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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
52/1992, de 14.07.1993
Data do Parecer: 
14-07-1993
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Saúde
Relator: 
OLIVEIRA BRANQUINHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DIREITO À GREVE
GREVE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÍNIMOS
FUNÇÃO PÚBLICA
SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
GREVISTA
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES
REQUISIÇÃO CIVIL
INTEGRAÇÃO DA LEI
ANALOGIA
TRABALHADOR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Conclusões: 
1 - Os trabalhadores aderentes à greve e adstritos à prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer às necessidades sociais impreteríveis, no cumprimento da obrigação que lhes impõe o n 1 do artigo 8 da Lei n 65/77, de 26 de Agosto, têm direito a ser retribuídos por tais prestações, por força das disposições do artigo 59, n 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e, por analogia, do artigo 9, n 1, do Decreto-Lei n 637/74, de 20 de Novembro;
2 - A retribuição é-lhe devida pelas empresas ou estabelecimentos de que são trabalhadores e a que prestem os serviços mencionados na conclusão antecedente;
3 - O exercício do direito de greve garantido no artigo 57 da Constituição da República é admitido em relação à função pública;
4 - Não tendo sido publicada a legislação prevista no artigo 12 da Lei n 65/77 -, sobre o exercício de direito de greve na função pública, devem ser-lhe aplicadas as normas gerais sobre o exercício do direito de greve, previstas neste diploma, com as adaptações que se revelarem necessárias;
5 - Por indicação expressa na lei - artigo 8, n 2, alínea b), da Lei n 65/77 -, e pela consideração das necessidades que se destinam a satisfazer e relevando da prestação de direitos fundamentais como a vida e a saúde, os serviços de saúde, médicos e hospitalares constituem serviços que se destinam a satisfazer necessidades sociais impreteríveis;
6 - Os serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades sociais fundamentais prestadas nos estabelecimentos dos serviços públicos de saúde pelos respectivos enfermeiros devem ser retribuídos pelos serviços respectivos, nos termos das conclusões 1 e 2.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado Adjunto
do Ministro da Saúde,
Excelência:

1
Surgiram dúvidas sobre a questão de saber «se é devida remuneração aos trabalhadores grevistas que asseguram os serviços mínimos ao abrigo do artigo 8º da Lei da Greve».
Vossa Excelência dignou-se solicitar o parecer desta instância consultiva anuindo a sugestão que nesse sentido lhe foi presente (1).


2
2.1. Terá interesse, para melhor compreensão das dúvidas, transcrever os termos em que elas foram colocadas a Vossa Excelência e que são os seguintes (2):
«O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses veio solicitar o pagamento da retribuição aos enfermeiros grevistas que asseguram os serviços mínimos durante a greve.
«Para tanto, o referido Sindicato invocou que «independentemente da posição que se perfilhe quanto à fonte da obrigação fixada no artigo 8º, nº 1, da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, certo é que o seu efectivo cumprimento se traduz em trabalho, prestação de serviço, no interesse e a favor da entidade empregadora».
«Com recurso aos preceitos constitucionais (artigo 59º, nº 1) e a interpretação que a doutrina tem feito dos artigos 7º e 8º da Lei da Greve, nomeadamente as posições do Prof. Menezes Cordeiro, Direito de Trabalho, pág. 755 e do Prof. Bernardo Xavier, Direito de Greve, págs. 189/190, veio o referido Sindicato pronunciar-se no sentido do direito à retribuição dos trabalhadores grevistas que asseguram os serviços mínimos, a suportar pela entidade pagadora do respectivo vencimento.
«Contrariamente ao exposto pelo Sindicato, o Dr. Monteiro Fernandes: entende (Noção Fundamentalista (3) de Direito do Trabalho, II, 2ª edição/ano 1985, pág. 304), secundado pelo Dr. João Abrantes (Greve, Serviços Mínimos e Requisição Civil, Vega 1992), que os trabalhadores que asseguram os serviços mínimos não têm um estatuto substancialmente diferente daqueles que se abstêm do trabalho, com fundamento no facto de os trabalhadores que asseguram os serviços mínimos o fazerem para que os restantes se possam abster da sua actividade sem risco de eliminação dos seus postos de trabalho. Afirma este último que «embora o objecto da obrigação se possa identificar materialmente com o objecto das relações laborais, a verdade é que estas se encontram suspensas e que aquelas obrigações têm origem legal e não contratual, não tendo o empregador como sujeito activo».
«Perante a doutrina abundante e consolidada da Procuradoria-Geral da República sobre o Direito da Greve, sugere-se que se submeta a parecer daquele órgão a questão concreta de saber se é devida remuneração aos trabalhadores grevistas que asseguram os serviços mínimos ao abrigo do artº 8º da Lei da Greve.»


2.2. A consulta impõe, pelo contexto em que vem formulada, se responda a três questões: 1) se os trabalhadores aderentes à greve e que prestem os serviços mínimos têm direito a remuneração; 2) por que título; 3) quem lha deve.
Por esta mesma ordem (infra 3.1, 3.2 e 3.3) se irão tratar, após o que se fará a aplicação ao caso objecto da consulta (infra, 4) seguindo-se as conclusões (infra, 5).

3
3.1. O tratamento da primeira questão aconselhará desdobrar a análise começando por uma breve síntese sobre a noção de greve e o efeito essencial do exercício do respectivo direito sobre a relação laboral, designadamente sobre o binómio prestação de trabalho/remuneração (infra, 3.1.1.), passando, depois, à obrigação de prestação de serviços mínimos e sua retribuição (infra 3.1.2.).
3.1.1. No nosso sistema jurídico a greve constitui um direito constitucionalmente garantido (artigo 57º, nº 1, da Constituição) incluído entre os «Direitos fundamentais (Parte I) no Capítulo III - «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores» do Título II - «Direitos, liberdades e garantias» (4).
Nem a Constituição nem a lei ordinária - Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, Lei da Greve (5) - contêm uma definição de greve.
A precedente Lei da Greve - Decreto-Lei nº 392/74, de 27 de Agosto - que a actual revogou, continha como «noção de greve» (artigo 2º) a seguinte: «Considera-se greve a recusa colectiva e concertada do trabalho tendente à defesa e promoção dos interesses colectivos profissionais dos trabalhadores».
Desvinculado o exercício do direito à greve, na Constituição, da simples prossecução de interesses colectivos profissionais (6), poderá evocar-se, como expressão do que a greve terá de essencial, no que aqui interessa, o conceito recolhido em pareceres deste corpo consultivo, segundo o qual a greve «é a recusa colectiva e concertada do trabalho, manifestando a intenção dos trabalhadores de se colocarem provisoriamente fora do contrato, a fim de assegurarem o êxito das suas reivindicações» (7).
A recusa do trabalho está implícita no articulado da Lei 65/77 (artigos 4º, 6º, 8º, nºs 1 e 3 e 8) e a colocação provisória fora do contrato exprime-se na disciplina dos «efeitos da greve« que se contém no artigo 7º, de que convirá registar:
«1. A greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição, e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade». (8).
Este Conselho Consultivo tem repetidas vezes afirmado relativamente ao efeito essencial da greve, isto é, à suspensão das relações emergentes do contrato de trabalho, que à falta de prestação de trabalho no período de greve por parte do trabalhador a esta aderente corresponde a desobrigação da remuneração por parte da entidade patronal (9).
3.1.2. Passando à obrigação de prestação de serviços mínimos convirá transcrever o que sobre isso dispõe o artigo 8º da Lei nº 65/77, epigrafado de «Obrigações durante a greve»:
«1. Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos, indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.
«2. Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores:
a) Correios e telecomunicações;
b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
e) Abastecimento de águas;
f) Bombeiros;
g) Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho de ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e descargas.
«3. As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.
«4. Os serviços mínimos previstos no nº 1 podem ser definidos por convenção colectiva ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.
«5. Não havendo acordo anterior ao pré-aviso quanto à definição dos serviços mínimos previstos quanto no nº 1, o Ministério do Emprego e da Segurança Social convoca os representantes dos trabalhadores referidos no artigo 3º e os representantes dos empregadores, tendo em vista a negociação de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios para os assegurar.
«6. Na falta de acordo até ao termo do 5º dia posterior ao pré-aviso de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior é estabelecida por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do Ministro do Emprego e da Segurança Social e do ministro responsável pelo sector de actividade, com observância dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
«7. O despacho previsto no número anterior produz efeitos imediatamente após a sua notificação aos representantes referidos no nº 5 e deve ser afixado nas instalações da empresa ou estabelecimento, nos locais habitualmente destinados à informação aos trabalhadores.
«8. Os representantes dos trabalhadores a que se refere o artigo 3º (10) devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos nos nºs 1 e 3, até quarenta e oito horas antes do início do período de greve, e, se não o fizerem, deve a entidade empregadora proceder a essa designação.
«9. No caso de incumprimento das obrigações previstas nos nºs 1, 3 e 8 pode o Governo determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável» (11).
Não sendo o direito de greve um direito ilimitado, como se reconhece e repetidas vezes tem sido afirmado nesta instância consultiva (12), a disciplina do artigo 8º, designadamente ao estabelecer a obrigação de prestação de «serviços mínimos» indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis nas empresas ou estabelecimentos que se destinem a satisfazê-las, regula aspectos desse carácter limitado (13).
A limitação decorrente das obrigações impostas pelo artigo 8º analisa-se, do ponto de vista da prestação de trabalho, cuja recusa integra a noção de greve, na imposição do dever de o realizar no âmbito das finalidades estabelecidas nos nºs 1 e 3, instrumento que é a actividade produtiva, em que o trabalho se analisa, de tais finalidades; do ponto de vista dos sujeitos da prestação, na adstrição de trabalhadores aderentes à greve ao cumprimento do respectivo dever.
O ponto de vista do objecto daquele dever encontra-se expresso nos nºs 1 e 3 do artigo 8º: «prestação de serviços mínimos ...», «prestar ... os serviços necessários».
O ponto de vista subjectivo passivo do cumprimento desses deveres de prestação encontra-se traduzido nos nºs 3 e 8 do mesmo artigo 8º: «... os trabalhadores ficam obrigados a prestar ...», « ... os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos nos nºs 1 e 3» (14).
Não têm sido unânimes as posições acerca da correlação entre as disposições do artigo 7º, que determina, como efeito de greve, no que respeita aos trabalhadores aderentes, a suspensão das relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, a desvinculação dos deveres de subordinação e assiduidade (nº 1), e do artigo 8º, que impõe aos aderentes algumas prestações de serviços no âmbito das respectivas empresas (nºs 1 e 3).
Sem embargo do que mais pormenorizadamente se dirá a propósito da segunda questão a tratar (infra, 3.2.), basta agora mencionar que certa concepção articula os preceitos concebendo os nºs 1 e 3 do artigo 8º como, digamos, normas restritivas do nº 1 do artigo 7º enquanto a suspensão das relações contratuais não abrange os trabalhadores adstritos às prestações dos serviços a que obriga o artigo 8º. Uma outra concepção, todavia, não encontra articulação, pelo que no cumprimento das obrigações impostas pelo artigo 8º os trabalhadores aderentes à greve continuariam fora do contrato de trabalho desempenhando funções impostas por lei e, de algum modo, instrumentais da greve.
Seja de uma maneira ou de outra - sobre isso tomaremos posição a propósito do problema do título de retribuição (infra, 3.2.) -, o trabalho prestado no cumprimento das obrigações definidas nos nºs 1 e 3 do artigo 8º deve ser remunerado.
O que é obrigação de prestação de serviços nos termos do artigo 8º é específico de trabalhadores, enquanto tais, isto é prestadores de actividades, componentes de um complexo de meios económicos - empresa ou estabelecimento.
E sendo assim, constitui direito fundamental seu verem-se retribuídos pelo trabalho que prestem, como dispõe o artigo 59º, nº 1, alínea a), da Constituição (15).
Se concebida essa prestação «dentro do contrato de trabalho», uma das concepções acerca das relações entre o nº 1 do artigo 7º e do artigo 8º, o princípio constitucional fica observado no cumprimento do contrato de trabalho, enquanto neste a retribuição é um dos direitos do trabalhador, e correspondentemente constitui dever da entidade patronal (artigos 1º e 19º, alínea b) do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969).
Se concebida essa prestação fora do contrato de trabalho, o dever de retribuição, ainda aqui reconduzível à fonte constitucional citada, como se disse, assentará, também em fontes ordinárias, por analogia (artigo 10º, nº 2, do Código Civil), ou talvez por norma criada pelo intérprete dentro do espírito do sistema (artigo 10º, nº 3, do mesmo Código), com o disposto no artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 637/74, de 20 de Novembro.
Como instrumento último de garantia de cumprimento das obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77, prevê-se no seu nº 9 «a requisição (...) nos termos da lei aplicável».
Essa lei é, sem dúvida o Decreto-Lei nº 637/74 que, em caso de requisição de pessoas, a afectar tendo em consideração «quanto possível, as respectivas profissões» (artigo 7º, nº 1), lhes estabelece (artigo 9º, nº 1) o direito de indemnização constituída pelo «vencimento ou salário decorrente do respectivo contrato de trabalho ou categoria profissional» (16).
A não ser bastante a invocação de analogia para aplicação da norma do artigo 9º, nº 1 - a imposição legal de prestação de serviços estabelecidos nos nºs 1 e 3 do artigo 8º, seria distinta da imposição administrativa da requisição - bem poderia construir-se norma com base nessa, atento que, não estando prevista retribuição em lei ordinária - na tese extracontratual que vimos considerando -, sempre se trataria de trabalho imposto a trabalhadores da própria empresa e, constitucionalmente, a remunerar obrigatoriamente.
3.2. Por que título, a final, hajam de ser remunerados os serviços mínimos prestados pelos trabalhadores, aderentes à greve, mas a tais serviços adstritos é o tema que ora cumpre abordar.
A questão é aqui entendida como respeitando à prestação decorrente do acatamento da injunção do artigo 8º, nº 1, sem coerção derivada do meio extremo de garantia dessa obrigação que consiste na requisição ou mobilização determinadas pelo Governo nos termos do nº 9 do artigo 8º em caso de incumprimento da mesma obrigação.
Responder a esta questão supõe tomar posição sobre a correlação entre a norma do artigo 7º, nº 1, e a norma do nº 1 do artigo 8º, como se disse (supra, 3.1.2.). Convirá registar as posições que a esse propósito têm sido sustentadas (infra, 3.2.1), para de seguida tomar aqui posição (infra, 3.2.2.) e concluir, por fim, nesta parte (infra, 3.2.3.).

3.2.1. Constituindo as obrigações prescritas nos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº65/77 limitações do direito de greve, e tendo o exercício deste direito os efeitos estabelecidos no artigo 7º, nº 1, da mesma lei, vêm sendo sustentadas duas teses quanto à correlação entre aquelas limitações e estes efeitos.
Uma delas sustenta, em substância, que tais obrigações constituiriam um limite, ou melhor, um impedimento àqueles efeitos.
Os trabalhadores aderentes à greve adstritos à prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (nº 1 do artigo 8º) ou de serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações (nº 3 do artigo 8º) não ficariam colocados fora do contrato, que quanto a eles não se suspenderia, nomeadamente quanto ao direito à retribuição e aos deveres de subordinação e actividade.
Esta posição tem sido subscrita na doutrina, designadamente, por Bernardo da Gama Lobo Xavier (17) e António Meneses Cordeiro (18).
Em apoio desta tese observa o primeiro destes autores que apesar de não estar em jogo apenas o interesse da empresa - porque a manutenção das instalações está ligada também à conservação do suporte de emprego e à satisfação das necessidades sociais impreteríveis se prende com importantíssimos interesses da comunidade - todavia, escreve, «a satisfação das necessidades sociais impreteríveis e a manutenção das instalações é ainda uma função de responsabilidade empresarial: aos trabalhadores compete colaborar em que esta função se execute.
«Na verdade, o ordenamento não transfere em caso de greve a gestão dos serviços essenciais das mãos do empregador para os da comunidade grevista. Diremos que as empresas e os grevistas devem cooperar para que algumas actividades se mantenham, e continuem, dentro de certos limites, como se não houvesse greve.
«Continuando os serviços essenciais a ser geridos pela entidade patronal, naturalmente que a posição dos trabalhadores que tenham sido porventura designados para prestar o trabalho indispensável deve ser igual a todos os outros trabalhadores em serviço: assim estarão sujeitos às directrizes técnicas das hierarquias respectivas. Por outro lado, estarão constituídos na obrigação de obedecer a essas hierarquias, obrigação garantida pela aplicação de oportunas sanções disciplinares; quando não, deixar-se-ia este dever jurídico sem sanção. Aliás, se não fosse punível a negação da colaboração devida à entidade patronal, que risco não haveria na inclusão, na organização empresarial de trabalhadores em greve, que poderiam assumir sem sanção apropriada os mais diversos comportamentos lesivos?
«Cremos, finalmente, que esses trabalhadores têm efectivamente direito à retribuição (senão haveria um injusto locupletamento patronal), correndo também por conta da empresa o risco de acidentes de trabalho emergentes de tarefas prestadas nesses serviços essenciais.
«Em suma, o funcionamento dos serviços essenciais afigura-se-nos constituir uma verdadeira limitação à greve, de que resulta a denegação desse direito, conforme as circunstâncias, a um número mínimo de trabalhadores potencialmente grevistas e relativamente aos quais se mantém efectivo (e não suspenso) o contrato de trabalho ((x1) «O problema será diverso quando, sobretudo em pequenas empresas, tais serviços essenciais se limitem a tarefas de conservação e segurança esporádicas e pouco demoradas».
x1). Não se extrai da lei a responsabilidade directa das organizações de trabalhadores e da massa grevista relativamente aos serviços essenciais, ficando aquelas investidas no domínio e gestão das empresas quanto a esses serviços: ao trabalhador apenas cabe prestar a mão de obra indispensável».
MENEZES CORDEIRO começa por notar que a adesão à greve suspende os deveres principais emergentes da situação jurídica laboral e mantém os deveres acessórios que desses não dependem e que da situação de greve surgem ope legis «novos deveres acessórios, de tipo instrumental», que são precisamente os previstos nos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77.
No tocante à obrigação de prestação de serviços mínimos nas unidades - empresas e estabelecimentos - que satisfaçam necessidades sociais impreteríveis, entende que só os trabalhadores podem prestar tais serviços, não o podendo fazer as associações sindicais, por serem entes colectivos, significando a lei, quando a estas os imputa, que, no fundo as adstringe a deveres instrumentais: elas não devem, por acção ou omissão, obstar à concretização dos serviços em jogo».
Colocando a questão de saber «quem prescreve tais serviços mínimos - os que os trabalhadores, embora em greve, devem prestar - quem dirige os trabalhadores e quem os remunera», começa por afirmar que «a satisfação das necessidades sociais impreteríveis visa o interesse da colectividade e não o do empregador; este tal como os trabalhadores fica legalmente investido no dever de assegurar essas necessidades».
E responde nestes termos:
«Neste pano de fundo, verifica-se que todos conservam, no decurso da greve, embora por imposição legal, as responsabilidades que lhes advêm da sua posição no processo produtivo. Assim, não parece admissível defender que as associações sindicais - ou os próprios colectivos de trabalhadores, quando fossem estes a decretar a greve - venham assegurar, através da sua direcção, as prestações de serviços mínimos», «e, como acrescenta em nota de fundo de página, logo a remunerar a prestação em causa, quando esse fosse o caso». E prossegue: «se assim fosse tudo se passaria à margem do contrato de trabalho ((x2) «Tal a opinião de MONTEIRO FERNANDES, «Direito de Greve», cit., 60».
x2) e, daí fora da própria situação jurídico-laboral. Tal esquema não pode ter sido querido pelo legislador por impraticável: os sindicatos são associações profissionais de defesa de classe; não são empresas. Nenhuma greve teria, pois, a virtualidade de transformar sindicatos em entidades patronais, numa conjunção para que não estão apetrechados nem vocacionados e que, como é fácil imaginar, iria pôr em causa a sua liberdade e independência. Em última análise, a direcção do empregador deve manter-se» ((x3) «Trata-se de um caminho apontado por B. XAVIER, «Direito de Greve», cit., 186 e 189-190».
x3).
Conclui haver que «operar na medida do necessário, a redução teleológica do artigo 7º/1 da LG» (19), acrescentando que, em relação ao dever estabelecido no nº 3 do artigo 8º, «tudo isto funciona». Nesta hipótese do nº 3 do artigo 8º estariam em causa os objectivos de: preservar os postos de trabalho; salvaguardar as unidades produtivas, em prol da colectividade, prevenir danos desmesurados para o empregador, observando sobre isto que «ocorre também uma confluência que implica uma colaboração entre grevistas e empregadores, do tipo do acima referido». Remata, depois de notar que a inobservância destes dispositivos pode conduzir à requisição civil, segundo o artigo 8º/4 da LG (20), observando que, para além disto, se mantém o poder disciplinar da entidade empregadora, perante todas as violações de deveres que não estejam suspensos por força da greve.
Outra é a posição, designadamente de ANTÓNIO DE LEMOS MONTEIRO FERNANDES (21), JOSÉ JOÃO NEVES ABRANTES (22), JORGE LEITE (23) ANTÓNIO JORGE DA MOTA VEIGA (24) e também a deste Conselho Consultivo em pareceres já citados (25).
O primeiro destes autores, correlacionando o artigo 7º, nº 1, e o artigo 8º, sustenta acerca daquele que, não obstante a greve colocar os trabalhadores aderentes à paralisação «fora do contrato« quanto aos efeitos característicos deste, a lei investe-os em certos deveres «que podem mesmo implicar a necessidade do exercício da sua actividade normal» (26).
Assim acontece com os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, por força do nº 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77, «tarefas obrigatórias que devem ser desempenhadas pelos trabalhadores que normalmente as têm a seu cargo, e adentro das normas e directrizes técnicas que sejam emitidas pelas hierarquias responsáveis» e isso acontece também com obrigações impostas pelo nº 1 do mesmo artigo - prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis no caso particular das empresas aí referidas (27).
O artigo 8º, na concepção deste autor, estabelece «algumas restrições importantes ao pleno exercício do direito de greve, inspiradas pelo objectivo genérico de evitar prejuízos nos equipamentos e instalações da empresa (nº 3) e no propósito específico de assegurar a continuidade dos chamados serviços essenciais (nº 1)» (28).
Não se trata de privação de direito de greve mas tão-só de «restrições importantes ao exercício desse direito».
Privação não porque a Lei nº 65/77 pressupõe claramente a universalidade desse direito, mas sim um mecanismo de atribuição legal de obrigações às associações sindicais e aos trabalhadores, obrigações cujo objecto é definido pelo fim socialmente útil que a lei pretende tutelar (continuidade dos serviços essenciais e segurança e manutenção do equipamento e instalações).
É à margem da execução dos contratos de trabalho que cabe às ditas associações e trabalhadores assegurar a prestação da actividade necessária e adequada à realização de tais fins: à margem porque os contratos estão suspensos (artigo 7º, nº 1) e as ditas obrigações não têm o empregador como sujeito activo (29).
No que toca ao nº 3 do artigo 8º o autor cuja concepção vimos sumariando escreve que aí só existe aparentemente privação do direito de greve. «Em primeiro lugar, diz, trata-se de cobrir responsabilidades transferidas, em consequência de greve para o sindicato e o conjunto dos trabalhadores parados: ao cumprirem as referidas tarefas, os trabalhadores não estão em rigor, a conduzir-se no âmbito da subordinação à entidade patronal, mas no da solidariedade profissional - em atenção ao interesse colectivo (de categoria) e não no interesse particular daquela entidade. Em segundo lugar, trata-se de condutas que, justamente, produzem o efeito útil (para o êxito da greve) de manter intacto o suporte do emprego apesar da paragem: alguns trabalhadores trabalham para que os restantes possam abster-se da sua actividade sem o risco de eliminação dos postos de trabalho». E prossegue: «Pelas razões expostas, entendemos que, em rigor, o estatuto dos trabalhadores atingidos pelo nº 3 do artigo 8º não difere substancialmente do dos que efectivamente se abstêm de trabalhar.
«Repete-se: os prestadores de serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, não estão a cumprir o contrato de trabalho (pode até, acontecer que esses serviços não cubram a plenitude das suas funções normais), mas a executar um comportamento pelo qual a lei responsabiliza a associação sindical e o conjunto dos trabalhadores. Trata-se de trabalhadores em greve, cujos contratos ficam suspensos nos termos do artigo 7º LG - ou seja, sem direito ao salário nem a obrigação de prestarem trabalho (todo o trabalho) a que pelo contrato se comprometeram. Por outras palavras: não se acham à disposição do empregador mas à do sindicato e do conjunto dos aderentes»(30).
Admite que, não obstante a falta de disposição dos aderentes à greve pelo empregador «como já se sugeriu, possa verificar-se dependência técnica relativamente às hierarquias responsáveis pelo funcionamento dos serviços a assegurar», não crendo, todavia, lícito o uso do poder disciplinar da entidade patronal no caso de inobservância do comportamento devido (31).
JOÃO JOSÉ NEVES ABRANTES, escrevendo sobre «regime de prestação de serviços mínimos» e discordando de BERNARDO XAVIER e MENESES CORDEIRO, que cita, acompanha Monteiro Fernandes, cuja argumentação cita, por não descortinar motivo para operar a redução do artigo 7º da Lei da Greve - no contexto refere-se à redução teleológica do nº 1 desse artigo, sustentado por MENESES CORDEIRO, isto é à «ideia de que a suspensão do contrato só iria até aos limites nucleares dos serviços mínimos» - redução que levaria à privação do direito de greve de certos trabalhadores. Acrescenta a terminar: «Embora o objecto da obrigação se possa identificar materialmente com o objecto das relações laborais, a verdade é que estas se encontram suspensas e que aquelas obrigações têm origem legal, e não contratual, não tendo o empregador como sujeito activo» (32) e questiona, em nota de reforço a estas palavras «como é que se justificaria a referência do nº 2 do artigo 7º a acidente de trabalho opinando que tal referência «parece pressupor que há trabalhadores em greve a trabalhar, o que só pode acontecer nesta situação do artigo 8º» (33).
Mais recentemente este autor, sob a epígrafe «greve e serviços essenciais à comunidade: a obrigação de prestar serviços mínimos», escreveu: (34).
«1.1 A obrigação de prestar serviços mínimos, imposta aos sindicatos e aos trabalhadores grevistas pelo nº 1 do artigo 8º da Lei nº 65/77, de 26-8, é uma das principais restrições ao exercício da greve, o qual, tendo a sua razão de ser na necessidade de tutela do interesse geral da comunidade e dos direitos fundamentais dos cidadãos, deverá contudo, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da C.R.P., limitar-se ao mínimo indispensável para salvaguardar outros bens (também) constitucionalmente protegidos e, mesmo assim, de modo a que tal exercício não seja absolutamente sacrificado em função desses outros interesses.
«Não é, aliás, a greve o único facto constitutivo das obrigações do artigo 8º, 'sendo ainda necessário que os bens protegidos através delas o não possam ser por outro meio adequado, designadamente pelos trabalhadores não aderentes à greve» (35).
«Não se trata aí de uma privação do direito de greve, da sua titularidade, mas, apenas, de uma limitação ao seu exercício a nível dos serviços essenciais à comunidade, a ser entendida o mais restritivamente possível em vista de determinado resultado, tendo que haver uma 'relação directa entre a restrição sofrida pelo exercício do direito de greve e o gozo de outros direitos fundamentais coenvolvidos'» (36).

JORGE LEITE, referindo-se, sob a epígrafe «efeitos da greve, ao artigo 7º da Lei nº 65/77, escreve, designadamente, que «A lei desenha, assim, com alguma precisão, o regime de suspensão em que se traduz a modificação contratual operada com o exercício de direito à greve. O trabalhador, durante a greve, perde o direito à retribuição, fica desobrigado de cumprir a sua prestação e desvincula-se dos deveres de subordinação» (37).
Sobre «outros aspectos jurídicos da greve», além da suspensão do contrato, salienta, nomeadamente os seguintes:
«a) A obrigação de as associações sindicais e os trabalhadores garantirem as prestações mínimas indispensáveis á satisfação de necessidades sociais impreteríveis (artigo 8º, nº 1) e a de prestarem os serviços necessários à segurança e manutenção das instalações e do equipamento (artigo 8º, nº 3).
Depois de se referir ao facto constitutivo destas obrigações, que são de «fonte legal e não contratual», termina escrevendo acerca das prestações necessárias ao seu cumprimento que «não são prestações de trabalho subordinado e não implicam para aqueles que as realizam a sujeição às ordens da entidade empregadora nos mesmos termos da prestação normal. Os trabalhadores são ainda trabalhadores em greve que devem cumprir as suas obrigações com a diligência requerida à protecção dos bens em causa e segundo as instruções da entidade empregadora, desde que estas se limitem a aspectos técnicos» (38).
ANTÓNIO JORGE DA MOTA VEIGA, a propósito das obrigações impostas nos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77, entende que «Ao executarem estes serviços de manutenção, segurança e satisfação de necessidades impreteríveis, os grevistas continuam fora do contrato de trabalho, não estando sujeitos à autoridade patronal, mas sim à do sindicato ou sindicatos promotores, ou da comissão de greve» (39) (40).
Este Conselho Consultivo já teve oportunidade de versar o tema da correlação entre o artigo 7º, nº 1 e o artigo 8º, nºs 1 e 3 da Lei nº 65/77.
Fê-lo no Parecer 104/82, já citado, a propósito de qualificação de acidentes sofridos pelos trabalhadores em virtude da execução das obrigações estabelecidas nos nºs 1 e 3 do artigo 8º.
A esse propósito formulou as seguintes conclusões:
«7ª. Os acidentes ocorridos no decurso de uma greve não são, em princípio, caracterizáveis como acidentes de trabalho, ressalvando-se aqueles casos em que, não obstante a greve e a consequente suspensão do contrato, o trabalhador se encontre numa situação de obediência a uma ordem do empregador;
«8ª. Os acidentes ocorridos no cumprimento dos deveres impostos pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77 são, em princípio, caracterizáveis como acidentes de trabalho, salvo naqueles casos em que se mostre excluída toda e qualquer relação de dependência para com a entidade patronal, em termos de se poder considerar que o trabalho foi executado à margem das normas e directrizes técnicas emitidas pelas hierarquias responsáveis e, portanto, exclusivamente sob a orientação e responsabilidade das associações sindicais ou dos trabalhadores».
A primeira conclusão assenta na consequência mais saliente do exercício da greve enunciada no nº 1 do artigo 7º da Lei nº 65/77 - a suspensão do contrato individual dos trabalhadores que a ela aderirem.
A conclusão lógica imposta pela suspensão do contrato e a desvinculação de subordinação, é de que o nº 1 exclui a possibilidade da caracterização como acidente de trabalho de sinistros ocorridos no decurso da greve. Mas se a exclusão decorre da retomada da independência do trabalhador serão de ressalvar os casos em que «não obstante a greve e a consequente suspensão do contrato, os trabalhadores eventualmente se encontrem em situação de obediência a uma ordem do empregador (que lhes não pode ser exigida, mas que eles podem acatar voluntariamente), de quem continuam a ser subordinados»(41).
E é a propósito de saber se essa regra de impossibilidade de caracterização como acidentes de trabalho dos acidentes ocorridos no decurso da greve não sofreria desvio por virtude das obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º que surgem as considerações com pertinência ao tema que nos ocupa, que tem como fundo, no contexto, a suspensão do contrato nos termos do nº 1 do artigo 7º.
Valerá a pena recordar, transcrevendo, o que a esse propósito se escreveu no parecer:
«2.1. Demonstrada a impossibilidade de, em princípio, caracterizar como de trabalho os acidentes ocorridos no decurso de uma greve, interessa averiguar, em conformidade com a pergunta formulada, se essa regra não sofre algum desvio em virtude dos deveres impostos pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77, do seguinte teor:
«1. Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.
2. ...........................................................................................
3. As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.
4. .................….................................................».
«2.2 Flui deste preceito, que a lei investe as associações sindicais e os trabalhadores em certos deveres que podem mesmo implicar a necessidade do exercício da sua actividade normal, ficando, assim, adstritos a manter, por vezes na mesma extensão, o cumprimento das tarefas que normalmente realizam.
«Referindo-se ao nº 3 do citado artigo 8º, escreveu Monteiro Fernandes: «Em primeiro lugar, trata-se de cobrir responsabilidades transferidas, em consequência da greve, para o sindicato e o conjunto dos trabalhadores parados: ao cumprirem as referidas tarefas, os trabalhadores não estão, em rigor, a conduzir-se no âmbito da subordinação à entidade patronal, mas no da solidariedade profissional - em atenção ao interesse colectivo (de categoria) e não ao interesse particular daquela entidade. (...) Ao prestarem os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, não estão a cumprir o contrato de trabalho, mas a executar um comportamento pelo qual a lei responsabiliza a associação sindical e o conjunto dos trabalhadores. (...) Não se acham à disposição do empregador mas à do sindicato e do conjunto dos aderentes» x1.
«Em obra mais recente x2, o mesmo autor pondera: «O mecanismo configurado pelo legislador português é o da atribuição de obrigações (não contratuais mas legais, portanto) às associações sindicais e aos trabalhadores, obrigações cujo objecto é definido pelo fim socialmente útil que a lei pretende tutelar: a continuidade dos serviços essenciais ... e a segurança e manutenção do equipamento e instalações. Cabe ao sindicato que declarou a paragem e aos trabalhadores aderentes assegurar, à margem da execução dos contratos de trabalho (pois estes ficam suspensos durante a greve e, de qualquer modo, as referidas obrigações não têm o empregador como sujeito activo), a prestação da actividade necessária e adequada à realização desses fins».
«2.2. A consideração de que as obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º se não fundam no contrato de trabalho nem têm como sujeito activo o empregador, pareceria conduzir à conclusão de que, também nesta situação, estaria sempre excluída a possibilidade de se caracterizarem acidentes de trabalho.
Afigura-se, porém, não ser esse o melhor entendimento.» (42).
Ulteriores pareceres têm observado esta linha de entendimento acerca da natureza das obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77, concebendo-os como não implicando execução do contrato de trabalho dos aderentes à greve adstritos à prestação dos serviços correspondentes a essas obrigações.
Cite-se a esse propósito o parecer nº 54/87, onde a propósito de regulamentos de empresa que se propusesse determinar o nível de serviços mínimos indispensáveis e sobre regras de segurança e manutenção de equipamento, se entendeu que, tendo a virtualidade desses regulamentos a sua fonte no vínculo de subordinação derivado da efectividade do contrato de trabalho não podiam vincular os sujeitos passivos das obrigações impostas nos nºs 1 e 3 daquele artigo 8º, quer as associações sindicais por não serem partes no contrato quer os trabalhadores em greve por se encontrarem suspensos os vínculos desse contrato (43).
Recorde-se, também, o parecer nº 22/89. Aí a propósito da competência para determinar os serviços mínimos indispensáveis, que se veio a entender pertencer ao Governo, ponderou-se para tal que, por um lado, tratando-se do «conteúdo de uma obrigação legal, que toca os limites inerentes do próprio direito» não poderia deixar-se «na disponibilidade da auto-regulação dos trabalhadores em greve e das próprias associações sindicais que desencadeiam e dirigem o processo» porque seria colocar na disponibilidade de uma das partes envolvidas a decisão fundamental» sobre tal conteúdo. Por outro lado, invocou-se, como excludente da competência do dador de trabalho, a circunstância de os poderes deste se encontrarem «limitados pelo âmbito do contrato de trabalho ou da relação de serviço público» e a prestação de serviços mínimos dever ser cumprida «à margem dessa relação» porque «não constitui uma prestação contratual e não se fundamenta na relação de trabalho» mas «resulta de lei» a obrigação de serviços mínimos e «o respectivo cumprimento destina-se à satisfação de necessidades fundamentais da colectividade» (44).

3.2.2. O quadro jurídico em que se desenvolveu toda a reflexão doutrinal citada e de consulta deste Conselho era constituído, além do preceito constitucional garante de direitos de greve, pelo texto originário da Lei nº 65/77.
O preceito constitucional mantém-se inalterado no seu sentido e formulação.
A Lei nº 65/77, todavia, veio a ser modificada pela Lei nº 30/92, de 20 de Outubro (supra, 3.1.1.).
As alterações incidiram em duas matérias: «pré-aviso» (artigo 5º) e «obrigações durante a greve» (artigo 8º).
Quanto às alterações relativas ao artigo 8º, além de reformulações das diversas alíneas do nº 2, enunciativas de sectores integradores de empresas ou estabelecimentos destinados à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, instituíram-se dois regimes, que faltavam no texto originário; um relativo à definição dos serviços mínimos, previstos no nº 1 (45), e outro relativo à designação dos trabalhadores aderentes à greve a adstringir à prestação desses serviços e dos serviços necessários à segurança e manutenção de equipamento e instalações.
Sem curar das alterações ao artigo 5º, falhas de interesse no contexto do presente parecer (46), dir-se-á que as relativas às alíneas do nº 2 do artigo 8º se cifram em nova redacção considerado o texto original, e as referentes aos dois novos regimes se inseriram em novos números 4 a 8, importando a passagem a nº 9 do primitivo nº 4, com precisão de texto e alargamento de previsão (47).
A reponderação das posições deste corpo consultivo acerca da correlação entre o artigo 7º, nº 1 e o artigo 8º, nºs 1 e 3 da Lei nº 65/77, mesmo à luz das alterações assinaladas introduzidas pela Lei nº 30/92, não conduz, todavia, a modificar o que a esse respeito tem sido constante, explícita ou implicitamente, nos pareceres que sobre questões relativas ao direito de greve têm vindo a ser emitidos .
Isto é, e no essencial, continuamos a entender que as obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º, têm fonte na lei e não no contrato, e o seu cumprimento, por parte dos trabalhadores aderentes à greve e adstritos a prestar os serviços respectivos, não se insere na execução do contrato de trabalho (48) que os liga às respectivas entidades patronais, mas na observância do regime legal específico do direito de greve.
Sem olvidar a argumentação favorável à posição que na correlação entre os dispositivos em causa advoga redução teleológica da norma do nº 1 do artigo 7º, confirmando a suspensão do contrato de trabalho só ao excedente das obrigações impostas no artigo 8º (49), afigura-se que das alterações deste artigo, consistentes nos dois novos regimes instituídos - definição de serviços mínimos e designação de trabalhadores para prestação obrigatória de serviços nos termos dos nos 1 e 3 do mesmo artigo - resultará um reforço do entendimento que tem sido o deste Conselho.
Na verdade, quanto à definição dos serviços mínimos, não se atribuiu competência ao dador de trabalho.
Em situação de normalidade laboral, isto é, anterior ao conflito no qual a greve se insere, é às partes competentes para celebrar convenções colectivas que se confere competência para nestas convenções os definirem ou é aos dadores de trabalho e aos representantes dos trabalhadores que se dá a faculdade de o fazerem por acordo (nº 4 do artigo 8º).
Em situação de conflito, na iminência de greve já pré-avisada, ainda é a via do acordo entre os representantes dos trabalhadores (associação ou associações sindicais ou comissão de greve - artigo 3º) e os representantes dos empregadores o primeiro passo (nº 5 do artigo 8º), que, não resultando, abre, por fim, a via da imposição administrativa para que é competente o Governo (nºs 6 e 7) (50).
Quanto ao regime de designação de trabalhadores a adstringir ao cumprimento das obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º é aos representantes dos trabalhadores que compete, isto é, à associação ou associações sindicais ou comissão eleita «ad hoc» referidas no artigo 3º.
Só a omissão dessa designação, que para tais representantes constitui um dever - «devem designar» como se lê no nº 8 do artigo 8º -, a observar até 48 horas antes do período de greve, confere competência à entidade empregadora, cujo exercício também para esta constitui dever - «deve», lê-se de seguida (51).
Esses dois regimes parecem melhor compagináveis com uma concepção que vê na concatenação do nº 1 do artigo 7º e dos nºs 1 e 3 do artigo 8º a expressão de um regime, quanto às obrigações impostas nestes preceitos, que as coloca fora do contrato.
Na verdade, a intervenção da entidade patronal, ou não é por si bastante (nºs 4 a 7, do artigo 8º) ou é subsidiária (nº 8 do mesmo artigo) e neste caso com sugestão até de uma fonte diversa do contrato, a lei, para o «dever» de designação dos trabalhadores a adstringir ao cumprimento daquelas obrigações (52).

3.2.3. A solução a que se chegou - as prestações de serviço correspondentes às obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º situam-se fora do contrato de trabalho - implica que a respectiva retribuição não se possa conceber como correspectiva da execução do contrato pelos trabalhadores.
Sendo assim, resta uma das vias já enunciadas (supra 3.1.2.).
Optando por uma delas, e dando como assente por imperativo constitucional, o direito à retribuição (artigo 59º, nº 1, alínea a) da Constituição), dir-se-á que a sua concretização se deve operar por analogia com o disposto no nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 637/74.
A analogia radica na similitude da obrigação de prestação, num caso e noutro por via de preceitos imperativos, à margem, portanto, da autonomia da vontade, isto é, do cumprimento de relações de serviço voluntariamente criadas.
Assim a medida da retribuição consistirá, tal como se dispõe no Decreto-Lei nº 637/74, na retribuição correspondente ao vínculo de emprego, correspectiva do dever de prestar o trabalho, que neste diploma é significado pelas palavras «vencimento ou salário decorrente do respectivo contrato de trabalho ou categoria profissional».
A quantidade concreta há-de medir-se pelas «quantidades» dos serviços prestados, que representam afinal os limites do exercício do direito de greve que as obrigações impostas pelo artigo 8º determinam.
Assim, resultará do princípio da estrita necessidade que deve pautar a concretização de tais obrigações restritivas o exercício do direito de greve. A Lei nº 65/77 fala em «serviços mínimos indispensáveis» (nº 1 do artigo 8º) e «serviços necessários à segurança e manutenção» (nº 3 do artigo 8º), e o Decreto-Lei nº 637/74 alude às medidas determinadas ... necessárias para, em circunstância particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de sectores vitais da economia nacional» (artigo 1º, nº 1) (53).
3.3. Passemos à ultima questão ou seja quem deve satisfazer a retribuição dos serviços prestados pelo trabalhadores aderentes à greve no cumprimento das obrigações impostas nos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 67/77.
Entendemos que estão obrigadas ao pagamento precisamente as entidades empregadoras que recebem e de imediato beneficiam das prestações de serviço em causa.
É certo que se detectaram na origem das obrigações impostas pelos nºs 1 e 3 do artigo 8º motivações e finalidades que estão para além de tais entidades.
O que justifica as obrigações do nº 1 do artigo 8º são razões de ordem social e tem-se visto, como fundamento para as impostas pelo nº 3, o benefício dos próprios grevistas em conservar os seus empregos pela preservação das próprias empresas.
Essas razões, todavia, não são contrárias à consideração de que a empresa é o instrumento de realização da satisfação das necessidades sociais impreteríveis que justifica as obrigações legais impostas pelo nº 1, e são as empresas desse tipo, exemplificadas no nº 2, que devem prestar essa satisfação, para tanto nelas se conjugando organização, capitais e trabalho.
Não se compreenderia juridicamente que, recebendo dos trabalhadores bens como componente das prestações a que estão legalmente obrigadas, integrassem o respectivo valor sem dispêndio de uma contrapartida para quem lho prestasse, alterando a justa repartição dos frutos da sua actividade, locupletando-se, por isso, à custa alheia.
No que concerne à segurança e manutenção de bens e equipamentos, certamente que da determinação ou destruição ou desaparecimento desses bens, que afinal representam o esteio do complexo organizativo, resultará o comprometimento ou a perda das fontes de rendimento dos trabalhadores
Mas a conservação a que visam atalhar os deveres impostos no nº 3 do artigo 8º não pode ser vista desse exclusivo prisma, desconhecendo os interesses legítimos, por um lado, dos empregadores e, por outro lado, a função social das próprias empresas, enquanto comparticipantes de uma organização económica, em que também assentam objectivos de bem estar social, de correcção de desigualdades de distribuição de riqueza (artigo 81º, alíneas a) e b) da Constituição).
Ora, sendo as empresas destinatárias e beneficiárias de um bem - as prestações de serviço impostas pelo artigo 8º, nº 3, da Lei nº 65/77 - de que auferem na medida em que tais prestações evitam a deterioração ou perda de instalações e equipamento, não se vê, como, sem injusto locupletamento à custa alheia, não deveriam remunerar os seus trabalhadores prestadores de tais serviços.
Relativamente à natureza dessas empresas, isto é, como instrumentos de realização da função social na organização económica, também não se vê como justamente essa função desempenhariam, beneficiando, sem a despesa, das contrapartidas de prestações indispensáveis à sua própria existência e desempenho, à custa, portanto, de um dos elementos em que ela própria se analisa - o trabalho.
Parece-nos em suma, que sendo as empresas as imediatas beneficiárias das prestações em causa é sobre elas que impende o dever de retribuir o respectivo valor aos trabalhadores que as cumpriram em obediência ao dever que lhes impõem os nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77.


4
Resta aplicar quanto se disse ao caso concreto da consulta - retribuição de serviços mínimos a enfermeiros em greve, no âmbito da função pública.
Como já tem sido reconhecido neste Conselho Consultivo, o exercício do direito de greve garantido no artigo 57º da Constituição da República é admitido em relação à função pública, devendo ser-lhe aplicadas as normas gerais sobre o exercício do direito de greve, previstas na Lei nº 65/77, com as adaptações que se revelarem necessárias, enquanto não for publicada a legislação prevista no seu artigo 12º (54).
Relativamente aos serviços mínimos essenciais prestados pelo pessoal de enfermagem dos serviços públicos deve valer, em termos de retribuição, quanto se deixou exposto (supra, 3), cabendo às entidades processadoras dos vencimentos dos enfermeiros pagar-lhes tais serviços mínimos.

5
Em conclusão:
1º Os trabalhadores aderentes à greve e adstritos à prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer às necessidades sociais impreteríveis, no cumprimento da obrigação que lhes impõe o nº 1 do artigo 8º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, têm direito a ser retribuídos por tais prestações, por força das disposições do artigo 59º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e, por analogia, do artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 637/74, de 20 de Novembro;
2º A retribuição é-lhes devida pelas empresas ou estabelecimentos de que são trabalhadores e a que prestem os serviços mencionados na conclusão antecedente;
3º O exercício do direito de greve garantido no artigo 57º da Constituição da República é admitido em relação à função pública;
4º Não tendo sido publicada a legislação prevista no artigo 12º da Lei nº 65/77 -, sobre o exercício de direito de greve na função pública, devem ser-lhe aplicadas as normas gerais sobre o exercício do direito de greve, previstas neste diploma, com as adaptações que se revelarem necessárias;
5º Por indicação expressa na lei - artigo 8º, nº 2, alínea b), da Lei nº 65/77-, e pela consideração das necessidades que se destinam a satisfazer e relevando da prestação de direitos fundamentais como a vida e a saúde, os serviços de saúde, médicos e hospitalares constituem serviços que se destinam a satisfazer necessidades sociais impreteríveis;
6º Os serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades sociais fundamentais prestadas nos estabelecimentos dos serviços públicos de saúde pelos respectivos enfermeiros devem ser retribuídos pelos serviços respectivos, nos termos das conclusões 1ª e 2ª.





(1) Informação de 2.6.92 do Senhor Adjunto do Gabinete.

(2) Informação citada, sob a epígrafe «Assunto: - Remuneração do trabalho prestado pelos trabalhadores que durante a greve asseguram a prestação de trabalho serviços mínimos».

(3) Lapso , por «Noções Fundamentais».

(4) Consigna o artigo 57º, sob a epígrafe «Direito à greve e proibição de lock-out»:
«1. É garantido o direito à greve». Este texto mantém-se desde a versão originária da Constituição (artigo 59º, nº 1) e o da 1ª revisão (artigo 58º, nº 1).

(5) A Lei nº 65/77 foi alterada pela Lei nº 30/92, de 20 de Outubro.

(6) Como se notou e se concluiu no Parecer nº 123/76-B, de 3 de Março de 1977, (conclusão 1ª.) publicado no «Boletim do Ministério da Justiça», nº 265, págs. 57 e segs.

(7) Parecer nº 123/76-B, Capítulo 8, citando HÉLÈNE SINAY, «La Grève, no Traité du Droit du Travail», Dalloz, VI, pág. 133.

(8) O nº 2 do artigo 7º dispõe que a observância dos direitos previstos na legislação sobre previdência e acidentes de trabalho não é prejudicada pelo nº 1, e o nº 3 que o período de suspensão não pode prejudicar a antiguidade e os efeitos dela decorrentes, nomeadamente no que respeita à contagem de tempo de serviço.

(9) Cfr. Parecer nº 156/81, de 3.12.81 («Diário da República», II Série, de 28.5.82 e «Boletim do Ministério da Justiça», nº 316, pág. 82) no sentido de os trabalhadores em greve não terem direito à retribuição durante o período de greve (nº 2.2. b); Parecer nº 75/82, de 8.7.82, não publicado, referindo como núcleo da suspensão o direito à percepção do salário e do dever de subordinação (nº 5); Parecer nº 168/82, de 10.2.82 (B.M.J. nº 337, pág. 75) a greve suspende o direito à retribuição readquirindo-a os trabalhadores no seu termo (nº 6); Parecer nº 75/82, de 8.7.82, não homologado nem publicado, onde se escreve que «... o trabalhador grevista, pelo simples facto de exercer o seu direito de greve faz suspender (...) o seu contrato de trabalho naquilo que ele tem de nuclear: o direito à percepção do salário (...). Em contrapartida, a entidade empregadora deixa de o ter temporariamente como seu imediato prestador de trabalho (...) nem tendo que lhe pagar o salário normalmente devido ou qualquer retribuição por um trabalho que efectivamente não é prestado». Este passo vem reproduzido no Parecer nº 104/82, de 27.1.83, não homologado nem publicado (nº II, 3); Parecer nº 22/89, de 29.3.89, homologado e não publicado, onde se conclui que «(...) a greve suspende a relação laboral e determina a perda do vencimento correspondente aos dias de ausência, ou ao trabalho não prestado, se for de duração inferior a um dia»; Parecer nº 96/89, de 22.2.90, não homologado, onde se afirma a propósito do efeito essencial da greve no domínio das relações de trabalho - a suspensão do contrato de trabalho - que este contrato «subsiste, embora inoperante nos elementos materialmente imediatos da relação sinalagmática: do lado do trabalhador suspende-se o dever de assiduidade e de subordinação, não existindo nesse período o direito à retribuição» (nº 7).

(10) São (artigo 3º, nº 1) as «associações sindicais» ou «uma comissão eleita para o efeito» (de representar os trabalhadores em greve), esta no caso de greve votada por «assembleia de trabalhadores» das empresas em que a maioria não esteja representada por associações sindicais, nos termos do nº 2 do artigo 2º.

(11) Redacção resultante da Lei nº 30/92 que se traduziu em alterar as alíneas c), d) e g) do nº 2, e aditar os nºs 5 a 9 , este último constituindo também uma remodelação do antigo nº 4º.

(12) Cfr. Pareceres nºs 123/76-B (nº 13); 106/79, de 31.8.74 (B.M.J. nº 294, págs. 87 e segs., cap. I, nº 4 e IV, nº 1); 86/82, de 8.7.82 (ibidem, nº 325, págs. 247 e segs., nºs 4, 5 e 6); 104/82 (cap. VII); 54/87, de 22.10.87, não homologado nem publicado (nºs 4 a 9); 22/89 (nºs 5 e 8); 100/89, de 5.4.90 («Diário da República», II Série, nº 276, de 29.11.90, nºs 4 e 6).

(13) Vejam-se sobre o artigo 8º da Lei nº 65/77 na perspectiva dos limites do direito de greve os já citados pareceres nºs 106/79; 86//82; 104/82; 54/87; 22/89 e 100/89.
Leia-se também o Acórdão nº 289/92, de 2.9.92, do Tribunal Constitucional («Diário da República», II Série, nº 217, de 19.9.92, págs 8834 e segs.) sobre a admissibilidade constitucional de uma obrigação de serviços mínimos, entendida como uma restrição (ou limitação) do direito à greve (capítulo III, nº 4, pág. 8839).

(14) O nº 3 do artigo 8º na sua letra menciona as associações sindicais como sujeitos do dever de prestação de serviços de manutenção do equipamento e instalações da empresa. Não será, pelo menos, a execução das prestações. O nº 8, aditado pela Lei nº 30/92 confirma essa restrição ao falar só em trabalhadores adstritos ao cumprimento dessas prestações.
No Projecto de Lei nº 159/VI, de que resultou a Lei nº 30/92 continha-se uma nova formulação para o nº 3 de que destacava: «As associações ficam igualmente obrigadas a assegurar e os trabalhadores a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações ... (DAR, II Série-A, nº 42, de 5.06.92, pág. 796).
Sem embargo da manutenção da versão originária do nº 3, parece-nos que a ideia de só incumbir os trabalhadores a prestação de serviços resulta do nº 8.

(15) O direito à retribuição do trabalho tem, segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Constituição da República Portuguesa Anotada», 3ª edição revista, 1993, Coimbra Editora, pág. 318 anotação 1 ao artigo 59º, nº 1, alínea a), e pág. 142, anotação IV ao artigo 17º). Disso resulta aplicabilidade directa do preceito constitucional independentemente de intervenção do legislador e a vinculação directa das entidades públicas e privadas (artigo 18º, nº 1 conjugado com o artigo 17º da Constituição). Também no sentido de o direito a retribuição do trabalho ser um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, JORGE MIRANDA, «Manual de Direito Constitucional», tomo IV, Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Ldª, 1988, pág. 143.

(16) Dispõe textualmente o nº 1 do artigo 9º: «A requisição civil das pessoas não concede direito a outra indemnização que não seja o vencimento ou salário decorrente do respectivo contrato de trabalho ou categoria profissional, beneficiando, contudo, dos direitos e regalias correspondentes ao exercício do seu cargo e que não sejam incompatíveis com a situação de requisitados».

(17) Veja-se deste autor Direito de Greve, Editorial Verbo, 1984, nºs 50 e 51, págs. 185 a 191.

(18) Deste autor consulte-se «Manual de Direito do Trabalho», Almedina, Coimbra, 1991, nº 109, III, págs. 389 a 392.

(x1) «O problema será diverso quando, sobretudo em pequenas empresas, tais serviços essenciais se limitem a tarefas de conservação e segurança esporádicas e pouco demoradas».

(x2) «Tal a opinião de MONTEIRO FERNANDES, «Direito de Greve», cit., 60».

(x3) «Trata-se de um caminho apontado por B. XAVIER, «Direito de Greve», cit., 186 e 189-190».

(19) Precedendo esta conclusão o autor versa o problema da competência para a definição de serviços mínimos para que preconiza o esquema seguinte:
«- nas empresas em que, por lei, a gestão esteja reservada a certos órgãos, a estes compete definir os serviços mínimos a assegurar, convocando para tanto, os competentes trabalhadores;
«- nas restantes, podem os sindicatos, aquando da declaração de greve, apresentar logo os serviços mínimos a assegurar e os trabalhadores que o irão fazer;
«- quando não o façam ou não o façam na medida necessária para dar cumprimento à exigência legal - defere-se tal poder à entidade empregadora, que tem o dever de fazer, se necessário, as competentes convocações».

(20) Ao tempo em que escrevia estava em vigor a versão originária da Lei nº 65/77.

(21) «Direito de Greve - notas e comentários à Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, Livraria Almedina, Coimbra 1982, págs. 59 a 63 e Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 2, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 301 a 307.

(22) «Greve, serviços mínimos e requisição civil», Vega Universidade, 1992, págs. 18 a 20., e «O novo processo de definição dos serviços mínimos», na Revista do Ministério Público, Ano 14º, Janeiro-Março 1993, nº 53, págs. 39 e 40.

(23) «A greve em Portugal, em «The strike» - Inchieste di diritto comparato, Milano - DOTT. A.. Guiffrè Editore, 1987 pág. 317.

(24) «Lições de Direito ao Trabalho», 4ª edição, Universidade Lusíada, Lisboa 1992, pág. 333.

(25) Pareceres 104/82, cap. VII, nºs 2.1 e 2.3 , e 75/82, cap. V.

(26) «Noções Fundamentais ...», citado, pág. 301.

(27) Direito de Greve, citado pág 55 onde se escreve: «Embora as obrigações impostas por estes preceitos não se fundem no contrato de trabalho, nem tenham como sujeito activo o empregador é óbvio que o cumprimento delas exige o enquadramento técnico das chefias normalmente responsáveis pelos serviços cujo funcionamento se trata de manter».

(28) Ibidem, págs. 59 e 60.

(29) Ibidem, pág. 60.

(30) Noções Fundamentais .. citada, págs. 302 e 303. Sublinhados nossos.

(31) Idem nota (1) da pág. 303.

(32) Obra citada, págs. 19 e 20.

(33) Ibidem, nota (39), pág. 26.

(34) «O novo processo ...», citado, págs. 39 e 40.

(35) A frase entre comas é citação extraída de JORGE LEITE, «A Greve em Portugal», pág. 317 referida na nota (23).

(36) A frase entre comas é de TIZIANO FREU e outros, «Sciopero e servizi essentiali», Padova, 1991, pág. 47, como se assinala no texto do autor que vimos referindo.

(37) Obra citada, pág. 314.

(38) Ibidem, pág. 317.

(39) Obra citada, pág. 333.

(40) Assinalem-se ainda JOÃO CAUPERS e PEDRO MAGALHÃES, que referem a «propósito das obrigações dos grevistas» que a sua fonte é a lei, «A lei de greve (lhes) impõe determinadas obrigações (...) no que concerne às instalações das empresas ou estabelecimentos atingidos pela greve».
Quanto aos «efeitos da greve», a propósito do artigo 7º da Lei nº 65/77, entendem que «sendo respeitada a regulamentação legal ficam suspensas as relações emergentes do contrato de trabalho dos grevistas, designadamente o direito à retribuição e aos deveres de subordinação e de assiduidade» (Relações Colectivas de Trabalho, Empresa Flumineuse , Lda.., 1978, págs. 99 e 100).

(41) Cfr. cap. VII, nº 2 do parecer, que cita HÉLÈNE SINAY, «La Grève», vol. 6º do Traité du Droit du Travail, publicado sob a orientação do G. H. CAMERLINK, 1966, pág. 292.

(x1) «Noções Fundamentais de Direito de Trabalho»,k 2, 1980, págs. 239-240. Cfr., também, JOÃO CAUPERS e PEDRO MAGALHÃES, «Relações Colectivas de Trabalho», págs. 99-100, e parecer nº 75/82, votado na sessão do conselho consultivo de 8/1/82.

(x2) «Direito de Greve», 1982, pág. 60.

(42) O parecer desenvolve a seguir as considerações que irão suportar a conclusão 8º, em termos que não interessa referir, mas sempre na base implícita da suspensão do contrato como efeito de greve.

(43) Cfr. conclusões 6ª e nºs 9 a 11 do texto respectivo. Trata-se no parecer de problemas suscitados à empresa «Petroquímica e Gás de Portugal, EP», pela chamada «greve do gás».

(44) Cfr. conclusões 10ª e 11ª e respectivos fundamentos do nº 8 do texto do parecer. Trata-se no parecer de várias questões emergentes no contexto de uma declaração de greve do pessoal de investigação da Polícia Judiciária em 1989.

(45) Nos Pareceres nos 22/89 e 100/89 expressamente se notou a carência de normas da Lei nº 65/77 sobre competência para definir os serviços mínimos.

(46) Basicamente, trata-se de alargar prazos mínimos de pré-aviso.

(47) Substituição da referência primitiva «não cumprimento do disposto neste artigo» por «incumprimento das obrigações previstas nos nºs 1, 3 e 8».
O texto actual do artigo 8º já ficou transcrito (supra, 3.1.2).

(78) Impostas no artigo 8º, nos 1 e 3 obrigações às associações sindicais, é evidente que não sendo estas parte em contrato de trabalho suspenso pelo exercício do direito de greve, o cumprimento de tais obrigações por elas não poderia sequer pensar-se como execução de tal contrato.

(49) Em sede de constitucionalidade não nos parece que repugnasse uma regulamentação que acolhesse uma solução de suspensão da relação contratual laboral que não abrangesse o cumprimento dos serviços previstos nos nºs 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77, com o que melhor se compaginariam os objectivos que subjazem às teses de redução teleológica do artigo 7º.

(50) Como diz o Tribunal Constitucional, «No procedimento estabelecido pelo artigo 8º nºs 4, 5 e 6, a intervenção do Governo funciona como 'última ratio' de asseguramento dos serviços mínimos na falta de acordo» (ponto 2 do nº 4 do Acórdão citado nº 289/92, de 2.9.92, precisamente sobre a constitucionalidade do nº 6 do artigo 8º na versão do artigo único do Decreto 29/VI, da Assembleia da República, reproduzido pela Lei nº 30/92. O Tribunal concluiu não haver contrariedade desse nº 6 com a Constituição - ponto 2.4).
No Projecto de Lei nº 159/VI (PSD) os respectivos autores justificaram o regime que veio a obter consagração nos nºs 4 a 6 do artigo 8º da Lei nº 65/77, na reforma operada pela Lei nº 30/92, escrevendo o seguinte:
«No caso das necessidades sociais impreteríveis, atenta a previsibilidade e a possibilidade de definição prévia de alguns serviços mínimos, faz-se um constante apelo à sua definição por via de acordo.
«Não havendo acordo anterior ao pré-aviso quanto à definição dos serviços mínimos, preconiza-se uma solução que nos parece perfeitamente legítima e eficaz, qual seja a de o Ministério do Emprego e da Segurança Social convocar as partes tendo em vista a negociação de um acordo sobre as normas, e, frustrando-se tal processo de negociação, a definição de tais serviços mínimos vir a ser estabelecida por despacho conjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social e do ministro responsável pelo sector de actividade» (DAR., II Série-A, nº 42, de 5.6.92, pág. 795).

(51) O preâmbulo do Projecto de Lei nº 159/VI justifica este sistema nestes termos: «Mantém-se o princípio de que cabe aos representantes dos trabalhadores a designação dos trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços, prevendo-se que, na sua falta, a entidade empregadora proceda à respectiva designação» (DAR., citado, pág. 795).

(52) A lei ficou omissa quanto a disposição específica relativa à competência para definição dos serviços necessários à segurança e manutenção de equipamento e instalações. O Projecto de Lei nº 159/VI inclui uma alteração ao nº 3 do artigo 8º que atribui tal competência ao «empregador, após consulta aos representantes dos trabalhadores referidos no artigo 3º». O texto originário manteve-se, como a outro propósito já se assinalou (supra, nota ( ).
O projecto de lei considerava como um objectivo fundamental, entre outros, a alteração do processo de fixação de tais serviços, acerca dos quais se escreveu no preâmbulo: «Quanto a estes, adoptou-se a prática que vem sendo seguida, reportando ao empregador a responsabilidade de definição, mediante consulta dos representantes dos trabalhadores, privilegiando-se, nesta medida, a rapidez e adequação das respostas que a emergência de riscos para os trabalhadores e para os bens exige frequentemente» (DAR., citado, pág. 795).
Veja-se sobre o regime do nº 3 do artigo 8ºo que ficou no texto citando o parecer nº 54/87, (supra, 3.2.1.), e sobre o nº 1 o citado parecer 100/84, no qual se concluiu que «compete às associações sindicais, ou à comissão de greve, que, nos termos do artigo 3º da Lei nº 65/77, representam durante a greve os trabalhadores aderentes, designar os trabalhadores em greve necessários ao cumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos» (conclusão 8ª, apoiada no nº 7 do texto do parecer).

(53) Terá interesse consignar algumas notas de direito comparado quanto à retribuição dos serviços mínimos e de manutenção e segurança da empresa:
a) No direito espanhol constitui causa de suspensão do contrato de trabalho o exercício do direito de greve (artigo 45º, nº 1, alínea b), da Lei nº 8/1980, de 10 de Março - ESTATUTO DOS TRABALHADORES - suspensão que tem como efeito exonerar das obrigações recíprocas de trabalhar e remunerar o trabalho (nº 2 do mesmo artigo).
O direito de greve é reconhecido na Constituição Espanhola aos trabalhadores para defesa dos seus interesses, prescrevendo-se que a lei que regula o exercício desse direito «estabelecerá as garantias precisas para assegurar a manutenção dos serviços essenciais da comunidade» (artigo 28º, nº 2) e prescreve-se, também, que a lei reguladora do exercício do direito dos trabalhadores e empresários a adoptar medidas de conflito colectivo sem prejuízo das limitações que estabeleça», incluirá as garantias precisas para assegurar o funcionamento dos serviços essenciais da comunidade» (artigo 37º, nº 2). A Constituição Espanhola foi sancionada pelo Rei em 27.12.78 e publicada no Boletim Oficial do Estado, de 29.12.78, data em que entrou em vigor.
Por seu turno o artigo 6º, nº 2, do Decreto Ley de Relaciones de Trabajo, de 4.4.77 dispõe que «durante a greve considera-se suspenso o contrato de trabalho e o trabalhador não tem direito ao salário».
Com os elementos disponíveis, encontrou-se uma referência à retribuição de serviços de manutenção e segurança da empresa, no sentido de que a retribuição é devida e assenta em que a suspensão do contrato não os abrange. Ao prestarem tais serviços os grevistas não estão fora do contrato e consequentemente têm de ser retribuídos. EDUARDO GONZALEZ BIEDMA, Derecho de huelga y servicios de mantenimiento y seguridad de la empresa, Editora Civitas S.A., Madrid, 1992, pág. 128 a 131).
Quanto a serviços mínimos veja-se ANTÓNIO BAILOS GRAU, Derecho de huelga y servicios essenciales, Tecnos, Madrid, 1987. O autor trata apenas de violação do direito de greve por excesso dos limites de imposição de serviços mínimos, envolvendo responsabilidade da Administração e direito a indemnização.
b) No direito francês parece não se pôr a questão da retribuição dos serviços indispensáveis enquanto se entende que quem os tem de prestar não está em greve, por o respectivo exercício lhe haver sido interdito ou por disposições legais ou administrativas. Sendo assim o serviço que prestem tem de ser remunerado.
Sobre tais interdições vejam-se JEAN-CLAUDE JAVILLIER, «Droit du Travail», 2ème édition, Paris, Librarie Générale du Droit et de Jurisprudence, 1981, págs. 543 e segs., e SUZANE AYOUB , «La fonction publique», Masson et Cie, Éditeure, 1975, págs. 224 e 225. Veja-se ainda sobre os aspectos pecuniários da greve no direito francês. FRANCISCO X. SOBRAL FERNANDES, «O direito de greve no ordenamento francês, alemão e italiano, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia», II. Coimbra, (número especial do Bol. da Fac. de Direito), págs. 339 e segs.

(54) Conclusões 1ª e 2ª dos Pareceres nºs 22/89 e 100/89.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART57 N1 ART59 N1 A.
CCIV66 ART10 N2.
L 65/77 DE 1977/08/26 ART7 ART8 N1.
L 30/92 DE 1992/10/20.
DL 392/74 DE 1974/08/27 ART2.
DL 637/74 DE 1974/11/20 ART9 N1.
Jurisprudência: 
AC TC 289/92.
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR TRAB.
Divulgação
Número: 
DR114
Data: 
17-05-1994
Página: 
4813
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