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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
42/1995, de 20.12.1995
Data do Parecer: 
20-12-1995
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTES DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
DOENÇA ADQUIRIDA EM SERVIÇO
Conclusões: 
1- Não é enquadrável no n4 do artigo 2, referido ao n2 do artigo 1, ambos do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doença adquirida ou agravada em serviço por virtude da prestação de serviço como instrutor de tiro, expondo o militar a permanências frequentes e prolongadas em exercícios de instrução de tiros de morteiros e bazookas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,

Excelência:


1

1 - (...), CAB FZ RES (...), requereu, em 18 de Junho de 1993, que o seu grau de incapacidade fosse reavaliado e que a doença lhe seja equiparada ao serviço de campanha, ao abrigo do artigo 1º, nº 2, alíneas b) e d) do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
Vossa Excelência determinou o envio do processo à Procuradoria-Geral da República a fim de o Conselho Consultivo emitir o parecer a que se reporta o artigo 2º, nº 4, daquele Decreto-Lei.
Cumpre, por isso, emiti-lo.


2

2 - Do referido processo, com relevo para a matéria da consulta, consta a seguinte factualidade:
- alistado na Armada em (...) de 1961;
- efectuou três comissões no ex-Ultramar, uma a Angola, de 14 de Junho de 1962 a 17 de Junho de 1964; e duas à Guiné, de 30 de Outubro de 1964 a 12 de Janeiro de 1967, e 29 de Setembro de 1970 a 20 de Novembro de 1972;
- durante essas comissões tomou parte em vários exercícios de instrução com morteiros e bazookas, ministrados aos fuzileiros especiais, dos quais era monitor;
- esses exercícios de instrução decorreram, no Morro dos Veados (Angola), e Ilha das Galinhas e Ilhéu dos Pássaros (Guiné);
- os rebentamentos dos explosivos produziram-lhe, desde a primeira comissão, certa surdez acompanhada de dores, mais acentuadas no ouvido direito;
- presente à Junta de Saúde Naval, em 31 de Julho de 1979, foi-lhe observada "surdez sono-traumática bilateral profissional", com o grau de incapacidade de 30%;
- em 9 de Outubro de 1979, o V/Almirante SSPA, por delegação do Alm. CEMA, concluiu que a doença fora adquirida em serviço e por motivo do mesmo, podendo dela resultar consequências futuras como "agravamento da surdez e consequente diminuição do grau de capacidade para o serviço";
- na sequência do seu pedido de revisão, a Junta de Saúde Naval, em 21 de Março de 1995, manteve-lhe a incapacidade de desvalorização global de 30%, com incapacidade para todo o serviço, o que foi homologado pelo Superintendente dos Serviços de Pessoal, por despacho de 27 de Março de 1995.


3

3 - O nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 considera deficiente das Forças Armadas do cidadão que:
"No cumprimento do serviço militares e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar".
Por seu lado, o nº 4 do artigo 2º estabelece:
"O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, "seja identificável" com o espírito desta lei (cfr. rectificação publicada no Diário da República, de 26 de Junho de 1976, 2º Suplemento).


4

4.1 - Excluídas as hipóteses de aplicação directa do nº 2 do artigo 1º do citado Decreto-Lei nº 43/76, há que ponderar se a matéria fáctica relatada pode ser valorada como consubstanciando uma actividade a que é inerente um risco agravado, idónea para a equiparação a qualquer uma das situações contempladas no nº 4 do artigo
2º.
Este corpo consultivo vem uniformemente entendendo que só devem considerar-se abrangidos pelo nº 4 do artigo
2º os casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha e equivalentes. E o espírito da lei, como se diz no parecer nº 35/77, "aponta para a especial consideração devida aos que têm de enfrentar situações que põem em causa a própria vida ou integridade física para além dos limites de risco inerentes ao exercício normal da função" ou, conforme se escreveu no parecer nº 56/76, espírito que é, sem dúvida, o reconhecimento do direito à reparação que assiste aos que se sacrificam pela Pátria, sendo certo que a dignificação deste sacrifício passa pela não inflação das situações enquadráveis no Decreto-Lei nº 43/76.
Igualmente se tem ponderado que o risco genérico da actividade militar, é incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender-se em sede de objectividade.

4.2 - Este Conselho Consultivo teve já oportunidade de apreciar acidentes ocorridos em carreiras de tiro, tendo firmado doutrina em regra, situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº
2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76 (1).
Pondera-se, com efeito, que o tiro realizado nesses locais especialmente adequados e apetrechados, rodeados de requisitos de segurança, não expõe os instruendos a risco superior ao do comum da actividade militar.
Reconhece-se que esses exercícios de tiro, como qualquer outra actividade própria da rotina da função militar, só excepcionalmente dão lugar a acidentes.

4.3. No caso em apreço de uma doença adquirida em serviço e por motivo do seu desempenho, com a particularidade de o seu portador ter exercido funções de instrutor de tiro, com permanências frequentes e prolongadas em exercício de tiro de morteiros e bazookas.
Convirá, neste contexto, recordar a posição tomada por este Conselho Consultivo em situações de doença adquirida em serviço. Assim, entre outros:
- No parecer nº 209/77 de 17/11/77, concluiu-se:
"Não é enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doenças adquiridas ou agravadas por virtude de prestação de serviço nos submarinos, em condições normais;
- O parecer nº 64/78, de 20/4/78, extraiu a seguinte conclusão: "a instrução de 'gases e fumos' e máscaras anti-gás saturados iniciado em 1944, determinante de intoxicação lenta e do 'leucopenia crónica', não configura uma actividade de risco agravado necessário ...";
- O parecer nº 70/79, de 17/5/79, concluiu: "A produção ou o agravamento de doença por efeito de desempenho de serviço militar em más condições climatéricas ou devido a intempéries não preenche os requisitos de que depende a qualificação como deficiente das Forças Armadas...";
- E no Parecer nº 18/92, que tratou da matéria mui próxima, chegou-se à seguinte conclusão: "não é enquadrável no nº 4 do artigo 2º referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doença adquirida ou agravada em serviço por virtude da prestação de serviço como oficial de tiro, expondo o militar a permanência frequentes e prolongadas em carreiras de tiro".


5

5 - Face à matéria de facto recolhida nos autos, e que deixámos recenseada (cfr. ponto 2.), e tendo presente o quadro legal e o conjunto de considerações acabadas de desenvolver, importa determinar se a doença adquirida pelo requerente, em serviço, o foi em condições de risco agravado, equiparável ao das situações de campanha ou equivalentes.

5.1. Aceitando, embora, a dureza e dificuldade da actividade desenvolvida pelo interessado enquanto instrutor de tiro, daí não resulta, necessariamente, que corresponda a uma situação de risco agravado.
Efectivamente os autos não revelam quaisquer condições de especial gravidade ou circunstâncias particulares que diferenciem os exercícios de instrução de tiro em que exerceu funções de monitor dos exercícios de instrução de morteiros e bazookas.

5.2. Ponderou-se no parecer nº 122/76 (2):
"Toda a actividade militar comporta, pelos fins que prossegue e pelos meios que emprega, um risco específico que pode ir, por vezes, até ao sacrifício da própria vida. Mas esse é um risco próprio da função militar, inerente ao desenvolvimento do respectivo serviço.
Excede, naturalmente, os limites dos riscos comune aos demais cidadãos ou de outras actividades profissionais, mas para os militares não deixa de, em princípio, considerar-se um risco generalizado dentro da instituição.
Mas a qualificação de deficiente exige um risco agravado, isto é, um risco que em alguma medida se possa acrescentar àquele que decorre da actividade militar normal.
Esse acréscimo de risco deve ser avaliado face ao condicionalismo de cada caso, pelas circunstâncias determinantes e envolventes de natureza excepcionalmente perigosa mesmo no âmbito da vida militar, de grau equivalente ao das actividades operacionais expressamente contempladas no aludido preceito".
E mais adiante acrescenta-se no mesmo parecer:
"Aliás, a importância e o carácter excepcional dos benefícios que acompanham a qualificação de deficiente exigem correspondentemente uma conduta também relevante e de risco excepcional, não se compadecendo com os perigos normais e próprios do exercício do dever funcional simples. Para estes prevê a lei outras reparações e remédios, tais como a reforma extraordinária ou a pensão por invalidez ..."

5.3. Considerações que este corpo consultivo tem sucessivamente reiterado, citando-se do já referido parecer nº 70/79:
"Com efeito, o tratamento privilegiado de que beneficiam os deficientes das Forças Armadas tem como pressuposto situações de serviço caracterizadas por uma perigosidade anormal e superior, em grau, à que decorre do comum da actividade militar, que não se compadece com a ponderação de factores de índole subjectiva, específicos e de valoração sempre incerta, pois é sabido que o risco, a ser avaliado em função destes factores, sempre seria fonte de eventuais injustiças e disparidades de valoração, dada a impossibilidade de estabelecer um critério válido para mediar ou ponderar, uniformemente, os efeitos agravativos das diferentes condições de serviço decorrentes das particulares características pessoais do militar chamado a desempenhar as funções próprias das actividades que lhe competem estatutariamente".
Em suma: o estado de saúde do requerente, gerador da sua incapacidade para o serviço militar, não decorre de especiais condições de agravação do risco a que foi exposto no exercício das suas funções militares, tomadas estas em sentido objectivo, ou seja, caracterizadas por um conjunto de circunstâncias que excederam sensivelmente o risco normal da actividade militar (3).



6

Em face do exposto, conclui-se:
Não é enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doença adquirida ou agravada em serviço por virtude da prestação de serviço como instrutor de tiro, expondo o militar a permanências frequentes e prolongadas em exercício de instrução de tiros de morteiros e bazookas.



_______________________________

1) Cfr. entre outros os pareceres nºs. 78/76 e 99/76 (ambos de 30/7/76,), 207/76 (de 13/1/77), 102/77 (de 7/12/77), 162/77 e 179/77 (ambos de 27/10/77), 220/77 e 243/77 (ambos de 2/12/77), 103/89 (de 25/1/90), 46/90 (de 27/9/90) e 18/92 de (28/5/92).

2) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 267, pág. 40.

3) Cfr. citado parecer nº 70/79.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA
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