Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
12/1994, de 28.04.1994
Data do Parecer: 
28-04-1994
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
Conclusões: 
1 - A actividade militar de exercício de tiro com obus 8,8, tal como resulta dos elementos disponíveis, não integra em si uma situação enquadrável no disposto no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - A qualificação como deficiente das Forças Armadas, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 exige um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;
3 - O acidente que afectou o 2º Sargento (...), em 21 de Dezembro de 1968, em Moçambique, ocorreu nas circunstâncias descritas na conclusão 1ª e determinou-lhe um grau de incapacidade de ganho de 5%, pelo que não deverá aquele militar ser qualificado deficiente das Forças Armadas ao abrigo das referidas disposições legais.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:

1 - (...), 2º Sargento NIM (...), requereu a revisão do processo por acidente de que foi vítima, ocorrido em Moçambique, em 21 de Dezembro de 1968, para que o mesmo seja considerado como tendo ocorrido em serviço de campanha ou em situação de risco agravado.

A fim de ser submetido a parecer do Conselho Consultivo, nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-se Vossa Excelência determinar o envio do respectivo processo à Procuradoria-Geral da República.
Cumpre, por isso, emiti-lo.

2 - Da consulta dos autos extrai-se com interesse a seguinte matéria fáctica:
- no dia 21 de Dezembro de 1968, na zona de Moeda,
Moçambique, procedeu-se, sob o comando do requerente, a exercícios de tiro com um obus 8,8;
- aquando do disparo de um segundo tiro, o militar sentiu uma dor intensa no seu ouvido direito, com extensão por toda a cabeça;
- nos dias seguintes sentiu fortes dores de cabeça e ouvido, o que o levou a solicitar tratamento hospitalar;
- o militar baixou, em 12 de Fevereiro de 1969, ao Hospital de Nampula, sendo-lhe aí diagnosticada hipoacúsia bilateral;
- permaneceu no hospital até Março de 1969, altura em que teve alta;
- voltou a ser internado em 22 de Abril seguinte até 3 de Maio de 1969, sendo nesta última data dado como portador de um nível de audição compatível com todo o serviço militar;
- já no decurso do processo de revisão, em Março de 1993, o requerente foi presente à JHI/HMP, que o julgou incapaz para todo o serviço militar, mas apto para o trabalho com uma desvalorização de 5% (cinco por cento), por hipoacúsia moderada no ouvido direito de tipo sono-traumático;
- este parecer foi homologado por despacho de 3 de Junho de 1993 do DSP;
- a CPIP/DSS, no seu parecer de 13 de Maio de 1993, considerou que a doença do militar atrás referida resultou das lesões sofridas em 21 de Dezembro de 1968;
- a Repartição de Justiça e Disciplina, na sua informação de 19 de Outubro de 1993, considera que o acidente merece ser qualificado de situação de risco agravado equiparável a uma actuação em campanha, porquanto "tal treino é efectuado em simulação de situações reais, envolvendo natural perigosidade para quem maneja ou, no caso concreto, ordena ou comanda o manejamento de tais equipamentos".

3 - Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria nº 114/79, de 12 de Março.
Dispõe o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76:

"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

E acrescenta-se no artigo 2º, nº 1, alínea b):

"1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que: a) (...) b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo esclarecem:

"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas sua características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.

"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

4 - O grau de incapacidade geral de ganho mínimo de
30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das forças armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.

Nem sempre assim aconteceu, porquanto na vigência de diplomas anteriores, com idênticos objectivos, não se encontrava estabelecido tal limite mínimo.

Como se afirmou em anteriores pareceres, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das forças armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando- os em dificuldades profissionais e sociais". E observou- se que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das forças armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma"


(1). Ressalvam-se, porém, as situações de qualificação automática - artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76 -, aqui não verificada, por falta, à data da sua entrada em vigor, dos pressupostos legais da qualidade de "deficiente" previstos no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, e na Portaria nº 619/73, de 12 de Setembro (2).

Deste modo, o grau de incapacidade de 5% atribuído ao requerente torna legalmente inviável a qualificação desejada.

Não obstante, e à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, sempre se abordará, ainda que sumariamente, a questão da qualificação do acidente que se encontra na base da pretensão.

5 - Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2 e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ele relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos,
àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".

"Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (3).

Em conformidade com o exposto, igualmente se tem ponderado que o risco agravado, superior ao risco genérico da actividade militar, é incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender-se em sede de objectividade.

6 - Este Conselho Consultivo teve já oportunidade de apreciar acidentes ocorridos em carreiras de tiro, tendo firmando doutrina no sentido de que os mesmos não configuram, em regra, situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 (4).

Pondera-se, com efeito, que o tiro realizado nesses locais especialmente adequados e apetrechados, rodeados de requisitos de segurança própria da rotina da função militar, só excepcionalmente dão lugar a acidentes.

7 - No caso dos autos, o exercício de tiro não está suficiente caracterizado, mormente não é claro que ocorresse em carreira de tiro devidamente apetrechada para tal fim.
Contudo, não há a mínima referência sobre o agravamento das condições em que decorreu aquele exercício, e muito menos que um eventual perigo do exercício decorresse da circunstância de ser efectuado numa zona considerada de campanha a 100%.

O que o processo revela é que se tratava de um exercício de tiro com um obús de 8,8, uma actividade que não encerra, por si, qualquer risco superior aos das actividades militares correntes, uma das quais é precisamente o manejo e utilização de armas de fogo, onde o único risco é o que resulta de ocasionais acidentes, emergentes de deficiente manejo ou de imprevista avaria.

E, os militares não ficam sujeitos, em tais circunstâncias, à acção dos disparos, não podendo equiparar-se, por isso, essa situação à dos exercícios de fogos reais em que cada um dos militares que neles participa se arrisca a ser atingido, no contexto do exercício, pelo disparo real de um suposto inimigo, tal como numa acção em campanha.

Como se escreveu no Parecer nº 192/80 (5):

«A simples instrução de manejo e utilização de armas, ainda que pesadas, envolvendo disparos reais, equipara-se, antes, à de exercícios de tiro em carreira que este corpo consultivo tem uniformemente considerado como simples actividade castrense corrente, que não envolve risco superior aos demais actos dessa natureza (-).

«Com efeito, tanto nos exercícios em carreira, como nos de manejo e utilização de armas com efectivação de tiros, os que neles participam não se encontram sujeitos a qualquer acção de fogo, limitando-se, neste domínio, ou a fazer disparos ou a eles assistir, devidamente resguardados.....

«O único risco a que se encontram sujeitos é o de eventual mau funcionamento da arma ou de negligência própria ou de terceiro que é objectivamente inerente ao comum das actividades militares correntes e que, por isso, não releva para efeitos do disposto no nº 4 do artº
2º, referido ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76:.

Em resumo: o estado de saúde do requerente, gerador da sua incapacidade para o serviço militar, não decorre de especiais condições de agravação do risco a que foi exposto no exercício das suas funções militares, tomadas estas em sentido objectivo, ou seja, caracterizadas por um conjunto de circunstâncias que excederam sensivelmente o risco normal da actividade militar (6).

8 - Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões :

1ª - A actividade militar de exercício de tiro com obus
8,8, tal como resulta dos elementos disponíveis, não integra em si uma situação enquadrável no disposto no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª - A qualificação como deficiente das Forças Armadas, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo
1º do Decreto-Lei nº 43/76, exige um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3ª - O acidente que afectou o 2º Sargento (...), em
21 de Dezembro de 1968, em Moçambique, ocorreu nas circunstâncias descritas na conclusão 1ª e determinou- lhe um grau de incapacidade de ganho de 5%, pelo que não deverá aquele militar ser qualificado deficiente das Forças Armadas ao abrigo das referidas disposições legais.


1) Parecer nº 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, I Série, nº 244, de 23.10.78, pág. 6414, cujos termos foram retomados, mais recentemente, nos pareceres nºs 113/87, de 28.04.88, e 154/88 ,de 9.02.89, homologados e não publicados.
Cfr. ainda os pareceres nºs 207/77, de 27.10.77, e 51/87, de 17.06.87, todos homologados e o último publicado no Diário da República, I Série, nº 219, de 23.04.87, pág. 11559, nos quais se versou a matéria do limite mínimo de incapacidade.
2) Sobre este ponto, vejam-se os pareceres nº 38/89, de 25.01.90, homologado, não publicado, nº 42/90, de 27.9.90, nº 93/90, de 25.10.90, e o acórdão do STA, de 29.09.88, no processo nº 24843, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 379, pág. 496, bem como os acórdãos STA, de 14.06.85 e .de 10.07.86 e ainda o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 14.07.88 (Processo nº 19361).
3) Dos pareceres nº 55/87, de 29 de Julho de 1987, e nº 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva.
Cfr. também o parecer nº 10/89, de 12.04.89.
4) Cfr., entre outros, os pareceres nºs 78/76 e 99/76 (ambos de 30/7/76), 207/76 (de 13/1/77), 102/77 (de 7/12/77), 162/77 e 179/77 (ambos de 27/10/77), 220/77 e 243/77 (ambos de 2/12/77), 103/89 (de 25/1/90), 46/90
(de 27/9/90) e 18/92 (de 28/5/92).
5) De 15/1/81.
6) Cfr. citado parecer nº 18/92.
Anotações
Legislação: 
DL 210/73 DE 1973/05/09.
PORT 619/73 DE 1973/09/12.
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 B N2 N3 N4 ART18 N1.
PORT 162/76 DE 1976/03/24 N1 N3.
PORT 114/79 DE 1979/03/12.
Jurisprudência: 
AC STA DE 1988/09/29 IN BMJ 379 PAG496.
AC STA DE 1985/06/14.
AC STA DE 1986/07/10.
AC STATP DE 1988/07/14.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.*****
*CONT REFPAR
P 001921980
P 000511987
P 000551987
P 000801987
P 001131987
P 001541988
P 000101989
P 000381989
P 001031989
P 000421990
P 000461990
P 000931990
P 000181992
Divulgação
3 + 4 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf