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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
3/1995, de 09.02.1995
Data do Parecer: 
09-02-1995
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
LUCAS COELHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
RISCO AGRAVADO
NEXO DE CAUSALIDADE
Conclusões: 
1 - O exercício de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - A qualificação como deficiente das Forças Armadas exige a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;
3 - O acidente de que foi vítima o ex-soldado pára-quedista NIM (...), ocorreu em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão 1ª, mas determinou-lhe uma incapacidade de 10%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:


I

A fim de ser submetido a parecer deste Conselho Consultivo, nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-se Vossa Excelência determinar o envio à Procuradoria-Geral da República do processo respeitante ao ex-soldado pára-quedista NIM (...).

Cumpre emiti-lo:


II

Dos elementos juntos a esse processo colhem-se, com interesse, os seguintes factos:


1. No dia 17 de Abril de 1964, participando em serviço numa sessão de saltos em pára-quedas de abertura automática na Z.L. da B.A. nº 3 (Tancos), cerca das 11,30, o militar aludido efectuou uma aterragem de maneira deficiente, fracturando o braço direito.

2. Segundo os exames médicos a que foi submetido, resultaram-lhe da lesão 213 dias de doença, dos quais 191 com incapacidade total para o serviço, ficando curado das lesões sem aleijão, deformidade ou outra incapacidade.

3. O acidente foi considerado em serviço, sem culpa do sinistrado ou de outrem;


4. Em 6 de Setembro de 1993,(...) requereu a revisão do processo, invocando agravamento progressivo e irreversível e sequelas das lesões sofridas no acidente descrito;

5. Submetido a exame médico, a Junta de Saúde da Força Aérea, em 22 de Setembro de 1994, diagnosticou sequelas da fractura do colo do úmero direito, declarando-o incapaz de todo o serviço militar, e atribuindo-lhe um coeficiente de desvalorização de 0,10;

6. Considerou-se que as lesões e seu agravamento, com a desvalorização aludida, resultaram do aludido acidente, ocorrido em serviço.


III

Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs. 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, na redacção da Portaria nº 114/79, 12 de Março.

Dispõe o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76:
"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:


No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:


Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;


Na manutenção da ordem pública;


Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

E acrescenta o artigo 2º, nº 1, alínea b):

"1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que: a) (...) b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:

"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.


"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".


IV

O grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das Forças Armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.

Nem sempre assim aconteceu, porquanto na vigência de diplomas anteriores, com idênticos objectivos, não se encontrava estabelecido tal limite mínimo.

Como se afirmou em anteriores pareceres, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das forças armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando- os em dificuldades profissionais e sociais". E observou- se que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das forças armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma" (1).

Ressalvam-se, porém, as situações de qualificação automática - artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76 -, o que não é o caso em análise.

Confirmando tal interpretação, no nº 4 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, afirma-se expressamente que nos casos de revisão do processo "a apreciação será feita pela nova definição de DFA, constante do artigo 1º e complementado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro", salientando-se, em concreto, a "verificação da capacidade de percentagem atribuída".

Deste modo, o grau de incapacidade de 10% atribuído ao requerente torna legalmente inviável a qualificação desejada.

Não obstante, e à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, sempre se abordará, ainda que sumariamente, a questão da qualificação do acidente que se encontra na base da pretensão.

V

Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".

"Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas"(2).

Na sequência do exposto, tem este corpo consultivo considerado, com significativa frequência e uniformidade, "constituir o salto em pára-quedas de uma aeronave em voo, não obstante todas as condições de segurança de que possa ser rodeado e a perícia, por mais apurada que seja, de quem o executa, um verdadeiro salto no desconhecido porque sujeito aos mais diversos imponderáveis que escapam ao controlo humano o que, objectivamente, configura uma situação de risco tal que, pela sua gravidade, o deixa identificar naturalmente com o das situações de campanha" (3).

Ademais, "na generalidade dos casos, os acidentes vêm descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observadas as regras técnicas e de segurança, ausência de culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes (fortes rajadas de vento, dificuldades na abertura do pára-quedas ou "enganche" noutros). Estes factores aparecem de tal modo ligados ao processo causal normal, típico, que não podem ser considerados imprevistos ou ocasionais" (4).


Em suma, aplicando esta doutrina, o Conselho tem vindo a entender que o risco inerente ao salto em pára- quedas de uma aeronave em voo surge agravado relativamente ao comum das actividades castrenses, em termos de permitir a sua equiparação abstracta a qualquer das outras actividades directamente contempladas na lei.


Configura-se, nos termos expostos, uma situação de risco agravado.

VI

Do exposto se conclui:


1. O exercício de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2. A qualificação como deficiente das Forças Armadas exige a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3. O acidente de que foi vítima o ex-soldado pára- quedista NIM (...), ocorreu em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão 1ª, mas determinou-lhe uma incapacidade de 10%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.



VOTOS

(António Gomes Lourenço Martins - Vencido. Ao que me parece, o Conselho Consultivo vinha entendendo uniformemente que o salto em pára-quedas é uma actividade que se apresenta como revestindo características que permitem equipará-la em abstracto a outras expressamente contempladas na lei como de risco agravado. Fundamentando tal asserção invocava sistematicamente que os acidentes apareciam "descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observados às regras técnicas e de segurança, ausência de culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes (fortes rajadas de vento, dificuldades na abertura do pára-quedas ou "enganche" noutros"", factos de tal modo "ligados ao processo causal normal, típico" que não podiam ser considerados imprevistos ou ocasionais - cfr., v.g., os Pareceres nºs 51/94; 59/94 e 60/94, como mais recentes.
Por outro lado, acentuou-se com certa frequência que compete à Administração apreciar a existência de um duplo nexo de causalidade entre a situação de risco e o acidente e entre este e as lesões sofridas.
Desde o voto anexo ao Procº nº 116/85, de 30.01.86, homologado em 25.03.86, não publicado que venho entendendo, em síntese, que o salto de pára-quedas de aeronave em voo constitui, em princípio, uma actividade que envolve um risco superior ao que é comum ao das actividades correntes do serviço militar. Só que não basta fazer a afirmação de que sendo o salto em pára-quedas um "salto no desconhecido" está desde logo implícito que todo e qualquer acidente que se verifique - e deixa-se de lado agora a inobservância das regras de segurança ou a culpa grosseira do sinistrado - é tributário daquela qualificação de risco agravado. É necessário, além disso, que se ateste em concreto que todo o processo causal decorreu dentro da tipicidade, o mesmo é dizer da idoneidade para produzir aquele resultado. Dizendo pela negativa: se o acidente se ficou a dever a um risco que embora iniciado com o salto em pára-quedas se situa na orla exterior do processo então falta aquele nexo causal que liga a actividade em princípio de risco agravado, ao resultado.
Por via de regra, como se disse, os acidentes vêm descritos com aqueles ingredientes de perigosidade, não se suscitando dúvidas mesmo para aqueles que defendam um critério mais estrito de apreciação. As dúvidas colocam-se nos casos-limites, como o do presente parecer, em que o então militar aterrou "de maneira deficiente". Desconhece-se, aliás, o conteúdo de tal expressão em termos de explicação mínima das razões que originaram essa aterragem deficiente.
Partindo mesmo da suposição que o salto de pára-quedas praticado no seio das Forças Armadas não é uma actividade cada vez mais controlada e segura, haverá que olhar com particular atenção para a teleologia da norma em causa, o nº 4 do citado artigo 2º, conjugado com o excerto respectivo do nº 2.
Para que o risco possa ser equiparável ao das situações de serviço de campanha, em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, prisioneiro de guerra, manutenção da ordem pública, prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública, é necessário que o exercício de funções militares "pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei".
Porque se tratava de uma cláusula de tipo mais genérico as exigências legais parece terem aumentado, com referência expressa à natureza (índole) do serviço, ao nexo de causalidade e às circunstâncias que o rodeiam, tudo a apontar para condições revestidas de suficiente objectividade.
Mas para além disso - e é agora o mais importante - impõe-se que resultado final atingido seja identificável com o espírito da lei.
Ora o espírito da lei é, sem dúvida, o de compensar com um estatuto (de deficiente das Forças Armadas) de conteúdo remuneratório e de apoio social suplementar, aqueles casos em que objectivamente o militar foi colocado em condições de particular risco para a sua segurança pessoal, até mesmo para a sua vida. Com o devido respeito, a fractura de um braço provocado por uma aterragem deficiente (cujas causas se desconhecem) por certo representa um acidente em serviço, mas configurá–lo em termos de teoricamente - no caso concreto falha o grau de desvalorização mínima - poder originar aquela qualificação não se identifica, ao meu ver, com o espírito da lei. Será mesmo a desvirtuação desse espírito, podendo levar a situações de injustiça relativa flagrante.
Dir-se-ia mesmo que a evolução da tese do Conselho, considerando agora suficiente, sem mais, o mero salto em pára–quedas sem referência sequer aos típicos ingredientes de risco normalmente associados, para fundar a equiparação a "risco agravado" corre, por seu lado, o risco também agravado de gerar mais injustiças em comparação com outros acidentes de serviço.

(António Silva Henriques Gaspar - Vencido, nos termos e pelos fundamentos constantes do voto do Exmº Colega Dr. Lourenço Martins, assim tornando explícito o entendimento que considerei pressuposto na apreciação de várias situações anteriores nas quais, perante a matéria de facto apreciado, votei sem qualquer declaração.




1) Parecer nº 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, II Série, nº 244, de 23.10.78, pág. 6414, cujos termos foram retomados nos pareceres nºs 113/87, de 28.04.88, não publicado, e nº 153/88, de 2.02.89, publicado no Diário da República, II Série, nº 224, de 28.9.89, pág. 9808.
Cfr. ainda os pareceres nºs 207/77, de 27.10.77, e 51/87, de 17.06.87, homologados e o último publicado no Diário da República, II Série, nº 219, de 23.04.87, pág. 11559, nos quais se versou a matéria deste limite mínimo de incapacidade. Mais recentemente, cfr. os pareceres nºs 44/89, de 11.05.89, 25/90, de 12.07.90, 89/91, de 30.01.92, 24/92, de 7.09.92 e 40/93, de 1.07.93, todos homologados mas não publicados.

2) Do parecer nº 57/94, de 27 de Outubro de 1994, louvando-se, directa ou indirectamente, noutros desta instância consultiva para que se remete.

3) Assim se ponderou, por exemplo, no parecer nº 116/85, de 30 de Janeiro de 1986, tal como noutros anteriores e posteriores.

4) Do parecer nº 47/94, de 24 de Novembro de 1994.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 B N2 N3 N4.
PORT 162/76 DE 1976/03/24.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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