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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
40/1993, de 01.07.1993
Data do Parecer: 
01-07-1993
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
LOURENÇO MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
NEXO DE CAUSALIDADE
Conclusões: 
1 - O exercício de instrução de salto em paraquedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - A qualificação como deficiente das Forças Armadas, para além de exigir, no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado, importa a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;
3 - A percentagem mínima de incapacidade referida na conclusão precedente é aplicável aos acidentes ocorridos em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, a menos que se trate de qualificação automática;
4 - Do acidente de que foi vítima o então soldado paraquedista (...) resultou uma incapacidade de 19,04%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:



(...), Soldado Paraquedista Nº (...), na situação de pensionista por invalidez, requereu a revisão do processo por acidente de que foi vítima, alegando agravamento das lesões sofridas.
Vêm os autos à Procuradoria-Geral da República para emissão do parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
Cumpre emiti-lo.

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2.1 - Da consulta do auto de averiguações oportunamente instaurado (1) extraem-se, com interesse, os seguintes factos:
- no dia 29 de Outubro de 1975, pelas 10.45 horas, o requerente participou numa sessão programada (exercício instrutório) de saltos de paraquedas, realizada no Campo de Treinos do Arripiado (Regimento de Caçadores em Tancos);
- no momento da aterragem, o contacto com o solo deu-se por forma violenta em virtude de uma rajada súbita de vento queixando-se, desde logo, de fortes dores no pé direito;
- assistido medicamente, constatou-se que do acidente lhe resultou um grau de incapacidade de 19,04%, em virtude de rigidez da articulação tíbio-társica direita e metatarsalgia direita;
- considerado curado, e sem culpa no acidente, a Junta de Saúde da Força Aérea, em 9.02.76, julgou-o incapaz de todo o serviço e apto para o trabalho;
- por despacho do CEMFA, de 22.09.76, o acidente foi considerado como ocorrido em serviço.

2.2 - Por solicitação do ex-Soldado Paraquedista J. (...), foi deferido o requerimento de revisão do processo, em 24.06.91, no qual solicitou a actualização do seu coeficiente de desvalorização e a atribuição do estatuto de DFA.
Reaberta a averiguação veio a apurar-se mais o seguinte:
- no exame médico efectuando em 18.11.91, no HFA, foi considerado clinicamente curado, apontando como sequelas a rigidez da articulação tibio-társica direita, mantendo-se a desvalorização atribuída, não havendo relação "entre o acidente em serviço e o agravamento das queixas";
- a Junta de Saúde da Força Aérea, em 3.02.92, confirmou a decisão anterior, "sem alteração da desvalorização";
- a Repartição de Justiça e Disciplina da FA entende que o requerente não atinge o grau de desvalorização legalmente exigido para lhe ser aplicável o disposto no Decreto-Lei nº 43/76.

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Importa conhecer o direito aplicável.
Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs. 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria 114/79, de 12 de Março.
Dispõe o nº 2 do artigo 1º daquele Decreto-Lei:
"2. É considerado deficiente das Forças Armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar".
E acrescenta-se no artigo 2º, nº 1, alínea b):
"1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) (...)
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".
Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:
"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que, pelas suas características próprias, possam implicar perigosidade.

4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

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O grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das Forças Armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.
Nem sempre assim aconteceu porquanto na vigência de diplomas anteriores, com idênticos objectivos, não se encontrava estabelecido tal limite mínimo.
Como se afirmou em anteriores pareceres, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das Forças Armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais". E observou-se também que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das Forças Armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma (2). Ressalvam-se, porém, as situações de qualificação automática - artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76 - o que não é o caso em análise.
Confirmando tal interpretação, no nº 4 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, afirma-se expressamente que nos casos de revisão do processo, "a apreciação será feita pela nova definição de DFA, constante do artigo 1º e complementado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro", salientando-se, em concreto, a "verificação da incapacidade da percentagem atribuída".
Deste modo, o grau de incapacidade de 19,04%, atribuído ao requerente, torna legalmente inviável a qualificação desejada.
Não obstante, e à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, sempre se abordará, ainda que sumariamente, a questão da qualificação do acidente que se encontra na base da pretensão do requerente.

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Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2 e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
"Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (3).
Como se tem referido, com alguma insistência, a este Conselho não cabe apreciar a prova colhida e emitir um juízo de causalidade entre o salto em paraquedas concreto e o acidente sofrido pelo requerente, nem tão-pouco com as lesões determinantes da incapacidade ou do agravamento desta.
Sem embargo de se reconhecer que o risco inerente ao salto em paraquedas de uma aeronave surge agravado relativamente ao comum das actividades castrenses, em termos de permitir a sua equiparação abstracta a qualquer das outras actividades directamente contempladas na lei (4).
Na generalidade dos casos, os acidentes vêm descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observadas as regras técnicas e de segurança, ausência de culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes (fortes rajadas de vento, dificuldades na abertura do paraquedas ou "enganche" noutros). Estes factores aparecem de tal modo ligados ao processo causal normal, típico, que não podem ser considerados imprevistos ou ocasionais (5).
No caso em apreço, o acidente deu-se sem culpa do sinistrado ou de outrem, observando-se as regras técnicas e de segurança, e terá sido motivado, em princípio, pela alteração das condições atmosféricas, traduzidas em momentâneas e súbitas rajadas de vento (6).

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Do exposto se conclui:
1º O exercício de instrução de salto em paraquedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2º A qualificação como deficiente das Forças Armadas, para além de exigir, no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado, importa a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3º A percentagem mínima de incapacidade referida na conclusão precedente é aplicável aos acidentes ocorridos em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, a menos que se trate de qualificação automática;

4º Do acidente de que foi vítima o então soldado paraquedista (...) resultou uma incapacidade de 19,04%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.





1) Processo nº 278/76, da Base-Escola de Tropas Paraquedistas.

2) Parecer nº 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, I Série, nº 244, de 23.10.78, pág. 6414, cujos termos foram retomados nos pareceres, nº 113/87, de 28.04.88, não publicado, e nº 153/88, de 2.02.89, publicado no Diário da República, II Série, nº 224, de 28/9/89, pág. 9808.
Cfr. ainda os pareceres nºs. 207/77, de 27.10/77, 51/87, de 17.06.87, homologados e o último publicado no Diário da República, I Série, nº 219, de 23.04.87, pág. 11559, nos quais se versou a matéria deste limite mínimo de incapacidade. Mais recentemente - cfr., os pareceres nºs. 44/89, de 11.05.89, 25/90, de 12.07.90, 89/91, de 30.01.92 e 24/92, de 7.09.92, todos homologados mas não publicados.

3) Dos pareceres nºs. 55/87, de 29.07.87, e 80/87, de 19.11.87, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também o parecer nº 10/89, de 12.04.89.

4) Cfr. o parecer nº 33/86, de 29.07.87, homologado, e outros aí citados, v.g., pareceres nºs 4/80, de 7.02.80, 86/81, de 11.06.81, 147/81, de 22.10.81, 219/81, de 4.03.82, 42/82, de 1.04.82 e 6/86, de 27.02.86, não publicados.

5) Cfr., v.g., os pareceres nºs. 5/88, de 11.03.88 e 44/89, citado.

6) Testemunhos recolhidos no processo de averiguações.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/(20 ART1 N2 ART2 N1 B N2 N3 N4 ART18 N2.
PORT 162/76 DE 1976/03/24 N1 N3 N4.
PORT 114/79 DE 1976/03/23.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA:
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