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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
35/1992, de 09.06.1994
Data do Parecer: 
09-06-1994
Número de sessões: 
2
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
LUCAS COELHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
LIBERDADE CONTRATUAL
IMPARCIALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
CONTRATO DE ADESÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CATEGORIA
CARGO POLÍTICO
CONTRATO ADMINISTRATIVO
ALTO CARGO PÚBLICO
ESTADO
MEMBRO DE GOVERNO
INSTITUTO PÚBLICO
GOVERNO REGIONAL
INSTITUTO PÚBLICO
FUNÇÃO PÚBLICA
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
ACUMULAÇÃO DE CARGOS
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
INCOMPATIBILIDADE
INTEGRAÇÃO
INCOMPATIBILIDADE ABSOLUTA
ÓRGÃO SOCIAL
INCOMPATIBILIDADE RELATIVA
SOCIEDADE COMERCIAL
IMPEDIMENTO
DISPOSIÇÃO DE BENS
PATRIMÓNIO
ADMINISTRAÇÃO
PESSOAL
ACTO
LEI POSTERIOR
* CONT REF/COMP
Conclusões: 
1 - A regra formulada no artigo 2, alínea d), e a excepção introduzida no artigo 4, n 1, da Lei n 9/90, de 1 de Março - na versão resultante da Lei n 56/90, de 5 de Setembro - articulam-se entre si à luz de um compromisso teleológico entre a salvaguarda do princípio da imparcialidade no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos, por um lado, e a essencialidade do património na esfera jurídico-individual, esfera esta que constitui o substrato da titularidade dos cargos, por outro;
2 - Segundo a norma que esse compromisso permite extrair em harmonização dos dois preceitos aludidos na conclusão anterior, a titularidade de um dos referidos cargos é incompatível com a detenção de partes sociais de valor superior a 10% do capital de empresas que contratem com a pessoa colectiva de direito público, maxime o Estado, em que o cargo é desempenhado;
3 - No âmbito dos contratos relevantes para os efeitos previstos no artigo 2, alínea d), da Lei n 9/90, incluem-se os denominados "contratos de adesão" predispostos por empresas comerciais ou industriais nas condições aludidas no mesmo normativo;
4 - O artigo 2, alínea d), da Lei n 9/90 não permite distinguir entre contratos formais e não formais, nem estabelecer distinções aferidas pela durabilidade e regularidade, ou a unicidade, das relações contratuais, para efeitos da incompatibilidade nele configurada;
5 - A natureza cautelar e preventiva da incompatibilidade aludida no mesmo artigo 2, alínea d), numa tónica de objectividade que lhe é própria, permite abstraí-la de condicionantes ao nível da ciência e da vontade do titular do cargo, e, por isso mesmo, de implicações ético-subjectivas, por modo que a incompatibilidade não deixará de se verificar sem a cooperação, hoc sensu, intelectual e volitiva do titular na efectivação da contratação relevante no seio da norma, do mesmo passo que o seu alheamento deve relevar na definição, referente à culpa, da responsabilidade consequente;
6 - Os médicos directores e administradores-delegados de hospital público, respectivamente presidentes e membros do seu conselho de administração, são, em abstracto, qualificáveis como "presidente de instituto público autónomo" e "vogal da direcção de Instituto público autónomo", nos termos das alíneas j) e l) do n 1 da Lei n 9/90, mas dispõem de um regime específico de incompatibilidades delineado nos artigos 7, n 2, e 9, n 2, do Decerto Regulamentar n 3/88, de 22 de Janeiro, em conjugação, com o artigo único do Decreto Regulamentar n 35/88, de 17 de Outubro, na redacção, por último, do Decreto Regulamentar n 46/91, de 12 de Setembro, o qual, como regime especial prevalece sobre o regime geral de incompatibilidades consubstanciado na citada Lei;
7 - O membro de Governo Regional investido, durante o exercício do seu mandato, na gerência, em simultâneo, de sociedade por quotas intervenientes em contratos com a Região, incorre na incompatibilidade delineada na alínea b) do artigo 2 da Lei n 9/90 - "integração em corpo social de empresa interveniente em contratos com pessoas colectivas de direito público;
8 - Mercê de participação social superior a 10% do capital da sociedade aludida na conclusão anterior, o mesmo membro do Governo Regional incorre ainda na incompatibilidade definida na alínea d) do citado artigo 2, ainda que os contratos celebrados entre a sociedade e a Região, atendendo também ao seu valor, não tenham sido precedidos de concurso público;
9 - As incompatibilidades estabelecidas nas alíneas b) e d) do artigo 2 da Lei n 9/90 abrangem a integração em corpos sociais e a detenção de participações sociais de valor superior a 10% do capital de empresas directamente intervenientes em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público e ainda de empresas cujas participações no capital daquelas lhes permitem interferir decisivamente nos seus negócios;
10- As questões a que respeitam as anteriores conclusões 1 a 9, devem em face do novo "Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos e altos cargos públicos" introduzido pela Lei n 64/93, de 26 de Agosto, ser apreciadas e resolvidas juridicamente nos termos expostos no ponto V do presente parecer.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR CONSELHEIRO PROCURADOR-GERAL DA
REPÚBLICA,
EXCELÊNCIA:

I
No Gabinete de Vossa Excelência suscitaram-se dúvidas de interpretação e aplicação da lei de incompatibilidades de cargos políticos e altos cargos públicos, sugerindo-se a audição do Conselho Consultivo.
Dignando-se Vossa Excelência anuir, cumpre emitir parecer.

II
1. A primeira questão colocada respeita à «definição material do alcance da excepção estabelecida no artigo 4º, nº1, da Lei nº 9/90 de 1 de Março, na redacção da Lei nº 56/90, de 5 de Setembro», em particular conexão com a alínea d) do artigo 2º.

1.1. Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer as normas aludidas, antes de se precisar a problemática submetida à nossa apreciação.
Respeitando a Lei nº 9/90 às incompatibilidades de cargos políticos e altos cargos públicos, o artigo 1º - cuja redacção foi, aliás, alterada pela Lei nº 56/90 - define desde logo o elenco dos cargos abrangidos, dos quais se pode, no entanto, abstrair, por agora, visto que o problema se põe qualquer que seja o cargo exercido.
O artigo 2º - que permaneceu intocado pela Lei nº 56/90 - circunscreve, por seu turno, as actividades consideradas incompatíveis com o exercício dos mencionados cargos.
Embora a consulta se preocupe com a alínea d), convém transcrevê-lo na íntegra:
«Artigo 2º
Incompatibilidades
A titularidade dos cargos enumerados no artigo antecedente implica, durante a sua pendência, para além das previstas na Constituição, as seguintes incompatibilidades:
a) O exercício remunerado de quaisquer outras actividades profissionais ou de função pública que não derive do seu cargo e o exercício de actividades de representação profissional;
b) A integração em corpos sociais de empresas ou sociedades concessionárias de serviços públicos, instituições de crédito ou parabancárias, seguradoras, sociedades imobiliárias ou quaisquer outras empresas intervenientes em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
c) O desempenho de funções em órgão executivo de fundação subsidiada pelo Estado;
d) A detenção de partes sociais de valor superior a 10% em empresas que participem em concursos públicos de fornecimento de bens ou serviços no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público.»
O artigo 3º alude aos chamados «impedimentos», que não vêm agora ao caso, e o artigo 4º, nº1 consigna a excepção cujo conteúdo e alcance se torna mister interpretar - redacção, como ficou dito, do artigo 1º da Lei nº 56/90:
«Artigo 4º
Excepção
1. As actividades de mera administração do património pessoal e familiar existente à data do início das funções referidas no artigo 1º não estão sujeitas ao disposto no artigo 2º, salvo no caso de participação superior a 10% em empresas que contratem com a entidade pública na qual o titular desempenhe o seu cargo (1).
2.(...)
3.(...)
4.(...)
5.(...)
6.(...)».

1.2. Observa-se em informação base da consulta, a propósito do último inciso extractado:
«Os conceitos tradicionais de actos de mera administração de património e de património parecem afastar, desde logo, uma tese que entendesse que a excepção abarcaria a detenção de participações sociais.
«No entanto, e no outro extremo interpretativo, também se pode configurar a inutilidade (ou quase) prática de excepção».
Acrescentando-se:
«Num segundo momento, a dificuldade interpretativa coloca-se ao nível da já transcrita alínea d) do artigo 2º, assumindo diversas vertentes de aproximação.
«Em primeiro lugar, questiona-se a tipologia dos contratos abrangidos pela norma.
«Compreender-se-ão aí, por exemplo, os contratos de adesão?
«Ou haverá que, ainda aí, operar distinção com base na identidade do proponente?
«Por outro lado, bastará para o funcionamento da norma uma única relação contratual ou exigir-se-á continuidade ou regularidade?
«Deve a mesma restringir-se a contratos formais, sendo de exigir um mínimo de formalidade?
«Por fim, a vontade do titular do cargo ((x) «Sublinhe-se que este pode não controlar (e não controlará em muitas hipóteses) a estratégia empresarial da sociedade».
x) pode assumir relevância no desenvolvimento da norma, ou é a mera detenção o único valor determinante da incompatibilidade?
«Exemplificando, as situações em que o titular desconhece que está a contratar com entidade pública acarretam a situação de incompatibilidade?
«Tendo o titular manifestado à empresa a impossibilidade dessa contratação, vindo aquela, no entanto, a celebrar contrato não permitido pela norma, seguir-se-á também uma resposta positiva quanto à existência da incompatibilidade?».
1.3. Este o primeiro conjunto problemático colocado à apreciação do Conselho.
Num momento inicial, é a dificuldade de articulação entre o artigo 4º, nº1 e o artigo 2º, alínea d).
No segundo momento, é uma série de questões relativas ao conteúdo desta mesma alínea.
Vamos considerar sucessivamente os dois momentos e, neste último, os diversos aspectos em que se desdobra.

2. A articulação entre o artigo 2º, alínea d) e o artigo 4º, nº1 coloca decerto alguns problemas.

2.1. Uma cuidadosa análise estrutural facilitará, porém, a tarefa de harmonização.
A hipótese e a estatuição da «excepção» consignada no segundo normativo podem circunscrever-se nas seguintes fórmulas:
«Se houver actividades de mera administração do património pessoal e familiar existente à data do início das funções (do cargo político ou alto cargo público), salvo no caso de participação superior a 10% em empresas que contratem com a entidade pública na qual o titular desempenha o seu cargo»,
«Então, essas actividades não estão sujeitas ao disposto no artigo 2º».
Anote-se apenas, por enquanto, ser o tipo da consequência jurídica assim estatuída que confere ao inciso a natureza de excepção.
De excepção a um regime geral definido no artigo 2º.
Furtam-se, quer dizer, as actividades previstas, ao regime estabelecido no artigo 2º.
Mais do que saber desde já qual seja este regime, interessa apurar quais são as actividades previstas.
A previsão é complexa, integrando diversos elementos constitutivos (Tatbestandmerkmale) que importa destrinçar para a pôr a claro.
Em primeiro lugar, visam-se apenas as «actividades de mera administração». E mera administração, sublinhe-se, apenas quando conexionada com as posições e situações descritas nas quatro alíneas do artigo 2º.
Por outro lado, deve tratar-se de administração do «património pessoal» ou do «património familiar» do titular do cargo.
Acresce que, atenta a natural variabilidade do património administrado, a composição deste é referida «à data do início das funções» inerentes ao cargo político ou alto cargo público, referente cuja natureza determinante na economia do preceito importa sublinhar.
Finalmente, são, ainda assim, excluídas do domínio exceptuado à incidência do artigo 2º - ficando por outras palavras, sujeitas ao disposto neste artigo - as actividades de mera administração, no caso de «participação superior a 10%» em «empresas que contratem com a entidade pública na qual o titular desempenhe o seu cargo».
Em resumo, as actividades de mera administração do património pessoal e familiar do titular, excepto no tocante a participação superior a 10% do capital de empresas que contratem com a entidade pública na qual o titular desempenha o seu cargo, não estão sujeitas ao disposto no artigo 2º.
Ora o disposto no artigo 2º diz respeito a certo elenco de actividades declaradas incompatíveis com os cargos em questão, isto é, actividades que não podem ser desempenhadas enquanto se é titular dos cargos.
Por conseguinte, muito embora as actividades de mera administração previstas no artigo 4º, nº1 fossem a priori susceptíveis de tipificar-se como incompatíveis face ao artigo 2º, são, todavia, exceptuadas da incompatibilidade por força daquele normativo e podem, portanto, ser exercidas a despeito da titularidade dos cargos.
Vejamos, nesta ordem de ideias, a estrutura do artigo 2º:
«Se alguém for titular de cargos políticos ou altos cargos públicos» - é a previsão da norma - «então não pode exercer as actividades indicadas nas alíneas a) a d) - consequência jurídica» (2).
Ou seja, fica-lhe vedado: «o exercício remunerado de quaisquer outras actividades profissionais ou de função pública (...) (...) (alínea a); «a integração em corpos sociais de empresas ou sociedades concessionárias de serviços públicos, instituições de crédito ou parabancárias», etc. (alínea b); «o desempenho de funções em órgão executivo de fundação subsidiada pelo Estado» (alínea c); «a detenção de partes sociais de valor superior a 10% em empresas que participem em concursos públicos», etc. (alínea d).
A menos que estas posições ou actividades sejam das previstas no artigo 4º, nº1.
Na verdade, a relação de regra para excepção definida entre o artigo 2º e o artigo 4º, nº1 pelos operadores neste utilizados, traduz-se lógico - formalmente numa restrição, como já se disse, do perímetro da estatuição própria daquele primeiro normativo.
A dimensão da restrição, com especial referência à alínea d) que está nas preocupações da consulta, é que importará circunscrever.
Releia-se, pois, o artigo 2º na óptica desta alínea :
«Se alguém for titular de cargos políticos ou altos cargos públicos, então não pode deter partes sociais de valor superior a 10% em empresas que participem em concursos públicos de fornecimento de bens ou serviços no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público».
Isto significa que a mera detenção de participações sociais de valor superior a 10% do capital daquelas empresas logo gera a incompatibilidade.
No entanto, o artigo 4º, nº1 permite ao titular do cargo o exercício de actividades de mera administração do património pessoal ou familiar, salvo no caso de participação superior a 10% em empresas que contratem com a entidade pública em que ele desempenha o cargo.
Tal participação fica, portanto, sujeita ao regime geral do artigo 2º:
Anote-se, todavia, que o universo de empresas definido no artigo 4º, nº1 não coincide com o universo definido no artigo 2º.
Este é constituído pelas empresas que participam em concursos públicos, em contratos com o Estado e com outras pessoas colectivas de direito público.
Aquele inclui apenas as empresas que contratam com a entidade pública na qual o titular desempenha o seu cargo.
Não é realmente fácil fazer equivaler como quer que seja os dois universos assim delineados.
No artigo 4º, nº1 configura-se, pois, um domínio de empresas mais restrito que no artigo 2º, e na extensão deste, aliás, compreendido.
É, portanto, esse círculo mais restrito que o artigo 4º, nº1 recorta dentro do domínio extenso do artigo 2º, no intuito, afinal - mau grado a técnica, dir-se-ia rebuscada -, de exceptuar do regime geral neste estatuído a parte restante do domínio.
Flui do exposto que ao titular de cargos políticos ou de altos cargos públicos é permitido, por força do artigo 4º, nº1, o exercício de actividades de mera administração do património pessoal e familiar existente à data do início das funções referidas no artigo 1º, incluindo a participação em quaisquer empresas, excepto de valor superior a 10% do capital social daquelas que contratem com a entidade pública na qual o titular desempenha o seu cargo.
Veremos se esta solução, obtida por via lógico-gramatical, é sufragada pelos demais elementos da interpretação.

2.2. Ocorre, no entanto, precisar ainda o sentido de certos elementos normativos estruturais no seio do artigo 4º, nº1 - sendo a alínea b) do artigo 2º objecto de específicas questões formuladas na consulta, que subsequentemente serão analisadas.

2.2.1. Para efeitos do artigo 4º, nº1 releva, como se viu, o «património» existente à data do início de funções.
O Código Civil não contém dispositivos conceituais nem regras gerais acerca do património, apesar de se tratar de um conceito de extrema importância em vários domínios.
Assim, em matéria de sucessão, que o artigo 2024º define como o «chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam» (3).
O mesmo se diga em matéria de garantia geral das obrigações - «pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios» (artigo 601º) -, realização coactiva da prestação - «não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor (...)» (artigo 817º) - e cessão de bens aos credores - «(...) quando estes, ou alguns deles, são encarregados pelo devedor de liquidar o património deste, ou parte dele, e repartir entre si o respectivo produto, para a satisfação dos seus créditos» (artigo 831º).
A lei fala de património, portanto, em ligação com determinada pessoa, que o possui ou a quem o património pertence.
Observe-se, em aparte, que o artigo 4º, nº1, da Lei nº 9/90 alude ao património «pessoal ou familiar». O património pessoal pertence, obviamente, ao titular do cargo. Não assim necessariamente o património familiar, que pode pertencer-lhe em contitularidade com outras pessoas ou encontrar-se meramente sob a sua administração, a diversos títulos que seria ocioso inventariar. Nenhuma dificuldade vem adrede suscitada na consulta acerca da dualidade legal.
Configurado numa ou noutra vertente, o património é, em princípio, constituído pelo complexo dos correspondentes direitos avaliáveis em dinheiro (4).
Precisando, distinguem-se, na verdade, três fundamentais acepções de património (5).
No primeiro e mais amplo sentido, entende-se por património «o conjunto das relações jurídicas (direitos e obrigações) com valor económico, isto é, avaliável em dinheiro, de que é sujeito activo e passivo uma dada pessoa - singular ou colectiva (património global)».
Neste sentido, o património compreende «um lado activo (direitos) e um lado passivo (obrigações ou dívidas)».
Mas só abrange as «relações jurídicas efectivamente constituídas» e não certos momentos ou coeficientes sem autonomia, «simples fontes, previsões ou expectativas de futuros resultados jurídico-económicos» (v.g., a particular localização de um prédio, a força de trabalho, a perícia, inteligência, conhecimentos profissionais, a experiência no mundo dos negócios, etc. (5)).
Por outro lado, só entram no património as relações jurídicas - mas todas as relações jurídicas - susceptíveis de avaliação pecuniária. Direitos, normalmente, com um «valor de troca», ou um «valor de uso» (7); direitos, por outras palavras, que nas relações comuns são alienados e só podem ser adquiridos mediante um preço, ou ainda, como no caso do usufruto, capazes de proporcionar um uso com expressão pecuniária (8).
Não assim, em contraponto, os meros direitos de personalidade e os direitos familiares pessoais; mas já, positivamente, direitos imateriais e direitos reais com valor monetário, bem como os «direitos de socialidade» em sociedades de capitais, tais os resultantes da titularidade de quotas em sociedades por quotas e de acções de sociedades anónimas (9).
É este o conceito de património que prevalece no domínio das sucessões por morte, posto que os herdeiros sucedem não só nos direitos mas também nas obrigações do hereditando (10).
Numa acepção mais restrita, relevante no plano da responsabilidade por dívidas e dos procedimentos executivos, o património significa, diversamente, «a soma dos direitos computáveis em dinheiro que pertencem a uma pessoa - o seu activo global - abstracção feita das dívidas correspondentes (património bruto)».
Enquanto numa terceira concepção, ainda mais limitada, e, porventura, apenas de despiciendo interesse para o direito, embora com valor na economia, se pode outrossim falar de património como acervo dos «direitos redutíveis a um valor pecuniário que competem a dada pessoa, mas depois de abatido o montante das dívidas que os oneram (património líquido)» (11).
Ora, em sentido jurídico-civilístico avulta privilegiadamente a segunda acepção, de património bruto, compreendendo tão-somente os elementos do activo, com exclusão do passivo (12).
Pensa-se, aliás, ser este um entendimento ajustado ao conceito de património para efeitos do artigo 4º, nº1, da Lei nº 9/90.
Quer, porém, na acepção de património bruto, quer na acepção de património global, sempre serão de considerar incluídas no património as participações em sociedades de capitais.

2.2.2. O património, ou, talvez mais acertadamente, os direitos que o constituem podem ser objecto de actos e negócios jurídicos (13).
Há, nomeadamente, que assegurar a sua gestão, mediante actos e negócios que tanto podem qualificar-se de administração - mera administração, simples, ordinária ou pura administração - como de disposição (14).
Com frequência são conferidos a um certo sujeito, por disposição legal, determinação negocial ou sentença, «poderes de gestão (ou administração em sentido geral) sobre um património alheio no seu conjunto, ou sobre determinados elementos dele (tutor, procurador geral, etc.), ou sobre um património próprio e alheio» (administrador duma sociedade), podendo também ser «limitada por incapacidade a amplitude dos poderes de administração dum indivíduo sobre o seu próprio património (interdito por prodigalidade)».
Nestes casos a lei ordinariamente restringe, explicita ou implicitamente, os poderes de tais administradores de bens alheios, de bens próprios e alheios, ou só de bens próprios, aos denominados «actos de mera administração» (15).
Por razões óbvias.
Quanto aos administradores de bens alheios, na essência, porque, de outro modo, poderiam, por falta de interesse pessoal, comprometer facilmente o património administrado em aventuras perigosas; quanto aos administradores de bens próprios, em razão de deficiência ou anomalia psíquica, física ou de carácter e vontade, que lhes furtaria sagacidade, experiência ou controlo para levarem a bom termo negócios mais arriscados.
Neste contexto se definem, pois, os «actos de mera administração» como «os que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações» que, justamente, «arrojadas e ao mesmo tempo perigosas», «podem ser de alta vantagem, mas (...) ocasionar graves prejuízos para o património administrado» (16).
Compreendem-se pacificamente na mera administração: os «actos de conservação dos bens administrados», tais como as reparações necessárias, tendentes a evitar a sua deterioração ou destruição; os «actos tendentes a prover à frutificação normal«, ou seja a frutificação pelo modo habitual para os bens administrados (v. g. os destinados a prover ao cultivo de uma terra nos termos usuais; o arrendamento por prazo inferior a seis anos - artigo 1024º) (17).
É, por outro lado, seguro que não se incluem na mera administração, sendo actos de disposição, «os negócios que alterem a própria substância do património administrado, que importem a substituição de uns bens por outros», tais como a venda de prédios para dar qualquer outra aplicação ao respectivo preço (18).
Dentro destes limites, já surgem dúvidas quanto aos actos de «frutificação anormal» (v. g., converter um pinhal em vinha ou em terra de semeadura, ou uma terra de semeadura em olival; abrir uma pedreira num terreno de cultivo) e de «melhoramento do património administrado» (v. g., abrir um poço; adquirir uma servidão não indispensável; murar um prédio rústico sem estrita necessidade disso) (19).
Admite-se a solução afirmativa, temperada pela restrição de que as despesas com os aludidos actos sejam feitas à custa dos rendimentos (20) e de que os melhoramentos não consistam em novas aquisições de bens mas em quaisquer obras nos bens administrados, não se considerando mesmo assim líquido facultar ao mero administrador ir além da frutificação normal (21).
O artigo 4º, nº1 da Lei nº 9/90 permite, como sabemos, ao titular do cargo político ou alto cargo público o exercício de actividades de mera administração do património pessoal ou familiar existente à data do início de funções.
Razoavelmente, a mera administração que assim lhe é facultada, não andará longe dos conteúdos que acabam de se delinear.

2.3. Não precisamente pelas razões de protecção do património em virtude de insuficiências de personalidade há pouco aduzidas, mas por arranjo compromissório na teleologia das incompatibilidades, como vamos ver.

2.3.1. O artigo 269º da Constituição estabelece, a propósito:

«Artigo 269º
Regime da função pública
1. No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Adminis-tração.
2. (...)
3. (...)
4. Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei.
5. A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e de outras actividades.»
Como se tem ponderado frequentemente neste Conselho (22), o transcrito normativo não proíbe, em absoluto, seja a acumulação de cargos públicos, seja a acumulação de cargos públicos com actividades privadas.
Estabelece unicamente, no primeiro caso, que a proibição é a regra e a permissão a excepção (nº4), formulando o princípio inverso no segundo caso (nº5).
Na sequência do preceito constitucional, o artigo 12º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e os artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, estabeleceram o regime de incompatibilidades gerais na função pública, vindo o artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, disciplinar a mesma matéria quanto ao pessoal dirigente, normação, todavia, não questionada no âmbito da consulta (23).
Por outro lado, o artigo 120º da Constituição, providenciando acerca do estatuto dos titulares de cargos políticos, dispôs no seu nº2 que «a lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares dos cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades».
Foi a Lei nº 9/90, de 1 de Março, alterada pela Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, e recentemente revogada e substituída pela Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, que se desincumbiu da missão constitucional no tocante à matéria das incompatibilidades, não só, aliás, dos cargos políticos, mas também, como se sabe, dos altos cargos públicos.
2.3.2. Como compreender então um regime de incompatibilidades relativamente a esses cargos?
Comenta-se, a propósito, na esteira do artigo 269º da lei fundamental, que precisamente veio reclamar a exigência de um semelhante regime (24):
«A prescrição do nº5 traduz-se numa imposição legiferante de estabelecimento do sistema de incompatibilidades, de modo a garantir, não só o princípio da imparcialidade da administração (cfr. art. 266º-2), mas também o princípio da eficiência (boa administração). Trata-se de impedir o exercício de actividades privadas que, pela sua natureza ou pelo empenhamento que exijam, possam conflituar com a exclusiva dedicação ao interesse público ou com o próprio cumprimento dos horários e tarefas da função pública».
Um quadro teleológico-constitucional em que sobreleva a ideia da imparcialidade, a que a Constituição de 1976 emprestou a dignidade de princípio fundamental da Administração Pública (25):
«Artigo 267º
Princípios fundamentais
1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar com justiça e imparcialidade no exercício das suas funções» (26).
A constitucionalização do princípio fora pouco antes preconizada, escrevendo-se (27):
«A elevação da imparcialidade da Administração a princípio constitucional, que de certo modo se defende neste trabalho, corresponde à descoberta de um espaço próprio, não ocupado, na economia do contrato pelo qual os cidadãos do nosso tempo pretendem definir as linhas fundamentais do sistema que enquadra a vida política da comunidade.»
A interrogação, porém, acerca da questão de saber se não «será supérfula, por desnecessária, a autonomização de um princípio com semelhante conteúdo», um princípio de imparcialidade administrativa, quando «a moderação, a segurança e a liberdade estão asseguradas na separação (ou combinação) dos poderes e das potências que se limitam mutuamente, prevenindo o despotismo», permitia aduzir:
«Que a legalidade condiciona cada vez menos positivamente a actuação administrativa, transformando-se, em muitos casos, em programação vaga de fins, e não satisfaz as exigências, mais latas, da justiça, como ideia normativa.
«Por isso se demarca, ao que supomos nitidamente, o campo próprio de um princípio constitucional de imparcialidade.
«Este princípio, que integra um preceito jurídico e não uma mera disposição programática, pretende referir uma valoração e permitir, em consequência, um controle do conjunto da actividade administrativa, especialmente nos seus momentos discricionários. Não impõe, no entanto, um determinado comportamento à Administração, tem apenas em vista estabelecer um padrão para as suas formas de comportamento - não é uma regra, mas um verdadeiro princípio.
«Entendido numa perspectiva dinâmica, não quer estabelecer uma obrigação para os sujeitos administrativos, mas um hábito de dever na escolha dos comportamentos funcionalmente adequados aos fins públicos.
«Procura dignificar a função administrativa, quer condenando o arbítrio e reprimindo o «contrabando» de motivos que favoreça ou prejudique indevidamente interesses parciais (de pessoas, de grupo ou de partido), quer impregnando a actividade administrativa de um sentido jurídico-público, que retire a discricionaridade à «lei da selva» e a introduza no mundo civilizado do Estado de Direito.
«A razão de ser constitucional do princípio da imparcialidade vai deste modo entroncar na ideia-mestra do bem público. A liberdade contra o arbítrio, a igualdade real dos cidadãos e dos grupos nas condições concretas da sociedade técnica, a justiça como ideia condutora resumem-se na imparcialidade como acentuação eficaz do carácter público da actividade administrativa».
Todavia, a teleologia política do princípio da imparcialidade transcende o significado concreto e específico do princípio, vindo a situar-se num círculo mais amplo definido pela «intenção de permitir a determinação da existência autónoma e modo-de-ser característico das funções estaduais, em particular da função administrativa» (28).
E é neste quadro que se manifesta, segundo o autor citado, o significado e alcance político do princípio da imparcialidade:
«Ao postular a independência da administração em face dos interesses concretos do governo e ao ligar intimamente aquele vasto sector de actividade ao interesse público, limita a força das maiorias (ou das minorias maioritárias) e desencoraja o aproveitamento do aparelho estadual por interesses partidários, contribuindo para a definição da função administrativa e para a sua articulação com as restantes funções do Estado, em termos de preservar-lhe a autonomia e de garantir que o seu desempenho se concretiza de acordo com as características próprias do papel específico que lhe cabe na realização do bem comum».
Abstraindo, porém, do plano político, observa-se que a imparcialidade administrativa, no seu «sentido jurídico concreto» é uma imparcialidade meramente relativa (29).
Com efeito, a actividade administrativa será imparcial sempre que as suas decisões se determinem exclusivamente por «critérios próprios, adequados ao cumprimento das suas funções específicas no quadro da actividade geral do Estado», os quais não podem ser «substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função, sejam estes interesses pessoais do funcionário, interesses de indivíduos, de grupos sociais, de partidos políticos, ou mesmo interesses políticos concretos do Governo ((x1) «Há que distinguir entre interesses políticos concretos das forças que dominam o governo e interesses colectivos interpretados pelo governo - estes conseguem-se no âmbito do sistema político, através de mecanismos constitucionais adequados e dispondo das necessárias garantias, e integram regras jurídicas (legais) que se impõem, naturalmente, à Administração.»
x1)».
Tais critérios consistem na prossecução de «interesses públicos específicos predeterminados nas leis - em leis formais ou em leis materiais que juridicamente ou de facto emanem do Governo».
Por isso a imparcialidade da Administração não é total ou absoluta, uma vez que esta deve «orientar a sua conduta para a realização de determinados interesses, que concebe ou recebe como seus».
Compreendendo-se perfeitamente que uma «posição de neutralidade» não possa aí assumir, particularmente «numa época de intensa intervenção do Estado na vida económica e social».
Daí que a Administração seja, nesta ordem de ideias, encarada como «parte» e, portanto, como «parcial», falando-se, para traduzir o fenómeno, em «relativa imparcialidade» ou «parte imparcial», por contraposição à imparcialidade judicial, característica de uma posição «super partes».
Como quer que seja, a Administração do nosso século preenche, em grande parte, «uma função conformadora da sociedade», concretizando «um projecto de futuro social», e não pode por tal exigir-se que a sua imparcialidade, «ainda que vinculada a um princípio de justiça, seja a imparcialidade dos juízes, cuja actividade é fundamentalmente de conservação» (30).
E é o «espaço de autonomia relativa» característico da função administrativa, que dá uma «coloração específica» à sua imparcialidade.
Pode neste momento dispensar-se o aprofundamento do tema das relações entre o princípio da imparcialidade e os princípios da igualdade e da legalidade (31).
Sem esquecer, porém, a este propósito, que o princípio não se dirige apenas aos órgãos e agentes administrativos, tendo como «primeiro destinatário o próprio legislador» (32), interessa, contudo, precisar, quanto à sua incidência na Administração, que ele se refere apenas à «actividade administrativa, dependente, executiva, funcionalmente vinculada às decisões políticas emaladas dos órgãos de soberania competentes» (33).
Actua, por isso, «dentro do sistema, pressupõe a sua bondade, de modo que as eventuais desigualdades institucionalizadas ao nível político poderão projectar-se ou repercutir-se ao nível da actividade administrativa, sem que este princípio lhe sirva de remédio».
A imparcialidade administrativa é, assim, também nestoutra «dimensão axiológico-política», uma imparcialidade relativa.
Tal como fica descrito, constitui um «momento de transfor-mação», apontando para o «desbloqueamento jurídico-legal do sistema» e permitindo que a «normação antecipada da lei seja substituída por um controle aposteriorístico, ainda jurídico, baseado num novo entendimento do bem público como ideia normativa jurídico-constitucional».
O princípio da imparcialidade da Administração foi, pois, elevado à dignidade constitucional e tem o seu assento no actual artigo 266º.
Ponderou-se, mais recentemente, em comentário a este precei-to (34):
«O princípio da imparcialidade respeita essencialmente às relações entre a administração pública e os particulares, podendo circunscrever-se a dois aspectos fundamentais: (a) o primeiro, relacionado com os princípios constitucionais consagrados no nº1, consiste em que no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, a administração deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionadamente os interesses particulares (imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade); (b) o segundo refere-se à actuação da Administração em face dos vários cidadãos, exigindo-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público. O princípio da imparciali-dade, que se relaciona, embora não se confunda, com o princípio da igualdade, deve, por outro lado, distinguir-se do princípio da neutralidade, pois a Administração não pode conceber-se como neutral em relação à prossecução do interesse público.
«A garantia da imparcialidade da administração implica, entre outras coisas, o estabelecimento de impedimentos dos titulares de órgãos e agentes administrativos para intervirem em assuntos em que tenham interesse pessoal, directo ou indirecto» (35).

2.3.3. Em cumprimento do nº2 do artigo 266º, visando declaradamente dar concretização ao «princípio da imparcialidade na acção da Administração Pública», foi publicado o Decreto-Lei nº 370/83, de 6 de Outubro, que pretendeu consagrar - se nos ativermos à motivação consignada na nota preambular - «um sistema tanto quanto possível minucioso de situação de colisão entre interesses particulares dos mencionados titulares de órgãos públicos [«da administração central, regional e local ou dos institutos ou empresas públicas»] e o desempenho das funções públicas que lhes cabem».
No entanto, o diploma limitou-se a definir um sistema de impedimentos, escusas e suspeições dos citados titulares, abstendo-se de regular de todo a matéria das incompatibilidades e acumulações.
Mais. O Decreto-Lei nº 370/83 foi expressamente revogado pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, que aprovou o Código de Procedimento Administrativo, e os seus dez artigos substancialmente reproduzidos na Secção VI («Das garantias de imparcialidade», artigos 44º a 51º), do Capítulo I, da Parte II do Código, não contendo, porém, este instrumento legal, do mesmo passo, normas específicas relativas a incompatibilidades, ainda que o princípio da imparcialidade se encontre claramente afirmado no artigo 6º:
«Artigo 6º
Princípios da justiça e da imparcialidade
No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação» (36).
As aludidas abstenções legislativas não devem, todavia, impressionar negativamente o intérprete quanto à viabilidade das relações entre incompatibilidades e imparcialidade administrativa.
Pondere-se, na verdade, se um sistema de impedimentos não concretiza finalisticamente a imparcialidade a um nível terminal de especialidade de certo modo mais elaborado que o sistema de incompatibilidades.
Se o impedimento a não concretiza na iminência, por assim dizer, da parcialidade - quando os interesses hipoteticamente conflituantes se definiram já no âmbito de determinado processo, acto ou contrato administrativo -, enquanto a incompatibilidade intervém num plano mais remoto de prevenção em que o conflito é antevisto como meramente virtual ou potencial.
Daí, aliás, que sobressaia na incompatibilidade a tónica da objectividade que permite em essência abstraí-la de condicionantes volitivas e de projecções ético-subjectivas.
Dir-se-ia então que o sistema de impedimentos consome de alguma maneira, na óptica dos valores postulados na imparcialidade, a protecção implicada na disciplina das incompatibilidades.
O que, se serve para de algum modo explicar a atitude subjacente aos diplomas legais há pouco aludidos, não bastará para inutilizar e furtar justificação a um sistema de incompatibilidades, de resto, teleologicamente complexo.
Inclinamo-nos realmente a pensar não ser possível dissociar a pretensão normativa de imparcialidade da Administração, abstraindo por completo de um sistema de incompatibilidades e acumulações dos agentes que diariamente a protagonizam.
«A pureza do desempenho das funções públicas, preservando, naqueles que as exercem, a sua liberdade de decisão, independência e isenção - escreveu-se em parecer deste corpo consultivo (37) a propósito de incompatibilidades -, relaciona-se, sem dúvida, com o dever de imparcialidade que recai sobre os órgãos e agentes administrativos».
E a doutrina adverte, como vimos, que a actividade administrativa só é imparcial se as decisões da Administração se determinarem por critérios próprios, definidos pelos específicos interesses públicos, pré-determinados na lei, cuja prossecução lhe compete.
De modo que a sua imparcialidade será posta em causa se esses critérios forem substituídos ou distorcidos por interferência de interesses alheios à função, interesses, justamente, que podem emigrar de áreas onde os agentes administrativos exerçam cumulativamente outras actividades.
É evidente que a incompatibilidade elimina na raiz toda a hipótese de parcialidade a favor desses interesses.
Pode não garantir por si a imparcialidade.
Mas constitui decerto momento relevante, quiçá decisivo, na concretização do princípio.
A imparcialidade e o sistema de incompatibilidades podem não se encontrar estritamente conexionados por uma relação de garantia exclusiva e absorvente, mas estão, inclusivamente, em afinidade solidária na sua aptidão instrumental e complementar para a realização dos fins e interesses públicos que constituem o escopo da Administração e enformam a actuação dos seus agentes.

2.3.4. Só que, procurando agora precisar a ideia focada há instantes, a teleologia de um regime de incompatibilidades não se esgota na consideração da imparcialidade.
Aflora ainda, como se deu conta doutrinariamente, no tópico complexo da eficiência da Administração.
MARCELLO CAETANO (38) definiu incompatibilidade como a «impossibilidade legal do desempenho de certas funções públicas por indivíduo que exerça determinadas actividades ou que se encontre em alguma das situações, públicas ou particulares, enumeradas na lei».
«Depois de afirmar que as incompatibilidades ou são comuns a todas as funções públicas ou especiais de certo cargo ou função, classificou-as aquele autor em naturais e morais por um lado, e absolutas e relativas por outro.
«Definiu incompatibilidades naturais «as que resultam da impossibilidade material de desempenhar simultaneamente dois car-gos ou duas actividades dentro das mesmas horas de serviço, em diferentes localidades ou dentro da mesma hierarquia», e, morais, «as que resultam da necessidade de impedir que o agente possa ser suspeito de utilizar a função pública para favorecer interesses privados em cuja dependência se encontrasse, em virtude de prestar serviços remunerados a particulares ou por estar ligado por laços de parentesco a quem possa influir na marcha dos negócios públicos, para seu proveito pessoal».
«Caracterizou, finalmente, as incompatibilidades absolutas e relativas, respectivamente, como sendo «as que não podem ser removidas, forçando o funcionário a optar por um dos cargos incompatíveis«, e «as que podem ser removidas mediante obtenção de autorização, dada pela autoridade competente, para o exercício dos dois cargos ou de um cargo e de uma actividade privada ...» ((x2) «Manual de Direito Administrativo, tomo II, Coimbra, 1983, págs. 720 a 722.
Cfr. os pareceres deste Conselho Consultivo nº 61/84, de 20 de Dezembro de 1984, e 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, aquele publicado no «Boletim do Ministério da Justiça», nº 346, págs. 54 a 87, e este (ainda) não publicado».
x2).
«As normas que provêem sobre incompatibilidades funcionais em relação aos titulares de cargos políticos e da administração pública, cominam-lhes deveres de natureza negativa que constituem limites à acumulação. Se a incompatibilidade não for legalmente sus-ceptível de remoção, vedada está a possibilidade de acumulação ((x3) «JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funciona-lismo Público, vol. 1º, Lisboa, 1985, págs. 171 e segs.».
x3).
«A motivação das normas legais sobre incompatibilidades rela-tivas ao exercício de cargos assenta, fundamentalmente, na ideia de que duas ou mais funções não podem ser exercidas, conveniente-mente, pela mesma pessoa.
«A este propósito referiu-se, em parecer deste corpo consulti-vo: «pretende-se, em resumo, proteger a independência das funções e, do mesmo passo, manter na acção administrativa a normalidade, objectividade e serenidade que lhe deve imprimir o cariz indiscutível do interesse geral e que mais não é do que a afloração, no Estado democrático de direito, do princípio segundo o qual os agentes públicos não devem encontrar-se em situação de confronto entre o interesse próprio, de natureza pessoal, e o interesse do Estado ou dos entes públicos que representam e lhes cumpre defender» ((x4) «Parecer nº 100/82, de 22 de Julho de 1982, «Diário da República», II Série, de 25 de Junho de 1983, e no «Boletim do Ministério da Justiça», nº 326, págs. 224 e segs.».
x4).
Eficiência e imparcialidade, pois.
Duas faces do sistema de incompatibilidades que modelam o rosto de uma Administração protagonista do interesse público na sua mais elevada dimensão ético-social.

2.3.5. Os trabalhos parlamentares preparatórios da Lei nº 9/90, incidindo sobre o respectivo Projecto de Lei nº 277/V (39) conferem, aliás, sobressaliente relevo aos mesmos parâmetros (40).
Não se tendo, porém, debruçado especificamente sobre os incisos que estão na base da consulta, reverta-se à sua interpretação segundo a teleologia esboçada nas páginas antecedentes.
Mediante o sistema de incompatibilidade visou-se acautelar a eficácia e a imparcialidade dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, assim como os desideratos da justiça e da igualdade nela implicados.
Mas não podia um similar projecto assumir carácter absoluto e revestir-se de rigidez que lançasse em completo esquecimento outros valores apreciáveis na vida social, entre os quais, na sua duradoura vocação dirigida à satisfação de interesses e necessidades humanas, justamente o património.
A síntese axiológica operar-se-ia, na tónica da problemática que nos ocupa, por conjugação compromissória de regra e excepção, na ponderação normativa do factor patrimonial participações sociais.
O dispositivo do artigo 2º, alínea d), traduzindo aqueles princípios fundamentais do quadro político-administrativo polarizados no arquétipo da imparcialidade.
O artigo 4º, nº1, representando, por seu turno, a homenagem do sistema à essencialidade do património na esfera jurídico-individual, substracto e suporte da titularidade do cargo.
Na harmonização dos dois vectores, proibiu-se, como regra, aos titulares dos cargos, a detenção de participações de valor superior a 10% do capital de sociedades contratantes com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público.
Facultou-se, a contrario, a detenção de participações de valor igual ou inferior a 10%.
Os trabalhos preparatórios disponíveis não aduzem subsídios explicativos do limite de 10%, sendo, aliás, inviável discorrer com razoabilidade sobre a sua pertinência material, tantas são as variáveis incidentes.
Não custa, porém, aceitar, estando em causa a salvaguarda premente da imparcialidade, ter sido decisiva a consideração de ser esse um limite a partir do qual a posição e o interesse do titular nas aludidas sociedades tornam já inaceitável o risco de parcialidade a favor delas, em detrimento do interesse público.
Assumindo o cargo político ou o alto cargo público, não pode, por isso, o titular, sob pena de incorrer em incompatibilidade, deter participações sociais que excedam o aludido limite.
É-lhe, porém, lícito exercer, em acumulação com o cargo, actividades de mera administração do património existente à data do início de funções.
O que elementarmente se compreende porque, sem a conservação e a frutificação normal que estão no cerne da administração ordinária, a breve trecho o património se degradará e encaminhará para a deterioração e perda.
Mas no património, como direitos susceptíveis de avaliação pecuniária, podem compreender-se, vimo-lo há pouco, partes sociais. E nesse caso torna-se mister providenciar igualmente pela sua administração, com vista à frutificação normal e até à conservação das participações (41).
Ora, nenhum problema se suscita se o valor das participações não ultrapassar o limite de 10% do capital das sociedades.
Quid iuris, porém, na hipótese inversa?
A análise acima desenvolvida mostrou que as participações superiores a 10% do capital de empresas que contratem com a entidade pública - o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público - na qual o titular desempenha o seu cargo ficam sujeitas, por força do artigo 4º, nº1, à regra geral da alínea d) do artigo 2º.
Logo, não podem ser objecto da ordinária administração facultada naquele primeiro normativo, porque, justamente, nem sequer, por força do segundo, podem figurar na detenção do titular do cargo.
Já, porém, as participações de valor superior a 10% em empresas que contratem com pessoas colectivas de direito público diferentes daquela em que o cargo é desempenhado ficariam subtraídas, ex-vi do nº1 do artigo 4º, à regra do artigo 2º, alínea d), podendo, por conseguinte, ser administradas e, obviamente, detidas pelo titular.
Objectar-se-á que esta interpretação imobiliza por completo a alínea d) do artigo 2º.
Não é inteiramente exacto.
Desde logo, é necessário ter bem presente que o preceito não constitui a «norma completa» da incompatibilidade no tocante a participações sociais, a qual apenas se obtém por conjugação daquela alínea com o nº1 do artigo 4º.
De qualquer modo, a mesma alínea não resulta inutilizada, evidentemente, quanto às empresas, nela compreendidas, que contratem com a pessoa colectiva de direito público em que o titular exercer o cargo.
E facilmente então se dará conta da amplitude da incompatibilidade, quando se figure que esse ente público poder ser o Estado.
Na interpretação alternativa - também as participações superiores a 10% em empresas contratantes com entes públicos diferentes daquele em que o cargo é desempenhado gerariam a incompatibilidade - é que talvez se tornasse inútil o nº1 do artigo 4º no concernente a toda a sorte de participações.
Quando superiores a 10%, não poderiam ser detidas em virtude da alínea d) do artigo 2º, e não teria por isso sentido considerar a possibilidade da respectiva administração.
Quando inferiores, inexistindo relativamente a elas proibição, é óbvio que nada impediria a sua normal administração.
Mais. O artigo 4º, nº1 conservaria decerto a sua utilidade própria quanto às alíneas a), b) e c) do artigo 2º, mas o conteúdo destas impressivamente revela o despiciendo domínio de incidência que, em derradeiro termo, ficaria reservado ao mesmo normativo.
A tese para que se propende - não sem hesitação, convenha-se, que, todavia, só uma adequada clarificação legislativa conseguiria remover - resiste, assim, razoavelmente às implicações da objecção aludida.
No cerne teleológico das incompatibilidades está, de resto, a salvaguarda da imparcialidade, e as exigências desta manifestam-se com maior intensidade nas relações entre a empresa em que o titular tem interesses e o ente público em que assume funções pro-eminentes.
Só nesse domínio, dir-se-ia, ocorre um risco normativamente relevante e controlável de parcialidade e só aí não deve, portanto, o princípio da imparcialidade sofrer o confronto de outros valores acaso apreciáveis no plano jurídico.
A norma que o compromisso teleológico permite, pois, extrair da articulação dos dois preceitos em equação aponta no sentido de que a titularidade de cargo político ou alto cargo público é incompatível com a detenção de partes sociais de valor superior a 10% do capital de empresas que contratem com a pessoa colectiva de direito público, maxime o Estado, em que o cargo é desempenhado.


3. Recorde-se que as dificuldades interpretativas submetidas à ponderação do Conselho se colocam, num segundo momento, ao nível da alínea d) do artigo 2º, relativamente à qual diversas questões vêm especificamente equacionadas.

3.1. Questiona-se, em geral, a «tipologia dos contratos» que podem estar nos pressupostos da incompatibilidade, quanto aos seguintes aspectos: relevância dos contratos de adesão; relevância dos contratos formais; exigência de durabilidade da relação contratual.
Trata-se, não o esqueçamos, de contratos celebrados entre particulares - empresas, sociedades comerciais - e pessoas colectivas de direito público, nomeadamente o Estado, fontes, desde logo, de relações jurídico-administrativas.
Com evidente relevo, portanto, para a categoria do «contrato administrativo», entendido, numa noção doutrinal firmada (42), como «contrato celebrado entre a Administração e outra pessoa com objecto de associar esta por certo período ao desempenho regular de alguma atribuição administrativa, mediante prestação de coisas ou de serviços, a retribuir pela forma que for estipulada, e ficando reservado aos tribunais administrativos o conhecimento das contestações, entre as partes, relativas à validade, interpretação e execução das suas cláusulas».
Revogado o artigo 815º, § 2º do Código Administrativo, que, a propósito da competência contenciosa, enumerava taxativamente as espécies de contratos administrativos, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, veio definir no seu artigo 9º, nº1, contrato administrativo como «acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo», enunciando exemplificativamente (43) no nº2 as espécies como tal consideradas: contrato de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de concessão de uso privativo do domínio público e de exploração de jogos de fortuna e de azar e os de fornecimento contínuo e de prestação de serviços celebrados pela Administração para fins de imediata utilidade pública».
Por último, o Código de Procedimento Administrativo verteu idêntica noção de contrato administrativo no artigo 178º, nº1, adoptando no nº2 a mesma enunciação exemplificativa (44).
Na formação do mútuo consenso dos contraentes, e, nomeadamente, na escolha do co-contratante da Administração assume particular relevo o denominado «concurso público».
O artigo 182º do Código de Procedimento Administrativo refere-se-lhe, dispondo: salvo regime especial, nos contratos que visem associar um particular ao desempenho regular de atribuições administrativas o co-contratante deve ser escolhido por concurso público, por concurso limitado ou por ajuste directo» (artigo 182º, nº1).
Ao concurso público «são admitidas todas as entidades que satisfaçam os requisitos gerais estabelecidos por lei» (nº2), enquanto ao concurso limitado «só podem ser admitidas as entidades que satisfaçam os requisitos especialmente fixados pela Administração para cada caso ou que tenham sido convidadas para o efeito pelo contratante público» (nº3).
O ajuste directo, por seu turno, «deve ser precedido de consulta feita pelo menos a três entidades» (artigo 182º, nº4).
Os contratos devem, aliás, «ser sempre precedidos de concurso público, o qual só pode ser dispensado por proposta devidamente fundamentada do órgão competente, que mereça a concordância expressa, consoante os casos, do órgão superior da hierarquia ou do órgão de tutela» (artigo 183º, nº1).
Sem prejuízo do que, «a realização ou dispensa do concurso público ou limitado, bem como o ajuste directo, dependem da observância das normas que regulam a realização de despesas públicas» (nº2).
As fases do concurso compreendem os actos adequados ao escopo instrumental de escolha da parte que vai contratar com o ente público, e nomeadamente as seguintes: o anúncio, que dá a conhecer ao público a intenção de contratar, o prazo para apresentação de propostas, o prazo e local para o exame do programa do concurso, do caderno de encargos e do projecto, sendo caso disso; a apresentação de propostas, mediante as quais os concorrentes manifestam a sua vontade de contratar e as condições, deixadas à sua determinação, em que se dispõem a fazê-lo; o acto público do concurso, tendente à abertura e conhecimento das propostas; a adjudicação consistindo na designação do concorrente escolhido pela Administração, para consigo contratar atendendo ao mérito da proposta na perspectiva dos interesses públicos envolvidos.
Encerra-se, assim, o estádio do concurso, ao qual se seguirá a celebração propriamente dita do contrato visado, com a qual apenas a formação deste se aperfeiçoará (45).
Bem se entende, por conseguinte, dada a importância do concurso público na selecção dos intervenientes em contratos com a Administração, o relevo que à mera intervenção nesse estádio de formação dos contratos confere o artigo 2º, alínea d), na definição dos pressupostos da incompatibilidade.
Esta não se concretiza tão-somente com o aperfeiçoamento do contrato entre o ente público e a empresa ou sociedade, mas logo com a candidatura desta ao concurso público respectivo.
Parafraseando um parecer deste Conselho (46), «o problema começa precisamente aí, onde o germen da incompatibilidade já se contém».
Quando porventura não tenha lugar o concurso, será decisiva a celebração dos contratos. E, parece, de quaisquer contratos, posto que a norma não distingue.

3.1.1. Pergunta-se, neste contexto, se estarão compreendidos os «contratos de adesão», ou se haverá que operar distinção com base na identidade do proponente.
Muito sumariamente, entende-se por contrato de adesão «aquele cujo conteúdo contratual foi pré-fixado, total ou parcialmente, por uma das partes a fim de ser utilizado, sem discussão ou sem discussão relevante, de forma abstracta e geral, na sua contratação futura» (47).
O que caracteriza essencialmente esses contratos é, de facto, «a ausência de uma fase negociatória no iter negotii, a falta de um debate prévio com a função das negociações contratuais» (48) «é a pré-disposição ex uno latere do ordenamento contratual, quer esta fixação unilateral resulte de uma iniciativa da empresa, quer provenha de uma recomendação ou imposição de uma associação profissional», ou, dito de outro modo, «a colocação da mera alternativa aceitar ou rejeitar», «a mera possibilidade de se decidir se se contrata, sem poder influenciar o como se contrata» (49).
Trata-se, pois, realmente, de contratos «por adesão», uma vez que não está em causa um problema do conteúdo do negócio, mas o seu modo de celebração (50).
Pressuposto do debate prévio entre os contraentes, observa um autor (51), é, na verdade, «a igualdade jurídica das partes, uma das premissas em que o liberalismo individualista assentava a força soberana do contrato».
«À medida, porém, que o poder económico dos grupos se foi fortalecendo com o desenvolvimento do capitalismo – prossegue (52) -, a actividade das empresas se foi diversificando e a oferta dos produtos em massa se foi alargando, começaram a surgir e a multiplicar-se no comércio jurídico os casos em que a lex contractus é praticamente elaborada por um só dos contraentes, sem nenhum debate prévio acerca do seu conteúdo».
É o que sucede, por exemplo, na generalidade dos contratos de seguro; de transporte por via aérea, férrea ou marítima; dos contratos bancários; de fornecimentos de água, gás e electricidade; de venda ou aluguer de bens, os mais diversos, desde os electrodo-mésticos até aos automóveis (53).
Negociações, portanto, no âmbito do tráfico de massas, ou em série, de bens e serviços, que avultam nos nossos dias, cujo traço comum consiste na «superação do processo contratual clássico» e na subordinação dos clientes a «cláusulas, previamente fixadas de modo geral e abstracto - cláusulas contratuais gerais -, para uma séria indefinida de efectivos e concretos negócios» (54).
As reservas que suscita, em geral, este tipo de contratação relacionam-se com a «situação precária em que muitas vezes se encontra o contraente mais fraco (necessitado de contratar)» (55).
Não surpreende, por isso, que, «em países de maior grau de evolução industrial e em que os cidadãos gozam de apurada consciência dos direitos que lhes assistem, e de vias da sua realização, se tenha assistido (...) à consagração de várias soluções, destinadas a estabelecer uma sindicância específica dos contratos de adesão (56).
Entre essas medidas, a edição de legislação moderadora e correctiva das «cláusulas contratuais gerais», entre nós protagonizada pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com inspiração na homóloga lei alemã de 9 de Dezembro de 1976 (57), cuja análise extravasaria os limites da consulta.
A situação precária do aderente deriva, pois, da falta de negociação prévia, da necessidade de facto em que se encontra de pura e simplesmente aceitar ou recusar a programação contratual do predisponente.
Mas, justamente por esta razão, o artigo 102º, nº2 da primeira Lei das Autarquias Locais - Lei nº 79/77, de 25 de Outubro - exceptuava do regime de incompatibilidades que atingiam os membros dos órgãos autárquicos, os contratos de adesão, dispondo:
«2. Os membros dos órgãos das autarquias locais não podem tomar parte ou interesse nos contratos por estas celebrados, salvo contratos tipo de adesão, sob pena de nulidade do contrato e perda do mandato».
Na racionalização da excepção ponderou-se, com efeito, nesta instância consultiva (58):
«Neste tipo de contrato não há discussão: ou se aceita ou não se aceita e a abstracção das relações contratuais é tanto maior (e mais impressionante) quanto é certa a crescente utilização de computadores e outros meios mecânicos para muitos desses tipos de contratos (-).
«Mas é exactamente porque, em casos destes, não há interferência pessoal, directa ou por interposta pessoa, próxima ou remota, do membro da autarquia que o legislador, inovadoramente, entendeu ser razoável subtrair à severa sanção prevista - perda do mandato e nulidade do contrato - por não estarem em causa os valores que se pretendem, em tese geral, acautelar.
«É que o conteúdo do contrato é fixado por forma geral e abstracta e predeterminadamente».
Diga-se que a limitação introduzida quanto aos contratos de adesão passou para o artigo 81º, nº2 da nova lei das autarquias (Lei nº 100/84, de 29 de Março), e para o artigo 4º, nº2, alínea e), do Estatuto dos Eleitos Locais aprovado pela Lei nº 29/87, de 30 de Junho.
No nosso caso, porém, o legislador, entendeu, decisivamente, não exceptuar os contratos por adesão.
E, na realidade, se a ausência de prévias negociações contratuais, favorece, por um lado, o distanciamento do titular do cargo, não deixa, por outro lado, de constituir um estímulo, até deontológico, à intervenção.
Faltando o debate prévio, «é natural que o aderente desconheça, muitas vezes, aspectos importantes da regulamentação contratual».
«E mais grave do que isso, acontecerá frequentemente que a empresa, valendo-se da situação de força que a sua posição no mercado lhe confere e da forma como este contrato é estabelecido, aproveita para inserir cláusulas abusivas ou injustas, sem consideração pelos interesses da contraparte, maxime se o aderente não passa de simples consumidor final, explorando, assim, a situação débil deste».
Daí «a necessidade de controlo sobre os contratos de adesão» ao «nível da tutela da vontade» do aderente e ao «nível da fiscalização do conteúdo das condições gerais do contrato» (59).
É certo que a intervenção do titular do cargo, incrementada em abstracto a pretexto dos apontados aspectos, pode revelar-se limitada no tocante à elaboração e reelaboração das cláusulas contratuais gerais e, portanto, na definição do conteúdo contratual propriamente dito.
Mas já deixará de sofrer a mesma limitação, conatural ao contrato de adesão, ao nível da eleição do predisponente no esquema de concorrência vigente no mercado, com os riscos então inerentes de menos neutralidade, à custa do interesse público, em benefício da empresa onde tem interesses.
Não se vêem, em suma, argumentos ponderosos que justifiquem excluir os contratos de adesão do âmbito do artigo 2º, alínea d), da Lei nº 9/90, desde que, obviamente, celebrados com empresas, comerciais ou industriais, nas condições aludidas no mesmo preceito.

3.1.2. Similar reserva suscita, de resto, a exclusão de contra-tos não formais, nos casos em que porventura sejam possíveis.
De facto, enquanto no domínio do direito civil vigora a regra da consensualidade ou liberdade de forma, enunciada no artigo 219º do Código Civil (60), em direito administrativo rege a regra oposta, hoje constante do artigo 184º do Código de Procedimento Administrativo:
«Artigo 184º
Forma dos contratos
Os contratos administrativos são sempre celebrados por escrito, salvo se a lei estabelecer outra forma.»
Dir-se-ia, inclusivamente, que os contratos administrativos são sempre formais, posto que o preceito apenas ressalva da regra da forma escrita o estabelecimento por lei de «outra forma».
Observa-se que esta «poderá ser mais solene ou menos solene». «Razões que se prendem com o reduzido valor do contrato, a curta vigência deste ou a segurança pública, entre outras, podem justificar a inexigibilidade da forma escrita (cfr. artigo 8º do Decreto-Lei nº 211/79) (61).
Mesmo, porém, quando a lei dispensa a forma escrita, isso «não quer dizer que não haja escritos donde constem as estipulações contratuais: documentos oficiais, correspondência trocada, propostas dos particulares sobre as quais incidiu decisão administrativa, etc.» (62).
Apesar de certos inconvenientes, o formalismo negocial tem, como se sabe, algumas vantagens: assegura maior reflexão das partes, defendendo-as contra a ligeireza ou precipitação; permite estabelecer a separação entre a fase pré-contratual e os termos definitivos do negócio; possibilita uma formulação mais precisa e completa das declarações de vontade; faculta uma certa publicidade do acto, interessando ao esclarecimento de terceiros; proporciona um maior grau de certeza sobre a celebração e os termos do negócio, evitando a falibilidade da prova testemunhal (63).
São sobretudo as razões de segurança jurídica aludidas em último lugar que subjazem à exigência, em princípio, de forma escrita, formulada no artigo 184º do Código de Procedimento Admi-nistrativo (64).
Ora, se assim é, a insegurança gerada no caso de uma forma menos solene, ou mesmo na ausência de forma, apenas tenderia a agravar-se se por acréscimo se prescindisse nessas situações da garantia da incompatibilidade.
Em resumo, afigura-se que o artigo 2º, alínea d) não permite distinguir entre contratos formais e não formais, por apelo, nomeadamente às circunstâncias tipificadas na lei que podem justificar a dispensa da forma escrita, solução que, se se apresenta rígida, tem, no entanto, «o mérito de evitar uma resposta casuística com toda a margem de arbítrio inerente à qualificação das situações» (65).

3.1.3. A última dúvida excogitada acerca da tipologia dos contratos relevantes no seio da alínea d) do artigo 2º refere-se à durabilidade. Bastará para a existência de incompatibilidade uma única relação contratual ou exigir-se-á continuidade ou regularidade?
Mais uma vez não se estabelece distinção entre os dois tipos de situações, pelo que o intérprete apenas se sentirá legitimado a perfilhar regimes diferentes num e noutro caso se para o efeito dispuser de adequada motivação.
Ora o conflito que se pretende prevenir entre os interesses do titular do cargo na empresa que contrata com a Administração e o interesse público que está nas atribuições desta e que àquele compete prosseguir, manifesta-se inequivocamente em contratos de execução continuada, ou que se renovam periodicamente por exigências de permanente satisfação das mesmas necessidades, tais os contratos de fornecimento contínuo, prestação de serviços, transporte, concessão de serviços públicos ou de exploração do domínio público, tão típicos e frequentes na Administração.
Mas não se manifesta menos nas relações contratuais de curta duração, ou nos contratos avulsamente celebrados sem perspectivas de repetição, uma vez que se mantém presente o fundo comum do interesse e das conveniências do titular do cargo concernentes ao sucesso dos negócios da empresa, em detrimento possível dos interesses do ente público.
Bem pode, por isso, acontecer que o dano originado pela concretização do conflito numa única relação contratual seja de vulto assaz superior ao verificado em relações contratuais duradouras.
E não se afigura possível definir critérios normativamente fundados, conducentes à diversificação da incompatibilidade, no seio do artigo 2º, alínea b), consoante a durabilidade e regularidade, ou a unicidade, das relações contratuais estabelecidas.

3.2. Resta defrontar ainda uma dificuldade, ventilada na consulta a propósito destas relações, mas já alheia à «tipologia» dos contratos: será que a vontade do titular do cargo assume relevância no desenvolvimento do artigo 2º, alínea b), ou é a mera detenção de participações superiores a 10% o único valor determinante da incompatibilidade?
Pode, na verdade, o titular desconhecer que a empresa em que detém as participações está a contratar com o ente público em que desempenha o cargo, e pode, inclusive, manifestar àquela, sem êxito, a irregularidade da situação.
Seguir-se-á, não obstante, uma resposta positiva quanto à existência de incompatibilidade?
Inclinamo-nos, tudo ponderado, para aceitar a afirmativa. Mas não seria despicienda, também a este propósito, uma clarificação legislativa.
Nesse sentido concorre a natureza cautelar da incompatibilidade, com incidência privilegiada no plano remoto da prevenção em que o conflito de interesses é antevisto como meramente virtual ou potencial.
Sobressai, nessa medida, a tónica de objectividade que permite, em essência, abstraí-la de condicionantes ao nível da ciência e volição do titular, do tipo aludido, e abstraí-la, por isso mesmo, de implicações ético-subjectivas.
Dito de outro modo, a incompatibilidade não deixará de se verificar sem a cooperação hoc sensu, intelectual e volitiva do titular, mas este distanciamento há-de por certo relevar na definição, referente á culpa, da responsabilidade consequente.
Julga-se, aliás, que uma diligência razoável, exigível ao titular do cargo, ciente da detenção das participações e do sistema de incompatibilidades que em abstracto o afectam, deverá normalmente obstar à concretização destas.
E não restará ao mesmo, na normalidade dos casos, a possibilidade, ultima ratio, de se colocar ao abrigo da incompatibilidade, alienando participações, ou abstendo-se de assumir ou permanecer no exercício da função?

III
1. Noutra das informações que motivaram o presente parecer, uma questão diferente, em matéria de incompatibilidades, vem «legitimada pela frequência da sua ocorrência», nos termos seguintes:
«Estabelecida a subsunção dos cargos de director do hospital (presidente do conselho de administração) e de administrador-delegado, ao regime de incompatibilidades definido na Lei nº 9/90, verifica-se para esses cargos a impossibilidade de exercerem actividade privada remunerada, durante a pendência da titularidade dos cargos artigo 2º, alínea a).
«Acontece que o legislador ((x5) «Não se desconhece o diferente valor hierárquico das normas.
Julgamos, no entanto, que mesmo assim se justifica a colocação da questão, tanto mais não fosse para se estabelecer com o rigor possível a interpretação tida como correcta, face à manifestada boa fé dos titulares desses cargos».
x5), quase que paralelamente, vem possibilitando o exercício de actividade privada remunerada, «ao arrepio», do comando da Lei nº 9/90.
«Na sequência da aprovação da lei de gestão hospitalar (Decreto-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro), o Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro veio introduzir alterações no domínio dos órgãos e do funcionamento dos hospitais, exigindo a exclusividade de funções para os membros dos conselhos de administração dos hospitais.
«O Decreto Regulamentar nº 35/88, de 17 de Outubro, veio, no entanto a alterar esses pressuposto, permitindo que os médicos membros do conselho de administração dos hospitais, mediante autorização do Ministro da Saúde, durante o primeiro mandato, utilizassem a faculdade conferida pelo nº5 do artigo 32º, do Decreto-Lei nº 310/82, de 3 de Agosto, para o atendimento apenas de doentes privados.
«Admitiu-se, assim, a acumulação da gestão hospitalar com o exercício liberal da medicina, tendo como contrapartida uma redução de 25% na remuneração.
«Esta solução veio a ser alargada quer pelo Decreto Regulamentar nº 42/90, de 13 de Dezembro, possibilitando-se agora também a utilização da faculdade para o exercício da sua actividade profissional regular nos serviços das respectivas especialidades, quer ainda pelo Decreto Regulamentar nº 46/91, de 12 de Setembro, que afastou a limitação do uso dessa faculdade ao primeiro mandato.
«Do exposto resulta que, confrontados com a «imperativida-de» das soluções decorrentes da Lei nº 9/90, os titulares que obtiveram a autorização ministerial referida nos diplomas anteriores invocam-na naturalmente para se colocar uma situação não só de excepção face à Lei nº 9/90, mas também evidenciando a consciência de se situarem no escrupuloso cumprimento da lei.
«Há, pois, que obter uma resposta segura neste domínio, inclusive para que não sejam afectados interesses legítimos de cidadãos, confrontados com regimes aparentemente contraditórios.»
A boa compreensão e tratamento da questão exposta aconselha nos inteiremos previamente sobre a natureza dos hospitais dentro da orgânica da Administração Pública e a índole dos cargos de director e de administrador-delegado.
Só depois estaremos em condições de apurar se estes cargos são abrangidos nas previsões e estatuições da Lei nº 9/90, para, na hipótese afirmativa, aferir das incompatibilidades que atingem os respectivos titulares.


2. Aborde-se em primeiro lugar o problema da natureza dos hospitais e dos cargos, na perspectiva da Lei nº 9/90 em que a qualificação releva.

2.1. Como se pondera na informação do Gabinete, o Decreto-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro - cuja entrada em vigor não ficou dependente de especial prazo de vacatio -, aprovou um novo sistema de gestão hospitalar, aplicável «aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde» (artigo 1º).
Nos termos do artigo 2º, nº1, estes hospitais «são pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira» - sem prejuízo dos poderes de superintendência e tutela do Ministro da Saúde enunciados no artigo 3º -, dispondo de capacidade jurídica extensiva a «todos os direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins definidos na lei» (nº2).
Os hospitais possuem «órgãos de administração, de direcção técnica, de apoio técnico e de participação e consulta» (artigo 4º, nº1) - existindo ainda um órgão de fiscalização nos hospitais de maior dimensão (nº2) - aos quais «será conferida a competência necessária para a realização dos fins próprios dos hospitais» (artigo 5º, nº1).
O regulamento desses órgãos - estipula o artigo 20º, nº1 -, constante de decreto regulamentar, «fixará o conjunto dos órgãos que devem existir nos hospitais, a sua designação, composição e competência, a responsabilidade e remunerações dos respectivos titulares e as matérias que poderão constar do regulamento interno de cada hospital».

2.2. Em cumprimento do preceituado neste normativo foi realmente publicado no dia seguinte o Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro, de cujo articulado seleccionaremos apenas as normas concernentes aos cargos que nos interessam.
Assim, desde logo, o artigo 1º, dedicado à enumeração e natureza dos órgãos hospitalares, que enuncia à testa do elenco, como «órgãos de administração», o conselho de administração, o presidente do conselho de administração ou director e o administrador delegado (nº1, alínea a)).
Compete-lhes, genericamente, «planear, dirigir, coordenar e controlar o funcionamento do hospital, bem como promover a criação de estruturas orgânicas adequadas e a sua constante actualização» (artigo 2º, nº1).
O mandato dos titulares dos órgãos é, em todos os casos, de três anos renováveis por iguais períodos (artigo 34º).
O conselho de administração é composto, em princípio, pelos quatro membros seguintes: o presidente, que é o director do hospi-tal; o administrador-delegado; o director clínico; o enfermeiro di-rector de serviço de enfermagem (artigo 3º, nºs 1, alíneas a) a d), e 2).
No capítulo das competências, diz o nº1 do artigo 4º ser o conselho de administração «responsável pela definição dos princípios fundamentais que devem enformar a organização e funcionamento do hospital, pelo acompanhamento da sua execução e pela respectiva avaliação periódica».
Compete-lhe especialmente, inter alia (artigo 4º, nº2): aprovar os planos de acção anuais e plurianuais a submeter a despacho ministerial (alínea a)); propor as linhas de orientação a que deve obedecer a organização e funcionamento do hospital (alínea b)); estabelecer as directrizes necessárias ao melhor funcionamento dos serviços (alínea c)); aprovar os orçamentos a submeter a despacho ministerial, e as contas de gerência, a submeter ao Tribunal de Contas (alínea e)); autorizar despesas com aquisição de bens e serviços até ao valor máximo permitido aos dirigentes de organismos com autonomia administrativa e financeira (alínea i)).
O director é nomeado pelo Ministro da Saúde, declarando-se o cargo «incompatível com o exercício de quaisquer outras funções, públicas ou privadas, para além das previstas no presente diploma» (artigo 7º, nºs 1 e 2) - é o caso da presidência do conselho técnico do hospital, nos termos do artigo 17º, nº1.
Compete ao director «coordenar e dirigir as actividades do hospital (artigo 8º, nº1) e, em especial (nº2): propor ao Ministro da Saúde a nomeação ou exoneração dos outros membros do conselho de administração (alínea a)); fazer cumprir as disposições legais e regulamentares aplicáveis (alínea b)); representar o hospital em juízo e fora dele (alínea c)).
O administrador-delegado é, por seu lado, igualmente nomeado pelo Ministro, sob proposta do director, declarando-se outrossim o cargo «incompatível com o exercício de quaisquer outras funções, públicas ou privadas, para além das previstas no presente diploma (artigo 9º, nº2) - tal a posição de membro do conselho técnico do hospital (artigo 17º, nº1, alínea a)).
Compete ao administrador-delegado «executar e garantir execução de todas as decisões relativas à realização dos fins do hospital» (artigo 10º, nº1) e, especialmente, entre outras funções (nº2): preparar os planos anuais e plurianuais do hospital, incluindo os respectivos orçamentos, e submetê-los à aprovação do conselho de administração (alínea a)); propor ou adoptar as medidas necessárias à melhoria da orgânica e funcionamento dos serviços (alínea b)); propor a admissão de pessoal ou proceder à sua nomeação por delegação ministerial (alínea c)); aprovar os horários de trabalho e os planos de férias do pessoal, dentro dos limites genericamente estabelecidos pelo conselho de administração (alínea d)); assegurar a regularidade da cobrança das receitas e do pagamento das despesas do hospital (alínea e)); dar balanço mensal à tesouraria (alínea f)); responsabilizar os diversos sectores de actividade hospitalar pela utilização de meios e a consecução de resultados (alínea i)).
Constituem ainda competências específicas do administrador-delegado, quanto à autorização de despesas ou matérias com elas relacionadas (artigo 11º, nº1): autorizar a introdução de novos produtos no consumo hospitalar (alínea a)); aprovar a constituição das comissões de escolha dos bens ou produtos de consumo (alínea b)); autorizar todas as despesas com obras de construção, beneficiação, ampliação, remodelação das instalações (alínea c)); adjudicar os concursos ou consultas para aquisição de bens de consumo e prestação de serviços (alínea e)), etc.

2.3. Nos termos dos artigos 7º, nº2, e 9º, nº2, do Decreto Regulamentar nº 3/88, os cargos de director do hospital e de admi-nistrador-delegado, respectivamente presidente e membro do seu conselho de administração, são incompatíveis com o exercício de quaisquer outras funções públicas ou privadas, além das previstas no próprio diploma, tais as de presidente e de membro do conselho técnico do hospital.
Todavia, o Decreto Regulamentar nº 35/88, de 17 de Outubro, editado ao abrigo do artigo 20º da lei de gestão hospitalar (Decreto-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro), veio introduzir uma atenuação neste regime de incompatibilidades, dispondo:
«Artigo único - 1 - Mediante autorização do Ministro da Saúde, os médicos membros dos conselhos de administração dos hospitais podem utilizar, durante o primeiro mandato, a faculdade conferida pelo nº15 do artigo 32º do Decreto-Lei nº 310/82, de 3 de Agosto, para o atendimento apenas de doentes privados.
2. Os interessados não podem intervir como membros dos conselhos de administração na tomada de decisões quanto à aplicação do disposto no número anterior.
3. Aos membros dos conselhos de administração que fizerem uso da faculdade conferida neste artigo será efectuada uma redução de 25% na remuneração.»
Para uma adequada compreensão da atenuação introduzida importa conhecer o teor do artigo 32º, nº15, do Decreto-Lei nº 310/82, de 3 de Agosto, diploma que definiu o regime legal das três carreiras médicas de saúde pública, de clínica geral, e hospitalar.
O artigo 32º integra-se no Capítulo VI - «Regimes de trabalho», artigos 30º a 34º -, dispondo o seu nº15:
«Artigo 32º
Carreira médica hospitalar
1. O regime de trabalho dos médicos da carreira hospitalar é o descrito nos números seguintes:
(...)
(...)
15. Os médicos integrados nos lugares dos quadros da carreira hospitalar, em regime de tempo completo, ou tempo completo prolongado, poderão, mediante protocolo de acordo com o conselho de gerência respectivo, utilizar o equipamento e instalações hospitalares para atendimento de doentes privados.»
Esta, portanto, a faculdade cuja utilização o Decreto Regula-mentar nº 35/88 veio permitir aos médicos membros dos conselhos de administração dos hospitais.
Considerou-se na motivação preambular que a exigência de exclusividade de funções formulada pelo Decreto Regulamentar nº 3/88 com respeito aos membros daqueles conselhos de administração «assenta na necessidade de assegurar uma grande disponibilidade para o desempenho dos respectivos cargos», traduzindo-se «na consequente impossibilidade de exercício, dentro ou fora do hospital, de funções que possam exigir uma inconveniente dispersão de esforços».
Ponderando, no entanto, que ainda hoje é «generalizada a cumulação da prática hospitalar com o exercício liberal da medicina», entendeu-se «aconselhável temporariamente não retirar aos membros dos conselhos de administração que sejam médicos a possibilidade que hoje têm os seus colegas do quadro do hospital de atendimento de doentes privados» dentro dele, tal como prevê o citado nº15 do artigo 32º do Decreto-Lei nº 310/82.
Similar possibilidade, acautelava-se ainda, «não abala os objectivos prosseguidos pelo Decreto Regulamentar nº 3/88, já que só poderá ser utilizada em termos limitados e garante a permanência no interior do hospital dos membros do conselho de administração, alarga hoje na prática a possibilidade de escolha de médicos prestigiados, cujo empenhamento se deseja, mas que consideram não dever abandonar bruscamente os doentes que vinham seguindo na sua clínica extra-hospitalar».
«Naturalmente que a remuneração respectiva, concedida para um regime de exclusividade total de funções, sofrerá nestes casos uma redução».

2.4. O artigo único do Decreto Regulamentar nº 35/88 recebeu, porém, duas alterações de redacção.

2.4.1. Primeiro, através do Decreto Regulamentar nº 42/90, de 13 de Dezembro, ao abrigo do artigo 20º da lei de gestão hospitalar, ficando como seguem os nºs 1 e 3:
«Artigo único - 1 Mediante autorização do Ministro da Saúde, os médicos membros dos conselhos de administração dos hospitais podem, durante o primeiro mandato, utilizar a faculdade conferida pelo nº15 do artigo 32º do Decre-to-Lei nº 310/82, de 3 de Agosto, para o atendimento dos doentes privados e, bem assim, exercer a sua actividade profissional regular nos serviços das respectivas especialidades.
2...........................................................................
3. Aos membros dos conselhos de administração que fizerem uso da faculdade referida na primeira parte do nº1 será efectuada uma redução de 25% na remuneração».
A nótula preambular esclareceu tão-só que o «regime de exclusividade de funções para os membros dos conselhos de administração dos hospitais, tendo em vista a necessária disponibilidade para o desempenho dos respectivos cargos», seria «passível de criar no futuro uma situação de desigualdade, pela inactividade a que obriga, relativamente ao exercício regular nos serviços da respectiva especialidade».

2.4.2. A segunda alteração introduzida no artigo único do Decreto Regulamentar nº 35/88 deveu-se, por seu turno, ao Decreto Regulamentar nº 46/91, de 12 de Setembro, emanado igualmente à sombra do artigo 20º da lei de gestão hospitalar, o qual, do mesmo passo, revogava o Decreto Regulamentar nº 42/90.
Agora teve-se em vista estender a atenuação, ao regime de incompatibilidades resultante do Decreto Regulamentar nº 35/88, também aos mandatos subsequentes ao primeiro.
Notando-se, por outro lado, modificação na remissão para o novo regime das carreiras médicas compendiado no Decreto-Lei nº 73/90, de 6 de Março, entretanto vindo à luz.
No breve preâmbulo, depois de se dar conta das soluções introduzidas pelos Decretos Regulamentares nº 35/88 - extensão, aos médicos membros dos conselhos de administração, da faculdade de exercício da medicina privada dentro dos hospitais - e nº 42/90 - compatibilidade dos cargos de membros dos conselhos de adminis-tração com o exercício pelos médicos da sua actividade profissional nos serviços da respectiva especialidade - acrescentou-se, apenas quanto à primeira inovação:
«A prática quer da actividade privada quer da actividade normal hospitalar tem vindo a revelar que em nada são prejudicadas as funções que, como membros dos conselhos de administração, lhes estão atribuídas, pelo que não se descortinam razões para que o exercício dessas actividades não possa continuar noutros mandatos.»
Nos termos expostos, para além de ligeiríssimas nuances literais aqui verdadeiramente despiciendas, as alterações introduzidas no artigo único do Decreto Regulamentar nº 35/88 pelo Decreto Regulamentar nº 46/91 cifraram-se na eliminação do segmento «durante o primeiro mandato», constante do nº1, e na substituição da menção «nº15 do artigo 32º do Decreto-Lei nº 310/82, de 3 de Agosto», impressa nesse mesmo número, pela expressão «artigo 32º do Decreto-Lei nº 73/90, de 6 de Março».

2.5. A nova forma assumida por esta remissão obriga, aliás, a um ligeiro desvio no curso da investigação a fim de perscrutar o sentido do novo diploma regulador das carreiras médicas.

2.5.1. «A medida legislativa - observa-se no exórdio do Decreto-Lei nº 73/90 - é ditada pela necessidade de reconverter o sistema remuneratório das carreiras médicas, de as dotar de um modelo mais dinâmico e de as adequar a uma nova forma de perspectivar e conceber a organização e funcionamento dos estabeleci-mentos de saúde».
Nesta perspectiva, adentro da «reforma em curso do sistema retributivo da função pública, os médicos, a par de outros técnicos de saúde (...) passam a constituir um corpo especial de funcionários, a retribuir por escala indiciária própria (...) concebida em articulação com a escala indiciária geral e estruturada em moldes semelhantes, em obediência aos princípios gerais sobre remunerações estabelecidos no Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Julho».
Por aí se explica que o Decreto-Lei nº 73/90 seja editado pelo Governo no «desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Julho, e nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 201º da Constituição».
Ponderou-se em parecer deste corpo consultivo (65) que «embora o Decreto-Lei nº 73/90 não contenha norma revogando expressamente o Decreto-Lei nº 310/82, este não pode deixar de se considerar substancialmente revogado por ele de forma tácita».
Em todo o caso, «na reformulação do regime das carreiras, operando-se esta - prossegue o mesmo parecer citando o preâmbulo daquele Decreto-Lei - «sem modificar a sua filosofia ou introduzir alterações substanciais, dá-se-lhe nova estruturação e desenvolvimento» e «estabelecem-se novas regras, designadamente quanto aos regimes de trabalho», a que se refere o artigo 9º, integrado no Capítulo I («Objecto, âmbito e disposições gerais», artigos 1º a 15º):
«Artigo 9º
Regimes de trabalho
1. As modalidades de regime de trabalho dos médicos são as seguintes:
a) Tempo completo;
b) Dedicação exclusiva.
2. (...)
3. (...)
4. O regime de dedicação exclusiva é incompatível com o desempenho de qualquer actividade profissional pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 312/84, de 26 de Setembro (67), ou o desempenho de funções docentes em escolas dependentes ou sob tutela do Ministro da Saúde, mediante autorização, nos termos da lei.
5. Os médicos em dedicação exclusiva devem apresentar no serviço ou estabelecimento onde exercem funções uma declaração de renúncia ao exercício das actividades incompatíveis.
6. (...)
7. Não envolve quebra de compromisso de renúncia a percepção de remunerações decorrentes de:
a) (...)
(...)
d) Actividades privadas ou em regime de profissão liberal exercidas em instalações do respectivo serviço ou estabelecimento de saúde, nos termos do artigo 32º deste diploma;
(...)
i) (...)».

Em comentário a este preceito lê-se noutro parecer do Conselho (68):
«Os médicos do SNS exercem a sua actividade na modalidade de tempo completo ou de dedicação exclusiva ou, excepcio-nalmente, em regime de tempo parcial (artigo 9º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 73/90) (-).
(...)
«A opção pelo regime de dedicação exclusiva dos médicos do SNS implica a sujeição a um mais apertado regime de incompatibilidades. Não lhes é permitido, em regra, o desempenho de qualquer actividade profissional pública ou privada, incluindo a correspondente a qualquer profissão liberal. A excepção circunscreve-se ao exercício da docência nas faculdades de medicina e de ciências médicas a que se reporta o Decreto-Lei nº 312/84, de 24 de Setembro, ou, mediante autorização superior, em escolas dependentes ou sob tutela do Ministério da Saúde (artigo 9º, nº4) (-).
«Uma vez que a percepção de remuneração em razão do exercício das actividades enumeradas no nº7, sob o condicionalismo nele previsto, não envolve quebra do referido compromisso de renúncia, importa concluir que se trata de excepções ao princípio da proibição constante do nº4».
Entre as actividades assim exceptuadas relevam as indicadas na alínea d) do nº7:
«Actividades privadas em regime de profissão liberal exercidas em instalações do respectivo serviço ou estabelecimento de saúde, nos termos do artigo 32º deste diploma».
Ora, dispõe o artigo 32º, integrado no Capítulo III relativo à «Carreira médica hospitalar»:
«Artigo 32º
Exercício de actividades privadas no hospital
1. Em condições a aprovar por despacho do Ministro da Saúde e mediante protocolo acordado com o órgão de administração, os chefes de serviço e os directores de departamento e de serviço em regime de dedicação exclusiva poderão ser autorizados a atender doentes privados em instalações do respectivo estabelecimento e fora do horário de serviço.
2. A mesma possibilidade é concedida, independentemente da categoria, a médicos em regime de dedicação exclusiva que integrem centros de responsabilidade» (69).
Eis aí a nova roupagem em que passou a apresentar-se a faculdade aberta aos médicos membros dos conselhos de administração dos hospitais, pela remissão constante do Decreto Regulamentar nº 46/91 acima posta em relevo.
Prossiga-se, porém, ainda por um momento, no âmbito do Decreto-Lei nº 73/90 para, em estreita conexão com o seu artigo 9º, se conferir igualmente atenção ao artigo 10º, do seguinte teor:
«Artigo 10º
Acumulações e incompatibilidades
1. Os médicos do Serviço Nacional de Saúde ficam sujeitos ao regime geral da função pública no que respeita às regras sobre incompatibilidades e acumulações com actividades ou cargos públicos ou privados.
2. Aos médicos que tenham ingressado nos internados complementares a partir de 1 de Janeiro de 1988 e venham a ser providos em lugares de quadros do Serviço Nacional de Saúde é vedado o exercício de funções clínicas privadas fora das estruturas do mesmo serviço.
3. Sem prejuízo do disposto no nº1, aos médicos não referidos no número anterior é permitido o exercício de funções clínicas fora das estruturas do mesmo serviço».
Resulta do preceito transcrito que os médicos do Serviço Nacional de Saúde estão sujeitos às regras gerais sobre acumulações e incompatibilidades que vigoram para a função pública (nº1) e, ainda, às regras especiais na mesma matéria vertidas nos nºs 2 e 3.
Segundo tal regime especial, os médicos ingressados no internato complementar depois de 1 de Janeiro de 1988 não podem, ao invés dos que ingressaram até àquela data, exercer funções clínicas privadas fora das estruturas do Serviço Nacional de Saúde.
Não importa, todavia, aos termos da consulta esclarecer aqui a dualidade de regimes, que se reconduz afinal à subordinação ou não ao regime de dedicação exclusiva: aos médicos em dedicação exclusiva está esse exercício vedado; aos outros médicos é permitido (70).

2.5.2. Interessará, em todo o caso, salientar que o descrito se harmoniza com a disciplina ao respeito vertida, pouco depois do Decreto-Lei nº 73/90, de 6 de Março, nas bases XXXI e XXXII da Lei nº 48/90, de 24 de Agosto - «Lei de Bases de Saúde» (71):
«Base XXXI
Estatuto dos profissionais de saúde do
Serviço Nacional de Saúde
1. Os profissionais de saúde que trabalham no Serviço Nacional de Saúde estão submetidos às regras próprias da Administração Pública e podem constituir-se em corpos especiais.
2. A Lei estabelece, na medida em que seja necessário, as regras próprias sobre o estatuto dos profissionais de saúde, o qual deve ser adequado ao exercício das funções e delimitado pela ética e deontologia profissionais.
3. Aos profissionais dos quadros do Serviço Nacional de Saúde é permitido, sem prejuízo das normas que regulam o regime de trabalho de dedicação exclusiva, exercer a actividade privada, não podendo dela resultar para o Serviço Nacional de Saúde qualquer responsabilidade pelos encargos resultantes dos cuidados por esta forma prestados aos seus beneficiários.
4.(...)».
«Base XXXII
Médicos
1.(...)
2.(...)
3.(...)
4.(...)
5.(...)
6. A lei pode prever que os médicos da carreira hospitalar sejam autorizados a assistir, nos hospitais, os seus doentes privados, em termos a regulamentar.
7. (...)».
Garante-se, assim, em princípio, aos profissionais dos quadros do Serviço Nacional de Saúde, e, obviamente, aos médicos - a quem em exclusivo respeita o Decreto-Lei nº 73/90 -, o exercício, em determinadas condições, da actividade privada e, portanto, de funções clínicas privadas.

2.6. O ponto da consulta em análise distancia-se aparentemente do sistema de incompatibilidades dos médicos passado em revista, para enfocar o quadro, diverso, das incompatibilidades que atingem antes os operadores da gestão hospitalar e, designadamente, os membros dos conselhos de administração dos hospitais.
Todavia, apenas estão em causa estes titulares enquanto médicos e por isso que este último sistema tenha sentido a necessidade de se recompletar recorrendo àquele, elegendo-o como indispensável referente.
Remissão, de resto, cuja ratio o excurso antecedente permitiu tornar inteligível, mas que na consulta é colocada em relação conflitual com normas emergentes da Lei nº 9/90.
«Estabelecida a subsunção dos cargos de director do hospital (presidente do conselho de administração) e de administrador-delegado ao regime de incompatibilidades definido na Lei nº 9/90 - recorde-se, verifica-se para esses cargos a impossibilidade de exercerem actividade privada remunerada» nos termos do artigo 2º, alínea a).
Em contraditoriedade, justamente, com o conteúdo da remissão resultante, em derradeiro termo, do Decreto Regulamentar nº 46/91, de 12 de Setembro.
Quid iuris?
Adiante-se, desde já, que, em abstracto, os dois aludidos cargos se afiguram, com efeito, integráveis no elenco de cargos previstos na Lei nº 9/90.
O artigo 1º, nº1 desta Lei considera titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, entre outros, os seguintes:
«1. (...)
a) (...)
(...)
j) Presidente de instituto público autónomo (...);
l) Gestor público (...) e vogal da direcção de instituto público autónomo, desde que exerçam funções executivas;
m) (...)
2. (...)».
Refira-se que a redacção das alíneas j) e l) foi introduzida pela Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, cujos efeitos foram, aliás, reportados à data da entrada em vigor da Lei nº 9/90, de 1 de Março, quanto aos titulares de cargos já abrangidos por esta Lei (artigo 3º, nº2), produzindo-se, ao invés, no prazo de 60 dias após a sua publicação, no tocante aos restantes titulares (nº3) (72).
Também os trabalhos preparatórios da Lei nº 56/90 são de escassa utilidade na dilucidação da problemática colocada à nossa apreciação (73).
O Conselho teve, porém, o ensejo de estudar o significado e conteúdo do conceito de instituto público autónomo para os mencionados efeitos (74), propendendo desde logo a considerar redundante o qualificativo «autónomo».
A partir daqui, ponderando, ademais, à luz de diversificada indagação doutrinal, quatro classes fundamentais de institutos públicos - serviços personalizados; fundações públicas; estabelecimentos públicos, incluindo estes, por exemplo, as universidades e os «hospitais do Estado»; empresas públicas -, veio a perfilhar uma acepção ampla, formulando a seguinte conclusão:
«O conceito de «instituto público autónomo», usado nas alíneas j) e l) do nº1 do artigo 1º da Lei nº 9/90, de 1 de Março, na redacção da Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, abrange, na sua previsão, todas as espécies de «institutos públicos» - «serviços personalizados», «fundações públicas» e «estabelecimentos públicos», independentemente do grau e tipo de autonomia de que efectivamente disponham -, só não abrangendo as «empresas públicas» em virtude de estas estarem expressa e especificamente previstas nos mesmos preceitos legais».
Não existindo motivos para divergir deste entendimento, impõe-se concluir, em suma, que os hospitais públicos são «institutos públicos autónomos» no sentido em que o conceito é utilizado no artigo 1º, nº1, alíneas j) e l), da Lei nº 9/90.
Pensa-se, por conseguinte, que o director e o administrador-de-legado do hospital, respectivamente presidente e membro do seu conselho de administração, podem, em abstracto, ser considerados, no aludido sentido, passem as nuances terminológicas, presidente e vogal da direcção do instituto público autónomo que é o hospital.
A alínea l) exige, porém, que o vogal exerça «funções executivas».
Trata-se de funções normalmente adstritas aos denominados órgãos executivos ou representativos, por contraposição aos órgãos deliberativos, que se desincumbem de funções deliberativas.
Estes últimos têm por missão precisamente deliberar, isto é, resolver ou decidir sobre os negócios da pessoa colectiva, mas não estabelecer relações com terceiros. Não emitem, portanto, em face de terceiros, nem deles recebem, quaisquer declarações de vontade que hajam de produzir efeitos em relação ao ente jurídico. Formam a vontade da pessoa jurídica (willensbildende Organe), mas não a manifestam, não a projectam para o exterior. A sua actividade desenvolve-se apenas no interior do ente. São órgãos internos da pessoa jurídica.
Já os primeiros a representam, pelo contrário, nas suas relações externas. Tratam com terceiros, emitindo ou recebendo declarações de vontade cujos efeitos se produzem na esfera do ente. São eles quem exterioriza a vontade da pessoa jurídica, em cumprimento ou execução das determinações dos órgãos deliberativos. Trata-se, pois, de órgãos externos ou órgãos executivos (willensausführende Organe) (75).
Ora, o elenco de competências legais do administrador-delegado, oportunamente enunciadas, revela-se impressivamente portador dos apontados caracteres da função orgânico-executiva.

2.7. Os médicos directores ou administradores-delegados do hospital estarão, por todo o exposto, sujeitos ao regime de incompatibilidades estatuído na Lei nº 9/90 e, designadamente, àquela, configurada na alínea a) do artigo 2º, que está nas preocupações da consulta?
Está-lhes por isso vedado o «exercício remunerado de quaisquer outras actividades profissionais ou de função pública que não derive do seu cargo e o exercício de actividades de representação profissional»?
A verdade é que as alíneas j) e l) do nº1 do artigo 1º da Lei nº 9/90, e, por isso, as incompatibilidades respectivas, se aplicam a diferentes espécies de institutos públicos, dos quais os estabelecimentos públicos e, dentro destes, os hospitais, constituem um de muitos outros exemplos.
Sucede, em contraponto, que os médicos titulares dos questionados cargos hospitalares dispõem de um regime de incompatibilidades específico, delineado nos artigos 7º, nº2, e 9º, nº2, do Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro, em conjugação com o artigo único do Decreto Regulamentar nº 35/88, de 17 de Outubro, na redacção, por último, do Decreto Regulamentar nº 46/91, de 12 de Setembro.
Um regime, portanto, especial e genealogicamente diferencia-do relativamente ao regime geral da Lei nº 9/90.
Ora, como configurar as relações entre ambos os complexos normativos?
Será, desde logo, que o regime geral posterior revogou o regime especial anterior?
«Quando se não destine a ter vigência temporária - dispõe, com efeito, o nº1 do artigo 7º do Código Civil -, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei».
E «a revogação pode resultar - conforme o nº2 do mesmo artigo - de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior».
Mas, em qualquer das hipóteses, «a lei geral [posterior] não revoga a lei especial [anterior] - adverte o nº3 do aludido normativo -, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».
A elaboração jurisprudencial no curso dos séculos chegou à síntese de regras tendentes à remoção de conflitos normativos, mediante a harmonização de preceitos jurídicos aparentemente contraditórios - lex posterior derogat legi priori, lex specialis derogat legi generali, lex superior derogat legi inferiori, entre outras -, na base das quais «figura como «postulado» o princípio da unidade e da coerência (ausência de contradições) da ordem jurídica» (76).
O artigo 7º do Código Civil recebeu a primeira (nº1), acolhendo ainda, ao introduzir naquela determinada limitação, a regra lex specialis (nº3).
Tais regras não constituem «uma evidência lógica» e a sua fundamentação pode inclusive deparar com «dificuldades de ordem teórica», para além do que subsiste, de todo o modo, susceptível de atingir elevado grau de complexidade, o problema das relações internas entre as mesmas (77).
Não sendo aqui viável ensaiar a densificação de semelhante temática, importa, pelo menos, adiantar, a propósito, algumas considerações orientadoras na dilucidação da específica questão que nos ocupa.
Na tipologia definida no nº2 do artigo 7º, vale, em primeira linha, o princípio de que a lei posterior tem precedência sobre a lei anterior, cuja motivação teorética anda ligada à ideia da «competência normativa actual do órgão» emitente da proposição jurídica, actualidade que se resolve num «poder de revogação» do mesmo órgão, de órgãos hierarquicamente superiores ou ainda de órgãos detentores de «competência concorrente» (78).
Isto implica, de resto - assim se aflora já, de algum modo, a interconexão das regras lex posterior e lex superior -, a radiciação do poder revogatório em duas direcções: a posição hierárquica do órgão ou órgãos que emanam os actos, e a hierarquia dos próprios actos normativos - falando-se, neste último caso, de «força» e, respectivamente, de «resistência à revogação».
A maior força normativa de um acto significa, pois, que, dispondo vários órgãos de competência legislativa concorrente ratione materiae, a existência de diferenciação hierárquica entre eles tem como corolário lógico a impossibilidade de revogação, pela fonte inferior, da disciplina criada pela fonte superior, segundo o brocardo ubi maior, minor cessat.
Na base do critério da posterioridade, a fonte inferior só pode, pois, revogar validamente normas de nível igual ou inferior.
Eis, assim, que a posição hierárquica do órgão normativo se reflecte imediatamente na força dos actos emitidos e, por isso, na força revogatória (79).
Mesmo, porém, tratando-se de actos de força idêntica, não é só por isso que o acto posterior pode validamente revogar o anterior, posto que, se a competência em razão da matéria estiver diferentemente distribuída, então cada órgão só agirá legitimamente no domínio de competência que lhe for delimitado. Consequentemente, a revogação opera tão-somente se houver «competência concorrente» dos órgãos envolvidos.
Em contraponto, a incompatibilidade, por seu turno, entre norma inferior e norma superior não importa, necessária e automaticamente, a invalidade ou ineficácia da norma inferior, sendo hipotizável e até real a possibilidade de normas de nível inferior co-existirem (conviverem) com normas contrárias de nível superior (80).
Diverso é o problema das relações revogatórias entre norma geral e norma especial, particularmente na hipótese de aquela ser posterior (81).
Impera neste caso o princípio, plasmado no nº3 do artigo 7º do Código Civil, lex posterior generalis non derogat legi priori speciali, significando, ultima ratio, que a «norma cuja previsão compreende em abstracto a específica previsão de outra não revoga esta, que deve supor-se mais perfeitamente aderente aos caracteres das concretas situações de facto», tal como o fato por medida assenta melhor que o «pronto a vestir», pelo sacrifício dos detalhes de cada constituição física imposto no segundo caso (82).
O respeito e a lógica intrínseca do princípio não pode, todavia, justificar a sua automática aplicação. Fala-se, inclusivamente, a propósito, de uma simples presunção ilidível face a elementos claros em sentido oposto (83).
No fundo, a prevalência do critério da especialidade sobre o critério da posterioridade pressupõe - observa-se - que «a dissonância entre direito especial e direito geral não seja de tal modo sensível que perturbe em profundidade a harmonia do sistema, ao ponto de tornar inconcebível a coexistência entre lei especial anterior e lei geral sucessiva».
O que impõe, por conseguinte, minimizar desarmonias menores, fruto de um racionalismo exasperado, aliás inevitáveis nos quadros amplos de qualquer ordenamento realisticamente considerado.
Um sistema de direito especial apresenta geralmente vantagens de precisão, clareza e certeza jurídica que não devem sem mais sacrificar-se. No limite, a exigência de uma disciplina precisa e detalhada em determinados sectores da mundividência jurídica pode e deve, quiçá, sobrelevar ao valor da harmonia que, em derradeiro termo, ofereça o flanco a lacunas, ainda que impróprias ou inautênticas.
Por isso, no relativo respeito, em regra, do princípio da especialidade, apenas se legitimará a sua desaplicação «quando a lei geral posterior não deixe lugar a dúvidas sobre a vontade legislativa de revogar a lei especial anterior» (84).
Compreende-se, na teorização desenvolvida, a particular injun-ção endereçada ao intérprete pelo artigo 7º, nº3, do nosso Código Civil (85): para que a lei especial anterior se considere revogada pela lei geral posterior são necessárias inequívocas indicações da vontade legislativa nesse sentido.
O problema é, pois, «de interpretação da lei posterior, resumindo-se em apreciar se esta quer ou não revogar a lei especial anterior» (86).
Ora, na «fixação dessa intenção, dada a palavra «inequívoca», deve o intérprete ser particularmente exigente (87), atendendo ao texto da lei, sua conexão, evolução histórica, à história da formação legislativa, e sobretudo nortear-se pelo fim da disposição questiona-da e o resultado de uma e outra interpretação» (88).
Mas, a investigação antecedentemente desenvolvida não logrou revelar, no grau de exigência assim requerido, a intenção revogatória da Lei nº 9/90 com respeito ao regime especial acima delineado.
Coexistindo, nesta medida, em vigor lei geral e lei especial, a aplicação desta em detrimento daquela flui curialmente das relações lógicas entre os preceitos.
É, pois, esse e não o da Lei nº 9/90, assim se propende a pensar, o regime de incompatibilidades dos questionados cargos hospitalares, solução, aliás, não prejudicada, segundo cremos, pelo superior nível da lei posterior, critério, como se viu, não decisivo e que a específica linhagem normativa do mesmo regime, entroncando nas áreas da gestão hospitalar, das carreiras médicas e das bases gerais da saúde permite ainda mais relativizar (89).
Por consequência, os cargos de director e de administrador-de-legado de hospital público são incompatíveis com o exercício de quaisquer outras funções públicas ou privadas, para além das previstas no Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro (artigos 7º, nº2, e 9º, nº2).
Todavia, os médicos titulares daqueles cargos podem exercer clínica privada em instalações do hospital, fora do horário de serviço, mediante autorização do Ministro da Saúde, sofrendo uma redução de 25% na remuneração, e, bem assim, exercer a sua actividade profissional regular nos serviços das respectivas especialidades (artigo único do Decreto Regulamentar nº 35/88, na redacção do Decreto Regulamentar nº 46/91; artigo 32º do Decreto-Lei nº 73/90, de 6 de Março).(90).
IV
1. As questões suscitadas, para que se pretende a apreciação interpretativa do Conselho Consultivo, aliadas a outras meramente exemplificadas no sentido de salientar obscuridades, deficiências ou contradições do regime legal de incompatibilidades, levaram o Asses-sor do Gabinete de Vossa Excelência a sugerir o uso da competência resultante dos artigos 8º, alínea g), e 34º, alínea d), da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro - Lei Orgânica do Ministério Público -, tendo em vista proposta de alterações legislativas clarificadoras.
O certo, porém, é que a disciplina das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos foi, entretanto, já modificada, passando a constar da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, que revogou os anteriores diplomas.
Nesse contexto, não podemos dispensar-nos de equacionar as questões que estão na base da consulta também à face da nova Lei.
Convém, no entanto, abordar previamente os dois últimos pontos ventilados nas mencionadas informações.


2. O primeiro surge a propósito de um titular de cargo político (membro de Governo Regional) que durante parte do seu mandato deteve participação social superior a 10% no capital de sociedade por quotas interveniente em transacções com departamentos do Governo Regional ou serviços com autonomia administrativa e financeira, para além de ter «responsabilidades na sua gestão».
Apesar de o titular se haver pronunciado apenas acerca do preenchimento da previsão da alínea d) do artigo 2º da Lei nº 9/90, entende a consulta que a situação de «gerência», que lhe incumbira «pode e deve ser confrontada com o disposto na referida alínea b)» do mesmo normativo.
Em semelhante simplicidade factual, parece assistir razão à opinião assim formulada.
Nos termos do artigo 2º, alínea b), recorde-se, a titularidade de cargos políticos, por ser este o caso, é incompatível com a «integração em corpos sociais de empresas ou sociedades concessionárias de serviços públicos, instituições de crédito ou parabancárias, seguradoras, sociedades imobiliárias ou quaisquer outras empresas intervenientes em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público».
Deste modo, se o membro do Governo Regional esteve, no exercício do seu mandato, investido na gerência de sociedade por quotas que contratava com a Região, incorreu, sendo esta uma pessoa colectiva de direito público, na incompatibilidade delineada na citada alínea b) in fine: «integração em corpo social de empresa interveniente em contratos com pessoas colectivas de direito público».
O mencionado titular aduz, porém, na perspectiva da alínea d), que a referida empresa se limitou a efectuar «isoladas transacções de meras dezenas de milhares de escudos com departamentos do Governo Regional ou serviços com autonomia administrativa e financeira», quando, em seu entender, «o estabelecido na Lei nº 9/90 não se dirige a todo e qualquer acto ou transacção que possa ser qualificado juridicamente como um contrato, mas apenas a contratos de adjudicação decorrentes de concursos públicos».
«Na verdade, ao referir-se a «concursos públicos», o que só é exigido a partir de montantes significativos, parece a lei não ter contemplado aquelas transacções isoladas, no seu entender, meras «bagatelas».
Estamos, portanto, no âmbito da alínea d) do artigo 2º, cujo teor inicialmente se deu a conhecer e agora se relembra: a titularidade de cargos políticos é incompatível com a «detenção de partes sociais de valor superior a 10% em empresas que participem em concursos públicos de fornecimento de bens ou serviços no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público».
Tendo presentes, em primeiro lugar, as considerações anteriormente produzidas em demanda da «norma completa» resultante da conjugação daquela regra geral com a excepção configurada no artigo 4º, nº1, verifique-se que neste caso a empresa contrata com a Região, ou com serviços não dotados de personalidade da Região, logo, com a entidade pública na qual desempenha o cargo o membro do Governo Regional em questão.
Estando, pois, em causa uma participação superior a 10%, fica ela sujeita à regra geral da alínea d). Não pode, consequentemente, ser objecto da ordinária administração facultada pelo artigo 4º, nº1, porque, precisamente, nem sequer pode figurar, por força da alínea d), na detenção do titular do cargo.
No que concerne aos contratos relevantes como pressuposto da incompatibilidade cabe, em segundo lugar, observar não ser exacto que o concurso público apenas seja exigido a partir de montantes significativos, tópico havido como indicador da irrelevância, no seio da alínea d), das meras «bagatelas» contratuais envolvendo somas inferiores.
Tratando-se ao menos de contratos administrativos - os elementos de facto adiantados não permitem qualificar as transacções mencionadas pelo titular -, a regra é precisamente a inversa, consoante na altura própria se deixou registado.
De harmonia com o disposto no artigo 188º, nº1, do Código de Procedimento Administrativo, os contratos devem «ser sempre precedidos de concurso público, o qual só pode ser dispensado por proposta devidamente fundamentada do órgão competente, que mereça a concordância expressa, consoante os casos, do órgão superior da hierarquia ou do órgão de tutela».
E sempre sem prejuízo «das normas que regulam a realização de despesas públicas» (artigo 183º, nº2).
O valor dos contratos pode ser um dos elementos influentes na decisão de dispensa do concurso público, mas não é o único (cfr. v. g., os Decretos-Leis nº 211/79, de 12 de Julho, e nº 390/82, de 17 de Setembro).
De qualquer forma, o relevo atribuído à mera participação em concursos públicos na definição dos pressupostos da incompatibilidade da alínea d) compreende-se pela importância do acto na selecção dos co-contratantes da Administração no estádio prévio conducente à formação do contrato.
Mas a dimensão da incompatibilidade não se esgota nesse momento.
Quando, porventura, não tenha lugar o concurso, será decisiva a celebração do contrato.
E, afigura-se bem, de qualquer contrato, uma vez que a lei não distingue - nem poderia talvez distinguir sem riscos de arbitrário casuísmo.


3. O derradeiro tema focado nas informações do Gabinete respeita ainda às incompatibilidades consignadas no artigo 2º, alíneas b) e d) - respectivamente, integração em corpos sociais e detenção de participações sociais de valor superior a 10% do capital de empresas intervenientes em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Procurando reconduzir as situações concretas ao seu fundo comum, observa-se que elas se apresentam agregadas por uma particularidade: titulares de cargos abrangidos no domínio subjectivo da Lei nº 9/90 pertencem a corpos sociais ou detêm participações sociais de valor superior a 10% do capital de empresas que, não intervindo directamente em contratos com a Administração Pública, todavia detêm, por seu turno, participações maioritárias - de 85% num dos casos e de 61% noutro - no capital de outras empresas, estas sim intervenientes nesse tipo de contratação.
Pergunta-se se a incompatibilidade se estende à coligação assim elementarmente esboçada.
Inclinamo-nos, tudo ponderado, para a solução afirmativa.
É claro que as situações podem assumir contornos particulares que só o conhecimento minucioso dos contratos das sociedades coligadas permitiria destrinçar.
Admitindo, porém, que as participações de uma sociedade no capital de outra permitem àquela, maxime através do mecanismo do voto em assembleia geral, interferir decisivamente nos negócios desta, cremos então, nessa hipótese, que os contratos celebrados pela segunda se devem imputar à primeira nos termos e para os efeitos das alíneas b) e d) do artigo 2º da Lei nº 9/90.
Na verdade, a ratio das incompatibilidades em questão, centrada na garantia da imparcialidade, parece que colhe em pleno nas situações configuradas.
E a letra dos preceitos não deixa de oferecer a esse entendimento, teleologicamente preferível, um mínimo, pelo menos, de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


V
A Lei nº 9/90, com as alterações introduzidas pela Lei nº 56/90, foi, como já se disse, substituída pela Lei nº 64/93, de 26 de Agosto - «Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos» -, que expressamente a revogou (artigo 15º).
Não se torna, contudo, mister proceder neste momento a uma análise acabada do novo instrumento legal - que, aliás, perfilha, em muitos dos seus aspectos, sistematização e filosofia assaz diversa da lei que a precedeu -, mas apenas aproximar e orientar, pelas coordenadas do diploma, as questões já apreciadas segundo os cânones da pretérita legislação.
Previna-se, porém, que os trabalhos parlamentares relativos à Lei nº 64/93 se revelam de escassa utilidade em quanto às aludidas questões concerne, e não só pelo facto de os debates se terem dispersado simultaneamente em redor de várias outras iniciativas legislativas afins - financiamento da actividade dos partidos políticos; controlo público da riqueza e dos interesses dos titulares de cargos políticos; limitação das despesas com campanhas eleitorais para as autarquias; acesso dos cidadãos às declarações de rendimentos e de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos; limitação das despesas confidenciais das empresas tendo em vista a transparência da vida política nacional (91).
Sublinhe-se apenas, do preâmbulo do Projecto de Lei nº 331/93, que esteve na base da Lei nº 64/93 (92), uma reafirmação do princípio constitucional da imparcialidade da Administração, na primeira linha de motivações do sistema de incompatibilidades dos titulares de cargos públicos.
Vejamos, posto isto, sucessivamente, as questões focadas na consulta à luz da nova lei.


1. A detenção de participações sociais de valor superior a 10% do capital de empresas que intervenham em contratos com a Admi-nistração deixou, aparentemente, de constituir fundamento de incompatibilidade para os titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos.
A técnica usada, foi muito outra.
Atenda-se, efectivamente, ao artigo 8º da Lei nº 64/93:
«Artigo 8º
Impedimentos aplicáveis a sociedades
1. As empresas cujo capital seja detido numa percentagem superior a 10% por um titular de cargo político ou de alto cargo público ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços no exercício de actividade de comércio e indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas públicas, no departamento da Administração em que aquele titular exerça funções.
2. Considera-se igualmente causa de impedimento, nos termos do número anterior, a detenção do capital pelo cônjuge não separado de pessoas e bens.
Logicamente, a sanção para a infracção ao impedimento traduz-se na nulidade dos actos praticados (artigo 14º).
Mercê da conversão da incompatibilidade que atingia o titular do cargo, em impedimento que passa a afectar a empresa, restrito este, por outro lado, expressamente, ao departamento da Administração em que as funções são exercidas, dissipam-se, por certo, algumas dificuldades de interpretação e articulação dos artigos 2º, alínea d), e 4º, nº1, da Lei nº 9/90.
Outras subsistem, porém, (v.g., aplicabilidade do impedimento aos contratos por adesão, ou nos contratos não formais), para as quais cremos serem adequadas as soluções acima propugnadas à face da referida Lei.
No esquema definido ficaram, porém, marcas do anterior mecanismo da incompatibilidade.
Os titulares dos cargos devem depositar - no Tribunal Constitucional, quanto aos cargos políticos, na Procuradoria-Geral da República, quanto aos altos cargos públicos -, nos 60 dias posteriores à tomada de posse, declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos, donde conste a enumeração, além do mais, de quaisquer participações sociais (93) por eles detidas (artigos 10º, nº1, e, por remissão, 11º, nº1).
Por outro lado, a infracção do disposto no artigo 8º implica, para os titulares de cargos políticos electivos, com excepção do Presidente da República, a perda do respectivo mandato (artigo 10º, nº3, alínea a)) e para os titulares de cargos políticos de natureza não electiva, com excepção do Primeiro-Ministro, a demissão (alínea b).

2. Seguem-se as incompatibilidades respeitantes ao director e ao administrador-delegado de hospital público, abstractamente qualificáveis como presidente e vogal da direcção de instituto público autónomo para efeitos da Lei nº 9/90.
Nos termos do artigo 3º da Lei nº 64/93, são igualmente considerados titulares de altos cargos públicos, entre outros, o «presidente de instituto público, fundação pública, estabelecimento público» (alínea a)) e o «vogal da direcção de instituto público» naquelas modalidades, «desde que exerça(m) funções executivas» (alínea b)).
E a titularidade de altos cargos públicos implica «incompatibilidade com quaisquer outras funções remuneradas» (artigo 7º, nº1), excepto a docência no ensino superior e a investigação, bem como as inerências a título gratuito (nº2).
Já se viu, no entanto, que os médicos, directores e adminis-tradores-delegados de hospital público, dispõem de um sistema de incompatibilidades especial, o qual, pelas mesmas razões por que prevalecia sobre o regime geral de incompatibilidades estabelecido na Lei nº 9/90, deve ainda prevalecer sobre o novo regime geral introduzido na Lei nº 64/93 (94).
Afigura-se, na verdade, também aqui valer a máxima lex posterior generalis non derogat legi priori speciali», não obstante o novo articulado apresentar leituras sugerindo porventura solução oposta.
Isto, na medida em que o artigo 1º declara enfaticamente: «A presente lei estabelece o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos» (nº1).
Regime de que expressamente se exceptuam os deputados à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu: «O regime de incompatibilidades e impedimentos aplicável aos Deputados à Assembleia da República é regulado por lei especial» (nº2); «Os Deputados ao Parlamento Europeu estão submetidos ao mesmo regime de incompatibilidades e impedimentos dos Deputados à Assembleia da República» (nº3).
Sublinhou-se, porém, a necessidade legal de sinais inequívocos reveladores da vontade legislativa revogatória e quanto o intérprete deve ser exigente na apreciação desses indícios hermenêuticos.
Não parece, portanto, que as meras sugestões aludidas satisfaçam os critérios requeridos.


3. Houve há momentos ocasião de considerar atingido pela incompatibilidade definida na alínea b) do artigo 2º, da Lei nº 9/91, o membro de Governo Regional que no exercício do mandato exercia, do mesmo passo, a gerência de uma sociedade por quotas, em que, aliás, detinha participação social superior a 10% do capital.
Acabámos de ver o regime sui generis das participações sociais à face da Lei nº 64/93.
Resta, portanto, observar que, segundo o artigo 4º desta mesma Lei, também a titularidade de cargos políticos - entre os quais o de membro do Governo Regional (artigo 2º, alínea d)) - é incompatível, inter alia, «com a integração em corpos sociais de empresas públicas ou privadas e demais pessoas colectivas, excepto as que prossigam fins não lucrativos» (nº2).
Ampliou-se, por conseguinte, o âmbito da anterior incompatibilidade, na medida em que deixou de se exigir a intervenção das empresas «em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público», eliminando-se dificuldades inerentes à formulação desta exigência.

4. As dúvidas emergentes a propósito das sociedades em relação de participação é que, por seu turno, continuam pertinentes em face do novo artigo 8º, nº1.
Propendemos, por isso, e pelas mesmas razões, a transpor para este domínio a solução para que nos inclinámos a propósito da alínea d) do artigo 2º da lei anterior.
E assim, nos termos do actual artigo 8º, nº1, ficam impedidas da contratação com o ente público, não só as empresas em cujo capital o titular de cargo político ou de alto cargo público detém participação superior a 10%, mas também as empresas em cujo capital detêm as primeiras uma participação tal que lhes permite interferir de modo determinante nos negócios das segundas.

Conclusão:

VI
Termos em que se conclui:
1. A regra formulada no artigo 2º, alínea d), e a excepção introduzida no artigo 4º, nº1, da Lei nº 9/90, de 1 de Março - na versão resultante da Lei nº 56/90, de 5 de Setembro - articulam-se entre si à luz de um compro-misso teleológico entre a salvaguarda do princípio da imparcialidade no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos, por um lado, e a essencialidade do património na esfera jurídico-individual, esfera esta que constitui o substrato da titularidade dos cargos, por outro;
2. Segundo a norma que esse compromisso permite extrair em harmonização dos dois preceitos aludidos na conclusão anterior, a titularidade de um dos referidos cargos é incompatível com a detenção de partes sociais de valor superior a 10% do capital de empresas que contratem com a pessoa colectiva de direito público, maxime o Estado, em que o cargo é desempenhado;
3. No âmbito dos contratos relevantes para os efeitos previstos no artigo 2º, alínea d), da Lei nº 9/90, incluem-se os denominados «contratos de adesão» predispostos por empresas comerciais ou industriais nas condições aludidas no mesmo normativo;
4. O artigo 2º, alínea d), da Lei nº 9/90 não permite distinguir entre contratos formais e não formais, nem estabelecer distinções aferidas pela durabilidade e regularidade, ou a unicidade, das relações contratuais, para efeitos da incompatibilidade nele configurada;
5. A natureza cautelar e preventiva da incompatibilidade aludida no mesmo artigo 2º, alínea d), numa tónica de objectividade que lhe é própria, permite abstraí-la de condicionantes ao nível da ciência e da vontade do titular do cargo, e, por isso mesmo, de implicações ético-subjectivas, por modo que a incompatibilidade não deixará de se verificar sem a cooperação, hoc sensu, intelectual e volitiva do titular na efectivação da contratação relevante no seio da norma, do mesmo passo que o seu alheamento deve relevar na definição, referente à culpa, da responsabilidade consequente;
6. Os médicos directores e administradores-delegados de hospital público, respectivamente presidentes e membros do seu conselho de administração, são, em abstracto, qualificáveis como «presidente de instituto público autónomo» e «vogal da direcção de instituto público autónomo», nos termos das alíneas j) e l) do nº1 da Lei nº 9/90, mas dispõem de um regime específico de incompatibilidades delineado nos artigos 7º, nº2, e 9º, nº2, do Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro, em conjugação, com o artigo único do Decreto Regula-mentar nº 35/88, de 17 de Outubro, na redacção, por último, do Decreto Regulamentar nº 46/91, de 12 de Setembro, o qual, como regime especial prevalece sobre o regime geral de incompatibilidades consubstanciado na citada Lei;
7. O membro de Governo Regional investido, durante o exercício do seu mandato, na gerência, em simultâneo, de sociedade por quotas interveniente em contratos com a Região, incorre na incompatibilidade delineada na alínea b) do artigo 2º da Lei nº 9/90 - «integração em corpo social de empresa interveniente em contratos com pes-soas colectivas de direito público»;
8. Mercê de participação social superior a 10% do capital da sociedade aludida na conclusão anterior, o mesmo membro do Governo Regional incorre ainda na incompati-bilidade definida na alínea d) do citado artigo 2º, ainda que os contratos celebrados entre a sociedade e a Região, atendendo também ao seu valor, não tenham sido precedidos de concurso público;
9. As incompatibilidades estabelecidas nas alíneas b) e d) do artigo 2º da Lei nº 9/90 abrangem a integração em corpos sociais e a detenção de participações sociais de valor superior a 10% do capital de empresas directamen-te intervenientes em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público e ainda de empresas cujas participações no capital daquelas lhes permitem interferir decisivamente nos seus negócios;
10. As questões a que respeitam as anteriores conclusões 1. a 9., devem, em face do novo »Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos» introduzido pela Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, ser apreciadas e resolvidas juridicamente nos termos expostos no ponto V do presente parecer.

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(1) A redacção original da Lei nº 9/90 era a seguinte: «As actividades de mera administração do património pessoal e familiar existente à data de início de funções referidas no artigo 1º não estão sujeitas ao disposto no artigo 2º, salvo a participação superior a 10% em empresas que contratem com a entidade pública na qual desempenhe o seu cargo».
Como se vê, em síntese, do cotejo das versões do artigo 4º no «Diário da Assembleia da República», IV Legislatura, 3ª Sessão Legislativa (1989-1990), II Série-A, nº 51, de 21 de Junho de 1990, pág. 1467 (texto final do Projecto de Lei nº 524-V), I Série, nº 89, de 22 de Junho de 1990, pág. 3058 (aprovação desse texto) e II Série-A, nº 54, de 30 de Junho de 1990, pág. 1505 (Decreto nº 248/V), as pequenas diferenças literais não foram objecto de aprovação, devendo ter sido introduzidas em sede de redacção final.

(x) «Sublinhe-se que este pode não controlar (e não controlará em muitas hipóteses) a estratégia empresarial da sociedade».

(2) No plano formal em que ora nos colocamos, a norma poderia ser vista ao contrário: «Se alguém exercer as actividades indicadas nas alíneas a) a d)» - como previsão -, «então não pode assumir a titularidade de cargos políticos ou altos cargos públicos ».
Mas o artigo 2º põe o acento tónico na titularidade dos cargos e não vale a pena enredar a análise estrutural num mero exercício lúdico.

(3) LARENZ, Algemeiner Teil des deutschen Bürgerlichen Rechts, 6. Auf., C.H. Beck, München, 1983, pág. 291. O preceito do correspondente § 1922, I, do BGB, por ele citado, é, aliás, no plano em que nos situamos, mais expressivo: «Mit dem Tode einer Person geht deren Vermögen als Ganzes auf einer oder mehrere andere Personen über» («Pela morte de uma pessoa o seu património transmite-se como um todo para outra ou outras pessoas»). Cfr., no entanto, pág. 294 sobre o sentido, no contexto, do complemento «als Ganzes».
No artigo 2030º, nº2 do nosso Código já se define, aliás, herdeiro como o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido.

(4) LARENZ, op. cit., págs. 291 e seguinte.

(5) ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Reimpressão, Coimbra, 1992, págs. 205 e seguintes, que se acompanhará por momentos; MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra, 1992, págs. 344 e seguintes.

(6) ANDRADE, op. cit., vol. I, pág. 205; LARENZ, op. cit., pág. 293.

(7) ANDRADE, op. cit., vol. I, pág. 206.

(8) LARENZ, op. cit., pág. 292.

(9) LARENZ, op. cit., pág. 292, excluindo, neste plano (nota 3), as posições sociais em associações de fim ideal, que não podem ser avaliadas em dinheiro nem tornar-se objecto possível de execução.

(10) ANDRADE, op. cit., vol. I, pág. 206.

(11) ANDRADE, op. cit., vol. I, págs. 206 e seguinte.

(12) ANDRADE, op. cit., vol. I, pág. 207 e nota 2; LARENZ, op. cit., pág. 293; MOTA PINTO, op. cit., pág. 344.

(13) No sentido, efectivamente, de que o património não se constitui «objecto de disposição», de modo que se possa dispor de todos os direitos a ele pertencentes mediante um acto ou negócio unitário, LARENZ, op. cit., págs. 294 e seguinte.

(14) ANDRADE, op. cit., vol. II, 7ª Reimpressão, Coimbra, 1992, pág. 59, texto cuja orientação, por todos, vamos seguir; cfr. também MOTA PINTO, op. cit., págs. 406 e seguintes.

(15) ANDRADE, ibidem.

(16) No sentido exposto, ANDRADE, op. cit., vol. II, pág. 61.

(17) ANDRADE, op. cit., vol. II, pág. 62.
Figure-se, no tocante a participações sociais, como exemplo de actos de conservação, a cobrança periódica dos dividendos respeitantes a acções, permitindo evitar o abandono e a perda a favor do Estado ao fim de certo número de anos, nos termos dos Decretos-Leis nºs 187/70, de 30 de Abril, e 524/79, de 31 de Dezembro. Como exemplos de actos de frutificação normal, para além do exemplo anterior, a subscrição de novas acções gratuitas em aumento de capital por incorporação de reservas.

(18) A cessão de quotas de uma sociedade, por exemplo, para aplicar o preço na compra de acções de outra sociedade.

(19) Talvez constitua exemplo de actos dessa natureza, a aquisição de certo número de acções que, somadas às já existentes, permitem o exercício do voto ou uma posição de certo relevo na assembleia geral pela qual se pode influenciar a distribuição dos lucros.

(20) No exemplo da nota anterior, se o lote de novas acções fosse adquirido com os dividendos entesourados das antigas.

(21) ANDRADE, op. cit., vol. II, pág. 63; cfr. igualmente MOTA PINTO, op. cit., pág. 411.

(22) Cfr. ultimamente, por exemplo, o parecer nº 32/93, de 1 de Julho de 1993 (ponto V, 1.2.), inédito, que estamos momentaneamente a acompanhar.

(23) As relações de articulação entre os citados normativos foram estudadas nos pareceres nº 54/90, de 11 de Outubro de 1990, «Diário da República», II Série, de 16 de Julho de 1991, e nº 28/92, de 11 de Junho de 1992, homologado e não publicado.

(24) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, 1993, pág. 948.

(25) Parecer nº 86/90, de 29 de Outubro de 1992 (ponto III, 6.), «Diário da República», II Série, nº 244, de 18 de Outubro de 1993, págs. 10871 e segs., que ora se segue muito de perto.

(26) Na 1ª revisão (1982) o artigo sofreu apenas uma mudança de número, passando a figurar como artigo 266º, com a mesma precisa redacção.
Já na 2ª revisão (1989) recebeu, porém, alterações no nº2, despiciendas, segundo se crê, quanto ao tema agora em causa:
«Artigo 266º
Princípios fundamentais
1. (...)
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.»

(27) VIEIRA DE ANDRADE, A Imparcialidade da Administração como Princípio Constitucional, Separata do vol. XLIX (1974) do «Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra», págs. 5 e segs., apud parecer nº 86/90, citado supra, nota 25.

(28) VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., págs. 7 e seguintes.

(29) VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., págs. 10 e seguintes.

(x1) «Há que distinguir entre interesses políticos concretos das forças que dominam o governo e interesses colectivos interpretados pelo governo - estes conseguem-se no âmbito do sistema político, através de mecanismos constitucionais adequados e dispondo das necessárias garantias, e integram regras jurídicas (legais) que se impõem, naturalmente, à Administração.»

(30) «É claro - observa o autor que se vem acompanhando - que também a Administração tem o dever jurídico de procurar obter a decisão mais acertada e adequada ao caso concreto. Simplesmente, entende-se que as características específicas da função administrativa levam a que, cumpridos os pressupostos objectivamente fixados, só através dos vícios tipificáveis se possa demonstrar o erro da decisão. Nessa medida subsiste uma margem de «subjectividade» atribuída a quem tem competência para decidir, ao contrário do que defendem alguns autores que vêem na discricionaridade (mesmo administrativa) uma forma de aplicação do direito «normativo-material e individual-concreta», apontando para uma única decisão justa e, portanto, válida do caso. Sobre o assunto, v. CASTANHEIRA NEVES, Questão-de-facto, Questão-de-direito, p.p. 362 e ss. O que podemos dizer é que a fixação de um princípio de imparcialidade contribuirá para diminuir essa margem, constituindo um momento jurídico vinculativo (um outro «limite interno») da actividade discricionária».

(31) Sobre o ponto veja-se VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., págs. 14 e segs., e 18 e segs., respectivamente.

(32) VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., págs. 23 e seguintes.

(33) VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., pág. 31.

(34) G. CANOTILHO/V.MOREIRA, op. cit., pág. 925.

(35) Acerca do princípio da imparcialidade podem consultar-se ainda, além dos autores citados na nota seguinte, a propósito dos artigos 6º e 44º e segs. do Código do Procedimento Administrativo: FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo (vol. II), Lições aos alunos do curso de Direito, no ano lectivo de 1987-88, Lisboa, 1988, págs. 200 e segs.; SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, vol. I, Lisboa, s/d, págs. 251 e segs.; ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, 2ª Reimpressão, Coimbra, 1984, págs. 330 e seguintes.

(36) Sobre os citados preceitos do Código do Procedimento Administrativo vejam-se: FREITAS DO AMARAL/JOÃO CAUPERS/J.MARTINS CLARO/JOÃO RAPOSO/P. SIZA VIEIRA/V. PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, 1992, págs. 36 e 44 e segs.; J. M. SANTOS BOTELHO/A.J. PIRES ESTEVES/J. CÂNDIDO DE PINTO, Código do Procedimento Administrativo (Anotado-Comentado. Jurisprudência), Coimbra, 1992, págs. 60 e segs. e 144 e segs.; A. REBORDÃO MONTALVO, Código do Procedimento Administrativo (Anotado-Comentado. Legislação Complementar), Coimbra, 1992, págs. 35 e segs. e 84 e seguintes.

(37) Parecer nº 52/84, de 24 de Janeiro de 1985, inédito. Na mesma linha o parecer nº 75/89, citado infra, nota x2 (ponto 5.2.), acolhendo-se ao parecer nº 251/78, «Diário da República», II Série, nº 95, de 24 de Abril de 1979, e «Boletim do Ministério da Justiça», nº 288, pág. 176, e, obviamente, o parecer nº 86/90 que se vem seguindo.

(38) Apud parecer nº 86/90 e parecer nº 54/90, citado na sua nota 46, que se passam a reproduzir.

(x2) «Manual de Direito Administrativo, tomo II, Coimbra, 1983, págs. 720 a 722.
Cfr. os pareceres deste Conselho Consultivo nº 61/84, de 20 de Dezembro de 1984, e 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, aquele publicado no «Boletim do Ministério da Justiça», nº 346, págs. 54 a 87, e este (ainda) não publicado».

(x3) «JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funciona-lismo Público, vol. 1º, Lisboa, 1985, págs. 171 e segs.».

(x4) «Parecer nº 100/82, de 22 de Julho de 1982, «Diário da República», II Série, de 25 de Junho de 1983, e no «Boletim do Ministério da Justiça», nº 326, págs. 224 e segs.».

(39) Em cujos artigos 2º, alínea c), e 4º se encontram os embriões, respectivamente, dos definitivos artigos 2º, alínea d), e 4º, nº 1, sem que, no entanto, quer do texto quer da «Exposição de motivos» que o antecede resultem subsídios esclarecedores dos problemas que nos ocupam - «Diários da Assembleia da República», V Legislatura, 1ª Sessão Legislativa (1987-1988), II Série, nº 91, de 9 de Julho de 1988, págs. 1687 e seguintes.

(40) Respigando, produziram-se no plenário, em relação ao artigo 2º, alínea c) do Projecto, asserções que bem o evidenciam: «(...) está-se a optar por uma solução de continuidade que obste, minimamente, ao trânsito imediato de influências ou favores em benefício próprio ou em detrimento do interesse colectivo» - «Diário da Assembleia da República», V Legislatura, 2ª Sessão Legislativa (1988-1989), I Série, nº 14, de 18 de Novembro de 1988, págs. 357; «(...) veda-se (...) o exercício de um conjunto de actividades, feridas por conflito de interesses com o desempenho (...)» - «Diário» citado, pág. 370; «estando em causa uma preocupação ou uma cautela em relação à independência de funções dos titulares de cargos políticos e à transparência e moralização das mesmas, que obviamente implica certos condicionamentos ao exercício de determinadas funções públicas profissionais ou privadas (...)» - «Diário» citado, II Série-A, nº 26, de 31 de Março de 1989, pág. 801; «é esse essencial objectivo que o estatuto de incompatibilidades visa: garantir a independência e separação de poderes entre os órgãos de soberania e os seus titulares, e garantir a isenção e imparcialidade na salvaguarda do interesse público» - «Diário» citado, I Série, nº 56, de 31 de Março de 1989, pág. 1955; «as iniciativas legislativas que apresentamos (...) visam no seu escopo essencial a criação de condições à realização da justiça, imparcialidade e dedicação às funções no exercício dos cargos políticos (...)» - «Diário» citado, pág. 1956; «e são as incompatibilidades e impedimentos de quaisquer actividades profissionais, a integração de corpos sociais de empresas concessionárias de serviços públicos e a detenção de partes sociais superiores a 10% o núcleo essencial que visa anular duplicidades funcionais no exercício da actividade pública», e «um seguro contributo para reforçar o objectivo da imparcialidade e isenção visado pela lei de incompatibilidades» - «Diário» citado, 3ª Sessão Legislatura (1989-1990), I Série, nº5, de 225 de Outubro de 1989, pág. 177.

(41) Cfr. supra, nota 17.
Pode inclusivamente conceber-se que da administração ordinária do património existente resulte a aquisição de novas participações, nas hipóteses consideradas supra, notas 17 e 20, de aumento de capital gratuito e de aquisição à custa de lucros propiciados pelas antigas participações.

(42) MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª edição (3ª reimpressão) revista e actualizada por FREITAS DO AMARAL, tomo I, Coimbra, 1984, pág. 588.

(43) Neste sentido, SILVA PAIXÃO/ARAGÃO SEIA/F.CADILHA, Código Administra-tivo, 5ª edição actualizada e anotada, Coimbra, 1989, pág. 392; ARTUR MAURÍCIO/DIMAS DE LACERDA/SIMÕES REDINHA, Contencioso Administrati-vo, Lisboa, s/d, pág. 26.

(44) Assim, FREITAS DO AMARAL e seus co-autores na obra citada supra, nota 36, pág. 262; SANTOS BOTELHO e co-autores na obra citada supra, na mesma nota 36, pág. 517.

(45) No sentido exposto, a pretexto dos contratos de concessão e empreitada, SANTOS BOTELHO e co-autores, op.cit., págs. 531 e seguinte.

(46) Parecer nº 100/82, citado supra, nota x4 (ponto 4.3).

(47) MOTA PINTO, Contratos de adesão. Uma manifestação da moderna vida económica «Revista de Direito e de Estudos Sociais», Ano XX, n.ºs. 2, 3, e 4, pág. 125.

(48) ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Contratos de Adesão: o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais instituído pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, «Revista da Ordem dos Advogados» Ano 46, Dezembro de 1986, pág. 742; MOTA PINTO, Contratos de adesão, ibidem.

(49) MOTA PINTO, Contratos de adesão, págs. 125 e seguinte.

(50) ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 5ª edição remodelada e actualizada, Coimbra, 1991, pág. 203, nota 3, citando MENEZES CORDEIRO.

(51) ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª edição, revista e actualizada, Coimbra, 1993, pág. 261.

(52) ANTUNES VARELA, ibidem.

(53) Exemplificação colhida nos autores citados supra, notas 48, 50 e 51, págs. 740, 204 e 262, respectivamente.

(54) ALMEIDA COSTA, op. cit., págs. 204 e seguintes.

(55) ANTUNES VARELA, op. cit., pág. 264.

(56) PINTO MONTEIRO, op.cit., pág. 743.

(57) Gesetz zur Regelung des Rechts der algemeinen Geschäftsbedingungen, vulgarmente designada por AGB-Gesetz ou AGBG.
(58) Parecer nº 100/82, citado, supra nota x4 (ponto 4.4. in fine).

(59) No sentido agora exposto, citámos PINTO MONTEIRO, op. cit., págs. 742 e seguinte.

(60) «Artigo 219º (Liberdade de forma) - A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir».

(61) FREITAS DO AMARAL e co-autores citados supra, nota 36, pág. 270; cfr. também SANTOS BOTELHO e co-autores na obra citada supra, nota 36, págs. 534 e seg.; REBORDÃO MONTALVO, op. cit., págs. 278 e seguinte.

(62) MARCELLO CAETANO, op. cit., pág. 605.

(63) MOTA PINTO, Teoria Geral, págs. 430 e seguinte.

(64) FREITAS DO AMARAL e co-autores na obra citada supra, nota 36, pág. 270.

(65) Parecer nº 100/82, ponto 4.3.

(x5) «Não se desconhece o diferente valor hierárquico das normas.
Julgamos, no entanto, que mesmo assim se justifica a colocação da questão, tanto mais não fosse para se estabelecer com o rigor possível a interpretação tida como correcta, face à manifestada boa fé dos titulares desses cargos».

(66) Parecer nº 65/91, de 5 de Dezembro de 1991 (ponto III, 1.), pendente de homologação.

(67) O Decreto-Lei nº 312/84 veio definir o regime de recrutamento e provimento do pessoal docente nas faculdades de medicina e de ciências médicas e a articulação entre a carreira docente e as carreiras médicas.

(68) Parecer nº 121/90, de 25 de Janeiro de 1991, «Diário da República», II Série, nº 127, de 4 de Junho de 1991 (ponto 3.2.).

(69) Os centros de responsabilidade, criados pelo Decreto-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro, constituem uma forma de organização dos hospitais em termos de gestão empresarial (artigos 7º, nº 1, e 9º, nº1) - cfr. o parecer nº 121/90 (ponto III, 3.4) -, estruturas funcionais que agrupam, em regra, centros de custos com actividades homogéneas ou afins, susceptíveis de constituir níveis intermédios de administração hospitalar (artigo 9º, nº2), dispondo de um responsável profissionalizado que desenvolve a sua acção em colaboração com os elementos de direcção e chefia dos respectivos departamentos e serviços hospitalares (artigo 9º, nº4).
Pelo despacho nº 14/90, de 11 de Junho de 1990, do Ministro da Saúde, «Diário da República», II Série, nº 165, de 19 de Julho de 1990, pág. 8028, foi aprovado ao abrigo do artigo 32º, o «Regulamento do Exercício da Clínica Privada nos Estabelecimentos Hospitalares Oficiais».

(70) Em desenvolvimento e fundamentação da solução, consulte-se o parecer nº 65/91 (ponto III, 2. e 3.).

(71) No sentido de compatibilização, em específicos termos objectivados na consulta respectiva, veja-se o parecer citado na nota anterior (ponto IV).

(72) Esclareça-se, a propósito, que o cargo de «presidente de instituto público autónomo» já figurava na versão original da alínea j), sendo novo o de «vogal da direcção de instituto público autónomo» que passou a constar da alínea l).

(73) Sobre eles vejam-se os pareceres nº 76/91, de 5 de Dezembro de 1991 (ponto 2.4.), inédito, e nº 86/90, citado supra, nota 25 (ponto III, 2.)

(74) Parecer nº 76/91, citado na nota anterior (pontos 4. e 5.).

(75) Citámos, muito ao pé da letra, ANDRADE, op. cit., vol. I, págs. 115 e seguinte; JOHANNES BALZER, Der Beschluss als rechtstechnisches Mittel organschaftlicher Funktion im Privatrecht, «Beiträge zum Zivilrecht und Zivilprocess», herausg. von Prof. Dr. Rudolf Bruns, 14.H., G. Grote'sche Verlagsbuchhandlung KG, Köln und Berlin, 1965, págs. 23 e segs. e 30 e seguintes.

(76) KARL ENGISCH, Introdução ao Pensamento Jurídico, 3ª edição portuguesa da 3ª edição alemã de 1964 (tradução e prefácio de BAPTISTA MACHADO), Lisboa, 1977, pág. 256, sem novidades, aliás, neste passo, por banda da 8ª edição alemã - Einführung in das juristischen Denken, 8. Auf., Verlag W. Kohlhammer, Stuttgart, Berlin, Köln, Mainz, 1983, págs. 162/163.
(77) ENGISCH, ibidem.

(78) ROLANDO QUADRI, Dell'Applicazione della Lege in Generale, «Commentario del Codice Civile a cura di Antonio Scialoja e Giuseppe Branca», Bologna/Roma, 1974, pág. 321, que vamos acompanhar de perto, e longamente, diga-se, a benefício de reflexões em profundidade adquiridas para a consulta.

(79) QUADRI, op. cit., pág. 322.

(80) QUADRI, op. cit., págs. 322 e segs., figurando, a título de exemplo, a «eficácia provisória» das normas materialmente inconstitucionais enquanto o vício não for objecto de «accertamento constitutivo», convertendo-se, aliás, em «eficácia definitiva» no caso de tal «accertamento» jamais vir a ter lugar.

(81) Na hipótese contrária haverá revogação parcial da lei geral - QUADRI, op. cit., pág. 326.

(82) QUADRI, op. cit., págs. 326 e seguinte.

(83) QUADRI, op. cit., pág. 327, nota 2, exemplificando com o artigo 48º do Decreto Real de 30 de Novembro de 1865 - disposições transitórias relativas ao Codice civile de 1865 -, segundo o qual, «nas matérias que constituem objecto do novo Código, deixam de vigorar desde a data da entrada em vigor do mesmo todas as demais leis gerais e especiais». Uma fórmula, de resto, não rara entre nós em legislação avulsa: «o presente diploma prevalece sobre quaisquer disposições especiais relativas aos diversos organismos e serviços (...)» - artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 191-F/79, de 26 de Junho; «entende-se que o presente diploma prevalece sobre toda a legislação em contrário sem prejuízo (...)» - preâmbulo do Decreto-Lei nº 413/93, de 23 de Dezembro, citado infra, nota 94.

(84) QUADRI, op. cit., pág. 328.

(85) Esclareça-se que nos trabalhos preparatórios do artigo 7º «se teve à vista» o artigo 15º das «Disposizioni sulla legge in generale» do Código civil italiano de 1942, comentado na exposição antecedente - ANDRADE, Exposição de motivos, apud RODRIGUES BASTOS, Das Leis, sua Interpretação e Aplicação, 2ª edição, Lisboa, 1978, pág. 34.

(86) VAZ SERRA, «Revista de Legislação e de Jurisprudência», ano 99º, pág. 334, apud pareceres deste Conselho nº 35/90, de 21 de Fevereiro de 1991 (ponto 9.2.2.), «Diário da República», II Série, nº 155, de 9 de Julho de 1991, e nº 55/92, de 22 de Outubro de 1993 (ponto 2.3.), pendente de homologação; no mesmo sentido, V. TUHR , Allgemeiner Teil des Schweizerischen Obligationenrechts, 2ª edição, 1942/44, pág. 8, apud QUADRI, op. cit., pág. 327, nota 2, quando escreve: «Se existir contradição, constitui problema de interpretação saber em que medida a regra lex posterior generalis non derogat priori speciali se torna aplicável».

(87) Pareceres nº 35/90, ibidem, e nº 55/92, ibidem, onde se aduz, nas palavras de OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e Teoria geral, edições de 1978 e 1987, que o artigo 7º, nº 3, «impõe uma presunção no sentido da subsistência da lei especial; se não houver uma interpretação segura no sentido da revogação, ou se uma conclusão neste sentido não for isenta de dúvidas, intervém a presunção e a lei especial não é revogada».

(88) Pareceres nº 35/90, ibidem, e 55/92, ibidem, citando (notas 43 e 13, respectivamente), do parecer nº 173/80, «Boletim do Ministério da Justiça», nº 305, pág. 164, ENNECCERUS, KIPP e WOLFF, Tratado de Derecho Civil , tomo I, pág. 226, e parecer nº 150/79, de 8 de Novembro de 1979, «Diário da República», II Série, de 24 de Abril de 1980, e «Boletim» citado, nº 224, pág. 113.

(89) ENGISCH, op. cit., págs. 256 e seg., limita-se a colocar o problema das «relações internas» entre as regras lex superior derogat legi inferiori e lex posterior derogat legi priori, sem considerar, nesta última, a variante lex posterior generalis, interrogando-se: «Assim, pergunta-se, por exemplo: também a norma posterior de escalão mais baixo prefere à norma anterior de escalão mais elevado? Vale aqui a regra da lex superior ou a da lex posterior? Neste livro apenas podemos pôr a questão, mas não tratá-la».
Já em Die Einheit der Rechtsordnung, «Heidelberger Rechtswis-senschaftlische Abhandlungen herausgg von der Juristischen Fakultät», n. 20, Carl Winters Universitätsbuchhandlung, Heidelberg, 1935, págs. 28 e seg. e 47 e segs. - para que o mesmo autor remete na nota 74 da op. loc. cit. supra -, além de importantes subsídios no estudo das conexões entre as regras aludidas, sobressai, porém (págs. 48/49), a mesma relativização da precedência da lex superior.

(90) Afigura-se que o regime assim definido por via regulamentar de nenhum vício padece, face, designadamente, ao disposto no artigo 269º, nº5, da Constituição - «A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e de outras actividades».
Por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, a reserva de lei para que o dispositivo aponta pode eventualmente limitar-se a exprimir a «necessidade de lei habilitante prévia apenas para se cumprir a exigência constitucional do princípio da primariedade ou da precedência da lei» - GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 515 - e a habilitação foi de facto outorgada mercê do artigo 20º da lei de gestão hospitalar aprovada pelo Decreto-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro, como vimos. Esta lei está, de resto, longe de se apresentar desprovida de «conteúdo normativo material», e de se limitar a «operar uma degradação do grau de regulação material anterior», ou de cingir «o seu efeito a abrir a possibilidade aos regulamentos de entrarem numa matéria até então regulada por lei» - parecer nº 34/84, de 20 de Junho de 1984, «Boletim do Ministério da Justiça», nº 341, págs. 96 e segs. -, pelo que não se traduz num fenómeno de deslegalização proibido pelo artigo 115º, nº 5, da Constituição. Provavelmente a lei habilitante configura apenas um «reenvio normativo para a Administração da edição dos regulamentos executivos ou complementares da disciplina por ela estabelecida», remissão em princípio admissível à face do aludido preceito constitucional - cfr., neste sentido, o citado parecer nº 34/84.
A segunda ordem de razões parte do pressuposto de que o nº5 do artigo 269º da lei fundamental consagra implicitamente a regra da compatibilidade entre o exercício de cargos públicos e o de outras actividades, deixando à lei a determinação das incompatibilidades, e constata argumentativamente que o regime consubstanciado na sucessão dos Decretos Regulamentares nºs 35/88, 42/90 e 46/91, em lugar de proceder à criação de semelhantes incompatibilidades se traduziu, bem ao invés, numa reposição de compati-bilidades, em sintonia tendencial com o parâmetro constitucional implícito, e fora, portanto, em essência, da hipótese congeminada no artigo 269º, nº 5.

(91) Acerca dos aludidos trabalhos veja-se, todavia, o «Diário da Assembleia da República», VI Legislatura, 2ª Sessão Legislativa (1992-1993), II Série-A, nº 41, de 17 de Junho de 1993, págs. 755 e segs.; I Série, nº 87, de 25 de Junho de 1993, págs. 2788 e segs.; I Série, nº 93, de 16 de Julho de 1993, págs. 3110 e segs.; I Série, nº 92, de 3 de Julho de 1993, págs. 3070 e segs.; II Série-A, nº 46, Suplemento, da mesma data, págs. 866-(3) e segs.; II Série-A, nº 44, de 26 de Junho de 1993, págs. 821 e segs.; II Série-A, nº 37, de 3 de Junho de 1993, págs. 657 e segs.; II Série-A, nº 47, de 16 de Julho de 1993, págs. 870 e segs.; II Série-A, nº 49, de 30 de Julho de 1993, págs. 914 e seguintes.

(92) «Diário» citado em primeiro lugar na nota antecedente.

(93) No texto do artigo 10º, nº1, a que se está a aludir, grafou-se «iniciais», em lugar da palavra «sociais» que se lia em proposta de aditamento ao texto originário aprovada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - cfr. «Diário» citado na nota 76, II Série-A, nº 46, Suplemento, de 3 de Julho de 1993, págs. 866-(4) e 866-(6) -, «gralha» cuja rectificação não se detectou.

(94) Refira-se a publicação recente do Decreto-Lei nº 413/93, de 23 de Dezembro, definindo incompatibilidades e impedimentos no funcionalismo com o objectivo de reforçar as garantias de isenção da Administração Pública. Todavia, no âmbito pessoal de aplicação definido no artigo 1º alude-se aos «institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos», mas não aos estabelecimentos públicos, como são os hospitais. Por outro lado, o disposto naquele diploma legal «entende-se - prescreve o artigo 13º - sem prejuízo das regras contidas (...), bem como dos regimes privativos dos corpos especiais da função pública», sabendo-se que as carreiras médicas são consideradas corpo especial pelo artigo 16º, nº2, alínea f), do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART115 N5 ART120 ART266 ART269.
L 9/90 DE 1990/03/01 ART1 N1 J L ART2 B D ART3 ART4 N1.
L 59/90 DE 1990/09/05.
L 48/90 DE 1990/08/24 BXXXI BXXXII.
L 47/86 DE 1986/10/15 ART8 G ART34 D.
L 29/87 DE 1987/06/30 ART4 N2 E.
L 64/93 DE 1993/08/26 ART1 ART3 ART7 ART8 ART10 ART11.
CCIV66 ART7 ART219 ART601 ART817 ART831 ART1024 ART2024 ART2030 N2.
DL 187/70 DE 1970/04/30.
DL 211/79 DE 1979/07/12 ART8.
DL 524/79 DE 1979/12/31.
DL 319/82 DE 1982/08/03 ART32.
DL 390/82 DE 1982/09/17.
DL 370/83 DE 1983/01/06. * CONT REF/COMP
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL / DIR CONST * ORG PODER POL.*****
* CONT REFPAR
P000861990 P001211990 P000651991 P000761991 P000281992
P000551992 P000321993
* CONT REFLEG
DL 446/85 DE 1985/10/25.
DL 19/88 DE 1988/01/21 ART1 ART2 ART3 ART4 ART20.
DL 184/89 DE 1989/06/02 ART12 ART16 N2 F.
DL 323/89 DE 1989/09/26 ART9.
DL 427/89 DE 1989/07/12 ART31 ART32.
DL 73/90 DE 1990/03/06 ART9 ART10 ART32.
DL 413/93 DE 1993/12/23 ART1 ART13. ETAF84 ART9 N1.
CADM40 ART815 PAR2. LAL77 ART102 N2. LAL84 ART81 N2.
CPADM91 ART4 ART6 ART178 ART182 ART183 ART184 ART188 N1.
DRGU 3/88 DE 1988/01/22 ART1 ART2 ART3 ART4 ART7 ART8 ART9 ART10 ART11 ART17 ART34. DRGU 35/88 DE 1988/10/17 ARTÚNICO.
DRGU 42/90 DE 1990/12/13 ARTÚNICO. DRGU 46/91 DE 1991/09/12.
DESPACHO 14/90 DO MINISTRO DA SAÚDE DR IIS N165 DE 1990/07/19.
* CONT DESC INTERPRETAÇÃO DA LEI. REVOGAÇÃO. DESLEGALIZAÇÃO.
HOSPITAL. DIRECTOR. CARREIRA MÉDICA HOSPITALAR. RESERVA DE LEI.
ADMINISTRADOR HOSPITALAR. ACTIVIDADE PRIVADA. FONTES DE DIREITO.
HIERARQUIA DAS FONTES DE DIREITO. LEI GERAL. LEI ESPECIAL.
Divulgação
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