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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
54/1994, de 24.11.1994
Data do Parecer: 
24-11-1994
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
RISCO AGRAVADO
Conclusões: 
1 - O exercício de instrução de técnica de combate, em que se faz uso de granadas de mão, corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - A qualificação como deficiente das Forças Armadas importa a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;
3 - A percentagem mínima de incapacidade referida na conclusão precedente é aplicável aos acidentes ocorridos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, a menos que se trate de qualificação automática;
4 - Do acidente de que foi vítima o Sargento Miliciano NIM (...), ocorrido em actividade militar correspondente à descrita na conclusão 1ª, resultou uma incapacidade de 10%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado
da Defesa Nacional,
Excelência:


1

(...), 2º Sarg.Mil. NIM (...), requereu a revisão do processo por acidente de que foi vítima, em Angola, "a fim de ser presente a uma nova JHI para efeitos de avaliação do seu grau de incapacidade".

Vem o processo à Procuradoria-Geral da República para emissão do parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

Cumpre, assim, emiti-lo.

2

2.1. O processo por desastre em serviço, oportunamente instaurado, teve por base participação datada de 19 de Março de 1971, redigida nos seguintes termos:

"No passado dia 17, pelas 16H00, quando procedia à instrução de T.C. (ficha 3/I), para incentivar a mesma foi lançada por mim uma granada de mão ofensiva m/62 e como consequência do rebentamento um dos estilhaços feriu o soldado (...), por não ter sido lesto a afastar-se conforme indicação que lhe foi dada".

2.2. Instruído o processo, o respectivo relatório concluiria:

1º- Que o sinistrado soldado Miliciano nº (...) não teve qualquer culpabilidade no acidente.

2º- Que na altura do sinistro, o sinistrado encontrava-se em serviço oficial.

3º- Que do acidente resultou para o sinistrado um período de doença de 62 dias, findo os quais teve alta curado, não tendo resultado aleijão, deformidade ou incapacidade para o serviço militar.

4º- Que o desastre em causa deve ser considerado como ocorrido em serviço.

5º- Não há no presente processo quaisquer factos não provados circunstâncias atenuantes ou agravantes.

6º- Que ao causador do acidente foi levantado processo de corpo de delito."

Por despacho de 20 de Maio de 1972 foi considerado que:
"O desastre ocorreu em serviço e por motivo do mesmo, não havendo culpabilidade por parte do sinistrado. Ao culpado involuntário foi instaurado processo de corpo de delito".

2.3. Na sequência do requerimento de revisão, foi o militar em apreço submetido à JHI/HMP, em 12 de Junho de 1972, que o considerou incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com a desvalorização de 0,10% (despacho de homologação de 23/11/92).

A Comissão Permanente para Informação e Pareceres foi de parecer que "o motivo pelo qual a JHI julgou este militar incapaz de todo o serviço militar com 10% de desvalorização resultou das lesões sofridas no acidente ocorrido em serviço, algures em Angola em 24 de Março de 1971" (1).

2.4. Refira-se, por último, que em Informação da Repartição de Justiça e Disciplina se considerou, em sede de matéria de facto, que o lançamento da granada "se inseria no quadro da instrução, e que tinha por objectivo habilitar os interessados a reagir ao lançamento de granadas"; e mais adiante, ao fazer o "enquadramento legal", escreveu-se na referida Informação: "Tem sido, aliás, corrente, a nível doutrinário e jurisprudencial, considerar-se como actividade militar que comporta risco agravado, o manuseamento de granadas de mão por razões de instrução ou em outras circunstâncias relacionadas com o serviço".

3

Importa conhecer o direito aplicável.

Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria nº 114/79, de 12 de Março.

Dispõe o nº 2 do artigo 1º daquele Decreto-Lei:
"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

E acrescenta-se no artigo 2º, nº 1, alínea b):
"1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que: a) (...) b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo esclarecem:
"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas sua características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

4

O grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das forças armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.

Nem sempre assim aconteceu, porquanto na vigência de diplomas anteriores, com idênticos objectivos, não se encontrava estabelecido tal limite mínimo.

Como se afirmou em anteriores pareceres, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das forças armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando- os em dificuldades profissionais e sociais". E observou- se que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das forças armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma"

(). Ressalvam-se, porém, as situações de qualificação automática - artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76 -, aqui não verificada (3).

Deste modo, o grau de incapacidade de 0,10% atribuído ao requerente torna legalmente inviável a qualificação desejada.

Não obstante, e à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, sempre se abordará, ainda que sumariamente, a questão da qualificação do acidente que se encontra na base da pretensão.

5

Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2 e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ele relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos,
àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
"Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (4).

De harmonia com tal entendimento, tem sido considerado uniformente como actividade militar com risco agravado, equiparável às situações típicas previstas no nº 2 do artigo 1º do referido diploma, o manuseamento de granadas de mão, por razões de instrução ou em outras circunstâncias relacionadas com o serviço (5).

5.2. No caso em análise, o militar agia no quadro de uma actividade militar - mais concretamente, o acidente ocorreu no decurso de uma aula/instrução de técnica de combate, superiormente programada, tendo o oficial instrutor feito uso de uma granada de mão para melhor "incentivar" os instruendos (com a especialidade "comandos") e no propósito de criar condições o mais próximas possíveis da realidade com que iriam defrontar- se.

Embora ao oficial instrutor tenha sido instaurado de corpo de delito (6), o que importa relevar é que ao sinistrado não foi atribuída qualquer culpabilidade na produção do acidente.

Assim sendo, dever-se-á entender que o acidente ocorreu em circunstâncias reveladoras de risco agravado (7).

6

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª - O exercício de instrução de técnica de combate, em que se faz uso de granadas de mão, corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª - A qualificação como deficiente das Forças Armadas importa a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3ª - A percentagem mínima de incapacidade referida na conclusão precedente é aplicável aos acidentes ocorridos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, a menos que se trate de qualificação automática;

4º - Do acidente de que foi vítima o Sargento Miliciano NIM (...), ocorrido em actividade militar correspondente à descrita na conclusão 1ª, resultou uma incapacidade de 10%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.




1) Trata-se de um lapso manifesto, já que o acidente ocorreu no dia 17.

2) Parecer nº 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, I Série, nº 244, de 23.10.78, pág. 6414, cujos termos foram retomados, mais recentemente, nos pareceres nºs 113/87, de 28.04.88, e 154/88 ,de 9.02.89, homologados e não publicados.
Cfr. ainda os pareceres nºs 207/77, de 27.10.77, e 51/87, de 17.06.87, todos homologados e o último publicado no Diário da República, I Série, nº 219, de 23.04.87, pág. 11559, nos quais se versou a matéria do limite mínimo de incapacidade.

3) Dos pareceres n' 55/87, de 2: de Julho de 1987, e n' 80/87, de :9 de Novembro

4) Dos pareceres nº 55/87, de 29 de Julho de 1987, e nº 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também o parecer nº 10/89, de 12.04.89.

5) Como mais recentes, podem ver-se os pareceres nºs 47/85, de 16/5/85, 139/85, de 27/2/86, 121/87, de 24/3/88, 82/89, de 23/11/89, 19/90, de 5/4/90 e 66/90, de 27/9/90.

6) Para além da referência à sua instauração, nada mais consta dos autos sobre esse processo crime.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 B N2 N3 N4 ART18 N2.
PORT 162/76 DE 1976/03/24 N1 N3.
PORT 114/79 DE 1979/03/12.
DL 210/73 DE 1973/05/09.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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