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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
69/1994, de 12.01.1995
Data do Parecer: 
12-01-1995
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO
ANGOLA
RISCO AGRAVADO
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
NEXO DE CAUSALIDADE
Conclusões: 
1 - Constitui actividade militar com risco agravado equiparável às situações descritas nos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a realização de missão que consistiu na saída em viatura militar, com o objectivo de fazer o aprovisionamento de géneros alimentícios para o aquartelamento, em zona e período de confrontos armados violentos e generalizados entre os movimentos de libertação de Angola, tendo a viatura sido surpreendida pelo disparo de tiros provenientes de elementos pertencentes a esses movimentos;
2 - A qualificação como deficiente das Forças Armadas implica a necessidade de um duplo nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre a situação (acto) e a doença (acidente) e entre esta última e a incapacidade (adquirida ou agravada);
3 - O acidente de que foi vítima o guarda (...), verificado em Malange, Angola, no dia 27 de Julho de 1975, ocorreu em circunstânicas subsumíveis à 1ª conclusão.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado
da Defesa Nacional,
Excelência:

1

Para emissão do parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, determinou Vossa Excelência o envio à Procuradoria-Geral da República do processo respeitante ao Guarda de 1ª classe (...).

Cumpre, assim, satisfazer o solicitado.

2

O Guarda (...) solicitou que fosse considerada como adquirida em serviço a doença de que vem padecendo, consequência de lesões sofridas em acidente de que foi vítima, em Angola, no dia 27 de Julho de 1975.

Posteriormente, a 19 de Outubro de 1994, requereu a sua qualificação como deficiente das forças armadas, ao abrigo do Decreto-Lei nº 351/76, de 13 de Maio.

3

O processo de averiguações foi instaurado com base em participação datada de 29/3/78, do seguinte teor:
"Participo a V.Ex.ª que no dia 26JUL975, cerca das 14H00, na cidade de Malange - Angola, quando da guerra civil entre os movimentos alí radicados, teve a Polícia de Segurança Pública de Angola, onde actualmente pertencia, conjuntamente com o pessoal civil existente na mesma cidade, de se refugiar nas instalações do Quartel do Exército Português. No dia 27JUL975, cerca das 16H00, houve necessidade de nomear pessoal para se deslocar à Cantina daquela Polícia, em Malange, com a finalidade de todo o pessoal da Corporação e outros se abastecer de géneros alimentícios de primeira necessidade tendo em vista que o tiroteio já tinha acabado, coube ao participante, acompanhado de outros elementos, numa viatura daquela Polícia, deslocar-se ao referido Comando.

Uma vez a viatura abastecida e no regresso ao Quartel foi o participante atingido com um tiro na região frontal, originando-lhe a queda da viatura, em acto contínuo foi socorrido por soldados dos movimentos integrados naquela Polícia de Angola e transportado para a enfermaria daquele departamento Militar, foi ali suturado do sobrolho, globo ocular direito e região frontal e tratado das lesões e escoriações da face, visto a viatura em que seguia se ter posto em fuga e não se ter apercebido do incidente. Dado na altura não haver condições tanto no quartel como no hospital para tratamentos, foi o participante transferido para o Hospital de Nova Lisboa, onde foi tratado, não ficando internado, devido ao facto da guerrilha também ali existente, vindo agora a ressentir-se de tais lesões e necessitar de ser assistido clinicamente, pelo que solicito a V.Ex.ª que este acidente seja considerado em serviço".

Ouvido o participante/sinistrado, e inquiridas as testemunhas, no respectivo relatório (fls.15) concluir-se- ia:
"1º - O guarda nº (...), participa que em 27 de Julho de 1975, quando se deslocava, em serviço com outros elementos, numa viatura do Comando da P.S.P. de Malange, foi vítima de um ataque das Forças dos Movimentos de Libertação de Angola, as quais o atingiram com um tiro ou estilhaço de granada na região frontal, resultando cair da referida viatura, motivo pelo que foi socorrido na enfermaria dum departamento militar daquela cidade e depois no Hospital de Nova Lisboa.

2º - As testemunhas por ele indicadas confirmaram os factos e duas delas esclarecem que na altura não foi elaborado qualquer expediente, dado o estado de desordem e indisciplina provocado pela Guerra Civil e a desorientação existente na P.S.P. de Malange, pelo mesmo facto, corroborando, assim, as afirmações do participante.

3º - O estado de saúde do guarda sinistrado, que se encontra na situação de serviços moderados por 180 dias, desde 26/4/78, poderá ser avaliado pelo relatório clínico do médico desta Divisão.

4º Nestes termos e salvo melhor opinião sou de parecer que a actual doença do guarda (...) foi adquirida no desempenho das suas funções".

4

Por despacho de 20/2/79, do Senhor General Comandante-Geral, foi considerada em serviço, como consequência do acidente ocorrido em Angola, a 27/7/755, a doença de que actualmente sofre o requerente.

Presente em 23/5/79 à Junta Superior de Saúde, por esta foi emitida a seguinte opinião: "Curado com I.P.P. de 30% ao abrigo do artigo 78º, alínea e) da T.N.I., deve ser presente à Junta da Caixa Geral de Aposentações para homologação, continua classificado em serviços moderados por 5 anos findos os quais volta a esta Junta" (fls. 26).

A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações confirmou, em 31/10/79, aquela incapacidade (assim se refere em Informação do Gabinete de Apoio aos D.F.A., de 18/10/93).

Submetido a 22/9/94, a nova Junta Superior de Saúde, a doença foi qualificada como "síndroma post- traumática com perturbação da afectividade", e considerou- se o requerente "incapaz de todo o serviço da P.S.P. com I.P.P. de 30% ao abrigo do artigo 78º alínea e) da TNI" (despacho de homologação da mesma data).

5

5.1. Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs. 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria 114/79, de 12 de Março.

5.2. Dispõe o nº 2 do artigo 1º daquele Decreto-Lei:
"2. É considerado deficiente das Forças Armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função; tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".
E acrescenta-se no artigo 2º, nº 1, alínea b):

"1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que: a) (...) b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:

"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que, pelas suas características próprias, possam implicar perigosidade.

4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

6

6.1. Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos,
àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
"Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (1).

6.2. Como se ponderou em diversos pareceres do Conselho Consultivo, os confrontos armados entre os movimentos de libertação punham em sério risco, não só as populações locais como ainda as tropas portuguesas que se encontravam numa situação de "neutralidade activa", o que significava que as mesmas só intervinham nos confrontos quando as acções desses movimentos visassem especificamente os seus efectivos ou instalações (2).

Escreveu-se, nomeadamente, no já citado parecer nº 185/81:
"A não intervenção do exército português, de modo preventivo, em ordem a evitar as eventuais consequências dos confrontos dos movimentos em Luanda, limitando-se a acções "post-factum" quando se verificasse que tais movimentos visavam as tropas ou suas instalações, tornava maior o risco dos militares que se encontravam na zona dos confrontos no exercício das suas específicas funções, desprovidos de protecção e de dispositivos aptos a evitar as consequências desses confrontos e, portanto, expostos ao alcance de fogo, ainda que não intencional, dos movimentos em luta armada.

"É manifesto um risco maior do que é próprio do comum das actividades militares, designadamente, do serviço hospitalar".

Termos em que, no citado parecer, se extraíu uma conclusão (a primeira), do seguinte teor:
"Constitui actividade militar com risco agravado equiparável às situações descritas no três primeiros itens do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o acompanhamento de um doente dentro das instalações de um hospital militar em período de confrontos armados violentos e generalizados entre movimentos de libertação de Angola, atingido frequentemente durante esse período por disparos exteriores e situado na zona dos confrontos, só devendo o exército português intervir se tais movimentos visassem especialmente as suas tropas ou instalações, e não competindo à guarnição do hospital controlar ou reprimir as acções de luta mas tão-só defender e promover a segurança das instalações hospitalares".

6.3. Por outro lado, o nº 2 do citado artigo 1º do diploma em apreço aponta, entre os requisitos da qualificação como deficiente das forças armadas, que a diminuição da capacidade geral de ganho resulte de acidente ocorrido nessas circunstâncias de risco, o que implica, desde logo, uma relação de causalidade adequada entre essa situação de risco agravado e o acidente.

Mais propriamente, entre o acto (acontecimento, situação) e o acidente (lesão ou doença), e entre este e a incapacidade, deve existir um duplo nexo causal; não basta que o acidente ocorra no lugar e no tempo da prática do acto mas que entre um e outro, como entre o acidente e a lesão, exista uma relação de causalidade - só cabem na previsão do diploma os acidentes que resultem, em termos objectivos de causalidade adequada, da perigosidade de tais situações (3).

7

Como é sabido - e tal decorre claramente das situações apreciadas nos referidos pareceres nºs. 41/91 e 15/94 -, à data do acidente ora em causa, verificaram-se em Angola diversos confrontos armados entre os movimentos de libertação; nesse contexto, as nossas tropas, embora já não se encontrassem em missão de combate, viram-se frequentemente envolvidas nas confrontações (no parecer nº 41/91 recorda-se a "situação de neutralidade activa, com a consequente obrigação de não intervenção, excepção feita a situações de ataques concretamente dirigidos aos seus efectivos e/ou instalações").

Assim sendo, afigura-se poder concluir-se que foi na moldura do quadro descrito que se verificou a ocorrência passível de ser qualificada como situação de risco agravado, de que resultou o acidente em apreço.

Ponto é que seja possível afirmar in casu a existência, nos termos descritos, do duplo nexo de causalidade, sendo certo que os autos não revelam que as instâncias competentes se tenham pronunciado sobre esta matéria, que a este corpo consultivo não cabe apreciar.

8

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª - Constitui actividade militar com risco agravado equiparável às situações descritas nos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a realização de missão, que consistiu na saída em viatura militar, com o objectivo de fazer o aprovisionamento de géneros alimentícios para o aquartelamento, em zona e período de confrontos armados violentos e generalizados entre os movimentos de libertação de Angola, tendo a viatura sido surpreendida pelo disparo de tiros provenientes de elementos pertencentes a esses movimentos;

2ª - A qualificação como deficiente das Forças Armadas implica a necessidade de um duplo nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre a situação (acto) e a doença (acidente) e entre esta última e a incapacidade (adquirida ou agravada);

3ª - O acidente de que foi vítima o guarda (...), verificado em Malange, Angola, no dia 27 de Julho de 1975, ocorreu em circunstâncias subsumíveis à 1ª conclusão.



1) Dos pareceres nºs. 55/87, de 29.07.87, e 80/87, de 19.11.87, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também o parecer nº 10/89, de 12.04.89.

2) Cfr. os Pareceres nºs. 185/81, de 28 de Janeiro de 1982, 76/85, de 25 de Julho de 1985, 17/86, de 24 de Abril de 1986, 89/88, de 7 de Dezembro de 1988, 41/91, de 12 de Junho de 1991, 74/92, de 12 de Fevereiro de 1993, e 15/94 (que se acompanha quase textualmente), de 28/4/94, homologados, mas inéditos.

3) Cfr., entre outros, os pareceres nºs. 13/79, de 1/2/79, 95/81, de 22/10/81, 80/82, de 9/6/80, 7/83, de 10/2/89, e os já citados 41/91 e 15/94.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N2 N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.*****
* CONT REFPAR
P000801982
P000071983
Divulgação
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