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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
56/1994, de 09.03.1995
Data do Parecer: 
09-03-1995
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
AR - Presidente da AR
Entidade: 
Assembleia da República
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO
INQUÉRITO PARLAMENTAR
INVESTIGAÇÃO
SEGREDO
SEGREDO PROFISSIONAL
ESCUSA DE DEPOIMENTO
DIREITO À COADJUVAÇÃO DAS AUTORIDADES
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Conclusões: 
1 - As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias, e têm direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e de autoridades administrativas nos mesmos termos que os tribunais (artigos 181, n 5, da Constituição da República,
259 do Regimento da Assembleia da República e 13, n s 1 e 2, da Lei n 5/93, de 1 de Março);
2 - Quem presta declarações perante comissões parlamentares de inquérito, pode escusar-se a depor sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional (artigo 135, n 1, do Código de Processo Penal);
3 - Na situação prevista na conclusão anterior, havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, pode a comissão proceder às averiguações necessárias e ordenar a prestação do depoimento se, após as averiguações, concluir pela ilegitimidade da escusa (artigo 135, n 2);
4 - A decisão referida na anterior conclusão é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa (artigo 135, n 5);
5 - Concluindo pela legitimidade da escusa, pode a comissão parlamentar de inquérito suscitar a intervenção do Tribunal da Relação, o qual decidirá da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185 do Código Penal (artigo 135, n 3, do Código de Processo Penal).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Excelência:
1
Dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer sobre a invocação de sigilo profissional por parte dos depoentes que prestam declarações perante Comissões Parlamentares de Inquérito.
Cumpre, assim, emiti-lo.
2
2.1. Compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização, "vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração" (artigo 165º, alínea a), da Constituição da República).
Esta competência para apreciar os actos do Governo e da Administração traduz-se numa grande variedade de actos e processos parlamentares, de natureza muito diversa, que vão desde as intervenções e votos no período de antes da ordem do dia, passando pelas perguntas e interpelações ao Governo e pela apreciação de petições, até aos inquéritos parlamentares (1).
2.2. Além do plenário, a Assembleia da República compreende a Comissão Permanente e as comissões parlamentares (ambas "constituídas" pela Assembleia da República (2) - artigo 178º, alínea c)), entre as quais não existe nenhuma relação directa: a Comissão Permanente é um órgão que se substitui à própria Assembleia da República, para alguns efeitos, durante as suspensões ou intervalos de funcionamento desta, enquanto as comissões propriamente ditas são simples órgãos auxiliares da Assembleia da República, e só funcionam normalmente quando ela própria está em funcionamento.
Epigrafado de "Comissões", dispõe o artigo 181º da Constituição:
"1. A Assembleia da República tem as comissões previstas no regimento e pode constituir comissões eventuais de inquérito ou para qualquer outro fim determinado.
2. A composição das comissões corresponde à representatividade dos partidos na Assembleia da República.
3. As petições dirigidas à Assembleia são apreciadas pelas comissões ou por comissão especialmente constituída para o efeito, que poderá ouvir as demais comissões competentes em razão da matéria, em todos os casos podendo ser solicitado o depoimento de quaisquer cidadãos.
4. Sem prejuízo da sua constituição nos termos gerais, as comissões parlamentares de inquérito são obrigatoriamente constituídas sempre que tal seja requerido por um quinto dos Deputados em efectividade de funções, até ao limite de uma por Deputado e por sessão legislativa.
5. As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.
6. As presidências das comissões são no conjunto repartidas pelo parlamentares em proporção com o número dos seus Deputados".
Anotando, escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (3):
"Constitucionalmente, existem dois tipos de comissões (nº 1): por um lado, as "comissões previstas no regimento", vulgarmente designadas por comissões permanentes (ou ordinárias); por outro lado, as demais comissões, que por contraposição podem ser denominadas por comissões eventuais (ou extraordinárias), entre as quais se destacam as comissões de inquérito. As primeiras estão taxativamente previstas no regimento, que lhes define a designação, a composição e as funções; são comissões vocacionadas para se ocuparem de determinada área de actividade político-legislativa (defesa, educação, agricultura, etc.), correspondendo por via de regra a um ou mais dos departamentos ministeriais tradicionais. As comissões eventuais, essas, são constituídas por uma resolução ad hoc, para se ocuparem de determinado assunto, durando apenas até ao desempenho da tarefa".
2.3. Esta diferenciação entre comissões ressaltará, porventura, mais clara do Regimento da Assembleia da República (4).
Na verdade, enquanto as Comissões Especializadas - comissões especializadas permanentes (Divisão I) e comissões eventuais (Divisão II) e a Comissão Permanente se inserem no Título II (Organização da Assembleia) - os inquéritos parlamentares são antes previstos no capítulo
V (Processos de orientação e fiscalização política) do Título IV, compreendendo a sua secção IX (artigos 255º a 259º).
Os inquéritos parlamentares destinam-se a averiguar do cumprimento da Constituição e das leis e a apreciar os actos do Governo e da Administração (artigo 255º, nº 1), dispondo-se no artigo 256º que:
"A constituição das comissões de inquérito, a iniciativa do inquérito e a sua realização processam-se nos termos previstos na lei".
3
A consulta tem precisamente a ver com a invocação, perante as comissões parlamentares de inquérito, do sigilo profissional.
Compreenda-se, assim, o excurso que, sobre a matéria, vai segui-se (5).
3.1. Propondo uma definição de segredo, LITTRÉ refere que é "ce qui doit être tenu secret", "une confidence", "le silence, la discrétion sur une chose confiée"; para ROBERT, trata-se de um "ensemble de connaissances, d'information, qui doivent être réservées à quelques uns", de uma "confidence", do "silence sur une chose qui a été confiée ou que l'on a apprise" (6).
Na linguagem comum, segundo ponderam S. MALANNINO -L. BEVILACQUA, o significado de segredo é intuitivo: "é segreto tutto ciò che una persona vuo nascondere al pubblico o a determinate persone" (7).
Para MANZINI, o segredo é "un limite posto, da una voluntà giuridicamente competente, alla conoscibilità di un fatto, di un atto o di una cosa, per modo che questi siano attualmente destinati a rimanere occulti per ogni persona diversa da quelle che legittimamente li conoscono, ovvere per coloro ai quali non vengano palesati da chi ha il potere giuridico di estendere o di togliere detto limite, o da forze volontarie o involontarie indipendenti dalla volontà di chi ha la giuridica disponibilità del segreto" (8).
Por seu turno, ANTOLISEI refere o carácter de "relazione che intercorre tra la conoscenza di cose e fatti ed un determinato soggetto", evidenciando um duplo aspecto: "dal punto di vista passivo, essa importa l'obbligo per i non autorizzati di non procurarsi, divulgare o utilizare le notizie relative a certi soggetti; dal punto di vista attivo il segreto dà luogo ad un potere, spettante ad altre persona di escludere i terzi da quella conoscenza, dalla sua comunicazione ad altri e dal suo sfruttamento" (9).
BASILEU GARCIA acentua que segredo é o informe atinente a um acontecimento que não deve, pela sua natureza ou por efeito de manifestação de vontade do depositante, ser transmitido a outras pessoas (10), enquanto ANTÓNIO DE SOUSA MADEIRA PINTO considera que segredo é a reserva de qualquer facto não publicamente conhecido de que, por qualquer modo, nos inteiramos e que, no interesse de determinadas pessoas, não devemos transmitir a terceiros (11).
Para LUIS OSÓRIO, segredos devem considerar-se os factos não publicamente conhecidos e referentes à causa ou ao cliente e que este tem interesse em que não sejam conhecidos (12).
Ao segredo anda ligada a ideia de coisa oculta, íntima, conhecida apenas de uma ou dum círculo limitado de pessoas, ou até de nenhuma; é o que não está divulgado publicamente (13).
Segredo é a confidência feita por uma pessoa a outra, na convicção ou sob compromisso de esta a não revelar (14).
Na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura define- se segredo como o facto ou notícia de que se teve conhecimento e se deve conservar oculto.
3.2. O segredo profissional era, no antigo direito, confinado ao segredo de confissão, alargando-se posteriormente a diversas profissões.
Por segredo profissional - escreveu FERNANDO ELOY (15) - entende-se, na generalidade, a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão.
Reconhece, na verdade, a doutrina que o segredo profissional é correlativo indispensável de todas as profissões que assentam numa relação de confiança: "nem o médico, nem o advogado, nem o padre poderiam cumprir a sua missão se as confidências que lhes são feitas não forem asseguradas por um segredo..." (16).
Sintetizando: segredo profissional é a proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou que foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional.
3.3. Nesta matéria do "sigilo" existem no nosso ordenamento jurídico preceitos legais que se entrechocam, limitando-se reciprocamente, cabendo ao intérprete a missão de os articular e harmonizar.
Não surpreende, pois, que este corpo consultivo tenha apreciado, amiudadas vezes, situações de confronto, de colisão de direitos dessa ordem.
Uma breve análise desses pareceres mais significativos acaba de ser feita no recente parecer nº 20/94 (17), do qual, neste contexto, nos interessa apenas recolher o seguinte passo (18):
A confidencialidade tem no plano jurídico vários tipos de aplicação, pressupondo cada uma delas uma razão específica: assim, por exemplo, o segredo de justiça tem por fundamento "razões ligadas à protecção do bom nome e à própria eficácia da justiça"; no segredo profissional, que impende sobre funcionários, sobre advogados, sobre médicos, etc., o que está em causa é "a tutela da confiança" e a protecção de dados "cujo grau de incidência, em termos de intimidade da vida privada é, sem dúvida, variável, podendo não ser, em absoluto, sigilosos"; no segredo de Estado "é evidente que estão presentes valores de outra índole, situados no plano da defesa da própria soberania nacional".
4
4.1. A violação do segredo profissional é prevista e punível no artigo 184º do Código Penal:
"Quem, sem justa causa e sem consentimento de quem de direito, revelar ou se aproveitar de um segredo de que tenha conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, se essa revelação ou aproveitamento puder causar prejuízo ao Estado ou a terceiros, será punido com prisão até 1 ano e multa até 120 dias" (19).
Estabelece, por seu turno, o artigo 185º:
"O facto previsto no artigo anterior não será punível se for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim" (20).
4.2. Em matéria processual penal interessa fundamentalmente atentar no disposto no artigo 135º do respectivo Código (21):
"1. Os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo.
2. Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3. O tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das acções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185º do Código Penal. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4. O disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso.
5. Nos casos previstos nos nºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável".
4.2.1. Prevê o nº 1 a faculdade de escusa de depor sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional.
No caso de haver dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa - e a primeira hipótese que ocorrerá é tratar-se de factos não abrangidos pelo segredo profissional -, a autoridade judiciária procederá às averiguações necessárias (nº 2) (22).
Realizadas as diligências, a autoridade judiciária, se concluir pela ilegitimidade da escusa, "ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento" (nº 2) (23).
Quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185º do Código Pernal, pode decidir-se da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, sendo competente para essa decisão o tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou o plenário das secções criminais no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça (nº 3).
A decisão da autoridade judiciária (nº 2) ou do tribunal (nº 3) é precedida da audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa (nº 5).
4.2.2. Como assinala MAIA GONÇALVES, o regime previsto neste artigo inspirou-se manifestamente no que os Decretos-Leis nºs 47749, de 6 de Junho de 1967, e 48587, de 27 de Agosto de 1968, estabeleciam para os segredos médico e dos farmacêuticos, respectivamente, ponderando a seu respeito:
"O sistema agora estabelecido é simples: as entidades referidas no nº 1 podem escusar-se a depor sobre factos cobertos pelo segredo profissional, mediante a invocação deste segredo. A autoridade judiciária perante a qual o depoimento deve ser prestado procede a averiguações sumárias.
Se após estas, concluir pela manifesta inviabilidade da escusa, ordena o depoimento, que não pode ser recusado. Se concluir pela viabilidade da escusa, prescinde do depoimento ou requer ao tribunal superior que o ordene, usando para isso do processo aqui regulado. O tribunal superior decidirá, e, evidentemente, na decisão a tomar terá que usar de muito critério e moderação, atentos os interesses muito ponderosos que nestes casos estão em jogo, de um lado e de outro (exigências da administração da justiça, do segredo médico, bancário, etc.). Estes interesses foram até aflorados na Lei de autorização legislativa, a qual, no artigo 2º, al. 33) determinou que se acautelassem especialmente as condições restritivas em que a quebra pode ter lugar" (24).
4.2.3. A aproximação ao tema, e uma melhor compreensão da estatuição vertida neste artigo 135º, ganharão com as seguintes reflexões produzidas por CUNHA RODRIGUES (25):
"O dever de depor em processo penal, contrariando embora o artigo 73º do Código Deontológico, denota a preocupação de fixar um ponto de equilíbrio de interesses.
Com efeito, o Código de Processo Penal (artigo 135º) constrói o incidente em duas fases, a primeira das quais se destina a averiguar, em caso de dúvida, da legitimidade da escusa apresentada pelo médico. A averiguação recai sobre elementos de !ndole formal, nomeadamente sobre a conexão entre a fonte de conhecimento e o acto médico.
Se a autoridade judiciária concluir pela ilegitimidade da escusa, o que acontecerá no caso de se haver comprovado que não se está perante um caso de segredo médico, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação de depoimento. Se, diferentemente, averiguar que é procedente a arguição de segredo, a prestação de testemunho só pode ser ordenada por tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado. Neste caso, o tribunal decide que se quebre o segredo médico, se se verificaram os pressupostos referidos no artigo 185º, do Código Penal.
Este artigo 185º é, convem recordar, o que define as causas de exclusão de ilicitude, em caso de violação do segredo.
Assistimos, chegados aqui, ao fechar de um círculo.
Para ordenar o depoimento, o tribunal superior vai aplicar exactamente os mesmos critérios que cabia ao médico utilizar se optasse pelo depoimento voluntário.
O que leva a concluir que, em rigor, o artigo 185º do Código Penal, no que respeita ao dever de cooperação com a administração da justiça, funciona como algo mais que uma mera cláusula de exclusão.
Conjugado com o artigo 135º do Código de Processo Penal, concretiza um verdadeiro dever positivo que incumbe ao médico, realizada a ponderação de valores e interesses a que atrás aludimos.
Este regime está imbuído da prudência exigida pela ponderação do conjunto de interesses e pelo referencial ético que deve inspirar a decisão. Os ingredientes apresentados à consciência do magistrado e do médico são os mesmos. Sobre um e outro, precipitam-se, no momento de decidir ou de optar, razões que são, ao mesmo tempo, de ordenamento jurídico e de deontologia médica" (sublinhados nossos).
4.3. Dada a sua conexão com o artigo 135º, interessará, ainda, conhecer o regime das apreensões plasmado no artigo 182º:
"1. As pessoas indicadas nos artigos 135º e 136º apresentam à autoridade judiciária, quando esta ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou segredo de Estado.
2. Se a recusa se fundar em segredo profissional, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 135º, nº 2 (26).
3. Se a recusa se fundar em segredo de Estado, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 137º, nº 2".
Da leitura deste artigo 182º ressaltam, desde logo, algumas notas, que se poderão destacar:
- assim como o artigo 135º só prevê que o incidente da escusa de depor se suscite perante a autoridade judiciária, também o nº 1 do preceito ora em análise apenas prevê que o incidente da recusa de entrega de documentos ou objectos seja suscitado perante a autoridade judiciária;
- ao limitar a sua previsão aos documentos ou quaisquer objectos que "devam ser apreendidos", opera uma remissão para o disposto no artigo 178º, que nos diz quais são os objectos susceptíveis de apreensão;
- a recusa de apresentação dos documentos ou objectos há-de revestir a forma escrita.
5
Antes de dedicarmos especial atenção ao nosso ordenamento jurídico, não deixará de interessar uma breve mirada pelo direito comparado, circunscrita ao tema da consulta - comissões parlamentares de inquérito.
5.1. O artigo 76.1 da Constituição Espanhola reza assim:
"El Congreso y el Senado, y en su caso, ambas Cámaras conjuntamente, podrán nombrar comisiones de investigación sobre cualquier asunto de interés público. Sus conclusiones no serán vinculantes para los Tribunales, ni afectarán las resoluciones judiciales, sin perjuicio de que el resultado de la investigación sea comunicado al Ministerio Fiscal para el ejercicio, cuando proceda, de las acciones oportunas".
O nº 2 do mesmo artigo refere-se à obrigação de comparecer a requerimento das Câmaras, e remete para uma lei a regulamentação das sanções.
Esta Lei Orgânica 5/84, de 24 de Maio, dispõe:
"1. Todos los ciudadanos españoles y los extranjeros que residan en España están obligados a comparecer personalmente para informar, a requerimiento de las Comisiones de Investigación nombradas por las Cámaras Legislativas.
2. Las Mesas de las Cámaras velarán por que ante las Comisiones de Investigación queden salvaguardados el respeto a la intimidad y el honor de las personas, el secreto profesional, la cláusula de conciencia y los demás derechos constitucionales" (27).
Segundo a Lei Belga sobre os Inquéritos Parlamentares, as comissões parlamentares têm os mesmos poderes que o Código de instrução criminal atribui ao juiz de instrução (artigo 4º), e as testemunhas, os intérpretes e os peritos estão sujeitos, perante as comissões, às mesmas obrigações que perante o juiz de instrução (artigo 8º) - Lei de 3/5/1880, décret du Conseil de la Communauté Française de 12/6/1981 (artigo
3º) e décret du Conseil flamand, de 20/3/84, modificado pelo décret de 22/3/89 (artigo 4º) (28).
O artigo 82º da Constituição Italiana prescreve que:
"La commission d'inchiesta procede alle indagini e agli esami con gli stessi poteri e le stesse limitazioni dell'autorità giudiziaria".
Esta disposição é reproduzida textualmente no artigo 141º, nº 2, do capítulo XXXII (Delle inchieste parlamentari) do Regolamento della Camera dei Deputati, e mostra-se vertida no artigo 162º, nº 4, do capítulo XX do Regolamento del Senato della Republica nos seguintes termos:
"I poteri della commissione sono, a norma della Costituzione, gli stessi dell'autoritá giudiziaria" (29).
A Lei Fundamental Alemã determina, no seu artigo 44º, que, na recolha dos «meios de prova necessários:, são aplicáveis «as regras de processo penal:, não sendo afectados «o segredo de correspondência, das comunicações postais e das telecomunicações:, devendo os tribunais e as autoridades administrativas «prestar auxilio e concurso às comissões" (30).
5.2 Ainda neste contexto, valerá a pena conhecer, em traços muito gerais, algumas notas características das comissões parlamentares de inquérito em direito comparado, acompanhando o Acórdão n.º 195/94 - Processo n.º 478/93 -, do Tribunal Constitucional (31).
«Nos actuais Estados de Direito, os inquéritos parlamentares realizados por comissões criadas temporalmente para o efeito constituem um importante instrumento de que o Parlamento dispõe para o desempenho das funções que lhe estão constitucionalmente atribuídas, designadamente as funções de fiscalização do cumprimento da Constituição e das leis e de apreciação dos actos do Governo e da Administração.
É geralmente reconhecido que o objecto dos inquéritos parlamentares pode estender-se a qualquer assunto ou matéria de interesse público.
Nalguns países, é a própria Constituição que define, naqueles termos, o objecto dos inquéritos parlamentares, tal como sucede com os artigos 51.º da Constituição dinamarquesa, 76.º da Constituição espanhola e 82.º da Constituição italiana. Noutros, é a lei ordinária e (ou) a prática constitucional a definir com o mesmo alcance o objecto dos inquéritos parlamentares (é o que acontece, por exemplo, com a Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Grécia, Irlanda e Reino Unido).
Alguns ordenamentos constitucionais conferem às comissões parlamentares de inquérito poderes de investigação análogos aos dos tribunais, revelando, por via disso, os inquéritos parlamentares pontos de coincidência com a fase instrutória dos processos juridicionais.
Na generalidade dos ordenamentos jurídicos, constitui, porém, um dado assente que as comissões parlamentares de inquérito são órgãos essencialmente políticos, não sendo, nem podendo transformar-se em tribunais. Daqui resulta que os poderes de investigação daquelas comissões não podem nunca desembocar na prolação de uma sentença condenatória com força de caso julgado, nem podem afectar direitos fundamentais que, em investigação criminal, só podem sê-lo por decisão judicial (v. g. revistas e buscas, apreensões , etc.).
Como refere A. Elvira Perales, reportando-se ao direio alemão, as comissões de investigação são órgãos parlamentares que se propõem «a clarificação do estado de coisas real mediante meios parlamentares, com o fim de obter uma valoração política:. Daqui resulta, em primeiro lugar, que «os meios para obter a informação são meios parlamentares, o que significa, principalmente, que as comissões de investigação em nenhum caso desenvolvem uma tarefa de carácter judicial, uma vez que, por muito que o objecto de ambos os tipos de investigação coincida em numerosas ocasiões, as indagações dos tribunais e das comissões são feitas independentemente umas das outras e sem que as conclusões das comissões de investigação condicionem a decisão judicial (...):. Em segundo lugar, «o controlo é de carácter político e não um super controlo administrativo, próprio dos tribunais administrativos e não do Parlamento. Como salientou o Tribunal Constitucional, "o controlo parlamentar é um controlo político e não um super controlo administrativo". Este limite permite que o trabalho das comissões de investigação se mantenha dentro das funções conferidas pela Constituição ao Parlamento, para o bom funcionamento do sistema de governo por ela articulado e sem que resultem perturbados os limites da distribuição dos poderes:
[cf. Commisiones de Investigacion en el «Bundestag:. Un Estudio de Jurisprudencia, in Revista Española de Derecho Constitucional, ano 7, n.º 19 (1987), pp. 226 - 268].
Outra nota caracterizadora do inquérito parlamentar, em direito comparado, é a de que o êxito daquele instrumento de controlo político do parlamento depende, na maioria dos casos, da recolha de meios de prova documental que se encontram na posse de outras entidades públicas (Governo, administração e tribunais). Daí que, em vários países, um dos principais elementos do regime jurídico dos inquéritos parlamentares, previsto ora nas constituições, ora na lei ordinária, seja o direito das comissões parlamentares de inquérito à coadjuvação por parte do Governo, tribunais e administração (incluindo os órgãos de polícia criminal), nos mesmos termos em que aos tribunais é reconhecido tal direito. O dever de coadjuvação que impende sobre o Governo e os tribunais apenas pode ser legitimamente inobservado, em casos excepcionais, quando o órgão a quem a coadjuvação é solicitada provar inequivocamente que o envio de um determinado documento impediria o desempenho das funções que lhe são constitucionalmente atribuídas ou implicaria a violação de direitos fundamentais [cf. Klaus Stern, ob. cit., pp 282 - 29 e Lorenzo Mannelli, Segreto Funzionale e Comissioni Parlamentari di Inchiesta, in Giurisprudenza Costituzionale, ano XXXVII (1992), pp. 4536 e segs.].
Por fim, é geralmente admitida, em direito comparado [com excepção do direito francês - cf. quanto a este, Jacques Desandre, Les Commissions Parlementaires d'Enquête ou de Controle en Droit Français, in Notes et Études Documentaires, n.ºs 4262-4263-4264 (1976), pp. 44 e 45], a denominada figura do «inquérito paralelo:,isto é, a possibilidade da existência simultânea de um processo de inquérito parlamentar e um ou mais procesos criminais incidindo sobre os mesmos factos, dada a diferença essencial entre a função desempenhada pelas comissões parlamentares de inquérito e aquela que é cometida aos tribunais. Na verdade, as comissões parlamentares de inquérito não visam exercer a função jurisdicional, não tendo, por isso, como finalidade julgar e punir crimes, com força de verdade legal, mas tão só investigar factos e recolher elementos probatórios relativos a determinadas matérias de interesse público, apresentando posteriormente as suas conclusões ao parlamento e habilitando-o, dessa forma, a exercer eficazmente as suas funções constitucionais, designadamente as de fiscalização de actos do Governo e da Administração Pública (cf. Lorenzo Mannelli, ob. cit., pp. 4536 e segs.,
Alessandro Pace, «Inchiesta Parlamentare:, in Enciclopedia del Diritto, XX, pp. 992 e segs., e A. Elvira Perales, ob. cit., pp. 263 e segs.):
6
6.1 Entre nós, as comissões parlamentares de inquérito foram previstas, pela primeira vez, no 1.º Acto Adicional à Carta Constitucional de 5 de Julho de 1852 (artigo 14.º ) (32).
A Constituição da República de 1976(versão originária) dedicou-lhes o artigo 181.º que, todavia, nada dizia sobre os seus poderes, limitando-se, no essencial, a prever a possibilidade da sua constituição.
6.2 O seu regime jurídico veio a ser estabelecido pela Lei n.º 43/77, de 18 de Junho (33), da qual interessa conhecer parte do respectivo articulado, a saber:
«Artigo 1.º
(Inquéritos parlamentares)
1. Os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração.
2. Os inquéritos parlamentares podem ter por objecto qualquer matéria de interessse público relevante para o exercício das atribuições da Assembleia da República:.
Artigo 4.º
(Poderes das comissões)
1. As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciais.
2. As comissões têm direito à coadjuvação das autoridades judiciais e administrativas, nos mesmos termos que os tribunais: (34).
Artigo 8.º
(Depoimentos)
1. A falta de comparência perante a comissão parlamentar de inquérito ou a recusa de depoimento só se terão por justificadas nos termos gerais da lei processual (35).
2. A obrigação de comparecer perante a comissão tem precedência sobre qualquer outro acto ou diligência oficial.
3. Não é admitida, em caso algum, a recusa de comparência de funcionários, de agentes do Estado e de outras entidades públicas, podendo, contudo, estes requerer a alteração da data da convocação, por imperiosa necessidade de serviço, contanto que assim não fique frustrada a realização do inquérito.
4. No depoimento de funcionários e agentes só será admitida a recusa de resposta com fundamento em interesse superior do Estado devidamente justificado, conforme os casos, pelo Conselho da Revolução ou pelo Governo ou em segredo de justiça.
5. A forma dos depoimentos rege-se pelas normas aplicáveis do Código de Processo Penal sobre prova testemunhal.:
6.2.1 Sublinhe-se que o artigo 4.º atribuía às comissões «todos os poderes de investigação das autoridades judiciais:, reconhecendo, do mesmo passo, que
«têm direito à coadjuvação das autoridades judiciais e administrativas nos mesmos termos que os tribunais:.
Mas, para o desenvolvimento do parecer, interessa sobremaneira atentar na norma do n.º 4 do transcrito artigo 8º: reportando-se ao depoimento de funcionários e agentes, prescreve que a recusa de resposta só será admitida com fundamento:
- em interesse superior do Estado (devidamente justificado, conforme os casos, pelo Conselho da Revolução ou pelo Governo), ou
- em segredo de justiça (36).
Considerando a natureza dos dois fundamentos de recusa admitidos, poder-se-á, porventura, compreender que a norma se refira apenas a funcionários e agentes.
6.3. Já demos a conhecer (cfr. pontos 2.1. e 2.2.) as normas constitucionais que, hoje, se referem às comissões.
Recorde-se, neste momento, apenas o n.º 5 do artigo 181.º:
«As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais: (37).
6.4. O regime jurídico dos Inquéritos Parlamentares consta actualmente da Lei n.º 5/93, de 1 de Março, que procedeu à revogação expressa (artigo 22.º ) da anterior Lei n.º 43/77.
6.4.1. As funções e objecto desses inquéritos são definidos no artigo 1.º , em termos inteiramente coincidentes com os dos artigos 1.º e 3.º , n.º 1, da
Lei n.º 43/77.
O conteúdo da resolução ou a parte dispositiva do requerimento que determina a realização de um inquérito são obrigatoriamente comunicados pelo Presidente da Assembleia da República ao Procurador-Geral da República, o qual " informa a Assembleia da República se sobre o mesmo objecto se encontra em curso algum processo criminal com despacho de pronúncia transitado em julgado, suspendendo-se neste caso o processo de inquérito parlamentar até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial: (artigo 5.º, n.º 2).
6.4.2 Os Deputados membros da comissão de inquérito estão obrigados ao dever de sigilo em relação aos trabalhos da comissão, cuja violação determina a perda da qualidade de membro da comissão (artigo 12.º, nºs 4, 5 e 6).
Consagrada a publicidade dos trabalhos nos termos do artigo 15.º, dispõe-se, porém, nos seus ºs 3 e 4:
«3 - Só o presidente da comissão, ouvida esta, pode prestar declarações públicas relativas à matéria reservada do inquérito.
4 - As actas das comissões, assim como todos os documentos na sua posse, podem ser consultados após a aprovação do relatório final, nas seguintes condições: a) Não revelem matéria sujeita a segredo de Estado, a segredo de justiça ou sujeita a sigilo por razões da reserva de intimidade das pessoas; b) Não ponham em perigo o segredo das fontes de informação constantes do inquérito, a menos que haja autorização dos interessados:.
6.4.3 As comissões continuam a poder convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito (artigo 16.º, n.º 1); para tanto,
«A convocação será feita para qualquer ponto do território, sob qualquer das formas previstas no Código de Processo Penal, devendo, no caso de funcionários e agentes do Estado ou de outras entidades públicas, ser efectuada através do respectivo superior hierárquico" (n.º 3 do mesmo artigo 16.º).
Sobre sanções criminais, estipula o artigo 19.º:
«1 - Fora dos casos previstos no artigo 17.º, a falta de comparência,a recusa de depoimento ou o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções constituem crime de desobediência qualificada, para os efeitos previstos no Código Penal.
2 - Verificado qualquer dos factos previstos no número anterior, o presidente da comissão, ouvida esta, comunicá-lo-á ao Presidente da Assembleia, com os elementos indispensáveis à instrução do processo, para efeito de participação à Procuradoria-Geral da República.:
6.4.4 Sob a epígrafe "Poderes das comissões", dispõe o artigo 13.º:
«1 - As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias.
2 - As comissões têm direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e de autoridades administrativas nos mesmos termos que os tribunais.
3 - A comissão de inquérito ou a sua mesa, quando aquela não esteja reunida, pode, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar por escrito aos órgãos do Governo e da Administração ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito.
4 - A prestação das informações e dos documentos referidos no número anterior tem prioridade sobre quaisquer outros serviços e deverá ser satisfeita no prazo de 10 dias, sob pena das sanções previstas no artigo 19.º, salvo justificação ponderosa dos requeridos que aconselhe a comissão a prorrogar aquele prazo ou a cancelar a diligência.
5 - O pedido referido no n.º 3 deverá indicar esta lei e transcrever o n.º 4 deste artigo e o n.º 1 do artigo 19.º.
6 - No decorrer do inquérito só será admitida a recusa de fornecimento de documentos ou da prestação de depoimentos com o fundamento em segredo de Estado ou em segredo de justiça, nos termos da legislação respectiva:.
Finalmente, sobre depoimentos, reza assim o artigo 17.º :
«1 - A falta de comparência ou a recusa de depoimento perante a comissão parlamentar de inquérito só se terão por justificadas nos termos gerais da lei processual penal.
2 - A obrigação de comparecer perante a comissão tem precedência sobre qualquer acto ou diligência oficial.
3 - Não é admitida, em caso algum, a recusa de comparência de funcionários, de agentes do Estado e de outras entidades públicas, podendo, contudo, estes requerer a alteração da data da convocação, por imperiosa necessidade de serviço, contanto que assim não fique frustrada a realização do inquérito.
4 - A forma dos depoimentos rege-se pelas normas aplicáveis do Código de Processo Penal sobre prova testemunhal:.
6.4.5. A solução para o problema que nos ocupa, repousa, fundamentalmente, na interpretação destes dois últimos artigos.
A eles haveremos , pois, de voltar.
De momento, realce-se tão só a eliminação, no artigo 17.º ("Depoimentos"), do estatuído no n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 43/77 - recusa de depoimento, limitada a funcionários e agentes, com fundamento em interesse superior do Estado ou em segredo de justiça -, e o aditamento, no artigo 13.º ("Poderes das comissões"), da norma vertida no seu n.º 6 - recusa de fornecimento de documentos ou da prestação de depoimentos, sem qualquer referência limitativa a destinatários, com fundamento em segredo de Estado ou em segredo de justiça (38)
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A compreensão global da temática suscitada pela consulta só ganhará se dermos a conhecer - a exemplo do que se fez para o direito comparado (ponto 5.2.) - as características principais das comissões parlamentares de inquérito no direito português, tal como foram enunciadas no citado Acórdão do Tribunal Constitucional.
«a) As comissões parlamentares de inquérito podem ter como objecto quaisquer factos ou questões de interesse público, isto é, quaisquer matérias, desde que devidamente determinadas e delimitadas, que caibam nas competências da Assembleia da República. Não podem aquelas ter por objecto questões que tenham a ver com interesses estritamente privados ou incidir sobre matérias que extravasem a competência da Assembleia da República ou se incluam na competência exclusiva de outros órgãos constitucionais; b) As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (artigo 181.º , n.º 5, da Constituição). Da conjugação deste preceito constitucional com o princípio da reserva da função jurisdicional aos tribunais, constante do artigo 205.º da lei fundamental, resulta que, no domínio penal, detêm os tribunais o monopólio de aplicação da lei penal, traduzida no julgamento e na condenação ou absolvição pela prática de crimes, mas não lhes está constitucionalmente reservado o monopólio da investigação de factos que indiciam um crime, nem o monopólio da recolha dos correspondentes meios de prova, podendo aquela investigação e esta recolha caber às comissões parlamentares de inquérito; c) Sendo, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, os preceitos respeitantes aos direitos , liberdades e garantias directamente aplicáveis e vinculativos para todas as entidades públicas e privadas, devem as comissões parlamentares de inquérito, no exercício dos seus poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, respeitar aqueles preceitos. Deste modo, aqueles órgãos, no desempenho das suas funções, não poderão deixar de ter em atenção que a integridade moral e física dos cidadãos é inviolável (artigo 25.º, n.º 1); que a todos os cidadãos é reconhecido o direito ao bom nome, reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1); que o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis (artigo 34.º, n.º 1); que das conclusões a publicar ou dos elementos susceptíveis de consultar não poderá constar matéria que possa ofender a integridade moral das pessoas, nomeadamente a imputação de crimes, tendo em vista sobretudo o artigo 32.º, n.º 2, segundo o qual todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (cf. o citado Parecer da Comissão Constitucional n.º 14/77). A isto acresce, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, que os poderes das comissões de inquérito têm um limite naqueles direitos fundamentais dos cidadãos que, mesmo em investigação criminal, não podem ser afectados senão por decisão de um juiz (cf. ob. cit., p. 720); d) Da circunstância de o artigo 181º, n.º 5, da Constituição atribuir às comissões parlamentares de inquérito poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, bem como do princípio da interdependência entre os órgãos de soberania,plasmado no artigo 114.º, n.º 1, da lei fundamental, resulta que aquelas têm direito, no exercício das suas funções, à coadjuvação das autoridades judiciais e administrativas, nos mesmos termos em que o direito de coadjuvação está previsto para os tribunais no artigo 205º, n.º 3, da Constituição.
Com base em tal direito, podem as comissões parlamentares de inquérito requerer aos tribunais o fornecimento de documentos ou de outros meios de prova que estejam em poder destes e que elas considerem necessários para levar a cabo um determinado inquérito parlamentar, recaindo sobre os tribunais, em princípio, o dever de facultar aqueles elementos. Só em casos excepcionais é que os tribunais poderão desrespeitar aquele dever de coadjuvação. Isso apenas poderá suceder quando o envio de tais documentos e outros meios de prova puser em causa o núcleo essencial das funções constitucionais do tribunal ou quando a disponibilização dos mesmos implicar a violação de direitos fundamentais das pessoas por eles visadas.
O n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 5/93 refere que as comissões parlamentares de inquérito têm direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e de autoridades administrativas nos mesmos termos que os tribunais. Por seu lado, o n.º 3 do mesmo artigo determina que a comissão parlamentar de inquérito ou a sua mesa, quando aquela não esteja reunida, pode, a requerimento fundamentado dos seus membros, solicitar por escrito aos órgãos do Governo e da Administração ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito. No enunciado linguístico destes dois preceitos não está previsto um dever de coadjuvação para os tribunais. Todavia, as disposições conjugadas dos artigos 114.º, n.º 1, 165.º, alínea a), 181.º e 205.º, n.º 3, da Constituição reclamam uma interpretação extensiva daqueles dois preceitos legais, de modo a que eles possam ser entendidos como impondo também às autoridades judiciais o dever de coadjuvação e de transmissão às comissões parlamentares de inquérito das informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito; e) Situando-se a actividade das comissões parlamentares de inquérito no terreno exclusivamente político, com vista a habilitar o órgão máximo de representação democrática a adoptar as medidas adequadas, no âmbito da sua competência política ou legislativa, e não sendo os resultados e as conclusões daquelas comissões vinculativos para os tribunais onde existam ou tenham existido processos judiciais que versem sobre os mesmos factos ou situações, a Constituição não veda o denominado «inquérito paralelo:, isto é, a possibilidade de um mesmo facto ou situação ser simultaneamente objecto de um inquérito parlamentar e de um processo judicial. O n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 5/93 estabelece, no entanto, um limite à admissibilidade do «inquérito paralelo:, determinando que, no caso de sobre o mesmo objecto do inquérito parlamentar se encontrar em curso algum processo criminal com despacho de pronúncia transitado em julgado, deve ser suspenso o processo de inquérito parlamentar até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial:.
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O problema é, decisivamente, de interpretação, de descoberta da vontade legislativa.
Pôr a claro o sentido e alcance da lei - escopo do intérprete - traduz-se não apenas em revelar o sentido que se abriga por detrás da expressão, como ainda eleger o verdadeiro de entre os vários que possam estar cobertos pela mesma.
Não pode a interpretação ficar-se pelo sentido que de imediato resulta da lei, tendo, sim, de usar os diversos recursos da hermenêutica, combinando-os e controlando-os numa tarefa de conjunto, de modo a descobrir o sentido legislativo da norma no todo do ordenamento jurídico (39).
O limite da interpretação é a letra, o texto da norma 40, cabendo-lhe desde logo uma função negativa - a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou pelo menos uma qualquer correspondência ou "ressonância" nas palavras da lei.
A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma "tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal" (41).
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita- se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo (42).
Ou seja: há interpretação declarativa quando o sentido da lei cabe dentro da sua letra, quando o intérprete fixa à norma, com o seu verdadeiro sentido, o sentido ou um dos sentidos literais, nada mais fazendo que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo (43).
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (44), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.
A interpretação restritiva aplica-se quando se reconhece que o legislador, posto se tenha exprimido em forma genérica e ampla, quis referir-se a uma classe especial de relação, e " tem lugar particularmente nos seguintes casos: 1.º se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto de lei; 2.º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum); 3.º se o princípio aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado"(45).
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9.1. Matriz fundamental que o intérprete, na situação em apreço, jamais pode esquecer, e que sempre o há-de nortear, é a norma plasmada no n.º 5 do artigo 181.º da Constituição:
«As comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais:.
Esta disposição nuclear encontra tradução no artigo 259.º do Regimento da Assembleia da República:
«As comissões parlamentares de inquéritos gozam dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias e demais poderes e direitos previstos na lei:.
Além do aditamento do inciso final (por nós sublinhado), apenas se detecta a substituição do termo «judiciais: por «judiciárias: - compreensível, face à terminologia do Código de Processo Penal (cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea b):.
9.2. A Lei ordinária - n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 5/93 - prescreve, por seu turno, que as comissões gozam de «todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias:.
Sublinhe-se o adjectivo «todos: - aliás, inscrito no diploma ordinário anterior (n.º 1 do artigo 4.º) -, significativo de que o legislador quis atribuir às comissões os mesmos - nem mais, nem menos - poderes de que dispõem as autoridades judiciárias.
9.2.1 Propósito que está em sintonia com o direito comparado mais significativo, como oportunamente referenciámos (cfr. ponto 5.1.).
Neste momento, justificar-se-á tão só recordar que a Constituição italiana fala dos mesmos poderes e das mesmas limitações e, em sentido idêntico, a lei belga diz que as testemunhas, os intérpretes e os peritos estão sujeitos, perante as comissões, às mesmas obrigações que perante o juiz de instrução.
Por seu turno, M.J. Velu, (46), ao analisar as orientações que se perfilam no tocante à invocação do segredo profissional perante as comissões parlamentares de inquérito, manifesta a sua preferência pela tese - dita intermédia - segundo a qual a situação da pessoa em causa deve ser «assimilada: à daquela que é chamada a «témoigner en justice:, com os mesmos direitos e obrigações que perante um juiz.
Apele-se , por último, para o seguinte passo de Alessandro Pace (cfr. nota 29): «impossibilitá di avere, nella raccolta delle prove e delle informazioni, poteri maggiori o limitazioni minori di quelle dell' autorità giudiziaria:.
9.2.2. Entre nós, esta equiparação (seja-nos permitida a expressão) às autoridades judiciárias, transparece de outros preceitos - desde logo do n.º 2 do mesmo artigo 13º (47) mas também do artigo 5.º (Informação ao Procurador-Geral da República), dos artigos 16.º, n.º 3, e 17.º, nºs 1 e 4 (remissões para a lei processual penal), enfim, do artigo 19.º.
Esta «equiparação: não significa, porém, esquecer o que já antes se disse: as comissões não são tribunais, não exercem o poder jurisdicional, apresentando-se fundamentalmente como órgão político, não como autoridade judicial.
A investigação por elas levada a cabo situa-se num plano político e não judicial, sendo distintos os fins prosseguidos: enquanto os tribunais visam determinar a responsabilidade jurídica (civil, penal ou administrativa), as comissões apenas procuram apurar a responsabilidade política ou simplesmente realizar uma tarefa de informação para o Parlamento (48).
9.2.3. Como corolário daquele n.º 1 do artigo 13.º, podem ler-se as duas normas seguintes - porque as comissões gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias, é que - «têm direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal (49) e de autoridades administrativas nos mesmos termos que os tribunais: (n.º 2);
- podem « solicitar por escrito aos órgãos do Governo e da Administração ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito: (n.º 3).
9.3. Segundo Gomes Canotilho (50), este direito à coadjuvação é justificado pelo princípio da eficácia.
Em termos próximos, já a Comissão Constitucional, no citado parecer n.º 14/77, havia ponderado que da finalidade dos inquéritos decorrem a natureza e extensão dos poderes que devem ter as comissões constituídas para os levar a cabo - dentro do âmbito legalmente fixado ao objecto do inquérito, compreende-se que sejam utilizados os meios e processos necessários para assegurar a sua eficiência.
9.3.1. A Constituição da República prescreve, no artigo 205.º, n.º 3, que "no exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades".
Por seu turno, o artigo 9.º, n.º 2, do Código de Processo Penal estabelece:
"No exercício da sua função, os tribunais e demais autoridades judiciárias têm direito a ser coadjuvados por todas as outras autoridades; a colaboração solicitada prefere a qualquer outro serviço".
Ora, como este corpo consultivo já várias vezes teve oportunidade de sublinhar (49) , é com este dever de coadjuvação que costuma ser relacionado o dever de segredo profissional, procurando-se captar o peso relativo das representações valorativas em conflito, na busca do interesse prevalente ou dominante.
9.4. É tempo de centrarmos a nossa atenção no n.º 6 do mesmo artigo 13.º:
"No decorrer do inquérito só será admitida a recusa de fornecimento de documentos ou da prestação de depoimentos com o fundamento em segredo de Estado ou em segredo de justiça, nos termos da legislação respectiva".
Recorde-se, antes do mais, que uma tal estatuição não tinha correspondência no artigo da Lei n.º 43/77 que providenciava sobre os poderes das comissões (artigo 4.º).
Uma norma similar, mas não coincidente - porque limitada a funcionários e agentes e, por outro lado, falando em "interesse superior do Estado" e não em "segredo de Estado" - constava, sim, como vimos, do n.º 4 do artigo 8.º ("Depoimentos") do diploma revogado.
9.4.1. Numa primeira aproximação àquela norma, buscando apenas o seu sentido literal, e impressionados em demasia com o peso do adjectivo só, seríamos levados a concluir que, perante as comissões parlamentares de inquérito, a recusa de depoimento, por parte de qualquer pessoa, só é admitida por um de dois fundamentos: segredo de Estado ou segredo de justiça.
Ou seja, no que ora nos interessa: nunca, ninguém, podia recusar-se a depor invocando segredo profissional, já que ele não está aí previsto como fundamento de recusa.
9.4.2. Afigura-se, porém, não ser esta a melhor interpretação - apegada em demasia ao elemento literal, e que os demais elementos da hermenêutica (interligados no seu conjunto) não comportam.
Pense-se, desde logo, que há outros segredos, além dos dois expressamente previstos na norma em apreço, com assento em normas de valor hierárquico superior - sigilo profissional dos jornalistas (artigo 32.º, n.º 2, alínea b), da Constituicão) e segredo religioso (Concordata) (50).
Aliás, a existência de outros segredos para além daqueles dois, no âmbito das investigações das comissões parlamentares de inquérito, resulta claramente do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 5/93 (cfr. ponto 6.4.2.), ao permitir a consulta das actas, e documentos, desde que não revelem matéria sujeita a segredo de Estado, a segredo de justiça ou sujeita a sigilo por razões da reserva de intimidade das pessoas.
Interpretação diferente daquela que defendemos significava, por outro lado, reconhecer às comissões maiores poderes de investigação que às autoridades judiciárias, em flagrante e manifesta oposição com as normas constitucional (n.º 5 do artigo 181.º), regimental (artigo 259.º) e ordinária (artigo 113.º, n.º 1), que lhes conferem (apenas) os mesmos poderes - todos ,mas não mais,
Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 5/93, a falta de comparência ou a recusa de depoimento perante a comissão "só se terão por justificadas nos termos da lei processual penal".
Remissão esta, para a lei processual penal, que outros preceitos também operam (cfr. entre outros, os artigos 16.º, n.º 3, 17.º, n.ºs 2 e 4, e 19.º).
O elemento sistemático, a harmonia do sistema, a indispensável articulação entre as várias normas, confortam, pois, a interpretação por nós defendida.
9.4.3. Aliás, se bem pensamos, uma tal norma, com raízes, no n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 43/77 - esta limitada, e bem, a funcionários e agentes - deveria, porventura, entender-se querida pelo legislador como dirigida (ao menos preferencialmente) a funcionários e agentes, atenta a natureza dos dois segredos nela inscritos.
Para aí aponta o elemento histórico.
Todavia, este "entendimento" nunca poderia significar que o n.º 6 do artigo 13.º seja uma norma (especial ou excepcional) que tem como seus únicos destinatários os funcionários e agentes, aos quais sempre estaria vedado invocar o segredo profissional, e que apenas podiam recusar o depoimento com fundamento em segredo de Estado ou em segredo de justiça.
Um tal significado não só não teria na letra da lei um mínimo de suporte ou de correspondência, mas também militaria contra ele a argumentação antes aduzida
- com efeito, corresponderia a conferir maiores poderes de investigação às comissões que às autoridades judiciárias, para as quais rege, na matéria, o artigo
136.º do Código de Processo Penal, o qual, sob a epígrafe "Segredo de funcionários", dispõe:
"1.Os funcionários não podem ser inquiridos sobre factos que constituam segredo e que tiverem tido conhecimento no exercício das suas funções.
2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior".
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Face ao exposto afigura-se dever concluir pela invocabilidade do segredo profissional perante as comissões parlamentares de inquérito.
É nosso entendimento, neste domínio, que as comissões estão no mesmo pé que as autoridades judiciárias, umas e outras gozando dos mesmos poderes de investigação, de igual "capacidade de gozo".
Entendimento que nos remete para o regime consagrado na lei processual penal no tocante ao segredo profissional.
10.1. Este regime consta, fundamentalmente, do artigo 135.º do Código de Processo Penal, ao qual, por isso, já dedicámos especial atenção (cfr. ponto 4.2.) (51).
Nele se prevê a escusa de depor sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional (n.º 1).
Porém, havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária procede às averiguações necessárias, ordenando a prestação do depoimento se, após as averiguações, concluir pela ilegitimidade da escusa (n.º 2 ) (52)
Tratar-se-á aqui, se bem se pensa, de uma averiguação de natureza essencialmente formal e sumária (53), fundamentalmente de matéria de facto, que habilite a ajuizar da legitimidade ou ilegitimidade da escusa.
Ora, em nosso entender, e face a tudo quanto se disse, e aos elementos carreados para o parecer, não se vislumbra fundamento válido para não considerar aplicável esta norma procedimental às comissões, recusando-lhes o poder de efectuar essas averiguações sumárias e o consequente poder de ordenar a prestação de depoimento se concluírem pela ilegitimidade da escusa (54).
A não ser assim, estava a contrariar-se, num aspecto fundamental do "processo de investigação", a "equiparação" entre umas e outras, a negar às comissões a mesma "capacidade de gozo" das autoridades judiciárias.
Seria um claro entorse no sistema, que redundaria na sua paralisia, em flagrante oposição com a intenção querida e claramente expressa pelo "legislador" constitucional, regimental e ordinário.
Acresce que, em nossa opinião, essa actividade de averiguação e a (eventual) decisão que ordena a prestação de depoimento, não relevam materialmente da função jurisdicional, não atingindo o núcleo essencial da competência jurisdicional dos tribunais em matéria penal.
10.2. Dúvidas, poderão, sim suscitar-se face ao disposto no n.º 3 do mesmo preceito - se a autoridade judiciária concluir pela legitimidade (viabilidade) da escusa, a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional só pode ser decidida pelo tribunal superior áquele onde o incidente se tiver suscitado (sendo a intervenção deste tribunal suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento), quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185.º do Código Penal.
10.2.1. Atente-se, antes do mais, em que no n.º 2
é a autoridade judiciária que, após proceder à averiguações necessárias, "ordena ou requer seja ordenada a prestação do depoimento" , ao passo que no n.º 3 é o tribunal que decide da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, verificados determinados pressupostos (55).
Assim sendo, desde logo se nos afigura que não seria defensável uma tese que pretendesse reconhecer às comissões um poder que a lei reserva para o tribunal - a decisão, com quebra do sigilo, de prestar o depoimento.
Aqui, sim, já nos situaremos no âmbito de uma actividade materialmente jurisdicional.
10.2.2. As dúvidas radicarão noutro plano - terão as comissões poder para suscitar a intervenção do tribunal superior (intervenção que, nos termos da parte final do n.º 3, é "suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento") (56) ?
Uma resposta negativa poderia pretender alicerçar- se no princípio da separação de poderes, previsto no artigo 114.º, n.º 1, da Constituição - princípio que veda, por um lado, que um órgão de soberania se atribua, fora dos casos em que a Constituição expressamente o permite ou impõe, competências para o exercício de funções que essencialmente são conferidas a outro e diferente órgão, e por outro lado, que um determinado
órgão de soberania se atribua competências em domínios para os quais não foi concebido, nem está vocacionado
(57).
A este propósito interessará, porém, registar o que Elvira Perales (58) escreveu:
"[...].
A separação de poderes na actualidade não corresponde aos mesmos princípios que regiam nos inícios do constitucionalismo; na actualidade, os termos mais adequados não são os de divisão ou separação , mas os de distinção ou colaboração de poderes, o que resulta bem visível da consideração dos textos constitucionais e, em concreto, da Lei Fundamental de Bona. A colaboração entre poderes tem múltiplas manifestações, sendo uma delas, precisamente, a das comissões de investigação, através das quais um órgão do Parlamento investiga o Governo, exercendo uma inovadora forma de controlo mais efectiva do que, por exemplo, a tradicional moção de censura e que , dada a actual articulação maioria-minoria, permite exercer um controlo real ainda que sempre sujeito à limitação que decorre do predomínio da maioria.
Deste modo, importará considerar que o conceito de separação de poderes não é um princípio inamovível, mas algo sempre adaptável às circunstâncias concretas e a cada regime político em particular, desde que se mantenha a independência entre os diversos poderes que caracteriza o Estado de direito democrático, tal como é concretamente configurado na Constituição.
As comissões de investigação não implicam, desde modo, um atentado à "divisão de poderes", mas antes uma forma de levá-la a cabo, já que a existência e os direitos das comissões de investigação têm na sua base o sistema parlamentar de governo, ocupando um papel relevante dentro dos mecanismos de controlo previstos face a um governo responsável.
Por outro lado, as comissões de investigação, tal como o próprio Bundestag, são independentes face aos outros órgãos do Estado, especialmente às entidades administrativas e aos tribunais, ainda que, em determinadas ocasiões, necessitem da sua colaboração. As comissões de investigação são independentes tanto na sua actuação, como nas decisões que tomam, com os únicos limites estabelecidos na Constituição "(59)
Face a todo o exposto, e tendo aqui em conta, sobretudo, as várias remissões que no articulado da Lei n.: 5/93 são feitas para a lei processual penal - com particular destaque, porventura, para a do n.: 1 do artigo 17.: -, propendemos a concluir pela possibilidade de as comissões parlamentares de inquérito suscitarem a intervenção do tribunal "superior", nos termos e para os efeitos do disposto no n.: 3 do artigo 135.: do Código de Processo Penal.
Conclusão esta que também encontra apoio, não despiciendo, no direito de coadjuvação a que têm direito as comissões parlamentares.
10.2.3. As dificuldades de interpretação que ressaltam do texto do parecer, e a natureza das dúvidas suscitadas - que se prendem, fundamentalmente, com a norma do nº 6 do artigo 13º da Lei nº 5/93 -, são de molde a justificar se sugira uma intervenção legislativa, ao abrigo do disposto no artigo 34º, alínea d), da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro.

11

Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1ª As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias, e têm direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e de autoridades administrativas nos mesmos termos que os tribunais (artigos 181:, n.: 5, da Constituição da República, 259.: do Regimento da Assembleia da República e 13.:, n.º s 1 e 2, da Lei n.: 5/93, de 1 de Março);
2ª Quem presta declarações perante comissões parlamentares de inquérito, pode escusar-se a depor sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional (artigo 135.:, n.: 1, do Código de Processo Penal);
3ª Na situação prevista na conclusão anterior, havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, pode a comissão proceder às averiguações necessárias e ordenar a prestação do depoimento se, após as averiguações, concluir pela ilegitimidade da escusa (artigo 135.:, n.: 2);
4ª A decisão referida na anterior conclusão é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa (artigo 135.:, n. 5);
5ª Concluindo pela legitimidade da escusa, pode a comissão parlamentar de inquérito suscitar a intervenção do Tribunal da Relação, o qual decidirá da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185.: do Código
Penal (artigo 135.:, n.: 3, do Código de Processo Penal).


VOTOS


(António Gomes Lourenço Martins - Vencido quanto à conclusão 5ª , pelas sumárias razões que se indicam.
A despeito de a CRP afirmar que "as comissões parlamentares de inquérito gozam de poderes de investigação próprias das autoridades judiciais" (artigo 181º, nº 5), ditame transposto para a lei ordinária como gozando de "todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias" (artigo 13º, nº 1, da Lei nº 5/93) - terminologia esta mais próxima do Código de Processo Penal -, ninguém defende que as comissões parlamentares usufruam rigorosamente de todos aqueles poderes de investigação, tais como estão consagrados nas leis de processo, designadamente, penal. E por isso também no Parecer não se defende que as comissões parlamentares de inquérito possam decidir sobre a quebra do segredo profissional que venha a ser invocado perante elas, poder próprio das autoridades judiciárias ou, pelo menos, das autoridades judiciais.
A teleologia que enforma os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquérito reside na competência que assiste à Assembleia da República para apreciar os actos do Governo e da Administração. Logo aí intervém um primeiro limite: os poderes não hão-de exceder ou sair fora das necessidades determinantes do objecto da indagação.
Mais há outros limites.
Se da actividade das comissões resulta ofensa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, tal como definidos na Constituição, só no condicionalismo previsto na mesma é possível ultrapassar tal reduto, normalmente mediante intervenção da autoridade judicial.
Mas sendo assim, dir-se-á, a invocação de segredo profissional pode tolher uma legítima indagação da AR com vista à fiscalização dos actos do Governo e da Administração. A maneira de remover tal obstáculo (o segredo) que, no seu caso concreto, não deve prevalecer sobre um interesse público superior, é precisamente o recurso ao tribunal, ainda que tal não se mostre previsto expressamente na lei, pois que se estará perante um poder de investigação "próprio" das autoridades judiciais (ou judiciárias).
Pensamos, com o devido respeito, que a conclusão não pode ser aceite.
Em primeiro lugar, porque levada à letra e às suas últimas consequências, a afirmação constitucional poderia ser interpretada até como sendo a própria comissão parlamentar a decidir, já que nem a Constituição nem a lei distinguem. Apenas dizem que as comissões gozam dos poderes "próprios" das autoridades judiciais (ou judiciárias).
Mas se assim fosse então consagrava-se a existência de um poder materialmente jurisdicional a ser exercido pelas comissões, o que violaria a Constituição, nomeadamente o disposto no artigo 114º, nº 1.
Em segundo lugar, tal interpretação, ainda que entendida na forma do Parecer (submissão do assunto ao tribunal) conduziria à desfiguração das comissões de inquérito.
Embora os seus objectivos sejam bem diferentes dos prosseguidos pelos tribunais, dirigindo-se à recolha de elementos que permitam à AR efectuar um controlo e uma crítica de natureza política , gozariam de "poderes paralelos" de outro órgão de soberania, concedidos a este para finalidades distintas, nomeadamente para reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir conflitos de interesses públicos e privados (nº 2 do artigo 205º).
Teríamos, a meu ver, uma miscigenação funcional e de poderes de investigação contrários à separação imposta pela Constituição.
Em terceiro lugar, e caminhando na mesma via, então não haveria motivos para impedir as comissões parlamentares de inquérito de solicitarem do tribunal de Relação a passagem de mandados de busca e de apreensão de objectos ou documentos, enfim, a autorização para realizarem escutas telefónicas.
Por absurdo se vê que tal desvirtuação do rosto de cada instituição não é suportável pelo figurino constitucional.
Diremos antes de terminar que não nos parece de todo incoerente que se admitam para as comissões parlamentares os poderes a que se referem as conclusões 3ª e 4ª - averiguar e decidir sobre se há ou não legitimidade para invocação do segredo profissional -, uma vez que se configuram como uma averiguação essencialmente formal e sumária, como se diz no Parecer (ponto 10.1) ainda compatível com a sua natureza.
Ultrapassado tal limite, as comissões ficam impedidas de prosseguir no uso desse eventual meio de investigação, a admitir que o tribunal ordene a quebra de segredo e seja obedecido.
Anatematiza-se o resultado, dizendo que se bloqueia a actividade das comissões parlamentares. Pode ripostar-se que não é por argumentação "ad terrorem" que se impedem as conclusões do intérprete, mas sim pela ponderação em sede legislativa de uma matéria, esta da correcta configuração das comissões parlamentares de inquérito, que está ainda longe de ter atingido o equilíbrio de interesses e valores.


(António Silva Henriques Gaspar)
1. Votei vencido quanto à amplitude de formulação da conclusão 2ª, porquanto entendo que a norma do artigo 13º, nº 6, da Lei nº 5/93, se aplica ao regime dos depoimentos dos agentes e funcionários do Governo ou da Administração.
Pelos motivos que resumidamente exponho.
2. A conclusão 2ª, na generalidade da formulação da doutrina que condensa retira todo o sentido ao disposto no artigo 13º, nº 6 da Lei nº 5/93, de 1 de Março, no que respeita à prestação de depoimentos e aos motivos da sua recusa.
A interpretação que faço da norma, numa perspectiva sistemática, de ratio legis e histórica leva-me todavia a diverso entendimento.
Que a conjugação intra-sistemática de normas e soluções - designadamente o âmbito dos poderes das comissões parlamentares de inquérito e a indicação dos motivos da recusa de depoimento, por remissão para o processo penal constante do artigo 17º, nº 1 - impõe o relevo, em geral, do segredo profissional como motivo de recusa, constitui, em meu entender, como defende o parecer, solução razoavelmente segura.
Mas apenas enquanto estejam em causa os valores a proteger no segredo: isto é, a especial relação de confiança entre a fonte do segredo, da informação, da comunicação e o detentor do segredo profissional. Porque o segredo profissional, mais do que um direito, constitui um dever daquele que lhe está vinculado.
Mas, sendo assim, a protecção e a sua razão de ser não se verifica na relação entre os funcionário da Administração e a comissão parlamentar. Não se configura, aqui, a existência de um interesse a proteger do titular do segredo (a Administração), precisamente porque as comissões parlamentares de inquérito têm como finalidade averiguar actos e comportamentos de Governo e da Administração.
Por isso, os funcionários apenas poderão - racionalmente - invocar os segredos em que coexistam e se protejam outros valores que não os da interna relação de confiança entre o funcionário e a Administração: os valores ligados à administração da justiça (segredo de justiça) ou os interesses superiores do Estado (segredo do Estado).
Os elementos históricos apontam também neste sentido. Não só porque dos trabalhos preparatórios resulta que a interpretação que faço relativamente ao regime e motivos de recusa de depoimentos de agentes e funcionários nunca esteve em causa, mas também porque a lei anterior expressamente o consagrava.
E, naturalmente que o legislador, empenhado em aperfeiçoar, melhorar e dotar as comissões de inquérito de mais adequados poderes, não consagraria solução neste aspecto redutora em relação ao regime anterior.
3. Assim, a interpretação restritiva do artigo 13º, nº 6, que me parece a única aceitável, leva a considerar tal disposição aplicável apenas ao regime de apresentação de documentos e prestação de depoimentos pela Administração e seus agentes.


(José Adriano Machado Souto de Moura) - Vencido no tocante a todas as conclusões pelas seguintes razões:

1
O objecto do presente parecer é a possibilidade de invocação do sigilo profissional perante as comissões parlamentares de inquérito (C.P.I.).
A tese nuclear do parecer é a de que os poderes de investigação das ditas comissões se medem pelos poderes das autoridades judiciárias, e esta tese de que os poderes de umas e outras são os mesmos, está presente em todas as conclusões. Por outras palavras, quando na 1ª conclusão se afirma que as C.P.I. gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias, tem o sentido, tal afirmação, de que as C.P.I., também só gozam dos poderes das autoridades judiciárias. Este, aliás, um entendimento repetidamente expresso e de que o conteúdo das restantes conclusões é mera decorrência. Este um entendimento com que, não podemos concordar, nos termos expressos e com os fundamentos que se invocam.

2
Uma tomada de posição sobre a invocabilidade do segredo profissional, elemento importante na aferição dos poderes das C.P.I., passa necessariamente pela interpretação do nº 6 do artigo 13º da Lei nº 5/93, de 1 de Março.
E de acordo com tal preceito, recorde-se, a recusa de fornecimento de documentação ou de prestação de depoimentos perante as C.P.I. só poderá ter lugar invocando-se o segredo de Estado ou de Justiça.
Uma interpretação restritiva do preceito, nos termos da qual o legislador teria ido mais longe do que o que queria, porque no fundo pretendeu limitar a restrição ínsita na norma a um certo grupo de pessoas, não tem a nosso ver suporte suficiente. O nº 4 do artigo 8º da Lei nº 43/77, de 18 de Junho, que antecedeu a actual Lei nº 5/93, circunscrevia a ininvocabilidade do segredo profissional a "funcionárias e agentes", facultando a estes a recusa a depor, apenas com fundamento em "interesse superior do Estado" ou "segredo de justiça". A mudança na redacção dos preceitos não pode significar a nosso ver, que neste particular tudo seria para ficar na mesma. A supressão da restrição a funcionários e agentes só pode ter por objectivo alargar os poderes dos C.P.I.. Não, mantê-los.
O parecer envereda por uma interpretação do já referido nº 6 do artigo 13º que é oposta, porque ao começar por se configurar ao que cremos, extensiva, acaba por se transformar numa verdadeira interpretação correctiva quando não abrogante. A partir duma redacção em que se refere que só certas espécies de segredos podem ser opostos às C.P.I., acaba por se entender que todas as espécies de segredos se podem invocar, incluindo o profissional. A partir duma norma, que inequivocamente e face ao seu teor literal, pretende ao fazer uma restrição, acaba por se não fazer restrição nenhuma. Na economia do diploma em que se enquadra, o nº 6 do artigo 13º aparece assim como uma norma que teria que ser ignorada.

3
O nosso ponto de vista é o de que a expressão "só", incluída no texto em análise, apenas permite uma interpretação de tipo enunciativo. Restringindo a invocabilidade do segredo ao segredo de Estado e de justiça, impõe-se concluir "a contrario" que o segredo profissional não poderá ser invocado, seja por que depoente for, porque a norma não elege nenhum círculo de pessoas.
Este entendimento não é incompatível com as declarações de sede constitucional ou outra, que referem terem as C.P.I. todos os poderes das autoridades judiciárias, em matéria de investigação, precise-se. É que, cremos que ter todos os poderes das autoridades judiciárias não implica ter só os poderes das autoridades judiciárias. O artigo 259º do Regimento da Assembleia da República deverá pois ser lido com o sentido de que as C.P.I. gozam dos poderes das autoridades judiciárias sem prejuízo doutros que a lei lhes atribua. E, coerentemente, se o artigo 13º da Lei nº 5/93, no nº 1, nos diz que as C.P.I. gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias, tal surge como norma geral, em face da qual o nº 6 será uma norma especial, na medida em que atribui à C.P.I., afinal, mais os poderes de investigação que decorrem da impossibilidade de, perante elas, ser invocado o segredo profissional.
Na Lei nº 43/77 a matéria do segredo só era referida no seu artigo 8º, epigrafado e relativo a "depoimentos". Tal matéria aparece-nos tratada na Lei nº 5/93, no artigo 13º, referente aos "poderes das comissões". A deslocação dum preceito para o outro fica, a nosso ver, a dever-se à necessidade de incluir a recusa da apresentação de documentos na matéria do segredo, o que se não confunde com a recusa a depor.
O preceito da Lei nº 5/93 relativo a "depoimentos", que é o artigo 17º, deixou pois, neste entendimento, de ter que ver com o segredo, e a sua invocabilidade. A expressão "recusa de depoimento", do nº 1 do artigo, só pode querer reportar-se, a nosso ver, à recusa do artigo 134º do Código de Processo Penal, epigrafado "recusa de parente e afins", e à matéria de incompatibilidades portanto.

4
Resulta assim do que dissémos, que, a nosso ver, o nº 6 do artigo 13º da Lei nº 5/93 de 1 de Março impede a invocação do segredo profissional perante as C.P.I. Desta posição resultarão sem dúvida dificuldades em sede de constitucionalidade, às quais não vemos porém como fugir, já que uma possível interpretação do preceito conforme à Constituição sempre exigiria, como condição prévia, um mínimo de correspondência à letra da lei. O que no caso presente se nos afigura inviável.
As dificuldades que se poderão ver no nº 6 do artigo 13º referido prendem-se com a protecção que a própria Constituição confere a certos segredos, como é o caso do dos jornalistas no seu 38º, ou, indirectamente, dos advogados, por força do artigo 32º. Refira-se também o segredo religioso, pelo menos o relativo à religião católica., garantido pela Concordata com a Santa Sé, e que em termos processuais penais é inultrapassável em absoluto.
Mas, a constitucionalidade do 6 do artigo 13º, em foco, poderá questionar-se ainda pelo simples facto de às C.P.I. virem a ser atribuídos poderes que nenhum tribunal tem. Isso mesmo conflituará com uma ordem constitucional que consagra um Estado de Direito, onde o valor supremo é a dignidade da pessoa humana individualmente considerada, e em que os tribunais são os garantes últimos dos bens mais chegados à pessoa. E, entre eles, conta-se a relação de confiança que se tenha estabelecido com quem possa vir a ser chamado a depor, por exemplo.
É que, a investigação levada a cabo pelos tribunais está directamente ao serviço da justiça.
Acresce que a investigação levada a cabo por juízes, estatutariamente independentes, serve decisões "obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas" e que "prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades". Cremos pois, que a atribuição em matéria de investigação de mais poderes à C.P.I., que aos tribunais, subverte a hierarquia de valores em que assenta a nossa ordem constitucional.

5
Se, como é nossa convicção, o nº 6 do artigo 13º da Lei nº 5/93 está ferido de inconstitucionalidade material, trata-se de preceito que veicula uma disciplina inaceitável. Isto, quer sobrevenha uma declaração de inconstitucionalidade da parte do Tribunal Constitucional, quer, mesmo sem tal declaração, os Tribunais ou até a Administração ou a Assembleia da República o não apliquem pura e simplesmente, já que referente a matéria do âmbito dos direitos, liberdades e garantias.
A não aplicabilidade do nº 6 do artigo 13º em questão conduzir-nos-á então à disciplina do nº 1 do preceito que consagra como se viu a regra da equiparação entre C.P.I. e as autoridades judiciárias.A tal propósito, haverá em primeiro lugar que delimitar o que sejam poderes de investigação porque só a tal nível se opera a equiparação.
Ora, seguramente, não integram os "poderes de investigação" os poderes que se atribuem ao juiz de instrução, numa fase como o inquérito, em que ele não é a autoridade judiciária respectiva. Instrumentais embora dos poderes de investigação, estes poderes do J.I.C. são-lhe atribuídos enquanto "juiz garante das liberdades", e traduzem-se na produção de decisões materialmente judiciais. Estas decisões não são apanágio do Ministério Público no inquérito do processo penal, como o não podem ser dos deputados nos inquéritos parlamentares. E é assim que por exemplo, nem um nem outros podem colocar alguém em prisão preventiva ou ordenar uma busca num escritório dum advogado. Mas significa isso que, numa matéria como a da invocabilidade do segredo, só um juiz poderá ordenar a prestação de depoimento por se ter considerada infundada a legitimidade da escusa? Por mais discutível que seja a disciplina do nº 2 do artigo 135º do Código de Processo Penal, face à expressão "ou requer que ordene" ali integrada, parece-nos inegável que o Ministério Público não poderá emitir a ordem aludida. Dir–se-à então, que para o legislador, tanto a ordem de quebrar o segredo como a ordem de depoimento face ao infundado do invocação do segredo, serão materialmente judiciais.
E a expressão utilizada no nº 5 do preceito, "autoridade judiciária", só pode querer referir-se ao juiz. Retomam-se no nº 5 as expressões que se usaram nos nºs. 2 e 3, e não outros.
Parece-nos assim ser de concluir, que caso as C.P.I. se confrontem com a necessidade de levar a cabo diligências, que caso fossem efectuadas no inquérito em processo penal, exigiriam a intervenção do juiz, terão também que desencadear aquela intervenção. Negar a possibilidade de, fazendo intervir a autoridade judicial, se desbloquerem as situações criadas nos termos apontados, seria, a nosso ver, comprometer à partida o trabalho das CPI.

(Luís Novais Lingnau da Silveira) - Votei o parecer, com a declaração de que entendo que a conclusão 2ª não é aplicável a funcionários e agentes da Administração Pública.
E isto porque a estes se aplica, a meu ver, o nº 6 do artigo 13º da Lei nº 5/93, não lhes sendo, assim, permitido recusar o fornecimento de documentos ou a prestação de depoimentos às comissões parlamentares de inquérito senão com fundamento em segredo de Estado ou segredo de Justiça.
Não pode, com efeito, deixar de se ter em conta e de se atribuir um sentido útil a esta norma.
Ora o significado que se lhe afigura mais ajustado é o de ela se reportar aos funcionários e agentes.
É certo que, literalmente, dela não consta tal menção.
Mas é de presumir que o legislador a terá considerado desnecessária, por se tratar de preceito integrado em artigo que trata, fundamentalmente, da colaboração das entidades públicas com as comissões parlamentares de inquérito.
Por outro lado, o sentido assim preconizado é o que melhor corresponde aos antecedentes históricos da regra em causa.
Na verdade, o seu antecedente próximo é constituído pelo nº 4 do artigo 8º do diploma que primeiro regulou as comissões parlamentares de inquérito - a Lei nº 42/77 -, onde a recusa de resposta com base em "interesse superior do Estado" ou segredo de justiça era expressamente referida ao depoimento de funcionários e agentes.
Acresce que, se se tivesse pretendido, na actual Lei nº 5/93, aplicar, à invocação de sigilo profissional por funcionários e agentes, regime radicalmente diverso do antes vigente, natural seria que essa questão houvesse sido abordada e discutida no âmbito da respectiva preparação.
Ora verifica-se precisamente o contrário.
Nos trabalhos preparatórios da Lei nº 5/93 não se vislumbra qualquer indício desse eventual propósito de mudança de critério no tocante à invocação de sigilo profissional por funcionários e agentes.
Bem pelo contrário: no Relatório e parecer da Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, que sintetizou os traços essenciais dos três projectos de lei apresentados sobre a revisão do regime das comissões em causa (DAR, II Série-A, nº 42, de 5/6/92), expuseram-se as diversas soluções propostas quanto à invocação de "interesse superior de Estado", "segredo de Estado" e "segredo de justiça" sob a epígrafe "Recusa de depoimentos de funcionários".
Enfim, a interpretação ora sugerida parece a mais consentânea com a própria finalidade das comissões parlamentares de inquérito. Elas constituem instrumento do exercício da faculdade de controlo da Administração que constitucionalmente compete à Assembleia da República. Compreende-se, por isso, que o geral dever de sigilo de funcionários e agentes deva - excepto se estiver em causa segredo de Estado ou segredo de justiça - ceder perante o interesse público superior da fiscalização do Executivo pelo Parlamento. Se assim não fosse, aliás, a normal actuação das comissões parlamentares de inquérito resultaria grave (e quase decisivamente) comprometida.

(Abílio Padrão Gonçalves) Voto em conformidade com o meu Exmº Colega Dr. Henriques Gaspar.

_______________________________
1) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, 1993, pág. 656.
2) Constitui direito de cada grupo parlamentar "requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito" (artigo 183º, nº 2, alínea e)).
3) Ob. cit., pág. 718.
4) Texto publicado no "Diário da República", 1ª Série-A, nº 51, de 2 de Março de 1993, conforme Resolução da Assembleia da República nº 4/93.
5) No qual acompanharemos quase textualmente o parecer nº 49/91, de 12 de Março de 1992, homologado por despacho de 12.01.95.
6) Citados por DOMINIQUE THOUVENIN,"Le Secret médical et l'information du malade", Presses Universitaires de Lyon, 1982, pág. 78, o qual salienta que a palavra vem do latim secretum e que o adjectivo vem de secretus, particípio passado do verbo secerno que significa "séparer, mettre à part".
7) "Il segreto professionale nell'esercizio delle ati sanitarie", edizioni Cedam-Padova, 1983, pág. 26.
8) "Trattato di Diritto Penale", vol. IV, pág. 199.
9) "Manuale di Diritto Penale, parte speciale", vol. I, Giuffrè, Milano, 1977, pág. 183.
10) "Violação do Segredo", Revista Forense, vol. CXXXI, Ano XLVII, fasc. 568, pág. 348.
11) "O Segredo Profissional", Revista da Ordem dos Advogados, Ano 19, 1º trim., 1959, pág. 38.
12) Notas ao Código Penal Português, artigo 289º.
13) CORREIA DAS NEVES, "Violação do Sigilo Médico e Exercício Ilegal da Medicina", Estudo de Direito Criminal, 1963, pág. 15.
14) Revista de Justiça, Ano 5, pág. 162.
15) "Da inviolabilidade das correspondências e do sigilo profissional dos funcionários telégrafo-postais", em "O Direito", ano LXXXVI, 1954, pág. 81.
16) EMILE GARCON, "Code Pénal annoté", 378.
17) Votado na Sessão de 9 de Fevereiro de 1995 (cfr., sobretudo, o ponto 5.3.).
18) A propósito, citam-se CARLOS PAMPLONA CORTE-T-REAL, J. BACELAR GOUVEIA e J. CARDOSO DA COSTA "Breves reflexões em matéria de confidencialidade fiscal", em "Ciência e Técnica Fiscal", nº 368, Out/Dez, págs. 10 e segs..
19) Cfr., também, entre outros os artigos 182º e 434º (violação do segredo de correspondência e de telecomunicações), 343º (violação do segredo de Estado) e 419º (revelação de segredo de justiça), todos do Código Penal, e 11º, nº 1, alínea a), e 28º da Lei nº 30/84, de 5 de Setembro, e 6º e 7º do Decreto-Lei nº 223/85, de 4 de Julho (violação do sigilo de matérias classificadas na disponibilidade dos Serviços de Informação).
20) Como referem FIGUEIREDO DIAS - SINDE MONTEIRO, "Responsabilidade Médica em Portugal", BMJ, nº 332, pág. 66, nota 126), este preceito restringe os pressupostos gerais de justificação do conflito de deveres (artigo 36º), na medida em que estes se bastariam com que o dever conflituante com o dever de segredo fosse de valor igual.
No mesmo sentido, M. MAIA GONÇALVES, "Código Penal Português", 1984, pág. 301, e o parecer nº 28/86, votado na sessão do Conselho Consultivo de 14/1/88.
21) O Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo Penal, foi emanado ao abrigo da autorização concedida pela Lei nº 43/86, de 26 de Setembro, cuja alínea 33), do nº 2 do artigo 2º se transcreve:
"Sistematização do regime de segredo profissional e de Estado, regulamentando-se o meio processual para aferir a legitimidade da respectiva arguição e a eventualidade de, por decisão do tribunal superior, se ordenar a prestação de testemunho com quebra de tal sigilo, acautelando-se especialmente as condições restritivas em que a quebra pode ter lugar e, quanto ao sigilo profissional, a prévia audição do organismo representativo da respectiva profissão e a decisão pela secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça se a tal houver lugar".
22) Retenha-se que a lei apenas prevê que o incidente da escusa de depor seja suscitado perante autoridade judiciária: o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência (cfr. artigo 1º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal).
23) Acolhendo o sentido literal desta norma (nº 2), e "valorando" o segmento "requer ao tribunal que ordene", afigura-se dever concluir que só o tribunal pode ordenar, no condicionalismo referido, a prestação do depoimento, poder que não caberia, pois, ao Ministério Público, ainda que o incidente se tenha suscitado perante ele.
Em abono desta conclusão poderá também invocar-se a parte final do nº 3 do mesmo artigo 135º - na verdade, dela decorre que a intervenção do tribunal superior é sempre e só suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
A norma em apreço é, porém, susceptível de comportar uma outra inperpretação - sem que tal signifique um compromisso da nossa parte -, apoiando-se no elemento lógico e no elemento sistemático.
Elemento lógico: se é o Ministério Público que conclui pela ilegitimidade da escusa, após ter procedido às averiguações que entendeu necessárias à formulação do seu juízo (sobre a legitimidade/ilegitimidade), parece não fazer sentido que, após aquela conclusão, tenha de requerer ao tribunal a prestação do depoimento. Como compreender esta "cisão" entre a autoridade judiciária que procede às averiguações e, com base nelas, conclui pela ilegitimidade da escusa, e a autoridade que ordena a prestação do depoimento? Após aquela conclusão, que margem ficaria ao tribunal para deixar de ordenar a prestação de depoimento? E quando o ordena, qual a matéria de facto em que se fundamenta? Em suma: afigura- se que a decisão que ordena a prestação do depoimento se apresentará como uma decorrência lógica da conclusão sobre a ilegitimidade.
Elemento sistemático: o nº 5, que se reporta claramente, quando referenciado ao nº 2, a esta decisão de ordenar a prestação de depoimento (e não, seguramente, à conclusão sobre a ilegitimidade), confirma, sem margem para grandes dúvidas, a aludida interpretação. Na verdade, ao referir-se ao nº 2 fala em decisão da autoridade judiciária (compreensiva, também, do Ministério Público), reservando (e bem) para o nº 3, a referência a decisão do tribunal.
Refira-se, por último, que a citada alínea 33) do nº 2 do artigo 2º da lei de autorização (cfr. nota 21), apenas alude a decisão do tribunal superior a propósito da prestação de testemunho com quebra de sigilo (nº 3 do artigo 135º); no tocante à legitimidade, tão-só prescreve que se regulamentará o meio processoal para a aferir.
24) "Código de Processo Penal Anotado", 4ª edição, 1991, pág. 230, e "Meios de Prova", Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1989, pág. 200, onde também sublinha a significativa alteração em relação ao direito anterior, traduzida na generalização da possibilidade de quebra do segredo profissional.
Cfr., também, JOSÉ DA COSTA PIMENTA, "Código de Processo Penal Anotado", 2ª edição, págs. 408-409.
Refira-se que a solução contida neste artigo 135º foi objecto de severas críticas por parte de ALFREDO GASPAR, "O Segredo Profissional do Advogado e o Projecto do Código de Processo Penal", e JORGE WEMANS, "Os Jornalistas perante o segredo de justiça e o sigilo profissional", in Revista do Ministério Público, Jornadas de Processo Penal, 2, Cadernos, págs. 161-167 e 169-173, respectivamente.
25) Comunicação sobre Segredo Médico, apresentada nas Primeiras Jornadas Nacionais de Ética em Psiquiatria- Porto, 5 e 6 de Dezembro de 1991.
Do mesmo autor, cfr., também, a Comunicação "A Propósito do Segredo de Justiça", proferida no 10º aniversário da ASFIC, no dia 25/3/93, em Lisboa.
26) Segundo se demonstrou no parecer nº 49/91 (cfr. ponto 7.4.2.), não pode deixar de se entender esta remissão como abrangendo também o nº 3 do mesmo artigo 135º. Ou seja: há lugar à observância do disposto nesse nº 3, se a autoridade judiciária concluir pela legitimidade da recusa, nos termos do artigo 182º.
27) Para maiores desenvolvimentods sobre este ponto, cfr. MANUEL CANTO GARCIA, "Reflexiones sobre el derecho a la intimidad y las Comisiones de Investigacion Parlamentarias", em Boletin de Informacion, Año XLVIII, 15/6/94, nº 1710, págs. 3213 a 3231.
28) A matéria foi desenvolvida com profundidade por M.J. Velu, "Considérations sur les rapports entre les commissions d'enquête parlementaire et le pouvoir judiciaire", Bruxelles, 1993.
29) Vejam-se, FULVIO FENUCCI, "I Limiti del'inchiesta Parlamentare", 2ª ed., Milano-Dott. A Guiffrè Editore-1989; ALESSANDRO PACE, "Inchiesta parlamentare", em Enciclopedia del Diritto, XX, págs. 992-1025, maxime 1017-1024.
Pelo seu significado, transcreve-se, deste autor, o seguinte passo:
"...ogni commissione parlamentare di inchiesta istituita in base all'art.82 dovrà dirsi in definitiva limitata tre volte: innanzi tutto per il fatto che gli scopi da perseguire possono essere solo quelli ispettivo-legislativi (limiti funzionali); in secondo luogo perché, pur nell'àmbito di finalitá ispettive o legislative, non si può incidere sull'autonomia di individui ed enti locali e sull'indipendenza di altri organi costituzionali (limiti materiali); infine dall'impossibilità di avere, nella raccolta delle prove e delle informazioni, poteri maggiori o limitazioni minori di quelli dell'autorità giudiziaria (limiti istruttori)" (sublinhados nossos).
30) Cfr. Ascension Elvira Perales, «Comisiones de Investigation en el "Bundestag". Un Estudio de Jurisprudencia:, Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 7, n.º 19, Enero - Abril, 1987, págs. 263 -282.
31) Este acórdão foi anotado por Gomes Canotilho, na Rev. Leg. Jur., ano 127º, nº 3845, págs. 257-259.
A anotação é, no essencial, concordante com a decisão judicial; aquele constitucionalista, após considerar que as relações das comissões parlamentares com as autoridades judiciais suscitam delicados problemas, escreve a dado passo: "as comissões parlamentares de inquérito não são tribunais, não exercem o poder jurisdicional, os seus membros não são juízes no sentido constitucional, as conclusões...não se equiparam a decisões jurisdicionais nem possuem a força dos julgados dos tribunais".
32) Cfr., também, os artigos 39.º, da Constituição de 1838, e 95.º , § 2.º, da Constituição de 1933.
33) A Resolução n.º 117/77 do Conselho da Revolução, precedendo parecer da Comissão Constitucional, não se pronunciou pela inconstitucionalidade do Decreto 46/I, de 22/3/77, da Assembleia da República, sobre inquéritos parlamentares (D.R., I Série, n.º 125, de 30/5/77).
O parecer n.º 14/77 da Comissão Constitucional encontra- se publicado em "Pareceres da Comissão Constitucional", 2.º vol. , págs. 53 - 59.
34) Nos termos do artigo 222.º do Regimento publicado no Diário da Assembleia da República de 31/7/76, suplemento ao n.º 16, (anterior, pois, à Lei n.º 43/77), as comissões parlamentares de inquérito tinham direito à coadjuvação das autoridades judiciais e administrativas e podiam convocar quaisquer cidadãos para deporem perante ela, nos termos a definir por lei.
Publicada, entretanto, a Lei n.º 43/77 e tendo tido lugar a 1.ª Revisão Constitucional (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) -, que introduziu o n.º 5 do artigo 81.º -, o artigo 255.º do Regimento, alterado pela Resolução n.º 9/85, de 6 de Março, viria a dispor que as comissões gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais e demais poderes e direitos previstos na lei.
35) Segundo o artigo 7.º, n.º 1, "as comissões parlamentares de inquérito podem convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito".
36) No referido parecer n.º 14/77 da Comissão Constitucional entendeu-se que a justificação da recusa de resposta do depoente com fundamento em segredo de justiça é afloramento do princípio da separação de poderes.
37) Este n.º 5, inexistente na versão originária, corresponde, sem alterações, ao n.º 5 da 1.ª Revisão Constitucional.
Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., pág. 720), consideram não ser transparente o sentido deste n.º 5..
38) Na génese da lei n.º 5/93 estiveram os Projectos de Lei n.º 5/VI - apresentado pelo PCP (DAR II Série - A n.º 1, de 12/11/91) -, n.º 53/VI - apresentado pelo PS (DAR II Série A n.º 14, de 22/1/92) - e n.º 118/VI - apresentado pelo PSD (DAR, II Série - A n.º 29, de 1/4/92).
Aprovados na generalidade (DAR I Série, n.º 74 de 11/6/92), e apreciados conjuntamente (DAR I Série n.º 25 de 6/1/93), dos debates parlamentares não resultam subsídios úteis de interpretação para a questão concreta que aqui nos ocupa.
Refira-se tão só que os actuais artigos 13.º e 17.º se inspiraram fundamentalmente no articulado (também artigos 13.º e 17.º) do projecto de Lei n.º 118/VI, em relação ao qual se podem destacar duas notas: o n.º 6 do vigente artigo 13.º não tinha correspondência nesse articulado, e o seu artigo 17.º incluía um n.º 4 sobre a recusa de depoimento de funcionários e agentes com fundamento em interesse superior do Estado (não se falava em segredo de justiça), cuja eliminação não deixou rasto nos trabalhos parlamentares.
39) Sobre este ponto, cfr., para além dos pareceres n.º 24/91, de 17/9/92, n.º 35/93, de 27/1/94, n.º 23/93, de 10/2/94, o n.º 61/91, no DR, II Série, n.º 274, de 26/11/92, que iremos acompanhar de muito perto.
40) Sobre a matéria, cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência d Direito, 2.ª ed., tradução, p.p. 369 e segs. e 399-400; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 4.ª reimpressão, Coimbra, 1990, p.p. 183-188; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, 2.ª ed., 1963, p.p. 138 e segs.; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO,
O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4.ª ed., Revista Editorial Verbo, 1987, p.p. 345 e segs.; JOÃO DE CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa 1984, p.p. 252-255.
41) JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. e loc. cits..
42) BAPTISTA MACHADO, Ibidem, p. 185.
43) JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, JOÃO DE CASTRO MENDES E FRANCESCO FERRARA, obs. cits. e locs. cits., p.p. 348, 252 e 174, respectivamente.
44)Ob. e loc. cits., págs. 147-148.
45) FRANCESCO FERRARA, ibidem , pág. 149.
46) Lot. cit., págs. 211 e segs.
47) Repare-se, também, que o n.º 4 do artigo 13.º estabelece «prioridade sobre quaisquer outros serviços:, em termos próximos dos do artigo 9.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - a colaboração solicitada pelos tribunais e demais autoridades judiciárias «prefere a qualquer outro serviço:.
48) Cfr. Elvira Perales, ob. cit., pág. 267.
49) A Lei n.º 43/77 (artigo 4.º, n.º 2) falava, aqui, em autoridades judiciais.
50) Rev. Leg. Jud., cit., pág. 259.
49) Cfr., por todos, o citado parecer n.º 49/91.
50) O n.º 4 do artigo 135.º do Código de Processo Penal estipula que "o disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso".
51) Cfr., também, os artigos 136.º, 137.º e 182.º, todos do mesmo Código.
52) O Tribunal Constitucional decidiu não se pronunciar pela inconstitucionalidade do artigo 135.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, por não infringir, designadamente, o n.º 3 do artigo 38.º da Constituição da República (acórdão n.º 7/87 - cfr., sobretudo, o ponto 2.4. -, publicado no D.R., I Série n.º 33, de 9/2/87).
53) Neste sentido, expressamente, Maia Gonçalves, consoante transcrição no ponto 4.2.2.
Cunha Rodrigues refere, a propósito, que "a averiguação recai sobre elementos de índole formal nomeadamente sobre a conexão entre a fonte de conhecimento e o acto médico" (cfr. ponto 4.2.3.).
Da nossa parte, diremos tratar-se de uma averiguação de índole essencialmente sumária e formal, não consentânea com grandes indagações de mérito (de fundo), que habilite a ajuizar, sem mais, de uma manifesta /patente ilegitimidade; assim sendo, acrescentaríamos que, na dúvida, parece que a autoridade judiciária se deverá, porventura, inclinar para a legitimidade da escusa (n.º 2), remetendo para o tribunal superior a decisão sobre a quebra do segredo (n.º 3)
54) A conclusão seria , porventura, outra, se se entendesse ser recorrível a decisão que ordena a prestação do depoimento (n.º 2). Entendimento, porém, que não temos como seguro. A irrecorribilidade resultará manifesta para quem sustente que aquela decisão do n.º 2 também pode ser tomada pelo Ministério Público (cfr. nota 23). No sentido de irrecorribilidade da decisão em apreço parece manifestar-se Maia Gonçalves, ao escrever que a autoridade judiciária, se concluir pela manifesta inviabilidade da escusa, ordena o depoimento, que não pode ser recusado (ob. cit. , anotação ao artigo 135º).
Sobre a matéria em geral, para além das anotações respectivas ao artigo 400.º, do Código do Processo Penal, mormente à alínea b) do seu n.º 1 (a que corresponde ao n.º 3.º do artigo 646º do Código de Processo Penal de 1929), dos Códigos de Maia Gonçalves e de Costa Pimenta, podem ver-se: Simas Santos e Leal Henriques, "Recursos em Processo Penal", Lisboa, 1988, pág. 28; Cunha Rodrigues e José Gonçalves da Costa, "Recursos", in Jornadas de Direito Processual Penal, o
Novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, págs. 390 - 391 - e 408 a 411 respectivamente; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 5.º, Pág. 254; Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª Edição, pág. 319; Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, pág. 29; Adelino da Palma Carlos, Direito Processual Civil, " Dos Recursos", Lições ao 5.º Ano Jurídico de 1970 - 1971, edição da AAFDL, 1970, págs. 10 a 14; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, págs. 248 e segs; Castro Mendes, Recursos, págs. 37 e segs.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, págs. 203 a 208; Luís Osório, Comentário ao Código do Processo Penal Português, VI, págs. 304 - 307.
55) Por força do disposto no n.º 5 do artigo 135.º, "nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável".
56) Determinar qual seja este tribunal superior, é tarefa que comporta algumas dúvidas.
Na verdade, "as comissões parlamentares de inquérito funcionam na sede da Assembleia da República, podendo, contudo, funcionar ou efectuar diligências, sempre que necessário, em qualquer ponto do território nacional" (artigo 14.º, n.º 1, da lei n.º 5/93).
Face a esta possibilidade (de funcionar ou efectuar diligências), poderá entender-se que a comissão deverá suscitar a intervenção do Tribunal da Relação (Lisboa,
Porto, Coimbra e Évora), consoante o ponto do território nacional onde, de facto, está a funcionar ou efectuar diligências.
Reconhecendo, embora, quer a questão se não apresenta isenta de dúvidas, propendemos, porém, a pensar que o "tribunal superior" deverá, in casu, ser o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando, nomeadamente, e para além do disposto na 1.ª parte do citado n.º 1 do artigo 14.º,. que a Assembleia da República, de que as comissões são órgãos auxiliares, "tem a sua sede em Lisboa, no Palácio de São Bento" (artigo 45.º, n.º 1, do Regimento da Assembleia da República).
57) Neste sentido, o referido acórdão n.º 195/94 do Tribunal Constitucional, citando também: pareceres n.ºs 16/79 e 1/80 da Comissão Constitucional, em Pareceres da Comissão Constitucional, vols. VIII e XI, págs. 205 e segs., e 23 e segs.; acórdão n: 26/84, do Tribunal Constitucional, in D.R., II Série, de 4/4/84; Gomes Canotilho e Vital Moreira , ob. cit., pág. 497; Nuno Piçarra, "A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional, Coimbra, 1989, págs. 247 - 265.
58) Ob. cit. págs. 265 - 266.
59) Segundo o citado acórdão n.: 195/94 do Tribunal Constitucional, esta ideia de colaboração entre poderes, como algo não incompatível com o princípio de separação de poderes, foi expressamente recebida no artigo 114.:, n.: 1, da Constituição, que consagra simultaneamente os princípios da separação e da interdependência entre os órgãos de soberania.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART32 N2 ALINEA B ART113 N1 ART114 N1 ART165 A ART178 C ART181 ART183 N2 E ART205 N3 ART255 N1 ART256 ART259.
RAR 4/93 DE 1993/03/02.
CP82ART181 ART182 ART184 ART185 ART343 ART419 ART434.
CPP87ART9 N2 ART135 ART182.
L 30/84 DE 1984/09/05 ART11 N1 A ART28.
DL 223/85 DE 1985/07/04 ART6 ART7.
DL 47749 DE 1967/06/06. CONST33 ART95 PAR 2.
DL 48587 DE 1968/08/27.
L 43/77 DE 1977/06/18 ART1 ART4 ART8.
L 5/93 DE 1993/03/01 ART5 N2 ART12 N4 N5 N6 ART13 ART15 N3 N4 ART16 N1 ART17 ART19.
I ACT AD À CARTA CONST 1852 DE 1852/08/05 ART14.
CONST838 ART39.
Jurisprudência: 
AC TC 195/94 PROC 478/93 IN REV LEG JURISP ANO 127 N3845 PAG257-259.
P CC 14/77 IN PCC VOL2 PAG53-59.
P CC 16/79 IN PCC VOL8 PAG205.
P CC 1/80 IN PCC VOL11 PAG23.
AC TC 26/84 IN DR IIS 1984/04/04.
Referências Complementares: 
DIR CONST * ORG PODER POL / DIR PROC PENAL / DIR CIV * TEORIA GERAL.*****
CONST ES ART 76.
CONST DK ART 51.
CONST IT ART82.
CONST ALEMÃ ART44.
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