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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
20/1994, de 09.02.1995
Data do Parecer: 
09-02-1995
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério das Finanças
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ADMINISTRAÇÃO FISCAL
CONFLITO DE DIREITOS
PRINCÍPIOS DA ACTIVIDADE TRIBUTÁRIA
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
CONTRIBUINTE
PATRIMÓNIO
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
FICHEIRO INFORMÁTICO
BANCO DE DADOS
DADOS PESSOAIS
PROTECÇÃO DE DADOS
QUEBRA DO SEGREDO PROFISSIONAL
VIDA PRIVADA
INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
PROTECÇÃO DA VIDA PRIVADA
PESSOA SINGULAR
COMERCIANTE
SIGILO
CONFIDENCIALIDADE
SEGREDO PROFISSIONAL
DEVER DE SIGILO
ARQUIVO
REGISTOS ADMINISTRATIVOS
INFORMAÇÃO
ACESSO
DEVER DE COLABORAÇÃO COM OS TRIBUNAIS
ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
PROCESSO PENAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
INQUÉRITO
ACTO DE INQUÉRITO
AUTORIDADE JUDICIÁRIA
Conclusões: 
1 - A expressão «dados relativos à situação tributária dos contribuintes:, constante da alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário, abrange, na sua previsão, quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares, ou pessoas colectivas, comerciantes e não comerciantes;
2 - A «confidencialidade: protegida na disposição referida na conclusão anterior não abrange os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam, v - g., os registos predial, comercial e civil;
3 - A quebra da «confidencialidade: prevista na referida disposição legal depende da existência de norma que, sobrepondo-se-lhe, afaste o regime ali consagrado;
4 - Assim, os órgãos e agentes da Administração Pública não têm acesso aos dados confidenciais previstos na referida disposição legal, salvo quando exista norma especial de que resulte o dever de prestar tal colaboração;
5 - Os advogados e os solicitadores não têm acesso aos dados previstos na referida disposição legal, salvo quando representem contribuintes a que esses dados digam respeito, ou terceiros com «interesse directo e pessoal:;
6 - A Administração Fiscal deve invocar a «confidencialidade: prevista na referida disposição legal relativamente a pedidos formulados pelos Deputados, ao abrigo do nº 3 do artigo 12º a Lei nº 7/93, de 1 de Março;
7 - A Administração Fiscal não pode invocar a «confidencialidade: referida nas conclusões anteriores relativamente às solicitações do Provedor de Justiça, face ao disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 29º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril;
8 - Salvo nos estritos casos especiais que prevêem o dever de prestar a colaboração solicitada pelas autoridades judiciárias - artigos 60º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e 23º, nº 4, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro -, a confidencialidade fiscal prevista na referida alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário só pode ser quebrada, por decisão do Tribunal, nos precisos termos do artigo 135º, nº 3, do Código de Processo Penal;
9 - Fora das situações referidas na conclusão anterior, os magistrados do Ministério Público não dispõem, em princípio, de qualquer mecanismo legal que lhes permita quebrar a confidencialidade fiscal prevista na referida disposição;
10- Os magistrados do Ministério Público tem, no entanto, acesso aos referidos dados quando intervenham na determinação contenciosa da própria situação patrimonial do contribuinte, quando tenham de agir em representação do beneficiário do segredo ou, em nome de terceiro com «interesse directo e pessoal:, e na hipótese de consentimento do seu beneficiário;
11- As entidades referidas nas conclusões 7 , 8 e 10, na medida em que podem solicitar informações sobre a matéria confidencial prevista naquela disposição legal, têm de igual modo acesso às informações constantes de ficheiros ou registos informáticos, nos termos e nas condições referidas no nº 3 do artigo 32º da Lei nº 10/91, de 29 de Abril.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais,
Excelência:


1. Dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer deste corpo consultivo sobre a questão assim apresentada:
«1. A diversos serviços da Administração Fiscal têm várias pessoas e entidades solicitado informações e requerido certidões relativas a elementos constantes de processos tributários, de variada índole, que correm ou correram termos nos mencionados serviços, ou relativas a dados em posse da mesma Administração Fiscal, alguns dos quais até informatizados.
«Tem sido o caso, designadamente, de advogados, magistrados do Ministério Público, deputados da Assembleia da República e Provedor de Justiça.
«Com alguma frequência, porém, tais solicitações têm deparado com dificuldades na sua satisfação - senão, mesmo, com obstáculos -, com a invocação, pelos serviços de Administração Fiscal, do «princípio da confidencialidade fiscal:, a que está sujeita a actividade tributária, por força do disposto no artigo 17º, alínea d), do Código de Processo Tributário, princípio que dimanaria do disposto no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa.
«Tal situação tem chegado ao meu Gabinete em razão de recursos hierárquicos, bem como por iniciativa dos próprios serviços, o que determinou, já, a necessidade de ouvir a Auditoria Jurídica deste Ministério, em várias ocasiões.
«2. Uma certa interpretação do citado artigo 17º, alínea d), do Código de Processo Tributário, talvez acentuadamente literal, parece poder conflituar com outras normas legais que fazem impender sobre a Administração o dever de satisfazer a requisição de informações e documentos, apenas com a ressalva de as informações e documentos não respeitarem a matéria confidencial ou reservada, a processos em segredo de justiça, a dados pessoais que não sejam públicos, a matérias relativas a segurança interna e externa e à intimidade das pessoas.
«É o caso, designadamente, do disposto no artigo 63º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março; nos artigos 535º e 536º do Código de Processo Civil; no artigo 26º do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho (Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e nos artigos 61º, 62º, 64º e 65º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, entre outros.
«Noutros casos, por outro lado, uma tal interpretação poderá conflituar, em alguma medida, com outros normativos relativos à matéria fiscal, como é o caso v. g., do artigo 32º, nº 1, do Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro.
«3. Para um tratamento jurídico desta matéria (por forma a habilitar a Administração Fiscal a responder às solicitações que lhe são efectuadas, em rigoroso cumprimento da lei) importaria que a Procuradoria-Geral da República, através do seu Conselho Consultivo, e nos termos do artigo 34º, alínea a), da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, emitisse parecer sobre o sentido e alcance do citado artigo 17º, alínea d), do Código de Processo Tributário, combinado quer com o artigo 26º, quer com o artigo 35º, ambos da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente quanto à sua compatibilização com os normativos referidos acima no ponto 2.
Importaria ainda que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, em tal parecer, tivesse em conta a (in)acessibilidade à informação por parte, designadamente, de particulares (pessoas singulares ou colectivas), de advogados e solicitadores, de deputados, de órgãos da Administração Pública, do Ministério Público, dos Tribunais e do Provedor de Justiça, bem como a vertente passiva dos elementos informativos solicitados, designadamente no caso de os mesmos respeitarem a pessoas singulares ou colectivas e ainda a comerciantes (sociedades comerciais e comerciantes em nome individual):.
1.1.Acompanharam o pedido fotocópias de pareceres da Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças emitidos sobre a problemática em causa, a saber:
Parecer nº 39/93 - fornecimento de «elementos relativamente aos sujeitos passivos do concelho de Guimarães, 1ª., 2ª. e 3ª. Repartições - 0418-3476-4196 - IVA; listagem actualizada com o número fiscal, nome e morada, volume de negócios e C.A.E., bem como listagem das empresas de Guimarães segundo o volume de negócios inscritos no balanço de 1991:, solicitado pelo Senhor Deputado José Maria Lemos Damião;
Parecer nº 29/94/LCS - emitido a propósito de solicitação, pelo Magistrado do Ministério Público na comarca do Funchal de «todos os elementos referentes a um processo fiscal (Processo Manual de Liquidação do IRC) contra a Fundação Joe Berardo, por presumir que poderiam ser úteis para a prossecução de uma acção proposta por ele próprio:;
Parecer-Informação nº 3/94 - emitido a propósito de recurso hierárquico onde se discutia a legalidade da passagem de certidão «das declarações de um cabeça de casal, donde conste a identificação dos herdeiros e as relações de bens:, solicitada por um advogado, enquanto mandatário de terceiro;
Parecer nº 37/94 - emitido a propósito de recurso hierárquico de decisão que indeferiu o pedido, formulado por um advogado, de passagem de certidão «dos rendimentos declarados no ano fiscal de 1993, do teor dos prédios inscritos nas matrizes prediais rústicas e/ou andares, bem como do teor dos arrendamentos celebrados:, relativamente a uma cooperativa agrícola e destinada a instruir processo judicial, como meio de prova.
1.2.Cumpre, por isso, emitir o parecer solicitado.
2. Dispõe o artigo 26º da Constituição da República, no seu nº 1, que «a todos são reconhecidos os direitos à ...e à reserva da vida privada familiar:, e, no nº 2, que «a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias:.
2.1. Instituem estes normativos o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, que se traduz, por um lado, em impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar, e por outro, em impedir que se divulguem as informações que se tenham sobre a vida privada e familiar de outrem, como já resultava do artigo 80º do Código Civil.
Como escrevem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA
(1), «alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantia deste: é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (artigo 34º), da proibição de tratamento informático de dados referentes à vida privada (artigo 35º, nº 3); instrumentos jurídicos privilegiados de garantia deste direito são igualmente o sigilo profissional e o dever de reserva das cartas confidenciais e demais papéis pessoais (artigos 75º a 78º do Código Civil) [...]. O nº 2 estabelece uma imposição legiferante que vincula o legislador, obrigando-o a estabelecer garantias contra utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias. Entre essas garantias contam-se, desde logo, as sanções penais e de carácter civil [...]:.
2.2. Adiantam os mesmos autores:
«Não é fácil demarcar a linha divisória entre o campo da vida privada e familiar que goza de reserva de intimidade e o domínio mais ou menos aberto à publicidade (sendo diversas as teorias que pretendem fornecer o critério distintivo). Alguma doutrina distingue entre esfera pessoal íntima (absolutamente protegida) e esfera privada simples (apenas relativamente protegida, podendo ter de ceder em conflito com outro interesse ou bem público); mas, à face deste preceito da CRP parece que tal distinção não é relevante. O critério constitucional deve talvez arrancar dos conceitos de «privacidade: (nº 1, in fine) e «dignidade humana: (nº 2), de modo a definir-se um conceito da esfera privada de cada pessoa, culturalmente adequado à vida contemporânea. O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, com base num conceito da vida privada que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação:.
2.3. O direito à privacidade foi expressamente consagrado em Portugal, pela primeira vez, no Código Civil de 1966: «todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem: e «a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas: (artigo 80º).
A lei, contudo, não define o conceito «intimidade da vida privada: ressaltando da última parte da referida disposição a variabilidade do âmbito da reserva em função da natureza do caso e da condição das pessoas.
A referência à condição das pessoas aponta no sentido de que o âmbito da vida particular depende do modo de ser do indivíduo e varia em função do seu estatuto de inserção social.
A alusão à natureza do caso tem em vista a especificidade da situação concreta.
Poder-se-ão distinguir, nesta matéria, três domínios ou esferas, ou seja: a da vida íntima, abrangendo os gestos e factos relativos ao estado do sujeito enquanto separado do grupo e certas relações sociais que devem em absoluto ser subtraídas ao conhecimento de outrem; a da vida privada, englobando os acontecimentos partilhados com um número restrito de pessoas; e a da vida pública, que se estende aos eventos respeitantes à participação de cada um na vida da colectividade e por isso susceptíveis de ser conhecidos por todos (2).
2.4. Entendemos, com os autores atrás citados, não haver razões para restringir o campo da vida privada (que goza da reserva de intimidade estabelecida no nº 1 do artigo 26º da Constituição da República) à esfera pessoal íntima, isto é, àqueles dados de natureza estritamente pessoal.
Assim o entendeu o legislador ordinário na Lei nº 28/89, de 14 de Agosto, ao estatuir, no nº 1 do seu artigo 43º, que «qualquer pessoa ou entidade têm direito a que os dados de natureza estritamente privada, quer pessoais, quer referentes à situação económico- financeira, não sejam indevidamente divulgados pelas instituições da segurança social abrangidos pela presente lei:.
Nesse mesmo sentido, também foi possível recensear: uma decisão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem (3), de Dezembro de 1982, no sentido de que havia ingerência na vida privada de um contribuinte ao ser instado pela Administração Fiscal Belga no sentido de esclarecer a afectação dada ao produto de venda de bens imobiliários por elevado montante, se bem que entendesse, fundada no nº 2 do artigo 8º da Convenção, estar essa ingerência prevista na lei belga, inspirada em fins legítimos e necessários numa sociedade democrática.
PIERRE KAYSER, ao escrever (4): «Deve igualmente considerar-se o património como um elemento da vida privada [...]. No estado actual dos nossos costumes, os bens e as dívidas, os rendimentos dos bens e os rendimentos profissionais não devem ser levados ao conhecimento do público e não devem ser objecto de buscas: (tradução nossa).
PEDRO M. H. MOLINA, ao escrever (5): «O direito à intimidade só corresponde às pessoas físicas. Os dados económicos podem afectar a intimidade, embora façam parte, em geral, da esfera menos protegida deste direito [...]: (tradução nossa).
Pelo exposto, deve concluir-se caberem os dados aqui em causa - relativos à situação tributária dos contribuintes - na previsão do artigo 26º, nº 1, da Constituição da República, por pertencerem à sua esfera privada, merecedora de reserva de intimidade, nos termos apontados.
2.5. Estreitamente ligado à intimidade da vida privada está o conceito de segredo (6), facto ou notícia de que se teve conhecimento e que importa ocultar.
Anda ligado ao segredo "a ideia de coisa oculta, íntima, conhecida apenas de uma ou dum círculo limitado de pessoas, ou até de nenhuma" (7).
No conceito genérico de segredo, importa reter para a economia do Parecer, a do segredo profissional, ou seja a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, que lhe incumbe ocultar, seja porque lhe é pedido segredo ou porque este é inerente à natureza do respectivo serviço ou profissão (8).
Já no Parecer nº 110/56 (9) se ponderava:
"O exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica.
"Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância colectiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolablidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis actividades, um alto interesse público.
"Daí que a violação da obrigação a que ficam adstritos certos agentes profissionais de não revelarem factos confidenciais conhecidos através da sua actividade funcional - obrigação que informa o conceito do segredo profissional - seja punível não só disciplinarmente mas também criminalmente".
O segredo profissional traduz-se na proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou que foram confiados no exercício ou em razão de uma actividade profissional (10).
3. Admitindo que uma significativa parte dos elementos de natureza fiscal equacionados na consulta estejam informatizados, atente-se no disposto no artigo 35º, que, como se referiu, funciona como garantia do direito corporizado no artigo 26º, ambos da Constituição.
Dispõe o nº 2 do artigo 35º da Constituição da República:
«É proibido o acesso a ficheiros e registos informáticos para conhecimento de dados pessoais relativos a terceiros e respectiva interconexão, salvo em casos excepcionais previstos na lei:.
E acrescenta o nº 3 da mesma disposição que «a informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a [...] ou vida privada, salvo quando se tratar do processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis: (11).
3.1. Garante aquele nº 2 o direito ao sigilo em relação aos responsáveis dos ficheiros automatizados e a terceiros dos dados pessoais informatizados e o direito à sua não interconexão (12).
A referência a «dados pessoais: revela que também aqui, como no artigo 26º, visa-se essencialmente a protecção da pessoa individualmente considerada, como resulta do exame do texto, do contexto e dos trabalhos preparatórios.
Escreveu-se no Parecer nº 95/87 (13):
«A atinência à pessoa singular é explícita no texto dos nºs 1 e 5, nas referências aos «cidadãos:, e só a eles, regulando o seu direito de acesso aos dados constantes de ficheiros ou registos informáticos a seu respeito e proibindo lhe seja atribuído um número nacional único, e está implícita, patentemente, no nº 3 no enunciado de dados sensíveis em regra proibidos de informatizar (1ª parte), os quais só a pessoas singulares podem respeitar pela própria natureza - condições filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa ou vida privada (1ª parte) -
, e na forma como aí se enuncia a excepção, isto é, condicionada à inidentificabilidade individual dos dados estatísticos (2ª parte).
......................................................................................................
«No interior do próprio artigo 35º, o contexto de algumas normas leva a dar-lhes um sentido de protecção da pessoa singular. Assim, a menção de «dados pessoais: sugere esse alcance nos nºs 2, 4,e
6, por correlação com outros números próximos em que a referência à pessoa singular é clara, de modo explícito ou implícito (nºs 1, 3 e 5).
......................................................................................................
«A norma do nº 6 do artigo 35º é certamente ditada por razões de defesa da reserva de vida privada dos cidadãos, como se alcança do inciso que remete para a lei ordinária o estabelecimento de formas adequadas de protecção de dados pessoais, os quais no contexto dos restantes números respeitam às pessoas singulares.
«O apelo porém à protecção de «outros: (dados), cuja salvaguarda se justifique por razões de interesse nacional, sugere que esses «outros: não são dados pessoais, ainda que respeitem a pessoas singulares, o que significará que poderão referir- se a pessoas colectivas também:.
O referido Parecer, depois de analisar os trabalhos preparatórios da disposição constitucional em causa, acaba por concluir que apenas em matéria de fluxos de dados transfronteiras os dados a proteger não são apenas os de carácter pessoal, englobando ainda os das pessoas colectivas.
3.2. O regime de protecção de dados pessoais previsto nos artigos 26º e 35º da Constituição é restrito à pessoa singular, ao cidadão individualmente considerado.
Mas não se deduza, a contrario, a total devassa dos dados arquivados relativos a pessoas colectivas; para além da ressalva do nº 6 do artigo 35º da Constituição, o legislador vem a restringir o acesso a dados relativos às pessoas colectivas na defesa de valores que entende consagrar.
De todo o modo, a protecção não é absoluta (14).
Desde logo, a proibição de acesso de terceiros a dados pessoais informatizados e respectiva interconexão comporta excepções, autorizando expressamente a Constituição o legislador a definir os casos em que poderá haver acesso de terceiros a esses dados.
Como escrevem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (15), «estas excepções constituem outras tantas restrições ao direito de registo informático, sendo-lhes por isso aplicado o regime das restrições aos direitos, liberdades e garantias (artigo 18º), pelo que só podem ter lugar quando exigidas pela necessidade de defesa de direitos ou bens constitucionalmente protegidos (defesa da existência do Estado, combate à criminalidade, protecção dos direitos fundamentais de outrem, etc.):.
3.3. Veio a Lei nº 10/91, de 29 de Abril (16), dar cumprimento ao estatuído no nº 4 do artigo 35º da Constituição da República, e definir o conceito de dados pessoais para efeitos de registo informático, bem como de bases e bancos de dados e respectivas condições de acesso, constituição e utilização por entidades públicas e privadas.
O artigo 2º da Lei nº 10/91 define «dados pessoais: como «quaisquer informações relativas a pessoa singular identificada ou identificável [...]: - alínea a) -, e «dados públicos: como «os dados pessoais constantes de documento público oficial, exceptuados os elementos confidenciais, tais como a profissão e a morada, ou as incapacidades averbadas no assento de nascimento: - alínea b) -, contrapondo assim, «dados públicos: a «elementos confidenciais:.
O artigo 3º restringe a aplicação do diploma «à constituição e manutenção de ficheiros automatizados, de bases de dados e de bancos de dados pessoais e aos suportes informáticos relativos a pessoas colectivas e entidades equiparadas, sempre que contiverem dados pessoais:.
O artigo 4º criou a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados (CNPDPI), com a atribuição genérica de controlar o processamento automatizado de dados pessoais e, em especial (artigo
8º), «c) Autorizar, nos casos excepcionais previstos na presente lei e sob rigoroso controlo, a utilização de dados pessoais para finalidades não determinantes da recolha; d) Autorizar, nos casos excepcionais previstos na presente lei e sob rigoroso controlo, a interconexão de ficheiros automatizados, de bases e bancos de dados contendo dados pessoais, [...] f); Fixar genericamente as condições de acesso à informação, bem como do exercício do direito de rectificação e actualização; [...]:.
O artigo 11º (na redacção da Lei nº 28/94) estabelece a proibição de «tratamento automatizado de dados pessoais referentes a: a) [...] vida privada; b) [...] situação patrimonial e financeira:, se bem que o tratamento dos dados referidos na alínea b) possa ser feito por serviços públicos, nos termos da lei, com prévio parecer da CNPDPI.
Dos artigos 13º, nº 1, e 27º resulta que qualquer pessoa tem o direito a ser informada sobre a existência de ficheiro automático, base ou banco de dados pessoais que lhes respeitem e o acesso às informações sobre elas registadas em ficheiros automatizados, banco e base de dados, com ressalva do disposto na lei sobre segredo de Estado e segredo de justiça.
Depois de o artigo 15º dispor que «os dados pessoais só podem ser utilizados para a finalidade determinante da sua recolha, salvo autorização concedida por lei:, estabelece o artigo 32º:
«1. Os responsáveis dos ficheiros automatizados, de bases e bancos de dados, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais neles registados, ficam obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo das funções.
2. Igual obrigação recai sobre os membros da CNPDPI, mesmo após o termo do mandato.
3. O disposto nos números anteriores não exclui o dever de fornecimento das informações obrigatórias, nos termos legais, excepto quando constem de ficheiros organizados para fins estatísticos:.
3.4. O Decreto Regulamentar nº 27/93, de 3 de Setembro, veio regulamentar o funcionamento das bases de dados sobre pessoas colectivas e entidades equiparadas.
O nº 1 do artigo 2º fixa quais os dados pessoais a recolher para tratamento automatizado:
«a) Relativamente a comerciantes e outros empresários individuais, o nome, a firma ou denominação, o domicílio, o endereço e o número e data do bilhete de identidade, bem como a natureza, o início e o termo da sua actividade; b) No caso de heranças indivisas, os dados referidos na alínea anterior relativamente ao autor da sucessão, bem como os dados de identificação do cabeça-de- casal; c) O nome e o endereço dos requerentes de certificados de admissibilidade de firmas ou denominações e dos seus mandatários: (17).
Nos termos do artigo 4º, os dados constantes da base de dados são destinados: «a) A fornecer aos organismos e serviços do Estado e demais pessoas colectivas de direito público a informação básica sobre pessoas colectivas e entidades equiparadas de que necessitem para prossecução das suas funções legais ou estatutárias; b) a fornecer a entidades privadas, designadamente do sector financeiro, a informação referida na alínea anterior, na medida em que esta seja necessária para execução das políticas definidas pelas entidades legalmente competentes, particularmente nos domínios financeiro, monetário e fiscal; c) [...]:.
O artigo 5º dispõe que os dados referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 e na alínea b) do nº 2 do artigo 2º podem ser comunicados às entidades referidas no artigo anterior (nº 1); que a «consulta através de linha de transmissão de dados pode ser autorizada, garantindo o respeito pelas normas de segurança da informação e disponibilidade técnica [...]: (nº 2); que os «dados registados na base de dados podem, ainda, ser comunicados, nos termos do artigo 15º da Lei nº 10/91, para efeitos de investigação criminal ou de instrução de processos judiciais, sempre que os dados não possam ou não devam ser obtidos das entidades a quem respeitam: (nº 3); e que «o disposto nos números anteriores não prejudica a passagem de certidões nos termos previstos no Código do Procedimento Administrativo e na legislação comercial aplicável e, bem assim, as comunicações efectuadas com o consentimento dos titulares dos dados: (nº 4).
A comunicação nos termos do nº 3 do artigo 5º «depende de solicitação do magistrado ou da entidade policial legalmente competente e pode ser efectuada mediante reprodução do registo ou registos informáticos das entidades em causa: (artigo 6º, nº 3).
Qualquer pessoa tem direito a conhecer o conteúdo do registo ou registos que, constantes da base de dados, lhe respeitem: (artigo 9º, nº 1).
E o artigo 13º, epigrafado de «sigilo:, determina que «a comunicação ou a revelação dos dados pessoais registados na base de dados só pode ser efectuada nos termos previstos no presente diploma:.
3.5. Resulta das citadas disposições da Lei nº 10/91, com interesse para a economia do parecer:
Com as ressalvas previstas nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 11º, não ser admitido o tratamento automatizado de dados pessoais - isto é, relativas a pessoa singular identificada, mesmo quando contidos em suportes informáticos relativos a pessoas colectivas - se referentes à vida privada e situação patrimonial e financeira. Isso não obsta a que existam ficheiros informatizados em matéria fiscal, como, por exemplo, do IVA, IRC, IRS.
Existir uma Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados (CNPDPI), criada para controlar o procedimento automatizado de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei, designadamente: autorizar, nos casos excepcionais previstos na lei e sob rigoroso controlo, a utilização de dados pessoais para finalidades não determinantes da recolha, bem assim a interconexão de ficheiros automatizados, de bases e bancos de dados contendo dados pessoais; fixar genericamente as condições de acesso à informação.
Ter qualquer pessoa o direito a ser informada sobre a existência de ficheiro automatizado, base ou banco de dados pessoais que lhe respeitem, bem assim o acesso às informações sobre ela registada nesses ficheiros.
Não poderem os dados pessoais ser utilizados para finalidade diferente da que determinou a sua recolha, salvo autorização concedida por lei.
Haver sigilo profissional por parte dos responsáveis dos ficheiros automatizados, de bases e bancos de dados, bem como das pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais neles registados.
Haver o dever de fornecimento das informações obrigatórias, nos termos legais, excepto quando constem de ficheiros organizados para fins estatísticos.
3.6. E resulta do Decreto Regulamentar nº 27/93, relativo ao funcionamento das bases de dados sobre pessoas colectivas e equiparadas:
Terem essas bases de dados por finalidade «organizar e manter actualizada a informação necessária aos serviços do Estado para o exercício das suas atribuições legais relacionadas com tais pessoas e entidades; destinarem-se esses dados, essencialmente, a fornecer aos organismos e serviços do Estado, demais pessoas colectivas de direito público e, até, entidades privadas, informação básica sobre pessoas colectivas e entidades equiparadas.
Conterem essas bases dados pessoais relativamente a comerciantes e outros empresários individuais, ao autor da sucessão e cabeça de casal, (no caso de heranças indivisas), e aos requerentes (e mandatários) de certificados de admissibilidade de firmas ou denominações.
Poderem a maior parte dos dados informatizados ser comunicados às entidades públicas e privadas atrás referidas, que poderão, ainda, fazer a consulta através de linha de transmissão de dados, devidamente autorizada.
Poderem os dados registados nessas bases de dados ser comunicados, para efeitos de identificação criminal ou de instrução de processos judiciais, sempre que os dados não possam ou não devam ser obtidos das entidades a que respeitem. Tal comunicação depende de solicitação do magistrado ou da entidade policial legalmente competentes.
Não poder a comunicação ou revelação dos dados pessoais registados ser efectuada senão em termos permitidos no diploma.
Verifica-se, pois, em conformidade com o nº 2 do artigo 35º da Constituição da República e os artigos 15º e 32º da Lei nº 10/91, de 28 de Abril, que os «dados pessoais:, constantes dos «ficheiros automatizados, bases de dados e bancos de dados:, regulados naquela Lei, são, em princípio, inacessíveis a terceiros, apenas podendo ser utilizados para finalidade diferente da determinante da sua recolha nos casos excepcionais previstos na lei.
Essa utilização, esse acesso à informação constante desses ficheiros tanto poderá ser directo (cfr. o nº 3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro - Lei Orgânica da Polícia Judiciária), como se traduzir no mero fornecimento de informações, nos termos legais (cfr. o nº 3 do artigo 32º daquela lei).
Em qualquer dos casos, cabe à referida CNPDPI fixar as condições de acesso a essa informação e autorizar, sob rigoroso controlo, a utilização desses dados (artigo 8º da Lei nº 10/91).
Conclui-se assim que as entidades a que alude a consulta a quem for reconhecido o direito de solicitar informações com quebra do sigilo ou da confidencialidade podem ter acesso a esses ficheiros informatizados - bases ou bancos de dados -, nos termos e com a restrição fixada no nº 3 do artigo 32º da Lei nº 10/91, e sempre nas condições fixadas pela CNPDPI.
3.7. A possibilidade de numa matéria tão sensível «terceiros: poderem aceder a dados, em princípio, confidenciais, aponta para a natureza não absoluta do direito à reserva da vida privada, que aparentemente se inculcava da leitura do artigo 26º da Constituição.
O indivíduo é uma pessoa inserida na sociedade: esta pode, no interesse geral ou para a protecção dos direitos de outrem, impor aos cidadãos deveres ou abstenções que impedem a sua natural liberdade (18).
É o que decorre, aliás, das restrições ao direito ao respeito da vida privada acolhidas no nº 2 do artigo 8º da Convenção europeia dos Direitos do Homem (19).
Depois de o nº 1 proclamar que «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência:, estabelece o nº 2:
«Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros:
Como esta Convenção é um instrumento vivo, sujeito a uma permanente interpretação e aplicação pelos seus órgãos de controlo, conheça-se como as restrições ao direito ao respeito da vida privada têm sido admitidas.
A ingerência da autoridade pública na vida privada, familiar, no domicílio e na correspondência da pessoa deve estar «prevista na lei:, e «ser necessária numa sociedade democrática: a um dos objectivos ali enumerados: segurança nacional, segurança pública, bem estar económico do país, defesa da ordem e prevenção de infracções penais, protecção da saúde ou da moral, e protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. A restrição deve estar prevista na lei, englobando esta o direito escrito e não escrito (20).
Esta lei deve ser acessível, precisa e compatível com a preeminência do direito, porquanto o cidadão deve dispor de informações suficientes, nas circunstâncias do caso, sobre as normas jurídicas aplicáveis e poder assim prever as consequências que podem decorrer de determinado acto, embora a experiência demonstre a dificuldade em chegar a uma exactidão absoluta na redacção da lei num domínio onde os dados mudam em função da evolução das concepções da sociedade (21).
A lei deve fixar o conteúdo da restrição; os cidadãos poderão reclamar um controlo sobre essas restrições, sempre que possível judicial ainda que um controlo parlamentar e mesmo administrativo com um mínimo de eficácia se admita (22).
A restrição deve mostrar-se necessária numa sociedade democrática para alcançar um dos seus objectivos legítimos.
As medidas restritivas devem ser proporcionais ao fim visado e jamais atingirem a substância do direito; respondendo a um motivo social imperioso ou a motivos pertinentes e suficientes, elas terão de ser as menos gravosas das disponíveis, no justo equilíbrio entre o interesse público e a vida privada (23).
4. O artigo 268º da Constituição, ao consagrar no seu nº 2 o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, admite ressalvas previstas na lei, no que importa, para protecção da vida privada, em consonância com os princípios aceites neste campo.
Dispõe a referida disposição:
«Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas:.
4.1. Anotando esta disposição, escrevem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (24): «Com as ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas (nº 2, in fine), a Constituição torna claro que a liberdade de acesso é a regra, sendo os registos e arquivos um património aberto da colectividade.
A fórmula «arquivos e registos administrativos: deve entender-se em sentido amplo, considerando-se como tais os dossiers, relatórios, directivas, instruções, circulares, notas, estudos, estatísticas. O acesso exercer-se-á através da consulta (em princípio gratuita) no local onde se guarda o arquivo ou registo, observando- se, como é óbvio, as normas e regras técnicas relativas à preservação do documento. O direito de acesso inclui também o direito à reprodução do documento (fotocópia, microfilme, etc.), desde que tal não danifique o documento.
O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos pode estar em conflito com bens constitucionalmente protegidos (segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas).
A restrição constitucionalmente autorizada, por essas razões, ao direito de acesso aos documentos administrativos não dispensa a lei da observância dos princípios jurídico-constitucionais materialmente informadores de toda a actividade administrativa (necessidade, adequação, proporcionalidade):.
No mesmo sentido, escreveu-se no acórdão nº 394/93, de 16 de Junho de 1993, do Tribunal Constitucional (25):
«Assim, partindo-se da ideia de que o direito à informação constitucionalmente consagrado não é um direito absoluto, mas comporta limitações, estas devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, com respeito pelos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade:.
O referido direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, consagrado no Diploma Fundamental, identifica-se com o chamado «princípio do arquivo aberto (open file), ou princípio de administração aberta:, que consiste no «reconhecimento a toda e qualquer pessoa do direito de acesso às informações constantes dos documentos, dossiers, arquivos e registos administrativos - mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento administrativo que lhes diga directamente respeito -, desde que elas não incidam sobre matérias concernentes à segurança interna e externa, à investigação criminal, à intimidade das pessoas: (26).
4.2. Tal princípio da administração aberta tem explicitação no artigo 65º do Código do Procedimento Administrativo - que, ao retomar o referido preceito constitucional, o citado nº 2 do artigo 268º, acrescenta «mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito: -, e na Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, que regula «o acesso dos cidadãos aos documentos administrativos:, de acordo com os «princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade: (artigo 1º).
Este diploma - Lei nº 65/93 - distingue, quanto ao acesso, entre documentos nominativos («quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais:, isto é, «informações sobre pessoa singular, identificada ou identificável, que contenham apreciações, juízos de valor ou que sejam abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada: - artigo 4º, nº 1, alíneas b) e c)) e documentos não nominativos (por exclusão de partes, os demais).
Depois de estabelecer que «os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização [...]: (artigo 5º, nº 1), e que o acesso a documentos referentes a matérias em segredo de justiça é regulado por legislação própria: (artigo 6º), o diploma dispõe nos artigos 7º e 8º:
«Artigo 7º-1.- Todos têm direito à informação mediante acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo.
2. O direito de acesso aos documentos nominativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal, nos termos do artigo seguinte.
.................................................................................:.
«Artigo 8º-1- O direito de acesso a dados pessoais contidos em documentos administrativos é exercido, com as necessárias adaptações, nos termos da lei especial aplicável ao tratamento automatizado de dados pessoais.
2..............................................................................
3. A invocação de interesse directo e pessoal, nos termos do nº 2 do artigo anterior, deve ser acompanhada de parecer favorável da Comissão de Acesso aos Documentos da Administração, solicitado pelo terceiro que pretenda exercer o direito de acesso.
4. O acesso de terceiros a dados pessoais pode ainda ser autorizado nos seguintes casos: a) Mediante autorização escrita da pessoa a quem os dados se refiram; b) Quando a comunicação dos dados pessoais tenha em vista salvaguardar o interesse legítimo da pessoa a que respeitem e esta se encontre impossibilitada de conceder autorização, e desde que obtido o parecer previsto no número anterior.
5. Podem ainda ser comunicados a terceiros os documentos que contenham dados pessoais quando, pela sua natureza, seja possível aos serviços expurgá-los desses dados sem terem de reconstruir os documentos e sem perigo de fácil identificação:.
5. As duas disposições constitucionais - os artigos 26º e 268º - tutelam valores que sem a aludida ressalva estariam em situação de colisão - a intimidade da vida privada e a transparência administrativa.
5.1. Como escrevem Carlos Pamplona Corte-Real, J. Bacelar Gouveia e J. Cardoso da Costa (27),«não é caso unico, no contexto de qualquer ordenamento, o surgimento de conflitos desta índole, mas há que reconhecer que à aplicação constitucional da tutela do direito à intimidade da vida privada, que foi tendo acolhimento ao nível de vários preceitos de vários sectores normativos (x2), se vem sobrepondo, com alguma premência, o princípio da transparência da actividade administrativa [...]. O que não quer dizer que a transparência possa ou deva penetrar, publicitando alguns aspectos mais íntimos da privacidade.
«Tudo está em saber, portanto, como estabelecer fronteiras entre estes dois relevantes princípios, que se entrechocam, limitando-se reciprocamente, mas sem que pareça legítimo ao intérprete concluir pela primazia de qualquer deles.
«[...] É necessário, por isso, articular, mais do que fazer sobrepor:.
A eventual colisão tem de ser resolvida com «base na harmonização de direitos, e, no caso de isso ser necessário, na prevalência ( ou relação de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro (.......), que só em face das circunstâncias concretas se poderá elaborar pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que outro (.......), ou seja, um direito (..) prefere (...) outro (....) em face das circunstâncias do caso: (28).
5.2. Podem, pois, existir, no ordenamento jurídico, em vários sectores, preceitos legais que se entrechocam, limitando-se reciprocamente, cabendo ao intérprete a missão de os articular, de os harmonizar, à luz daqueles princípios.
Este corpo consultivo já teve oportunidade de apreciar situações de confronto, de colisão de direitos dessa ordem.
Impõe-se, por isso, proceder a uma breve análise dos pareceres mais significativos, por forma a recolher a doutrina mais pertinente à economia do presente parecer.
5.2.1. Nos pareceres nºs 204/78, de 30 de Novembro de 1978, 138/83, de 5 de Abril de 1984, 87/85, de 11 de Novembro de 1985, e 28/86, de 11 de Janeiro de 1988 (29), foi abordado o segredo bancário, a colisão das normas (do Decreto-Lei nº 2/78, de 9 de Janeiro) (30) que o impunham com outras que prevêem o dever de informação, o dever de cooperação com autoridades judiciárias, nomeadamente em processo civil ou penal (31).
No parecer nº 204/78, depois de se dizer que, em sede processual, «onde há dever de sigilo não existe dever de cooperação:, veio a concluir-se:
«Fora dos casos em que é admitida a dispensa do dever de segredo, os membros e quaisquer órgãos e bem assim todos os trabalhadores de instituições de crédito só podem revelar factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente por virtude do exercício das suas funções quando tal dever de informação esteja consagrado na lei: (32).
No parecer nº 28/86, partindo-se do princípio de que a referida teoria do paralelismo - «onde há dever de sigilo não existe dever de cooperação: - só tem valor em sede processual, acrescentou-se que a sua aplicação pressupõe resolvida a questão, de índole substantiva, da extensão e dos limites do «segredo profissional:, isto é, do seu verdadeiro conteúdo. É pois necessário - acrescenta-se - «discutir a questão de saber se a noção de segredo ou sigilo profissional comporta, no caso concreto, uma extensão ilimitada, oponível mesmo ao interesse público da administração da justiça, rectius se o segredo tem um carácter absoluto:.
5.2.2. Escreveu-se no parecer nº 121/80, de 23 de Julho de 1981 (33), sobre a conciliabilidade com o direit à privacidade da pública revelação, pela Polícia Judiciária, e posteriormente pelos jornais, de que alguém
- que nessa divulgação eventualmente não estaria interessado - apresentou uma queixa naquela Polícia, bem assim de relatos das investigações feitas:
«Pode considerar-se adquirida a ideia de que o interesse da protecção da intimidade da vida privada goza de protecção legal directa, em casos especificados, através de proibição de publicar dados ou informações relativos a processos em que se dirimem questões atinentes àquela e que essa proibição vale erga omnes, dirigindo-se quer contra o Estado quer contra os particulares, sendo particularmente importante a sua eficácia relativamente a terceiros e constituindo um limite
à liberdade de informação e de imprensa, não podendo esta ser invocada para atentar contra aquele interesse (-).
......................................................................................................
«Daqui se infere que a mais eficaz protecção do interesse da reserva da vida privada se alcança afinal, pelos meios legais indirectos, ou seja através de uma correcta aplicação do princípio do segredo processual e do correspondente dever de sigilo profissional imposto às pessoas que intervêm no processo, incluindo a autoridade policial e a autoridade judicial (-).
«A prevalência do interesse público, que pode justificar o critério exposto, em situações de conflito, pressupõe que a lei o não tenha já expressamente resolvido, em casos específicos. É o que acontece nos exemplos, anteriormente citados, dos processos sobre o estado das pessoas e da legislação de menores, em que a lei nitidamente optou pela relevância do interesse privado, através da proibição absoluta da publicidade dos factos a que os mesmos processos respeitam:.
5.2.3. Escreveu-se no parecer nº 103/86, de 7 de Julho de 1988 (34) - que apreciou a (i)legalidade da publicação pela Administração Pública de listas de onde constem as empresas em situação de dívida à Segurança Social, face à Constituição da República (artigo 26º, nº 1), ao Código Comercial (artigo 41º) e à Lei da Segurança Social (Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, artigo 43º) -, quanto à aplicabilidade às pessoas colectivas (empresas) da norma do artigo 26º, nº 1, da Constituição da República, citando, para o efeito, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em anotação ao artigo 12º do Diploma Fundamental (x3):
«A Constituição reconhece expressamente a capacidade de gozo de direitos (e submissão a deveres) às pessoas colectivas (nº 2 do artigo 12º)
(35) [...].
«[...] é duvidoso se a expressão «pessoa colectiva: se deve interpretar extensivamente, de forma a abranger organizações sem personalidade jurídica. A resposta parece dever ser positiva, pois é a própria Constituição que, em certos casos, reconhece direitos a organizações que nada exige que tenham personalidade jurídica - v.g. comissões de trabalhadores (artigo 55º), organizações populares de base territorial (artigos 263º e 265º). Nenhuma razão existe para restringir a solução aos casos expressamente previstos pela Constituição.
......................................................................................................
As pessoas colectivas não podem ser titulares de todos os direitos e deveres fundamentais, mas sim apenas daqueles que sejam compatíveis com a sua natureza (nº 2, in fine). Saber quais são eles, eis um problema que só pode resolver-se casuisticamente. Assim [...] já serão aplicáveis o direito de associação, a inviolabilidade de domicílio, o segredo de correspondência.
Noutros casos é duvidosa a aplicabilidade de direitos fundamentais [...]. É claro que o ser ou não ser compatível com a natureza das pessoas colectivas depende naturalmente da própria natureza de cada um dos direitos fundamentais, sendo incompatíveis aqueles direitos que não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas, com os indivíduos:.
De seguida, citando J. J. GOMES CANOTILHO (x4):
«Determinar quais os direitos e deveres «compatíveis com a natureza: das pessoas colectivas depende do conceito e do âmbito normativo específico do direito fundamental [...]. Em fórmula sintética e aproximada: as pessoas colectivas gozam dos direitos fundamentais que não pressuponham características intrínsecas ou naturais do homem, como o corpo ou bens espirituais necessariamente ligados ao homem (cfr. também o artigo 160º do Código Civil).
Em conformidade com as antecedentes considerações, entendeu-se no referido parecer não postular o direito ao bom nome e reputação uma referência humana, sendo perfeitamente concebível para além das pessoas físicas e manifestamente indispensável ao regular o eficiente exercício da actividade das pessoas colectivas. «De facto - disse-se - a falta de bom nome, a má reputação das pessoas colectivas necessariamente que compromete as relações entre essas entidades e as demais, nomeadamente os seus parceiros e o público em geral, exactamente nos mesmos termos que a falta do bom nome e a má reputação das pessoas singulares: (36).
5.2.4. No parecer nº 83/87, de 4 de Novembro de 1987 (37), pretendia-se saber se a Administração Portuguesa podia comprometer-se a fornecer à Administração Francesa todo um vasto elenco de dados, em princípio exigidos por esta última.
Depois de se considerar que os «segredos comerciais, financeiros ou fiscais: fazem parte da lista de «excepções inelutáveis: ao princípio de livre acesso à informação, compendiadas a nível do Conselho da Europa, acrescenta-se no parecer que, curiosamente, as exigências da transparência e legalidade comportamentais, inerentes ao Estado de direito, não tem feito diminuir o elenco dessas «excepções inelutáveis: que consubstanciam os segredos vários - incluindo o fiscal - orientados à protecção de valores maximizados, restrição ínsita no próprio texto constitucional, caso do artigo 268º.
Perguntando a Administração Francesa se uma empresa portuguesa em questão tem actividade em Portugal ou apenas se limita a recrutar pessoal para operações de sub-empreitada no estrangeiro, foi entendido que poderá ser respondido afirmativamente «se se tratar de elementos constantes do registo comercial, abertos a terceiros, nos termos descritos (38). Se por «actividade: se pretende algo mais, à falta de diploma específico que o venha a permitir, há que ser reservado:, em conformidade, aliás, com o artigo 43º, nº 1, da Lei da Segurança Social (nº 28/84), que garante o sigilo dos «dados de natureza estritamente privada, quer pessoais, quer referentes à situação económico-financeira: (entenda-se, das pessoas e entidades abrangidas pelo regime de segurança social):.
E veio a concluir-se:
«[...] a legitimidade das autoridades administrativas portuguesas para transmitir, independentemente da intervenção dos tribunais, dados relativos a empresas com sede em Portugal, se não estiver prevista em concreta disposição legal ou texto convencional [...], está rigorosamente dependente da inexistência de qualquer tipo de segredo no acesso à informação e do respeito pelas normas constitucionais sobre a utilização da informática:.
5.2.5. O citado parecer nº 95/87 tratou a questão do acesso aos ficheiros informáticos do serviço da Administração do Imposto sobre o Valor Acrescentado (SIVA) por parte de entidades públicas e privadas,
Define-se o conceito de «terceiro:, para os fins do nº 2 do referido artigo 35º da Constituição, como sendo «todo aquele que nem pertence ao pessoal da organização de um ficheiro ou registo informático de dados pessoais ou, pertencendo, não tem funções que impliquem necessidade de acesso a tais dados, nem, em qualquer caso, os dados lhe respeitam:.
O parecer distingue, quanto à acessibilidade de terceiros a ficheiros e registos informáticos, entre dados pessoais (de pessoas singulares) e dados relativos
às pessoas colectivas: no primeiro caso, o acesso está vedado, «salvo em casos excepcionais previstos na lei:; no segundo caso, está-se perante uma acessibilidade relativa, havendo que distinguir diversas situações, como seja o acesso em termos de se conhecer a situação tributária concreta dos titulares do registo, que se reconhece ser vedado. No entanto, são sempre acessíveis os dados que, por força de normas pertinentes do ordenamento jurídico, possam ser publicitados.
5.2.6. Finalmente, o parecer nº 49/91 que tratou da questão da satisfação dos pedidos feitos aos estabelecimentos hospitalares por entidades competentes para a investigação criminal, relativamente a elementos constantes das fichas clínicas ou de outros elementos de idêntica natureza.
Salienta-se nesse parecer que as dificuldades de harmonizar o segredo médico (39) com o dever de cooperação com a administração da justiça foram enfrentadas por via legislativa através do Decreto-Lei nº 47749, de 6 de Junho de 1967, entretanto revogado pelo actual Código de Processo Penal.
A solução desse conflito (segredo médico - dever de cooperação com a justiça) «fora dos casos em que há lei expressa: (casos dos artigos 56º, nº 6, do Código da Estrada, e 36º do Decreto-Lei nº 360/71, de 21 de Agosto), é fornecida pelo quadro legal que inclui os artigos 135º e 182º do Código de Processo Penal, conjugados com os artigos 184º e 185º do Código Penal.
No caso de recusa de apresentação de documentos ou quaisquer objectos à autoridade judiciária, fundada em segredo profissional dos médicos, a autoridade judiciária averiguará da legitimidade de recusa, ordenando, ou requerendo ao tribunal que ordene a apresentação ou o envio dos documentos se concluir pela ilegitimidade da recusa - artigo 182º, nº 2, conjugado com o artigo 135º, nº 2, do Código de Processo Penal (40).
6. Sintetizando o que até agora se escreveu, pode afirmar-se que em matéria relativa a elementos detidos pela Administração o princípio é o de livre acesso; porém, em determinadas áreas sensíveis vigora o princípio inverso, a proibição de acesso salvo se e na medida prevista em «lei:, que respeite e hieraquize os interesses em jogo.
A intimidade da vida privada é um desses campos sensíveis, e a situação patrimonial insere-se no vasto campo da vida privada.
Por conseguinte, os dados referentes à situação patrimonial de um indivíduo, que a Administração tenha recolhido para determinado fim, só podem ser revelados a terceiros - outros sectores da Administração (41) ou particulares (42) -, nos casos previstos na lei, para responder a um motivo social imperioso e na medida estritamente necessária, no justo equilíbrio entre o interesse que postula a revelação e a protecção da intimidade da vida privada.
E, se a intimidade da vida privada é inerente à pessoa física, ao indivíduo, nada impedirá que, na prossecução de outros valores, a lei venha a alargar a defesa de acesso a elementos relativos à situação patrimonial das pessoas colectivas, estabelecendo para estas um regime paralelo ao traçado para as pessoas singulares.
7. É tempo de volver à disposição invocada na consulta, ensaiando fixar o seu sentido e alcance.
Dispõe a alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei nº 37/90, de 10 de Agosto:
«A actividade tributária respeitará, designadamente:
......................................................................................................
d) A confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes;
...................................................................................................:.
Para uma primeira abordagem desta disposição impõe- se decompô-la nos seus elementos (segmentos) - «confidencialidade:, «dados:, «situação tributária: e .contribuintes: -, que importa definir, ainda que sumariamente.
7.1. «Confidencial: significa «secreto:,
«reservado:, «comunicação ou ordem sob sigilo: (43).
Respeitar a «confidencialidade: significa, assim, guardar sigilo.
«Dados: são quaisquer «elementos:, quaisquer «informações: relativos, neste caso, à situação tributária dos contribuintes.
Contribuintes: são os sujeitos passivos da obrigação de imposto (44), isto é, da relação tributária, pressupondo esta a existência de uma matéria colectável.
Sujeito passivo (contribuinte) é, pois, «a pessoa ou pessoas que se encontram na posição ou situação considerada pela lei tributária como causa da obrigação de imposto, ou pessoas que, dada a sua conexão com os elementos da tributação, são titulares de deveres fiscais acessórios: (45).
Por fim, o segmento «situação tributária:, contido em outros normativos fiscais, nomeadamente na alínea b) do artigo 14º do revogado Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45005, de 27 de Abril de 1963, ao garantir ao contribuinte «a informação sobre a sua concreta situação tributária:.
Como escreve N. SÁ GOMES (46), podemos «individualizar e concretizar as situações jurídicas emergentes das leis de imposto (exceptuadas as contenciosas e as penais) da seguinte forma:
«I. Situações jurídicas tributárias, caracterizadas por tutelarem interesses preponderantemente tributários, considerando-se como tais os interesses gerais dos entes públicos credores na percepção dos impostos de que são titulares [...].
«II. Situações jurídicas não tributárias, considerando-se como tais as que tutelam interesses na titularidade de pessoas públicas ou privadas, diversos dos que são inerentes à correcta percepção dos impostos ou de cada imposto [...]:.
Situações tributárias são, assim, situações emergentes das leis de imposto, tutelando interesses predominantemente tributários, isto é, inerentes à percepção dos impostos, tendo por facto constitutivo (facto tributário), o facto simples ou complexo de cuja verificação a lei faz depender o nascimento da relação e, consequentemente, da obrigação tributária (47).
7.2 Estabelece a norma em causa - a alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário - que a actividade tributária respeitará a confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes.
Antes de enfrentarmos o sentido e alcance do segmento «confidencialidade:, da referida norma, em confronto com outros normativos, podemos desde já tentar extrair algumas consequências do que se viu relativamente ao sentido dos segmentos «situação tributária: e «contribuintes: da mesma norma.
De facto, da referência que aquele preceito faz à incidência da confidencialidade sobre os dados relativos
à «situação tributária: dos «contribuintes:, deverá inferir-se que não é qualquer dado fiscal que, só por si, está necessariamente abrangido pela referida «confidencialidade:. Com efeito, a lei parece projectar o sigilo fiscal apenas sobre aquele tipo de dados que explicitem, parcelar ou globalmente, a situação do contribuinte, como tal.
Como escrevem CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, J. BACELAR GOUVEIA e J. CARDOSO DA COSTA (48), «a ideia de .situação tributária: reflecte um grau relativamente significativo da repercussão dos dados fiscais eventualmente solicitados sobre a visualização e denúncia, parcelar que seja, da situação patrimonial do cidadão fiscalmente relevante, como expressão da sua confidencialidade contributiva. Quer isto dizer que não é tanto um dado fiscal isolado que preocupará o legislador quando impõe a confidencialidade fiscal, mas os dados fiscais que digam algo de forma mais ampla acerca da situação patrimonial dos contribuintes.
«Daí decorre, desde logo, que os dados fiscais confidenciais não excluem o seu carácter económico, como se poderia antever de uma eventual conexão que se admitiu de tais dados com uma perspectiva, personalizada ou intimista do princípio da confidencialidade fiscal. Portanto, deve assentar- se que se tem em vista dados de natureza pessoal, sim, mas cujo teor possa retratar, de algum modo, a capacidade contributiva dos cidadãos:.
Mais adiante, escrevem aqueles autores:
«Há, pois, que fazer a conjugação do princípio da confidencialidade fiscal com a protecção legal dos dados ditos pessoais, buscando no recurso à noção de capacidade contributiva e de personificação dos dados o critério delimitador do objecto de sigilo fiscal. Deverá, entretanto, ressalvar-se, como é óbvio, os dados retidos pela Administração Fiscal que tenham natureza pública, porquanto a sua divulgação já decorre inclusive de outros institutos.
«Será o caso do número fiscal do contribuinte; ou de inscrição da qualidade de comerciante; ou de início ou de cessação de uma actividade económica; ou, como se viu, dos próprios elementos constantes da matriz relativamente aos imóveis, uma vez que a matriz tem uma função de tendencial publicitação, sobreposta ao próprio registo predial; já não será assim neste último caso quando, eventualmente, se solicitar informação relativa a todos os imóveis pertencentes a um dado indivíduo.
........................................................................................................
«Resumindo e concluindo: os dados fiscalmente trabalhados terão uma natureza plúrima: podem ter uma natureza pública, quando sejam livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais (v.g. registo predial, civil, comercial, etc.); podem ser, diversamente, dados estritamente fiscais, mas de índole «neutra: em termos da expressão personalizada de uma situação tributária, como será o caso de todos os dados que se reportem a bens, actos ou factos, enquanto tais e porque objecto de incidência real ou de quaisquer obrigações acessórias de natureza tributária; por fim, a larga maioria dos dados fiscais terá um carácter, por regra, sigiloso porque e se reveladores de capacidade contributiva.
«Concretizando: quando se pretenda conhecer as diversas origens do rendimento de um certo contribuinte; ou se se pretender, ainda que com menor alcance informativo, saber os rendimentos declarados por um dado sujeito passivo no âmbito de uma das categorias do IRS; ou ainda se se solicitar uma indicação relativa a todos os prédios detidos por um contribuinte, estar-se-á perante situações de carácter reservado, por consequência abrangidas pelo princípio da confidencialidade fiscal, nos termos do artigo 17º, alínea d), do Código de Processo Tributário:.
E concluem os mesmos autores, nesta parte:
«Há que fazer, contudo, algumas observações complemen-tares.
«Antes de mais, parece ser de admitir que o princípio da confidencialidade fiscal possa abarcar dados fiscais expressivos da situação tributária de pessoas colectivas (-). Com efeito, o artigo 17º, alínea d), do Código de Processo Tributário não distingue entre pessoas singulares e pessoas colectivas e não se vislumbram razões para não se estender a protecção do sigilo fiscal aos entes colectivos, que não são senão criações artificiais do Direito, naturalmente integradas por indivíduos. E não parece que deva necessariamente circunscrever-se tal protecção apenas aos dados fiscais referentes a pessoas colectivas quando indicadores de aspectos pessoais relativos a pessoas singulares, tal como poderia pensar-se decorrer do recurso ao conceito de dados pessoais constante da alínea a) do artigo 2º da Lei nº 10/91 (x) (x1).
«Em segundo lugar, estando a maioria dos dados fiscais informatizados, importa ter em conta os ditames legais restritivos relativos a ficheiros automatizados e a bases e bancos de dados pessoais, nos termos constantes dos artigos 35º, nº 2, da Constituição, e 17º e seguintes da Lei nº 10/91, de 29 de Abril.
«Em terceiro lugar, realça-se a natureza pública óbvia de quaisquer dados solicitados para fins de investigação ou estatística, quando não sejam identificáveis as pessoas a que respeitam. É uma imposição que resulta de uma interpretação em função do elemento sistemático constante do artigo 11º, nº 2, da Lei nº 10/91.
«Não há, na verdade, uma total coincidência entre o âmbito do princípio da confidencialidade fiscal e a noção de dados pessoais constante da Lei nº 10/91, se bem que se deva buscar a leitura, tributariamente enquadrada dos princípios acolhidos nesse diploma [...].:
7.3. A ideia da confidencialidade fiscal está reflectida noutras disposições ordenadoras dos serviços que importa conhecer.
A alínea c) do artigo 30º do Decreto-Lei nº 363/78 (49), de 28 de Novembro, que reestruturou a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, impõe aos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos o dever especial de «guardar sigilo profissional, não podendo, nomeadamente, revelar quaisquer elementos sobre a situação profissional e os rendimentos dos contribuintes:.
E a alínea f) do nº 1 do artigo 35º dispõe que aos funcionários afectos à actividade de informações fiscais é vedado darem conhecimento «das situações de facto postas pelos contribuintes ou de quaisquer elementos que sirvam para a liquidação das respectivas contribuições gerais do Estado ou para o levantamento contra aqueles de autos de transgressão:.
O nº 1 do artigo 110º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas determina que «no serviço fiscal competente organizar-se-á em relação a cada sujeito passivo um processo, com carácter sigiloso, em que se incorporem as declarações e outros elementos que se relacionem com o mesmo:.
O nº 5 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 463/79, de 30 de Novembro (50), que instituiu o número fiscal (de contribuinte) das pessoas singulares, determina que «todos os funcionários que, por força do exercício das suas funções, tomem conhecimento dos elementos constantes dos requisitos referenciados pelo número fiscal, ficam obrigados a guardar segredo dos mesmos:.
7.4. Resulta do conjunto das disposições citadas, e nomeadamente da alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário, um regime de «segredo: sobre os dados relativos à situação tributária dos contribuintes, pessoas individuais ou colectivas.
Ao privilegiar-se aqui um direito de reserva respeita-se, em primeiro lugar, a intimidade da vida privada, princípio com dignidade constitucional (artºs
26º, 35º), expressamente ressalvado quando se disciplinou o princípio da Administração Pública aberta (268º, nº 2), alargando-se nessa protecção os dados relativos às pessoas colectivas que, para este preciso efeito, surgem equiparadas às pessoas singulares.
A própria Constituição procede à harmonização entre o direito à protecção da intimidade da vida privada e o direito de acesso a dados detidos pela Administração.
E o legislador ordinário, ao proceder à aplicação daqueles direitos fundamentais, deve respeitar a definida harmonia, introduzindo as limitações que se mostrem proporcionais, adequadas e necessárias (51).
O mesmo objectivo (de harmonização) deve ser procurado pelo intérprete que, ao aplicar normas em conflito, lhes deve atribuir o sentido que melhor respeite a ideia constitucional.
8. A confidencialidade tem no plano jurídico vários tipos de aplicação, pressupondo cada uma delas uma razão específica (52).
8.1. Assim, por exemplo, o segredo de justiça tem por fundamento «razões ligadas à protecção do bom nome e à própria eficácia da justiça:; o segredo bancário visa fins que «terão algo a ver com a própria tutela da vida privada dos cidadãos numa óptica patrimonial, mas, sobretudo, com a própria dinâmica do giro bancário:; no segredo profissional, que impende sobre funcionários, sobre advogados, sobre médicos, etc., o que está em causa é «a tutela da confiança: e a protecção de dados «cujo grau de incidência, em termos de intimidade da vida privada é, sem dúvida, variável, podendo não ser, em absoluto sigilosos:; no segredo de Estado «é evidente que estão presentes valores de outra índole, situados no plano da defesa da própria soberania nacional:.
Na confidencialidade fiscal, ora em causa, privilegia-se essencialmente a tutela da intimidade da vida privada, mas não só: deve ter-se ainda em conta o respeito pela relação de confiança entre o contribuinte e a Administração - o fundamento do segredo profissional/fiscal (53) interferente no âmbito da confidencialidade fiscal.
8.2. Foram por certo essas razões, esses interesses, que o legislador teve em mente ao conceber a referida alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário, sem deixar de ter presente as normas dos artigos 26º, 35º e 268º, nº 2, da Constituição da República e diversas disposições legais que, ao estatuirem sobre o dever de informação e o dever de cooperação com entidades públicas, ressalvam a protecção da intimidade da vida privada.
Tenha-se especialmente presente que o nº 2 do artigo 268º da C.R.P. e o artigo 65º do Código do Procedimento Administrativo, ao consagrarem o princípio da administração aberta, ressalvam «o disposto na lei em matérias relativas à intimidade das pessoas:.
Não há assim qualquer contradição entre o princípio da administração aberta, que enforma essas e outras disposições legais e o reconhecimento da confidencialidade fiscal, tal como se encontra estatuída na referida alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário e outras disposições em matéria fiscal.
Aceite-se, nestes termos, que, tal como se concluiu no parecer nº 83/87, em caso afim, o direito de acesso a dados relativos a terceiros, «se não estiver previsto em concreta disposição legal:, está «rigorosamente dependente da inexistência de qualquer tipo de segredo no acesso à informação e do respeito pelas normas constitucionais sobre a utilização da informática:
E, no presente caso, existe disposição - a questionada alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário - estatuindo segredo (confidencialidade) relativamente a determinados dados, aqui em causa, relativos à situação tributária dos contribuintes.
Por outras palavras: estatuindo essa disposição, em termos claros e precisos, a confidencialidade de determinados dados, a possibilidade de esses dados serem comunicados a «terceiro: depende da existência de norma que, prosseguindo um motivo social imperioso, afaste o dever de guardar segredo, impondo ao detentor dos dados o dever de informar .
8.3. Convirá, antes de abordar as questões concretas, precisar o objecto da confidencialidade consagrado na norma em causa.
A confidencialidade em questão refere-se, como vimos, aos «dados relativos à situação tributária dos contribuintes:.
Trata-se, pois, como atrás se disse, de «dados:
(informações, elementos) que reflectem, explicitam de alguma forma a situação patrimonial dos cidadãos na parte e medida em que interessam ao fisco e que, com tal finalidade, constam do(s) respectivo(s) processo(s) tributário(s), fornecidos, na sua grande parte, pelo(s) próprio(s) contribuinte(s).
São dados que exprimem a capacidade contributiva: os bens, as actividades, as receitas, os rendimentos, as despesas, os encargos, em suma, tudo o que reflicta ou se prenda com a matéria colectável em causa em cada processo, tudo o que interesse à situação tributária do contribuinte.
Ou seja, dados que, preenchendo a relação tributária, interessam sobremaneira à definição e cômputo da obrigação tributária.
Mas, como se sabe, nem todos os dados assim definidos são objecto da confidencialidade fixada na referida disposição.
Para além dos dados constantes do(s) processo(s) tributário(s) que não tenham as características apontadas - por não reflectirem a situação tributária do contribuinte -, há ainda que excluir da confidencialidade os dados constantes desse(s) processo(s) que tenham natureza pública, isto é, quando sejam livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico- institucionais, como sejam o registo predial, comercial, civil, etc..
Por outras palavras, e como se disse no parecer nº 95/87:
«c) São acessíveis os dados que por força de normas pertinentes do ordenamento jurídico possam ser publicitados; d) Têm acesso aos dados mencionados na alínea antecedente:
Quem quer que seja, no tocante aos dados cujo conhecimento não esteja sujeito a quaisquer limites, como é o caso, por exemplo, dos factos sujeitos a registo comercial obrigatório (artigos 1º, nº 1, 70º a 73º, do Código de Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 403/86, de 3 de Dezembro, e nº 2 do artigo 59º do Decreto-Lei nº 42/89, de 3 de Fevereiro);
Certo número de entidades, no tocante aos demais dados, determinados por consideração de certos fins a atingir com o conhecimento e segundo a natureza dos acedentes (artigos 59º, nº 1, alíneas a) e b), 60º, nº 1, do Decreto-Lei nº 42/89):.
Por fim, nesta parte, deverá dizer-se que a confidencialidade prevista na disposição em causa abrange dados relativos quer a pessoas singulares, quer a pessoas colectivas, comerciantes e não comerciantes, isto é, abarca os dados relativos à situação tributária de todo e qualquer contribuinte, de qualquer pessoa, singular ou colectiva, sujeito de qualquer relação jurídica tributária, sujeito ao pagamento de impostos.
E, nessa reserva incluem-se naturalmente os comerciantes.
Estes, como tal, têm direito à reserva da vida privada que se prenda com a sua actividade comercial, como qualquer outro cidadão, não comerciante.
O nº 1 do artigo 26º, nº 1, da Constituição abrange «todos:, e o nº 2 da mesma disposição determina que a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva de informações relativas às «pessoas:, sem distinguir, tal como, aliás, a referida alínea c) do artigo 17º do Código de Processo Tributário.
E é um facto indiscutível que essa reserva, essa confidencialidade relativamente aos comerciantes, lhes interessa sobremaneira, sendo indispensável ao «regular e eficiente exercício da sua actividade:, como se disse no parecer nº 103/86, relativamente às pessoas colectivas.
Não se vê, pois, qualquer fundamento para proceder a uma interpretação restritiva daqueles preceitos por forma a excluir os comerciantes da confidencialidade prevista naquela alínea d).
E o mesmo acontece, por clara opção legislativa, quanto às pessoas colectivas, sendo de invocar, também nesta matéria, a doutrina do parecer nº 103/86.
A confidencialidade, quanto à sua situação tributária, reflexo da sua situação patrimonial, foi talvez considerada necessária ao regular exercício da actividade das pessoas colectivas, dado o manifesto interesse (vantagem) que têm em «resguardar: a sua «situação: dos seus concorrentes, parceiros e eventuais credores.
A norma do nº 1 do citado artigo 110º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - cfr. ponto nº 7.3. -, ao estabelecer a organização de um processo, com carácter sigiloso, relativamente às pessoas colectivas, em que se incorporam as declarações e outros elementos que se relacionem com elas, necessariamente relativos à sua situação tributária a nível de imposto sobre o rendimento, só vem confirmar a conclusão a que se chegou - a aplicabilidade da norma em causa a toda e qualquer situação tributária.
Não há, assim, que fazer qualquer distinção no que toca à «vertente passiva dos elementos informativos solicitados:.
Distinções há a fazer mas só no que toca à natureza dos elementos - («dados:) - em causa, e, ainda, quanto ao regime legal consagrado para a matéria relativamente às entidades que solicitem as informações.
8.4. Sublinhe-se, finalmente, que a reserva sobre os dados confidenciais não se coloca se os «dados: respeitarem às pessoas que solicitem essas informações, visto a confidencialidade implicar a impossibilidade de acesso a esses «dados: apenas por parte de «terceiros:, de estranhos.
Aliás, o nº 2 daquele artigo 268º e o nº 1 do artigo 65º do referido Código do Procedimento Administrativo, ao estatuírem o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, por parte dos «cidadãos: («todas as pessoas:), ressalvam o disposto na lei em matérias relativas ... à intimidade das pessoas, e essa intimidade só pode ser violada por terceiros, nunca pelos próprios, pelas pessoas a quem dizem respeito as informações (os «dados:) a conhecer.
Quanto aos «terceiros: - os cidadãos ou entidades a quem os dados não dizem respeito -, não restam dúvidas de que, em princípio, não podem ter acesso aos «dados: a que se refere a alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário (54), tidos por «confidenciais:.
De facto, esta disposição, na falta de norma que a derrogue, que se lhe sobreponha, impõe a confidencialidade.
Há, no entanto, hoje, que ter em conta as citadas normas da Lei nº 65/93, que permitem o acesso, por parte de «terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal:, aos documentos administrativos (55) que contenham dados pessoais (cfr. artigos 7º, nº 2, e 4º, nº
1, alíneas b) e c)), como são os relativos à «situação tributária dos contribuintes:, a que se refere a questionada alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário.
Esse «interesse directo e pessoal: por parte de «terceiros: - que não deverá ser muito frequente na matéria ora em causa - terá de ser invocado e reconhecido pela Comissão de Acesso aos Documentos da Administração, presidida por um juiz conselheiro do S.T.A. (artigos 8º, nº 3, e 18º e segs.), que também deverá dar parecer na situação prevista na alínea b) do nº 4 do artigo 8º - «quando a comunicação dos dados pessoais tenha em vista salvaguardar o interesse legítimo da própria pessoa a que respeitem e esta se encontre impossibilitada de conceder autorização:.
Este regime manifestamente derroga, na restrita medida fixada pela Lei nº 65/93, a confidencialidade fixada na referida alínea d) ao artigo 17º do Código de Processo Tributário.
Nestes termos deve concluir-se que os particulares (todas as pessoas singulares ou colectivas pelas razões atrás apontadas) podem ter acesso aos dados em causa, embora nos restritos termos permitidos pela referida Lei nº 65/93.
9. Enfrentem-se pois as questões concretas, verificando se as entidades referidas na consulta podem ter acesso aos dados confidenciais, ressalvados na alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário, o que valerá por perquirir se há «lei: que permita esse acesso.
9.1. Respeitando a ordenação da consulta, verifique- se o regime legal estabelecido para os advogados.
Dispõe o nº 1 do artigo 63º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, que «no exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração:.
Na sequência do anteriormente exposto não pode deixar de se concluir que os advogados não podem examinar processos, livros ou documentos, muito menos pedir certidões dos mesmos, se contiverem «dados confidenciais:
- nos termos atrás fixados - relativamente à «situação tributária dos contribuintes:, salvo se representarem os contribuintes a que esses «dados: digam respeito ou «terceiros: com «interesse directo e pessoal:, nos termos e condicionalismos fixados na referida Lei nº 65/93.
Não só não existe outra disposição que se sobreponha à da alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário, como, ainda, aquela disposição - o citado nº 1 do artigo 63º do E.O.A. - ressalva do exame pelos advogados os processos, livros ou documentos que tenham «carácter reservado ou secreto:, sendo certo que o termo «reservado: é equivalente a «confidencial:.
Os advogados, salvo quando representam os contribuintes a que os dados digam respeito ou «terceiros: com «interesse directo e pessoal:, nos referidos termos, só poderão ter acesso aos processos, livros ou documentos que sejam públicos ou publicitáveis, em termos e segundo exigências legais que não importam à economia do parecer (56), devendo, por isso, ter-se em conta tudo o que foi dito quanto ao exacto sentido e alcance da confidencialidade prevista naquela alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário (57).
9.2. O nº 3 do artigo 61º do Estatuto dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei nº 483/76, de 19 de Junho, dispõe que «o solicitador, no interesse dos seus constituintes, pode requerer, por escrito ou verbalmente, em qualquer repartição pública, o exame dos processos, livros e documentos e a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração:.
Esta disposição não contém a ressalva constante do artigo 63º do Estatuto da Ordem dos Advogados, mas não pode deixar de se concluir nos mesmos termos.
Não resulta dessa norma que o seu regime deva sobrepor-se ao fixado naquela alínea d), nem seria lógico que os poderes dos solicitadores fossem superiores aos dos advogados.
A confidencialidade prevista nessa alínea d) não fica minimamente abalada face àquele artigo 61º, nº 3, do Estatuto dos Solicitadores, devendo, pois, ser respeitada pelos respectivos funcionários da Administração Tributária, salvo quando os solicitadores requererem informação ou o exame de processos, livros e documentos que digam respeito aos seus constituintes ou quando estes sejam «terceiros: com «interesse directo e pessoal:, nos termos apontados, decerto em representação destes (58).
9.3. Inexiste norma que preveja o dever de colaboração (cooperação) entre os órgãos e agentes da Administração Pública em geral (59).
Assim sendo, e na sequência de todo o exposto, seria impensável admitir que a Administração Fiscal pudesse fornecer informações confidenciais, dados de natureza sigilosa, a quaisquer organismos públicos.
Os «dados: confidenciais a que se refere a alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário não poderão ser transmitidos a entidades ou organismos públicos que não beneficiem de normas especiais que se sobreponham àquela alínea d).
Note-se que mesmo no quadro das contra-ordenações (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro), em que é evidente o interesse público (na prevenção e repressão de comportamentos contra-ordenacionais), não foi quebrado o sigilo profissional, nomeadamente o fiscal, ao estabelecer-se no artigo 42º que no processo de contraordenação «não é permitida ... a utilização de provas que impliquem a violação do segredo profissional:
(nº 1), e que «as provas que colidem com a reserva da vida privada ... só serão admissíveis mediante o consentimento de quem de direito: (nº 2), o qual, obviamente, só poderá ser o contribuinte a quem os dados respeitem. E nesse caso não haverá lugar a quebra de confidencialidade.
9.4. Nos termos do artigo 159º, alínea d), da Constituição da República «constituem poderes dos deputados [...] requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato: (60).
Dispõem os nºs 1 a 4 do artigo 12º da Lei nº 7/93, de 1 de Março (Estatuto dos Deputados) (61):
«1. São garantidas aos Deputados condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores.
2..............................................................................
3. Todas as entidades públicas estão sujeitas ao dever geral de cooperação com os Deputados no exercício das suas funções ou por causa delas.
4. Os serviços da administração central ou dela dependentes devem facultar aos deputados condições para o exercício do mandato, nomeadamente fornecendo os elementos, informações e publicações oficiais solicitados e facultando, sempre que possível, instalações para reuniões de trabalho, desde que tal não afecte o funcionamento dos próprios serviços:.
Aos Deputados são garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, passando essa garantia pela sujeição de todas as entidades públicas ao dever geral de cooperação com os Deputados no exercício das suas funções ou por causa delas, sujeição essa que implica deverem «os serviços de administração central ou dela dependentes: facultar condições para o exercício do mandato, nomeadamente, fornecendo os elementos, informações e publicações oficiais solicitados:.
À luz das considerações atrás deduzidas sobre a observância, ou não, da confidencialidade, nomeadamente, dos dados em causa, impõe-se concluir que o mero dever geral de cooperação (das entidades públicas), de que beneficiam os Deputados, nos termos expostos, não afasta, não se sobrepõe ao dever de sigilo, à confidencialidade prevista na referida alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário.
Recorde-se, para o efeito, que se assentou em que a inobservância da confidencialidade prevista nessa alínea d) depende da existência de norma que, sobrepondo-se-lhe, explícita ou implicitamente, afaste essa confidencialidade.
Concluindo, pois, nesta parte:
A Administração Fiscal deve invocar a confidencialidade prevista na alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário relativamente as informações ou elementos solicitados pelos Deputados.
Mas, evidentemente, deverá a Administração Fiscal ter presente o que deve ter-se por «confidencial:, em conformidade com as conclusões a que se chegou (62).
9.5. O Estatuto do Provedor de Justiça foi criado pelo Decreto-Lei nº 212/75, de 21 de Abril, e posteriormente consagrado no artigo 24º da Constituição, que não previa o dever de cooperação com o Provedor de Justiça por parte dos «órgãos e agentes da Administração Pública:, o que só veio a ocorrer com a 2ª revisão constitucional (Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho).
Dispunha, no entanto, nos seus artigos 10º, 27º e 28º, a Lei nº 81/77, de 22 de Novembro, que aprovou o Estatuto do Provedor de Justiça e vigorou até à sua revogação pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril:
«Artigo 10º
(Obrigação de sigilo)
O Provedor de Justiça é obrigado a guardar sigilo relativamente aos factos de que tome conhecimento no exercício das suas funções, se tal sigilo se impuser em virtude da natureza dos mesmos factos:.
«Artigo 27º
(Dever de colaboração)
1. Os titulares e agentes da Administração têm o dever de prestar todos os esclarecimentos e informações que lhes sejam solicitados pelo Provedor de Justiça.
2. As autoridades públicas, bem como os órgãos de qualquer entidade pública, prestarão ao Provedor de Justiça toda a colaboração que por este lhes for solicitada, designadamente prestando informações, efectuando inspecções através dos serviços competentes e facultando documentos e processos para exame, remetendo- os ao Provedor, se tal lhes for pedido.
3. O disposto no número anterior não prejudica as restrições legais respeitantes ao segredo de justiça nem a invocação de interesse superior do Estado, nos casos devidamente justificados pelo Governo, em questões respeitantes à segurança, à defesa ou às relações internacionais:.
«Artigo 28º
(Depoimentos)
1. O Provedor de Justiça poderá solicitar a qualquer cidadão depoimentos ou informações sempre que o reputar necessário para o apuramento dos factos.
2. No caso de recusa de depoimento, o Provedor de Justiça, se o julgar imprescindível, poderá notificar, mediante aviso postal registado, as pessoas que devam ser ouvidas, constituindo crime de desobediência a falta de comparência ou a recusa de depoimento não justificadas.
3............................................................................:.
9.5.1 A Lei nº 9/91, de 9 de Abril (actual Estatuto do Provedor de Justiça) manteve, nos seus precisos termos, a norma do artigo 10º do anterior Estatuto (Lei nº 81/77), que ficou a constituir o nº 1 do artigo 12º, - epigrafado de «Dever de Sigilo: -, e acrescentou ao (novo) artigo 12º um nº 2 com a seguinte redacção:
«2. O mero dever de sigilo, que não decorra do reconhecimento e protecção da Constituição ou da lei, de quaisquer cidadãos ou entidades cede perante o dever de cooperação com o Provedor de Justiça no âmbito da competência deste: (63).
No seu artigo 29º - «Dever de Cooperação: -, nºs 1, 2 e 3, a Lei nº 9/91 manteve as normas do artigo 27º da Lei nº 81/77, com ligeiras alterações nos nºs 1 e 2, ao substituir a designação das entidades públicas sujeitas ao dever de colaboração - «titulares e agentes da Administração: por «órgãos e agentes das entidades públicas, civis e militares:, no nº 1, as «autoridades públicas, bem como os órgãos de qualquer entidade pública:, por «entidades públicas, civis e militares:, no nº 2.
O nº 3 do artigo 29º da Lei nº 9/91 reproduz o nº 3 do artigo 27º da Lei nº 81/77, que, lembre-se, dispunha:
«3. O disposto no número anterior não prejudica as restrições legais respeitantes ao segredo de justiça nem a invocação do interesse superior do Estado, nos casos devidamente justificados pelo Governo, em questões respeitantes à segurança, à defesa ou às relações internacionais:.
E, no nº 6 desse artigo 29º determina-se, ex novo, que «o incumprimento não justificado do dever de cooperação previsto nos nºs 1, 2, 4 e 5, por parte de funcionário ou agente da administração pública [...] constitui crime de desobediência, sem prejuízo do procedimento disciplinar que no caso couber:, tal como se dispunha no artigo 6º da Lei nº 45/86 (Estatuto da Alta Autoridade contra a Corrupção).
Por sua vez, os nºs 1 e 3 do artigo 30º - «Depoimentos: - da Lei nº 9/91 reproduzem, com alterações meramente formais, os nºs 1 e 2 do artigo 28º da Lei nº 81/77, que, como se viu, se referem à colaboração a prestar ao Provedor de Justiça por qualquer cidadão.
Da análise dos nºs 1, 2 e 3 do artigo 27º da Lei nº 81/77 - relativos ao dever de colaboração com o Provedor de Justiça, por parte dos titulares e agentes da Administração, das autoridades públicas, bem como dos órgãos de qualquer entidade pública, resulta que o Provedor de Justiça tinha direito à colaboração dos titulares e agentes da Administração, que tinham o dever de lhe prestar todos os esclarecimentos e informações solicitados (nº 1), bem assim das autoridades públicas e dos órgãos de qualquer entidade pública, a quem podia ser solicitada toda a colaboração, designadamente prestando informações e facultando documentos e processos para exame (nº 2).
E, nos termos do nº 3 desse artigo 27º, as autoridades públicas e os órgãos de qualquer entidade pública só podiam invocar, como fundamento de recusa da colaboração solicitada, as restrições legais respeitantes ao segredo de justiça e ao interesse superior do Estado, em questões respeitantes à segurança, à defesa ou às relações internacionais, isto é, ao segredo de Estado.
Essas autoridades públicas bem como os órgãos e agentes de qualquer entidade pública não podiam, pois, invocar, como fundamento de recusa de colaboração, a confidencialidade e os meros deveres de sigilo (ou segredo) profissional, impostos por outras razões que não o segredo de justiça e o segredo de Estado.
Por outro lado o Provedor de Justiça tinha direito à colaboração de qualquer cidadão constituindo crime de desobediência a recusa de depoimento não justificada (artigo 28º, nºs 1 e 2).
De onde resultava que a confidencialidade prevista na alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário não podia ser invocada para recusa, por parte dos referidos agentes e entidades públicas, da colaboração solicitada pelo Provedor de Justiça.
Os nºs 1, 2 e 4 do artigo 29º da Lei nº 9/91 mantiveram as referidas normas (nºs 1, 2 e 3) do artigo 27º da Lei nº 81/77, nomeadamente a do nº 3, de onde resultava que essas entidades públicas e seus órgãos ou agentes apenas podiam invocar, como fundamento de recusa, o segredo de justiça e o interesse superior do Estado (segredo de Estado).
Mas, como vimos, surgiu, ex novo, constituindo o nº 2 do artigo 12º dessa Lei nº 9/91, uma norma, atrás transcrita, de onde parece resultar que todo e qualquer dever de sigilo (confidencialidade), de quaisquer cidadãos ou entidades que tenha reconhecimento e protecção da Constituição ou da lei, não cede perante o dever de cooperação.
Assim pareceria que a Administração Fiscal, como entidade pública, e os seus órgãos e agentes poderiam invocar a citada alínea c) do artigo 30º do Decreto-Lei nº 363/78 e a alínea d) do artigo 17º do Código de Procedimento Tributário para recusar a colaboração solicitada pelo Provedor de Justiça, na matéria em causa.
Cremos não ser defensável tal entendimento, tanto mais que resulta dos trabalhos preparatórios da Lei nº 9/91 que se pretendeu, não a redução dos poderes do Provedor de Justiça, mas antes o seu reforço garantindo- lhe meios até então reservados à Alta Autoridade contra a Corrupção (64), Há que harmonizar as normas dos artigos 12º, nº 2, 29º, nº 3, e 30º, nº 3, da mesma Lei nº 9/91, por forma a atribuir a cada uma delas um sentido e alcance compatíveis com os das outras, tendo em conta o princípio de que, em qualquer diploma, todas as normas são úteis e harmonizáveis, e tendo presente que dessa interpretação não deve resultar um enfraquecimento do Estatuto do Provedor de Justiça.
Ponderando os possíveis sentido e alcance das normas em causa, afigura-se-nos que a solução da questão (dificuldade) levantada passa por reconhecer um mero erro sistemático.
O nº 2 do referido artigo 12º (65), «importado: do Estatuto da Alta Autoridade contra a Corrupção (artigo 7º, nº 2, da Lei nº 45/86, que se referia a colaboração de cidadãos e entidades privadas, enquanto o artigo 6º se referia a colaboração das entidades públicas) devia fazer parte do artigo 30º do mesmo diploma, que se refere à colaboração dos cidadãos para com o Provedor de Justiça.
Este artigo 30º impõe aos cidadãos o dever de prestar depoimentos ou informações ao Provedor de Justiça, quando solicitados, sempre que julgados necessários (nº 1), e determina constituir crime de desobediência qualificada a «falta injustificada de comparência ou recusa de depoimento: (nº 3) normas paralelas às dos nºs 1, 2 e 6 do artigo 29º, que tratam do dever de colaboração por parte dos «órgãos e agentes das entidades públicas: (nº 1) e das «entidades públicas, civis e militares: (nº 2) -, mas não contém norma paralela (equivalente) à do nº 3 do referido artigo 29º, que se refere à recusa com fundamento em sigilo.
Essa norma existe, sim, no diploma, mas deslocada, constituindo o citado nº 2 do artigo 12º, que permite a invocação do «mero dever de sigilo: que decorra da Constituição ou da lei, por parte de «quaisquer cidadãos ou entidades: - expressão que só tem sentido, face às entidades referidas nos referidos artigos 29º e 30º, se abranger, apenas, os cidadãos e entidades privadas.
Esta interpretação, que se adopta, da expressão «quaisquer cidadãos ou entidades:, respeita manifestamente as regras do artigo 9º do Código Civil, nomeadamente a que manda atender à unidade do sistema jurídico (nº 1), a que exige um mínimo de correspondência verbal (nº 2) e a que impõe a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (nº 3).
E afigura-se evidente, se atentarmos no referido artigo 7º da Lei nº 45/86 (Estatuto da extinta Alta Autoridade Contra a Corrupção) que, nos seus três números se referia:
No nº 1 - ao dever de absoluto sigilo por parte da Alta Autoridade e todos os seus agentes ou auxiliares, relativamente aos factos de que tenham tido conhecimento no exercício ou por causa do exercício das suas funções [...];
No nº 2 - ao dever de sigilo (..) de quaisquer cidadãos ou entidades [...];
No nº 3 - ao exercício do direito de acesso a esclarecimentos e elementos em poder das entidades referidas no nº 3 do artigo 6º - exactamente as «entidades públicas:-, de que eram ressalvados apenas os que constituiam segredo de Estado.
Ora, os artigos 10º e 27º do Estatuto do Provedor de Justiça aprovado pela Lei nº 81/77 - tal como os artigos 12º (nº 1) e 29º do Estatuto aprovado pela Lei nº 9/91, que correspondem a esses artigos 10º e 27º - continham normas equivalentes às dos nºs 1 e 3 daquele artigo 7º, enquanto que o artigo 28º daquele Estatuto de 1977 não continha norma equivalente à do nº 2 daquele artigo 7º visto esse artigo 28º não esclarecer em que circunstâncias era justificada a recusa de depoimento por parte dos cidadãos («qualquer cidadão:).
Impunha-se esse esclarecimento, o que se fez no Estatuto do Provedor de Justiça de 1991, nos termos indicados, mas incorrectamente, no plano sistemático: a nova disposição que devia constituir um novo número do actual artigo 30º, ficou no artigo 12º decerto apenas porque, no artigo 7º do referido Estatuto da extinta Alta Autoridade contra a Corrupção, se situa a seguir à disposição que se referia ao dever de sigilo por parte da
Alta Autoridade e seus agentes ou auxiliares.
Deste modo, deve entender-se que as entidades públicas, seus órgãos e agentes (artigo 29º) e os cidadãos (estes também como representantes ou agentes de entidades privadas) (artigo 30º), têm regras distintas sobre a possível recusa de colaboração com o Provedor de Justiça, sendo certo que, neste momento, só nos interessa o dever de colaboração por parte de entidades públicas, a Administração Fiscal.
Só uma interpretação deste género confere utilidade e dá sentido à norma inscrita no nº 3 do artigo 29º do actual Estatuto do Provedor de Justiça, não lhe diminuindo a dimensão que nesta área já lhe era reconhecida pelo anterior Estatuto.
Como já decorria do Estatuto aprovado pela Lei nº 81/77, a Administração Fiscal não pode invocar a confidencialidade prevista na alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário, como os seus funcionários não podem invocar o sigilo profissional previsto na alínea c) do artigo 30º do Decreto-Lei nº 363/78, para fundamentarem uma recusa de colaboração com o Provedor de Justiça, na matéria de que trata aquela alínea d).
9.5.2 Aliás, se assim não fosse, a natureza das próprias funções do Provedor de Justiça permite clarificar um elemento que surge por vezes desfocado quando se aborda a questão do «segredo: e a divulgação de elementos confidenciais: o princípio do contraditório.
O Provedor de Justiça tem por função principal a defesa e promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos - artº. 1º da Lei nº 9/91.
A sua acção exerce-se no âmbito da actividade dos serviços da administração pública central, regional e local, das Forças Armadas, dos institutos públicos, das empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos ou concessionárias de serviços públicos ou de exploração de bens do domínio público - artº 2.
Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça - artº 3º.
O Provedor de Justiça tem, entre outras, competência para dirigir recomendações aos órgãos competentes com vista à correcção de actos ilegais ou injustos dos poderes públicos ou à melhoria dos respectivos serviços - alínea a) do nº 1 do artº 20.
O Provedor pode proceder a todas as investigações e inquéritos que considere necessários ou convenientes, adoptando, em matéria de recolha e produção de provas, todos os procedimentos razoáveis, desde que não colidam com os direitos dos cidadãos - alínea b), nº 1 do artigo
21º.
A instrução, explicita o artigo 28º, nº 1, este como aqueles da Lei nº 9/91, consiste em pedidos de informação, inspecções, exames, inquirições ou qualquer outro procedimento razoável que não colida com os direitos fundamentais dos cidadãos e é efectuada por meios informais e expeditos, sem sujeição às regras processuais relativas à produção de prova.
Imagine-se que um cidadão se queixa ao Provedor de Justiça que a liquidação de determinado imposto foi feita à revelia não só das disposições legais que o disciplinam, mas sobretudo com desprezo dos elementos factuais por si apresentados para definição da sua situação tributária.
Se o Provedor der seguimento à queixa e solicitar a reacção da Repartição de Finanças em causa, esta entidade só poderá validamente defender-se e esclarecer a matéria litigiosa se revelar, na medida do estritamente necessário, elementos que em princípio são confidenciais.
Ter-se-á assim sempre de concluir que, ao apresentar a queixa, o beneficiário do segredo permite que o detentor dos elementos sob reserva os faculte até onde eles forem necessários ao esclarecimento da verdade.
Fora do campo dos direitos indisponíveis, tal permissão deve considerar-se eficaz quando a confidencialidade for atribuída apenas em benefício do queixoso, para a protecção dos seus interesses .
9.6. Vejamos, de seguida, a colaboração da Administração Fiscal, na matéria em causa, com os tribunais.
As considerações que têm sido desenvolvidas facilitam sobremaneira a nossa tarefa, devendo ter-se presente a posição já assumida de que a inobservância da confidencialidade, nomeadamente a prevista na referida alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário, depende da existência de disposição que, sobrepondo-se-lhe, explícita ou implicitamente, afaste essa confidencialidade. Não existindo disposição com esse alcance deve observar-se o princípio: «onde há dever de sigilo (ou confidencialidade) não existe dever de cooperação:.
Para algumas contadas situações, existem normativos com esse alcance, prevendo a colaboração com os tribunais, mesmos em matérias que estão, em princípio, sob o regime da confidencialidade.
Citam-se, como exemplos:
O nº 4 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, que permite ao tribunal requisitar as informações de que necessitar sobre a «situação económica do requerente de apoio judiciário:, não podendo nenhuma autoridade, pública ou privada, recusar-se a prestar essas informações que podem, neste caso, cair na previsão da alínea d) do referido artigo 17º.
O artigo 50º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, que reviu a legislação de combate à droga, permite à autoridade judiciária (66) competente (nº 3), pedir informações e solicitar a apresentação de documentos respeitantes a bens, depósitos ou quaisquer outros valores pertencentes a indivíduos suspeitos ou arguidos da prática de crimes previstos nos artigos 22º, 23º, 24º, 26º e 28º desse diploma legal, com vista à sua apreensão e perda para o Estado [...]: (nº 1), não podendo tais informações e documentos ser recusados por quaisquer entidades públicas ou privadas, nomeadamente pelas instituições bancárias, financeiras ou equiparadas, por sociedades civis ou comerciais, bem como por quaisquer repartições de registo ou fiscais, desde que o pedido se encontre individualizado e suficientemente concretizado, quer essas informações e documentos se encontrem em suporte manual ou informático (nº 2).
_ O artigo 5º da Lei nº 36/94, de 29 de Setembro, que estabeleceu medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, dispõe, no seu nº 1, que «nas fases de inquérito, instrução e julgamento relativas aos crimes previstos no nº 1 do artigo 1º (corrupção, peculato, participação económica em negócio, .....), o segredo profissional das instituições de crédito e sociedades financeiras, dos seus empregados e pessoas que prestem serviços às mesmas instituições e sociedades cede se houver razões para crer que a respectiva informação é de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova:-
Assentes a posição e o princípio acima assumidos, importa conhecer os regimes de colaboração com os tribunais em processo civil e processo penal.
9.6.1. Em processo civil referem-se a essa colaboração os artigos 519º, 535º e 536º do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 519º que todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado [...] praticando os actos que forem determinados (nº 1), sendo condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem possíveis, quando recusem a colaboração devida (nº 2); «a recusa é, porém, legítima se a obediência importar violação da intimidade da vida privada e familiar, da dignidade humana ou do sigilo profissional [...]: (nº 3).
O artigo 535º dispõe que o tribunal pode «requisitar informações: [...] ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade: (nº 1), podendo essa requisição ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros (nº 2).
E o artigo 536º estipula que «os organismos oficiais devem satisfazer a requisição, a menos que ela respeite a matéria confidencial ou reservada ou a processos em segredo de justiça:.
Perante estas disposições não se podem suscitar dúvidas: os funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos devem recusar a sua colaboração com os tribunais, neste campo, quando essa colaboração importar violação do sigilo profissional a que estão sujeitos, nos termos da alínea c) do artigo 30º do Decreto-Lei nº 363/78; e a Administração Fiscal não pode satisfazer as solicitações formuladas pelos tribunais, quando se trate de matéria confidencial - caso da prevista na referida alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário -, com a interpretação feita no parecer no tocante ao seu âmbito (67) (68).
9.6.2 No processo penal, onde prevalece a busca da verdade material que domina a actuação jurisdicional (69), não será ela a determinar sensível mudança de regime no tocante à relevância do dever da confidencialidade fiscal.
A diferença face ao processo civil passa pelo facto de se admitir a quebra de sigilo profissional. Vejamos:
Dispõe o nº 1 do artigo 135º do Código de Processo Penal que «os ministros de religião [...] os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo:. E acrescenta o nº 2 que, «havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária (o juiz, o juiz de instrução, o Ministério Público) perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento:.
A diferença relativamente ao regime que vigora no processo civil só transparece do preceituado no nº 3 deste artigo 135º, que dispõe: «O tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do sigilo profissional quando se verifiquem os pressupostos referidos no artigo 185º do Código Penal. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento:.
O artigo seguinte (artigo 136º) dispõe que «os funcionários não podem ser inquiridos sobre factos que constituam segredo e de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções:, sendo-lhes «correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior:.
Por outro lado, como se dispõe no artigo 182º, «tratando-se de pedidos de «documentos ou quaisquer objectos que tiverem em sua posse e que devam ser apreendidos:, as pessoas indicadas nos referidos artigos
135º e 136º devem apresentá-los à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou segredo de Estado (nº 1). Neste caso, «se a recusa se fundar em segredo profissional, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 135º, nº 2: (nº 2), o que poderá implicar a apresentação desses documentos ou objectos.
O artigo 185º do Código Penal estabelece:
«O facto previsto no artigo anterior (revelação de segredo profissional) não será punível se for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim:.
Este artigo, invocado para fundamentar a quebra do sigilo profissional, considera causas de exclusão de ilicitude (na revelação de um segredo profissional) o cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou a prossecução de um interesse público ou privado legítimo. São estas as causas (fundamentos) da quebra do sigilo, que só o «tribunal imediatamente superior: pode ordenar, pondo assim termo a um conflito entre os deveres de cooperar com o tribunal e de guardar sigilo profissional.
Decorre, assim, que há, em processo penal, uma regulamentação expressa dos termos em que, excepcionalmente, pode ocorrer a quebra do segredo profissional, incluindo o sigilo fiscal.
De onde resulta que, também em processo penal, a lei impôs como regime-regra a tutela do sigilo e, inerentemente, da confidencialidade fiscal, apesar do princípio da verdade material.
9.6.3. Ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar - nº 1 do artigo 221º da Constituição.
9.6.3.1. Para além do exercício da acção penal, no desempenho das suas outras funções - cfr. o artigo 3º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro - e por causa desse exercício, os magistrados do Ministério Público sentirão por vezes a necessidade - ou conveniência - de obter informações e documentação relativas a matéria confidencial, sigilosa, nomeadamente matéria fiscal, incluindo a prevista na referida alínea d) do artigo 17º, do Código de Processo Tributário.
Poderão obter essas informações ou esses documentos?
A resposta afigura-se necessariamente negativa, pois falta uma «lei: que lhe confira tal prerrogativa.
No exercício das suas funções, na defesa, por exemplo da legalidade, poder-se-à revelar de muita utilidade o domínio pelo Ministério Público de matéria coberta pelo segredo profissional.
Mas, ou a ofensa da legalidade atinge tal intensidade que faz cair o seu autor no campo processual penal, com a consequente aplicação das disposições do respectivo Código acima referidas, ou a problemática resta circunscrita ao contencioso civil, administrativo ou fiscal, onde a quebra do segredo não é, salvo casos especiais devidamente ressalvados em normas próprias (70), permitida.
Não pode, pois, o Ministério Público, fora desses casos especiais, e obviamente da existência de uma conexão entre as informações solicitadas e o procedimento a seu cargo, invocar a sua especial posição, as suas funções, como representante do Estado, defensor da legalidade democrática e de diversos interesses postos por lei a seu cargo, para fundamentar um pedido de informações confidenciais, sigilosas, nomeadamente fiscais.
Fora desses casos especiais e dessa especial situação, o Ministério Público não passa de um «terceiro: relativamente a essas informações, a esses «dados:, pelo que, como «confidenciais: que são - quando o sejam efectivamente -, não poderão ser-lhe fornecidas (71).
Os valores em que assenta a confidencialidade fiscal em causa - a reserva da intimidade da vida privada e a preservação da relação de confiança entre o contribuinte e a Administração Fiscal - sobrepõem-se aos valores (interesses) prosseguidos pelo Ministério Público, salvo nos casos especiais já citados.
9.6.3.2. A conclusão a que se chegou sobre o acesso do Ministério Público a dados confidenciais necessita de ser ponderada com a introdução de um elemento já aflorado aquando do tratamento dos poderes do Provedor de Justiça.
Em primeiro lugar, a intervenção do Ministério Público, em representação do Estado, ou na defesa da legalidade, na determinação da própria situação patrimonial do contribuinte, controvérsia surgida por iniciativa ou da Administração fiscal detentora do segredo ou do contribuinte.
Aqui, no domínio da relação bilateral que se estabelece entre o detentor do segredo e o seu beneficiário, onde se discutirá a natureza e o conteúdo daquela, a prossecução dos interesses postos a seu cargo exigem que o Ministério Público tenha acesso aos elementos definidores daquela situação patrimonial.
O Ministério Público não surge aqui como um «terceiro:, mas antes como o representante do detentor do segredo, que necessitará de dominar esta matéria para bem desempenhar as suas funções (72).
Em segundo lugar, a intervenção do Ministério Público, numa acção contra o Estado onde se alega a situação patrimonial, invocando elementos que estão na posse de serviços tributários.
Os dados respeitantes à situação patrimonial são, repete-se, em princípio, confidenciais, na falta de uma lei que permita a quebra do segredo.
Mas, para contestar a acção, o Ministério Público tem de ter acesso aos dados que foram postos em causa pelo beneficiário do regime de segredo.
Ao impugnar, fundado em factos que em princípio são confidenciais, o seu beneficiário retira ele próprio o carácter que os revestia, permitindo ao Ministério Público ter acesso aos dados necessários ao exercício correcto do princípio do contraditório.
Bem vistas as coisas, divisa-se um «consentimento de quem de direito: (73), ao menos na forma presumida ou tácita.
E, mesmo quando o Ministério Público tem a iniciativa da acção, perseguindo, por exemplo, uma ilegalidade de natureza fiscal, fora do quadro processual penal e da relação de bilateralidade referida supra, , poderá acontecer que a atitude do defendente se traduza na disponibilidade do regime confidencial de que os seus elementos sobre a situação patrimonial beneficiavam.
Em terceiro lugar, ao Ministério Público compete representar, entre outros, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta, bem como exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social - alíneas a) e c) do artigo 3º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro (Lei orgânica do Ministério Público).
E, nestas circunstâncias, à semelhança com o regime previsto para os advogados, o Ministério Público tem acesso aos «dados: relativos aos seus representados, na medida em que deles necessite para a defesa dos interesses que lhe são confiados e aos de «terceiros: nos quais os seus representados tenham «interesse directo e pessoal:.
9.6.4. Dispõe o artigo 102º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, que «a informática pode ser utilizada para o tratamento de dados relativos à gestão dos Tribunais Judiciais e à tramitação processual, com respeito pelas disposições constitucionais e legais em vigor:.
Desenvolvendo este preceito legal, dispõe-se no artigo 26º do Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho, que veio regulamentar aquela Lei Orgânica:
«No âmbito dos processos judiciais a seu cargo, os magistrados judiciais e do Ministério Público podem ter acesso à informação constante dos ficheiros informáticos de identificação civil e criminal, do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, de registo automóvel, da Polícia Judiciária, do sistema penitenciário e outros que venham a ser constituídos desde que a natureza destes e as suas finalidades não se mostrem incompatíveis com tal acesso:.
Podem, invocando aquelas normas, os magistrados judiciais e do Ministério Público ter acesso aos ficheiros da Administração Fiscal que contenham dados dos referidos na questionada alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário?
A resposta surge também pela negativa, pelas razões seguintes:
Em primeiro lugar, não se afigurava lógico que, não podendo os magistrados aceder a esses dados, pelas razões apontadas, quando não constantes de ficheiros informáticos, pudessem ter acesso aos mesmos dados se constantes desses ficheiros. Essa disparidade de tratamento seria por demais injustificada.
Em segundo lugar, dispondo-se no artigo 102º da L.O.T.J. que a informática pode ser utilizada para tratamento de dados relativos [...] à tramitação processual com respeito pelas disposições constitucionais e legais em vigor, não faria sentido que o artigo 26º do Regulamento dessa lei, ao permitir o acesso a outros ficheiros, o fizesse em termos de se desrespeitar as normas constitucionais e legais que protegem a confidencialidade dos dados desses ficheiros.
Aliás, a expressão final desse artigo 26º - desde que a natureza destes e as finalidades não se mostrem incompatíveis com tal acesso - não pode ter outro sentido que não seja respeitar a confidencialidade dos dados constantes dos ficheiros a que se pretende aceder.
Por outro lado, verifica-se que os ficheiros mencionados no referido artigo 26º contêm dados públicos ou publicitáveis, o que nos leva a concluir não poder ser diferente a natureza dos dados dos outros ficheiros a que se pretenda aceder, assim se respeitando a confidencialidade estabelecida nas «disposições constitucionais e legais em vigor:, garantindo-se a constitucionalidade daquela disposição legal.
De onde se pode concluir pela inaplicabilidade dessa disposição à matéria em apreço, isto é, pela inacessibilidade dos magistrados aos ficheiros informáticos da Administração Fiscal que contenham dados confidenciais, como os aqui em causa.
9.6.5. Pode, pois, concluir-se, nesta parte: salvo em casos especiais em que existem disposições legais avulsas que ultrapassam o regime geral exposto - caso dos citados artigos 60º do Decreto-Lei nº 15/93, e 23º, nº 4, do Decreto-Lei nº 387-B/87 -, a confidencialidade fiscal prevista na alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário só pode ser quebrada, em processo penal, nos precisos termos do artigo 135º, nº 3, do Código de Processo Penal.
10. Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1. A expressão «dados relativos à situação tributária dos contribuintes:, constante da alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário, abrange, na sua previsão, quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares, ou pessoas colectivas, comerciantes e não comerciantes;
2. A «confidencialidade: protegida na disposição referida na conclusão anterior não abrange os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam, v. g., os registos predial, comercial e civil;
3. A quebra da «confidencialidade: prevista na referida disposição legal depende da existência de norma que, sobrepondo-se-lhe, afaste o regime ali consagrado;
4. Assim, os órgãos e agentes da Administração Pública não têm acesso aos dados confidenciais previstos na referida disposição legal, salvo quando exista norma especial de que resulte o dever de prestar tal colaboração;
5. Os advogados e os solicitadores não têm acesso aos dados previstos na referida disposição legal, salvo quando representem os contribuintes a que esses dados digam respeito, ou terceiros com «interesse directo e pessoal:;
6. A Administração Fiscal deve invocar a «confidencialidade: prevista na referida disposição legal relativamente a pedidos formulados pelos Deputados, ao abrigo do nº 3 do artigo 12º da Lei nº 7/93, de 1 de Março;
7. A Administração Fiscal não pode invocar a «confidencialidade: referida nas conclusões anteriores relativamente às solicitações do Provedor de Justiça, face ao disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 29º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril;
8. Salvo nos estritos casos especiais que prevêem o dever de prestar a colaboração solicitada pelas autoridades judiciárias - artigos 60º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e 23º, nº 4, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro -, a confidencialidade fiscal prevista na referida alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário só pode ser quebrada, por decisão do Tribunal, nos precisos termos do artigo 135º, nº 3, do Código de Processo Penal;
9. Fora das situações referidas na conclusão anterior, os magistrados do Ministério Público não dispõem, em princípio, de qualquer mecanismo legal que lhes permita quebrar a confidencialidade fiscal prevista na referida disposição;
10. Os magistrados do Ministério Público tem, no entanto, acesso aos referidos dados quando intervenham na determinação contenciosa da própria situação patrimonial do contribuinte, quando tenham de agir em representação do beneficiário do segredo ou, em nome de terceiro com «interesse directo e pessoal:, e na hipótese de consentimento do seu beneficiário;
11. As entidades referidas nas conclusões 7ª ,8ª e 10ª, na medida em que podem solicitar informações sobre a matéria confidencial prevista naquela disposição legal, têm de igual modo acesso às informações constantes de ficheiros ou registos informáticos, nos termos e nas condições referidas no nº 3 do artigo 32º da Lei nº 10/91, de 29 de Abril.

VOTOS

(António Gomes Lourenço Martins) Vencido pelas razões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. Eduardo de Melo Lucas Coelho.

(Eduardo de Melo Lucas Coelho) - Vencido quanto à conclusão 7. e, na parte correspondente, quanto à conclusão 11.
1. O parecer afirma, com base no artigo 27º, nºs 1, 2 e 3, do Estatuto do Provedor de Justiça de 1977, que as entidades públicas não podiam recusar-lhe colaboração em matérias cobertas por sigilo ou confidencialidade, salvo tratando-se de segredo de justiça ou de segredo de Estado.
Concluindo, por isso, que a confidencialidade que veio a ser definida, em 1991, na alínea d) do artigo 17º do Código de Processo Tributário (Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril), não podia ser oposta ao Provedor.
Trata-se, em minha opinião, de asserções não demonstradas. E não só nas relações da norma, posterior, do artigo 17º, alínea d) com a norma, anterior, do artigo 27º do Estatuto do Provedor de 1977, mas também nas suas relações com a correspondente norma do Estatuto de 1991 que igualmente é anterior àquela - o artigo 29º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril.
Só à luz dessa demonstração poderia, de resto, ponderar-se o valor do argumento, subsidiariamente aduzido, de que o novo Estatuto não pretendeu reduzir, antes visou reforçar os poderes do Provedor de Justiça.
Da interpretação perfilhada não pode, por conseguinte, dizer-se que evita o enfraquecimento desses poderes, em contraste com o entendimento oposto, que o determinaria.

2. É claro que a referida demonstração depara com a dificuldade resultante da declaração de princípio, mas nem por isso menos peremptória, do nº 2 do artigo 12º do actual Estatuto do Provedor: o dever de sigilo, decorrente do reconhecimento e protecção da Constituição ou da lei, de quaisquer cidadãos ou entidades não cede perante o dever de cooperação com o Provedor - permita-se, por comodidade discursiva, a leitura a contrario.
O parecer resolve a dificuldade interpretando a expressão "entidades" restritivamente, com o significado de entidades privadas. Mas para o fazer socorre-se da existência de um "erro sistemático" cometido pelo novo Estatuto do Provedor: o nº 2 não deveria fazer parte do artigo 12º, mas do artigo 30º do mesmo Estatuto, que se refere justamente à colaboração dos cidadãos.
Creio, todavia, pouco convincente, ponderados os dados disponíveis, a afirmação da existência de um similar "erro sistemático", e menos fundada, por consequência, a redução da expressão "entidades" - "quaisquer entidades" - ao conceito de entidades privadas.
Pode ser, inclusivamente, que o nº 2 do artigo 12º tenha sido "importado" do nº 2 do artigo 7º do Estatuto da Alta Autoridade contra a Corrupção, aprovado pela Lei nº 45/86, de 1 de Outubro - norma, aliás, igualmente anterior ao Código de Processo Tributário -, mas que já nessa sede ela se restringisse aos cidadãos e entidades privadas, eis outra afirmação que importaria fundamentar.

3. Finalmente, o argumento, extraído no ponto 9.5.2., da natureza das funções do Provedor e do princípio do contraditório, afigura-se bem que nada prova em abono da tese defendida no parecer, pela simples razão de que, na hipótese aí focada, o acesso do Provedor aos dados tributários se funda no consentimento, expresso ou presumido, do beneficiário do segredo.

(António Silvca Henriques Gaspar) Vencido pelas razões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. Eduardo de Melo Lucas Coelho.

(Salvador Pereira Nunes da Costa) Vencido pelas razões constantes do voto do meu Exclentíssimo Colega Dr. Eduardo de Melo Lucas Coelho.

(Fernando João Ferreira Ramos) Vencido pelas razões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. Eduardo de Melo Lucas Coelho.

(António Manuel dos Santos Soares) Vencido pelas raqzões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. Eduardo de Melo Lucas Coelho.

_______________________________


(1) Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, 1993, págs. 181 e 182.
(2) Cfr. RITA AMARAL CABRAL, O Direito à Intimidade da Vida Privada (Breve Reflexão acerca do artigo 80º do Código Civil), Lisboa, 1988, págs. 25 e segs., e o parecer nº 129/81, de 3 de Junho de 1983, deste corpo consultivo.
(3) Citada em Actualités du Droit - Droits et Devoirs du Pouvoir Taxateur, Revue de la Faculté de Droit de Liège, 1993-2, pág. 396.
(4) La Protection de la Vie Privée, tomo I, 1984, pág. 159.
(5) La Potestad de Información Tributaria sobre Terceros, La Ley, pág. 226.
(6) Cfr., sobre a matéria, e como mais recente o Parecer nº 16/94, de 24 de Junho de 1994.
(7) Parecer nº 49/91, de 12 de Março de 1992.
(8) Fernando Eloy, "Da Inviolabilidade das correspondências e do Sigilo Profissional dos Funcionários Telégrafo-Postais", O Direito, Ano LXXXVI, pág. 82.
(9) De 14 de Março de 1957, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 67, pág. 294.
(10) Parecer nº 49/91, citado.
(11) Cfr., sobre a matéria, a Convenção para a protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados pessoais, elaborada em 1981 no Conselho da Europa, e aprovada pela Resolução nº 23/93, de 9 de Julho e ratificada pelo Decreto Presidencial nº 21/93, de 9 de Julho,; entrou em vigor para Portugal em 1 de Janeiro de 1994, de acordo com o Aviso nº 227/93, de 5 de Novembro.
(12) Esta reforçada preocupação constitucional reflecte a rejeição das teses da inocuidade da informática; efectivamente, como se escreveu no Parecer de 13 de Setembro de 1979, do Auditor Jurídico de turno, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 294, págs. 120 e segs., «o recurso ao computador representa um perigo de violação dos direitos e liberdades individuais muito mais agudo do que os clássicos ficheiros manuais.
«E isto porque a sede essencial do perigo resulta da aproximação feita pela máquina de dados dispersos, cada um dos quais isoladamente pode ser um dado não contestável, mas cuja conexão permite reconstituir dados sensíveis, de natureza eventualmente confidencial, podendo configurar-se como potencial (ou real) causa de riscos para a intimidade da vida privada e para o livre exercício das garantias individuais.
«O perigo, portanto, reside na concentração, interconexão, tratamento e difusão das informações que o computador permite efectuar:.
Ver, também, M. Januário Gomes, "O problema da salvaguarda da privacidade antes e depois do computador", no Boletim do Ministério da Justiça, nº 319, págs. 21 e segs..
(13) - Publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Dezembro de 1990.
(14) Recorde-se, contudo, o nº 3 do artigo 35º da Constituição que estabelece uma interdição absoluta do tratamento informático de certos tipos de dados pessoais, nomeadamente relativos à aspectos da «vida privada.
(15) Ob. cit., pág. 218.
(16) Alterada pela Lei nº 28/94, de 29 de Agosto.
(17) O nº 2 do artigo 2º determina, ainda, a recolha dos dados referidos nos artigos 22º, 30º e 36º a 40º do Decreto-Lei nº 42/89, de 3 de Fevereiro (diploma que procedeu à reforma do Registo Nacional de Pessoas Colectivas).
18) François Rigaux, "La protection de la personne et de la vie privée, Louvain, U.C.L., 1988, p. 485.
(19) A Convenção europeia dos Direitos do Homem, como direito internacional pactício, ocupa na hierarquia das fontes de direito uma posição infraconstitucional, mas supra-legal.
(20) Acórdão Sunday Times, do Tribunal europeu dos Direitos do Homem, Série A, nº 30, pág. 30, § 47. Nos termos do artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição, entre nós, esta lei deve ser ou uma lei da Assembleia da República ou um Decreto-Lei autorizado.
(21) Acórdãos do Tribunal europeu dos Direitos do Homem, nos Casos Kruslin, Série A, nº 176-A, pág. 20, §§ 20-27, A/França, Série A, nº 277-B, pág. 55, § 39, e Ezelin, Série A, nº 202, págs. 21-22, § 45, e Relatório da Comissão europeia dos Direitos do Homem, de 9 de Maio de 1989, Décisions et Rapports, nº 67, pág 88.
(22) Acórdãos do Tribunal europeu dos Direitos do Homem, nos Casos Silver, Série A , nº 67, págs. 33 e segs., §§ 88 e segs., e Herczegfalvy, Série A, nº 244, pág. 27, §
89.
(23) Acórdãos do Tribunal europeu dos Direitos do Homem, nos Casos Leander, Série A, nº 116, pág. 25, § 59, Lingens, Série A, nº 103, pág. 26, § 41, e Keegan, Série A, nº 290, pág. 19, § 49.
(24) Ob. cit., pág. 934.
(25) Em «Diário da República:, I Série-A, nº 229, de 29 de Setembro de 1993.
(26) Cfr. Acórdão nº 176/92, de 7 de Maio de 1992, do Tribunal Constitucional.
(27) "Breves reflexões em matéria de confidencialidade fiscal", em «Ciência e Técnica Fiscal:, nº 368, Out/Dez, págs. 10/11.
(x2) «V. o segredo profissional, o sigilo bancário, a criminalização da violação do dever de sigilo fiscal profissional, a confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes e o regime jurídico de protecção de dados pessoais face à informática: (sublinhados nossos).
(28) José Joaquim Gomes Canotilho, "Direito Constitucional", 5ª edição, Coimbra, 1991, pág. 660.
(29) Publicados apenas os pareceres nºs 204/78, no «Diário da República:, II Série, de 24/2/79, e no «B.M.J.:, nº 286, pág. 156, e 138/83, no «Diário da República:, II Série, de 11/4/85, e no «B.M.J.:, nº 342, pág. 55.
(30) O Decreto-Lei nº 2/78 foi revogado expressamente pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.
(31) Recorde-se que o artigo 519º do Cód. Proc. Civil estipula que todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, nomeadamente facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados (nº 1), sendo, porém, legítima a recusa «se a obediência importar violação da intimidade da vida privada e familiar, da dignidade humana ou do sigilo profissional [...]: (nº 3).
(32) A doutrina deste parecer mostra-se acolhida nos acórdãos de 10/4/80 e 4/11/81, do S.T.J., publicados no «B.M.J.:, nºs 296, pág. 190, e 311, pág. 267, gravitando a argumentação do Supremo na prevalência do segredo bancário sobre o dever de cooperação com a justiça (do confronto do Decreto-Lei nº 2/78 com as disposições corroborantes dos Códigos de Processo Civil e Penal). E foi seguida nos pareceres nºs 138/83 e 87/85.
(33) Publicado no «B.M.J.:, nº 309, pág. 121.
(34) Publicado no «Diário da República:, II Série, de 7/9/88.
(x3) Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª edição, 1984, 1º vol., págs. 145 e segs.:.
(35) Nº 2 do artigo 12º da C.R.P.: «As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza:.
(x4) Direito Constitucional, 4ª edição, 1986, pág. 457.
(36) Apelou-se de seguida aos princípios da necessidade e da proporcionalidade para se concluir que a pretendida publicação de listas de empresas devedoras à Segurança Social violaria as normas dos artigos 26º, nº 1, da C.R.P., e 43º, nº 1, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto.
(37) Não publicado.
(38) Tinha-se em mente o artigo 73º do Código do Registo Comercial - «Qualquer pessoa pode pedir certidões dos actos de registo e dos documentos arquivados, bem como obter informações verbais ou escritas sobre o conteúdo de uns e outros: -, que consagra a publicidade registral e o acesso público aos dados constantes desse registo.
(39) Nos termos do nº 1 do artigo 73º do actual Código Deontológico da Ordem dos Médicos, publicado na «Revista da Ordem dos Médicos:, nº 3/85, o médico não poderá prestar declarações ou produzir depoimento sobre matéria de segredo profissional.
(40) Ver também o Parecer 49/91, Complementar, de 4 de Novembro de 1994.
(41) Seria frustar toda a relação de confiança que pressupõe a informação prestada pelo cidadão a um sector da Administração, se fosse possível ver a Administração como um todo uniforme onde os dados sensíveis transitariam sem quaisquer entraves no seu seio. Ver, sobre a matéria, Pedro M. H. Molina, ob. cit., págs. 223 e segs., e Jean-Pierre Bours, "L'application de la loi fiscale - Investigations fiscales et droit au secret", em Actualités du Droit, Revue de la Faculté de Droit de Liége, 1993-2, págs.
381 e segs..
(42) A Lei nº 4/83, de 2 de Abril impõe aos titulares de cargos políticos que enumera a apresentação, no Tribunal Constitucional, no início e no termo das suas funções, de uma declaração do seu património e dos seus rendimentos. Nos termos do nº 2 do artigo 5º da citada Lei têm aceso a essa declaração, entre outros, quaisquer cidadãos que justifiquem interesse relevante no respectivo conhecimento. Cfr. Miguel Lobo Antunes, " Acesso às declarações do património e dos rendimentos dos titulares de cargos políticos", em Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional,
Aequitas/Editorial Notícias, Lisboa, 1993, págs. 292 e segs..
(43) A. DE MORAIS SILVA, Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, vol. II, 105.
(44) Dispõe o artigo 10º do Código de Processo Tributário que «são sujeitos passivos das relações tributárias os contribuintes, incluindo os substitutos e responsáveis, bem como outras pessoas sobre as quais recaiam obrigações daquela natureza:.
(45) A. BRÁS TEIXEIRA, Princípios de Direito Fiscal, vol. I, 3ª edição, 1991, pág. 177. Ver ainda N. SÁ GOMES, Curso de Direito Fiscal, 1980, págs. 595 e segs.
(46) Ob. cit., págs. 547 a 552.
(47) Ob. cit., pág. 527.
(48) Loc. cit., págs. 17 e segs., que acompanharemos nesta parte.
(x) «É que os receios inerentes ao tratamento informatizado de dados também têm sentido no tocante às pessoas colectivas [...]:.
(x1) «Claro que, como se sublinhou, nunca poderão ser abrangidas pelo princípio da confidencialidade fiscal situações a que possa haver acesso público. Cfr., nomeadamente, artigo 3º do Cód. Reg. Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 403/86, de 3 de Dezembro:.
(49) O artigo 57º do Decreto-Lei nº 408/93, de 14 de Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, revogou diversas disposições do Decreto-Lei nº 363/78, mas manteve o referido artigo 30º.
(50) O Decreto-Lei nº 256/91, de 6 de Agosto, alterou algumas disposições do Decreto-Lei nº 463/79, mas não o referido nº 5 do artigo 8º deste diploma legal.
(51) O desrespeito desses princípios constitucionais implica a inconstitucionalidade das respectivas normas - artigo 277º, nº 1, da Constituição da República.
(52) Vejam-se os autores e lugar citado no ponto 5.1 e nota (27), aqui seguidos de perto.
(53) Cfr. o artigo 30º, alínea c), do Decreto-Lei nº 363/78, citado no ponto 2.4., em conformidade com a alínea e) do nº 4 e o nº 9 do artigo 3º do Est. Disc. da Função Pública (Dec.-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro), que estabelecem e definem o dever de sigilo (dos funcionários e agentes da Administração Pública) como o dever de «guardar segredo profissional relativamente aos factos de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções e que não se destinem a ser do domínio público:.
(54) Por se não tratar de dados confidenciais mas, sim, de dados publicitáveis, tal como resulta do anteriormente exposto, podem ter acesso (por consulta ou documento comprovativo) aos elementos constantes das inscrições matriciais o sujeito passivo ou qualquer titular de um interesse directo, pessoal e legítimo (artigo 32º do Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro, em conformidade com os citados artigos 268º, e nº 1, da C.R.P., e 61º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo).
(55) O nº 1 do artigo 4º da Lei nº 65/93 dá-nos um conceito muito amplo de «documento administrativo:, abrangendo quaisquer suportes de informação ou registos elaborados ou detidos pela Administração, designadamente processos, relatórios, actas, autos ou outros elementos de informação.
(56) V., nesta parte, ALFREDO GASPAR, Estatuto da Ordem dos Advogados, Jornal do Fundão Editora, págs. 90 e segs.
(57) A este propósito escreveram os autores citados no ponto nº 5.1 e nota (25):
«Quando se tratar de dados de carácter fiscal relativos à situação tributária de um contribuinte de carácter sigiloso, o advogado, dispensado sempre de apresentar procuração, deverá formular igualmente apenas tal requerimento por escrito, mas nele inserindo necessariamente a declaração de que representa a parte.
Isto se tais dados a esta disserem directamente respeito, pois só assim se assegura a legitimidade do requerente [...].
«Quaisquer dados fiscais relativos a terceiros e que expressem a sua situação tributária, quando sigilosos nos termos explanados supra, naturalmente que não poderão, em princípio, ser objecto de qualquer informação prestada aos advogados. Estão aqui em jogo, para além da eventual falta de legitimidade, a tutela da confidencialidade relativa à vida patrimonial fiscal privada:.
(58) Cfr. nota anterior contendo doutrina aplicável também aos solicitadores.
(59) Existem, no entanto, normas especiais (inseridas nos diplomas orgânicos e funcionais dos órgãos e serviços do Estado e da Administração Pública) que prevêm esse dever de cooperação, coadjuvação, relativamente a certos órgãos ou serviços do Estado, como sejam, entre outros, o dever (das outras autoridades) de coadjuvar os tribunais (artigos 205º, nº 3, da C.R.P. e 5º da L.O.T.J.), o dever (dos órgãos e agentes das entidades públicas) de prestarem todas as informações solicitadas pelo Provedor de Justiça (artigo 29º, nº 1, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril), o dever (de todas as entidades públicas) de cooperarem com os deputados no exercício das suas funções (artigo
12º, nº 3, da Lei nº 7/93, de 1 de Março).
(60) Anotando a alínea d) do artigo 159º da Constituição da República, escrevem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, (Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª edição, 1993, pág. 636):
«Não restam dúvidas de que os deputados têm o poder de requerer e o de obter os elementos, informações e publicações oficiais. Por analogia, também eles devem ser fornecidos «em prazo razoável:. De igual modo, há- de considerar-se invocável o «segredo de Estado: como limite ao acesso aos elementos requeridos. Por outro lado, parece tratar-se de um direito individual dos deputados, que deve ser individualmente satisfeito:.
(61) Normas idênticas às constantes do artigo 12º da Lei nº 3/85, de 13 de Março, anterior Estatuto dos Deputados.
(62) O regime do «segredo: perante as Comissões Parlamentares de Inquérito é objecto de estudo em Parecer pendente neste Conselho Consultivo.
(63) Este nº 2 do (actual) artigo 12º do Estatuto do Provedor de Justiça é idêntico ao nº 2 do artigo 7º da Lei nº 45/86, de 1 de Outubro (Estatuto da extinta Alta Autoridade contra a Corrupção).
Dispunha este artigo 7º, epigrafado de «dever de sigilo::
«1.A Alta Autoridade e todos os seus agentes ou auxiliares estão vinculados ao dever de absoluto sigilo relativamente aos factos de que tenham tido conhecimento no exercício ou por causa do exercício das suas funções, em especial o segredo de justiça.
2.O dever de sigilo não expressamente protegido pela Constituição e pela lei de quaisquer cidadãos ou entidades e o sigilo bancário cedem perante o dever de cooperação com a Alta Autoridade, no âmbito da competência desta.
3.Do exercício do direito de acesso a esclarecimentos e elementos em poder das entidades referidas no nº 3 do artigo 6º são ressalvados os que constituam segredo de Estado:.
Este artigo 7º era antecedido (artigo 6º) de disposição que consagrava o «dever especial de colaboração: com a Alta Autoridade, por parte das «entidades públicas, designadamente das dotadas de poderes de investigação judiciária, policial, de inquérito, de inspecção ou de fiscalização: (nº 1), podendo a Alta Autoridade «requisitar às entidades públicas: «quaisquer investigações, inquéritos, sindicâncias, peritagens, análises, exames ou diligências técnicas necessárias: (nº 2). As «entidades públicas: referidas no nº 1 ficavam «obrigadas a prestar e a fornecer à Alta Autoridade os esclarecimentos e elementos ao seu dispor, bem como atender às solicitações por ela formuladas, no âmbito das suas atribuições: (nº 3), incorrendo os responsáveis pelo não cumprimento do disposto no número anterior nas penas correspondentes ao crime de desobediência qualificada, bem como na responsabilidade disciplinar que no caso coubesse (nº 4).
(64)Cfr. «D.A.R.:, I Série, nº 95, de 5/7/90, pág. 3277, intervenção do Deputado Alberto Martins (PS), na discussão na generalidade da Proposta de Lei nº 112/V e dos Projectos de Lei nºs 175/V (PS) e 402/V (PCP).
(65) Essa norma, o referido nº 2, constituía o nº 2 do artigo 11º do Projecto de Lei nº 175/V, apresentado pelo PS («Diário da Assembleia da República:, V legislatura, 1ª Sessão legislativa, II Série, nº 46, de 6/2/88, págs. 898 e segs.).
(66) Por «autoridade judiciária: entende-se, nos termos da alínea b) do artigo 1º do Código de Processo Penal, o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público.
(67) Escrevem os autores referidos no ponto 5.1., na página 32 do lugar citado na nota (27), «parece dever caber aos Tribunais, em última análise, a qualificação da natureza confidencial dos dados ou informações solicitados. Tal implica que a recusa deixe de ser legítima, sempre que o dado não for tido por sigiloso pelo Tribunal, incorrendo virtualmente o funcionário da Administração Fiscal no crime de desobediência: (cfr. artigo 388º do Código Penal).
(68) Note-se que «são aplicáveis aos tribunais administrativos e fiscais, no que não estiver especialmente previsto, as disposições relativas aos tribunais judiciais que sejam adequadas: - artigo 13º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.
(69) Cfr. o artigo 340º do Código de Processo Penal - «1. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa [...]:.
(70) Veja-se a situação prevista no artigo 23º, nº 4, do Decreto-Lei nº 387-B/87.
(71) Cfr., confirmando esta conclusão, o artigo 82º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (L.P.T.A.), ao estatuir que, «a fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos, devem as autoridades públicas facultar, a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, no prazo de 10 dias, salvo em matérias secretas ou confidenciais.
(72) Também no domínio do processo de impugnação no contencioso tributário, artigos 120 e segs. do Código de Processo Tributário, a detentora do «segredo:, a Repartição de Finanças, onde for apresentada a impugnação, remeterá a juízo os «documentos de que disponha e repute convenientes para o julgamento: - alínea d) do artigo 129º.
(73) Ver Rodrigo Santiago, "Do crime de violação de segredo profissional no Código Penal de 1982", Coimbra, 1992, págs. 146 e segs.. Adriano de Cupis, "Os direitos da personalidade", tradução, Lisboa, 1961, pág. 53, referindo-se aos direitos da personalidade, escreve:
«este consentimento não produz a extinção do direito, e tem um destinatário que beneficia dos seus efeitos.
Quando se consente na lesão de um direito, tal consentimento é dado a uma pessoa ou mais pessoas, as quais poderão, assim, legitimamente, efectuar a lesão
(..), sem que por isso se queira produzir a extinção do direito:.
Anotações
Legislação: 
CRP76 ART24 ART26 ART34 ART35 N3 ART159 D ART168 N1 ART205 N3 ART221 ART268 N1 N2 ART277 N1. CIRSP88 ART110 N1.
CCOM888 ART41. CPP87 ART1 ART135 ART136 ART182 ART340.
CP82 ART185 ART388. CPADM91 ART61 ART65. L 28/94 DE 1994/08/29.
CRCOM86ART1 ART3 ART70 ART71 ART72 ART73.
CPCI63 ART14 B. CPTRIB91 ART10 ART17 ART120.
EOADV84 ART63 N1. L 81/77 DE 1977/11/22 ART10 ART27 ART28.
ETAF84 ART13. L 36/94 DE 1994/09/29 ART5.
EDF84 ART3 N4 E N9. L 45/86 DE 1986/10/01 ART6 ART7 N2.
CCIV66 ART9 ART75 ART76 ART77 ART78 ART80. L 4/83 DE 1983/04/02.
CPC67 ART519 ART535 ART536. L 28/84 DE 1984/08/14 ART43.
LPTA85 ART82. L 3/85 DE 1985/03/13 ART12.
LOMP86 ART3. L 37/90 DE 1990/08/10. DL 47749 1967/06/06.
LOTJ87 ART5 ART102. L 28/89 DE 1989/08/14 ART43 N1. * CONT REF/COMP
Jurisprudência: 
AC TC 394/93 DE 1993/03/16 IN DR IS-A N229 DE 1993/09/29.
AC TC 176/92 DE 1992/05/07.
AC STJ DE 1980/04/10 IN BMJ 296 PAG190.
AC STJ DE 1981/11/04 IN BMJ 311 PAG267.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL / DIR CONST * DIR FUN / DIR PROC * CONT REF/COMP*****
CONV EUR PARA PROTECÇÃO DAS PESSOAS RELATIVAMENTE AO TRATAMENTO AUTOMÁTICO DE DADOS DE CARÁCTER PESSOAL CE ESTRASBURGO 1988/01/28 CEDH ART8
AC SUNDAY TIMES TEDH SÉRIE A N30 PAG30 PAR47*****
* CONT ANJUR
PENAL / DIR FISC * CONTEN FISC.
* CONT REFLEG
DL 47749 1967/06/06. L 7/93 DE 1993/03/01 ART12 N3.
L 9/91 DE 1991/04/09 ART1 ART2 ART3 ART12 ART20 ART21 ART28 N1 ART29 N1 ART30. DL 442-C/88 DE 1988/11/30 ART32.
L 10/91 DE 1991/04/29 ART2 ART3 ART4 ART8 ART11 ART13 N1 ART15 ART27 ART32. L 65/93 DE 1993/08/26 ART4 ART5 ART6 ART7 ART8.
DL 42/89 DE 1989/02/03 ART22 ART30 ART36 ART37 ART38 ART39 ART40 ART59 ART60. DL 295-A/90 DE 1990/09/21 ART7 N3.
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DL 408/93 DE 1993/12/14 ART57.
DRGU 27/93 DE 1993/09/03 ART2 N1 ART4 ART5 ART9 ART13.
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