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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
73/1996, de 19.05.2000
Data do Parecer: 
19-05-2000
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
REGISTO PREDIAL
PRINCÍPIO DA INSTÂNCIA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
PRINCÍPIO DO TRATO SUCESSIVO
PRINCÍPIO DA PRIORIDADE
PRINCÍPIO DA FÉ PÚBLICA
INEXISTÊNCIA
NULIDADE
INEXACTIDÃO
RECTIFICAÇÃO DE ACTOS DO REGISTO PREDIAL
LACUNA
ANALOGIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
INTERVENÇÃO PROCESSUAL
Conclusões: 
1ª. Nos termos do artigo 14º e seguintes do Código de Registo Predial, as irregularidades e deficiências do registo estão qualificadas, conforme a sua gravidade, como inexistência, nulidade ou inexactidão do registo;
2ª. As causas de nulidade estão taxativamente indicadas no artigo 16º do Código de Registo Predial, apenas produzindo tal consequência as irregularidades expressamente referidas;
3ª. Os registos que apresentem inexactidão pelos motivos indicados no artigo 18º do Código de Registo Predial podem ser rectificados através do processo previsto nos artigos 120º e seguintes;
4ª. Podem igualmente ser rectificados os registos nulos por terem sido lavrados com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado - artigo 16º, alínea b), e os efectuados com violação do princípio do trato sucessivo - artigo 120º, nº 2 , ambos do Código do Registo Predial;
5ª. Os registos referidos na consulta apresentam-se incoerentes em consequência de anomalia derivada de deficiência dos serviços, impondo-se à correcção de tal anomalia, susceptível de perturbar a fé pública e a segurança registal;
6ª. Os registos referidos na conclusão anterior, que sofrem de deficiências não expressamente enquadráveis nas irregularidades típicas do registo previstas no Código do Registo Predial, devem ser equiparados a registos indevidamente lavrados, e devem ser rectificados aplicando-se por analogia o processo previsto nos artigos 120º e segs. do Código de Registo Predial.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,
Excelência:



I


1. Na Conservatória do Registo Predial da Seixal foram lavrados alguns registos que o Conservador reputou de nulos por violação do princípio da trato sucessivo, em casos de prédios com elevado número de comproprietários.

O Conservador solicitou ao Ministério Público junto do tribunal do Seixal que, "em representação do Estado", "intentasse as necessárias acções declarativas de nulidade.”

O pedido foi, porém, recusado, invocando os magistrados motivos que reconduziram, por um lado, aos poderes próprios do Conservador no âmbito do processo de rectificação do registo e, por outro, à natureza privada das relações jurídicas subjacentes.


2. O Director-Geral dos Registos e do Notariado expôs superiormente a questão, e salientando a complexidade da matéria e a divergência de entendimento entre as instâncias envolvidas, sugeriu a audição do Conselho Consultivo sobre a correcta interpretação das disposições legais que fundamentam as posições em confronto.

Vossa Excelência, concordando com a sugestão, dignou-se solicitar parecer que, assim, cumpre emitir.

II


1. As situações, qualificadas de 'anómalas' pelo Conservador, e que determinaram o pedido para a intervenção do Mº Pº, estão descritas em termos que, para boa compreensão da natureza do problema, importa retomar [1].

"Atendendo [a esta] (à) situação de prédios com elevado número de inscrições, o trato sucessivo começa a ser feito pelo verbete pessoal e só pela detecção da quota do prédio em nome de um titular se passa à análise das inscrições e da verificação da cota por trancar. Basta que o verbete pessoal seja arrumado fora de ordem ou se tenha extraviado para se concluir que a quota do consorte do prédio não foi registada a favor da pessoa que se busca, e em consequência aceitar-se o registo da quota.

“Esta prática é completamente desaconselhada, mas perante dezenas, centenas ou milhares de inscrições que incidem sobre prédios, é a única possível.

“Em resultado das dificuldades expostas foram detectadas situações anómalas que se enquadram em três hipóteses que passo a descrever:

HIPÓTESE A:
1º - A vende a B que regista.
2º - B vende a C que regista.
3º - Posteriormente B logrou obter novo registo com a escritura de compra a A.
4º -Obtido o registo, B vende a D que regista.
Temos assim que B vende duas vezes a mesma quota que comprou a A (vendas a C e D)".[2]

(. . .)

"HIPÓTESE B:
A vende a B 2/12 avos que regista.
A vende a C 2/12 avos que regista.
A vende a D 4/12 avos que regista.
A venda a E 2/12 avos que regista
A vende a F 2/12 avos que regista.
A vende a G 1/12 avos que regista.

Total de vendas - 14/12".[3]

"HIPÓTESE C
1º - A vende a B que regista.
2º - B vende a C que regista.
3º - Posteriormente B logrou obter novo registo com a escritura de compra a A."

“Neste caso, informa o Conservador, "atendendo a que B não vendeu a quota segunda vez, inutilizei a inscrição correspondente ao nº 3 da hipótese com a menção de ser a duplicação da inscrição onde o facto já se mostrava registado".


2. O Director-Geral, por seu lado, dando sequência à representação das dúvidas expostas pelo Conservador, colocou superiormente a questão nos termos seguintes:

"Na Conservatória do Registo Predial do Seixal foram lavrados alguns registos, [...], que o senhor conservador reputa de nulos por violação do princípio do trato sucessivo. Tais situações, que se reconduzem a situações tipo, verificam-se em prédios com elevado número de comproprietários.

Por isso, solicitou ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial do Seixal que, em representação do Estado, intentasse as necessárias acções declarativas de nulidade.

O pedido em questão foi, porém, denegado, tendo aqueles serviços fundamentado a sua posição essencialmente em duas ordens de razões:

- o conservador tem ao seu dispôr o processo de rectificação previsto nos artigos 120º e seguintes do Código do Registo Predial;

- a relação jurídica subjacente tem natureza civilística (obrigacional), pelo que o Ministério Público seria parte ilegítima por não assumir a representação de nenhum dos sujeitos da relação - cfr. artºs. 5º e 6º da Lei Orgânica do Ministério Público.

Certo é, porém, que sempre se entendeu serem rectificáveis apenas os erros de registo que a lei prevê e, entre essas situações, nunca se incluíram as de nulidade do registo, excepto a que se prevê no nº 2 do artigo 120º. do Código de Registo Predial e que no caso não é aplicável. Este entendimento, inquestionável em face do actual Código assim como dos anteriores, sempre foi pacífico na doutrina que tomou por referência a elucidativa expressão de que "a possibilidade de proceder à rectificação tem como limiar o erro e como limite a nulidade do registo".

Quanto ao segundo fundamento, e dando por certo que o conservador não tem legitimidade para intentar qualquer tipo de acção judicial, creio que só mesmo o Ministério Público poderá representar a Conservatória. É que, para além dos interesses privados em presença, existe também o interesse público porque a função do conservador, que é jurisdicional, emana do poder público, tal como pública é a gestão da tutela registral. Por isso é que o Estado pode ser demandado judicialmente por publicidade registral que não se conforme com a aplicação devida das disposições legais em vigor.

E, na verdade, resulta da própria lei que por ofensa de disposições legais destinadas a proteger os interesses de terceiros, o Estado responde civilmente, ainda que com direito de regresso contra os funcionários responsáveis - cfr. Dec.-Lei nº 48051 de 21/11/67 e artº.58º. do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 55/80 de 08/10.

Importa, pois, que o próprio Estado se antecipe na protecção dos seus interesses, intentando cautelarmente as necessárias acções judiciais nas situações de publicidade registral indevida. O registo das acções entretanto interpostas tornará, desde logo, oponíveis "erga omnes" as futuras decisões judiciais pelo que quaisquer registos posteriores deverão ter em consideração a prioridade adquirida."


III

1. O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário - dispõe o artigo 1º. do Código do Registo Predial (CRP) [4].

A enunciação da função assinalada revela o programa do sistema de registo predial e a indicação dos seus fins e princípios estruturantes.

O registo público, categoria em que se integra o registo predial, pode definir-se como "o assento efectuado por um oficial público e constante de livros públicos, do livre conhecimento, directo ou indirecto, por todos os interessados, no qual se atestam factos jurídicos conformes com a lei e respeitantes a uma pessoa ou a uma coisa, factos entre si conectados pela referência a um assento considerado principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respectiva situação jurídica, e do qual a lei faz derivar, como efeitos mínimos, a presunção do seu conhecimento e a capacidade probatória" [5].

O registo predial constitui uma instituição pública que visa a segurança do tráfico jurídico sobre imóveis, através da publicidade registral imobiliária relativamente a uma série de factos enumerados especificamente na lei - os factos sujeitos a registo previstos no artigo 2º e as acções indicadas no artigo 3º do CRP.

A instituição do registo predial prossegue fins de natureza privada e de interesse público.

Prossegue fins de natureza privada, garantindo a segurança no campo dos direitos privados, especificamente no campo dos direitos com eficácia real (segurança do comércio jurídico imobiliário no seu conjunto), facilitação do tráfico e intercâmbio dos bens e do crédito e garantia do cumprimento da função social da propriedade [6].

A instituição de registo predial revela e prossegue também o interesse público que é inerente aos princípios da certeza do direito, da defesa de terceiros, da segurança do comércio jurídico e a própria necessidade (de natureza pública) de o registo não se encontrar desactualizado face ao cadastro [7].

O registo concretiza-se através de um serviço público organizado em repartições com competência territorial específica: as Conservatórias do Registo Predial.


2. A doutrina do registo predial tem elaborado um certo número de princípios estruturantes que comandam o sistema de registo e têm tradução no modo como a lei organizou o registo predial, estabeleceu a sua disciplina, considerou o seu valor e fixou os respectivos efeitos: os princípios da instância, da legalidade, da tipicidade, do trato sucessivo, da prioridade e da fé pública [8].

O princípio da instância, acolhido nos artigos 41º e 42º do CRP, significa que, salvo os casos especialmente previstos na lei, o registo não se efectua oficiosamente, mas a pedido dos interessados.

O sistema nacional, em que os órgãos públicos não detêm a iniciativa de harmonizar a realidade do direito substantivo com a realidade regitral ou tabular, confia na iniciativa dos particulares interessados que, nos casos normais, constitui um modo suficiente de realizar (ou promover a realização) dos fins do instituto.

O princípio da legalidade, definido e concretizado no artigo 68º do CRP [9], significa que o conservador está estritamente vinculado à lei, devendo apreciar substancialmente a viabilidade do pedido de registo, verificando quatro elementos ou pressupostos fundamentais: a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidos [10].

Por isso, o conservador, vinculado a um princípio de legalidade substancial, deve, no caso de se não verificarem os pressupostos de legalidade, ou recusar o registo nas circunstâncias enumeradas no artigo 69º [11], ou realizá-lo provisoriamente, por dúvidas, nos restantes casos [12].

O princípio da legalidade tem a sua contrapartida na responsabilidade em que incorre quem fizer registar acto falso ou juridicamente inexistente (artigo 153º do CRP) [13].

O princípio da tipicidade significa que os factos sujeitos a registo estão expressamente enumerados na lei - artigos 2º e 3º do CRP. A subordinação ao sistema de numerus clausus, tradicional na construção do sistema nacional de registo predial, corresponde, de certo modo, ao sistema substantivo no que respeita à constituição dos direitos reais.

O princípio do trato sucessivo pretende assegurar a continuidade do registo, e garantir a quem possui uma inscrição de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido a certeza de que não pode haver nova inscrição definitiva lavrada sem a sua intervenção.

"Trato sucessivo" é sinal de encadeamento de inscrições de titulares do direito. Semelhante princípio "tem por objecto manter a ordem regular dos titulares registrais sucessivos, de maneira que todos os actos dispositivos tomem um encadeamento perfeito, aparecendo registados como se derivassem uns dos outros sem solução de continuidade" [14].

Através da continuidade, o princípio garante a certeza da história da situação jurídica da coisa desde o início (descrição), até ao momento de cada novo acto de registo, exigindo e traduzindo um nexo ininterrupto de continuidade entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre a coisa.

O princípio tem consagração expressa no artigo 34º, nºs. 1 e 2 do CRP [15]. Contempla, assim, tanto o ingresso no registo, como o que tipicamente constitui trato sucessivo, a continuidade do registo com a garantia que lhe é inerente.

Porém, mesmo neste entendimento que a lei consagra e que revela grande amplitude, só estará abrangida dentro da noção de trato sucessivo a coerência registral entre as várias inscrições que se sucedem relativamente a cada prédio [16].

O princípio da prioridade, consagrado no artigo 6º do CRP [17], estabelece a prevalência do direito inscrito em primeiro lugar sobre os que se lhe seguirem com referência aos mesmos bens. A prevalência dá-se em relação aos direitos inscritos em primeiro lugar sobre os que, por ordem da data do respectivo registo, se lhes seguirem relativamente aos mesmos bens.

A prioridade do registo determina, assim, ou a exclusão do direito posteriormente registado quando se trate de direitos incompatíveis (a transmissão, p. ex., do direito de propriedade que determine uma cadeia que, partindo de um ponto, segue duas linhas divergentes que nunca se encontram), ou a prioridade de graduação (um direito é graduado à frente de outro) nos casos em que se não excluem mutuamente.

A prioridade tem uma importância fundamental no sistema de registo predial: pode determinar seja o total afastamento das consequências e dos efeitos de inscrições posteriores, seja o grau de preferências que as há-de regular [18].

O princípio da fé pública, inscrito no artigo 7º do CRP [19], traduz o valor pressuposto e inerente à publicidade do registo: uma presunção de verdade ou de exactidão do registo que constitui um outro modo de compreensão do principal dos efeitos substantivos do registo predial [20].


3. A protecção conferida pelo registo traduz-se, assim, no sistema nacional se registo predial, por um lado, numa presunção de que o direito existe e, por outro, de que pertence ao titular nos precisos termos em que o registo o define.

A presunção derivada do registo respeita tanto aos factos inscritos, como às situações jurídicas decorrentes.

A presunção é ilidível, juris tantum, mas, como presunção legal, apenas nos termos e segundo os pressupostos regulados na lei.

Nos termos do artigo 8º do CRP, "os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo" - nº 1 - e "não terão seguimento, após os articulados, as acções em que não seja formulado o pedido de cancelamento previsto no número anterior" - nº 2. E para se provar que deve ser cancelado terá que se demonstrar que é nulo - o que só pode acontecer nos casos directamente previstos na lei.

Por isso, reconhece a doutrina que a ilisão da presunção pode não ser fácil [21].

Além disso, o ónus da prova está sempre invertido: quem obteve o registo a seu favor nunca necessitará de provar que o direito lhe pertence. "É que o registo, inscrevendo factos, publicita direitos; e publicita-os da forma precisa como nele se acham definidos. Quem quiser demonstrar o contrário é que terá o ónus de o provar."

"Esta consequência registral de defesa do titular inscrito já foi doutrinalmente elevada à categoria de 'efeito substantivo indirecto'. É que, de facto, 'o efeito presuntivo geral consagrado no artigo 7º (...) assume um papel de relevo na defesa material dos direitos reais'. O ónus de provar - acrescido da conhecida dificuldade da prova em matéria de direitos reais - pode, de facto, ser quase tão determinante como a própria existência do direito."

Deste modo, "quem obtiver o registo a seu favor não tem que se preocupar na demonstração de que o direito lhe pertence. Goza de uma presunção legal de verdade que, embora juris tantum, só em raras e determinadas circunstâncias será efectivamente possível ilidir" [22].


4. Um outro efeito relevante do registo consiste na oponibilidade a terceiros dos direitos e ele sujeitos.

Dispõe o artigo 5º do CRP, sob a epígrafe de "oponibilidade a terceiros".

"1. Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.

2. Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.

3. A falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais a quem incumba a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros destes.

4. Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si" [23].

Deste efeito do registo decorre que pode haver casos em que o titular aparente, que na ordem substantiva não havia adquirido (v. g., em resultado de acto nulo), se torna verdadeiro titular em consequência de se ter antecipado no registo ao titular substancialmente válido.

São os casos de aquisição em consequência do registo que pressupõem ou a inexistência de registo anterior ou a preexistência de um registo desconforme com a realidade substantiva [24].


IV


1. O registo, como os actos jurídicos, pode sofrer de alguma irregularidade que afecte a sua própria existência, validade ou consistência.

A matéria vem regulada nos artigos 14º a 18º do CRP: os vícios do registo são, por ordem decrescente de gravidade, a inexistência, a nulidade e a inexactidão [25].

Dispõe o artigo 14º:
"Causas de inexistência"
"O registo é juridicamente inexistente:
a) Quando tiver sido lavrado em conservatória territorialmente incompetente;
b) Quando for insuprível a falta de assinatura do registo."

E o artigo 15º, por seu lado, fixa o "regime da inexistência":

"1. O registo juridicamente inexistente não produz quaisquer efeitos.
2. A inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial.
3. No caso previsto na alínea a) do artigo anterior o conservador transferirá os documentos e cópia dos registos para a conservatória competente, que efectuará oficiosamente o registo com comunicação ao interessado."

A inexistência constitui uma falta total, que nem carece de ser invocada. O regime previsto no Código parte da conceptualização doutrinal de inexistência e aceita as sus consequências típicas: não carece de ser declarado e pode ser invocado a todo o tempo e por qualquer pessoa e não produz quaisquer efeitos [26].

2. A lei considera também como vício do registo a nulidade.

As causas de nulidade estão previstas no artigo 16º, que dispõe:

" O registo é nulo:
a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos;
b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado;
c) Quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere;
d) Quando tiver sido assinado por pessoa sem competência funcional, salvo o disposto no nº 2 do artigo 369º do Código Civil;
e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo."

A nulidade, em geral, constitui uma espécie grave de invalidade dos actos jurídicos; a gravidade do vício é revelada pelo (e tem tradução no) regime legal, tanto no que respeita à invocação, como especialmente nas consequências: as nulidades operam ipso jure ou ipsa vi legis, são invocáveis por qualquer pessoa interessada e são insanáveis pelo decurso do tempo ou mediante confirmação.[27]

As consequências da nulidade pressupõem, pois, que só falhas muito graves a possam determinar. Por isso as causas de nulidade devem estar directamente previstas na lei. "A nulidade dos actos é uma pena muito grave e de efeitos transcendentes, porque produz a morte civil dos mesmos actos e, por isso, só a deve haver quando a lei por motivos de grande conveniência pública, a tenha expressamente cominado."[28]

De um modo geral, a teoria da nulidade dos actos pode ser transposta para os actos de registo.

Desde logo, as nulidades do registo são apenas as taxativamente enumeradas na lei.[29]

A nulidade do registo não é sanável e, por isso, não permite, em geral, a rectificação do registo. Porém, diversamente do regime geral, o registo mantém-se com o vício que o inquina, só podendo a nulidade ser invocada depois de ter sido declarada por decisão judicial transitada em julgado. É o que dispõe o artigo 17º, nº 1, do CRP: "A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado".

Este regime da nulidade sofre duas excepções no que se refere à possibilidade de rectificação do registo antes da declaração da nulidade em juízo: quando tenha havido violação do princípio do trato sucessivo (artigo 120º, nº 2), ou quando o registo tiver sido indevidamente lavrado (artigo 16º, alínea b), e artigos 120º, nº 1 e 123º, nº1).

O regime das nulidades do registo prevê, também, ao contrário do regime geral, que em certas circunstâncias o registo nulo possa produzir efeitos. Nos termos do artigo 17º, nº 2, do CRP, "a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade” [30].



3. A inexactidão do registo constitui, por seu lado, um vício de menor intensidade que não determine a inexistência ou a nulidade. Está caracterizado no artigo 18º, nº 1, do CRP: "O registo é inexacto quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade."

Este conceito é novo em relação ao Código anterior e abrange o que então se designava como "erro de registo" e como "irregularidade de registo". "O primeiro caso era o da desconformidade do registo com os títulos que lhe serviram de base. Estes continham uma coisa, mas o registo publicava outra." O registo estava errado, "não espelhando a realidade constante dos documentos, ou por simples erro de cópia, ou por erro substancial, alterando o sentido e alcance do título" [31].

"Quando a inexactidão se referia ao próprio documento que serviu de base ao registo não era este que se podia dizer errado. Errado (...) estava o título, não o registo. A esta anomalia do documento correspondia, pois, o conceito de 'irregularidade do registo' ".
"O actual Código englobou estes dois conceitos - erro e irregularidade - num único, que designou por inexactidão. A alteração teve o efeito prático de determinar a aplicabilidade do mesmo processo de rectificação às duas hipóteses. Nomeadamente, as que respeitam às deficiências dos títulos não obrigam à prévia emenda destes (...)" [32].






V

1. O registo predial dispõe de formas intra-sistemáticas de superar alguns dos vícios de registo. São os processos de rectificação do registo previstos nos artigos 120º e seguintes do CRP.[33]

Dispõe o artigo 120º:

1. Os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador, logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito.

2. Os registos nulos por violação do princípio do trato sucessivo podem ser rectificados pela feitura do registo em falta, se não estiver registada a acção de declaração de nulidade.

3. Salvo o disposto no número anterior, a rectificação do registo é feita por averbamento."

O Código consagra um regime suficientemente amplo ao abranger nesta disposição os registos inexactos e os indevidamente lavrados, bem como os efectuados sem observância do trato sucessivo, permitindo, deste modo, em todos os casos, "o ajustamento do registo à realidade material e jurídica subjacente através do processo simples e rápido de rectificação do registo."[34]

O processo, como resulta do artigo 120º, pode iniciar-se por iniciativa do conservador - oficiosamente - ou a pedido de qualquer interessado, segundo o princípio da instância.

O conservador é, assim, quem, em primeiro lugar, pode (deve) promover a rectificação. Sendo sua função cuidar da veracidade do registo e da exacta coincidência do registo com o direito que está titulado, a lei impõe-lhe que promova oficiosamente a rectificação "logo que tome conhecimento da irregularidade".

A rectificação - dispõe o artigo 124º - não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiros de boa fé, se o registo dos factos correspondentes for anterior ao registo da rectificação ou da pendência do respectivo processo.


2. Os casos em que é imposta (intervenção oficiosa), ou admitida (requerimento dos interessados) a rectificação do registo estão previstos no referido artigo 120º, nºs. 1 e 2. - os registos inexactos, os indevidamente lavrados e os nulos por violação do princípio do trato sucessivo, estes se não estiver registada a acção de declaração de nulidade.

Os registos inexactos são, como se referiu, aqueles que, como dispõe o artigo 18º, tenham sido lavrados (se mostrem lavrados) em desconformidade com o título que lhes serviu de base ou enfermem de deficiências desse título que não sejam causa de nulidade.

Dispõem, a este respeito, os artigos 121º ("Desconformidade com o título") e 122º ("Deficiências dos títulos").

Artigo 121º:

"1. A inexactidão proveniente da desconformidade com o título é rectificada oficiosamente em face dos documentos que serviram de base ao registo.

2. Se, porém, a rectificação puder prejudicar direitos de titulares inscritos, é necessário o consentimento de todos ou decisão judicial".

Artigo 122º:

"1. As inexactidões provenientes de deficiências dos títulos só podem ser rectificadas com o consentimento de todos os interessados ou por decisão judicial, desde que as deficiências não sejam causa de nulidade.

2. A rectificação que não envolva prejuízo de titulares inscritos, desde que baseada em documento bastante, pode ser feita a requerimento de qualquer interessado."


3. Os registos indevidamente lavrados, por seu lado, poderiam ser, numa certa perspectiva, todos os que se mostrassem desconformes com a realidade jurídica e material subjacente, e, assim, todos os casos em que se verificasse erro de registo, isto é, que enfermem de vício que seja causa de nulidade ou mesmo de inexistência.

Não é este, porém, o sentido com que o conceito é empregue no Código.

A possibilidade de rectificação dos registos indevidamente lavrados apenas está directamente prevista para as situações indicadas no artigo 123º: os registos indevidamente lavrados que enfermem de nulidade nos termos da alínea b) do artigo 16º podem ser cancelados mediante consentimento de todos os interessados, ou por decisão judicial em processo de rectificação [35], - nº 1, e os registos lançados em ficha distinta daquela em que deveriam ter sido lavrados serão oficiosamente transcritos na ficha que lhes corresponda [36].

No nº 1 prevê-se uma das duas situações (a outra está prevista no artigo 120º, nº 2 - o registo nulo por violação do princípio do trato sucessivo) em que o registo que enferme de nulidade pode ser rectificado através do processo próprio previsto no código, sem exigir que seja proposta, segundo os termos gerais, uma acção para declaração de nulidade do registo, como exige o artigo 17º, nº 1, do CRP.


4. O processo para rectificação do registo está previsto nos artigos 126º e segs. do CRP.

A rectificação pode, como se referiu, ser determinada pelo conservador, e deve ser precedida de consentimento de todos os interessados, prestado em requerimento ou obtido em conferência, quando a rectificação puder prejudicar direitos de titulares inscritos.

A noção de interessado tem de ser tomada num sentido jurídico e processual. O interesse que se manifesta não pode ser incerto, futuro ou eventual; deve, ao contrário, ser um interesse actual, real e efectivo, e documentalmente provado. O interesse na rectificação do registo radica na exigência, pressuposta pela protecção conferida e pela fé pública, de que a realidade registral coincida com a realidade substantiva.

A rectificação pode também ter lugar por via judicial (rectificação judicial) sempre que não seja possível obter o acordo expresso dos interessados; em tais circunstâncias, resta a solução contenciosa nos termos do procedimento previsto nos artigos 127º e segs.: o pedido, dirigido ao juiz, tanto pode ser formulado por qualquer interessado, como pelo conservador, que deve promover oficiosamente a rectificação judicial na falta de acordo ou em caso de impossibilidade de realização da conferência [37].





VI

1. O sistema que se descreveu nos seus elementos essenciais admite, pois, dois modos de remediar os vícios do registo, conforme a natureza destes.

Um modo intra-sistemático de rectificação, através de meios processuais ou procedimentais privativos, previstos no próprio Código, oficiosos ou sujeitos ao princípio da instância, extrajudiciais (pelo conservador) ou judiciais, e os meios processuais gerais, através da acção de declaração de nulidade.

Naqueles, como foi referido, estão os casos de inexactidão do registo e os registos indevidamente lavrados e os registos nulos por violação do princípio do trato sucessivo.

Nestes, todos os casos de nulidade do registo que não sejam susceptíveis de rectificação.


2. As situações referidas na consulta são, tal como vêm qualificadas, verdadeiramente "anómalas".

A anomalia é revelada pela circunstância de o defeito ou deficiência que manifestam não se encontrar tanto no âmbito de referência da validade substancial dos títulos, ou mesmo da realidade substantiva subjacente, mas fundamentalmente na incoerência que traduzem quando consideradas no interior do sistema e dos princípios do registo.

E também pelo facto de tal incoerência se manifestar, no registo, por erro ("anomalia") funcional, antes, ou ao lado, dos actos dos interessados substancialmente afectados.

As hipóteses referidas revelam, com efeito, a existência de um segundo registo, que, na base, inscreve um mesmo facto já anteriormente registado, criando, em consequência, duas ordens registrais absolutamente incompatíveis.

A incoerência revelada em tais casos, para além de contrária aos princípios, deveria ter sido prevenida, não pela consideração da substância dos actos, mas logo pela verificação e consulta dos próprios elementos já constantes do registo.

Nas hipóteses A e C - recorde-se - verifica-se uma dupla (segunda) inscrição de um mesmo facto a favor de um mesmo sujeito (quando este já havia transmitido o direito a outrem, que este fez inscrever no registo); na hipótese B, trata-se de inscrição no registo de transmissão de coisa (quota) inexistente, mas que, enquanto tal, deveria ter sido detectada imediatamente pela simples verificação da história registral do imóvel, isto é, dos registos anteriores.


3. Mas, como se vê pela sua imediata conformação, as anomalias de registo que vêm indicadas não são enquadráveis em nenhuma das espécies ou categorias típicas de vícios previstas na lei do registo predial.

As deficiências referidas não configuram, manifestamente, causas de inexistência do registo - artigo 14º do CRP.

Também não constituem inexactidões do registo, com o sentido em que a lei utiliza o conceito no artigo 18º do CRP: não se verifica em qualquer das situações desconformidade com o título que serviu de base ao registo, nem revelam deficiências que sejam provenientes do próprio título.

Nesta dimensão das coisas, não há desconformidade com o título porque o registo (anómalo, para usar a qualificação invocada), em qualquer dos casos, está em concordância com os títulos (escritura de transmissão), e estes, enquanto tais, não revelam por si mesmos os vícios substanciais que afectam os actos,[38] isto é, independentemente da validade substancial do acto, o título não revela deficiências que, como tais, tenha transmitido - directamente - ao registo.

Finalmente, os casos referidos não se enquadram em nenhuma das causas - típicas - de nulidade do registo previstas no artigo 16º do CRP.

Não é caso, é manifesto, relativo às alíneas d) e e); por outro lado, os títulos não revelam falsidade, não são (formalmente) insuficientes para prova legal do facto registado [39], nem o registo contém omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere - alíneas a), b) e c) do artigo 16º [40].

As hipóteses indicadas não estão, pois, directamente previstas, não se integrando, consequentemente, nas causas típicas dos vícios do registo.

E não estão previstas porque, certamente, o legislador as não poderia ter previsto na normalidade de funcionamento do sistema: a previsão de tais situações significaria que o legislador não tinha inteira confiança no sistema de registo.

Todavia, a existência de semelhantes casos, resultantes de erro ou deficiência dos procedimentos, revela que o sistema não está isento de falhas relativamente ao que precisamente constitui o seu fundamento: garantir a certeza e a segurança inerentes à fé pública, que só será possível pela rigorosa coerência dentro do sistema de registo.


4. As referidas deficiências, contudo, não podem (não devem) manter-se, necessitando de correcção para que possa ser reposta a coerência registral.

Mas, como não estão previstas como vícios de registo, não se configura na lei uma solução processual para recomposição dos registos que directamente lhes seja aplicável, mas de que manifestamente carecem.

Na verdade, para lá das hipóteses em que a recomposição registral está directamente prevista - seja através da acção de declaração nos casos de nulidade do registo, seja por meio das acções próprias do registo - as situações referidas são merecedoras de semelhante tutela jurídica.

Pode, pois, dizer-se que no caso se detecta uma lacuna de regulamentação.

Com efeito, existe uma lacuna da lei (de lege lata) quando esta, "a avaliar pela sua própria intenção e imanente teleologia, é incompleta e, portanto, carece de integração, e quando a sua integração não contradiz uma limitação (a determinados factos previstos) porventura querida pela lei".[41]

A lacuna pressupõe uma incompletude contrária ao plano do legislador. É sempre uma falha ou uma falta, uma incompletude relativamente a algo que propende para a completude - uma lacuna é uma "incompletude contrária a um plano ("planwidrige Unvollständigkeit")" [42].

Existirá, pois, lacuna quando a lei (dentro dos limites de uma interpretação ainda possível) não contém uma regulamentação exigida ou pressuposta pela ordem jurídica, ou seja, quando não contém a resposta a uma determinada questão jurídica.

Verificando-se uma lacuna, importa integrá-la de acordo com os critérios apontados no artigo 10º do Código Civil, o primeiro dos quais manda recorrer à norma aplicável aos casos análogos.


5. Nos termos do artigo 17º, nº 1, do CRP, a nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada em decisão judicial com trânsito em julgado.

E, como se referiu, as causas de nulidade são taxativas, não constituindo motivo de nulidade as falhas ou deficiências do registo para as quais a lei não consigne expressamente tal consequência.

Deste modo, o regime da nulidade do registo não pode constituir caso análogo para nele encontrar solução para as deficiências do tipo das que vêm indicadas.

Diversamente, as situações em que a lei considera existir inexactidão do registo, e os casos de registos indevidamente lavrados, com o sentido em que o código entende a noção, e que admitem a rectificação segundo os termos previstos nos artigos 120º e seguintes do CRP, podem constituir modelos de referência de aplicação analógica.

Basta que nos casos indicados procedam as razões justificativas da regulamentação sobre a rectificação do registo nos termos previstos na lei.

Tais razões procedem. Com efeito, tanto em umas como em outras se trata de deficiências do registo susceptíveis de perturbar as finalidades do registo predial: a fé pública e a segurança do comércio imobiliário. E se nos casos directamente previstos os vícios podem afectar a visibilidade do registo com prejuízo do índice probatório da presunção que dele resulta, nos que foram referidos na consulta é, porventura ainda com maior gravidade, a própria coerência interna do sistema que está em causa.

Tudo indica, assim, que as situações anómalas em que, por erro, se tenha iniciado uma segunda linha registral, incompatível com outra anterior correctamente estabelecida, ou em que a contraditoriedade interna (a incoerência do registo) seja patente, devam estar admitidas à possibilidade de rectificação nos mesmos termos que as inexactidões do registo [43].

Por outro lado, o processo de rectificação parece particularmente adequado á solução das anomalias que se patenteiam. Não apenas porque pode ser oficiosamente promovido pelo conservador, como por prever a intervenção de todos os interessados cujos direitos possam ser afectados, e a rectificação judicial, caso se mostre necessária por falta de consentimento ou acordo [44].


VII

1. A consulta foi determinada - recorde-se - pela divergência de entendimento entre magistrados do Ministério Público e o conservador sobre o procedimento adequado à recomposição do registo nos referidos casos.

Enquanto que este solicitou ao Mº Pº a propositura das "necessárias acções declarativas de nulidade", os magistrados entenderam que os meios processuais privativos do registo predial eram os adequados e que, de qualquer modo, o Mº Pº não dispunha de legitimidade para a propositura de qualquer acção de nulidade decorrente de negócios privados.

O discurso expositivo que se esboçou e as conclusões que lhe estão inerentes dispensariam uma abordagem neste plano [45]. Todavia, mais por rigor de análise na periferia do problema do que por estritas exigências metodológicas, não deixará de ser considerado.


2. O Ministério Público representa o Estado, as regiões autónomas , as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta - artigo 1º e 3º, nº 1, alínea a) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 60/98, de 27 de Agosto [46].

O conceito de representação utilizado "é juridicamente impreciso, pois compreende situações em que se está perante verdadeiros poderes de representação (tendentes a exprimir a vontade da pessoa ou do ente em nome de quem se age) e situações em que apenas se confia ao Ministério Público o patrocínio judiciário" [47].

Dispõe, por seu lado, o artigo 5º do Estatuto que o Ministério Público tem intervenção principal nos processos, entre outras situações, quando representa o Estado ou nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade - nº 1, alíneas a) e g). E também tem intervenção acessória quando, não se verificando nenhum dos casos de intervenção principal, sejam interessadas na causa as entidades referidas no nº 4 do artigo 5º.

A doutrina usa classificar os poderes-deveres de intervenção processual do Ministério Público em três categorias: representação, assistência e fiscalização [48].

A função de representação, quando exercida, corresponde à intervenção como parte principal, ou à intervenção principal, na terminologia do Estatuto.

A delimitação da competência estatutária de intervenção principal confere com a dimensão processual e com o recorte doutrinário da figura de 'parte principal': partes principais são o demandante e o demandado, cuja posição processual não está dependente de outras pessoas [49].


3. O Ministério Público representa o Estado, intervindo processualmente como parte principal.

Na representação do Estado, assume a promoção processual quer de interesses privados, quer de interesses de ordem pública do Estado-Administração.

Por outro lado, representa ainda os interesses de ordem pública da colectividade, quando assume a defesa dos titulares a quem aproveita a actuação judiciária de normas de ordem pública.[50]

Vistas as coisas nesta síntese bastante, pode seguramente concluir-se que o Ministério Público apenas poderia eventualmente intervir, propondo uma acção de declaração de nulidade do registo, se se pudesse considerar a existência de um interesse público, personalizado no Estado, que justificasse ou impusesse a tutela jurisdicional na eliminação das nulidades do registo. E interesse público, com relevante autonomia, que não seja simplesmente a tradução externa, no plano registral, dos interesses privados que também estão presentes e que o registo predial se destina a proteger.

De todo o modo, não importa um compromisso sobre a questão, uma vez que se considerou que as deficiências apontadas na consulta não integram qualquer das causas de nulidade do registo previstas na lei.


4. Numa outra perspectiva, os termos da intervenção do Ministério Público nos processos privativos do registo predial estão expressamente previstos, não lhe competindo qualquer poder de iniciativa; a oficiosidade constitui dever do conservador.

A intervenção está limitada aos casos de rectificação judicial, sendo o Ministério Público quem, além das partes e do conservador, pode recorrer da sentença - artigo 131º, nº 2, do CRP.


VIII

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª. Nos termos do artigo 14º e seguintes do Código de Registo Predial, as irregularidades e deficiências do registo estão qualificadas, conforme a sua gravidade, como inexistência, nulidade ou inexactidão do registo;

2ª. As causas de nulidade estão taxativamente indicadas no artigo 16º do Código de Registo Predial, apenas produzindo tal consequência as irregularidades expressamente referidas;

3ª. Os registos que apresentem inexactidão pelos motivos indicados no artigo 18º do Código de Registo Predial podem ser rectificados através do processo previsto nos artigos 120º e seguintes;

4ª. Podem igualmente ser rectificados os registos nulos por terem sido lavrados com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado - artigo 16º, alínea b), e os efectuados com violação do princípio do trato sucessivo - artigo 120º, nº 2 , ambos do Código do Registo Predial;

5ª. Os registos referidos na consulta apresentam-se incoerentes em consequência de anomalia derivada de deficiência dos serviços, impondo-se à correcção de tal anomalia, susceptível de perturbar a fé pública e a segurança registal;

6ª. Os registos referidos na conclusão anterior, que sofrem de deficiências não expressamente enquadráveis nas irregularidades típicas do registo previstas no Código do Registo Predial, devem ser equiparados a registos indevidamente lavrados, e devem ser rectificados aplicando-se por analogia o processo previsto nos artigos 120º e segs. do Código de Registo Predial.

[1] Segundo refere o ofício do Conservador do Registo Predial do Seixal ao Director-Geral, as dificuldades sentidas são muito específicas do concelho do Seixal, que descreve como "uma espécie de paraíso de loteamentos clandestinos", sendo, porventura, "o concelho do país onde haverá mais compropriedade e é vulgar no meio fazer coincidir o termo avos com lote". Informa existir "um prédio com cerca de 5000 comproprietários, duas dezenas de prédios com 5 centenas de com proprietários, e dezenas de prédios com dezenas de comproprietários".
[2] Esta hipótese refere-se, segundo se informa, aos prédios 00118/010485 da freguesia de Arrentela e 22681, fls. 46-v, do livro B-62.
Para esta situação foi solicitado ao Mº Pº a propositura de "acção de anulação da 2º registo a favor de B e da transmissão a D, sem prejuízo de ser instaurado processo crime".
[3] Para estas hipóteses foi solicitada ao Mº Pº acção de declaração de nulidade do registo a favor de G, por violação de trato sucessivo - prédio 00432/190589 - Paio Pires.
[4] Aprovado pelo Decreto-Lei nº 224/84, de 6 de Julho, com várias alterações, a mais recente e profunda introduzida pelo Decreto-Lei nº. 533/99, de 11 de Dezembro. O Código, com as alterações introduzidas, foi republicado em Anexo a este diploma.
[5] Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Publicidade e Teoria dos Registos, Coimbra, 1966, pág. 97.
[6] Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Reais, 5ª edição, 1993, pág. 335; ISABEL PEREIRA MENDES, Enunciação Esquemática dos Fins e Princípios Registrais, in "Regesta, Revista de Direito Registral", Ano XII, nº. 4, Outubro-Dezembro de 1991, pág. 19 e segs.
[7] Cfr. J. A. MOUTEIRA GUERREIRO, Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2ª edição, 1994, pág. 73.
[8] Cfr., v. g., OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., pág. 336 e segs.; MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., pág. 65 e segs.; ISABEL PEREIRA MENDES, loc. cit. (referindo, também, os princípios da especialidade e da legitimação), e FERNANDO ELÍSIO RODRIGUES FONTINHA, Registo Predial. Manual e Código, Lisboa, 1994, pág. 51 e segs. (considera apenas três princípios estruturantes: legalidade, tipicidade e trato sucessivo).
A fé pública, ora vem enunciada como princípio, ora vem tratada no âmbito dos efeitos do registo.
[9] Artigo 68º:
"Princípio da legalidade"
"Compete ao conservador apreciar a viabilidade do pedido de registo, em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidos."
[10] A identidade do prédio terá de reflectir os elementos contidos nos artigos 28º e segs. do CRP (conjugação do registo com as matrizes prediais), e 42º (indicação dos prédios, que deve ser feita através do número da descrição, da designação da fracção autónoma ou da parcela habitacional, ou quando não descritos pelo número de ordem que tenham no título mais recente, e referência às menções gerais das descrições principais e subordinadas indicadas nos artigos 82º e 83º; no que respeita à legitimidade dos interessados determina-se nos artigos 36º e segs. que, em geral, têm legitimidade para pedir o registo os sujeitos, activos ou passivos, da respectiva relação jurídica e, de um modo geral, todos aqueles que tenham interesse na efectivação do registo; a regularidade formal dos títulos contém a imposição de que os actos devem obedecer à forma exigida por lei, prevendo-se, por isso, que só possam ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem (artigo 43º, nº1); a validade dos actos dispositivos contidos no título impõe a verificação da legalidade dos próprios actos dispositivos, colocando em equação os conceitos de nulidade e anulabilidade dos actos e negócios jurídicos. Cfr. FERNANDO ELÍSIO RODRIGUES FONTINHA, Registo Predial, cit., pág. 51-53.
[11] Artigo 69º:
"Recusa do registo"
1. O registo deve ser recusado nos seguintes casos:
a) Quando a conservatória for territorialmente incompetente;
b) Quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados;
c) Quando se verifique que o facto constante do documento já está registado ou não está sujeito a registo;
d) Quando for manifesta a nulidade do facto;
e) Quando o registo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não se mostrem removidas;
f) Quando o preparo não tiver sido feito.
2. Além dos casos previstos no número anterior, o registo só pode ser recusado se, por falta de elementos ou pela natureza do acto, não puder ser feito como provisório por dúvidas.
3. No caso de recusa anotar-se-á na ficha o acto recusado a seguir ao número e data da respectiva apresentação."
[12] Artigo 70º:
"Registo provisório por dúvidas"
"O registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando exista motivo que, não sendo fundamento de recusa, obste ao registo do acto tal como é pedido."
[13] Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Reais, cit., pág. 338.
[14] Cfr. EDUARDO DOS SANTOS, Do Princípio do Trato Sucessivo, in "Regesta, Revista de Direito Registral", Ano XII, Abril-Junho 1991, nº 2, págs. 35 e segs; e v. g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Outubro de 1992, in, "Boletim do Ministério da Justiça", nº 420, pág. 572.
[15] Artigo 34º:
"Princípio do trato sucessivo"
"1. O registo definitivo de aquisição de direitos nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 9º ou de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite ou onera.
2. No caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito."
[16] Cfr., v.g., OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., pág. 344. A falta de coerência interna pode derivar, por exemplo, da existência anómala de duas ordens de registos. A questão será retomada infra, nos termos aconselhados pela economia do parecer.
[17] Artigo 6º:
"Prioridade do registo"
"1. O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes.
2. Exceptuam-se da parte final do número anterior as inscrições hipotecárias da mesma data, que concorrem entra si na proporção das respectivos créditos.
3. O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório."
4. Em caso de recusa, o registo feito na sequência de recurso julgado procedente conserva a prioridade correspondente à apresentação do acto recusado."
[18] Cfr. MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., pág. 68.
[19] Artigo 7º:
"Presunções derivadas do registo"
"O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define."
[20] Cfr., ISABEL PEREIRA MENDES, A publicidade registral imobiliária como factor de segurança jurídica, in, "Regesta", Ano XIII, Abril-Junho 1992, nº 2, págs. 40 e segs.
[21] Cfr., v. g., A. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, Lisboa, 1993 (Reimpressão 1979), págs. 273 e segs.; MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., pág. 70 e OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., págs. 351 e segs.
[22] Citou-se MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., págs. 70-71. Cfr., sobre conflito de presunções derivadas da posse e do registo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Junho de 1983, anotado na "Revista de Legislação e de Jurisprudência", Ano 120º, nº 3760, págs. 208 e segs.
[23] A controvérsia sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo teve, na jurisprudência recente, desenvolvimentos inéditos. Cfr., sobre o sentido da controvérsia, v. g., MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Sobre o Conceito de Terceiros apara Efeitos de Registo, in, "Revista da Ordem dos Advogados", Ano 59, 1999, págs. 29 e segs., citando na pág. 31, nota (3), variada doutrina sobre o tema, que transmite indicação sobre a intensidade da controvérsia.
Com efeito, recentemente, em três intervenções próximas, uniformizadoras de jurisprudência, o Supremo Tribunal tomou posições sucessivamente divergentes: acórdãos nºs 15/97, de 4 de Julho, 4/98, de 18 de Dezembro e 3/99, de 10 de Julho. Nesta decisão, o Supremo voltou a adoptar uma concepção restrita de terceiros para efeitos de registo, uniformizando jurisprudência no seguinte sentido: "Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5º do Código do Registo Predial, são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa". O legislador, através do Decreto-Lei nº 533/99, de 11 de Dezembro, acrescentou o nº 4 ao artigo 5º do CRP, que fixou em norma legal o sentido da formulação mais recente da jurisprudência uniformizadora.
[24] Exemplo típico de aquisição do direito (pelo registo) pelo pseudo-adquirente: "Se T vende um prédio a A e depois o vende a P, só o primeiro acto é válido e A é o verdadeiro proprietário; mas se o pseudo-adquirente registar a venda (inválida por carência de legitimidade substantiva de T) antes de A, passa a ser P quem, desde o momento do registo, deve ser considerado titular. Dá-se uma aquisição derivada". Cfr., OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., pág. 365.
[25] Esta sistematização do Código de 1984 não constava dos anteriores que , a propósito dos actos de registo, tratava das irregularidades e das nulidades, definindo as espécies de erros só no capítulo dedicado à sua rectificação. O actual Código alterou significativamente não só a sistematização, como os próprios conceitos. Cfr., MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., pág. 97.
[26] Cfr., sobre e inexistência dos actos, em geral, v. g., MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Reimpressão, 1992, vol. II, p. 414-415.
[27] Artigos 286º e 288º do Código Civil. Cfr., v. g., MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 611.
[28] Cfr. CASTRO MENDES, Direito Civil, Teoria Geral, Vol. III, 1979, pág. 696.
[29] Cfr., v. g., MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., pág. 98. ISABEL PEREIRA MENDES, in Código de Registo Predial, Anotado, 10ª edição, Coimbra, 2000, pág. 127, defende, no entanto, que o artigo 16º do CRP é "manifestamente incompleto na enumeração dos casos de registo nulo". "Não pode deixar de ser considerado como tal um registo lavrado com base em título ferido de nulidade. Assim, uma vez declarada judicialmente a nulidade do título que lhe serviu de base, entendemos que o registo deverá também ser considerado como nulo, designadamente para efeitos de aplicação do disposto no artigo 17º deste código."
Deve referir-se, porém, que a dúvida pode não ter razão de ser. Com efeito, na hipótese, a questão sobre a causa da invalidade pode integrar-se no âmbito da alinea b) do artigo 16º e, então, está aí expressa. Parece, no entanto, que na análise das causas de nulidade do registo está sempre muito presente a dimensão da validade substancial dos actos relativos aos factos objecto de registo, questão que, manifestamente, o artigo 16º não trata, referindo apenas a nulidades do registo enquanto tal (nulidades registrais).
[30] A delimitação do âmbito de intervenção do artigo 17º, nº 2, do CRP (nulidade do registo) e do regime do artigo 291º, nº 2, do Código Civil (nulidade substancial) tem sido objecto de atenção e de controvérsia por parte da doutrina e dos comentadores. Cfr., v. g., ISABEL PEREIRA MENDES, Código, cit. pág.129 e segs.
[31] Citou-se MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., ag. 101.
[32] Cfr. idem, ibidem, pág. 101-102 e nota (1), defendendo que no caso de deficiência dos títulos não há agora motivo para obrigar os interessados a proceder à rectificação dos títulos (v. g., escrituras públicas) para só depois se rectificar o registo. Tal procedimento será injustificado à face do actual Código. O registo pode (deve) ser rectificado independentemente do título, isto é, mesmo que este o não tenha sido.
[33] O Título VI do Código trata, além dos casos de rectificação do registo (Capítulo II), dos meios de suprimento e da reconstituição do registo. Os meios de suprimento são os que se destinam a substituir o registo em falta, que pode ocorrer tanto por via judicial como extrajudicial. A justificação pode servir para a obtenção de um registo prévio por quem se arroga a titularidade do direito, para o reatamento do trato sucessivo ou o estabelecimento de um novo trato. Cfr. MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., págs. 259 e segs.
[34] Cfr. ISABEL PEREIRA MENDES, Código, cit. pág. 346.
[35] Recorde-se, o registo que tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado.
[36] Trata-se, neste caso, "de um mero erro técnico, facilmente detectável, que, em princípio, não afectando os direitos dos titulares inscritos, deve ser imediatamente rectificado pela forma consignada (...), isto é, com a simples transcrição do acto na ficha correcta e simultânea anotação ao registo errado da sua inutilização e indicação da ficha em que foi transcrito." Cfr., MOUTEIRA GUERREIRO, op. cit., pág. 272.
[37] Artigo 127º:
"1. Se a conferência não for possível ou na falta de acordo, pode a rectificação judicial ser requerida por qualquer interessado.
2. Não sendo requerida no prazo de oito dias, deve o conservador promover oficiosamente a rectificação, quando reconheça que o registo é inexacto ou foi indevidamente lavrado, ou, no caso contrário, cancelar o averbamento a que se refere o nº 2 do artigo anterior."
[38] Nas hipóteses A e C, foram inscritas no registo transmissões (venda) de coisa alheia, nulas como dispõe o artigo 892º do Código Civil. Na hipótese B, a situação poderá ser considerada também como venda de coisa alheia (a última quota transmitida não pertencia ao alienante, mas ao mais recente, ou a um anterior adquirente), ou, talvez mais propriamente, negócio nulo por impossibilidade física do objecto - artigo 280º, nº 1, do Código Civil.
[39] Artigo 875º do Código Civil: "O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública."
[40] A alínea e) refere-se, é certo, à violação do princípio do trato sucessivo como causa de nulidade do registo. E o Conservador na sua exposição reputa de nulos os registos referidos por violação do trato sucessivo.
Tal qualificação não é, contudo, aceitável. Com efeito, na noção de trato sucessivo só está abrangida a coerência registral entre as várias inscrições que se sucedem relativamente a cada prédio - cfr., supra, ponto III, 2. Por isso, nos casos referidos, não se verificam hiatos na sequência do registo, mas, bem diversamente, duas linhas de registo absolutamente incompatíveis, embora com trato sucessivo no interior de cada uma.
[41] Cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª edição, pág. 428; Cfr., também, o parecer deste Conselho nº 90/88, de 8 de Março de 1989, e bibliografia aí citada.
[42] Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, pág. 194.
[43] Num certo sentido literal, as situações referidas constituiriam casos de "registos indevidamente lavrados", já que o conservador deveria tê-los recusado. Na verdade, no respeito pelo princípio da legalidade, ao conservador compete - recorde-se - apreciar a viabilidade do pedido de registo, em face designadamente dos registos anteriores, verificando especialmente a validade dos actos dispositivos contidos nos títulos - artigo 68º do CRP. E deve recusar o registo, entre outros casos, quando verifique que o facto já está registado ou quando for manifesta a nulidade do facto - artigo 69º, nº 1, alíneas c) e d). Nas hipóteses expostas, a apreciação e a simples verificação dos registos anteriores relativos à situação dos imóveis teria levado à actuação do dever de recusa.
[44] Segundo informa o Conservador, foi assim que procedeu no caso que refere na hipótese C.
Mas a situação, fundamentalmente, não pode ter solução diferente nas restantes hipóteses, que não revelam direitos a preservar por parte dos titulares das inscrições incompatíveis da segunda linha de registo. Na verdade, se do registo constam inscrições incompatíveis e se o próprio registo revela a desconformidade, ninguém pode valer-se de uma inscrição incorrecta quando não está em melhores condições do que aquele que tiver depositado confiança na inscrição verdadeira. Se um terceiro consegue um segundo registo do mesmo prédio, onde faz inscrever direitos incompatíveis com o do titular verdadeiro que está também inscrito, e se um subadquirente, a título oneroso e de boa fé, fizer inscrever a sua situação, não adquire constitutivamente, porque o titular verdadeiro também goza da publicidade do registo, e em caso de conflito o seu direito merece maior protecção. Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Reais, cit. pág. 381 e Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, in, "Separata da Revista da Ordem dos Advogados", 1974, pág. 40.
[45] Tendo sido solicitada a propositura das "necessárias acções de nulidade", a questão e a dúvida ficam sem objecto quando se conclua, como se concluíu, que as deficiências apontadas não constituem casos de nulidade do registo.
[46] Em termos semelhantes dispunham as anteriores Leis Orgânicas.
[47] Cfr. CUNHA RODRIGUES, En Nome do Povo, 1999, pág. 155.
[48] Acompanha-se o parecer deste Conselho nº 224/79, de 24 de Abril de 1980.
[49] Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 77-78.
[50] Cfr. ANTÓNIO DA COSTA NEVES RIBEIRO, O Estado nos Tribunais, 1994, págs. 18 e segs.
Anotações
Legislação: 
CRP84 ART1, ART2, ART3, ART5, ART6, ART7, ART8 N1 N2, ART14, ART16 A) B) C) D) E), ART17 N1 N2, ART18, ART34 N1 N2, ART41, ART42, ART68, ART69, ART120 N1 N2, ART121, ART122, ART123 N1, ART124, ART127, ART131 N2, ART153
CCIV66 ART10
L 60/98, de 1998/08/27 ART1, ART3 N1 A), ART5 N1 A) G) N4
Referências Complementares: 
DIR CIV * TEORIA GERAL * DIR REAIS / DIR JUDIC
Divulgação
Data: 
20-11-2000
Página: 
18812
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