio que opere no meio ambiental marinho, incluindo plataformas fixas ou flutuantes, embarcações auxiliares e rebocadores.

À regularidade formal do contrato em causa basta a declaração do alienante com assinatura reconhecida presencialmente pelo notário.

O nº 2 versa, por seu turno, sobre a forma do contrato de constituição, modificação ou extinção de hipoteca ou de direito equivalente.

É instituto equivalente à hipoteca, por exemplo, a "mortgage" anglo-saxónica, a que adiante se fará mais detalhada referência.

A forma exigida para o efeito basta-se com a declaração escrita assinada pelo titular do direito de propriedade sobre o navio, com reconhecimento presencial pelo notário da respectiva assinatura.

Os nºs. 3, 4 e 5 reportam-se à lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente.

Por força do disposto no nº 3, à luz do princípio da autonomia da vontade, podem as partes designar a lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente.

Optando as partes pela designação da lei aplicável aos aludidos negócios jurídicos, o pedido do seu registo comercial deve ser acompanhado do texto legislativo do país em causa que se lhes reporte, traduzido e assinado, sem prejuízo de o conservador poder dispensar a tradução ou determinar que ela seja realizada por tradutor por ele escolhido.

O nº 4 prescreve, por seu turno, que a designação pelas partes da lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente é inscrita no registo comercial juntamente com estes actos.


O nº 5 estabelece, finalmente, que a não designação pelas partes da lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente, e a não inscrição da designação implicam que seja aplicável o direito português relativo àqueles negócios jurídicos.

Voltaremos oportunamente a esta matéria.


VI

1. À disciplina relativa às embarcações da marinha nacional reporta-se, em geral, o Regulamento Geral das Capitanias - RGC -, aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/72, de 31 de Julho ([28]).

As embarcações da marinha nacional, incluindo as do Estado não pertencentes à Armada, classificam-se, em conformidade com as actividades a que se destinam, em embarcações de comércio, de pesca, de recreio, rebocadores e auxiliares (nº 1 do artigo 19º) ([29]).

Para efeitos do disposto no RGC, embarcação é todo o engenho ou aparelho de qualquer natureza, excepto um hidrovião amarrado, utilizado ou susceptível de ser utilizado como meio de transporte sobre água (nº 4 do artigo 19º).

Nos termos do artigo 20º, embarcações de comércio são as destinadas ao transporte de pessoas e de carga, mesmo quando desprovidas de meios de propulsão, considerando-se como tais as que só podem navegar por meio de rebocador.

E por força do disposto no artigo 22º, são embarcações de recreio as que se empregam nos desportos náuticos, na pesca desportiva ou em simples entretenimento, sem fins lucrativos para os seus utentes ou proprietários.

As embarcações nacionais, salvo as pertencentes à Armada, estão obrigatoriamente sujeitas a registo de propriedade, e as mercantes também a registo comercial, nos termos da respectiva lei (artigo 72º, nºs. 1 e 3).

O registo comercial compreende a matrícula do navio, especialmente destinada à sua identificação, e à inscrição dos factos jurídicos que lhe respeitam (artigos 21º e 29º do Decreto nº 42645, de 14 de Novembro de 1959).

A matrícula dos navios contém, especialmente, o nome e número oficial, a tonelagem e as dimensões principais, o aparelho, sistema e força das máquinas se movido a vapor, o lugar e a data de construção das máquinas e do casco, o material de que este é constituído, o nível distintivo constante do Código Internacional de Sinais, o nome e domicílio do proprietário e a declaração de apresentação do título de propriedade e indicação da respectiva capitania ou delegação marítima (artigo 43º do Decreto-Lei nº 42645).

O registo das embarcações nacionais, salvo as de recreio, é feito nas repartições marítimas (nº 1 do artigo 73º).

A lei distingue entre o porto de registo e o porto de armamento das embarcações, o primeiro aquele em que foi registada a propriedade, e o segundo aquele em que é normalmente feita a matrícula da tripulação e se prepara para a respectiva actividade (artigo 74º).

As embarcações têm, em regra, direito ao uso da bandeira portuguesa, como indicação da sua nacionalidade, se estiverem registadas numa repartição marítima portuguesa ou, tratando-se de embarcações de recreio, no organismo legalmente autorizado para esse fim (artigo 119º, nº 1, alínea a)).

A prova da nacionalidade das embarcações não pertencentes à Armada, em águas nacionais ou estrangeiras ou no alto mar é realizada pela bandeira e pelos papéis de bordo (artigo 119º, nº 1).

São necessários à prova da nacionalidade das embarcações, o título de propriedade, o passaporte se exigido pelo direito internacional, e o rol de matrícula (artigo 119º, nº 3).

A aquisição, por negócio jurídico, de embarcação de recreio de valor superior a 50 000$ só pode ser registada em face de certidão da respectiva escritura pública; no caso de valor inferior, pode servir de base ao registo documento, autenticado nos termos da lei civil, comprovativo da aquisição (artigo 78, nº 4) ([30]).


2. O RGC utiliza para a mesma realidade flutuante, em vez da designação "navio", a de "embarcação".

O conceito de embarcação utilizado é de maior amplitude, porque consubstanciador de qualquer aparelho utilizável como meio de transporte sobre a água, com excepção do hidrovião amarrado ([31]).

Do referido diploma importa ainda salientar, em primeiro lugar que as embarcações em geral estão sujeitas a matrícula - acto administrativo de inscrição no registo adrede organizado pelo Estado -nas repartições marítimas, salvo quanto às de recreio, e as de comércio também a registo comercial, e em segundo lugar que o direito ao uso da bandeira portuguesa, indicativo da nacionalidade portuguesa, depende, em regra, do acto de matrícula numa repartição marítima portuguesa e, por último, que o registo de aquisição do direito de propriedade sobre as de recreio deve ser instrumentalizado por escritura pública ou por documento autenticado, conforme o respectivo preço seja ou não superior a cinquenta mil escudos.


3. O Decreto-Lei nº 150/88, de 28 de Abril, estabelece sobre o regime de aquisição e alienação de embarcações de comércio.


3.1. Qualquer pessoa, singular ou colectiva, observados os limites previstos na lei civil, pode ser titular do direito de propriedade de embarcações de comércio, de rebocadores e de embarcações auxiliares (artigo 1º, nº 1).

As embarcações que arvorem a bandeira portuguesa devem obedecer aos requisitos técnicos de segurança, de prevenção de poluição do mar e de habitabilidade vigentes no ordenamento jurídico português (artigo 2º).

O contrato de compra e venda de embarcações de comércio, rebocadores ou navios auxiliares, nomeadamente a declaração de venda (bill of sale), está sujeito a forma escrita e ao reconhecimento presencial da assinatura do vendedor (artigo 3º).


3.2. Do disposto neste diploma importa sublinhar, por um lado, os requisitos de segurança, de prevenção da poluição marítima e de habitabilidade a bordo das embarcações de bandeira portuguesa e, por outro, a mera forma escrita, com reconhecimento presencial da assinatura do vendedor, do contrato de compra e venda de embarcações de comércio.


4. Em sentido amplo diz-se navio a construção apta à navegação nos mares, rios, lagos e canais e a transportar pessoas ou coisas ([32]).

Em sentido restrito, o navio tem sido entendido ou como não abrangendo os barcos fluviais ou de pesca, ou como só abrangendo as embarcações que naveguem no alto mar ([33]).

O proémio do artigo 485º do Código Comercial ([34]) enuncia a regra de que os navios são considerados bens móveis para todos os efeitos jurídicos, mas salvaguarda as excepções previstas naquele diploma.

E o § único daquela disposição prescreve, a título exemplificativo, que fazem parte do navio os botes, lanchas, escaleres, aprestos, aparelhos, armas, provisões e outros objectos destinados ao seu uso e, se movido a vapor, a máquina e respectivos acessórios ([35]).

A lei comercial prescreve, assim, que o navio abrange não só os seus elementos essenciais, mas também as coisas acessórias àqueles ligadas em função do uso normal do conjunto flutuante.

Dir-se-á, em termos técnicos, que o conceito de navio é susceptível de ser caracterizado como construção destinada à navegação marítima ou fluvial.

Em sentido jurídico, o navio é uma coisa composta, isto é, o agregado de uma pluralidade de partes individualizáveis e separáveis - principais ou constitutivas e acessórias ou pertenças -, conexionadas em termos de unidade orgânica, susceptível de incidência de direitos ([36]).

VII

1. Caracterizemos o regime da hipoteca no direito interno português.

A hipoteca consubstancia-se na garantia do cumprimento obrigacional, prestada ao credor pelo devedor ou por terceiro, objectivada em coisas imóveis ou equiparadas, em termos de aqueles poderem continuar a usufruir da sua utilidade normal.

Face à natureza dos bens sobre que incide, assume a hipoteca solidez garantística minimizadora de riscos, e daí o seu relevo económico-social ([37]).

O actual instituto da hipoteca constitui, de algum modo, a síntese da figura do direito romano designada por "conventio pignoris" e da do direito grego designada por "hypothéké".

A hipoteca incidia então, em geral, sobre coisas móveis e imóveis, sem implicar a posse sobre elas do credor hipotecário, que apenas dispunha do direito de as vender a fim de realizar o respectivo crédito.




A "conventio pignoris", influenciada pela "hypothéké", consubstanciava a reserva de uma coisa móvel ou imóvel a favor do credor para o caso de incumprimento de uma obrigação.

A necessidade de publicitar o contrato de hipoteca no quadro da segurança jurídica, e o instituto do registo predial adoptado como seu instrumento, motivaram a restrição do seu objecto mediato às coisas imóveis e a determinadas coisas móveis ([38]).

A hipoteca sobre navios começou por ser admitida no século XIX, e sobre aeronaves e veículos automóveis na primeira metade do século XX ([39]).


2. Nos termos do nº 1 do artigo 686º do Código Civil, a "hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo".

A hipoteca caracteriza-se, pois, essencialmente, pela natureza dos bens que constituem o seu objecto mediato - coisas imóveis e móveis elencadas no artigo 688º do Código Civil.

A regra nesta matéria é, pois, no sentido de que só podem ser objecto de hipoteca as coisas imóveis, reportando-se a excepção, nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 688º do Código Civil, às coisas móveis que para o efeito sejam equiparadas às coisas imóveis ([40]).

A constituição da hipoteca depende, em geral, da sua inscrição no registo predial, e está sujeita aos princípios da especialidade - determinação da coisa sobre que incide e montante máximo e causa do crédito -, da acessoriedade - associação ao direito de crédito em termos de, face ao artigo 730º, alínea a), do Código Civil, se extinguir com a extinção da obrigação garantida -, e da indivisibilidade - subsistência integral, nos termos do artigo 686º do Código Civil, sobre o objecto inicial de incidência apesar da sua divisão, ou da divisão ou satisfação parcial do crédito ([41]).

É proibido o pacto comissório, e nula a convenção que estipule o domínio da coisa onerada a favor do credor no caso de o devedor não cumprir (artigo 694º do Código Civil).

É nula a convenção proibitiva de alienação ou oneração dos bens hipotecados, mas as partes podem convencionar o vencimento do crédito hipotecário com base em qualquer daqueles actos (artigo 695º do Código Civil).

As modalidades de hipoteca que a nossa lei consagra são a legal, a judicial e a voluntária.

A hipoteca legal ocorre, verificada a existência da respectiva obrigação, independentemente da vontade do titular do direito em causa, nos casos previstos na lei, realizado que seja o registo (artigos 704º a 706º e 708º do Código Civil).

Verifica-se a hipoteca judicial no caso de o credor fazer inscrever no registo predial, relativamente a determinados bens, de uma sentença de condenação do devedor à prestação de certa garantia ou de coisa fungível ainda que não transitada em julgado (artigo 710º, nº 1, do Código Civil).

A hipoteca voluntária é a constituída por acto jurídico, bilateral ou unilateral, negocial ou não.

Estão, em regra, sujeitos a escritura pública os actos de constituição e de modificação de hipotecas, de cessão destas ou do grau de prioridade do seu registo e a cessão ou penhor de créditos hipotecários (artigo 80º, nº 2, alínea g), do Código do Notariado).

Sobre a natureza constitutiva do acto de registo da hipoteca rege o artigo 687º do Código Civil, prescrevendo que "a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes".

A renúncia à hipoteca deve ser expressa e exarada em documento autenticado, não carecendo de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus efeitos (nº 1 do artigo 731º) ([42]).

3. Em conformidade, prescrevem as alíneas h) e x) do nº 1 do artigo 2º do Código do Registo Predial, que estão sujeitos a registo a hipoteca, a sua cessão ou modificação e a cessão do grau de prioridade do respectivo registo, bem como os factos jurídicos que importem a sua extinção, e o nº 2 do artigo 4º do mesmo diploma, que a eficácia entre as partes dos factos constitutivos da hipoteca depende da realização do registo ([43]).

O registo de constituição da hipoteca voluntária é susceptível de ser realizado antes de titulado o negócio, com base em declaração do proprietário, com assinatura presencial, salvo se for feita na presença de funcionário da conservatória competente para o registo (artigo 47º, nºs 1 e 2, do CRP).

É admitido o registo provisório por natureza da hipoteca voluntária antes de lavrado a título constitutivo (artigo 92º, nº 1, alínea i), do CRP).

À prioridade do registo reporta-se o artigo 6º do CRP.

A regra é a de que a data do registo marca a sua prevalência face aos mesmos bens e, quanto aos registos da mesma data, o número de ordem das apresentações (nº 1).

A excepção concerne às inscrições hipotecárias da mesma data, na medida em que concorrem, entre si, na proporção dos respectivos créditos (nº 2).

O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório e, no caso de recusa do acto de registo e procedência do recurso ou da reclamação, a prioridade é definida pela data da sua apresentação (nºs 3 e 4) ([44]).

A lei não define o conceito de coisas móveis e imóveis, limitando-se a enumerar as últimas no nº 1 do artigo 204º, e a prescrever no artigo 205º, por exclusão de partes, que as primeiras são as que não integram aquela enumeração ([45]).

As várias legislações prevêem, em regra, a hipoteca mobiliária, restrita embora a determinadas coisas móveis.


4. A concretização da salvaguarda prevista no proémio do artigo 485º do Código Comercial, a que se aludiu, consta, além do mais, do artigo 584º do mesmo diploma, onde se estabelece que podem constituir-se hipotecas por disposição da lei ou por convenção das partes.

A lei comercial admite, pois, a constituição de hipotecas legais e voluntárias sobre navios.

Estão sujeitas ao regime geral previsto na lei civil para as que incidem sobre prédios, ou seja, sobre coisas imóveis, designadamente quanto à produção de efeitos jurídicos, salvo incompatibilidade natural ou dispositivo diverso do Código Comercial (artigo 585º do Código Comercial) ([46]).

Entre as normas ressalvadas pelo artigo 585º do Código Comercial do regime geral previsto na lei civil, conta-se a do artigo 589º do referido diploma, segundo o qual a hipoteca sobre navios relativa a créditos que vençam juros abrange, além do capital, os juros de cinco anos.

À forma do contrato de hipoteca reporta-se o artigo 588º e o § 2º do artigo 591º.

É constituída por instrumento público, salvo se não houver agente consular português no local onde deve constituir-se, caso em que poderá sê-lo por escrito a bordo, lançado no livro de contas, com intervenção de duas testemunhas.

Ao registo de hipotecas sobre navios reportam-se, actualmente, o Decreto–Lei nº 42644 e Decreto nº 42645, ambos de 14 de Novembro de 1959 ([47]).

Nos termos da alínea d) do artigo 4º do Decreto-Lei nº 42644, estão sujeitos a registo, relativamente a navios, as hipotecas, a sua modificação, extinção ou cessão, e a cessão do grau de prioridade do respectivo registo.

Ao concurso de créditos reporta-se o artigo 592º do Código Comercial.

Os credores hipotecários são pagos, depois dos credores beneficiários de privilégios creditórios, pela ordem de prioridade resultante do registo comercial, e, se houver pluralidade de inscrições hipotecárias da mesma data, o pagamento realiza-se em termos de rateio.


VIII

1. Consideramos agora, sumariamente, o regime dos privilégios creditórios.


1.1. Os privilégios creditórios - "privilegium exigendi" - já existiam na Roma clássica.

Tratava-se de preferência de pagamento legalmente concedida a certos credores desprovidos de "pignus" e de hipoteca, em atenção à natureza do crédito em si (por exemplo o relativo ao funeral) ou por haver produzido aumento de valor - "privilegium causae" - ou à qualidade do credor (por exemplo do pupilo em relação ao tutor) - "privilegium personae".

A preferência de pagamento no caso de pluralidade de privilégios creditórios era determinada em função da qualidade dos créditos em causa.

De carácter pessoal, não incidia sobre bens determinados até ao exercício do direito do crédito, não afectava terceiros transmissários de bens, pelo que se não tratava de garantia acessória de obrigações.

A evolução da natureza dos privilégios creditórios, de mera preferência de pagamento para garantia real com preferência sobre a hipoteca, ocorreu no antigo direito francês.

Com o Código de Napoleão ocorreu a distinção entre privilégios sobre móveis e imóveis, e especiais e gerais, consoante a extensão do objecto, sujeitos alguns a publicidade ([48]).

O Código Civil português de 1867 inspirou-se, nesta matéria, no Código de Napoleão, e o Código Civil de 1966 naquele.


2. Face ao disposto no artigo 733º do Código Civil, privilégio creditório é a faculdade que, em atenção à causa do crédito, a lei concede a determinados credores de serem pagos com preferência em relação a outros, independentemente de registo ([49]).

Trata-se, pois, de preferência de pagamento resultante da lei, pelo que não pode ser constituído por negócio jurídico.

É uma preferência que, em regra, se sobrepõe às garantias reais e, consequentemente, perturba o comércio jurídico pela sua incerteza e dispensa de registo, em particular do crédito, em qualquer sistema económico de mercado ([50]).

Os privilégios creditórios são legalmente classificados como imobiliários e mobiliários ([51]).

Os privilégios mobiliários são gerais ou especiais, conforme respeitem a todos os bens móveis do devedor ou a determinados bens, particularmente conexionados com o crédito em causa (artigo 735º do Código Civil).

O Código Civil não subdistingue, no quadro dos privilégios imobiliários, os gerais e os especiais por, na concepção adoptada, todos incidirem sobre bens imóveis determinados.

Mas como posteriormente ao início da vigência do Código Civil de 1966 foram criados vários privilégios imobiliários gerais, deve actualmente considerar-se que essa espécie abrange os gerais e os especiais consoante se reportem a todos os bens imóveis do devedor ou a determinados bens em especial conexão com o crédito em causa ([52]).


3. Aos privilégios mobiliários gerais reportam-se os artigos 736º e 737º do Código Civil.

Em atenção à pessoa do credor, o artigo 736º concede ao Estado e às autarquias locais privilégio mobiliário geral para garantia de créditos por impostos indirectos, salvo a sisa ou o imposto sobre sucessões e doações, e directos liquidados no ano do acto da penhora ou apreensão e nos dois anos anteriores, desde que não gozem de privilégio especial.

O artigo 737º, em atenção à natureza do crédito, concede privilégio mobiliário geral aos créditos por despesas do funeral do devedor conforme a sua condição e costume local, por despesas com a doença ou indispensáveis ao sustento do devedor ou de pessoa a quem deve prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses, do trabalhador, emergentes do contrato de trabalho, violação ou cessação deste, concernente àquele prazo ([53]).

4. Sobre os privilégios mobiliários especiais regem os artigos 738º a 742º.

O artigo 738º reporta-se aos créditos por despesas de justiça no interesse directo e comum dos credores, para conservação, execução ou liquidação de bens móveis, e aos do Estado pelo imposto de sucessões e doações em relação aos transmitidos, concedendo--lhes privilégio sobre esses bens.

O artigo 739º, nº 1 estabelece o privilégio sobre os frutos dos prédios rústicos dos créditos relativos ao fornecimento de sementes, plantas, adubos, águas e energia para irrigação ou outros fins agrícolas ([54]).

O artigo 741º estabelece o privilégio relativo ao crédito da vítima de facto que implique responsabilidade civil por factos ilícitos ou risco assumido pelo respectivo segurador.

O artigo 702º concede, por seu turno, privilégio ao crédito do autor da obra intelectual relativamente aos exemplares em poder do editor.


5. Aos privilégios imobiliários - especiais - reportam-se os artigos 743º e 744º do Código Civil.

O artigo 745º prevê os créditos por despesas de justiça no interesse directo e comum dos credores para conservação ou liquidação dos bens imóveis, e estatui um privilégio sobre eles.

E o artigo 744º insere na sua previsão, por um lado os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais liquidado no ano da penhora ou apreensão e nos dois anos anteriores, e, por outro, os créditos do Estado pelos impostos de sisa e sucessões e doações, e estatui, ali, o privilégio sobre os bens sujeitos aos rendimentos, e aqui sobre os transmitidos.


6. Os artigos 745º a 753º reportam-se aos efeitos e à extinção dos privilégios mobiliários e imobiliários.

Extinguem-se pelas mesmas causas por que se extingue a hipoteca, e é-lhes aplicável a disciplina dela quanto à indemnização pelo facto da perda, deterioração ou diminuição do valor dos bens, à proibição do pacto comissório e de inalienabilidade, de oposição à penhora e à execução, à defesa do dono ou do titular do direito e à extinção do usufruto (artigos 752º e 753º).


7. No caso de existir pluralidade de créditos com idêntico privilégio, opera o rateio (nº 1 do artigo 745º).

Os privilégios mobiliários ou imobiliários por despesas de justiça preferem a quaisquer outras garantias, incluindo os privilégios, e são oponíveis a terceiros adquirentes (artigo 746º).

A graduação dos restantes privilégios mobiliários obedece ao disposto no artigo 747º e a dos outros privilégios imobiliários ao estatuído no artigo 748º.

O privilégio mobiliário geral não é oponível a terceiros cujos direitos, incidentes sobre os respectivos bens, como é o caso dos direitos reais de gozo ou de garantia que hajam constituído, são insusceptíveis de afectação pelo acto de penhora ([55]).

O conflito entre privilégios mobiliários especiais e os direitos de terceiros é resolvido pelo critério da prevalência resultante da anterioridade da sua constituição (artigo 750º).

Os privilégios imobiliários são oponíveis aos terceiros que adquiram o imóvel ou qualquer direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca e ao direito de retenção, indepententemente da anterioridade (artigo 751º) ([56]).


8. Aos privilégios creditórios incidentes sobre navios reportam–se os artigos 574º a 583º do Código Comercial.

No domínio do direito marítimo interno, nos termos do artigo 578º, proémio, os privilégios que incidem sobre os navios são os seguintes:

- 1º. As custas e despesas judiciais feitas no interesse comum dos credores;

- 2º. Os salários devidos por assistência comum dos credores;

- 3º. As despesas de pilotagem e reboque da entrada no porto;

- 4º. Os direitos de tonelagem, faróis, ancoradouro, saúde pública e quaisquer outros de porto;

- 5º. As despesas com a guarda do navio e com a armazenagem dos seus pertences;

- 6º. As soldadas do capitão e tripulantes ([57]);

- 7º. As despesas de custeio e conserto do navio e dos seus aprestos e aparelhos;

- 8º. O embolso do preço de fazendas do carregamento, que o capitão precisou vender;

- 9º. Os prémios do seguro;

- 10º - O preço em dívida da última aquisição do navio;

- 11º. As despesas com o conserto do navio e seus aprestos e aparelhos nos últimos três anos anteriores à viagem e a contar do dia em que o conserto terminou;

- 12º. As dívidas provenientes de contratos para a construção do navio ([58]);

- 13º. Os prémios dos seguros feitos sobre o navio, se todo foi segurado, ou sobre a parte e acessórios que o foram, não compreendidos no nº 9º;

- 14º. A indemnização devida aos carregadores por falta de entrega das fazendas ou por avarias que estas sofressem.

Os créditos mencionados nos nºs. 1º a 9º são os relativos à última viagem e por motivo dela (§ único).


8.1. A ordem por que os créditos estão elencados marca o critério da sua graduação, preferindo os mesmos, aliás, a qualquer privilégio geral ou especial sobre móveis previsto no Código Civil (artigo 574º, e proémio, do artigo 578º).

No caso de deterioração ou diminuição do valor do navio ou de qualquer dos objectos sobre que incida o privilégio, subsiste este quanto ao que restar ou puder salvar-se e pôr-se em segurança (artigo 575º).

Se o produto do navio ou dos objectos sujeitos ao privilégio for insuficiente para pagamento aos credores privilegiados de uma ordem, proceder-se-á a rateio (artigo 576º).

O endosso de título de crédito com privilégio transmite este (artigo 577º).

Os privilégios dos credores sobre o navio extinguem-se, nos termos gerais das obrigações, pela venda judicial do navio, depositado que seja o preço, para o qual se transferem, e pela venda voluntária feita com citação dos credores privilegiados, decorridos que sejam três meses sem que hajam feito valer os privilégios ou impugnado o preço da venda (artigo 579º) ([59]).

8.2. Os artigos 580º e 581º reportam-se, especialmente, aos privilégios sobre a carga do navio.

Os créditos com privilégio sobre a carga - gerais se abrangerem toda a carga, ou especiais se abrangerem só parte dela -, são graduados pela ordem seguinte:

- 1º As despesas judiciais feitas no interesse comum dos credores;

- 2º Os salários devidos por salvação;

- 3º Os direitos fiscais que forem devidos no porto da descarga;

- 4º As despesas de transporte e de descarga;

- 5º As despesas de armazenagem;

- 6º As quotas de contribuição para as avarias comuns;

- 7º As quantias dadas a risco sob essa caução;

- 8º Os prémios de seguro (artigo 580º).

No caso de os credores não fazerem valer os privilégios antes de realizada a descarga ou nos dez dias seguintes, se entretanto a carga não entrar na posse de terceiros, extinguem-se (artigo 581º).


8.3. Relativamente aos privilégios sobre o frete regem, especialmente, os artigos 582º e 583º.

São graduados pela ordem seguinte:

- 1º As despesas judiciais feitas no interesse comum dos credores;

- 2º As soldadas do capitão e tripulação;

- 3º As quotas de contribuição para as avarias comuns;

- 4º As quantias dadas a risco sob essa caução;

- 5º Os prémios do seguro;

- 6º A importância da indemnização que for devida por falta de entrega das fazendas carregadas.

Estes privilégios extinguem-se logo que pago o custo do frete, salvo no que concerne ao crédito de indemnização pelo rompimento da viagem, caso em que a extinção só ocorre seis meses depois daquele prazo (artigo 583º) ([60]).


5. Fora do Código Civil e do Código Comercial, isto é em leis avulsas, consagra o nosso ordenamento jurídico vários privilégios.


9.1. Entre os créditos garantidos por privilégio mobiliário geral previsto em leis avulsas, contam-se os seguintes:

- o dos trabalhadores por conta de outrem relativo a prestações devidas por acidente de trabalho ou doença profissional (Base XLI da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965);

- o do Estado, resultante de aval, sobre os bens móveis das empresas privadas devedoras (Base XII da Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro) ([61]);

- o da Região Autónoma dos Açores sobre os bens móveis das entidades beneficiárias de aval (artigo 18º do Decreto Regional nº 12/78/A, de 11 de Agosto);

- o das instituições de segurança social e de previdência por contribuições e respectivos juros de mora (artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio) ([62]);

- o do Instituto do Emprego e Formação Profissional no quadro de acordos celebrados no âmbito da sua competência (artigo 30º do Decreto-Lei nº 165/85, de 16 de Abril);

- o dos trabalhadores por conta de outrem por salários em atraso (artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho);

- o da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, resultante do lançamento anual de imposições pecuniárias e acessórios relativos à produção de carvão e aço (artigo 1º do Decreto-Lei nº 328/89, de 26 de Setembro);

- o do Estado resultante de garantia no quadro dos seguros de riscos de crédito (artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio);

- o do Estado por imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (artigo 104º do CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro);

- o do Estado por imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (artigo 93º do CIRC, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro) ([63]);

- o do Fundo Social Europeu ou do Estado resultante da não utilização ou utilização indevida de subsídios (artigo 2º do Decreto-Lei nº 158/90, de 17 de Maio);

- o do Estado por contribuição em bens para associações de bolsa no caso da sua liquidação (artigo 250º, nº 3 do Código do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142-A/91) ([64]);

- o constituído sobre a empresa depois de proferido o despacho de prosseguimento da acção de recuperação e antes de findo o período de observação (artigo 65º, nº 1, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falências - CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93 de 23 de Abril) ([65]).

- o obtido mediante concessão de privilégio nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 101º do CPEREF (artigo109º, nº 1, deste diploma).
9.2. Entre os créditos garantidos por privilégio mobiliário especial, contam-se:

- o do Estado, relativo aos bens móveis transmitidos, para garantia do pagamento do imposto de sisa e sobre sucessões e doações (artigo 130º do Código de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 41969, de 24 de Novembro de 1958, segundo a redacção resultante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 223/82, de 7 de Junho);

- o relativo ao imposto sobre veículos, multas por falta de pagamento e reembolso das despesas de remoção e parqueamento (artigos 25º, nº 5, do Decreto-Lei nº 143/78, de 12 de Junho);

- o do Instituto Nacional de Habitação pelo financiamento no quadro dos contratos de desenvolvimento para habitação ou fiança (artigo 15º do Decreto-Lei nº 344/79, de 28 de Agosto);

- o relativo às remunerações devidas pela salvação e por gastos extraordinários necessários à conservação de aeronaves (artigos IV, nº 1, VI, nºs 2 a 4, e VII, nº 6, da Convenção Relativa ao Reconhecimento Internacional de Direitos sobre Aeronaves);

- o de contribuição autárquica (artigo 24º, nº 1, do Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro);

- o dos titulares de obrigações hipotecárias sobre os créditos hipotecários afectos à respectiva emissão (artigo 6º do Decreto-Lei nº 125/90, de 16 de Abril);

- o relativo ao adiantamento de fundos pelos credores nos processos de recuperação da empresa (artigo 34º, nº 4, do CPEREF);

- o relativo a despesas de remoção e depósito de veículos penhorados em acções executivas (artigo 170º, nº 3, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94 de 3 de Maio);

- o do Estado pelo crédito de imposto de circulação e camionagem (artigo 10º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio).


9.3. Entre os créditos garantidos por privilégio imobiliário geral, elencam-se os seguintes:

- o das instituições de segurança social e de previdência sobre os imóveis do devedor à data da instauração da acção executiva (artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio);

- o do Instituto de Emprego e Formação Profissional relativamente a acordos no quadro da sua competência (artigo 30º do Decreto-Lei 165/85, de 16 de Abril);

- o do Estado relativo ao imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (artigo 104º do CIRS);

- o do Estado relativo ao imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas (artigo 93º do CIRC);

- o dos trabalhadores por conta de outrem por salários em atraso e juros de mora (artigo 12º, da Lei nº 17/86, de 14 de Junho).


9.4. Finalmente, entre os créditos garantidos por privilégio imobiliário especial, contam-se:

- o do Estado, relativo aos bens imóveis transmitidos, para garantia do pagamento do imposto de sisa e sobre sucessões e doações (artigo 130º do Código de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 41969, de 24 de Novembro de 1958, segundo a redacção resultante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 223/82, de 7 de Junho);

- o do Estado por adiantamentos concedidos ao abrigo do Decreto-Lei nº 39755, de 12 de Agosto de 1954 (artigo 1º do Decreto-Lei nº 42302, de 4 de Junho de 1959);

- o do Estado por acções de fomento de arborização em propriedades privadas (artigos 7º do Decreto-Lei nº 45443, de 16 de Dezembro de 1963, e 40º do Decreto-Lei nº 45795, de 6 de Julho de 1964);

- o das autarquias locais e do Instituto Nacional de Habitação relativo a trabalhos de demolição de construções, execução de obras, elaboração de projectos e trabalhos de renovação urbana (artigo 6º do Decreto-Lei nº 8/73, de 8 de Junho);

- o do Instituto Nacional de Habitação pelo financiamento no quadro dos contratos de desenvolvimento para habitação ou fiança (artigo 15º do Decreto-Lei nº 344/79, de 28 de Agosto);

- o do Fundo Social Europeu ou do Estado resultante da não utilização ou utilização indevida de subsídios (artigo 2º do Decreto-Lei nº 158/90, de 17 de Maio);

- o relativo ao adiantamento de fundos pelos credores nos processos de recuperação da empresa (artigo 34º, nº 4, do CPEREF);

- o do titular do direito real de habitação periódica sobre esse direito (artigo 23º, nº 1, do Decreto-Lei nº 275/93, de 5 de Agosto.




IX

1. Como o Código Civil se reporta ao regime geral de hipoteca e dos privilégios creditórios, e o Código Comercial ao regime da hipoteca e dos privilégios creditórios sobre navios, importa confrontar as normas em causa com o estatuído no artigo 7º daquele primeiro diploma ([66]).


2. As normas de duração tendencialmente indefinida cessam a sua vigência, no todo ou em parte, quando sobrevier lei que as revogue (artigo 7º, nº 1, do Código Civil).

A revogação da lei é susceptível de resultar de declaração expressa de outra lei, de incompatibilidade entre o conteúdo da lei anterior e o da lei posterior, e da substituição global do regime legal (artigo 7º, nº 2, do Código Civil).

A revogação pode, assim, distinguir-se em expressa ou por declaração, tácita ou por incompatibilidade e global ou por substituição, e ser parcial (derrogação) ou total (abrogação) ([67]).

A lei geral não revoga a lei especial salvo se outra for a inequívoca intenção do legislador (artigo 7º, nº 3, do Código Civil).

Uma norma é especial com relação a outra quando, sem contrariar substancialmente o conteúdo desta, a adapta a circunstâncias particulares de ordem material, pessoal ou territorial.

O critério de distinção entre normas gerais e especiais não é absoluto. É que uma norma pode ser especial em relação a uma norma e ser geral face a outra.

A relação generalidade/especialidade normativa é susceptível de ocorrer não só em relação a normas individualizadas como também face a certos institutos jurídicos ou a ramos de direito ([68]).

O direito civil e o direito comercial têm de comum o facto de regularem situações jurídicas de carácter privado, opostas às regidas pelo direito público.

A doutrina não diverge no que concerne ao facto de o direito civil ter por objecto as situações jurídicas privadas em geral, e de o direito comercial visar a regulação de certa categoria daquelas situações, em função das suas características e exigências específicas.
O direito especial, no confronto com o direito geral, caracteriza--se, como já se referiu, por não contrariar os preceitos neste contidos, e se adaptar a circunstâncias particulares ([69]).

Baseada neste quadro conceitual, tem a doutrina considerado que o direito comercial se configura, no confronto com o direito civil em geral, como especial ([70]).

Na economia do parecer releva, fundamentalmente, o disposto no nº 3 do artigo 7º do Código Civil, enquanto estabelece que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

Esta disposição não exige a revogação expressa, mas apenas que a intenção da lei geral posterior seja inequivocamente revogatória da lei especial anterior.

A questão de saber se a lei geral posterior revogou ou não a lei especial anterior deve ser resolvida com base na interpretação daquela, à luz dos critérios gerais que regem esta matéria ([71]).

A propósito do citado normativo, escreveu um autor:

"Para se poder falar numa "intenção inequívoca do legislador" deve haver uma referência expressa na própria lei ou, pelo menos, um conjunto de vectores tão incisivos que a ela equivalham. Por isso, quando se pretenda, através duma lei geral, revogar leis especiais - maxime, por se querer firmar um regime genérico e homogéneo - há que dizê-lo, recorrendo à revogação expressa ou, no mínimo, a uma menção revogatória clara, do género: "são revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais" ([72]).

E, um outro, exige circunstâncias relevantes, em termos de interpretação que permitem concluir que a lei nova pretende afastar a lei especial antiga, como é o caso de a lei nova ter por objectivo pôr termo a regimes especiais antigos que deixaram de se justificar ([73]).

A propósito desta questão, já este corpo consultivo teve oportunidade de salientar que na fixação da intenção de revogação da lei especial pela lei geral, "dada a palavra inequívoca, deve o intérprete ser particularmente exigente, atendendo ao texto da lei, sua conexão, evolução histórica, à história da formação legislativa, e sobretudo nortear-se pelo fim da disposição questionada e o resultado de uma outra interpretação"([74]).

A regra é, portanto, no sentido de que a lei geral posterior não revoga a lei especial anterior. Mas se resultar indubitavelmente da lei nova que o legislador visou uniformizar regimes jurídicos, proibindo a existência de regimes especiais, a lei geral posterior revoga a lei especial anterior.

A não demonstração inequívoca da intenção de a lei geral revogar a especial implicará a conclusão de que subsiste a lei especial e que a lei geral se aplica às situações por aquela não compreendidas ([75]).


3. Não tem sido posta em causa, no que concerne ao regime de direito material sobre hipotecas, a coexistência das normas gerais do Código Civil e das especiais do Código Comercial relativas às hipotecas sobre navios.

A dúvida suscitou-se quanto aos privilégios creditórios, por virtude de o nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 47344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o Código Civil, prescrever que "não são reconhecidos para o futuro, salvo em acções pendentes, os privilégios e hipotecas legais que não sejam concedidos pelo Código Civil, mesmo quando conferidos em legislação especial."

Não se vislumbra, no caso em apreço, a intenção inequívoca do legislador quanto à revogação das normas sobre privilégios constantes do Código Comercial.

Antes pelo contrário, pois resulta do artigo 3º do citado Decreto--Lei nº 47344 que apenas houve intenção de revogar a legislação civil abrangida pelo Código Civil, isto é, deixando em vigor a legislação comercial.

Importa, por isso, concluir que as normas relativas a privilégios insertas no Código Comercial não foram revogadas pelo Código Civil, e que, consequentemente, vigoram ([76]).


X

1. Vejamos agora a problemática das normas de conflitos, em tanto quanto releve na economia do parecer.


1.1. As questões privadas internacionais são o resultado lógico da coexistência de uma pluralidade de Estados com sistemas jurídicos próprios.

O direito internacional privado visa, fundamentalmente, determinar o direito material aplicával às questões privadas internacionais, a partir da localização no espaço dos factos em causa.

É um direito de conexão da realidade fáctica envolvente com determinado sistema jurídico, a qual constitui o critério de determinação da lei aplicável.

Tem por objecto as situações jurídicas privadas internacionais que tenham contacto com um ou mais sistemas jurídicos.

No caso de uma situação jurídica apenas se achar conexionada, através de qualquer um dos seus elementos - sujeitos, objecto, facto jurídico - com a ordem jurídica portuguesa, é óbvio que inexiste uma questão privada internacional, certo que lhe é exclusivamente aplicável o direito material português.

Com efeito, a necessidade da aplicação de normas de direito internacional privado português só surge quando qualquer dos elementos da situação jurídica em causa esteja em contacto com um ou vários ordenamentos jurídicos estrangeiros, isto é, quando se trate de questões privadas relativa ou absolutamente internacionais ([77]).

Não é homogénea a solução de regulação das situações jurídicas privadas internacionais, certo que tem sido seguida, a nível de cada Estado, uma pluralidade de vias.

Uma das soluções possíveis é a de submeter as relações jurídicas privadas internacionais ao direito material interno comum ou especial.

Outra consiste na submissão das aludidas situações jurídicas, a par das meramente internas, ou só aquelas, ao direito privado material uniforme constante de convenções internacionais.

Outra, como ocorre no caso português, consubstancia-se na determinação da lei material aplicável através de normas de conflitos.

É claro que esta última via de solução é susceptível de coexistir, e coexiste em vários Estados, com a anteriormente enunciada ([78]).

No quadro geral das normas de conflitos, a regra é no sentido da referencia material e a excepção da referência global.

É, com efeito, o que ocorre na lei portuguesa, certo que estabelece o artigo 16º do Código Civil que a "referência das normas de conflito a qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrario, a aplicação do direito interno dessa lei".

No direito internacional público pactício detecta-se também a admissibilidade da referência global em casos expressamente previstos.

É o caso, por exemplo, das Convenções de Genebra, de 7 de Junho de 1930 e de 19 de Março de 1931, destinadas a regular certos conflitos de leis em matéria de letras e livranças, e de cheques, respectivamente.

Com efeito, no artigo 2º, primeira parte, das referidas Convenções prescreve-se que a capacidade de uma pessoa para se obrigar por letra ou livrança e por cheque é regulada pela respectiva lei nacional, e que se a lei nacional declarar competente a lei de outro país, será aplicada esta última.


2. Atentemos na reserva de ordem pública.


2.1. A justiça do caso concreto é, por vezes, instrumentalizada através de normas contendo claúsulas gerais, como é o caso da relativa à "ordem pública".

A claúsula geral da "ordem pública" é utilizada pelo legislador português não só no âmbito do direito material como também no quadro do direito conflitual.

No que concerne à "ordem pública" no plano do direito material rege, por exemplo, o nº 2 do artigo 280º do Código Civil, que prevê o negócio jurídico que lhe seja contrário e estatui o correspondente vício de nulidade.


2.2. Relativamente à cláusula geral da "ordem pública" no quadro do direito internacional privado, releva o disposto no § único do artigo 4º do Código Comercial e no artigo 22º do Código Civil.

A primeira das referidas disposições, na sua conexão com a do proémio e o nº 1, prescreve a regra de que os actos de comércio no plano da substância e efeitos das obrigações não são regulados pela lei do lugar de celebração, não só no caso de haver convenção em contrário, como também quando da sua execução resultar ofensa ao direito público português ou aos princípios da ordem pública ([79]).

A segunda estabelece, por seu turno, a propósito da aplicação pelos tribunais portugueses do direito estrangeiro em razão do funcionamento das normas de conflitos, que se não aplica quando tal envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português, sendo aplicáveis as normas mais apropriadas da legislação estrangeira competente ou, subsidiariamente, as regras do direito interno português.


2.3. Inexiste uma comunidade internacional homogénea e o conceito de "ordem pública" varia de Estado para Estado, de nação para nação e de época para época. Não é, por isso, viável a caracterização daquele conceito em termos de definição.

Mas qualquer ordem jurídica é inspirada por determinados princípios de ordem política, social, económica e moral, com vista à consecução de certo ideal de justiça, que o Estado respectivo intenta preservar como elemento vitalizador da respectiva sociedade politicamente organizada ([80]).

O conceito de "ordem pública" é utilizado no sentido de ordem pública interna e de ordem pública internacional, não necessariamente coincidentes, porque esta só abrange os princípios e normas que não devem ser postergados nas relações jurídicas internacionais reguladas pela lei estrangeira ([81]).

São de ordem pública interna as normas e princípios jurídicos que estruturam os ordenamentos jurídicos nacionais, como é o caso, entre outros, dos que se reportam às bases fundamentais da organização económica e da família, à segurança do comércio jurídico, à protecção de incapazes, à tutela da integridade dos indivíduos e ao estado das pessoas , que são absolutamente imperativos e, por isso, inderrogáveis por vontade individual ([82]).

Ou, noutra perspectiva, as normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos, alicerçantes do sistema jurídico, como é o caso dos que visam a segurança do comércio jurídico e a protecção de terceiros, a tutela da integridade física e a independência dos indivíduos, a protecção dos fracos e incapazes, a organização da família e do estado das pessoas, no quadro do bom funcionamento das instituições necessárias à comunidade ([83]).

A diversidade de princípios enformadores das diversas ordens jurídicas da comunidade internacional e a vinculação dos Estados à aplicação pelos seus tribunais do direito estrangeiro são susceptíveis de implicar que estes sejam confrontados com a necessidade de aplicar uma ou outra lei estrangeira de que resultem efeitos que repugnem aos princípios políticos, sociais, económicos ou morais que inspiram a respectiva ordem jurídica.

O "salto no desconhecido", para expressar a apriorística vinculação dos Estados a aplicar as leis estrangeiras de conteúdo para eles relativamente ignorado, é amortecido pela válvula de escape que é a excepção de não aplicação das normas da lei estrangeira que conduzam a um resultado intolerável por ofensivo dos aludidos princípios, designada por excepção de ordem pública internacional.

A eleição do direito material estrangeiro pelas normas de conflitos locais, em razão dos pertinentes elementos de conexão, com vista à disciplina de determinada situação jurídica, pressupõe que ele não ofenda os princípios elementares de justiça vigentes na comunidade de nações civilizadas.

A reserva de ordem pública internacional consiste, assim, na limitação inerente à remissão das normas de conflitos para o direito material estrangeiro, que legitima a recusa da aplicação deste pelo juiz do foro, quando verificar que dessa aplicação resulta intolerável ofensa dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico em que está integrado ([84]).

A cláusula geral "ordem pública internacional" só é concretizável "hic et nunc" pelo órgão de aplicação do direito do sistema da "lex fori", em regra o tribunal.


2.4. Certa doutrina vem entendendo que à reserva de ordem pública deve ser atribuído um efeito atenuado em termos de no país do foro ser reconhecido o efeito de direitos que, só em países estrangeiros, sob conexão com os respectivos sujeitos e/ou actos jurídicos, poderiam ser adquiridos.

O Tribunal de Justiça da União Europeia vem entendendo que a excepção de ordem pública só é invocável se estiver seriamente ameaçado um interesse fundamental da comunidade.

Nessa linha, decidiu no caso Bouchereau que "o recurso de uma autoridade nacional à noção de ordem pública supõe, em qualquer caso, a existência, para além da perturbação para a ordem social que constitui a infracção à lei, de uma ameaça real e suficientemente grave, afectando um interesse fundamental da sociedade" ([85]).

3. Reflectamos, agora, brevemente, sobre o princípio da autonomia da vontade.


3.1. O princípio da autonomia da vontade é susceptível de ser encarado, no plano do direito material e no plano do direito internacional privado.

No plano geral abrangente de ambas as referidas perspectivas, dir-se-á que, no quadro da liberdade contratual, o princípio da autonomia privada se traduz no poder de as partes estabelecerem, por acordo, a regulação dos seus interesses contrapostos.

A ideia é no sentido de que em matéria de obrigações derivadas de negócios jurídicos, incluindo os contratos, o interesse das partes é o prevalente no confronto com o relativo ao tráfico jurídico e à tutela de terceiros.

Pelo princípio da autonomia privada no quadro do direito material, as partes podem fixar livremente o conteúdo do negócio, com respeito dos limites derivados do "jus cogens", isto é, podendo nada declarar quanto aos pontos regulados por normas supletivas, caso em que se entendem incorporadas no negócio, ou afastando-as e regulando-o como entenderem.

As partes podem, assim, regular directamente o conteúdo do negócio, através da inserção de pertinentes declarações, ou, indirectamente, por via da referência a determinada lei que saibam conter normas que tutelem os seus interesses ([86]).

O direito contratual do século XIX, inspirado pela doutrina individualista, assentou, fundamentalmente, na liberdade contratual - liberdade de contratar e de fixar livremente o conteúdo dos contratos - e na igualdade jurídica das partes.

Porém, a partir do segundo quartel do século, no quadro das mutações sociais verificadas e sob inspiração dos princípios da justiça social, passaram a ser inseridas nos ordenamentos jurídicos normas imperativas tendentes a proteger as partes social ou economicamente mais débeis e certos interesses considerados de ordem pública.


3.2. No nosso ordenamento jurídico actual, a liberdade contratual, embora releve dos princípios constitucionais da igualdade e da liberdade a que se reportam os artigos 13º, 61º e 62º da Constituição, está naturalmente sujeita a variados limites.

O princípio da liberdade contratual está consignado no artigo 405º do Código Civil, cujo nº 1 traça, logo no começo, a medida da sua limitação, enquanto prescreve que "dentro dos limites da lei as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver".

A liberdade de contratar, de escolha do co-contraente e da própria fixação do conteúdo contratual está, com efeito, sujeita a restrições várias, impostas pelas exigências da boa fé, da justiça real, da protecção da parte social ou economicamente mais fraca, da moral pública e dos bons costumes.

No plano do direito internacional privado, a autonomia da vontade funciona como elemento da conexão que serve à determinação da lei aplicável ao negócio jurídico, à qual compete definir o respectivo regime material, neste ponto independentemente da vontade das partes, cujo relevo cessou após a declaração relativa à cláusula designativa ([87]).


3.3. O sistema português de normas de conflitos consagra o princípio da relevância da vontade das partes na determinação da lei aplicável ao negócio jurídico.

Com efeito, o nº 1 do artigo 4º do Código Comercial faculta às partes o afastamento da "lex loci actus" como reguladora da substância e efeitos das obrigações derivadas de actos do comércio.

Ademais, no que concerne às obrigações provenientes de negócios jurídicos em geral, estabelece o artigo 41º, do Código Civil o seguinte:

"1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.

2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado".

No nº 1 deste artigo prevêem-se as obrigações derivadas de negócio jurídico e a substância deste, e estatui-se que as partes podem designar expressamente a lei que os deve regular bem como o relevo, para o efeito, da lei por elas tida em vista.

No quadro do princípio da autonomia da vontade na designação da lei aplicável às obrigações decorrentes de negócios jurídicos e à substância destes, a lei dá relevo não só à declaração expressa como também àquela que se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelem - artigo 217º do Código Civil.

O nº 2 estabelece a excepção ao princípio da autonomia da vontade das partes na designação expressa ou tácita da lei aplicável às obrigações e a substância dos negócios jurídicos.

O relevo da designação da lei aplicável é legalmente condicionado por um quadro alternativo de pressupostos, um de natureza subjectiva, consubstanciado no interesse sério das partes, e outro de índole objectiva, traduzido na conexão de algum elemento atendível do negócio.

À luz do referido elemento de ordem subjectiva, parece que as partes podem designar uma lei sem conexão objectiva com o negócio jurídico, desde que a designação não seja motivada por intuitos caprichosos ou fraudulentos.

E, por força do enunciado limite objectivo à designação, a doutrina tem considerado serem atendíveis, no domínio do direito internacional privado, o local da conclusão ou da execução do negócio, a nacionalidade, sede ou residência habitual das partes, ou a afectação da resolução do litígio a tribunal arbitral ou judicial de determinado Estado ([88]).


3.4. Portugal aderiu à Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, aberta à assinatura, em Roma, em 19 de Junho de 1980 ([89]).

Nos termos do nº 1 do artigo 1º, a Convenção é aplicável às obrigações contratuais nas situações que impliquem um conflito de leis, com as excepções dos nºs 2 a 4.

A Convenção assume características de universalidade, na medida em que a lei designada é aplicável, independentemente de ela ser ou não de um Estado contratante (artigo 2º).

Não prejudica, no entanto, a aplicação das convenções internacionais de que um Estado contratante seja ou venha a ser parte (artigo 21º).

A lei aplicável ao contrato ou a parte dele é a escolhida pelas partes, de modo expresso ou que resulte inequivocamente dos seus termos ou de circunstâncias da causa (artigo 3º, nº 1).

As partes podem acordar na sujeição do contrato a uma lei diferente daquela que antes o regulava, sem prejuízo da sua validade formal e dos direitos de terceiros segundo a lei anterior (artigo 3º, nº 2).

Se, ao tempo da designação da lei estrangeira aplicável, todos os elementos do contrato se localizarem num único país, a escolha não afecta as disposições imperativas nele vigentes (artigo 3º, nº 3).

O artigo 4º rege, por seu turno, sobre a lei aplicável ao contrato na falta da sua escolha pelas partes.

Nesse caso, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente mais estreita conexão, sem prejuízo de às suas componentes separáveis, mais estreitamente conexionadas com outro país, poder aplicar-se, excepcionalmente, a lei deste último (nº 1).

Presume-se, salvo no que concerne ao contrato de transporte de mercadorias, que o contrato apresenta conexão mais estreita com o país onde a parte obrigada a cumprir a prestação característica do contrato, resida habitualmente, no momento da celebração, ou, no caso de sociedades ou pessoas colectivas, funcionar a administração central, salvo se o contrato for celebrado no exercíco da sua actividade económica ou profissional, caso em que a conexão ocorre no país onde ela tiver o principal estabelecimento ou, se a prestação dever ocorrer em estabelecimento secundário, a do país da sua situação (nº 2).

Todavia, se o contrato tiver por objecto mediato um direito real ou de uso sobre imóvel, presume-se a mais estreita conexão com o país da respectiva localização (nº 3).

Não resulta desta norma que a Convenção seja aplicável ao regime específico dos direitos reais sobre imóveis resultantes do contrato, mas apenas que ela se aplica no que concerne à capacidade dos contraentes e forma do contrato, isto é, à vertente não real ([90]).

A presunção não funciona, porém, no caso de impossibilidade de determinação da prestação característica do contrato ou de do conjunto das circunstâncias resultar conexão mais estreita com outro país (nº 5).

Quanto à ordem pública, estabelece o artigo 16º que a aplicação de normas da lei designada pela Convenção só pode ser afastada se for manifestamente incompatível com a ordem pública do Estado do foro.

A Convenção em análise exclui, naturalmente, no que concerne à lei aplicável às obrigações contratuais, o disposto nas normas de conflitos do Código Civil (artigo 8º, nº 2, da Constituição).

E não é aplicável ao regime de posse, propriedade e demais direitos reais ([91]).


4. Importa agora considerar o regime do direito internacional privado relativo ao direito das coisas, previsto nos artigos 46º e 47º do Código Civil.


4.1. O dispositivo genérico que rege sobre esta matéria consta do artigo 46º, do seguinte teor:

"1. O regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas.

2. Em tudo quanto respeita à constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas em trânsito, são estas havidas como situadas no país do destino.

3. A constituição e transferência de direitos sobre os meios de transporte submetidos a um regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a matrícula tiver sido efectuada".

O elemento de conexão previsto neste artigo refere-se ao objecto mediato da relação jurídica, que é fixo.

A teoria geral dos direitos reais é envolvida, além do mais, pela ideia de que a publicidade a que estão sujeitos deve produzir-se no local em que os interessados podem encontrar o complexo informativo sobre os bens que deles são objecto, em princípio no lugar da respectiva situação ou, se não fixo, naquele que, na medida do possível, o substitui ([92]).

Nos termos do nº 1, a regra é no sentido de que o regime da posse, da propriedade, do usufruto, do direito de uso e habitação, do direito de habitação periódica, do direito de servidão, do direito de preferência com eficácia real, da hipoteca, do penhor, do direito de retenção, da consignação de rendimentos e dos privilégios creditórios especiais é o da lei da situação das coisas sobre que incidem - "lex rei sitae".

O nº 2 consagra a ficção jurídica de que as coisas em trânsito são localizadas no país de destino.

O nº 3 prescreve, por seu turno, no que concerne aos meios de transporte submetidos a um regime de matrícula, como é o caso das aeronaves, veículos automóveis, vagões de caminho de ferro e motociclos, que às situações jurídicas previstas no nº 1 é aplicável a lei do país onde a matrícula tiver sido efectuada.


4.2. E o artigo 47º estabelece o seguinte:

"É igualmente definida pela lei da situação da coisa a capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou para dispor delas, desde que essa lei assim o determine; de contrário, é aplicável a lei pessoal".

Resulta do disposto neste artigo, a título de excepção ao estatuído no artigo 25º, que a capacidade para constituir ou dispor de direitos reais sobre coisas imóveis, é definida pela "lex rei sitae", se esta previr o regime em causa.

Trata-se, pois, de uma excepção condicionada ao facto de a "lex rei sitae" prever a capacidade dos sujeitos das situações jurídicas previstas no nº 1 do artigo 46º, o que não é o caso da lei portuguesa.


5.1. Vejamos, agora, no quadro do direito internacional privado relativo aos navios, o disposto no artigo 488º do Código Comercial, do teor seguinte:

"As questões sobre propriedade do navio, privilégios e hipotecas que o onerem são reguladas pela lei da nacionalidade que o navio tiver ao tempo em que o direito, objecto de contestação, houver sido adquirido.

§ 1º. O mesmo se observará nas contestações relativas a privilégios sobre o frete ou carga do navio.

§ 2º. A mudança de nacionalidade não prejudicará, salvo tratados internacionais, os direitos anteriores sobre o navio".

Trata-se de uma disposição especial de direito internacional privado, enformada pelos princípios do direito marítimo, motivada pelo facto de a navegação marítima se realizar fora dos mares territoriais de cada Estado e de a indústria naval e a garantia dos créditos respectivos se localizarem, normalmente, em praças internacionais.

Como os navios estão, em regra, em contacto constante com diversas ordens jurídicas, é imperioso que se saiba qual a lei por que se regem, e, daí, a necessidade de lhes atribuir uma nacionalidade por via da qual ficam ao abrigo de uma delas.

Nos termos do nº 1, às questões privadas internacionais relativas à propriedade do navio e às hipotecas que sobre ele incidam é aplicável a lei da sua nacionalidade ao tempo da aquisição do direito real em causa.

Os navios têm um nome, certa tonelagem, um porto de matrícula, um número oficial e determinada nacionalidade, elementos que o individualizam perante o universo da espécie ([93]).

A nacionalidade - cidadania segundo a actual terminologia dos artigos 4º e 26º, nº 3, da Constituição -, é o vínculo jurídico-político que liga uma pessoa a determinado Estado.

A cidadania ou nacionalidade das pessoas depende dos pressupostos legalmente previstos (artigo 4º da Constituição) ([94]).

Ficcionando de algum modo a realidade das coisas, os navios têm sido entendidos como pessoas para efeitos de lhes atribuir uma nacionalidade - vínculo jurídico a determinado Estado ([95]).

Este vínculo define o estatuto internacional do navio, enquanto traduz a sua sujeição a um Estado onde foi objecto de matrícula.

A bandeira arvorada pelo navio assinala a localização jurídica do navio, isto é, a sua nacionalidade.

Em regra, a nacionalidade do navio é adquirida em razão da sua matrícula ou abandeiramento, que lhe confere uma espécie de situação real ([96]).

O lugar da localização jurídica do navio - porto de matrícula e Estado de nacionalidade - assume particular relevo, na medida em que centraliza as indicações relativas ao seu estado e permite aos potenciais adquirentes do direito de propriedade ou de garantia de créditos, que delas se informem.

A nacionalidade define o estatuto jurídico privado do navio e constitui instrumento de resolução de conflitos internacionais no confronto dos diversos Estados ([97]).

A regra do nº 1 estende-se, por força do § 1º, às questões relativas aos privilégios incidentes sobre a carga e o frete.

E o § 2º estabelece que a mudança de nacionalidade do navio não afecta os direitos previstos no nº 1 e no § 1º adquiridos anteriormente, salvo o estabelecido em convenções internacionais a que o Estado português esteja vinculado.

A lei elegeu, nesta sede, o elemento de conexão pessoal e móvel "nacionalidade", por ser reconhecido que nem a "lex fori" nem a "lex rei sitae" se adequavam à salvaguarda dos interesses dos titulares de direitos de propriedade ou de créditos relativos à actividade da navegação marítima.

Como escreveu um autor, o critério adoptado é o preferível porque o navio tem um domicílio legal no porto de matrícula, uma nacionalidade própria e o direito de içar a respectiva bandeira, o que justifica a eleição da "lex patriae" ([98]).

A eleição da nacionalidade do navio, demonstrada pela bandeira que arvorar e pelos documentos de bordo, como elemento de conexão veiculador da determinação da lei aplicável às questões internacionais privadas em causa, facilita o comércio marítimo internacional, seja no plano da transferência do direito de propriedade sobre ele, seja no que concerne à constituição e realização de garantias do crédito ([99]).

Como este corpo consultivo já teve oportunidade de ponderar, os navios, à semelhança de outros meios de transporte, não são considerados, para o efeito da escolha da lei internacionalmente relevante, coisas móveis e, como tais, sujeitos à lei do local em que se encontrem em cada momento, e, dada a sua mobilidade, para obter a certeza na regulamentação das relações jurídicas com eles conexas, houve que adoptar, como lei normalmente competente, a chamada lei do pavilhão ou lei da nacionalidade, incluindo o que respeita à publicidade dos actos criadores de direitos reais ou de preferência sobre os ditos navios ([100]).


5.2. Suscita-se a questão de saber se o disposto no artigo 488º do Código Comercial foi ou não revogado pelo estatuído no artigo 46º do Código Civil.

Recorde-se que este último artigo prescreve, por um lado, que à propriedade e outros direitos reais sobre coisas em trânsito é aplicável a lei do país de destino e, por outro, que a constituição e a transferência de direitos sobre os meios de transporte submetidos a um regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a matrícula tiver sido efectuada.

O artigo 3º do Decreto-Lei nº 47344, de 25 de Novembro de 1966, ao estabelecer que ficava revogada toda a legislação civil relativa às matérias que o Código Civil abrangia, só ressalvou a especial expressamente referida.

Mas a legislação especial a que aquela disposição se reporta é, como já se referiu, a civil, pelo que não abrange as normas do direito comercial.

Inexiste, assim, revogação expressa do disposto no artigo 488º do Código Comercial.

O nº 2 deste artigo soluciona o problema da sucessão de leis aplicáveis no tempo às questões privadas internacionais em causa por virtude da alteração do facto consubstanciador do elemento de conexão "nacionalidade" - conflito móvel.

Nenhuma das normas de direito de conflitos português, incluindo as dos artigos 46º do Código Civil, estabelecem sobre a resolução de semelhante conflito móvel ([101]).

Não se põe, por isso, em relação ao nº 2 do artigo 488º do Código Comercial, uma questão de revogação por incompatibilidade normativa.

É certo que os Estados adoptam, em regra, a solução de atribuição da nacionalidade aos navios que neles estejam matriculados.

Mas tal não significa inexistirem Estados que atribuam a respectiva nacionalidade aos navios, independentemente do facto de neles haverem sido matriculados.

Nesta perspectiva, impõe-se a conclusão de que inexiste coincidência entre o disposto no proémio do artigo 488º do Código Comercial e no nº 3 do artigo 46º do Código Civil.

Na perspectiva de a lei da nacionalidade coincidir, como é a regra, com a da matrícula, ainda assim inexiste incompatibilidade normativa entre o disposto no proémio do artigo 488º do Código Comercial e no nº 3 do artigo 46º do Código Civil.

É que, no que concerne aos navios, a regra do § 2º do artigo 488º do Código Comercial veicula, em relação ao disposto no nº 3 do artigo 46º do Código Civil, diversidade de regime .

Dir-se-á que os normativos do proémio e do § 2º do artigo 488º do Código Comercial, por um lado, e do nº 3 do artigo 46º do Código Civil, por outro, se interligam em termos de especialidade/generali-dade.

Inexiste fundamento para a conclusão de que ocorreu revogação de sistema do proémio do artigo 488º do Código Comercial, nem qualquer elemento que aponte a intenção inequívoca do legislador do Código Civil nesse sentido.

Importa, por isso, concluir que vigoram, quanto aos navios, as normas de conflitos do proémio e do § 2º do Código Comercial, numa relação de especialidade no confronto do nº 3 do artigo 46º do Código Civil ([102]).


XI

1. Sobre a matéria em apreço relevam, ainda, a Convenção Internacional para a Unificação de Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos, de 10 de Abril de 1926 ([103]), e a Convenção de Genebra sobre o alto mar, assinada em 28 de Outubro de 1958.


1.1. A primeira resultou da necessidade de fortalecer a garantia hipotecária perante a "parafernália" dos privilégios marítimos e a frequência de conflitos de leis provocados pela diversidade legislativa sobre a matéria ([104]).

Dela estão excluídos os navios de guerra e os do Estado exclusivamente afectados a um serviço público e a competência, o processo e os meios de execução previstos nas leis nacionais (artigos 15º e 16º).

A Convenção não define, para os efeitos a que se reporta, o conceito de "navio".

Considerando, porém, o seu desiderato finalístico é legítimo o entendimento que o conceito de navio é utilizado em sentido amplo, abrangente das embarcações de recreio ([105]).

É aplicável aos navios explorados por armador não proprietário ou fretador principal, salvo se o proprietário estiver ilicitamente desapossado e o credor não estiver de boa fé.

Aplica-se às hipotecas, "mortgages", e penhores sobre navios, regularmente estabelecidos segundo as leis do Estado contratante a que o navio pertence, inscritos num registo público, seja da comarca do porto de registo, seja de uma repartição central, e a determinados privilégios creditórios (artigos 1º, e 2º, proémio) ([106]).

As referidas hipotecas, "mortgages" e penhores são considerados válidos e respeitados em todos os países contratantes (artigo 1º).


1.2. Relativamente ao navio e ao frete da viagem de que derivou o crédito e aos acessórios do primeiro, e do segundo desde o início da viagem, gozam do seguinte privilégio, que acompanha o navio, independentemente do possuidor - artigo 8º -, nos termos dos nºs 1º a 5º do artigo 2º:

- as custas judiciais devidas ao Estado e as despesas feitas no interesse comum dos credores para a conservação do navio ou para executar a sua venda e distribuição do respectivo preço;

- os direitos de tonelagem, farolagem e do porto e outras taxas e impostos públicos da mesma natureza;

- as despesas de pilotagem, guarda e conservação do navio desde a sua entrada no último porto, e os créditos resultantes do contrato de arrolamento do capitão, da tripulação e de outras pessoas contratadas a bordo, neste caso sobre o conjunto de fretes devidos por todas as viagens efectuadas durante a vigência do mesmo contrato de arrolamento;

- as remunerações devidas pela salvação e assistência e a contribuição nas avarias comuns;

- as indemnizações por abalroação ou outros acidentes de navegação, por danos nas obras de arte dos portos, docas e vias navegáveis, por lesões corporais aos passageiros e às tripulações e por perdas ou avarias da carga ou de bagagens;

- os créditos provenientes de contratos celebrados ou operações efectuadas pelo capitão fora do porto de matrícula no âmbito dos seus poderes legais para satisfação das necessidades reais de conservação do navio ou da continuação da viagem, independentemente de ele ser ou não proprietário, e do sujeito da titularidade do crédito.


1.3. Os acessórios do navio e do frete, salvo as indemnizações devidas ao proprietário em virtude de contrato de seguro, prémios, subvenções ou outros subsídios nacionais, e abrangendo o preço da passagem, e do direito, nos termos do artigo 4º da Convenção para a limitação de responsabilidade dos proprietários de navios, a que se reporta o seu artigo 2º, são, nos termos do artigo 4º:

- as indemnizações devidas ao proprietário por danos materiais causados ao navio não reparados, ou por perdas de frete ou por avarias comuns, sejam danos materiais sofridos pelo navio não reparados, sejam perdas de frete;

- as remunerações devidas ao proprietário por assistência prestada ou salvação efectuada até ao fim da viagem remanescentes das somas arbitradas ao capitão e a outras pessoas ao serviço do navio.


1.4. À ordem da graduação entre si dos créditos reportam-se os artigos 5º e 6º, e à graduação dos créditos garantidos por hipoteca, "mortgage" ou penhor, no confronto com os créditos privilegiados, o artigo 3º.

À luz desta última disposição, os créditos garantidos por hipoteca, "mortgage" ou penhor são graduados imediatamente a seguir aos créditos garantidos por privilégio.

Os Estados contratantes podem conceder privilégios a outros créditos, para além dos previstos na Convenção, sob condição de não afectarem a graduação nela estabelecida quanto aos créditos garantidos por hipoteca, "mortgage" ou penhor e aos privilégios que lhes preferem.


1.5. Dispõe, por seu turno, o artigo 14º:

"As disposições da presente Convenção serão aplicadas em cada Estado contratante, quando o navio onerado pertencer a um Estado contratante, assim como nos outros casos previstos pelas leis nacionais.
Todavia, o princípio formulado na alínea precedente não prejudica o direito dos Estados contratantes não aplicarem as disposições da presente Convenção a favor dos súbditos de um Estado não contratante" ([107]).

Por força do disposto na primeira parte deste artigo, a regra é no sentido de que os Estados vinculados por esta Convenção têm de a aplicar, verificados que sejam os pressupostos fácticos da sua previsão, nos casos seguintes:

- pertença do navio onerado a um dos Estados contratantes;

- previsão legal da aplicabilidade noutros casos previstos nas leis desses Estados.

E à luz do estatuído na segunda parte deste dispositivo, formulado em termos de excepção, aos Estados contratantes é permitido não aplicar a Convenção a favor dos cidadãos de um Estado a ela não vinculado.

Pertencer a um Estado contratante, para os efeitos da disposição em apreço, não significa que sobre o navio disponha o Estado contratante do direito de propriedade.

Com efeito, conforme resulta do artigo 15º, "a contrario", que a Convenção é aplicável quando os navios não sejam de guerra nem do Estado só afectados ao serviço público, isto é, além do mais, quando seja de particulares a titularidade do direito de propriedade sobre eles.

Assim, para os efeitos previstos na primeira parte do artigo em apreço, o navio pertence a um Estado contratante quando tenha a nacionalidade desse Estado.

A segunda situação de aplicação da Convenção, a que se reporta a primeira parte do artigo, ocorre quando o navio onerado não pertença a um Estado contratante, mas a respectiva "lex fori" estabeleça a sua aplicação.

Parece que a excepção prevista na segunda parte do artigo só tem sentido útil no caso de o navio onerado ter a nacionalidade de um dos Estados contratantes.

Com efeito, no caso de ser o direito interno de um Estado não contratante a estabelecer a aplicabilidade da Convenção, não faz sentido que as normas convencionais salvaguardem o direito da sua inaplicabilidade, certo que isso redundaria em previsão mediata e descabida de excepção de aplicação do direito interno dos Estados não contratantes.

Daí que o sentido da excepção prevista na segunda parte do artigo em apreço é o de que, sendo o navio onerado nacional de um dos Estados contratantes, podem ser preteridas, na sua aplicação, normas da Convenção que concretamente favoreçam as partes nacionais de um dos Estados não contratantes.

E isto só pode ocorrer em nosso entender quando as situações jurídicas em causa, designadamente a pluralidade dos créditos garantidos por hipoteca ou privilégios sobre o navio, não sejam encabeçadas por sujeitos com a nacionalidade de um dos Estados contratantes.

Resulta, pois, da Convenção, com particular relevo na economia do parecer, que ela é aplicável às hipotecas, "mortgages" e penhores incidentes sobre navios com a nacionalidade de um dos Estados contratantes, sem prejuízo da faculdade da preterição da sua aplicação no caso de os beneficiários daquelas garantias não terem a cidadania de um daqueles Estados.


Será que a referida faculdade de preterição de aplicação da Convenção salvaguarda a possibilidade de os Estados contratantes estabelecerem normas de direito material ou de conflitos relativas aos direitos reais de garantia a que ela se reporta no caso de os sujeitos respectivos terem cidadania diversa da de um desses Estados?

Ao formularmos esta questão temos em vista o alcance do estatuído no nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89.

Tendo em conta o espírito das normas da Convenção, a resposta não poderá deixar de ser negativa.

É indubitável que o nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89 visa permitir às partes a escolha da lei material aplicável às hipotecas e direitos equivalentes que, no confronto com a portuguesa e, consequentemente, com Convenção em análise, seja mais favorável à defesa dos seus interesses ([108]).

Ora, visando a Convenção a unificação das regras relativas aos referidos direitos reais de garantia, incidentes sobre navios, e o interesse dos credores, e só facultando aos Estados contratantes a não aplicação das que se revelam favoráveis aos sujeitos das situações jurídicas em causa, certo é que exclui a relevância da sua vontade na escolha do direito material estrangeiro que, em concreto, naturalmente, os favoreceria.

Daí que importe concluir que a segunda parte do artigo 14º da Convenção é incompatível com a solução veiculada pelo nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89.


2. A Convenção de Genebra sobre o alto mar consubstancia a codificação das regras de direito internacional relativas ao mar, adoptadas pela conferência das Nações Unidas sobre o direito do mar, realizada, em Genebra, de 24 de Fevereiro a 27 de Abril de 1958 ([109]).

2.1. O "alto mar" é entendido como as partes do mar não integradas no mar territorial nem nas águas internacionais de um Estado (artigo 1º).

Os Estados, sejam ou não ribeirinhos, têm o direito de fazer navegar, no alto mar, navios arvorando o seu pavilhão (artigo 4º).


2.2. O nº 1 do artigo 5º é do teor seguinte:

"1. Cada Estado fixa as condições pelas quais concede a sua nacionalidade aos navios, e bem assim as condições de registo e o direito de arvorar o seu pavilhão. Os navios possuem a nacionalidade do Estado cujo pavilhão estão autorizados a usar.
Deve existir uma ligação substancial entre o Estado e o navio: o Estado deve, nomeadamente, exercer a sua jurisdição efectiva e a sua fiscalização nos domínios técnico, administrativo e social sobre os navios que arvoram o seu pavilhão".

Do disposto no nº 1 deste artigo importa salientar as seguintes vertentes:

Por um lado que é a cada Estado que cabe, relativamente aos navios, a fixação do condicionalismo de atribuição da nacionalidade e do direito de usar o respectivo pavilhão e de admissão do registo.

Por outro, que entre o navio e o Estado de que arvora o pavilhão deve existir conexão substancial, consubstanciada, além do mais, no exercício da jurisdição efectiva e fiscalização técnica, administrativa e social.

Finalmente, os navios têm a nacionalidade do Estado de que arvoram o pavilhão.

Na sequência do disposto no transcrito normativo, o artigo 10º estabelece que cada Estado, em relação aos navios que arvorem o seu pavilhão, respeitando o disposto nas normas internacionais geralmente aceites e diligenciando quanto à sua execução, deve tomar as medidas necessárias à garantia da segurança no mar, nomeadamente quanto a emprego de sinais, serviços de comunicações, prevenção contra abordagens, composição e condições de trabalho das tripulações, construção e armamento do navio e suas qualidades de mar.


2.3. O artigo 6º estabelece, por seu turno, o seguinte:

"1. Os navios navegam sob o pavilhão de um só Estado e encontram-se submetidos, salvo nos casos excepcionais expressamente previstos pelos presentes artigos, à sua jurisdição exclusiva no alto mar. Nenhuma mudança de pavilhão se pode realizar no caso de uma viagem ou de uma escala, salvo em caso de transferência real de propriedade ou de mudança de registo.

2. Um navio navegando sob os pavilhões de dois ou mais Estados, os quais utiliza conforme a sua conveniência, não pode prevalecer-se, perante qualquer terceiro Estado, de alguma destas nacionalidades e pode ser equiparado a um navio sem nacionalidade".

Do estatuído neste artigo sobressai, por seu turno, o seguinte:

- os navios navegam sob o pavilhão de um só Estado;

- estão sujeitos, no alto mar, em regra, à jurisdição exclusiva desse Estado;

- é proibida a mudança de pavilhão durante uma viagem ou escala, salvo mudança efectiva da titularidade do direito de propriedade ou de registo;

- a utilização alternativa de pavilhão não pode ser oposta a Estados terceiros, podendo o navio ser equiparado a navio sem nacionalidade.


2.4. Dir-se-á, em síntese, em tanto quanto releva directamente na economia do parecer, que o direito internacional público a que a República Portuguesa está vinculada estabelece, no que concerne aos navios que naveguem no mar não territorial e nas águas exteriores a qualquer Estado, que têm a nacionalidade do Estado de que arvorem a bandeira, o qual, por virtude deste vínculo, assume obrigações, além do mais, de vigilância e de adopção de medidas tendentes a assegurar a sua segurança.


XII

1. Finalmente, atente-se no pertinente direito constitucional.

1.1. O artigo 8º da Constituição - CRP - dispõe a propósito do direito internacional, o seguinte:

"1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.

2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.

3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos" ([110]).

O nº 1 reporta–se às normas e princípios de direito internacional geral, ou seja ao costume internacional de âmbito geral e aos princípios fundamentais generalizadamente radicados na consciência jurídica dos povos, designadamente o da boa–fé, a cláusula "rebus sic stantibus", o da proibição do abuso do direito, e o da legítima defesa ([111]).

Tais normas e princípios, em relação aos quais o nº 1 prevê a recepção automática incondicionada, integram o direito interno português com a extensão que têm no plano jurídico internacional.

O nº 2 refere–se, por seu turno, às convenções internacionais, ou seja aos tratados e acordos internacionais, geralmente designados por "tratados solenes", e aos "acordos em forma simplificada", de que Portugal seja parte ([112]).

Os requisitos constitucionais de ratificação ou aprovação reportam–se, obviamente, à validade dos tratados.

Daí que a normação em apreço deva ser entendida no sentido de aceitação da vigência das normas convencionais internacionais como tais e não como normas internas.

Cumprido o condicionalismo da ratificação ou aprovação das convenções nos termos constitucionais, e de publicação no "Diário da República" em conformidade com o artigo 122º, nº 1, alínea b), daquele diploma, elas passam, pois, a vigorar na ordem jurídica interna, sem necessidade de integração em leis internas ou "nacionalização".

Tais normas convencionais ratificadas ou aprovadas segundo o processo legalmente previsto e publicadas no "Diário da República" vigoram, assim, na ordem jurídica interna como fontes autónomas de direito interno (artigos 4º, 15º, nº 3 e 16º, nº 1º, da CRP).

É claro que a vigência das normas convencionais internacionais na ordem jurídica interna portuguesa depende de haverem entrado em vigor na ordem jurídica internacional e de lá não haverem cessado a sua vigência, pois só neste caso o Estado Português fica efectivamente vinculado à sua normação.

Trata–se, pois, de recepção plena ou automática condicionada do direito internacional público na ordem jurídica interna portuguesa ([113]).


2. Suscita–se a questão de saber qual a posição hierárquica da normação internacional prevista no nº 2 do artigo 8º da CRP no âmbito global da ordem jurídica portuguesa.

O artigo 277º, nº 1 da CRP dispõe que são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nesta consignados, sem distinção sobre a sua origem interna ou internacional.

O artigo 277º, nº 2 estabelece, por seu turno, no que concerne aos tratados internacionais, que a sua inconstitucionalidade orgânica ou formal que não resulte de violação de disposições fundamentais queda ineficaz na nossa ordem jurídica interna se forem efectivamente aplicados pelas outras partes.

Tendo em conta que, nos termos do artigo 207º da CRP, não podem os tribunais aplicar as normas internacionais previstas no artigo 8º, nº 2, daquele diploma que sejam inconstitucionais, salvo no limitado caso do nº 2 do artigo 277º, parece claro que a referida normação ocupa na hierarquia de leis uma posição infra–constitucional ([114]).

A CRP é, porém, omissa quanto ao posicionamento das normas do direito internacional público recebidas na ordem jurídica interna e das normas de direito ordinário interno, e a doutrina está dividida quanto a esta questão.

As questões relativas à cláusula da recepção automática do direito internacional público convencional na ordem jurídica interna portuguesa e de posicionamento daquele face ao direito ordinário interno de origem interna são intimamente conexas.

O argumento da solenidade e dignidade do processo de vinculação dos Estados através das convenções internacionais em termos de daí inferir a sua superioridade em relação ao direito interno de origem interna não é, naturalmente, determinante.

O entendimento de que o direito internacional público convencional recebido não pode prevalecer sobre o direito interno português de origem interna porque se traduziria na limitação da soberania do Estado Português, também não é decisivo porque o princípio da soberania manifesta–se quanto ao poder de celebrar ou não convenções internacionais ([115]).

A solução desta questão deverá derivar do próprio texto constitucional, designadamente da interpretação do nº 2 do artigo 8º da CRP.

Resulta da referida disposição, que a vigência das normas convencionais na ordem jurídica interna portuguesa depende da sua vigência no plano internacional, e que aquela não cessa enquanto esta não cessar.

As normas convencionais só deixam de vigorar no plano internacional nos termos do direito internacional, isto é, à luz do estatuído nos artigos 54º e seguintes da Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados, na sequência, por exemplo, da denúncia, suspensão, conclusão de tratado subsequente, extinção do seu objecto ([116]).

Pode inferir–se do segmento normativo "enquanto vincularem internacionalmente o Estado português", inserto na parte final do nº 2 do artigo 8º da CRP, a intenção legislativa da superioridade do direito internacional convencional relativamente ao direito ordinário interno, isto porque para que uma convenção internacional regularmente ratificada ou aprovada e oficialmente publicada não possa deixar de vigorar na ordem jurídica interna enquanto vincular o Estado Português, necessário se torna que o direito ordinário anterior ou posterior em desconformidade não tenha a virtualidade de a revogar ou derrogar ([117]).

Ademais, o próprio princípio "pacta sunt servanda", base essencial do direito internacional público, de que é corolário a regra geral sobre a proibição da invocação das disposições do direito interno como fundamento de incumprimento de Tratados, deverá ser entendido como princípio de direito internacional, a que se reportam os artigos 26º e 27º da CV ([118]).

Valendo o direito internacional público, por força da sua recepção automática e plena, com autonomia, na ordem jurídica interna portuguesa, o princípio de direito internacional "pacta sunt servanda" impõe a conclusão do primado do direito internacional público convencional relativamente ao direito ordinário interno de origem interna ([119]).


3. Face ao primado do direito convencional recebido previsto no artigo 8º, nº 2, da CRP sobre o direito ordinário interno, outra questão se suscita que é a de saber a natureza do vício das normas de direito ordinário interno que disponham diversamente do estatuído nas aludidas normas de direito internacional.

A jurisprudência e a doutrina ainda não chegaram a acordo sobre esta questão, entendendo uns que se trata de inconstitucionalidade, outros de mera ilegalidade e outros de inconstitucionalidade atípica.

A conclusão de que se trata do vício de inconstitucionalidade material assenta no argumento de que infringindo a lei ordinária normas de direito internacional vigente, também infringe o princípio constitucional do primado do direito internacional sobre o direito ordinário interno ([120]).

No quadro da fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, a alínea a) do nº 2 do artigo 280º da CRP estabelece que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de normas constantes de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado ([121]).

Buscando algum apoio no facto de a referida norma constitucional qualificar como ilegalidade o desvalor decorrente da contradição entre o acto legislativo e o parâmetro constituído pelas leis com valor reforçado, extraiu o plenário do Tribunal Constitucional a conclusão de que deve qualificar-se de ilegalidade o vício derivado do facto de uma norma de direito ordinário interno dispor diversamente do estatuído em normas do direito convencional a que Portugal esteja internacionalmente vinculado ([122]).

O caminho percorrido com vista a concluir no sentido do vício da inconstitucionalidade também não tem sido uniforme.

Tem, com efeito, sido afirmado por alguns que a lei ordinária que contrarie o disposto em normação internacional convencional recebida na ordem jurídica interna é afectada do vício de ilegalidade e de inconstitucionalidade, mas que este é o relevante nos termos do artigo 277º, nº 1, da CRP por haver sido violado o princípio constitucional da primazia do direito convencional sobre o direito interno, implicitamente contido no artigo 8º, nº 2, daquele diploma ([123]).

Tem sido entendido por outros que as normas de direito ordinário interno contrárias às de direito convencional recebido na ordem interna violam, em concurso ideal, as normas de direito internacional e as constitucionais definidoras da hierarquia normativa, devendo prevalecer o vício de inconstitucionalidade que absorve o vício de infracção da normação internacional por este ser manifestamente menos gravoso ([124]).

Salientam outros que no caso de o direito ordinário interno infringir o direito convencional recebido, se está perante o vício de inconstitucionalidade directa expressamente contemplado no artigo 277º, nº 1, de CRP porque a violação envolveu não só o princípio do primado do direito internacional previsto no nº 2, como também os princípios da boa fé e "pacta sunt servanda" que fazem parte integrante do direito português por serem princípios de direito geral e comum, a que se reporta o nº 1, ambos do artigo 8º da Constituição ([125]).

A conclusão de que não sofre do vício de inconstitucionalidade mas de mera ilegalidade a lei ordinária interna que contraria o disposto em normas convencionais internacionais vigentes na ordem interna é fundamentada no argumento de que essa violação não afronta directamente a normação constitucional que define a hierarquia normativa, que só sairia violada se a referida lei ordinária isentasse as leis de respeitar o direito internacional ([126]).

A meio caminho entre os entendimentos contrários sobre o vício mencionado – inconstitucionalidade/ilegalidade – se situa quem sustenta ser a sanção para a violação pela lei ordinária interna do direito internacional convencional recebido na ordem interna, anterior ou posterior a este, a invalidade sob a forma de inconstitucionalidade atípica.

Esta posição doutrinária afasta o entendimento do vício da ilegalidade por a lei ordinária interna não infringir outra lei ordinária, mas normas com valor supra legal.

E afasta o entendimento de que se trata do vício de inconstitucionalidade típica ou directa por as normas convencionais infringidas ocuparem um nível inferior ao da Constituição.

A referida questão assume relevo para determinação da competência ou não do Tribunal Constitucional para conhecer o vício enunciado.




Na economia do parecer não releva, porém, uma tomada de posição deste Conselho sobre a polémica aludida, isto porque qualquer que seja a qualificação de vício, dele sempre resulta a conclusão de que as normas de direito ordinário interno que contrariem o disposto em convenções internacionais que vigorem na ordem jurídica interna portuguesa cedem face a estas em razão do princípio do primado do direito internacional público ([127]).

Ademais, a alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 7 de Setembro, estabelece que pode recorrer-se para o Tribunal Constitucional da decisão que recuse a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, recurso esse que, por força do nº 2 do artigo 71º do mesmo diploma, é restrito às questões de natureza jurídico--constitucional e jurídico-internacional implicadas na decisão ([128]).

E o recurso é obrigatório para o Ministério Público quando a norma cuja aplicação haja sido recusada, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, conste, além do mais, de convenção internacional ou de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional (artigo 72º, nº 3, da Lei nº 28/82).


XIII


1. Aqui chegados, importa aproximar as considerações jurídicas expendidas à problemática que é objecto do parecer.

Recorde-se, por um lado, que a questão nuclear a dilucidar é a de saber se a lei estrangeira designada pelas partes para reger a hipoteca sobre navios cede ou não face às normas do direito português relativas à graduação de créditos, e, por outro, que tal questão é suscitada pela nova redacção do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89, enquanto prescreve que as partes podem designar, eficazmente, cumpridos certos requisitos, a lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente sobre navios.


2. A zona franca da Madeira traduz-se, essencialmente, num espaço de livre importação e exportação de mercadorias, ou seja, num enclave territorial em que os aludidos bens são considerados, para efeitos fiscais e aduaneiros, fora do território aduaneiro português.

Ademais, acresce a tal característica, o funcionamento de mecanismos jurídicos específicos reforçantes dos motivos de atracção económica para a Zona, designadamente a atribuição às entidades que nela operam de benefícios fiscais, de serviços e de instrumentos económico-financeiros e jurídicos particularizantes.

Trata-se, pois, de uma zona essencialmente estruturada na base do princípio da extraterritorialidade aduaneira, reforçado pela atribuição de benefícios fiscais e disponibilidade de instrumentos jurídico-económicos específicos pelos operadores respectivos ([129]).

É no quadro do referido espaço jurídico que se insere o Registo Internacional de Navios - MAR.


3. A criação do MAR visou, fundamentalmente, dinamizar a marinha de comércio portuguesa, em crise, e motivar a não deserção de navios portugueses para bandeiras de conveniência, a partir da ideia de internacionalidade que caracteriza a marinha mercante, normalmente exercida em águas internacionais ou em países diversos do do registo dos navios em causa.

Não se trata de um registo de conveniência, com o sentido de adopção de bandeira de conveniência, mas de registo alternativo especial de navios.

É acessível a entidades portuguesas e estrangeiras e a navios com registo anterior em Portugal ou no estrangeiro, e é gratuito.

A actividade de transporte de mercadorias e passageiros entre portos nacionais por navios objecto do aludido registo não é absolutamente proibida.

Os navios objecto de registo no MAR e as entidades titulares de direitos de gozo sobre eles participam das vantagens específicas inerentes à zona franca, no quadro do princípio da extraterritoriabilidade que a envolve.

Tais navios arvoram a bandeira portuguesa e, para qualquer efeito, exercem a sua actividade na zona franca da Madeira.

Os ordenamentos jurídicos do nosso tempo, em geral, incluindo o internacional, configuram os navios sob o vínculo da nacionalidade - nexo de conexão jurídica que os liga a determinado Estado -, não se concebendo um navio sem nacionalidade única ([130]).

O princípio da extraterritorialidade que envolve a zona franca da Madeira e o princípio da internacionalidade que caracteriza o MAR não nos parecem susceptíveis de afectar o atributo da nacionalidade em relação aos navios que nele são objecto de registo.

É que é óbvia a relevância do elemento nacionalidade dos navios no direito interno português de origem interna e internacional, e há razões para crer que o legislador, com a criação do MAR, não pretendeu desvincular-se das convenções internacionais a que Portugal estava vinculado, certo que, a título de exórdio justificativo referiu pretender, por um lado, um registo de qualidade entre os internacionais, por os navios utilizadores arvorarem a bandeira portuguesa e, por outro, que essas convenções obrigavam o MAR.

O princípio da extraterritoriabilidade da zona franca da Madeira assume a sua particular relevância no quadro fiscal e aduaneiro e, fora desse núcleo, não tem, pela sua própria natureza, a virtualidade de afastar as regras jurídicas relativas a outros institutos, como é o caso das que se reportam à nacionalidade dos navios registados no MAR.

De outro modo, havia que concluir-se, em termos marginais aos interesses pressupostos pelo estatuto internacional dos navios, que os registados no MAR não tinham nacionalidade.

Assim, não obstante as particularidades da zona franca da Madeira e do MAR, não pode deixar de se concluir que os navios que no MAR são objecto de registo, e, portanto num espaço jurídico português, são, para os pertinentes efeitos, de nacionalidade portuguesa, comprovável pelo arvorar da bandeira portuguesa e documentos de bordo.

Outra solução seria, aliás, contrária à Convenção sobre o alto mar, de 28 de Outubro de 1958, a que a República Portuguesa está internacionalmente vinculada, segundo a qual os navios tem a nacionalidade dos Estados de que arvorem o pavilhão.

Nesta perspectiva, impõe-se a conclusão de que os navios registados no MAR têm com a República Portuguesa o vínculo de nacionalidade portuguesa ([131]).


4. Em geral, quando uma situação jurídica só se ache conexionada, através de qualquer um dos seus elementos - sujeitos, vontade destes, objecto, facto jurídico -, com a ordem jurídica portuguesa, certo é inexistir uma questão privada internacional, sendo, então, exclusivamente aplicável o direito material português.

Assim, e abstraindo do regime do MAR e do derivado do direito internacional a que a República Portuguesa está vinculada, as normas jurídicas de direito material aplicáveis à hipoteca sobre navios são as previstas no ordenamento jurídico português.

No caso de existir a referida conexão internacional e abstraindo também aqui dos referidos regimes, à hipoteca sobre navios é aplicável, nos termos do proémio e do § 2º do artigo 488º do Código Comercial, a lei da nacionalidade do navio em causa que vigore ao tempo da aquisição do direito.

O regime de direito substantivo do ordenamento jurídico designado pela aludida norma de conflitos inclui as regras de graduação de créditos implicadas pelo instituto da hipoteca ou direito equivalente no confronto com outras garantias reais ou preferencias de pagamento, designadamente os privilégios creditórios que esse sistema jurídico consagre.

O "mandato" conferido pelas normas portuguesas de conflitos ao direito estrangeiro para regular as situações jurídicas internacionais envolve, como é natural, a possibilidade de o tribunal português se confrontar com normas aplicandas de conteúdo manifestamente violador dos princípios fundamentais da ordem pública do Estado.

Rege, no caso, o artigo 22º do Código Civil, em termos de possibilidade de recusa de aplicação normativa, ou seja pelo mecanismo de excepção da ordem pública.

No quadro da graduação de créditos garantidos por hipoteca, direito equivalente ou privilégios à luz de ordenamentos jurídicos estrangeiros, e considerando os vários privilégios creditórios consagrados no ordenamento jurídico português, uns atribuídos em razão da qualidade de pessoas e outros da natureza dos créditos, relevando alguns de natureza social, é configurável a verificação do conflito pressuposto pela reserva de ordem pública.

Mas esta questão não pode resolver-se, como é óbvio, em abstracto, certo que a resolução depende do confronto dos ordenamentos jurídicos em causa face à situação jurídica concreta regulanda.

À míngua de tal concretização, não é possível a este corpo consultivo pronunciar-se sobre a problemática da reserva de ordem pública, e isto vale, naturalmente, para a questão eventualmente suscitável pelo funcionamento do disposto no nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89.


5. Mas a República Portuguesa subscreveu a Convenção Internacional para a Unificação de Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos de 10 de Abril de 1926, aplicável às hipotecas, "mortgages", penhores e privilégios creditórios incidentes sobre navios, designadamente na vertente da graduação de créditos garantidos por aqueles institutos.

Como a referida Convenção ainda vigora na ordem jurídica internacional e a República Portuguesa a não denunciou, certo é que, nos termos do nº 2 do artigo 8º da Constituição, rege na ordem jurídica interna portuguesa como fonte autónoma de direito interno.

Vale com autonomia na ordem jurídica portuguesa, por força da sua recepção automática e plena e, daí, à luz do princípio de direito internacional "pacta sunt servanda", o seu primado relativamente ao direito ordinário interno de origem interna, designadamente, além do mais, face ao disposto no Código Comercial sobre a matéria, não só quanto às normas de conflitos do artigo 488º, como também quanto ao regime de graduação de créditos hipotecários e privilegiados a que se fez referência.

Nos termos do artigo 14º da Convenção, são necessariamente aplicáveis em Portugal, além de mais, quando se trate de navios de nacionalidade portuguesa, as suas normas concernentes a hipotecas ou direitos equivalentes, penhores e privilégios creditórios sobre navios, incluindo as relativas à respectiva graduação.

E o ordenamento jurídico português não contém normas que estabeleçam a inaplicabilidade da Convenção aos sujeitos das situações jurídicas relativas àquelas garantias sobre navios não nacionais de um dos Estados contratantes.

Com efeito, só existe, para o caso de inaplicabilidade da Convenção, o disposto no artigo 488º do Código Comercial, que determina a aplicação às questões sobre propriedade, privilégios e hipotecas sobre os navios, da lei da nacionalidade destes.


6. E chegou o momento de confrontar as questionadas normas do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89 com as da Convenção em causa e do nº 2 do artigo 8º da Constituição.

O disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89 consubstancia-se em normas de direito interno relativas à forma do contrato de compra e venda e dos negócios jurídicos relativos à hipoteca e à "mortgage", em postura de conformidade com o princípio consignado no nº 3º do artigo 4º do Código Comercial e no da suficiência, temperado por aqueloutro do "favor negotii", inserto no nº 1 do artigo 36º do Código Civil.

Não está em causa, no que concerne àquelas normas, qualquer conflito com a Convenção, e na consulta não se suscita, neste ponto, qualquer questão.

Por outro lado, é para nós indubitável que as regras adjectivas relativas à graduação de créditos são as da "lex fori".

Do estatuído nos nºs 3 a 5 resulta, porém, além do mais, como já se referiu, por um lado, poderem as partes designar a lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente, e por outro, que a eficácia dessa designação pressupõe a sua inscrição registral conjuntamente com a da hipoteca, e, finalmente, que a inscrição do direito estrangeiro depende da junção, ao requerimento de registo, de instrumento documental das normas escolhidas, traduzido e assinado pelas partes, salvo, quanto à tradução, se o conservador a dispensar ou determinar a sua feitura por perito de sua escolha.

Ademais, e como consequência do facto de as partes não designarem a lei aplicável ou, designando-a, não inscreverem a designação no registo comercial, prescreve-se ser aplicável aos aludidos negócios jurídicos a lei portuguesa, ou seja, o regime de direito substantivo português.

A estrutura do conjunto normativo em análise parece configurar-se como bifronte, no sentido de abranger situações jurídicas de conexão verdadeiramente internacional e situações meramente conexas com a ordem jurídica portuguesa.

De todo o modo, as aludidas normas funcionam, realmente, como normas de conflitos, inserindo o elemento de conexão vontade das partes na escolha da lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente em alternativa à aplicação da lei portuguesa.

Como o elemento de conexão utilizado pela norma é a vontade das partes, está fora de causa a problemática da remissão simples ou global ([132]).

Com efeito, não faz qualquer sentido que as partes pretendam regular os seus interesses segundo a lei material que mais lhes convenha e omitam a sua concretização através da referência global a normas de conflito e de direito material.

A escolha pelas partes da lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente a que alude o normativo em análise, tem, pois, em vista o direito material com exclusão das normas de conflitos.

Só que, como já se referiu, a República Portuguesa está vinculada à Convenção aludida, em que o elemento de conexão instrumental da designação da lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente sobre navios, incluindo os seus efeitos no quadro de graduação de créditos, é a nacionalidade do navio em causa.

E o estabelecimento do elemento de conexão "vontade das partes" como veiculador da determinação da lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente não é, obviamente, salvaguardado pela segunda parte do artigo 14º daquela Convenção.

E como assim é, o estatuído nos nºs 3, 4 e 5 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89 viola o estatuído na Convenção, designadamente nos seus artigos 1º, 2º, proémio, e 14º e, consequentemente, o disposto no nº 2 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.

O vício de que enfermam as referidas normas - ilegalidade, inconstitucionalidade ou outro - face ao concurso de credores com garantia real sobre navios registados no MAR implica a sua inaplicabilidade pelos tribunais portugueses e, consequentemente, a da lei estrangeira eventualmente designada pelas partes para reger a hipoteca ou direito equivalente, mesmo que ainda não haja decisão do Tribunal Constitucional a declará-lo - artigo 207º da CRP ([133]).


XIV

Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:

1ª - A zona franca da Madeira é legalmente entendida como o enclave territorial em que as mercadorias lá existentes são, em regra, consideradas exteriores ao território aduaneiro para efeitos de aplicação de direitos aduaneiros, restrições quantitativas ou medidas de efeito equivalente - artigos 3º do Decreto-Lei nº 500/80, de 20 de Outubro, e 1º, nº 1, do Decreto Regulamentar nº 53/82, de 23 de Agosto;

2ª - O Registo Internacional de Navios da Madeira - MAR funciona em relação aos navios como registo de natureza especial;

3ª - Para os efeitos daquele registo, o conceito de navio abrange as embarcações de comércio e as auxiliares e de recreio, que operem no meio ambiental marinho, incluindo plataformas fixas ou flutuantes e rebocadores - artigo 5º, alínea e), do Decreto-Lei nº 96/89, de 2 de Março;

4ª - Os navios registados no MAR arvoram a bandeira portuguesa e entende-se, para todos os efeitos, que exercem a sua actividade no âmbito da zona franca da Madeira - artigo 6º do Decreto-Lei nº 96/89;

5ª - Os princípios da extraterritorialidade, que envolve a zona franca da Madeira, e da internacionalidade caracterizante do MAR, que têm incidência particularizada no quadro aduaneiro e fiscal e de incentivos económico-financeiros à actividade da marinha de comércio, não afectam o regime da nacionalidade dos navios;

6ª - Os navios registados no MAR têm a nacionalidade portuguesa;

7ª - A Convenção Internacional para a Unificação de Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos, de 10 de Abril de 1926, é aplicável às hipotecas, "mortgages" e penhores sobre navios regularmente estabelecidos segundo a lei de um dos Estados contratantes a que o navio pertença, incluindo a graduação dos créditos correspondentes, no confronto com outros créditos garantidos por privilégio creditório (artigos 1º a 3º, e 5º e 6º);

8ª - As disposições da aludida Convenção são aplicáveis em cada Estado contratante quando o navio onerado tiver a nacionalidade de um deles (artigo 14º, 1ª parte);

9ª - A República Portuguesa está internacionalmente vinculada à Convenção (Decreto nº 19 857, de 18 de Maio de 1931, e Carta de Adesão, de 12 de Dezembro de 1931, publicados no "Diário do Governo", de 2 de Junho de 1932);

10ª - A previsão normativa de que as partes podem designar a lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente sobre navios registados no MAR constante do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89 contraria o estatuído no artigo 14º daquela Convenção e no nº 2 do artigo 8º da CRP;

11ª - No concurso de credores subsequente à penhora de navios registados no MAR, não podem os tribunais portugueses aplicar, em preterição da referida Convenção, a lei estrangeira relativa à hipoteca ou direito equivalente que as partes hajam eventualmente designado à luz do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89 (artigo 207º da CRP).




VOTOS


(António Gomes Lourenço Martins) Vencido quanto às conclusões 10ª e 11ª, e respectiva fundamentação, particularmente a constante do ponto XI, nº 1.5., e também quanto ao discurso por temas sem directo interesse para a consulta.
De acordo com o artigo 14º da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimas (1926),
"As disposições da presente Convenção serão aplicadas em cada Estado contratante, quando o navio onerado pertencer a um Estado contratante, assim como nos outros casos previstos pelas leis nacionais.
Todavia, o princípio formulado na alínea precedente não prejudica o direito dos Estados contratantes não aplicarem as disposições da presente Convenção a favor dos súbditos de um Estado não contratante".
Estamos de acordo e aceitamos que o facto de um navio "pertencer a um Estado contratante" tem o sentido de tal navio possuir a nacionalidade desse Estado.
Admitimos, por outro lado, com MENEZES CORDEIRO- pág. 59 do Parecer junto ao processo de consulta -, que a lei competente para regular a hipoteca ou figuras próximos, como é o caso do "mortgage", é a mesma que para a graduação do crédito hipotecário.
No artigo 1º da Convenção de Bruxelas de 1926 estabelece-se que as "hipotecas, mortgages, penhores sobre navios...inscritos num registo público...serão considerados como válidos e respeitados em todos os outros Países contratantes".
No artigo 2º fixam-se alguns privilégios sobre o navio, o frete de viagem e acessórios do navio e do frete.
É no artigo 3º que se estipula a regra substantiva de que as hipotecas e os outros ónus são graduados imediatamente depois dos privilégios enumerados no artigo 2º. Acrescenta-se neste artigo 3º que as leis nacionais podem conceder privilégios a outros créditos mas sem modificar a graduação reservada aos créditos garantidos por hipotecas, mortgages ou penhores e aos privilégios que lhes preferem.
Quer dizer, a graduação prevista pelo artigo 3º para as hipotecas, etc., é fixada pela Convenção e imodificável pela lei nacional.
Voltemos então ao disposto no artigo 14º da Convenção, conjugando-o com os nºs 3, 4 e 5, do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89, de 28 de Março, cerne da consulta.
Diz-se nos nºs 3 e 5 deste último preceito, que as partes (em princípio, os proprietários ou armadores dos navios) podem designar a lei aplicável à hipoteca ou direito equivalente; não o fazendo a situação é regida pela lei portuguesa.
Várias hipóteses serão possíveis, sempre a partir de um navio de nacionalidade portuguesa, mas haverá pelo menos três a mencionar, talvez as mais frequentes: 1) credor e devedor da hipoteca sobre o navio são ambos nacionais do Estado Português; 2) o credor hipotecário é súbdito de país contratante da Convenção de Bruxelas; 3) o credor hipotecário é súbdito de país não contratante da Convenção de Bruxelas.
No primeiro caso, não havendo elementos de conexão com o ordenamento jurídico estrangeiro, poderia contudo dizer-se admissível em face do disposto no artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89, o qual afastaria a aplicação dos artigos 41º e 46º, nº 3, do Código Civil e, em especial, o artigo 488º do Código Comercial.
No segundo caso, aplica-se de pleno a Convenção de Bruxelas de 1926, pelo que a escolha ou designação de outra lei que não o regime estipulado na Convenção ficaria afectada pelo mesmo vício referido para o primeiro caso. Porém, a escolha do regime da Convenção de Bruxelas é perfeitamente conforme com o ordenamento jurídico.
No terceiro caso, pode bem suceder que o credor hipotecário (súbdito de país não signatário da Convenção) tenha interesse na designação da lei do seu país para regular materialmente a hipoteca e graduação dos créditos.
Sucederá normalmente que esse regime se lhe mostra mais favorável mas também pode ocorrer que o conhece melhor e não deseja correr riscos de imprecisão ou insegurança.
É admissível tal remissão?
Em abstracto não se poderá dizer que o não seja. E o segundo parágrafo do artigo 14º da Convenção de Bruxelas, a nosso ver, aponta para isso.
Haverá, então, em concreto, - se a questão subir em litígio - que averiguar se o direito material escolhido ofende os princípios da ordem pública internacional e nacional - § único do artigo 4º do Código Comercial e artigos 22º e 280º, 2, ambos do Código Civil.
Segundo o que se conseguiu entender do Parecer, num negócio jurídico com súbdito de Estado não parte da Convenção de Bruxelas, haveria que actuar em alternativa: ou as cláusulas da Convenção são favoráveis aos sujeitos (ao credor hipotecário, diríamos nós) em confronto com outro regime e podem ser afastadas ou não são mais favoráveis (leia-se desfavoráveis) e são proibidas.
A nosso ver, a interpretação do artigo 14º da Convenção deverá ser, no essencial, a seguinte: entre os Estados Partes da Convenção de Bruxelas aplica-se o regime da Convenção directamente ou por remissão da lei nacional; nos negócios com súbditos de Estados não Partes podem não ser aplicáveis as regras da Convenção sejam elas favoráveis ou desfavoráveis a esses súbditos.
Parecer-nos-ia absurdo que não se aplicasse a Convenção a súbditos de Estados não Partes porque o regime lhes era (excessivamente) favorável e, do mesmo passo, se impedisse um regime de direito estrangeiro que fosse mais favorável para o devedor, proprietário de navio de nacionalidade portuguesa.
De qualquer modo, se não se aplicarem essas regras da Convenção outro direito regerá as relações jurídicas, que não necessariamente o direito nacional português, e, nesse caso, pode ser direito estrangeiro, em face do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 96/89, de 28 de Março. Desde que, então, não fira princípios ou regras de ordem pública internacional e nacional.
Provavelmente, o mais adequado ao referido segundo parágrafo do artigo 14º da Convenção de Bruxelas seria que o Estado Português formulasse uma declaração formal das circunstâncias da não aplicação, para conhecimento dos interessados e que lhes permitisse agir em conformidade.
Seja como seja, o que, em nossa opinião, não se pode afirmar é que o nº 3 do nº 14 do Decreto-Lei nº 98/89 contraria, "tout court" o artigo 14º da Convenção de Bruxelas e a CRP.
Com efeito, temos como seguro que existe um leque de hipóteses de uso daquele nº 3 em sintonia com a Convenção de Bruxelas de 1926 e, consequentemente, sem violação de princípios constitucionais.

(António Silva Henriques Gaspar) Vencido pelas razões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. António Gomes Lourenço Martins.


NOTAS


[1]) Documento junto ao processo.

[2]) Idem.

[3]) Exórdio do Decreto-Lei nº 500/80.

[4]) A zona franca da Região Autónoma dos Açores, na Ilha de Santa Maria, foi regulamentada pelo Decreto Regulamentar nº 54/82, de 23 de Agosto.

[5]) Exórdio do decreto Regulamentar nº 53/82.

[6]) O Decreto-Lei nº 234/88 foi alterado pelo Decreto-Lei nº 50/95, de 16 de Março, mas em termos de a alteração não relevar na economia do parecer.

[7]) Esta disposição resultou do artigo único do Decreto-Lei nº 225/95, de 8 de Setembro.

[8]) A alteração incidiu sobre os artigos 13º, 15º, 18º, 23º, 27º e 30º.

[9]) Exórdio do Decreto-Lei nº 352-A/88.

[10]) FRANÇOIS RIGAUX et MARC FALLON, "Droit International Privé, Droit Positif Belge", Tomo II, Bruxelles, 1993, pág. 459.

[11]) A actual redacção do Decreto-Lei nº 215/89 resultou dos artigos 36º, nº 1, alínea b), da Lei nº 2/92, de 9 de Março, 1º, nº 3, da Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, 1º do Decreto-Lei nº 84/93, de 18 de Março, e único do Decreto-Lei nº 37/94, de 8 de Fevereiro.

[12]) Revogou o Decreto-Lei nº 163/86, de 26 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis nºs 197/88, de 31 de Maio, e 35/89, de 1 de Fevereiro, que permitiu a constituição e funcionamento na Região Autónoma da Madeira de sucursais financeiras de instituições nacionais ou estrangeiras, sem prejuízo das autorizações concedidas ao abrigo daquele diploma (artigo 5º).

[13]) No fretamento a casco nú, o fretador obriga-se, mediante o pagamento de um preço, por tempo definido, a colocar à disposição de um afretador, um navio determinado, sem armamento nem equipamento ou com armamento e equipamento incompletos (MÁRIO RAPOSO, "Fretamento e Transporte Marítimo - Algumas Questões", "Boletim do Ministério da Justiça", nº 340, págs. 17 a 52.
Sobre o agente transitório, veja-se GARCIA MARQUES, "Discurso", "Boletim do Ministério da Justiça", nº 360, págs. 5 a 9, e, sobre o fretamento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Maio de 1980, publicado no mesmo "Boletim", nº 297, pág. 376.

[14]) Exórdio do Decreto-Lei nº 287/83.

[15]) Sobre navios e armadores estrangeiros, pode ver-se o parecer nº 80/79, de 22 de Novembro de 1979, deste corpo consultivo, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 297, págs. 50 e segs..

[16]) Ratificado com emendas pela Lei nº 49/77, de 20 de Julho, e alterado pelo Decreto-Lei nº 218/82, de 27 de Julho.

[17]) Exórdio.

[18]) A Portaria nº 287/87, de 7 de Abril, elencou as mercadorias essenciais ao abastecimento do País e prescreveu serem também como tal consideradas as importadas para transformação e subsequente exportação.

[19]) MARTINE REMOND-GOUILLOUD, "Droit Maritime", Paris, 1988, págs. 17, 18 e 55, que neste passo seguiremos de perto.

[20] RENÉ RODIÈRE e EMMANUEL du PONTAVICE, "Droit Maritime", Paris, 1991, págs. 46 e 47; e MARTINE REMOND–GOUILLOUD, obra citada, pág. 55.

[21]) Foi alterado pelo Decreto-Lei nº 393/93, de 23 de Novembro, no que concerne aos artigos 1º, 3º a 6º, 8º. 14º, 17º e 20º, e 2º e 10º, estes em termos de revogação.
No exórdio refere-se que a criação do registo visou proporcionar aos armadores condições de competitividade análogas às prevalecentes no mercado internacional, no que respeita à segurança da navegação, à prevenção da poluição pelos navios e condições do trabalho a bordo, e que a introdução de ajustamentos visa atingir com maior eficácia aqueles objectivos e daí as alterações de ordem técnica consideradas necessárias à dinamização e atractividade do registo.
Sobre esta matéria, cfr. JOSÉ M. P. VASCONCELOS ESTEVES, "Direito Marítimo, Introdução, Armamento, Navio, Comandante, Piloto", vol. I, Lisboa 1990, págs. 53 a 55.

[22]) O proprietário do navio é o titular do direito de propriedade sobre ele, o armador é a entidade que explora comercialmente o navio de que é proprietário ou afretador, e o afretador é quem explora comercialmente o navio em nome alheio (artigos 5º, alíneas b) a d), do Decreto-Lei nº 96/89).

[23]) Sublinhado nosso.

[24]) O Decreto-Lei nº 34/87, de 20 de Janeiro, versa sobre medidas de apoio ao reapetrechamento e desenvolvimento da marinha de comércio português.

[25]) A Portaria nº 715/89, de 23 de Agosto, aprovou o regulamento relativo ao MAR.
Com o pedido inicial de registo, a que não obsta o facto de o navio se encontrar surto em qualquer porto nacional ou estrangeiro onde possa ser realizada a vistoria inicial, deve o interessado entregar a documentação e informação, designadamente sobre a titularidade da propriedade e/ou da afretação, o nome pretendido, os contratos, hipotecas ou ónus que incidam sobre o navio (artigos 1º, alínea a) e b), e 5º).
A letra designativa do porto de registo é a "M", e o porto de registo do MAR é designado, sob o nome do navio, pela expressão "MADEIRA" (artigo 10º).
A área de navegação tem em conta o porto ou águas em que os navios operam o tráfego que efectuam (artigo 11º).

[26]) O nº 1 do artigo 10º do Decreto nº 67-967, de 27 de Outubro de 1967, estabelece, para a França, que "tout acte constitutif, translatif ou extinctif de la proprieté ou de tout autre droit réel sur un navire francisé, doit, à peine de nullité, être fait par écrit".

[27]) A. MENEZES CORDEIRO refere, no "Parecer" junto ao processo, pág. 64, que o anteprojecto relativo ao artigo 14º deste diploma, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 393/93, de 23 de Novembro, remetia a graduação das hipotecas nele reguladas para a Convenção de Bruxelas.

[28]) Os seus artigos 46º, nºs 3 e 4, 49º, 50º, nº 1 e 53º foram revogados pelo artigo 15º do Decreto-Lei nº 150/88, de 28 de Abril.
Ademais:
A Portaria nº 607/79, de 22 de Novembro, alterou a alínea b) do artigo 27º e os nºs 2 do artigo 28º e 29º, e o Decreto-Lei nº 278/87, de 7 de Julho, revogou os artigos 21º, 34º, 42º, 47º, com excepção do nº 2, 48º, nº 2 do artigo 50º os artigos, 52º, 56º, 57º, 229º e 230º na parte concernente às embarcações de pesca.
A Lei nº 35/86, de 4 de Setembro, que reinstituiu os tribunais marítimos, revogou as alíneas oo) e qq) do nº 1 do artigo 10º e os artigos 206º a 228º, depois de as normas do nº 1 do artigo 206º e do nº 5 do artigo 209º haverem sido declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 178/86, publicado no "Diário da República", I Série, de 23 de Junho de 1986;
- O Decreto-Lei nº 162/88, de 14 de Maio, alterou os artigos 108º, 115º, 137º, 145º e 147º.
- O Decreto-Lei nº 284/88, de 12 de Agosto, alterou o artigo 128º, nº 2, relativamente ao certificado de navegabilidade de algumas embarcações de comércio.
O Decreto-Lei nº 55/89, de 22 de Fevereiro, aditou o artigo 81º-A.

[29]) As embarcações de comércio são de longo curso, de cabotagem costeira internacional, costeira nacional e de tráfego local; as de pesca, do largo, costeira e local, e as auxiliares ou rebocadores e de recreio, do alto, costeira e local (Portaria nº 1164/95, de 22 de Setembro).

[30]) Na sequência do RGC foram ainda publicados os seguintes diplomas:
- A Portaria nº 450/77, de 21 de Julho, que estabelece que a fiscalização das condições de segurança do aparelho de carga e descarga das embarcações mercantes nacionais e estrangeiras e aprovou o seu certificado de prova;
- O Decreto-Lei nº 296/78, de 27 de Setembro, que aprovou a emissão do passaporte de embarcação;
- O Decreto-Lei nº 300/84, de 7 de Setembro, que definiu a orgânica do sistema da autoridade marítima;
- A Portaria nº 635/85, de 23 de Agosto, que aprovou o modelo de impresso para registo e uso da bandeira portuguesa de embarcações de comércio estrangeiro tomadas de fretamento em casco nú;
- A Portaria nº 193/89, de 8 de Março, que estabeleceu sobre a reforma do registo das embarcações de pesca por mudança de classificação para embarcações auxiliares;
- O Decreto-Lei nº 249/90, de 1 de Agosto, que dispôs sobre embarcações de alta velocidade.
- O Decreto-Lei nº 248/95, de 21 de Setembro, que criou, na estrutura do Sistema de Autoridade Marítima, a Polícia Marítima.
- A Portaria nº 1164/95, de 22 de Setembro, que fixou o valor das taxas devidas pelos serviços previstos no Regulamento de Serviço Radioeléctrico das Embarcações.

[31]) No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Novembro de 1977, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 271, págs. 251 e seguintes, considerou-se que, para efeitos de abalroamento, as gruas flutuantes são consideradas navios ou embarcações.
No mesmo sentido, e para os efeitos dos artigos 664º a 675º do Código Comercial, pode ver-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Janeiro de 1977, sumariado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 265, pág. 269.

[32]) CUNHA GONÇALVES, "Comentário ao Código Comercial Português" vol. III, Lisboa, 1918, pág. 88.

[33]) AZEVEDO DE MATOS, "Princípios de Direito Marítimo", vol. I, Lisboa, 1955, págs. 33 a 38.

[34]) Aprovado por Carta de Lei de 29 de Junho de 1888.

[35]) Sobre esta matéria, pode ver-se AZEVEDO MATOS, obra citada, vol. I, págs. 38 e 49.

[36]) RODRIGO URÍA, "Derecho Mercantil", Madrid, 1992, págs. 1033 a 1035.
O nº 1 do artigo 206º do Código Civil define "coisa composta ou universalidade de facto a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário", e o nº 2 prescreve que "as coisas singulares que constituam a universalidade podem ser objecto de relações jurídicas próprias".

[37]) Sobre a hipoteca em geral, veja-se:
VAZ SERRA, "Hipoteca", "Separata do Boletim do Ministério da Justiça" nºs. 62 e 63, Lisboa, 1957; A. MENEZES CORDEIRO, "Direitos Reais", Lisboa, 1993, págs. 754 e 755; BUENAVENTURA CAMY SÁNCHES-CAÑETE, "Garantias Patrimoniales, Estudio Especial de la Hipoteca, Madrid, 1993, págs. 343 a 345; ANTUNES VARELA, "Das Obrigações em Geral", vol. II, Coimbra, 1990, págs. 533 a 544; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, "Direito das Obrigações", Coimbra, 1991, págs. 792 a 807; PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE", "Garantias de Cumprimento", Coimbra, 1994, págs. 71 a 79.

[38]) A. MENEZES CORDEIRO, obra citada, págs. 755 e 756.

[39]) A hipoteca de aeronaves - balões cativos ou livres, papagaios, dirigíveis , aviões e hidroaviões - está prevista nos artigos 205º e 206º do Regulamento de Navegação Aérea, aprovado pelo Decreto nº 20 062, de 13 de Julho de 1931.
A Convenção Relativa ao Reconhecimento Internacional de Direitos sobre Aeronaves, concluída em Genebra em 19 de Junho de 1948, foi aprovada para ratificação pelo Decreto do Governo nº 33/85, de 4 de Setembro.
O seu artigo 1º estabelece, além do mais, que os Estados Contratantes se comprometem a reconhecer as hipotecas, "mortgages" e direitos similares sobre uma aeronave, criados convencionalmente para garantia do pagamento de uma dívida, desde que constituídos de acordo com a lei daquele em que a aeronave esteja matriculada.
A sujeição a registo da hipoteca sobre veículos automóveis bem como a sua modificação ou cessão dela ou do grau de prioridade do respectivo registo consta, actualmente, do artigo 5º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro.

[40]) Nos termos do nº 2 do artigo 691º do Código Civil, a garantia resultante da hipoteca de fábricas abrange os mecanismos e demais móveis inventariados no título constitutivo, mesmo que em relação aos imóveis não sejam partes integrantes.

[41]) A. MENEZES CORDEIRO, obra citada, págs. 759 a 761.

[42]) Segundo a alteração resultante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 163/95, de 13 de Julho.

[43]) Sobre o registo de hipotecas, pode ver-se J. A. MOUTEIRA GUERREIRO, "Noções de Direito Registral", Coimbra, 1994, págs. 222 a 225.

[44]) Sobre esta medida, pode ver-se ISABEL PEREIRA MENDES, "Código do Registo Predial", Coimbra, 1992, págs. 34, 44, 48, 121 e122, e 172 a 178.

[45]) O nº 1 do artigo 204º do Código Civil estabelece que são coisas imóveis os prédios rústicos e urbanos, e suas partes integrantes, as águas, as árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo e os direitos que lhes são inerentes.

[46]) Os artigos 586º, 587º deste diploma reportam-se, respectivamente, a quem pode constituir a hipoteca e à que incide sobre navios em construção ou a construir, e os artigos 593º e 594º prescrevem, aquele que as hipotecas sobre navios estão sujeitas a expurgação nos termos de direito, e este que, no caso de perda ou inavegabilidade do navio, os direitos dos credores hipotecários se exercem no que dele restar e sobre a respectiva indemnização devida pelos seguradores.

[47]) O artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 403/86, de 3 de Dezembro, diploma que aprovou o Código do Registo Comercial, revogou os "Decretos-Leis nºs 42644 e 42645, mas o nº 2 daquele artigo ressalvou a vigência das disposições relativas a navios até à publicação da nova legislação sobre a matéria, que ainda não ocorreu.

[48]) CARNEIRO PACHECO, "Dos Privilégios Creditórios". Coimbra, 1914, págs. 18 a 37.

[49]) VAZ SERRA, "Boletim do Ministério da Justiça", nº 62, págs. 5 e segs.

[50]) GUILHERME MOREIRA, "Instituições de Direito Civil Português", vol. II, Coimbra, 1911, págs. 348 a 353.

[51]) O artigo 203º do Código Civil classifica as coisas em móveis e imóveis; a expressão "mobiliários e imobiliários" deriva da classificação das coisas que constava do artigo 377º do Código Civil de 1867.

[52]) Sobre este tema pode ver-se A. LUÍS GONÇALVES, "Privilégios Creditórios: Evolução Histórica, Regime e sua Inserção no Tráfico Creditício", "Boletim da Faculdade de Direito", Universidade de Coimbra, vol. LXVII, Coimbra, 1991, págs. 29 a 46.

[53]) O artigo 25º do Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969 - Lei do Contrato de Trabalho - prescreve que "os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da violação ou cessação dele, pertencentes ao trabalhador, gozam do privilégio que a lei geral consagra".

[54]) O nº 2 deixou de ter campo de aplicação por virtude da abolição da enfiteuse relativa a prédios rústicos pelo Decreto-Lei nº 195-A/76, de 16 de Março.
O mesmo ocorre em relação ao artigo 740º por virtude da abolição da enfiteuse sobre prédios urbanos, pelo Decreto-Lei nº 233/76, de 2 de Abril.

[55]) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", vol. I, Coimbra, 1987, págs 769 e 770.

[56]) A vertente adjectiva da graduação de créditos - convocação de credores e reclamação - consta da Secção III, Capítulo I, Subtítulo II, Título III, do Código de Processo Civil, integrada pelos artigos 864º a 871º.
O projecto de 1995 de Revisão do Código de Processo Civil introduz alterações de pormenor na alínea a) do nº 1 do artigo 864º, nos nºs 2 dos artigos 865º e 866º, no artigo 867º, nos nºs 2 e 4 do artigo 868º, e nos nºs 2 dos artigos 869º e 871º.
Inseriu, de novo, o nº 5 do artigo 868º, e revogou o nº 1 do artigo 870º, o qual ficou com o conteúdo do nº 2 ampliado.
Mantém-se a estrutura do concurso delineada pelo Código de Processo Civil de 1961, no quadro da acção executiva tendencialmente singular, movida por determinado credor, com vista à satisfação do seu direito de crédito, consubstanciando a intervenção limitada dos credores com garantia real sobre os bens penhorados, como corolário do princípio consignado no nº 2 do artigo 824º do Código Civil, segundo o qual são vendidos livres dos respectivos direitos reais de garantia, que caducam no momento da venda, e dos credores comuns que hajam obtido penhora sobre eles, nos termos do artigo 871º do Código de Processo Civil.
Sobre esta matéria pode ver-se LOPES MOREIRA, "Guia Auxiliar para a Graduação de Créditos", Lisboa, 1954; CASTRO MENDES, "Acção Executiva" edição de AAFDL, Lisboa, 1980, págs. 155 a 174; ANSELMO DE CASTRO, "Acção Executiva Singular, Comum e Especial", Coimbra, 1970, págs. 264 a 269; EURICO LOPES CARDOSO, "Manual da Acção Executiva", Coimbra, 1992, págs. 865 a 500; MANUEL AUGUSTO GAMA PRAZERES, "Do Concurso de Credores e da Verificação dos Créditos nos Actuais Códigos Civil e do Processo Civil", Braga, 1978; e FRANCISCO RODRIGUES PARDAL, "Reclamação, verificação e Graduação de Créditos em Processo de Execução Fiscal", "Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal", nº 37, Lisboa, 1965.

[57]) Sobre o contrato de trabalho a bordo dos navios de comércio, vejam-se os dois Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Setembro de 1990, publicados no "Boletim do Ministério da Justiça" nº 399, págs. 368 e 375, e sobre assistência e salvação de navios, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 19 de Junho de 1979, publicado naquele "Boletim", nº 288, pág. 431.

[58]) Sobre a graduação de créditos com privilégio creditório sobre navio, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. de 24 de Maio de 1988, "Boletim do Ministério da Justiça", nº 377, pág. 510.

[59]) Sobre esta matéria, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Abril de 1992, "Boletim do Ministério da Justiça", nº 416, pág. 636.

[60]) Sobre o privilégio mobiliário especial do mandatário judicial, do transportador e do expedidor regem, por seu turno, os artigos 247º, 391º e 392º do Código Comercial, respectivamente.
Ao contrato de transporte de passageiros por mar reporta-se o Decreto-Lei nº 349/86, de 17 de Outubro, que revogou os artigos 565º a 573º do Código Comercial.
O contrato de transporte de mercadorias por mar consta do Decreto-Lei nº 352/86, de 21 de Outubro, que revogou os artigos 497º, 538º a 540º, e 559º a 561 do Código Comercial, e da Convenção de Bruxelas, de 25 de Agosto de 1924, nos termos do Decreto-Lei nº 37748, de 1 de Fevereiro de 1950.
Nos termos do artigo 21º do Decreto-Lei nº 352/86, o transportador goza do direito de retenção sobre a mercadoria transportada, para garantia dos créditos emergentes de transporte.
Sobre este contrato, pode ver-se MÁRIO RAPOSO, "Boletim do Ministério da Justiça", nº 376, págs. 5 a 62, bem como os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Abril de 1978, de 19 de Abril de 1979, e de 3 e 15 de Outubro de 1980, publicados no "Boletim do Ministério da Justiça", nºs 276, pág. 276, pág. 298, 286, pág. 242, e 300, págs. 419 e 424, respectivamente.
O Decreto-Lei nº 336/84, de 18 de Outubro, criou as empresas de transportes marítimos PORTLINE - Transportes Marítimos Internacionais, S.A.R.L., e TRANSINSULAR - Transportes Marítimos Insulares, S.A.R.L., e aprovou os respectivos estatutos, e a Resolução do Conselho de Ministros nº 4/85, de 21 de Janeiro, estabeleceu normas relativas à celebração de contratos de transporte marítimo continuado.

[61]) Sobre a graduação deste crédito com o da Segurança Social, cfr. o parecer deste corpo consultivo, nº 40/90, de 7 de Novembro de 1991, publicado no "Diário da República", II Série, de 23 de Julho de 1992, pág. 6762.

[62]) Sobre esta matéria pode ver-se FERNANDO PESSOA JORGE, "Privilégio a Favor das Instituições de Previdência", Lisboa, 1974.
As contribuições para a segurança social e para o Fundo de Desemprego integram, desde 1 de Outubro de 1986, a taxa social única, por força do Decreto-Lei nº 140-D/86, de 14 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 295/86, de 19 de Setembro, sujeita ao regime previsto no Decreto-Lei nº 103/80.
O nº 6 do artigo 117º do Código das Custas Judiciais estabelece que nas execuções emergentes de processos do foro laboral o crédito exequendo que represente trabalho prestado por conta de outrem prefere aos da Segurança Social.

[63]) Sobre esta matéria, pode ver-se DOMINGOS MARTINS EUSÉBIO, "O Privilégio Creditório da Fazenda Nacional", "Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal", nº 26, Lisboa, 1964.

[64]) Alterado pelo Decreto-Lei nº 261/95, de 3 de Outubro.

[65]) Os créditos privilegiados do Estado, das autarquias locais e da segurança social perdem a garantia com a declaração da falência, passando a ter a natureza de créditos comuns (artigo 152º da CPEREF).
Sobre esta matéria, pode ver-se ANTÓNIO DA SILVA RITO, "Privilégios Creditórios na Nova Legislação sobre Recuperação e Falência da Empresa", "Revista da Banca", nº 27, págs. 93 e segs.; e JOÃO LABAREDA, "Recuperação de Empresas e Falências", "Textos", Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1995, págs. 177 a 179.

[66]) Quanto a "Alguns Aspectos Sobre a Reforma da Legislação Comercial", veja-se FERNANDO OLAVO, "Discurso", "Boletim do Ministério da Justiça", nº 293, págs. 5 a 21.

[67]) JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito-Introdução e Teoria Geral", Uma Perspectiva Luso-Brasileira", Lisboa 1993, págs. 286 a 293; e J. BAPTISTA MACHADO, "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", Coimbra, 1987, págs. 165 e 166.

[68]) JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, obra citada, págs. 485 a 487 e 548 a 550.

[69]) ISABEL DE OLIVEIRA VAZ, Trabalho citado, pág. 132.

[70]) JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, obra citada, págs. 333 a 335.

[71]) VAZ SERRA, "Revista de Legislação e de Jurisprudência", Ano 99º, nº 3330, pág. 334.

[72]) ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, "Da aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias", Legislação, Cadernos de Ciência de Legislação", Instituto Nacional de Administração, INA, nº 7, Abril-Junho de 1993, págs. 17 e 18.

[73]) JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, obra citada, págs. 555 e 556.

[74]) Parecer nº 35/90, de 21 de Fevereiro de 1991, publicado no "Diário da República", II Série, de 9 de Julho de 1991.
Sobre esta temática também versou, em termos mais desenvolvidos, o parecer deste corpo consultivo, nº 35/92, de 9 de Julho de 1994.

[75]) INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, "Introdução ao Estudo do Direito", vol. I, Lisboa, 1988, pág. 205.

[76]) Neste sentido pode ver-se, entre outros, FERNANDO OLAVO, "Parecer", Colectânea de Jurisprudência", Ano IX, Tomo 5, pág. 15, em que cita o Acórdão da Relação de Lisboa, de 8 de Abril de 1970, sumariado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 196, pág. 303.
A. MENEZES CORDEIRO entende, porém, no parecer citado, pág. 47, que é em derrogação do estatuido no artigo 46º, nº 3, do Código Civil que o regime do MAR permite às partes a estipulação da lei aplicável.

[77]) ISABEL MAGALHÃES COLAÇO, "Direito Internacional Privado, Lições de 1957/1958, edição da AAFDL, Lisboa, 1957, pág. 9; e JOÃO BAPTISTA MACHADO, "Lições de Direito Internacional Privado", Coimbra, 1992, págs. 9 a 12.

[78]) ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, "Direito Internacional Privado", Lições de 1985/1986, edição de AAFDL, Lisboa, 1985, págs. 9 a 17.

[79]) A expressão "direito público" tem sido interpretada com o sentido de "ordem pública" (TABORDA FERREIRA, "Acerca da Ordem Pública no Direito Internacional Privado", "Revista de Direito e de Estudos Sociais", X, pág. 149).

[80]) Neste sentido, cfr. o Parecer nº 48/91, de 26 de Setembro de 1991, deste corpo consultivo.

[81]) ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, obra citada pág. 199.

[82]) FERRER CORREIA, "Lições de Direito Internacional Privado", Coimbra, 1969, págs. 631 e 632.

[83]) JOÃO BAPTISTA MACHADO, obra citada, pág. 254.
Pode ver-se sobre a "ordem pública" e os "bons costumes", no direito interno, VAZ SERRA , "Objecto da Obrigação", "Boletim do Ministério da Justiça", nº 74, págs. 135 e segs. e 174 e segs.

[84]) FERRER CORREIA, Lições citadas, págs. 634 a 637; e RUI MANUEL GENS DE MOURA RAMOS, "Direito Internacional Privado e Constituição", Coimbra. 1994, págs. 235 a 245.

[85]) Sobre a ordem pública internacional na jurisprudência portuguesa podem ver-se, entre outros, a decisão do Juiz do 4º Juízo Civil de Lisboa, de 19 de Fevereiro de 1977, e os acórdãos da Relação de Lisboa de 28 de Fevereiro de 1978 e de 12 de Dezembro de 1980, da Relação do Porto de 29 de Outubro de 1981 e 26 de Janeiro de 1984, e da Relação de Coimbra de 12 de Março de 1985, publicados na "Colectância de Jurisprudência", IV, 2, 684, III, 2, 367, V, 5, 36, VI, 4, 223, IX, 1, 229 e X, 2, 42, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Janeiro de 1977, 19 de Maio de 1972, 11 de Janeiro de 1977, 27 de Junho de 1981, 23 de Fevereiro de 1981, 6 de Junho de 1989, 17 de Novembro de 1989, 17 de Novembro de 1993, 4 de Janeiro de 1994, de 5 de Maio de 1994 e 6 de Outubro de 1994, "Boletim do Ministério da Justiça", nºs 263, pág. 195, 217, pág. 82, 263, pág. 195, 278, pág. 232, 304, pág. 336, 388, pág. 537, e Processos nºs. 78132, 3764, 85372, 84865 e 4048, respectivamente.

[86]) JOÃO BAPTISTA MACHADO, obra citada, págs. 358 a 360.
Sobre esta matéria, pode ainda ver-se FRANCISCO DOS SANTOS AMARAL NETO, "A Autonomia Privada como Princípio Fundamental da Ordem Jurídica, Perspectiva Estrutural e Funcional", Boletim da Faculdade de Direito", Universidade de Coimbra, número especial, Coimbra, 1987, págs. 5 a 41.

[87]) JOÃO BAPTISTA MACHADO, "obra citada" págs. 358 a 360.

[88]) JOÃO BAPTISTA MACHADO, obra citada, págs. 361 a 364; ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, obra citada, págs. 294 a 297; FERRER CORREIA, obra citada, págs. 800 a 804.

[89]) Resolução da Assembleia da República, nº 3/94, e Decreto do Presidente da República, nº 1/94, publicados no "Diário da República", I Série-A, de 28 de Fevereiro de 1994.

[90]) Sobre a aplicação diferenciada da lei do contrato e da lei da situação das coisas, pode ver–se DOMINIQUE HOLLEAUX, JACQUES FOYER e GÉRAUD DE GEOUFFREDE LA PRADELLE, "Droit Interantional Privé, Paris, 1987, págs. 625 a 629.

[91]) Nesse sentido A. MENEZES CORDEIRO, "Parecer", de Junho de 1995, pág. 57, junto ao processo.
Sobre esta matéria pode ver-se RUI MANUEL MOURA RAMOS, "L'Adhésion du Portugal aux Conventions Communautaires en Matière de Droit International Privé", Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1987, págs. 76 a 107.

[92]) Parecer deste corpo consultivo, nº 59/60, de 9 de Abril de 1960.

[93]) AZEVEDO DE MATOS, obra citada, vol. I, págs. 49 e 50.

[94]) O regime da nacionalidade portuguesa consta da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei nº 25/94, de 19 de Agosto.
Sobre uma situação de atribuição de personalidade judiciária ao navio, veja-se o nº 2 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 352/86, de 21 de Outubro.

[95]) É claro que a expressão "nacionalidade" reportada a navios não é rigorosa, porque o nexo só se adequa, em rigor, a sujeitos de direitos e obrigações, o que não é o caso. Mas salienta o relevo da conexão entre o navio e o Estado de que arvora a bandeira.
Alguns autores referem que se não trata de verdadeira nacionalidade, mas do meio de exprimir o facto de um navio estar matriculado num determinado Estado e de este exercer sobre ele certa vigilância (RENÉ RODIÈRE et EMMANUEL DU PONTAVICE, obra citada, pags. 43 e 55).

[96]) RODRIGO URÍA, obra citada, págs. 1042 a 1048; e RENÉ RODIÈRE et EMMANUEL DU PONTAVICE, obra citada, págs. 43 a 55.

[97]) Sobre esta matéria, veja-se ANTÓNIO FURTADO DOS SANTOS, "Direito Internacional Penal e Direito Penal Internacional, Aplicação da Lei Penal Estrangeira pelo Juíz Nacional", "Boletim do Ministério da Justiça", nº 92, págs. 159 a 252.

[98]) CUNHA GONÇALVES, obra citada, vol. III, págs. 102 e 103, onde refere que o legislador português seguiu as conclusões do Congresso de Bruxelas de 1888, antes defendidas pelo Instituto de Direito Internacional.

[99]) Na Bélgica os navios têm a nacionalidade do Estado onde estão matriculados (artigo 2º da Lei de 21 de Dezembro de 1990).
Dois autores daquele País expressaram ser mais razoável submeter a validade dos actos de constituição e transferência de direitos reais sobre o navio à lei nacional deste do que à lei da respectiva situação - FRANÇOIS RIGAUX e MARC FALLON, obra citada, pág. 458.
Em França são elementos de individualização do navio o nome, a tonelagem, o porto de matrícula e a nacionalidade, e a sua francisação, dependente de certos pressupostos relativos à cidadania dos titulares do direito de propriedade e dos órgãos sociais das respectivas sociedades, que lhe confere o direito de arvorar a bandeira francesa (artigo 1º a 3º do Decreto nº 67-967, de 27 de Outubro de 1967).

[100]) Parecer, nº 59/60, de 9 de Abril de 1960.

[101]) Os artigos 29º, 55º, nº 2 e 63º, nº 2, do Código Civil estabelecem sobre conflitos móveis, mas em matéria de maioridade, separação judicial de pessoas e bens e divórcio e capacidade de disposição por morte, respectivamente.

[102]) No sentido da vigência do proémio do artigo 488º do Código Comercial podem ver-se: ISABEL DE OLIVEIRA VAZ, "As Operações Comerciais", "Trabalhos do Curso de Mestrado sob a orientação do Professor Doutor OLIVEIRA ASCENSÃO" Coimbra, 1988, págs. 170 a 174; e do seu § 2º, J.M. SIMÕES DE OLIVEIRA, "Scientia Juridica", tomo XIX, nºs 101 e 102 pág. 46; e, implicitamente, de todo o artigo, FERNANDO OLAVO, "Parecer" citado.

[103]) O Governo Português foi autorizado a aderir à primeira pelo Decreto nº 19 857, de 18 de Maio de 1931, e a adesão ocorreu pela Carta de Adesão, de 12 de Dezembro de 1931, depositada no Governo Belga, em 24 de Dezembro de 1931, publicada no "Diário do Governo", de 2 de Junho de 1932, e a segunda foi aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº 44 490, de 3 de Agosto de 1962.
Em direito marítimo, relevam, além do mais, os seguintes textos internacionais:
- Convenção Internacional para unificação de certas regras relativas à competência penal em matéria de abalroação e outros acidentes de navegação, assinada em Bruxelas, em 10 de Maio de 1952, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº 41007, de 16 de Fevereiro de 1957.
- Convenção Internacional para unificação de certas regras relativas à competência civil em matéria de abalroação, assinada em Bruxelas, em 10 de Maio de 1952, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº 41007, de 16 de Fevereiro de 1957.
- Protocolo de Alteração ao Acordo entre Portugal e Brasil sobre Transporte e Navegação, aprovado pelo Decreto nº 36/95, de 12 de Setembro.

[104]) Cfr., sobre esta Convenção, JOSÉ M. P. VASCONCELOS ESTEVES, obra citada, vol. I, págs 114 a 118.
Veja-se ainda, MÁRIO RAPOSO, "Discurso - Revisão do Direito Comercial Marítimo", "Boletim do Ministério da Justiça", nº 353, págs. 6 a 11, onde refere que a legislação de cada país em matéria de direito marítimo tem quase funções de suprimento ou de complemento do direito internacional convencional.

[105]) O nº 1 do artigo 19º do RGC inclui no conceito de embarcações, equivalente ao de navios, as de recreio, a que se reporta a alínea d) do artigo 5º do Decreto-Lei nº 96/89.
Sobre a superação da ideia clássica de navio mercê de outras realidades colocadas ao serviço da ciência e da tecnologia, designadamente plataformas e fábricas flutuantes, veja-se ALMEIDA COSTA, "Boletim do Ministério da Justiça", nº 352, pág. 13.

[106]) A "mortgage" difere da hipoteca na medida em que confere aos credores , desde a sua constituição, direitos de posse sobre as coisas a que se reporta.
Sobre esta matéria, pode ver-se MÁRIO RAPOSO, "Discurso em Homenagem ao Comité Marítimo Internacional", "Boletim do Ministério da Justiça", nº 346, págs. 5 e segs.

[107]) O nº 1 do artigo 8º da Convenção Internacional para verificação de certas regras sobre o arresto de navios do mar, assinada em Bruxelas em 10 de Maio de 1952, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº 41007, de 16 de Fevereiro de 1957, estabelece que ela é aplicável em qualquer Estado contratante a qualquer navio que arvore a bandeira de um deles, e o nº 4 que os Estados contratantes podem recusar todas ou parte das vantagens dela a qualquer Estado não contratante ou a qualquer pessoa que, à data do arresto, não tenha a residência habitual ou o principal estabelecimento nesse Estado.

[108]) É, aliás, o que a entidade que desencadeou a problemática do parecer esclarece, ao afirmar que foi para obviar aos inconvenientes da graduação de créditos adveniente da lei portuguesa que se consagrou a escolha de uma lei estrangeira para regular a hipoteca e a graduação de créditos.

[109]) Foi aprovada, em Portugal, para ratificação, pelo Decreto-Lei nº 44 490, de 3 de Agosto de 1962.
Sobre esta matéria, pode ver-se LOUIS HENKIN, RICHARD CRAWFORD PUGH, OSCAR SCHACHTER e HANS SMIT, "International Law, Cases and Materials", St. Paul, Minnesota, 1993, págs. 1330 a 1332.

[110]) A redacção dos nºs 1 e 2 deste artigo corresponde à versão originária, e a do nº 3 resultou da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro.

[111]) J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "Constituição da República Portuguesa Anotada", Coimbra, 1993, págs.83 e 84, que seguiremos de perto.

[112]) As expressões "tratado" e "convenção internacional" são praticamente sinónimas e significam acordo internacional (artigo 2º, nº 1, alínea a), da Convenção de Viena).
A terminologia utilizada na CRP não é, porém, uniforme. Usa-se nesta disposição, e nos artigos 122º, nº 1, alínea b), e 200º, nº 1, alíneas b) e c), a expressão "convenção" com o significado abrangente do tratado solene e do acordo internacional em forma simplificada, mas já se utiliza o conceito de tratado com o sentido de tratado solene nos artigos 138º, alínea b), 164º, nº 1, alínea i), 200º, nº 2, 277º, nº 1, 278º, nº 1, 279º, nº 4, e, finalmente, usa-se a expressão "acordo internacional" com o significado de "acordo na forma simplificada" nos artigos 200º, nº 2, 278º, nº 1, e 279º, nº 1 (ALBINO AZEVEDO SOARES, "Lições de Direito Internacional Público", Coimbra, 1988, pág. 124).

[113]) J .J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, obra citada, pág. 91; ALBINO AZEVEDO SOARES, obra citada, págs. 83 a 89; RUI MOURA RAMOS, "A Convenção Europeia dos Direitos do Homem – sua posição face ao ordenamento jurídico português", "Documentação e Direito Comparado, nº 5, págs. 111 e 129; JOÃO MOTA DE CAMPOS, "Direito Comunitário", II Vol., Coimbra, 1990, págs. 182 e 183; AMÂNCIO FERREIRA, "Tribuna da Justiça", nº 20/21, pág. 4; JORGE MIRANDA, "A Constituição de 1976, Formação, Estrutura e Princípios Fundamentais", Lisboa, 1978, págs. 298 e segs, e Acórdãos do Tribunal Constitucional de 12 de Outubro de 1988 e de 10 de Outubro de 1991, publicados no "Boletim do Ministério da Justiça, nº 380, págs. 138 a 198, e no "Diário da República", II Série, de 10 de Dezembro de 1991.

[114]) No que concerne ao posicionamento do direito comunitário inserto em instrumentos de aplicação directa e do direito constitucional dos Estados–membros, tem o Tribunal de Justiça vindo a decidir com uniformidade, apelando ao princípio de que a CEE constitui uma ordem jurídica própria, integrada no sistema jurídico dos Estados–membros desde a entrada em vigor do Tratado de Adesão que se impõe às suas jurisdições, que aquele prevalece sobre este (Casos "Storck", "Comptoirs de vente du charbon de La Ruhr", "l'ordonnance San Michele", "Internationale Handelsgesellschaft", e "Simmenthal", acordãos de 4 de Fevereiro de 1959, 15 de Julho de 1960, 22 de Junho de 1965, 17 de Dezembro de 1970, e de 9 de Março de 1978, publicados em a "Recueil", 1959, págs. 43 e segs; 1960, págs. 857 e segs; 1967, págs. 35 e segs.; 1970, págs. 1125 e segs; e 1978, págs. 629 e segs., respectivamente).
Cfr. JEAN–VICTOR LOUIS, "A Ordem Jurídica Comunitária", Luxemburgo, 1986, págs. 93 e 139.
A doutrina portuguesa tem, porém, entendido, no que concerne ao posicionamento do direito comunitário e do direito constitucional português, que o primeiro não prevalece sobre o segundo (Vejam–se, por exemplo, JOSÉ CARLOS MOITINHO DE ALMEIDA, "Direito Comunitário, A Ordem Jurídica Comunitária e as Liberdades Fundamentais na CEE", Lisboa, 1985, págs. 102 a 105; e ALBINO DE AZEVEDO SOARES, obra citada, págs. 101 a 104).

[115]) ALBINO AZEVEDO SOARES, obra citada, pág. 98, que neste ponto seguiremos de perto.

[116]) A Convenção de Viena, assinada em 23 de Maio de 1969, cujo início da vigência ocorreu em 1980 após o depósito do 35º instrumento de ratificação, ainda não foi ratificada por Portugal.
Na informação–parecer da PGR nº 111/85, de 8 de Novembro de 1985, conclui–se que:
– os artigos 7º, nº 2, alínea a), e 46º da CV são contrários à Constituição da República Portuguesa;
– a eventual adesão de Portugal àquela Convenção necessitaria, para respeitar a Constituição, da formulação de uma reserva ao artigo 7º, nº 2, alínea a), e de uma outra reserva ou de uma declaração interpretativa qualificada em relação ao artigo 46º;
– se existir vontade política no sentido da adesão de Portugal à Convenção, sugere–se um exame da sua aplicação concreta, ponderando–se os sentimentos hoje dominantes na comunidade jurídica internacional em matéria de direito dos Tratados, e o estudo das reservas e declarações interpretativas que têm sido feitas, antes de qualquer decisão definitiva.
Tem, porém, sido entendido que os Estados que a não ratificaram também estão a ela sujeitos por inserir normas de direito consuetudinário. Neste sentido podem ver–se ALBINO DE AZEVEDO SOARES, obra citada, pág. 115, e PAUL REUTER, "Introduction au Droit des Traités", Paris, 1972, pág. 137.

[117]) Neste sentido vejam–se ALBINO AZEVEDO SOARES, obra citada, págs. 97 a 101, e NUNO PIÇARRA, "O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias como juiz legal e o Processo do Artigo 177º do Tratado CEE – As Relações Entre a Ordem Jurídica Comunitária e as Ordens Jurídicas dos Estados–Membros da Perspectiva dos Tribunais Constitucionais", Lisboa, 1991, págs. 78 e 79; JOSÉ LUÍS DA CRUZ VILAÇA, com a colaboração de LUÍS MIGUEL PAIS ANTUNES e de NUNO PIÇARRA, "Droit Constitutionnel et Droit Communautaire – Le Cas Portugais", Rivista di Diritto Europeo,... págs. 303 a 305, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, por exemplo, de 12 de Outubro de 1988, 9 de Abril de 1991 e 10 de Outubro de 1991, "Boletim do Ministério da Justiça", nº 380, págs. 183 a 198, "Diário da República", II Série, de 5 de Julho de 1991 e de 10 de Dezembro de 1991, respectivamente.
J. DA SILVA CUNHA é, porém, de opinião, que o segmento normativo "enquanto vincularem internacionalmente o Estado português" que consta do nº 2 do artigo 8º da Constituição destina–se apenas a evitar que continuem a vigorar na ordem jurídica interna convenções cuja vigência cessou na ordem jurídica internacional (obra citada, pág. 100).

[118]) O texto dos artigos 26º e 27º da CV dispõem o seguinte: "tout traité en vigueur lie les parties et doit être exécuté par elles de bonne foi", e "une partie ne peut invoquer les dispositions de son droit interne comme justifiant la non–exécution d'un traité ..., sans préjudice de l'article 46".

[119]) JOSÉ CARLOS MOITINHO DE ALMEIDA, obra citada, págs. 102 a 105.
No sentido de que na actual Constituição da República Portuguesa está consagrado o princípio do primado do direito internacional público sobre o direito ordinário interno, veja–se o parecer deste corpo consultivo nº 190/81, de 29 de Outubro de 1984; IRENEU CABRAL BARRETO, "A Convenção Europeia dos Direitos do Homem", Lisboa, 1995, pág. 26; e JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, "A Hierarquia das Normas Constitucionais e a sua Função na Protecção dos Direitos Fundamentais", "Boletim do Ministério da Justiça", nº 396, págs. 5 a 27.
No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em 5 de Fevereiro de 1991, quando afirmou que o direito internacional pactício é recebido no direito português de harmonia com o artigo 8º, nº 2, da Constituição, cláusula de recepção geral impondo a sua vigência na ordem interna, e que, nos termos do artigo 6º, "quinquies", A, nº 1, da Convenção da União de Paris, de 20 de Março de 1983, na versão resultante do Acto de Estocolmo de 14 de Julho de 1967, aprovado para ratificação por Portugal, pelo Decreto--Lei nº 22/75, de 22 de Janeiro, em regra qualquer marca de fábrica ou comércio regularmente registada no pais de origem será admitida a registo e, como tal, protegida nos outros países da União ("Boletim do Ministério da Justiça", nº 405, pág. 473).

[120]) ALBINO AZEVEDO SOARES, obra citada, pág. 99; JOÃO MOTA DE CAMPOS, obra citada, II Vol., págs. 345 a 355.

[121]) Redacção resultante do artigo 1º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.

[122]) Acórdão nº 371/91, de 10 de Outubro de 1991, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 410, págs. 56 a 125, onde se refere que o artigo 1º do projecto de revisão constitucional, nº 2/V, apresentado por um dos partidos políticos, definia as leis com valor reforçado como as que, "por força da Constituição, sejam um pressuposto normativo necessário de outras leis ou por outras leis devam ser respeitadas".

[123]) Neste sentido pode ver–se, entre vários, o acórdão do Tribunal Constitucional de 14 de Dezembro de 1988, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 382, págs. 196 a 212.

[124]) No sentido mencionado podem ver–se, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 12 de Outubro de 1988 e de 9 de Abril de 1991, publicados no "Boletim do Ministério da Justiça, nº 380, págs.183 a 198, e no "Diário da República", II Série, de 5 de Julho de 1991.

[125]) Acórdãos do Tribunal Constitucional proferidos nos processos nºs. 158/85, 159/85 e 160/85, publicados no "Diário da República", II Série, de 7 de Janeiro de 1986.

[126]) No mesmo sentido podem ver–se JORGE MIRANDA, "Direito Internacional Público", Sumários das Lições ao 4º Ano da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1985, pág. 19: e AMÂNCIO FERREIRA, Revista citada, págs. 9 e 10.

[127]) A este propósito escreveu VITAL MOREIRA que "uma das ideias bases acerca das funções dos tribunais num Estado de Direito democrático é a de que, quando para resolver uma hipótese se apresentem normas de hierarquia diferente, os tribunais devem aplicar a de grau superior em vez da de grau inferior, preterindo e desaplicando esta.
As regras previstas no artigo 280º, nº 3, não são mais de que um afloramento desse princípio, que aquelas normas inequivocamente dão por suposto, tanto que não está expressamente afirmado em nenhum lado.
O Tribunal Constitucional não detém o monopólio do poder de desaplicar normas por ofensa de outras de grau superior, e as normas legais não estão isentas do poder de desaplicação dos tribunais" (Declaração de voto no acórdão do Tribunal Constitucional proferido no processo nº 27/84, "Diário da República, II Série, de 4 de Julho de 1984, e "Boletim do Ministério da Justiça", nº 334, pág. 243).
Este corpo consultivo, no citado parecer nº 190/81, entendeu que a colisão entre normas convencionais do DIP e o direito interno gera o vício de ilegalidade, porque, para que se tratasse de insconstitucionalidade, seria necessário que houvesse colisão entre uma norma infraconstitucional e outra norma ou princípios constitucionais.

[128]) Redacção resultante do artigo 1º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.

[129]) Sobre o princípio da extraterritorialidade aduaneira, cfr. A. MENEZES CORDEIRO, Parecer citado, págs. 10 e 11.

[130]) JOSÉ M. P. VASCONCELOS ESTEVES, obra citada, vol. I, pág. 47.

[131]) A. MENEZES CORDEIRO, afirmou no parecer citado, pág. 65, que os "navios inscritos no MAR não podem, propriamente, considerar-se "pertencentes" ao Estado português, dada a regra da extraterritorialidade que aqui prevalece...".

[132]) FERRER CORREIA, obra citada, págs. 485 a 491.

[133]) A. MENEZES CORDEIRO concluíu, no citado parecer, o seguinte:
"- a lei competente para regular a hipoteca é automaticamente competente para fixar a graduação do correspondente crédito hipotecário;
- independentemente disso, as partes podem remeter a graduação do crédito hipotecário para o disposto na Convenção de Bruxelas de 1926, especialmente concebida para o efeito e vigente em Portugal;
- quando as partes fixem como competente a lei estrangeira e não explicitem o regime de graduação do crédito hipotecário, recorrer-se-á à Convenção de Bruxelas e ao direito interno português conforme estejam em causa, ou não, o direito dum Estado membro da Convenção de Bruxelas;
- em qualquer caso, as dúvidas seriam evitadas quando, logo no registo da hipoteca, se consignasse a lei (ou a Convenção) aplicável à graduação do crédito hipotecário".
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART4 ART8 N2 ART13 ART26 ART61 ART62 ART122 ART207 ART277 ART280.
CCIV66 ART7 ART16 ART22 ART36 ART41 ART46 ART47 ART204 ART205 ART206 ART217 ART280 ART405 ART686 ART687 ART688 ART691 ART694 ART702 ART704 - ART706 ART708 ART710 ART730 ART731 ART733 ART735 ART736 ART737 ART743 - ART752.
DL 19857 DE 1931/05/18.
DL 41007 DE 1957/02/16.
DL 44490 DE 1962/08/03.
DL 47344 DE 1966/11/25 ART3 ART8 N1.
DL 42645 DE 1959/11/14 ART21 ART29 ART43 ART73 ART74 ART78 ART119.
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AC STJ DE 27/05/80 IN BMJ N297 PAG376.
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* CONT ANJUR
PRIV / DIR COM / DIR ECON * DIR TRANSP * DIR MARIT / DIR INT PUBL
* DIR TRAT * DIR MAR / DIR COMUN / DIR CONST / DIR REG NOT.
* CONT REFLEG
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Divulgação
Número: 
DR269
Data: 
20-11-1997
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