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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
83/1993, de 10.05.1995
Data do Parecer: 
10-05-1995
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
LUÍS DA SILVEIRA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
BANCO DE FOMENTO E EXTERIOR
ESTADO
SECTOR PÚBLICO
SECTOR EMPRESARIAL DO ESTADO
EMPRESA PÚBLICA
SOCIEDADE DE CAPITAL PÚBLICO
SOCIEDADE DE CAPITAIS EXCLUSIVAMENTE PÚBLICOS
SOCIEDADE DE CAPITAIS MAIORITARIAMENTE PÚBLICOS
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
MEMBRO
FUNÇÃO EXECUTIVA
DESIGNAÇÃO
ELEIÇÃO
NOMEAÇÃO ENTIDADE PÚBLICA
ALTO CARGO PÚBLICO
GESTOR PÚBLICO
ACUMULAÇÃO DE CARGOS
INCOMPATIBILIDADE
ACTIVIDADE PRIVADA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Conclusões: 
1ª - As sociedades anónimas contempladas no artigo 3º da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, são aquelas cujo capital pertença, por força da lei ou dos estatutos, exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas.
2ª - De acordo com este critério, encontram-se abrangidos pela previsão desta norma tanto o Banco de Fomento e Exterior, S.A., como o IPE - Investimentos e Participações Empresariais, S.A. - embora este último apenas a título transitório, até à total alienação das participações directamente nacionalizadas que detenha;
3ª - São titulares de altos cargos públicos, para efeitos da mencionada Lei, os seguintes membros de conselhos de administração das sociedades referidas na conclusão 1ª:
a) Os respectivos presidentes;
b) Os restantes membros, desde que exerçam, a título singular, actividades de aplicação, através de actos materiais ou jurídicos, de decisões dos órgãos deliberativos da sociedade, e hajam sido designados por entidades públicas, nomeadamente nos termos dos artigos 390º, nº 4, e 392º, nº 11, segunda parte, do Código das Sociedades Comerciais;
4ª - São de considerar entidades públicas para efeitos da parte final da alínea b) da conclusão antecedente as mencionadas no artigo 2º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo, as demais pessoas colectivas de direito público, e ainda as integradas no sector empresarial do Estado, que compreende não só as empresas públicas como as indicadas na conclusão 1ª;
5ª - A incompatibilidade estabelecida no nº 1 do artigo 7º da Lei nº 64/93, em relação aos titulares de altos cargos públicos, reporta-se a quaisquer actividades de natureza regular e duradoura, susceptíveis de serem remuneradas;
6ª - Estão, pois, excluídas dessa incompatibilidade, as realizadas a título esporádico ou pontual, tais como a participação em conferências, seminários ou cursos de curta duração;
7ª - A mesma incompatibilidade não atinge, também, a docência no ensino superior, público, particular ou cooperativo, universitário ou não, nem a actividade de investigação científica, ainda que remuneradas;
8ª - Os titulares de altos cargos públicos que sejam membros de conselhos de administração de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos podem exercer actividades, especificamente discriminadas, abrangidas pelo nº 1 do artigo 7º da Lei nº 64/93, desde que autorizados pela entidade que os haja designado e pela assembleia geral dessas empresas.
Texto Integral
Texto Integral: 
 Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:
 
1
O Presidente do IPE - Investimentos e Participações Empresariais, SA, e o Conselho de Administração do Banco de Fomento e Exterior expressam um conjunto de dúvidas que lhes têm surgido quanto à interpretação e aplicação da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, que estabeleceu o actual regime de incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Sobre essas exposições foi elaborada na Assessoria de Vossa Excelência a Informação nº 104/93, de 3 de Dezembro, que concluiu propondo a audição deste Conselho acerca das questões postas, com excepção da respeitante à aplicação da Lei 64/93 às situações já existentes no momento da sua publicação, a qual já fora abordada em anteriores pareceres deste corpo consultivo.
Sobre essa Informação proferiu Vossa Excelência despacho de concordância em 6 de Dezembro de 1993.
Cumpre, pois, emitir parecer.
 
2.
2.1. As dúvidas referidas nas duas mencionadas exposições são, em síntese, as seguintes:
a) Qual o significado da expressão "sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos" utilizada no nº 1 do artigo 3º da Lei n º 64/93, alíneas a) e b)?
Concretamente, cabem ou não o IPE e o Banco de Fomento e Exterior nessa noção?
b) Que sentido útil pode conferir-se à expressão "qualquer que seja o modo da sua designação", constante da alínea a) do nº 1 do citado artigo 3º, enquanto reportada aos presidentes de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritaria-mente públicos?
c) Tratando-se de outro "membro de conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos" (alínea b) do nº 1 do artigo 3º):
C.1) Em que termos pode surgir a eventualidade de ele ser "designado por entidade pública"?
C.2) Que realidades abrange, de todo o modo, esta noção de "entidade pública"?
C.3) Que quis o legislador dizer ao falar de "qualquer que seja a sua titularidade"?
C.4) Qual o objectivo e alcance da exigência traduzida na fórmula "desde que exerçam funções executivas"?
d) Relativamente à incompatibilidade definida no artigo 7º do diploma em causa:
d.1) Qual o exacto âmbito dessa limitação, enquanto reportada a "quaisquer outras funções remuneradas"?
d.2) Qual o âmbito e justificação da excepção, a tal incompatibilidade, relativa às "actividades de docência no ensino superior e de investigação" (nº 2)?
d.3) É porventura redundante a dupla autorização prevista nos nºs. 3 e 4 do preceito em questão?
 
2.2. As consultas a que o presente parecer se refere suscitavam ainda uma outra questão, que está, contudo, presente-mente ultrapassada.
Tratava-se da questão de saber se o regime da Lei nº 64/93 seria ou não aplicável às situações existentes à data da sua entrada em vigor e não contempladas na legislação anterior.
Este Conselho pronunciou-se - afirmativamente - sobre a matéria nos seus pareceres nºs 62/93, de 14 de Janeiro de 1994, e 81/93, de 10 de Fevereiro de 1994.
Posteriormente, porém, o legislador veio a ocupar-se expressamente deste problema, em termos que não deixam agora margem para dúvidas acerca da sua actual intenção sobre a solução a dar-lhe.
Fê-lo, com efeito, através da Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro de 1994 (Orçamento do Estado para 1995), cujo artigo 8º, nos seus nºs. 5 e 6, dispôs que:
 
Artigo 8º
" ................................................................................
5 - O regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos constante da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, não é aplicável, na parte em que seja inovador, às situações de acumulação validamente constituídas na vigência da lei anterior.
6 - O disposto nos nºs. 4 e 5 reporta os seus efeitos à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 443/93, de 23de Dezembro".
Ou seja:não só se estabeleceu que o regime em questão não se aplica às situações de acumulação validamente constituídas antes da sua entrada em vigor, como se estipulou a retroactividade desta norma, fazendo reportar a sua eficácia à data do início da vigência do Decreto-Lei nº 413/93, de 2 de Dezembro (1).
 
3
3.1 Cuidando de abordar, sucessivamente, as várias questões postas, comecemos pela determinação do sentido da expressão "sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos", utilizada no nº 1 do artigo 3º da Lei nº 64/93 para efeitos de atribuir ao presidente e a certos membros dos respectivos conselhos de administração a qualidade de "titular de alto cargo público" relevante na economia deste diploma.
A expressão em causa surge nas alíneas a) e b) do nº 1 do dito artigo 3º, cujo teor é o seguinte, na redacção dada pelo artigo 8º da Lei nº 39-B/94:
"Artigo 3º
Titulares de altos cargos públicos
1- Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados:
a) O presidente do conselho de administração de empresa pública e de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo da sua designação;
b) Gestor público e membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designado (2) por entidade pública , desde que exerçam funções executivas."
A alternativa apresentada quanto à interpretação da expressão acima destacada consiste em apurar se ela pode representar uma mera situação de facto, variável em função de operações de compra e venda de acções no respectivo mercado, ou se a mesma tem de corresponder a uma situação juridicamente definida, abrangendo apenas os casos em que sejam a lei (3) ou os estatutos da sociedade a determinar que o seu capital tenha de pertencer exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas.
 
3.2. - Afigura-se que a melhor interpretação é, claramente, a segunda (4).
O entendimento a ela contraposto daria azo a uma situação de insegurança deveras intolerável.
Ora é sabido como a segurança é um dos valores básicos do Direito (5).
Essa insegurança manifestar-se-ia, aliás, a dois títulos: o da susceptibilidade de constante (porventura mesmo diária) variação de situação das sociedades em causa e o da inviabilidade do atempado conhecimento, a cada momento, dessa situação.
As contingências do mercado de capitais fariam, assim, com que certa sociedade estivesse ou não incluída na previsão das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 64/93 consoante, em cada momento, ela fosse ou não titular, pelo menos maioritariamente, de capitais públicos.
A consideração deste factor revelar-se-ia contraditória com o próprio objectivo da Lei nº 64/93: o de estabelecer certas incompatibilidades e impedimentos para quem exerça determinados cargos nas sociedades em questão.
Reportando-se tais incompatibilidades e impedimentos ao desempenho de certas funções - desempenho ao qual é sempre inerente um mínimo de duração no tempo -, tornar-se-ia impossível, na prática, proceder à determinação daqueles, se dependentes duma situação fáctica variável segundo as vicissitudes da aquisição/alienação das respectivas acções .
A esta insegurança relativa às situações, em si mesmas consideradas, acresceria a insegurança respeitante ao conhecimento que acerca delas poderiam ter, em cada momento, as entidades interessadas.
Na verdade, os titulares de cargos do tipo dos previstos nas normas em apreciação precisam de saber se estão ou não afectados pelas incompatibilidades e impedimentos definidos na Lei nº 64/93, para concluir se podem ou não exercer as actividades por estes abrangidos. E o órgão fiscalizador - neste caso, a Procuradoria-Geral da República - tem de poder apurar com precisão a verificação ou não de infracção ao regime em análise, para poder decidir acerca do desencadeamento do processo sancionatório legalmente previsto.
 
3.3. Não pode olvidar-se, enfim, que, estando em causa a delimitação da noção de "altos cargos públicos", a doutrina amplamente dominante apenas considera integradas no sector público as empresas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos por força da lei ou dos estatutos, e não já aquelas em que a maioria do capital apenas "de facto", em resultado do normal funcionamento do mercado de acções, se encontre na titularidade do Estado ou de outros entes públicos.
É certo que já pelo menos uma voz se exprimiu em sentido contrário. Na verdade, SOUSA FRANCO (6), depois de proclamar que "o Sector Empresarial do Estado é constituído globalmente pelas empresas públicas e outras empresas cuja orientação, controlo ou tutela dependa da Administração Central do Estado, de modo directo ou indirecto", esclarece que entende incluirem-se nestas últimas as "empresas mistas", que compreenderiam, não só aquelas em que a participação pública seja obrigatória, por força da lei ou dos estatutos, como, ainda, aquelas em que tal participação seja facultativa, ocorrendo apenas "de facto".
Mas trata-se, sem dúvida, duma posição isolada.
A maioria dos autores toma como ponto de partida as noções de sociedades de economia mista e sociedades de capitais públicos tais como o artigo 48º das Bases Gerais das Empresas Públicas (Decreto-Lei nº 260/76, de 7 de Abril) as caracteriza:
 
"Artigo 48º
(Sociedades de economia mista e sociedades de capitais públicos)
 
1. Às sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial, em que se associem capitais públicos e privados nacionais e estrangeiros, não são aplicáveis as disposições do presente decreto-lei, salvo na medida em que os respectivos estatutos mandem aplicar alguns dos princípios aqui consagrados.
2. Igualmente não é aplicável o presente decreto-lei às sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial, associando o Estado e outras entidades públicas dotadas de personalidade de direito público ou de direito privado, salvo na medida em que os respectivos estatutos remetam para os princípios aqui consagrados".
Trata-se, pois, de sociedades que, embora não possuindo, legalmente, a natureza de empresas públicas (7), são caracterizadas pelo facto de, estruturalmente - ou seja: de acordo com a sua estrutura interna, tal como definida na lei e/ou nos respectivos estatutos -, o seu capital pertencer, no todo ou em parte, ao Estado ou a outros entes públicos.
E entende-se que, de entre estas sociedades, se integrem no sector público aquelas em que mais de 50% do capital pertence, legal ou estatutariamente, ao Estado ou a outro(s), ente(s) público(s).
Isto, designadamente, com base no critério constante dos Decretos-Leis nºs 76-C/75, de 21 de Fevereiro, e 285/77, de 13 de Julho (8), para a definição das noções de "participação do sector público" e de "sociedade dominada".
É assim que, p.e., ao interpretar este último diploma, RAÚL VENTURA (9) esclarece que para ele relevaria o domínio interno (resultante da percentagem de capital e não de qualquer factor externo) "de direito" (montante da percentagem, que deve ser superior a 50% do capital) - sendo por isso irrelevante o mero domínio interno "de facto".
Na mesma linha de pensamento, SIMÕES PATRÍCIO (10) sustenta que o Sector Empresarial do Estado é constituído, para além das "empresas-órgãos" e das empresas públicas e nacionalizadas, pelas empresas de capitais públicos e pelas empresas controladas através do capital. Não deixa de reconhecer, a este propósito, que o critério legal da noção de controlo se apresenta um pouco simplista, por ser possível controlar uma sociedade sem se ser titular da maioria do capital (se mais ninguém a detiver). Mas acaba por realçar que o controlo é especialmente duradouro quando forem a lei ou os estatutos a reservar ao sector público a maioria do capital de certa sociedade - no primeiro caso mais do que no segundo - a menos que os próprios estatutos também surjam inseridos em diploma legal, o que não é raro suceder.
Também CABRAL DE MONCADA (11), ao analisar o fenómeno do controlo estadual sobre certas empresas, conclui que assumem natureza pública aquelas em que o domínio do Estado resulta da sua posição de sócio. Tal qualidade assegurar-lhe-ia "uma capacidade de intervenção permanente que pressupõe a integração da empresa no quadro geral da actividade administrativa".
Em sentido análogo se pronunciam, enfim, FERREIRA DE ALMEIDA (12) - integrando no Subsector Empresarial do Estado as empresas de economia mista controladas, em função do critério da "predominância da titularidade e da gestão" - e OLIVEIRA MARTINS (13), incluindo na "Área Empresarial do Estado" do "Sector público estadual", quer as sociedades de capitais públicos, quer as empresas controladas, através da titularidade da maioria do respectivo capital social.
Este corpo consultivo também já teve ocasião de se exprimir no mesmo sentido, designadamente no parecer nº 69/85, de 5 de Junho de 1986 (14).
 
3.4. - Em corroboração desta tese tem cabimento invocar o sentido que normalmente vem sendo atribuído ao "lugar paralelo" da norma em questão constituído pelo artigo 2º do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei nº 9/91, de 9 de Abril).Na realidade, ao mencionarem-se, aí, as entidades públicas sujeitas ao controlo do Provedor de Justiça referem-se, entre outras, as "empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos".
Ora esta última expressão desde sempre vem sendo interpretada como reportando-se apenas às sociedades cujo capital pertença, por força da lei ou dos estatutos, a entidades públicas.
Só essas têm sido consideradas, pois, incluídas no sector público, sujeito à fiscalização do Provedor de Justiça.
E diz-se "desde sempre "porque - o que não deixa de ser sintomático - essa era a posição adoptada mesmo antes da Lei nº 9/91, quando não existia a este respeito a norma expressa do citado artigo 2º.
 
3.5.1. - Não falta, mesmo, quem defenda que as sociedades de capitais públicos ou maioritariamente públicos deveriam, no rigor dos princípios, ser qualificadas de empresas públicas.
"Este conceito jurídico-económico de EP tende a privilegiar aspectos substanciais da relação económica e financeira da entidade empresarial com o Estado, em detrimento de aspectos formais como a sua submissão ou não a um regime jurídico específico, como é o do Decreto-Lei nº 260/76 (Bases Gerais das Empresas Públicas) (15).
Depara-se-nos esta posição assumida com clareza, designadamente, por SÁ GOMES (16), quando sustenta que: "De qualquer modo, as sociedades de economia mista controladas são-no juridicamente, pelo que pode pôr-se a questão de saber se, nestes casos, também estamos perante empresas públicas, em sentido amplo, de direito privado, particularmente no caso das sociedades legal e obrigatoriamente controladas.
Entendo que sim, atento o carácter do capital social. Trata-se, pois, também de empresas públicas em sentido amplo..."
 
3.5.2. E é forçoso reconhecer que, na maioria dos países europeus, não vinculados a uma definição legal de empresas públicas, se considera caberem neste conceito as empresas de capitais total ou maioritariamente públicos (17).
Mais do que isso, é mesmo legítimo afirmar que esta é a noção que releva em termos de Direito Comunitário.
Na verdade, se o Tratado de Roma, no artigo 90º, se reporta às empresas públicas, mas sem explicitar que sociedades nelas se incluem, o Centro Europeu da Empresa Pública, já na década de 60, por ocasião da sua criação, formulava uma primeira definição geral de empresa pública nos seguintes moldes: "est considerée comme entreprise publique toute entreprise, au sens économique du terme, dans laquelle l'État, les Collectivités Publiques ou d'autres Entreprises Publiques disposent, directement ou indirectement, d'une part de capital pour s'assurer le contrôle effectif de l'entreprise" (18).
Esta perspectiva doutrinária veio a receber consagração jurídico-positiva na Directiva da Comissão relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas (19), que caracteriza empresa pública como "qualquer empresa em que os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinam".E logo acrescenta: "Presume-se a existência de influência dominante quando os poderes públicos, directa ou indirectamente, relativamente à empresa:
a) Detenham a maioria do capital subscrito da empresa
ou
b) Disponham da maioria dos votos atribuídos às partes sociais emitidas pela empresa
ou
c) Possam designar mais de metade dos membros do órgão de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa".
 
3.5.3. A verdade, porém, é que, pesem embora os exemplos comunitários e de outros países europeus, não se afigura possível adoptar esta postura no ordenamento jurídico português vigente.
Neste, o intérprete encontra-se de algum modo espartilhado pela definição de empresa pública que constitui a trave mestra do Decreto-Lei nº 260/76 (20).
Tal definição, de índole restritiva e institucional (21), não permite assim qualificar de empresas públicas as sociedades de capitais total ou maioritariamente públicos.
Esta posição do nosso legislador foi, de resto, deliberadamente tomada, e bem vincada no próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 260/76, quando afirmou:
"Importa delimitar o âmbito de aplicação das presentes bases gerais.
Conforme resulta do artigo 1º, estas aplicam-se a todas as empresas públicas existentes ou a criar pelo Estado, com capitais privados ou de outras entidades públicas, e, bem assim, às empresas nacionalizadas ...
Ficam de fora as empresas organizadas sob a forma de sociedade, de acordo com a lei comercial, associando capitais públicos e privados, bem como as sociedades de capitais exclusivamente públicos, associando o Estado e outras entidades públicas.
Quanto às primeiras, normalmente designadas por empresas ou sociedades de economia mista, não poderão deixar de estar sujeitas à disciplina do direito das sociedades, em virtude de a titularidade do respectivo capital pertencer, em parte, a entidades privadas. As segundas são, no fundo, empresas públicas organizadas sob a forma de sociedades; embora se considere não ser esta a forma de organização jurídica mais adaptada à especial natureza e às finalidades próprias das empresas públicas, admite-se que, em certos casos ou para certos tipos de actividades, a adopção da forma de sociedade se justifica".
 
3.6. O que acaba de se dizer não obsta, como antes se procurou salientar, a que as empresas em causa se tenham por integradas no sector público, por forma a justificar a caracterização como "cargos públicos" daqueles que vêm indicados no artigo 3º da Lei nº 64/93.
Isto, claro - insiste-se -, desde que a titularidade integral ou maioritária do respectivo capital, por parte do Estado ou de outros entes públicos, decorra da própria lei ou dos estatutos dessas sociedades.
 
 
4.
4.1. Intentando agora apreciar a situação concreta das entidades consulentes face ao regime acabado de expor, cabe começar por pôr em realce que o ex-Banco de Fomento Nacional, E.P., de empresa pública que era, foi transformado no Banco de Fomento e Exterior, S.A., "Sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos", por força do artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 425/89, de 7 de Dezembro.
Correspondentemente, o artigo 6º do mesmo diploma estabeleceu que:
"Artigo 6º - 1. O capital social é representado por acções do tipo A e do tipo B com as seguintes características:
a) As acções do tipo A são nominativas e delas apenas podem ser titulares o Estado, pessoas colectivas de direito público ou outras entidades que, por imposição legal, devam pertencer ao sector público;
b) As acções do tipo B são nominativas ou ao portador em regime de registo, podendo delas ser titulares entidades públicas ou privadas.
2 - São obrigatoriamente acções do tipo A:
a) ..............
b) As acções adicionais necessárias para que 51% do capital social existente em cada momento seja detido pelas entidades referidas na alínea a) do número anterior".
Por seu turno, o artigo 6º dos Estatutos do Banco, publicados em anexo ao Decreto-Lei nº 425/89, reproduz, na prática - com pequenas alterações de redacção -, o preceito acabado de transcrever.
Da conjugação dos nºs. 1, alínea a), e 2, alínea b), do artigo 6º do Decreto-Lei nº 425/89 (e da correspondente cláusula dos Estatutos) resulta que, em cada momento, a maioria do capital social do Banco de Fomento e Exterior, S.A. tem de pertencer - por imposição legal e estatutária - ao Estado e/ou outros entes públicos.
Tanto basta, pois, para se poder concluir que esta sociedade cabe na previsão das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 64/93.
 
4.2. Foram mais as vicissitudes por que passou a evolução estrutural da outra sociedade consulente.
Ela começou por ser criada como empresa pública, sob a designação Instituto das Participações do Estado - por força do Decreto-Lei nº 163-C/75, de 27 de Março (artigos 1º e 2º).
Tal característica foi, naturalmente, confirmada pelos seus originários Estatutos (artigo 1º), aprovados pelo Decreto-Lei nº 496/76, de 26 de Junho.
Esta empresa veio a ser transformada em sociedade anónima de capitais públicos, sob a designação IPE-Instituto de Participações do Estado, SARL, pelo Decreto-Lei nº 330/82, de 18 de Agosto.
Coerentemente com a natureza jurídica que assim lhe foi então atribuída, os Estatutos do IPE, publicados em anexo ao diploma citado, determinaram que "Só o Estado, as pessoas colectivas de direito público e as empresas públicas podem adquirir as acções da sociedade" (artigo 5º, nº 3).
Nova transformação operou na empresa em causa o Decreto-Lei nº 406/90, de 26 de Dezembro.
Para além da mudança de designação para IPE - Instituto de Investimentos e Participações Empresariais, SA (artigo 1º), releva sobretudo o artigo 2º, ao estabelecer que:
"Artigo 2º As acções representativas do capital social da sociedade IPE - Investimentos e Participações Empresariais, SA, podem ser objecto de titularidade pública ou privada".
Para a cabal apreensão da questão em análise interessa, todavia, não perder de vista ainda o subsequente artigo 3º, cujos dois primeiros números se transcrevem (22):
"Artigo 3º 1 - As operações de avaliação de participações sociais detidas pelo IPE - Investimentos e Participações Empresariais, SA, que hajam sido objecto de nacionalização directa obedecem aos princípios previstos na Lei nº 11/90, de 5 de Abril.
2 - Enquanto a sociedade detiver as participações a que se refere o número anterior, o seu capital social deverá pertencer exclusivamente a entes públicos, competindo ao conselho de administração daquela propor ao Governo o processo, as modalidades e as condições específicas de cada operação de alienação".
Completando a "clarificação institucional" anunciada no preâmbulo do Decreto-Lei nº 406/90, o seu artigo 5º veio mesmo declarar,expressamente, que:
"Artigo 5º - Sem prejuízo das situações criadas ao abrigo da legislação anterior, a sociedade deixa de ser, para todos os efeitos, equiparada ao Estado".
A mudança de natureza e estrutura assim operada no IPE implicaria, obviamente, uma alteração de Estatutos, logo determinada nos subsequentes artigos 6º e 7º.
Só que - em coerência com a nova configuração da sociedade - esses Estatutos já não foram publicados em anexo a qualquer diploma legal, mas sim aprovados, nos termos gerais, em assembleia geral de accionistas.
Desses actuais Estatutos não consta já qualquer menção à participação no capital societário por banda do Estado ou de quaisquer outros entes públicos.
Face ao enquadramento jurídico que hoje lhe é próprio, merece ou não o IPE ser qualificado de "sociedade de capitais exclusivamente públicos" para os efeitos da Lei nº 64/93?
É certo que o Decreto-Lei nº 406/90 estabeleceu que das acções representativas do respectivo capital passam a poder ser titulares, tanto entidades públicas como privadas, eliminando também a sua anterior "equiparação ao Estado".
E acrescenta que a fase prevista no nº 2 do artigo 4º deste diploma cessará em resultado dum mero facto - a total alienação das acções referidas -, não necessitando, para tanto, de qualquer determinação legal ou estatutária .
Tudo ponderado, porém, parece que é mais acertado considerar que o IPE ainda deve ser qualificado, hoje - conquanto a título transitório -, como sociedade de capitais exclusivamente públicos.
É que, como se realçou, é uma regra legal - a do transcrito nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 406/90 - que prescreve que, enquanto o IPE detiver participações que hajam sido objecto de nacionalização directa, o seu capital deve continuar a pertencer exclusivamente a entes públicos.
No mesmo sentido releva, ainda, a observação de que, nesse período transitório, não podem ocorrer oscilações quanto à amplitude da participação pública no capital desta sociedade. Por imperativo legal, é seguro que a evolução da sociedade se operará apenas num sentido - o da cessação da obrigatoriedade de exclusiva participação pública, pois que o próprio Decreto-Lei nº 406/90 também estipula que o IPE deverá proceder à alienação das participações sociais do tipo acima mencionado.
Trata-se, pois, duma situação definida por lei, embora de índole transitória, destinada a cessar quando ocorrer a alienação das participações que o IPE detenha e que hajam sido directamente nacionalizadas.
Assim se confere, de resto, maior relevância à situação real - traduzida no facto de, no período em causa, serem ainda entes públicos a intervir decisivamente na gestão do IPE - do que à natureza jurídico-formal desta instituição.
 
5
5.1. - Passemos agora à questão relativa ao significado da alínea a) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 64/93, quando se reporta a "presidente do conselho de administração ... qualquer que seja o modo da sua designação".
As entidades consulentes manifestam a sua estranheza quanto a esta fomulação legal, na medida em que, segundo elas, o único modo de designação legalmente admissível para os presidentes do conselho de administração de sociedades anónimas seria o da eleição.
Antes de mais, é de relevar - como, aliás, as próprias consulentes reconhecem - que o problema assim suscitado não envolve dificuldades de aplicação, precisamente em função da amplitude da expressão utilizada pelo legislador: "... qualquer que seja o modo da sua designação".
 
5.2. Mas nem parece, sequer, justificada a crítica implícita naquela objecção à letra da lei.
Por outras palavras, esta não deixa de ter, em certa medida, algum sentido útil.
Anote-se, antes de mais, que a norma em causa se não aplica apenas aos presidentes dos conselhos de administração de sociedades de capitais total ou maioritariamente públicos, mas também (em primeiro lugar, até...) aos das empresas públicas.
Mesmo apenas em relação aos primeiros, todavia, a redacção escolhida pelo legislador tem certa razão de ser.
Essa razão pode radicar, desde logo, numa especial cautela da Lei nº 64/93 face à letra do artigo 395º do Código das Sociedades Comerciais:
"Artigo 395º
(Presidente do Conselho de Administração)
1. O contrato de sociedade pode estabelecer que a assembleia geral que elege o conselho de administração designe o respectivo presidente.
2. Na falta de cláusula contratual prevista no número anterior, o conselho de administração escolherá o seu presidente, podendo substituí-lo em qualquer tempo (23).
3. ...................................................................".
É certo que, em bom rigor, em qualquer destes casos se estará, normalmente, perante uma eleição - pela assembleia geral ou pelo conselho de administração.
Só que o legislador pode ter querido prevenir quaisquer dúvidas, quer pelo facto de no preceito supratranscrito se utilizarem termos diversos para mencionar a designação do presidente de conselho da administração,quer por esta poder resultar de actos de órgãos diferentes.
Aliás, até pode não estar excluído que a "escolha" do presidente por parte do conselho de administração decorra, não propriamente duma eleição formal, mas de "consenso" formado entre todos os respectivos membros.
 
5.3. Mas a fórmula posta em causa pode, afinal , encontrar mesmo justificação em considerações de fundo, de relevância jurídica manifesta.
Basta atentar, nomeadamente, no preceituado no nº 4 do artigo 390º do Código das Sociedades Comerciais:
 
"Conselho de Administração
"Artigo 390º
(Composição)
1. ...........................................
2. ............................................
3. ............................................
4. Se uma pessoa colectiva for designada administrador, deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio; a pessoa colectiva responde solidariamente com a pessoa designada pelos actos desta.
5. ..........................................".
Não está excluído, pois, que uma pessoa colectiva seja designada presidente do conselho de administração - nos termos do já mencionado artigo 395º do Código das Sociedades Comerciais.
 
Se assim suceder, a pessoa colectiva deve, portanto, "nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio".
Esta pessoa singular acaba, deste modo, por ser designada por nomeação, para exercer o cargo de presidente do conselho de administração.
E é naturalmente em relação a esta pessoa singular que se põe a questão da eventual existência de incompatibilidade ou impedimento.
Exercendo esta pessoa singular o cargo em "nome próprio", é acertado entender que foi abrangida no conceito de "presidente do conselho de administração" a que se reporta a alínea a) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 64/93.
Trata-se, assim, de presidente de conselho de administração designado por nomeação - modo de designação diverso da eleição.
Isto, para já não falar na possibilidade de leis especiais preverem para a presidência do conselho de administração das sociedades em causa formas de designação diferentes da eleição.
Recorde-se apenas o caso da Parempresa (24), sociedade anónima de capitais públicos, em cujos Estatutos (25) se prescreveu (artigo 14º, nº 2) que o respectivo presidente do conselho de administração seria nomeado" pelo Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e do Plano, ouvido o Banco de Portugal".
 
 
6
6.1. - Outra dúvida suscitada diz respeito ao sentido - e até, mesmo, ao próprio cabimento - da expressão "membro do conselho de administração ... designado por entidade pública".
Isto, a ponto de uma das consulentes alvitrar que o termo "designado" esteja aí utilizado, não na sua acepção técnica, mas de modo a corresponder à ideia de "indicação" ou "proposta" que precede a designação propriamente dita.
E a outra admite, mesmo, que a fórmula "designado por entidade pública" tenha sido inadequadamente empregue, para significar, afinal, a escolha por eleição.
Ao assumirem estas posições, ambas partem do pressuposto de que a eleição é a forma normal de designação dos administradores das sociedades anónimas, mesmo que de capitais total ou maioritariamente públicos.
 
6.2. Uma destas sugestões parece, liminarmente, de rejeitar - qual seja a da utilização do vocábulo "designado" por "indicado" ou "proposto".
Com efeito, não só é em princípio de presumir que o legislador se exprime pelo modo mais adequado e tecnicamente rigoroso, como, no caso concreto, o confronto entre as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 64/93 vem corroborar esta conclusão.
É que, se na alínea a) o termo "designação" se encontra sem dúvida aplicado no seu significado técnico-jurídico, mal se aceitaria que, na seguinte alínea b), o vocábulo "designado" o não estivesse também.
 
6.3. Ultrapassado este aspecto prévio, tem de reconhecer-se, porém, que as dúvidas suscitadas não deixam de ter certa razão de ser.
E isto porque a generalidade dos administradores nomeados por entidades públicas, para os conselhos de administração das sociedades em causa, já se encontra, afinal, integrada na noção de "gestor público", utilizada pelo legislador logo no início da citada alínea b) do nº 1 do artigo 3º em análise.
O diploma básico em que esta figura radica ainda é o (embora parcialmente modificado) Decreto-Lei nº 40833, de 29 de Outubro de 1965 (26), cujo artigo 1º prescreve que:
"Artigo 1º O Estado pode participar, por meio de administradores nomeados pelo Governo, na administração das sociedades de que seja accionista ou em que tenha participação de lucros, desde que tais posições estejam previstas em diploma legal ou nos respectivos estatutos, ...".
A faculdade de nomeação de tais administradores por parte do Estado, no tocante às sociedades de capitais total ou maioritariamente públicos, encontra-se especialmente contemplada no Decreto-Lei nº 76-C/75, de 21 de Fevereiro, cujo artigo 1º prevê que:
"Artigo 1º - 1 O Conselho de Ministros poderá, sempre que o julgue necessário, nomear administradores para sociedades em que o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público, separada ou conjuntamente, detenham uma percentagem mínima de 20% do capital social.
2 - O Conselho de Ministros poderá também nomear administradores para sociedades em que uma percentagem mínima de 50% do capital pertença, separada ou conjuntamente, a:
a) Sociedade em que o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público detenham uma percentagem do capital igual ou superior a 50%;
b) Sociedade em que se verifique uma intervenção do Estado, nos termos dos Decretos-Leis nºs 570-A/74 e 660/74, de 12 Outubro e 25 de Novembro, respectivamente;
c) Sociedade cujo capital seja detido numa percentagem igual ou superior a 50% por sociedades abrangidas pelo presente número.
3. O Conselho de Ministros poderá ainda nomear administradores para sociedades em que as participações no capital e os empréstimos ou garantias prestados pelo Estado, por outras pessoas colectivas de direito público e pelas sociedades referidas nas alíneas a) e b) do número anterior, correspondam em globo a uma percentagem igual ou superior a 50% do activo total, líquido de amortizações e excluindo contas de ordem, do último balanço aprovado".
Estes administradores por parte do Estado designados para o conselho de administração de sociedades de capital total ou maioritariamente público têm, pois, a qualidade de gestores públicos, figura cujo estatuto é hoje regulado pelo Decreto-Lei nº 464/82, de 9 de Dezembro.
O artigo 1º deste diploma dispõe, na verdade, genericamente, que:
"Artigo 1º - 1. Consideram-se gestores públicos os indivíduos nomeados pelo Governo para os órgãos de gestão das empresas públicas ou para os órgãos das empresas em que a lei ou os respectivos estatutos conferirem ao Estado essa faculdade.
2. ..............................................................
3. ...............................................................".
6.4 - A história das normas em apreciação não é muito esclarecedora quanto ao alcance que o legislador tenha querido atribuir à noção de "membro do conselho de administração ... designado por entidade pública", em termos de não resultar totalmente absorvida pelo conceito de "gestor público", que imediatamente a antecede.
 
6.4.1 - A Lei nº 9/90,. de 1 de Março, na sua versão originária, apenas se reportava (artigo 1º, nº 1, alínea j) a "gestor público ou presidente de instituto público autónomo".
 
6.4.2 - A Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, ao modificar este artigo 1º, ampliou, neste aspecto, o âmbito da figura de titular de alto cargo público, ao incluir nela:
"j) Presidente de instituto público autónomo, de empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos;
l) Gestor público, membro de conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e vogal da direcção de instituto público autónomo, desde que exerçam funções executivas;"
Ou seja: mantendo-se a referência ao "gestor público", aditaram-se-lhe as situações de presidente e de membro do conselho de administração, com funções executivas, de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
Assim, todos os membros com funções executivas do conselho de administração de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos passaram a integrar o conceito de titular de "alto cargo público", independentemente do modo como fossem designados.
Não se suscitavam, por isso, então, dificuldades de conjugação desse conceito com o de "gestor público", mencionado na mesma regra legal.
6.4.3. - O problema que ora nos ocupa passou a pôr-se, sim, com a publicação da Lei nº 64/93, cujo artigo 3º integrou nos "titulares de altos cargos públicos", para além do "gestor público", o "membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designado por entidade pública, ... desde que exerçam funções executivas" (27).
Amplia-se a extensão do conceito, quanto aos segundos, de modo a abranger os membros do conselho de administração de sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos.
Mas - pelo menos aparentemente - restringiu-se por outro lado a mesma noção, através da introdução do qualificativo "designado por entidade pública".
Foi a inserção deste qualificativo (28) que passou a comprometer o entendimento linear da noção, quando confrontada com a de "gestor público".
 
6.4.4. Os trabalhos preparatórios da norma em apreciação pouco esclarecem acerca do propósito que possa ter presidido à génese da mencionada expressão - bem ao invés, quase ainda agravam a incerteza sobre o seu real significado.
No Projecto de Lei nº 322/VI (29), apresentado pelo CDS, propunha-se que fossem considerados titulares de altos cargos públicos (artigo 2º, nº 1):
"p) Os gestores públicos e membros de órgão de gestão de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos".
No Projecto de Lei nº 331/VI, por seu turno (30), apresentado pelo PSD, falava-se, a este respeito, de "membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos" (artigo 3º, alínea b).
E no correspondente preâmbulo explicitou-se: "Vem equiparar-se aos altos cargos públicos os administradores das sociedades anónimas de capitais exclusivos (sic) ou maioritariamente públicos, dado que são designados por pessoas colectivas de direito público e gerem bens destas, o que justifica a equiparação".
Abrangiam-se, assim, todos os membros dos conselhos de administração, com funções executivas, de tais sociedades, sem qualquer restrição relativa ao seu modo de designação.
E, quando no preâmbulo se fez menção à respectiva designação, foi para referir que todos os administradores das sociedades em causa seriam designados por entidades públicas - o que é menos exacto.
Na discussão (conjunta) destes Projectos de Lei, dois deputados reportaram-se especialmente ao aspecto em foco:
- o deputado ALBERTO MARTINS (31), sustentando que assim se operava uma ampliação do conceito de alto cargo público: "... vindo alargar, sobretudo, a incompatibilidade no domínio dos altos cargos públicos à integração em sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos, o que até agora se aplicava às sociedades de capitais exclusivamente públicos;"
- o deputado FERNANDO CONDESSO (32), referindo-se ao Projecto apresentado pelo PSD como abrangendo" membros de conselho de administração designados por entidades públicas e com funções executivas em sociedades anónimas com capitais exclusiva ou maioritariamente públicos". Algo surpreendentemente, a expressão "designados ... etc" surge nesse discurso como qualificativa de "membros de conselhos de Administração", parecendo assim adoptar posição mais restritiva que a enunciada no Preâmbulo do Projecto de Lei citado.
Compulsados os Relatórios e Pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias respeitantes aos Projectos de Lei nº 331/VI e 322/VI (33), sobressai, a propósito do primeiro, a seguinte apreciação:
"No âmbito dos altos cargos públicos alargam-se as incompatibilidades aos presidentes e gestores públicos de sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos (anteriormente já se aplicavam essas normas ao caso de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos)".
A Comissão terá assim entendido que o Projecto abrangeria, para além dos presidentes das sociedades em questão, apenas "gestores públicos".
No Relatório e Texto Final da Mesma Comissão (34), dá-se conta de o artigo 3º do Projecto de Lei nº 331/VI ter sido aprovado sem propostas de alteração.
A verdade, contudo, é que no texto final apresentado pela Comissão surge intercalada a expressão "designados por entidade pública" - sem que se fique a conhecer das concretas razões desse acrescento.
Note-se, aliás, que, na alínea b) do nº 1 do artigo 3º desse texto a expressão - no plural: "designados ..." - parece reportada, quer a membro do conselho de administração, quer a gestor público.
Deste modo, pareceria ter o significado dum mero aposto ou exemplificativo, e não de qualificativo - já que os gestores públicos são, naturalmente, "designados por entidade pública".
 
6.5. Perante esta evolução histórica menos esclarecedora do que seria legítimo esperar, qual, pois, a posição mais acertada no concernente ao sentido da expressão em referência?
 
6.5.1. Antes, porém, de abordar directamente essa questão, uma outra merece ser dilucidada.
É que a redacção conferida à alínea l) do nº 1 do artigo 1º, da Lei nº 9/90 pela Lei nº 56/90 e a da versão originária (35) da alínea b) do artigo 3º da Lei nº 64/93 poderiam, porventura, sugerir que a frase iniciada por "membro de (ou do) conselho de administração ... etc" apenas teria por objectivo explicitar, perifrasticamente, a noção de "gestor público".
E algumas afirmações respigadas dos trabalhos preparatórios desses diplomas seriam, porventura, susceptíveis de reforçar esse ponto de vista.
Não parece, todavia, que tal interpretação seja sustentável.
Desde logo - e sobretudo - porque essa eventual explicitação do conceito de "gestor público" se revelaria claramente desajustada.
Com efeito,por um lado, olvidaria, em ambos os preceitos referidos, os gestores das empresas públicas - os mais numerosos, de resto.
Por outro, o aditamento da expressão "designado por entidade pública", na Lei nº 64/93, apresentar-se-ia inexacto, por demasiado genérico, já que os gestores públicos são apenas nomeados pelo Estado, através do Governo.
E os próprios trabalhos preparatórios dos dois diplomas em causa acabam, afinal, por confirmar que se trata de duas realidades distintas.
Mencionem-se, a ilustrar esta asserção, o preâmbulo do Projecto de Lei nº 324/V (36) e a declaração anexa ao Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre ele proferido (37) - para já não falar de várias intervenções de deputados na respectiva discussão (38).
Por seu turno, no preâmbulo do Projecto de Lei nº 331/VI, que esteve na origem da Lei nº 64/93, ao enumerarem-se as inovações por ele trazidas, diz-se:
"Vêm equiparar-se aos altos cargos públicos os administradores de sociedades anónimas de capitais exclusivos ou maioritariamente públicos ... etc "
Esta afirmação não teria sentido nem cabimento se, afinal, essas situações já estivessem abrangidas pela compreensão do conceito de "gestor público".
 
6.5.3. Passando agora, directamente, à apreciação da expressão "designado por entidade pública" é de atentar em que um entendimento porventura possível seria o de considerar que ela não assume valor de qualificativo ou determinativo, mas apenas de aposto ou explicativo.
Ou, dito de outro modo: essa expressão significaria apenas "porque designado por entidade pública".
E reportar-se-ia, afinal, à generalidade dos membros dos conselhos administração das sociedades em causa, os quais, enquanto no âmbito destas sociedades (integradas no sector empresarial do Estado) eleitos, seriam"designados por entidade pública".
Em prol desta opinião, poder-se-ia invocar o texto originário dos dois Projectos de Lei que estiveram na base da Lei nº 64/93.
Este argumento textual reforçar-se-ia, ainda, com a constatação de que a Lei nº 64/93 não terá pretendido, neste aspecto, restringir o alcance do direito antes vigente, mas sim alargar a noção de titular de alto cargo público aos administradores de sociedades de capitais maioritariamente públicos. Ora, a dita disposição legal - artigo 1º, nº 1, alínea l), da Lei nº 9/90, na redacção dada pela Lei nº 56/90 - já incluía no conceito de "titular de alto cargo público" todo e qualquer membro do conselho de administração de sociedade de capitais exclusivamente públicos.
 
6.5.2. Bem vistas as coisas, porém, não será essa a perspectiva mais acertada.
A atribuição à expressão "designado por entidade pública" do sentido de mero aposto ou explicativo retirar-lhe-ia qualquer relevância jurídica própria.
Ora, não é, como regra, de presumir que o legislador haja utilizado expressões inúteis ou irrelevantes.
A lei tem função preceptiva, e não explicativa.
Por outro lado, é possível encontrar sentido útil àquela expressão, por forma a abranger situações não absorvidas pela noção de "gestor público".
Atente-se, antes de mais, na hipótese contemplada no nº 4 do artigo 390º do CSC:
"Se uma pessoa colectiva for designada administrador, deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio; a pessoa colectiva responde solidariamente pelos actos desta".
Os membros do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, que o sejam por haverem sido ao abrigo desta norma escolhidos por pessoa colectiva pública com a posição de administrador são, nessa medida, "designados por entidade pública".
E a sua posição jurídica e estatuto são claramente distintos dos do "gestor público" - já que exercem o cargo "em nome próprio" e não estão vinculados a uma relação de mandato, como aqueles (artigo 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 464/82).
Apesar de se tratar, pois, de situação diversa da de gestor público, compreende-se que o legislador a tenha querido integrar na noção de "titular de alto cargo público", dada a ligação institucional a entidade pública que a designação por parte desta sempre implica.
Por outro lado, cumpre ter também em conta o nº 11 do artigo 392º do CSC, do seguinte teor:
"11. Os administradores por parte do Estado ou de entidade pública a ele equiparada por lei para este efeito são nomeados nos termos da respectiva legislação".
Ora é sabido que os gestores públicos são administradores por parte do Estado, nomeados pelo Governo.
A previsão do preceito acabado de transcrever abrange, pois, não apenas gestores públicos, mas ainda administradores designados por entidades públicas que não o Estado.
Eis, pois, outra situação que empresta um sentido útil à expressão "designado por entidade pública" utilizada na alínea b) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 64/93.
 
7.
Pergunta-se, também, quais sejam as "entidades públicas" cuja designação confira aos membros do conselho de administração, com funções executivas, das sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, a qualidade de titulares de altos cargos públicos.
Numa primeira aproximação, dir-se-á que nessa noção de "entidades públicas" cabem, decerto, todas aquelas que o Código de Procedimento Administrativo (39) considerou integradas na Administração Pública, para efeitos de definição do seu âmbito de aplicação.
Assim é que, nos termos do nº 2 do artigo 2º do Código, se integram na Administração Pública:
- O Estado e as Regiões Autónomas;
- Os institutos públicos e as associações públicas;
- As autarquias locais e suas associações e federações.
Como "entidades públicas" se apresentam, ainda, as demais pessoas colectivas de direito público.
Mas não só: a mesma qualificação se ajusta, para efeitos da Lei nº 64/93, a certas pessoas colectivas de direito privado.
Trata-se, com efeito, das empresas públicas e das sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos (por força da lei ou dos respectivos estatutos).
E isso pelas razões, acima expendidas, que justificam a sua inclusão no Sector Empresarial do Estado.
O que releva, pois, nos termos da disposição em análise, é a ligação institucional, através da designação, a pessoa colectiva pública ou cuja actuação seja decisivamente definida por uma ou mais pessoas colectivas públicas.
 
8.
Não se apresenta, por seu turno, completamente isento de dúvidas o real sentido da expressão "qualquer que seja a sua titularidade", constante da redacção originária da alínea b) do artigo 3º da Lei nº 64/93.
Esta norma dispunha, com efeito:
"Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados:
a) ....................................................
b) O gestor público, membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designado por entidade pública, e vogal da direcção de instituto público, nas modalidades referidas na alínea anterior, qualquer que seja a sua titularidade, desde que exerçam funções executivas;"
A questão deixou, em boa verdade, de ter actualidade, visto que a expressão em causa foi eliminada.
E foi-o porque - embora em termos menos perfeitos e algo equívocos - ela se reportava, afinal, aos administradores de institutos públicos, e não já aos de sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos. Com efeito, os administradores de institutos públicos passaram, na actual versão do artigo 3º da Lei nº 64/93 (nº 2), a ficar sujeitos ao regime de incompatibilidades do pessoal dirigente da função pública, tal como definido na lei geral e no Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro.
Que era assim revela-o, de resto, o teor do Projecto de Lei nº 331/VI, que deu origem à Lei nº 64/93, na medida em que se atente na alínea a) do respectivo artigo 3º, a qual rezava assim:
"a) O de presidente de instituto público, nas modalidades, qualquer que seja a sua titularidade, de serviço público personalizado, fundação pública, estabelecimento público e empresa pública, bem como de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos".
A menos perfeita expressão em análise quereria, neste contexto, significar "qualquer que seja o modo de designação para o cargo".
 
9.
9.1 - Pretende, ainda, apurar-se qual o exacto alcance da expressão "desde que exerçam funções executivas", constante da alínea b) do nº 1, do artigo 3º da Lei nº 64/93, referenciada aos membros do conselho de administração de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
Esta expressão transitou, já, da Lei nº 9/90, na sua última versão, decorrente da Lei nº 56/90 (artigo 1º, nº 1, alínea l)).
Tratou-se de fórmula introduzida, então, com declarados propósitos restritivos.
Assim é que no preâmbulo do Projecto de Lei nº 524/V, que deu origem à Lei nº 56/90 (40), logo se precisara: "... não faz sentido a extensão do regime de incompatibilidade aos gestores públicos e similares que exerçam funções não executivas".
A corroborar o empenho posto nesta limitação está, aliás, o facto de o PSD, Partido que apresentara aquele Projecto de Lei, ter entendido necessário, em declaração anexa ao Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o mesmo proferido (41), insistir ser seu entendimento que:
"a) O âmbito geral de aplicação da lei necessita manifestamente ... do esclarecimento de que não é aplicável a gestores em regime não executivo".
 
9.2. - Tradicionalmente, a caracterização das "funções executivas" era utilizada como pedra de toque para distinguir, dentro da sociedade, certo tipo de órgãos - os órgãos executivos ou de administração.
É assim que, p.e., PUPO CORREIA (42), classificava os órgãos das sociedades, segundo o critério das respectivas funções, em:
"- deliberativos: são os órgãos que formam a vontade da sociedade, aprovando directrizes fundamentais que deverão ser acatadas pelos outros órgãos;
- de administração (também chamados executivos ou directivos): são os que praticam os actos materiais ou jurídicos de execução da vontade da sociedade;
- representativos: são os que manifestam a vontade da sociedade externamente, nomeadamente, constituindo, modificando ou extinguindo as relações jurídicas que tenham a sociedade como sujeito;
- de fiscalização ou de controlo ..."
A verdade, porém, é que não se verifica uma sobreposição exacta e completa entre certas funções e determinadas modalidades de órgãos.
Há órgãos que exercem funções de diversa natureza.
Para manter a sua validade, aquela classificação tem de entender-se reportada, sim, às funções principais de cada tipo de órgão.
Reconhecia-o , já, o próprio PUPO CORREIA (43), ao acrescentar: "Deve notar-se que é corrente que ao mesmo órgão caibam funções de vária ordem ...; já o órgão executivo (gerência ou conselho de administração) tem normalmente também funções representativas, a par de funções deliberativas, em matérias de importância menor ou, então, ligadas à vida corrente da sociedade".
A doutrina recente é, mesmo, mais incisiva neste sentido.
Eleja-se, como característica, a posição de MANUEL A.PITA (44), que salienta que a classificação dos órgãos em deliberativos, executivos e de fiscalização "entrou em crise", e só pode ser utilizada "como tipologia, reveladora dos aspectos prevalentes".
Concretamente quanto ao órgão de administração, discorre: "É-lhe atribuída a totalidade da função de executar as deliberações dos outros órgãos, nomeadamente através do exclusivo dos poderes de representação; mas não se pode negar que lhe são atribuídos também poderes deliberativos para formar a vontade da pessoa colectiva, e que até seja a administração o lugar da formação da maior parte dos actos pelos quais a pessoa colectiva realiza o seu fim. Nestas circunstâncias, o órgão de administração combina poderes deliberativos e poderes executivos".
 
9.3. - O que acaba de se dizer revela, pois, que a utilização da expressão "desde que exerçam funções executivas" na alínea b) do nº 1 do artigo 3º em apreciação não é descabida, e tem um sentido claro: o de abranger na noção de "titular de alto cargo público", de entre os membros do conselho de administração, apenas os que, em resultado de delegação ou da distribuição de funções ou pelouros no âmbito deste realizada, tenham poderes para praticar actos jurídicos ou materiais de aplicação das deliberações tomadas pela assembleia geral ou por esse mesmo conselho.
Reconhece-se, é certo, que, em bom rigor, todos os membros dos conselhos de administração das sociedades anónimas acabam por participar no exercício de certas funções executivas, na medida em que elas cabem na competência do conselho enquanto órgão colegial, nos termos dos artigos 405º e 406º do Código das Sociedades Comerciais.
Só que não foi decerto a essas funções que se quis reportar a norma em causa, sob pena de ficar desprovida de sentido útil. Ao falar de "desde que exerçam funções executivas", na norma em apreciação, o legislador há-de ter querido referir-se, pois, apenas àquelas que são levadas a cabo por certos administradores a título singular e não enquanto participantes nas deliberações do Conselho.
Isto, naturalmente, tendo em vista o campo de aplicação próprio da parte final da al. b) do nº 1, do artigo 3º da Lei nº 64/93, tal como acima se procurou definir.
 
10.
10.1. Delineado o conceito de "altos cargos públicos", cumpre agora abordar o significado e alcance da "incompatibilidade com quaisquer outras funções remuneradas" que em relação a eles prescreve, como regra, o artigo 7º da Lei nº 64/93.
A incompatibilidade pode ser definida como a "impossibilidade legal do desempenho de certas funções por indivíduo que exerça determinada actividade ou se encontre em alguma das situações, públicas ou privadas, enumeradas pela lei" (45).
Trata-se, pois, de um "limite à acumulação", entendida esta como o "exercício simultâneo de mais de um cargo ou lugar público ou privado" (46).
 
10.2. Embora não exista uma absoluta coincidência de perspectivas acerca da indicação dos objectivos prosseguidos através da consagração de incompatibilidades, a verdade é que se patenteia, a este respeito, uma assinalável proximidade de opiniões.
Assim é que, p.e., TERRANOVA (47) entende que "scopo della norma, oltre quello di afirmare l'esclusività dell rapporto di impiego, è di evitare il sorgere di rapporti e di situazioni chi possano influire sull'imparziale esercizio delle funzioni".
Por seu turno, GABINO FRAGA (48) opina que "la incompatibilidad de los cargos publicos no siempre obedece a los mismos motivos, pues mientras que en unos casos se origina por razón de la naturaleza misma de las funciones, tratándose de dar independencia a los funcionarios para ejecerlas, en otros se tiende a que el empleado pueda consagrarse en una forma completa al cargo, o evitar el acaparamiento de las funciones y la acumulación de sueldos, perjudiciales a la eficacia y moralidad de los servicios".
Para AUBY e DUCOS-ADER (49) "Le but visé est à la fois d'assumer que le service bénéficiera de l'intégralité de l'activité profissionnellle du fonctionnaire et d''éviter certains risques de collusion et de comprommission" (50).
Entre nós, o deputado ALBERTO MARTINS, a propósito da discussão dos Projectos que deram origem à Lei nº 9/90 (51), explicitou que com o regime de incompatibilidades se pretendia "criar condições à realização da Justiça, imparcialidade e dedicação no exercício dos cargos públicos e nesta vertente garantir o princípio da igualdade dos cidadãos face à Administração Pública e aos órgãos de soberania".
Este corpo consultivo não tem deixado, também, de tomar posição sobre a matéria. Fê-lo, designadamente, no parecer nº 100/82, de 27 de Julho de 1982 (52), nos termos seguintes: "pretende-se, em resumo, proteger a independência das funções, e, do mesmo passo, manter na acção administrativa a normalidade, objectividade e serenidade que lhe deve imprimir o cariz indiscutível do interesse geral e que mais não é que a afloração, no Estado democrático de direito, do princípio segundo o qual os agentes públicos não devem encontrar-se em situação de comprometer o interesse próprio de natureza pessoal, e o interesse do Estado e dos entes públicos que representam e lhes cumpre defender".
As incompatibilidades relativas a cargos públicos, em geral, surgem assim centradas em torno de dois objectivos ou propósitos essenciais:
- o de assegurar a imparcialidade da actuação dos titulares desses cargos;
- o de garantir que esses elementos possam dedicar ao exercício de tais cargos o tempo que o seu adequado desempenho exige.
 
10.3. A preocupação com a definição de incompatibilidades respeitantes a cargos públicos e correlativas restrições de acumulação surgiu já no domínio da Constituição de 1933, cujo artigo 27º (última versão) dispunha que:
"Art. 27º. Não é permitido acumular, salvo nas condições previstas na lei, empregos do Estado ou das autarquias locais, ou daquele e destas.
§ único. O regime das incompatibilidades, quer de cargos públicos, quer destes com o exercício de outras profissões, será definido em lei especial".
Ao abrigo dessa norma foi publicada a Lei nº 2105, de 6 de Junho de 1960, prescrevendo incompatibilidades e certas restrições de acumulação para os membros dos corpos gerentes de empresas com especial relação com o Estado ou que beneficiavam de determinadas situações privilegiadas consagradas por lei.
Este diploma foi, em 13 de Setembro de 1974, substituído pelo Decreto-Lei nº 446/74.
A Constituição de 1976 não deixou de abordar também esta questão.
Dispõe, com efeito, a este propósito:
 
"Artigo 269º
Regime da função pública
1. No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração.
 
2. .............................................................................................
3. ..............................................................................................
4. Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei.
5. A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades".
Em execução desta regra constitucional, começou a Lei nº 9/90 por determinar (art. 2º, al. a), para os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos - que tratava identicamente -, a incompatibilidade com:
"a) O exercício remunerado de quaisquer outras actividades profissionais ou de função pública que não derivem do seu cargo e o exercício de actividades de representação profissional".
Este sistema veio a ser substituído pelo da actual Lei nº 64/93, que instituíu um regime diverso de incompatibilidades para titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
Na verdade, estipulou, quanto aos primeiros, o seguinte:
"Artigo 4º
Exclusividade
1. Os titulares de cargos políticos exercem as suas funções em regime de exclusividade.
2. A titularidade de cargos enumerados no número anterior é incompatível com quaisquer outras funções profissionais, remuneradas ou não, ...etc..
3. .........................................................................................."
Por seu turno, quanto aos segundos veio dispor que:
 
"Artigo 7º
Regime geral e excepções
1 - A titularidade de altos cargos públicos implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções remuneradas.
2 - As actividades de docência no ensino superior e de investigação não são incompatíveis com a titularidade de altos cargos públicos, bem como as inerências a título gratuito.
3 - Os titulares de altos cargos públicos em sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos podem requerer que lhes seja levantada a incompatibilidade, solicitando autorização para o exercício de actividades especificamente discriminadas, às entidades que os designaram.
4 - As situações previstas no número anterior devem ser fundamentadamente autorizadas pela assembleia geral da empresa, devendo a acta, nessa parte, ser publicada na 2ª série do Diário da República".
A nova redacção dada ao artigo 3º da Lei nº 64/93 pela Lei nº 39-B/94 veio subtrair a este regime os titulares de altos cargos públicos que são dirigentes da função pública, submetendo-os ao regime desse pessoal, tal como constante dos Decretos-Leis nºs 323/89, de 26 de Setembro, e 413/93, de 23 de Dezembro.
 
10.4. A oscilação da nomenclatura utilizada para definição da incompatibilidade que ora nos ocupa, quer entre a Lei nº 9/90 e a Lei nº 64/93, quer no próprio âmbito desta última, não facilita, decerto, a exacta determinação do seu alcance.
Na Lei nº 9/90 falava-se de "exercício remunerado de quaisquer outras actividades profissionais ou da função pública" - parecendo que a primeira expressão se reportava apenas a actividades privadas, exercidas a título profissional (53).
A lei actual, para caracterizar o regime de exclusividade, aplicável aos cargos políticos, reporta-se a "quaisquer outras funções profissionais, remuneradas ou não".
Mas, por seu turno, ao definir a incompatibilidade geral concernente aos altos cargos públicos, usa a expressão - que ora directamente nos ocupa - de "quaisquer outras funções remuneradas".
 
10.5 - Ora o vocábulo "função" (54), implica, em si mesmo, uma ideia de duração, de regularidade.
Ou, como este conselho já exprimiu (55), uma "actividade típica, permanente, estável".
Não deixa de ter cabimento, aliás, invocar em corroboração desta perspectiva o nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 413/93, de 23 de Dezembro.
Trata-se, é certo, de regra relativa a titulares de órgãos, funcionários e agentes "da administração central, regional e local" (artigos 1º e 2º do citado diploma).
Mas a vedade é que o seu objectivo é análogo ao da norma em apreciação: o da caracterização de incompatibilidades respeitantes a certos cargos.
Daí que se revista de inegável interesse salientar que tais incompatibilidades são reportadas a actividades "desenvolvidas de forma permanente ou habitual".
 
10.6. Não está excluído, aliás, que parte destas funções possa, em rigor, não assumir carácter profissional.
Neste sentido se pronunciou este Conselho no parecer nº 5/94, de 14 de Abril de 1994, depois de ponderar que:
"A actividade profissional já não é apenas aquela que é quotidianamente exercida no tempo pleno institucionalizado, com o escopo de provisão da necessidade de existência do respectivo agente. À condição profissional basta a realização regular de trabalho, enquadrada em determinado posto ou função, no âmbito de consecução de certo objectivo final".
Como funções não profissionais remuneradas poder-se-ão, porventura, mencionar as de autarca ou de dirigente de associação a cujo cargo corresponda um salário.
O tipo de recrutamento destes elementos e o mandato que lhes é próprio retira a natureza profissional às funções que exercem.
De todo o modo, para poder ser qualificada de "função", qualquer actividade terá sempre de patentear características de "permanência e habitualidade".
 
10.7 Em contraposição, deduzir-se-á que não são abrangidas na previsão do nº 1 do artigo 7º da Lei nº 64/93, e, portanto, na incompatibilidade geral aí prescrita, actividades de carácter esporádico ou pontual, tais como a participação em cursos, seminários e acções de formação de curta duração - ainda que remuneradas.
 
10.8 - Este entendimento apresenta-se, de resto, ajustado aos fins tidos em vista com o instituto das incompatibilidades.
Com efeito, é, designadamente, a natureza duradoura e regular de certa actividade remunerada que pode afectar a necessária dedicação ao alto cargo público em causa e cercear a imparcialidade que o seu exercício exige.
Actividades esporádicas ou pontuais (ainda que, porventura, remuneradas) não são de molde a comprometer, nem a disponibilidade para o desempenho de alto cargo público, nem a independência perante outrem que o seu escorreito exercício implica.
 
10.9. - Enfim, o qualificativo "remuneradas" é de entender-se nos termos já preconizados por este Conselho - ou seja, o de funções que, "pela sua natureza, por força da lei ou de estatuto ou de usos sociais", são susceptíveis de ser remuneradas (56).
 
 
11.
É certo que, a conjugar-se, nos termos propostos, o teor dos artigos 3º e 7º da Lei nº 64/93, poderá haver, nos conselhos de administração das sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, certos membros abrangidos pela incompatibilidade imposta no último desses preceitos, e outros não.
As consulentes consideram esta situação uma discriminação indesejável, por todos os membros de tais conselhos de administração deverem actuar em prol dos interesses que às empresas em causa cabe prosseguir.
Não compete a este Conselho, naturalmente, tomar posição sobre tal questão de política legislativa.
Mas não pode deixar de reconhecer-se que a diferença de regimes em causa pode radicar na especial responsabilidade e representatividade do cargo de presidente do conselho de administração, por um lado, e, por outro, na mais íntima ligação institucional ao Estado ou outras entidades públicas, reflectida, para certos vogais, no facto de por eles serem designados.
 
 
12.
12.1 - A incompatibilidade fixada no nº 1 do artigo 7º da Lei nº 64/93 comporta, porém, excepções.
A primeira é, desde logo, a concernente às "actividades de docência no ensino superior e de investigação" (nº 2 do mesmo artigo).
Não se afiguram consistentes quaisquer dúvidas relativas à interpretação desta regra excepcional.
Tanto a sua letra, como - sobretudo - a respectiva história esclarecem que ela deve entender-se no seu mais amplo sentido possível, reportando-se a funções docentes e de investigação propriamente ditas, e abarcando, designadamente, as que são remuneradas.
Na verdade, e desde logo, não teria qualquer razão de ser essa derrogação à incompatibilidade estabelecida no nº 1, se não respeitasse precisamente a funções (docentes e de investigação) remuneradas.
Veja-se, aliás, a génese desta norma.
Na Lei nº 9/90, excepcionavam-se apenas as funções deste tipo exercidas a título gratuito (nº 2 do artigo 4º).
Mas na Lei nº 56/90, que alterou alguns dos artigos desse diploma, alargou-se essa excepção, a tais actividades enquanto exercidas a título remunerado - conquanto, é certo, através de fórmula remissória e indirecta (nº 2 do artigo 4º da Lei nº 9/90, na sua última versão).
No Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias elaborado sobre o Projecto de Lei nº 524/V, (57) que deu origem a tal modificação legislativa, o respectivo relator exprimiu fortes dúvidas sobre a bondade dessa inovação, ponderando:
"O que já era permitido a título gratuito será agora permitido com remuneração. Isto é, passa-se a consagrar o regime de compatibilidade entre o exercício de qualquer cargo político e alto cargo público com o exercício de funções docentes universitárias e de investigação (remunerado).
Chega-se, assim, na prática, à consagração de uma regra especial ou excepcional de favor legal, cuja perspectiva pode apontar para uma situação de favorecimento para o exercício das funções docentes ou, noutra perspectiva também "legível", de favorecimento do exercício das funções políticas ou de altos cargos públicos".
O PSD, Partido proponente do Projecto mencionado, deixou clara, contudo, em declaração anexa a esse Parecer, a importância que atribuía a tal alteração, justificando-a com a afirmação de que:
"b) O tempo decorrido desde a publicação da lei deixa compreender que se está em risco, em virtude de algumas das suas disposições, de que muitos docentes do ensino superior optem por abandonar tais funções, o que terá consequências muito negativas".
Foi esta, enfim, a solução que vingou.
E veio, pois, a transitar para o nº 2 do artigo 7º da Lei nº 64/93.
Parece manifesto, assim, que a excepção aí prevista se aplica a todas as actividades, remuneradas, na docência do ensino superior e na investigação.
Concretamente no que toca ao ensino superior, cabem na noção de docência tanto as funções de professor como as de assistente.
E, falando-se de ensino superior, este abrange, naturalmente, todas as escolas, públicas ou privadas, desse grau de ensino, integradas ou não em universidades.
 
12.2. Não cabe a este Conselho, naturalmente, pronunciar-se acerca desta clara opção de política legislativa - em particular quanto à disparidade assim introduzida em relação ao regime aplicável aos titulares de outros cargos públicos (58).
Note-se, de todo o modo, que pelo menos um dos factores justificativos da incompatibilidade em causa - o da imparcialidade - perde bastante da sua relevância no tocante às funções docentes no ensino superior e às de investigação científica.
E isto por virtude dos princípios da liberdade de ensino e da autonomia científica que delas são indissociáveis.
Assim é que o pessoal docente das universidades goza de "liberdade de orientação e opinião científica", nos termos do artigo 64º do respectivo Estatuto (59):
"O pessoal docente goza de liberdade de orientação e de opinião científica na leccionação das matérias ensinadas, no contexto dos programas de coordenação a que se refere o artigo seguinte".
No tocante ao ensino superior politécnico, embora a lei (60) não seja tão explícita, a verdade é que o mesmo se deve concluir, quando incumbe as respectivas escolas e institutos de:
"a) Favorecer a livre expressão da pluralidade de ideias e opiniões;
b) Garantir a liberdade de criação cultural, científica e tecnológica";
No que toca ao ensino particular e cooperativo, convergem no mesmo sentido, tanto as respectivas Bases (61), como o Estatuto (62) que as veio desenvolver.
Naquele primeiro diploma pode ler-se que:
"Artº 11. Todo aquele que exerce funções docentes em escolas particulares e cooperativas de ensino, qualquer que seja a sua natureza e grau, tem os direitos e está sujeito aos específicos deveres emergentes do exercício da função docente".
E no segundo reitera-se que a autonomia própria dos estabelecimentos em questão implica como um dos seus elementos integrantes a "liberdade de orientação científica e pedagógica" (artigo 9º, nº 2 al. a).
Análoga ilação se poderá inferir, por seu turno, da própria natureza das funções de pessoal investigador, tal como descritas no artigo 3º do Decreto-Lei nº 219/92, de 15 de Outubro (Carreira de investigação científica).
 
13.
13.1. Mais uma vez sem discutir a bondade da solução aí consignada, afigura-se segura a interpretação do especial regime de autorização estabelecido nos nºs 3 e 4 do artº 7º da Lei nº 64/93, quando dispõem que.
"3. Os titulares de altos cargos públicos e sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos podem requerer que lhes seja levantada a incompatibilidade, solicitando autorização para o exercício de actividades especificamente discriminadas, às entidades que os designaram.
4. As situações previstas no número anterior devem ser fundamentadamente autorizadas pela assembleia geral da empresa, devendo a acta, nessa parte, ser publicada na 2ª Série do Diário da República".
Assim, para o efeito torna-se necessária uma dupla autorização - da entidade que designou o titular de alto cargo público em causa e da assembleia geral da sociedade.
E esta derrogação ao regime geral de incompatibilidade definido no nº 1 do mencionado artigo 7º há-de respeitar ao exercício de "funções (portanto, actividades não pontuais ou esporádicas) remuneradas" não compreendidas no respectivo nº 2.
Se não, careceria de significado a derrogação à incompatibilidade em apreciação.
O que é necessário é que as autorizações recaiam sobre funções "especificamente discriminadas", e não indicadas por forma genérica.
Isto, sem deixar de reconhecer que a fundamentação exigida para a autorização da assembleia geral - e também, implicitamente, para a da entidade designante - poderá incidir mais facilmente numa das razões justificativas da incompatibilidade (a da disponibilidade e dedicação ao cargo) do que na outra ( a da imparcialidade exigida a quem o exerce).
13.2. Enfim, é certo que a concessão de autorizações deste tipo pode - como realça uma das consulentes - gerar disparidades de situação entre os membros dum mesmo conselho de administração.
Só que (para além de se ter de admitir que o legislador aceitou tal consequência), se o órgão que define a vontade da sociedade ao mais alto nível - a assembleia geral - considerar indesejável tal solução, resta-lhe a faculdade de não conceder a autorização para tanto solicitada.
 
Conclusão:
 
14. Em conclusão:
 
1ª - As sociedades anónimas contempladas no artigo 3º da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, são aquelas cujo capital pertença, por força da lei ou dos estatutos, exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas.
2ª - De acordo com este critério, encontram-se abrangidos pela previsão desta norma tanto o Banco de Fomento e Exterior, S.A., como o IPE - Investimentos e Participações Empresariais, S.A. - embora este último apenas a título transitório, até à total alienação das participações directamente nacionalizadas que detenha;
3ª - São titulares de altos cargos públicos, para efeitos da mencionada Lei, os seguintes membros de conselhos de administração das sociedades referidas na conclusão 1ª:
a) Os respectivos presidentes;
b) Os restantes membros, desde que exerçam, a título singular, actividades de aplicação, através de actos materiais ou jurídicos, de decisões dos órgãos deliberativos da sociedade, e hajam sido designados por entidades públicas, nomeadamente nos termos dos artigos 390º, nº 4, e 392º, nº 11, segunda parte, do Código das Sociedades Comerciais;
4ª - São de considerar entidades públicas para efeitos da parte final da alínea b) da conclusão antecedente as mencionadas no artigo 2º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo, as demais pessoas colectivas de direito público, e ainda as integradas no sector empresarial do Estado, que compreende não só as empresas públicas como as indicadas na conclusão 1ª;
5ª - A incompatibilidade estabelecida no nº 1 do artigo 7º da Lei nº 64/93, em relação aos titulares de altos cargos públicos, reporta-se a quaisquer actividades de natureza regular e duradoura, susceptíveis de serem remuneradas;
6ª - Estão, pois, excluídas dessa incompatibilidade, as realizadas a título esporádico ou pontual, tais como a participação em conferências, seminários ou cursos de curta duração;
7ª - A mesma incompatibilidade não atinge, também, a docência no ensino superior, público, particular ou cooperativo, universitário ou não, nem a actividade de investigação científica, ainda que remuneradas;
8ª - Os titulares de altos cargos públicos que sejam membros de conselhos de administração de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos podem exercer actividades, especificamente discriminadas, abrangidas pelo nº 1 do artigo 7º da Lei nº 64/93, desde que autorizados pela entidade que os haja designado e pela assembleia geral dessas empresas.





1) Na identificação deste diploma na Lei nº 39-B/94 menciona-se, por manifesto lapso, o nº 443/93.
Trata-se, na verdade, do Decreto-Lei nº 413/93, que teve por objecto, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei nº 55/93, de 6 de Agosto, regular sob vários aspectos as garantias de imparcialidade da Administração Pública, e que, nessa medida, estabeleceu um conjunto de impedimentos e proibições de acumulação para titulares de órgãos, funcionários e agentes.
A correspondente rectificação (nº 2/95) foi publicada no DR, I Série-A, de 15 de Abril de 1995.
2) Do texto publicado em Diário da República consta, devido a lapso evidente, o vocábulo "designada".
A verdade, porém, é que este lapso não foi corrigido na Rectificação nº 2/95, já atrás citada. Parece que "designado" é o termo correcto, já que constante da versão originária da Lei nº 64/93 - sem esquecer, de qualquer modo, que do texto elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias constava o vocábulo "designados"...
3) A título meramente ilustrativo, recorde-se, a este propósito, para além de variadas normas legais de índole específica, a disposição geral do artigo 2º da Lei Quadro das Privatizações (Lei nº 11/90, de 5 de Abril): "O capital das empresas a que se refere o artigo 87º, nº 3, da Constituição e que exercem a sua actividade principal em alguma das áreas económicas definidas na lei só poderá ser privatizado até 49%".
4) A favor desta posição milita, desde logo, um argumento literal que não pode ser desprezado.
A lei fala de "sociedade de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos" - e não de "sociedade com capitais, etc." (ou, porventura, "titular de capitais", ou outra expressão análoga).
A preposição de indica, em contextos deste tipo, o (ou os) elemento(s) constitutivo(s) de certa realidade: uma espada de aço; uma mesa de madeira.
V. a confirmá-lo, CÂNDIDO DE FIGUEIREDO, "Dicionário da Língua Portuguesa", 14ª ed., Lisboa 1949, vol. I, pág. 795 - onde refere que a preposição de pode reportar-se a "formação, p.e. "estátua de pedra"; MORAIS e SILVA, "Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa", 10ª ed., 1980, vol. I, pág. 209, mencionando que "de" pode significar "qualidade" (homem de ...) ou "matéria" (vaso de barro).
5) H.COING, "Grundzuege der Rechtsphilosophie, Berlim, 1950, págs. 21 e segs.; G. RADBRUCH, "Vorschule der Rechtsphilosophie, Reed. das Obras Conjuntas, Heidelberga, 1990, págs. 121 e segs., espec. págs. 147.
6) "Finanças do Sector Público - Introdução aos Subsectores Institucionais", AAFDL, Lisboa, 1991, respectivamente, págs. 203 e 224-225.
7) Na verdade, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 260/76 consagra uma noção específica de empresa pública no nosso ordenamento jurídico, nos moldes seguintes:
"Artigo 1º
(Conceito)
1. São empresas públicas as empresas criadas pelo Estado, com capitais próprios ou fornecidos por outras entidades públicas, para a exploração de actividades de natureza económica ou social, de acordo com o planeamento económico nacional, tendo em vista a construção e desenvolvimento de uma sociedade democrática e de uma economia socialista.
2. São também empresas públicas e estão, portanto, sujeitas aos princípios consagrados no presente diploma, as empresas nacionalizadas".
8) E no Despacho Normativo nº 70/77, de 25 de Março, que interpretou o segundo desses diplomas.
9) "Participações dominantes: alguns aspectos do domínio de sociedades por sociedades", Rev. Ord.Adv. Ano 39, Janeiro/Abril de 1970, pág. 40.
10) "Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado", Boletim do Ministério da Justiça., nº 321, págs. 55 e segs., em esp.. págs. 96, 99 e 100; também do mesmo autor e em termos análogos: "Curso de Direito Económico", Lisboa, 1991, págs. 669 e segs.
11) "Direito Económico", Coimbra, 1988 págs. 253-255.
12) "Propriedade dos Meios de Produção", Lisboa, 1982, págs. 21-28.
13) "Constituição Económica", Reimpressão", Lisboa, 1989, págs. 101-103.
14) Homologado por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado do Orçamento, de 10 de Setembro do mesmo ano.
15) GONÇALVES DO CABO - "A fiscalização financeira do sector empresarial do Estado por Tribunais de Contas ou Instituições Equivalentes", Lisboa , 1993, pág 111.
16) "Notas sobre a função e regime jurídico das pessoas colectivas públicas de Direito Privado", in "Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal", Lisboa, 1987, pág. 195.
17) GONÇALVES DO CABO, op. e loc. cit.
18) ARMAND BIZAGUET, "Le Secteur Public et les Privatisations", Paris, 1988, págs. 7-8.
19) Directiva 80/723/CEE, de 25/6/80, JO-L 195/80 artigo 2º, 2º trav. Trata-se, é certo, de instrumento de âmbito apenas sectorial ; mas é lícito deduzir que nele se reflecte a ideia de empresa pública genericamente relevante para o Direito Comunitário.
20) Como já o realçou MOTA PINTO - "Direito da Economia", Coimbra, 1982/83, pág. 150 -, contrapondo-a à dominante na doutrina francesa e europeia, e concluindo: "não são empresas públicas as empresas organizadas em forma de sociedade comercial em que o Estado tem a maioria do capital".
21) Qualificativo atribuído, p.e., por M.AFONSO VAZ - "Direito Económico", Coimbra, 1987, pág. 199 e nota (1) -, por oposição às empresas públicas de configuração associativa, e que similarmente o levou a ponderar: "Temos assim que não são, segundo o nosso ordenamento jurídico, empresas públicas as empresas organizadas (na sua constituição e na sua realização) segundo a forma de sociedades comerciais, sejam sociedades de economia mista, sejam sociedades de capitais públicos".
22) O nº 3 deste artigo 3º foi alterado pelo Decreto-Lei nº 106/95, de 20 de Maio, que esclareceu o sentido da expressão "entes públicos" constante do número antecedente. Esta modificação não releva, porém, directamente, para a economia do presente parecer.
23) Confirmado pela alínea a) do artigo 406º, relativa às competências do conselho de administração.
24) Criada, sob a designação de Parageste - Sociedade Bancária para a Recuperação de Empresas, SARL, pelo Decreto-Lei nº 125/79, de 10 de Maio.
25) Publicados inicialmente em anexo ao Decreto-Lei nº 125/79, e republicados, com alterações, em anexo ao Decreto-Lei nº 120/83, de 1 de Março.
26) Confirmam-no, nomeadamente, PINTO FURTADO - "Código Comercial Anotado", Coimbra , 1979, T.I vol. II, pág. 331 e BRITO CORREIA - "Os Administradores das Sociedades Anónimas", Coimbra, 1993, págs. 122.
27) No tocante aos presidentes, passam a contemplar-se, também, os de sociedades de capitais maioritariamente públicos (al.a)).
28) Mantido na nova redacção dada ao artigo 3º pela Lei nº 39-B/94, que, com alterações de pormenor, reproduz, no essencial, o teor originário dessa norma, na parte que interessa ao presente parecer.
29) DAR, II Série-A, nº 37, de 3/6/93.
30) DAR, II Série, nº 41, de 17/6/93, págs. 755-757.
31) DAR, I Série, nº 87, de 25/6/93, págs.2788-2789.
32) Ibidem, pág. 2810.
33) DAR, II Série-A, nº 44, de 26/6/93, págs. 820-924.
34) DAR II Série-A, nº 46, de 3/7/93, pág. 866 (3-7).
35) Já não assim, em boa verdade, a atribuída à mesma norma pela Lei nº 39-B/94, onde a utilização da copulativa "e" revela claramente tratar-se de duas realidades distintas
36) "Da mesma forma, não se justificava ... a falta de equiparação dos gestores públicos aos administradores das sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos" (DAR, II Série-A, 26/4/90, pág. 1273).
37) "O âmbito geral de aplicação da lei necessita manifestamente de algum alargamento, por argumento de igualdade de razão (administrador de sociedades de capitais públicos, vogais de direcção ... etc)" DAR II Série-A, de 5/5/90, págs. 273
38) Nomeadamente do Deputado Guilherme Silva (DAR, I Série, 5/5/90, pág. 2394).
39) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro.
40) DAR II Série-A, de 26/4/90.
41) DAR, II Série-A, de 5/5/90.
42) "Direito Comercial", Lisboa, 1988, pág. 453.
43) Op. e loc.cit.
44) "Direito Comercial", Lisboa,1992, pág. 133.
45) MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", 10 ed. 4ª reimpressão, Coimbra, 1991, T.II, pág. 721.
46) JOÃO ALFAIA, "Acumulação", in "Dicionário Jurídico da Administração Pública", págs. 166, 167.
47) "Il rapporto di pubblico impiego", Milão, 1991, pág. 194.
48) Cit. in MÁXIMO ZIN, "Incompatibilidades de funcionarios y empleados publicos", Buenos Aires, 1986, pág. 11.
49) "Droit Administratif", 7ª ed. Paris, 1984, pág.183.
50) Em termos muito próximos v. Piquemal, "Le Fonctionnaire", vol. 2, Paris, 2ª ed., 1979, pág. 142.
51) DAR, I, Série, de 25/11/89, pág. 177.
52) Publicado no DR, II Série, de 25/6/83 e no Bol. Min. Justiça, nº 326, págs. 224 e segs; v. também os pareceres nº 76/91, de 5/12/91 e 30/92, de 25/6/92.
53) V. pareceres deste Conselho nºs 54/90, de 11/10/90 (in DR, II Série, de 16/7/91), 32/93, de 1/7/92 e 43/93, de 14/7/93.
54) Como, de resto, o seu próprio étimo "functio(nem)" sugere.
55) Parecer nº 56/92, de 27 de Novembro de 1992.
56) Parecer nº 5/94, de 1 de Abril de 1994.
57) DAR, II Série-A, de 5/5/90.
58) Recorde-se que foi de resto esta diferenciação de regimes, concretamente em relação àqueles que, como os magistrados, só podem exercer a docência no ensino superior desde que a título gratuito, deu azo à maior parte das críticas suscitadas durante a discussão do Projecto de Lei nº 524/V (v. DAR, I Série, de 5/5/90).
59) Estatuto da Carreira Docente Universitária - Decreto-Lei nº 448/79, de 13/11, ratificado com emendas pela Lei nº 19/80, de 16/7.
60) Estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico - Lei nº 54/90, de artº 3º.
61) Lei nº 9/79, de 19/3.
62) Decreto-Lei nº 271/89, de 19/8.
Anotações
Legislação: 
CONST33 ART27.
CONST76 ART218 N3 ART269.
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L 55/93 DE 1993/08/06.
L 64/93 DE 1993/08/26 ART3 N1 ART4 ART7.
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CSC86 ART390 ART392 N11 ART395 ART405 ART406 ART407 ART410.
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DL 40833 DE 1965705729 ART1.
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DL 165-C/75 DE 1975/03/27 ART1 ART2.
DL 260/76 DE 1976/04/07 ART1.
ESTATUTOS DO IPE - INSTITUTO DE PARTCIPAÇÕES DO ESTADO APROVADOS PELO DL 496/76 DE 1976/06/26 ART1 ART5 N3.
DL 285/77 DE 1977/07/13.
ESTATUTOS DA PAREMPRESA APROVADOS PELO DL 125/79 DE 1979/05/10 E REPUBLICADOS COM ALTERAÇÕES EM ANEXO AO DL 120/83 DE 1983/03/01 ART14 N2.
DL 448/79 DE 1979/11/13 ART64.
DL 330/82 DE 1982/08/18 ART5 N3.
DL 464/82 DE 1982/09/12 ART1 ART2 N1.
DL 271/89 DE 1989/08/19 ART9 ART11.
DL 323/89 DE 1989/09/26.
DL 425/89 DE 1989/07/12 ART1 N1 ART6.
DL 406/90 DE 1990/12/26 ART1 ART2 ART3 ART4 N2 ART5 ART6 ART7.
DL 219/92 DE 1992/10/15 ART3.
DL 413/93 DE 1993/12/23.
DL 106/95 DE 1995/05/20.
DN 70/77 DE 1977/03/25.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL / DIR COM * SOC COM.
Divulgação
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