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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
18/1993, de 01.04.1993
Data do Parecer: 
01-04-1993
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território
Relator: 
PADRÃO GONÇALVES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
ACIDENTE DE AVIAÇÃO
Conclusões: 
Não caracteriza um tipo de actividade militar com risco agravado, enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a condução de um avião que, na sequência de uma avaria do motor, aterrou de emergência em zona arborizada da mata, produzindo lesões nos seus ocupantes e a sua completa destruição.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado
da Defesa Nacional,
Excelência:

(...), PSAR/MMA (...), a prestar serviço na Base Aérea nº 4, pediu em 2 de Agosto de 1982 que fosse reaberto o processo referente a um acidente de aviação ocorrido no Aeródromo de Manobra nº 51, em Mueda, em 26 de Março de 1968, do qual lhe resultou paralisia facial e outros ferimentos.
Deferido o requerido (despacho de 30 de Novembro de 1982), depois de o acidente ter sido considerado como ocorrido em serviço (despacho de 31 de Outubro do mesmo ano), procedeu-se à reabertura do referido processo de averiguações, tendo-se lavrado, a folhas 55, relatório onde se diz:
"Em declarações o sinistrado menciona que, no dia 26MAR68, no Aeródromo de Manobra nº 51, em Mueda (Moçambique), quando se encontrava numa missão de voo, a certa altura a aeronave sofreu uma avaria, tendo momentos depois se despenhado no solo [...].
"[-] As outras testemunhas [...] afirmam ter este acidente ocorrido em 26MAR68, depois de uma descolagem no Aeródromo nº 51, em Mueda, e segundo o Major Quirino o acidente foi motivado pela falha de dois cilindros à descolagem, por válvulas gripadas.
"[...] A folhas 44 e 49 consta um parecer da Junta de Saúde da Força Aérea (reunida em 12SET83), que considera o sinistrado "incapaz para o serviço activo".
"Do exame de sanidade final, efectuado nesta Base, foi atribuído ao sinistrado o coeficiente global de desvalorização de 0,30 (trinta centésimos) [...]".
Tendo sido ordenada a efectivação de mais diligências e ultimado o processo, pelo Serviço de Justiça e Disciplina do Comando do Pessoal da Força Aérea foi prestada Informação, datada de 22 de Junho de 1992, onde se diz:
"4. Parecer da JSFA - "Incapaz de todo o serviço, com um coeficiente de desvalorização de 0,30, ao abrigo da TNIATDP. Não carece de acompanhamento" (JSFA de 21MAI92).
....................................................
6. Parecer da DSS:
a) Relação entre as lesões e o serviço - "Há relação das lesões com o acidente e o serviço";
b) Coeficiente de incapacidade - 0,30.
7. Parecer do Serviço de Justiça:
a) Relação entre as lesões e o serviço - ver ponto 8;
b) Responsabilidade do averiguando ou de outrem - não resulta do processo:
8. Outras considerações - O averiguando foi vítima de um acidente de aviação ocorrido na sequência da descolagem de um avião DORNIER 27 da FAP, no Aeródromo de Manobra nº 51, em Mueda (Moçambique), no qual seguia em serviço como mecânico (folhas 113). O acidente deveu-se a falha total do motor, por válvulas gripadas em dois cilindros, o que determinou a aterragem de emergência em zona arborizada da mata, ficando o avião completamente destruído.
O acidente não se deveu assim a qualquer acção directa ou indirecta do inimigo, nem resulta do processo que tivesse ocorrido em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, tal como vem definido pelo artigo 2º, nº 3, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
Verifica-se contudo que o acidente ocorreu no decurso de um voo, por avaria do motor, em 26MAR68, em Mueda, Moçambique, numa zona considerada conturbada (cfr. folhas 104) , o que pode ter contribuído para um agravamento de risco inerente às condições normais de utilização da aeronave, aproximando-o, assim, do risco definido nas situações previstas no artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, permitindo a sua qualificação como equiparado a serviço de campanha, nos termos do artigo 2º, nº 4, do mesmo diploma".
Enviado o processo, acompanhado da precedente Informação, ao Gabinete do MDN, para apreciação, V.Exª. determinou que fosse emitido parecer nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, que cumpre, pois, prestar.

2.
Importa conhecer o direito aplicável.

2.1. Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs. 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria nº 114/79, de 12 de Março.

2.2. Estabelece o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro:
"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores ;
vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar".

Por seu lado o nº 4 do artigo 2º estabelece:
"O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, "seja identificável com o espírito da lei" (cfr. rectificação publicada no Diário da República, de 26 de Junho de 1976, 2º Suplemento).

3.
3.1. Na interpretação das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, tem-se entendido que, para além das situações expressamente consagradas na lei - em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública, de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública - o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas só é aplicável aos casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole e considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-as às situações de campanha ou equivalentes.
Como se frisou em anteriores pareceres, o privilégio deste regime contém, ínsita, a ideia de recompensar os que se sacrificam pela Pátria , sendo certo que a dignificação deste sacrifício passa pela não inflação das situações enquadráveis no Decreto-Lei nº 43/76 .
Igualmente se tem ponderado que o risco agravado, superior ao risco genérico da actividade militar, é incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender-se em sede de objectividade.

3.2. Este corpo consultivo já apreciou alguns casos de acidentes com aeronaves.

3.2.1. Escreveu-se no parecer nº 44/76, de 21 de Setembro de 1976 :
"Pode duvidar-se que a simples aprendizagem da condução de aviões militares constitua aquele risco agravado. Porém, no quadro fáctico da situação concreta, concorrem outros elementos.
"O piloto ao aperceber-se de que o avião se avariara e de que nele deflagrara um incêndio, podendo lançar-se de pára-quedas, deixando a aeronave à sua sorte, decidiu prosseguir o voo, dirigindo-se para a base mais próxima, em cumprimento do dever militar que lhe manda evitar a perda ou deterioração desnecessárias do material.
"E se ponderarmos, ainda, que a avaria ocorreu quando o avião sobrevoava uma povoação, pelo que, abandonado, podia cair sobre ela, causando perdas humanas, havemos de convir que o cadete [...] se sacrificava também com o propósito de evitar essas perdas, previsíveis.
"Face ao exposto, parece seguro que nos achamos perante um daqueles casos especiais a que o texto legal alude".
E concluiu-se:
"1º - Corresponde a um tipo de actividade militar com risco agravado que deve equiparar-se às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a condução de um avião que se avariou em pleno voo, com princípio de incêndio a bordo, feita com o propósito de cumprir o dever militar que manda evitar perdas de material;
"2ª - Ao cadete [...] que podendo lançar-se de pára-quedas preferiu pilotar a aeronave até à base, assiste o direito à reparação definido no nº 1 do artigo 4º daquele diploma, pelo facto de se ter deficientado em consequência da ulterior queda do avião antes de atingir a base".
3.2.2. Escreveu-se no parecer nº 56/76, de 9 de Dezembro de 1976 :
"Do processo instrutor consta que o acidente se ficou a dever a incorrecto entendimento na comunicação de instruções entre o sargento Reis e o instruendo, cadete da Academia Militar, [...], por virtude do qual ambos abandonaram os comandos do avião que assim veio a cair".
.................................................
"Numa primeira abordagem do problema procura saber-se se a instrução de voo militar pode ser integrada num tipo de actividade a que corresponde esse risco agravado. Pensamos que não visto que a resposta contrária conduz a um quase esvaziamento do requisito "identificável com o espírito desta lei", espírito que é, sem dúvida, o reconhecimento do direito à reparação que assiste aos que se sacrificam pela Pátria. E a dignificação desse sacrifício passa pela não inflação das situações enquadráveis no Decreto-Lei nº 43/76.
"Tem sido entendimento pacífico deste corpo consultivo que o risco agravado necessário implica uma actividade arriscada por sua própria natureza e não por efeito de circunstâncias imprevisíveis e ocasionais.
"Ora, no caso concreto trata-se de uma actividade que não ultrapassa aquela medida de risco que a preparação militar comporta.
"O acidente ocorrido é extremamente raro, correspondendo a sua verificação a uma probabilidade muito baixa. De resto, nem sequer se poderia considerar ocasional ou imprevisível, na medida em que tendo sido consequência de uma conduta negligente, não se teria verificado sem a culpa, mesmo atenuada, do instrutor".

3.2.3. Escreveu-se no parecer nº 85/89, de 23 de Novembro de 1989 .
"Dir-se-á, paralelamente ao que se disse nos pareceres nºs. 202/77 e 104/79, que ser conduzido num helicóptero importa risco - que envolve designadamente o risco de acidente por avaria mecânica -, como também o importa ser conduzido num avião, num automóvel ou num barco.
"Daqui, porém, não resulta que essa medida de risco seja superior à que decorre normalmente da actividade militar, não podendo, pois, afirmar-se que o interessado tenha incorrido em situações de campanha ou que por lei lhe equivalem para o efeito".
E concluiu-se (conclusão 2ª):
"O transporte em helicóptero da Força Aérea, de dia, decorrendo em condições de visibilidade normal, ainda que tenha surgido em dada altura uma zona de nevoeiro e envolva o risco de avaria mecânica, não caracteriza um tipo de actividade militar com risco agravado enquadrável nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º., ambos do Decreto-Lei nº 43/76".

4.
Em conformidade com a doutrina exposta, que se afigura de manter, a situação ora em apreço só poderia ser equiparada às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 se o avião fosse conduzido em condições anormais, de elevado risco assumido, com o propósito de cumprir, nessas circunstâncias, o dever militar, tal como ocorreu, por exemplo, no caso tratado no parecer nº 44/76.
Diz-se na Informação do SJD do CPFA que o acidente se deveu "a falha total do motor, por válvulas gripadas em dois cilindros, o que determinou a aterragem de emergência", e que a zona do acidente era considerada "conturbada".
Apenas se admite mas não se provou, que essa "conturbação" tenha contribuído para o acidente.
Isto é, não se prova que a referida avaria e a queda do avião estejam de facto relacionadas com circunstâncias identificáveis com o espírito da lei, como se diz no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76.
Por outras palavras:
Não basta dizer que a zona era considerada "conturbada".
Para a pretendida qualificação de DFA necessário seria provar - o que não se fez - uma relação de causalidade entre o acidente e circunstâncias anormais, de elevado risco, como seria, por exemplo, se não tivesse sido possível prestar a devida assistência ao avião, antes de levantar voo, por razões relacionados com um quadro de guerra ou na situação equiparada.
Tendo em conta a prova produzida, deve entender-se que o acidente resultou de mera avaria do motor, no decurso de um voo, logo a seguir à descolagem e não de uma actividade objectivamente perigosa, equiparável às definidas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 47/76.
Conclusão:
5 Termos em que se conclui:
Não caracteriza um tipo de actividade militar com risco agravado, enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a condução de um avião que, na sequência de uma avaria do motor, aterrou de emergência em zona arborizada da mata, produzindo lesões nos seus ocupantes e a sua completa destruição.



1) Do Registo de Alterações do PSAR/MMA, (...) - a que se refere a certidão de folhas 104 - consta "zona considerada perturbada".

2) Sublinhados nossos.

3) Cfr., por exemplo, o Parecer nº 199/77, de 6/10/77, homologado por despacho de 20 do mesmo mês.

4) Cfr., entre outros, os pareceres nºs. 152/77, 6/78, 188/78, 220/78, 13/79 e 79/80, respectivamente de 28/7/77, 26/1/78, 2/11/78, 16/11/78, 1/79 e 10/7/80.

5) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 267, pág. 18.

6) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 272, pág. 33.

7) Não publicado.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
Divulgação
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