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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
16/1992, de 29.04.1992
Data do Parecer: 
29-04-1992
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
AR - Presidente da AR
Entidade: 
Assembleia da República
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ASSEMBLEIA DA REPUBLICA
GABINETE DE GRUPO PARLAMENTAR
GABINETE DO PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPUBLICA
FUNCIONARIO PARLAMENTAR
REGIME PARLAMENTAR
REGIME ESPECIAL DE TRABALHO
TRABALHO EXTRAORDINARIO
REMUNERAÇÃO SUPLEMENTAR
FUNCIONARIO
ORGÃO DE SOBERANIA
FUNÇÃO PUBLICA
LIMITE DO VENCIMENTO
REMUNERAÇÃO BASE
PRIMEIRO MINISTRO
ORÇAMENTO
CAVALIER BUDGETAIRE
PRINCIPIO DA IGUALDADE
PRINCIPIO DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRATICO
PRINCIPIO DA CONFIANÇA
PRINCIPIO DA SEGURANÇA JURIDICA
DIREITOS ADQUIRIDOS
RETROACTIVIDADE DA LEI
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL
Conclusões: 
1 - A norma do artigo 11, ns 1 e 2, da Lei n 2/92, de 9 de Março (Orçamento de Estado pela 1992), que estabelece um limite remuneratorio maximo - o vencimento-base do primeiro ministro - para os funcionarios que exercem funções em orgão de soberania, membros dos respectivos gabinetes, funcionarios dos grupos parlamentares e das entidades e organismos que funcionam junto dos orgãos de soberania, aplica-se imediatamente a todas as situações e relações anteriormente constituidas e existentes no momento em que entrou em vigor;
2 - A referida norma, aplicando-se imediatamente, nos termos da conclusão anterior, a todas as situações e relações existentes, pode determinar a produção de efeitos retrospectivos desfavoraveis (retroactividade aparente ou inautentica), enquanto provoque a redução para o limite maximo estabelecido de remunerações globais superiores anteriormente auferidas;
3 - A retroactividade das leis (ou a produção de efeitos retrospectivos), embora não excluida directamente pela Constituição fora das hipoteses previstas nos artigos 18, n 3, e 29, pode, todavia, afectar o principio da confiança insito no principio do Estado de Direito consagrado no artigo 2 da Constituição;
4 - A lei retroactiva, ou que produza efeitos quanto a situações ou relações constituidas no passado e ainda subsistentes no momento em que entre em vigor, viola o principio da confiança insito no Estado de Direito quando a produção de tais efeitos se revele opressiva, intoleravel e inadmissivel, por afectar em medida acentuada a confiança que os cidadãos tem o direito de depositar na continuidade das relações constituidas e seus efeitos;
5 - O pessoal da Assembleia da Republica tem regime especial de trabalho, segundo o disposto no artigo 52 da Lei n 77/88, de 1 de Julho (LOAR), que pode compreender, nomeadamente horario especial de trabalho, regime de trabalho extraordinario, prestação de serviço por turnos e remuneração suplementar;
6 - A remuneração do pessoal da Assembleia da Republica compreende, segundo o principio contido no artigo 53 da LOAR, a remuneração estatutaria, que corresponder a respectiva categoria de acordo com o regime remuneratorio geral da função publica, e os complementos que, em concreto, sejam determinados pelo regime de trabalho que for fixado em execução do disposto no artigo 52 da LOAR;
7 - Os suplementos ou componentes remuneratorios, determinados em função do regime concreto de trabalho, não são imutaveis e subjectivizados definitivamente, dependentemente das necessidades e exigencias do regime de trabalho estabelecido;
8 - A aplicação do disposto no artigo 11, n 1, da Lei n 2/92, de 9 de Março, ao pessoal da Assembleia da Republica, na medida em que, eventualmente, afecte apenas os componentes remuneratorios determinados em função do regime de trabalho concretamente fixado não viola de maneira inadmissivel o principio da confiança insita no Estado de Direito;
9 - Porem, a norma do artigo 11, n 1, da Lei n 2/92, de 9 de Março, ao estabelecer um limite de remunerações diversa do fixado no artigo 3 da Lei n 102/88, de 25 de Agosto, cria uma diferença de tratamento entre os funcionarios abrangidos no universo pessoal e funcional que delimita, sem justificação material razoavel, violando, nessa medida, o principio da igualdade inscrito no artigo 13 da Constituição;
10- Sendo a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatoria geral de qualquer norma da competencia do Tribunal Constitucional a Administração deve obediencia no disposto no artigo 11, ns 1 e 2 da Lei n 2/92 enquanto o Tribunal Constitucional não declarar esta norma inconstitucional.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Presidente da Assembleia
da República,
Excelência:


I



Em 1 de Abril exarou Vossa Excelência o seguinte despacho:

"Considerando que os Serviços da Assembleia da República levantaram justificadas dúvidas acerca da interpretação do artº 11º da Lei nº 2/92 (Orçamento do Estado para 1992) e solicitaram instruções quanto ao modo como o preceito deve ser aplicado neste órgão de soberania;

Tendo por certo que todos os funcionários e membros dos Gabinetes da Assembleia da República que venham a ser nomeados após a entrada em vigor da Lei nº 2/92 terão de ficar sujeitos ao limite fixado no 1 desse artigo;

Parecendo-me, por outro lado, inequívoco que aos funcionários e membros dos Gabinetes não poderão ser concedidos quaisquer aumentos que impliquem uma remuneração ilíquida superior ao vencimento base do Primeiro-Ministro;

Solicito, com carácter de urgência, ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República que emita parecer acerca da questão de saber se o artigo 11º da Lei nº 2/92 pode ser interpretado, à luz da Constituição e dos seus princípios, no sentido de implicar a redução das remunerações efectivas que os funcionários e membros dos Gabinetes da Assembleia recebiam, ao abrigo da lei, à data da sua entrada em vigor. Em particular: pergunta-se se não se impõe no caso uma interpretação do referido artigo nos termos da qual as remunerações àquela data percebidas devam ser mantidas, muito embora fiquem congelados os aumentos que não se enquadrem no limite aí estabelecido".

Cumpre, assim, emitir parecer.


II

1. Dispõe o artigo 11º da Lei nº 2/92, de 9 de Março - Orçamento de Estado para 1992 ([1]):

" 1. Os funcionários que exercem funções em órgãos de soberania e os membros dos respectivos gabinetes, bem como os funcionários dos grupos parlamentares, não podem auferir remunerações mensais ilíquidas, a título de vencimento, remunerações suplementares, despesas de representação, subsídios, suplementos, horas extraordinárias ou a qualquer outro título, superiores à remuneração base do primeiro-ministro.

2. O disposto no número anterior é aplicável às entidades e organismos que funcionam junto dos órgãos de soberania e prevalece sobre quaisquer disposições legislativas e regulamentares, gerais ou especiais, em vigor".

A norma insere-se no Capítulo III - “Recursos Humanos” - do diploma orçamental, que contém diversas disposições relativas à função pública, quer revestindo a natureza de autorizações legislativas para a modificação de específicos pontos com incidência no respectivo regime jurídico (artigo 5º), ou em matéria de efectivos militares (artigo 6º), quer prevendo directamente quanto a outras situações dispersas - pessoal excedente (artigo 7º); regime de instalação (artigo 8º); mobilidade do pessoal docente (artigo 9º) e relevância de algumas remunerações e disciplina de alguns descontos para a Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado (artigo 10º).

As normas do Capítulo III da Lei de Orçamento do Estado para 1992 não se apresentam como normas puramente orçamentais - como são as normas de aprovação dos mapas de receitas e despesas do Estado, fundos e serviços autónomos e do orçamento da segurança social, ou como normas de execução orçamental destas patentemente indissociáveis, antes constituem disposições que, possuindo embora indirectamente, alguma repercussão no plano das despesas de Estado, não têm, materialmente, carácter orçamental.

No que directamente respeita à norma do artigo 11º, com efeito, visa directa e fundamentalmente definir um elemento relevante do regime remuneratório de determinado universo funcional, e é materialmente independente da elaboração e aprovação do Orçamento de Estado. Este documento e a lei que o aprova, se bem que tendo em conta as obrigações decorrentes da lei com implicações financeiras, poderiam desenvolver-se independentemente daquela norma, sendo inteiramente concebível a edição desta, anterior ou posteriormente, em diploma autónomo ou formalmente integrado em diploma regulamentador do estatuto da função pública.

A referida norma, não é, assim, essencial e materialmente, uma norma de incidência financeira (de directa incidência financeira) sob o ponto de vista da execução orçamental.

Não obstante, possui ainda características que de modo indirecto relevam em termos de execução orçamental: o elemento relativo ao estatuto remuneratório que introduz, na medida em que aponta para uma modificação da situação anterior, impõe, nesse âmbito, uma correspondência na previsão de despesas.

2. Sendo assim, a norma do artigo 11º (como outras de Capítulo III da Lei nº 2/92), não tendo directa e imediata incidência financeira, integra, ao menos em acentuada medida, uma espécie que a doutrina designa por 'raider' ou 'cavalíer budgètaire".

Designam-se, com efeito, sob tal ‘nomen’, as estatuições incluídas numa lei de aprovação do orçamento de Estado, mas que, não obstante essa inclusão, não têm suficiente atinência com o diploma orçamental em que formalmente se inserem, nem suficiente e imediata incidência financeira ([2]).


A inclusão de tais normas - alargando o âmbito tradicional ou puro, contabilistico e financeiro, juridicamente neutro do orçamento - é hoje um fenómeno corrente, determinado as mais das vezes pela consideração de imperiosas necessidades práticas ([3]).

A dúvida sobre a constitucionalidade da inserção na lei de orçamento de disposições desta natureza tem sido debatida na doutrina e decidida em sentido positivo.

Perante as dúvidas expressas por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ([4]) - sendo a lei de orçamento uma lei especial, só alterável por proposta do Governo, o seu alargamento para além das matérias que preencham a sua função típica, viria a traduzir-se numa limitação da competência da Assembleia da República e da liberdade de iniciativa parlamentar -, TEIXEIRA RIBEIRO ([5]) inclina-se sem hesitação para a tese oposta, admitindo a inserção, no articulado da lei do orçamento, de disposições estranhas à administração orçamental, mas considera, no entanto, semelhante prática radicalmente condenável sob o ponto de vista de uma correcta técnica legislativa.

A este propósito escreve A. LOBO XAVIER ([6]) "Entre nós não há qualquer disposição constitucional ou legal que proíba a inclusão no Orçamento destes "cavaliers budgètaires": os artigos 10º e 11º da Lei nº 40/83, que se referem ao conteúdo da proposta de lei de orçamento, longe de estabelecerem um verdadeiro numerus clausus dos elementos do Orçamento, parecem antes indicar o conteúdo necessário daquele documento sem impedirem a inclusão de outras matérias".

Neste mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que assinala ser o procedimento de longa tradição no país, só precludível pela Constituição mediante disposição clara nesse sentido ([7]).

Tais disposições, incluídas formalmente, segundo critérios de oportunidade prática, na lei de orçamento, apresentam-se normalmente com uma feição de natureza permanente, com vocação de aplicabilidade para além do limite do período financeiro de um ano, que constitui, segundo o princípio da anualidade, o período de vigência da Lei de Orçamento.

A norma do artigo 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 2/92, como se referiu, apresenta características substanciais fundamentalmente ligadas ao estatuto remuneratório de determinado grupo do pessoal da função pública.

Nesta medida, a verificação, na norma, de algum carácter de execução orçamental (quanto à decorrente previsão de despesas), reveste aspecto secundário, indirecto, ou acessório, devendo, consequentemente, ter prevalência o carácter não orçamental ou de não directa relevância financeira ([8]).


Efectivamente, o directo relacionamento com o estatuto remuneratório de um determinado universo de cargos confere à norma uma inicidência directa e imediata sobre o tratamento legislativo de um elemento característico da relação funcional dos funcionários abrangidos. E, também, ainda em alguma medida, traduz uma opção política do legislador que não terá a ver com estritos critérios de ordem ou contenção financeira no ordenamento das despesas públicas, mas com orientações prédeterminadas por opções fundamentais de outra ordem, em que estariam presentes ideias de equilíbrio, ponderação comparativa e ajustamentos de relação substancialmente hierárquica quanto ao limite superior ('tecto') de vencimentos da função pública em situações específicas.

As implicações financeiras, no plano da execução orçamental, são, pois, indirectas, e certamente de uma ordem de grandeza perfeitamente negligenciável no contexto da globalidade do orçamento de Estado.

O que tudo significa que a norma do artigo llº, nº 1, mesmo que não se considere inteiramente assumida como verdadeiro 'raider', sempre deverá ser considerada prevalentemente com esta natureza, sem que sobressaia, com relevo, algum carácter normativo orçamental, no plano da execução da política económico-financeira.

Assumindo esta natureza essencial, a referida norma - adianta-se desde já - não comunga das característica da anualidade da lei orçamental, apresentando-se, consequentemente, com manifesta vocação de aplicabilidade intemporal, como também apenas entrará em vigor segundo as regras gerais de vigência das leis - vacatio após a data em que o jornal oficial é publicado ou é colocado à disposição do público se existir divergência entre esta e aquela data.


III

1. O vencimento do pessoal da Assembleia da República (nesta designação incluindo os membros dos Gabinetes do Presidente da Assembleia da República e dos grupos parlamentares), é fixado pelo Presidente da Assembleia da República, ouvido o Conselho da Administração, nos termos determinados pelo artigo 53º da Lei 77/88, de 1 de Julho -Lei Orgânica da Assembleia da República (LOAR) ([9])

Dispõe, com efeito, esta norma:

"O regime remuneratório do pessoal da, Assembleia da República e do pessoal dos Gabinetes do Presidente da Assembleia da República e dos grupos parlamentares ou equiparados será fixado pelo Presidente da Assembleia da República, obtido o parecer favorável do Conselho de Administração, sem prejuízo do anexo I à presente lei".

Na parte final desta disposição consagrou-se um limite à fixação do regime remuneratório do pessoal da Assembleia, através da referência às diversas categorias da função pública constantes do Anexo I à lei: categorias referidas a letras de vencimento, - sistema remuneratório da função pública ao tempo da edição da lei orgânica, e, hoje, necessariamente vinculado às diversas categorias e carreiras segundo o sistema remuneratório actual da função pública constante essencialmente dos Decretos-Leis nºs 187/88, de 27 de Maio, e nº 353-A/89, de 16 de Outubro.

O artigo 53º da Lei nº 77/88, ao conferir poderes ao Presidente da Assembleia da República para fixar o regime remuneratório dos funcionários parlamentares e outro pessoal nele mencionado, tem fundamento, como outras regras dessa lei, no princípio da separação entre órgãos de soberania, e colhe apoio na competência auto-organizativo do Parlamento ([10]) .

Porém, o estabelecimento do limite fixado na própria norma significa que os poderes do Presidente da Assembleia da República não abrangem a possibilidade de alteração do quantitativo do vencimento correspondente aos índices fixados em geral para cada categoria de pessoal, como resulta das tabelas gerais de vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública.

Elemento base e fundamental da componente remuneratória do pessoal da Assembleia da República é, deste modo, o vencimento que lhe competir segundo a própria categoria funcional, que, enquanto tal, não pode ser alterado ou sofrer modificações quantitativas de fixação no âmbito interno de auto-organização do Parlamento.

A remissão operada na parte final da mencionada disposição é uma remissão dinâmica para as correspondentes categorias e índices remuneratórios na Administração Pública.

2. As componentes remuneratórias não se esgotam, contudo, na referência aos vencimentos em geral fixados para as diversas categorias e grupos na Administração Pública, para os quais o quadro Anexo à LOAR remete.

Com efeito, o pessoal da Assembleia da República tem regime especial de trabalho, a definir no exercício das competências de auto-organização do Parlamento, podendo determinar a atribuição de suplementos remuneratórios impostos pela natureza e exigências específicas do regime de trabalho que for fixado.

O regime de trabalho do pessoal dos serviços da Assembleia da República vem definido, em termos gerais, no artigo 52º da Lei nº 77/88.

Dispõe, sob a epígrafe "regime especial de trabalho":

"1 - O pessoal permanente da Assembleia da República tem o regime especial de trabalho, decorrente da natureza e das condições de funcionamento próprias da Assembleia da República".

"2 - Este regime é fixado por deliberação do Conselho de Administração, podendo compreender, nomeadamente, horário especial de trabalho, regime de trabalho extraordinário, prestação de serviços por turnos e remuneração suplementar, ficando sempre ressalvados os direitos fundamentais dos trabalhadores consignados na Constituição da República Portuguesa e na lei geral.

“3 - A remuneração suplementar a que se refere o número anterior é calculada com base no vencimento, acrescido de diuturnidades, sendo paga em doze duodécimos, e faz parte integrante do vencimento, contando para todos os efeitos, designadamente os de aposentação, não sendo acumulável com quaisquer outras remunerações acessórias ou abonos, salvo as gratificações previstas nos artigos 25º, nº 3, e 26º, nº 4 ([11]).

"4 - Em situações excepcionais de funcionamento dos serviços da Assembleia da República pode ser atribuído ao respectivo pessoal um subsídio de alimentação e transporte".

"5 - A aplicação do regime de trabalho previsto nos números anteriores ao pessoal dos gabinetes do Presidente da Assembleia da República e dos grupos parlamentares é da competência do Presidente da Assembleia da República e da direcção dos grupos parlamentares, respectivamente".

Relativamente ao "regime do pessoal", a Lei nº 32/77, de 25 de Maio ([12]) dispunha, grosso modo, de forma semelhante no artigo 2lº:

"1 - O pessoal do serviço da Assembleia da República, incluindo o previsto nos artigos 10º e 15º, tem regime especial de prestação de trabalho decorrente da natureza e das condições de funcionamento próprias da Assembleia".

"2 - Este regime poderá compreender, nomeadamente, horário especial de trabalho, prestação de serviço por turnos e remuneração suplementar durante o funcionamento efectivo da Assembleia, ficando sempre ressalvados os direitos fundamentais dos trabalhadores consignados na Constituição e na lei geral".

"3 - O pessoal auxiliar ao serviço da Assembleia da República terá direito ao regime de horas extraordinárias estabelecido pelo Decreto-Lei nº 793/74, de 31 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 305/75, de 21 de Junho".

"4 - O pessoal ao serviço da Assembleia da República com exclusão do pessoal dirigente, terá direito ao regime de horas extraordinárias que vier a ser autorizado pelo conselho administrativo".

"5 - Em condições excepcionais de funcionamento do Plenário da Assembleia da República, aos funcionários e agentes indispensáveis será atribuído um subsídio de alimentação e transporte a fixar pelo conselho administrativo".

“6 - A autorização do pagamento das horas extraordinárias e subsídios especiais acha-se dependente de prévio visto favorável do conselho administrativo".

O regime de trabalho - a possibilidade legalmente prevista no artigo 52º de concretização de um regime especial de trabalho - constitui um pressuposto determinante das especificações remuneratórias em que tal regime se pode traduzir, de acordo com as definições (em acentuada medida relevando de discricionaridade) da competência do Conselho de Administração.

Não são, pois, os elementos concretizados que lhe definem a natureza; esta é matriz daqueles nas exigências, conteúdo, estabilidade, grau de permanência e de subjectivação.

A natureza dos complementos de remuneração acompanha, nesta medida, a natureza dos respectivos pressupostos.

Definido um regime de trabalho, v.g., por horas extraordinárias, nada estabelece que esse regime não possa ser (dentro dos limites imperativos da lei) alargado ou restringido, como nada impede que, para futuro, a fórmula de cálculo da remuneração horária possa ser modificada para mais ou para menos, respeitando exigências de proporcionalidade e de adequada remuneração.

De igual modo se pode considerar, se estiver em causa isenção de horário, o pagamento de subsídio de turno ou a atribuição de uma remuneração suplementar.

Interessa, pois, especialmente à economia de parecer reter alguns elementos sobre os componentes remuneratórios compreendidos no regime de trabalho, e, especificamente, sobre a remuneração suplementar.

A remuneração suplementar prevista constitui, como resulta da formulação normativa, um dos modos que podem integrar a retribuição do regime especial de trabalho, do pessoal da Assembleia da República.

A evolução e a natureza desta remuneração suplementar foram objecto de análise em anteriores intervenções deste Conselho ([13]).


Depois de a historiar, com base nos trabalhos preparatórios, escreveu-se que a sua razão de ser se encontra no regime especial de prestação de trabalho do pessoal ao serviço da Assembleia da República (englobando o pessoal do Gabinete do Presidente da Assembleia da República e o pessoal de apoio aos grupos e agrupamentos parlamentares e aos deputados não agrupados), decorrente da natureza e das condições de funcionamento próprias da Assembleia. Natureza e condições de funcionamento que impõem ao pessoal ao seu serviço um "dever de interesse público mais dilatado", uma "sobrecarga em tempo, em qualidade e em intensidade de trabalho" que ultrapassa o normal exercício da função pública, a frequente obrigação de permanecerem na Assembleia para além do horário normal de trabalho, o que tudo levou a considerar-se justificada a adopção de medidas tendentes a corrigir, ou, ao menos, atenuar os desnivelamentos existentes entre o teor das qualificações, experiência e responsabilidades desse pessoal e o seu posicionamento no quadro do funcionalismo público.

“ ( ... ) A remuneração suplementar em causa visa compensar o esforço complementar que é exigido normalmente ao pessoal da Assembleia da República em comparação com o que é prestado pelo restante funcionalismo público de idênticas categorias. Esforço acrescido esse que resulta, de um lado, da própria qualidade e intensidade do trabalho prestado, e, de outro, da sua extensão temporal, que ultrapassa frequentemente o horário normal de trabalho na função pública".

A função da remuneração suplementar prevista na referida disposição da LOAR traduz uma natureza complexa: em parte visa compensar o trabalho prestado fora do horário normal de serviço da função pública, e em parte visa compensar a especial qualificação e intensidade de serviço exigido ao pessoal da Assembleia da República.

A análise comparativa dos elementos remuneratórios específicos do regime de trabalho do pessoal da Assembleia da República permite salientar uma evolução e precisão da função deste elemento.

O trabalho extra pode ser remunerado, segundo o regime especial que for fixado, através do sistema de trabalho extraordinário, segundo as regras próprias deste sistema, ou com a referida remuneração suplementar ([14]).

Pretende-se retribuir uma forma especial de trabalho que é exigido aos que prestam serviço na Assembleia da República; atendendo-se a uma particular forma de prestação de trabalho, responde-se à específica diferença nessa prestação atribuindo-se uma remuneração suplementar.

Porém, enquanto o regime estabelecido no artigo 21º da Lei nº 32/77 poderia gerar duvidas sobre a cumulabilidade entre a atribuição da remuneração suplementar e a remuneração por trabalho extraordinário ([15]), a definição actual do regime de trabalho esclarece este ponto no sentido da não cumulabilidade. A previsão das diversas formas de prestação de trabalho, referindo-se nomeadamente horário especial de trabalho, regime de trabalho extraordinário, prestação de serviço por turnos e remuneração suplementar, bem como a determinação da inacumulabilidade de tal remuneração com quaisquer outras remunerações acessórias ou abonos, são a este respeito elementos esclarecedores.

Como resulta do artigo 52º, nº 3. da Lei nº 77/88, esta remuneração é calculada com base no vencimento, sendo paga em doze duodécimos; não integra, por isso, os montantes dos subsídios de férias e do Natal.

Independentemente da evolução garantística (da Lei Orgânica de 1977 para a de 1988), na base, no conceito e na natureza a referida remuneração não deixou de ser o que sempre foi, definida fundamentalmente em razão da origem e da finalidade - compensar a especificidade e o acréscimo essencialmente, dir-se-ia quase exclusivamente, temporal do trabalho do pessoal da Assembleia da República. Por isso, as intervenções do Conselho de Administração definidoras do concreto regime de trabalho se referem exclusivamente à vertente horária.

Participa, deste modo, essencialmente, das características da remuneração por trabalho extraordinário, sem a estabilidade estatuária, tendencialmente permanente, definitivamente subjectivizada, que é própria das componentes remuneratórias estatutárias, directa e concretizadamente fixadas na lei.

3. A determinação e concretização do regime de trabalho do pessoal e a regulamentação do abono da remuneração suplementar foi objecto de algumas intervenções do Conselho Administrativo (Lei nº 32/77) e do Conselho de Administração (Lei nº 77/88) da Assembleia da República ([16]).


Em sessão de 25 de Janeiro de 1978 ([17]), o Conselho Administrativo atribuiu, com base no artigo 21º da Lei Orgânica, a todo pessoal do quadro, durante o período normal de funcionamento da sessão legislativa e com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1978, uma remuneração suplementar de 1/3 do respectivo vencimento.

Fora de período normal de funcionamento, se a Assembleia funcionasse ou fosse convocada extraordinariamente, o Conselho Administrativo deliberaria acerca da extensão ou não daquela ou de outra forma de remuneração suplementar.

Na referida sessão, o Conselho autorizou também o pagamento ao pessoal não dirigente nem auxiliar e até ao limite de 1/3 do vencimento, das horas extraordinárias prestadas por causa do funcionamento da Assembleia, após o jantar ou aos sábados, domingos e feriados; bem como o pagamento ao pessoal auxiliar das horas extraordinárias prestadas, nos termos do artigo 21º, nº 3, da Lei nº 32/77.

Posteriormente, o Conselho Administrativo deliberou atribuir, condicionalmente e com efeitos a partir de 1 de Maio de 1981, uma remuneração suplementar correspondente a seis vencimentos mensais, a pagar em duodécimos, a todo o pessoal do quadro da Assembleia da República, sem prejuízo de o pessoal auxiliar poder optar pelo anterior regime mediante declaração escrita ([18]).

Em reunião de 2 de Julho de 1981, o Conselho Administrativo "tendo presente que o pessoal ao serviço da Assembleia da República tem regime especial de prestação de trabalho decorrente da natureza e das condições excepcionais de funcionamento da própria Assembleia", decidiu autorizar o pagamento de uma remuneração suplementar correspondente a seis vencimentos mensais ([19]), a pagar em duodécimos ao pessoal em regime permanente quer do quadro quer contratado, sem prejuízo de o pessoal auxiliar poder optar pelo regime anterior, mediante prévia declaração escrita ([20]).


Nessa reunião, o Conselho deliberou também sobre a concretização do regime especial de trabalho.

Transcreve-se da respectiva acta:

“4. REGIME ESPECIAL DE TRABALHO

"4.1. Em dias de Plenário todos os Serviços funcionam até ao termo da reunião, permanecendo os funcionários ao Serviço entre as 9 e as 20 horas".

“4.2. A partir das 20 horas, aos dirigentes dos Serviços caberá escalonar o pessoal de acordo com as necessidades do Serviço e o horário mais aconselhável, por forma a que, tanto quanto possível, o trabalho seja repartido equitativamente por todos, dentro das respectivas atribuições".

"4.3. Fora dos dias de funcionamento do Plenário e outros actos excepcionais, manter-se-ão em actividade, para além das horas normais de expediente, os Serviços e funcionários julgados indispensáveis às actividades da Assembleia.''

"4.4. só haverá lugar ao pagamento de horas extraordinárias aos funcionários que, na medida do estritamente indispensável, mas sempre com exclusão do pessoal de direcção e chefia e do pessoal técnico superior, tiverem de prestar serviço aos domingos e feriados, por motivo de sessões especiais ou outros trabalhos inadiáveis".


"4.5. Nos dias do Plenário, na Divisão de Redacção, será estabelecido o regime de trabalho por turnos, de modo a assegurar os trabalhos do Plenário, cabendo ao Director dos Serviços organizar a escala de serviços do pessoal que lhe está afecto".

Na sequência da publicação da Lei nº 77/88, de 1 de Julho, o Conselho de Administração, em sessão de 27 de Julho de 1988, deliberou sobre um novo regime de remuneração suplementar (deliberação homologada por despacho do Presidente da Assembleia da República).

A remuneração suplementar "destinada a compensar o sobre esforço do horário semanal do pessoal permanente da Assembleia da República" ([21]) , passou a ser calculada em função da aplicação da fórmula (Vm/2 x 14) /12 em que Vm corresponde ao vencimento mensal do cargo ou categoria em que o funcionário estiver provido.


A remuneração suplementar, calculada deste modo, é liquidada em duodécimos, com arredondamento para a centena de escudos imediatamente superior.

A fórmula actual de cálculo da remuneração suplementar foi determinada na sessão de 25 de Outubro de 1989. É calculada em função da aplicação da fórmula (Vm/2 x 18,5) /12, correspondendo Vm ao vencimento mensal do cargo ou categoria em que o funcionário estiver provido ()[22].


4. A atribuição de uma remuneração suplementar, como a compensação própria do trabalho extraordinário, a possibilidade de isenção de horário de trabalho ou a organização de turnos relativamente a determinados sectores, constituem opções decorrentes da organização do trabalho do pessoal da Assembleia da República.

O regime específico de trabalho, na conformação organizatória concreta que revestir, constitui como se salientou, pressuposto das necessárias contrapartidas de retribuição; estas não se concebem sem prévia definição das concretas condições de trabalho e estão, por isso, delas dependentes.

O modelo de organização (os tipos, modos, formas, exigência, repartição de tempos), concretizador da especificidade do trabalho a realizar pelo pessoal da Assembleia da República, não pode ser, por natureza, imutável. Exigências ou imposições derivadas de circunstâncias ponderáveis podem determinar a necessidade de reformulação do modelo de organização, sem que, por isso, o regime de trabalho do pessoal deixe de constituir, na expressão da lei, um regime especial de trabalho.

A especialidade do regime constitui, ao mesmo tempo, exigência e garantia; exigência no sentido da sujeição necessária do pessoal aos modelos de organização impostos pela natureza do serviço no Parlamento; garantia, no ponto em que se prevêem vários mecanismos de adequação das retribuições às contingências do serviço.

Respeitando, porém, a imposição garantística quanto à adequada protecção dos funcionários no plano da compensação retributiva, a matriz do regime está, não na cristalização de um determinado modelo transformado definitivamente em norma estatutária, mas antes no próprio modelo adaptado e adaptável às circunstâncias e exigências de cada momento.

Assim, colocada a referência essencial no modelo organizatório, e admitindo a possibilidade de uma alteração, as consequências a nível retributivo devem acompanhar necessariamente as exigências (maiores ou menores) da concretização do regime de trabalho, não constituindo, nesta perspectiva, em si mesmas, valor estatutário definitivamente adquirido - direito subjectivizado a determinado modelo - de concretização do regime especial de trabalho.

No domínio das relações internas, no seio da própria estrutura orgânica em que os elementos definidores do regime de trabalho são concretamente determinados, nasce, é certo, uma expectativa quanto à estabilidade de tais elementos enquanto se mantiverem os respectivos pressupostos internos.

Porém, essa mesma expectativa, naquele plano, não pode ser considerada com força e virtualidade para se sobrepor, com valor autónomo, à relação que a cada momento for estabelecida com o quadro normativo que na matéria for aplicável.


IV


O artigo llº, nº 1 da Lei nº 2/92 estabelece um limite superior (‘tecto’ remuneratório) para as diversas componentes das remunerações e abonos do pessoal a que se refere.

O estabelecimento de limites máximos de remuneração na função pública, pelo menos em atenção ao fenómeno da cumulação de remunerações por um mesmo trabalhador ou servidor, insere-se numa tradição de mais de meio século ([23]).

Desde o Decreto nº 11849, de 6 de Julho de 1926, até à Lei nº l02/88, de 25 de Agosto, alguns diplomas (os Decretos-Leis nºs 26115, de 23 de Novembro de 1935, nº 49410: de 24 de Novembro de 1969 e 110-A/81, de 14 de Maio) estabeleceram limites remuneratórios na função pública.

O primeiro dos diplomas referidos não continha um limite uniforme. Nos restantes, a limitação assumia ou uma formulação material derivada de considerações de hierarquia, ou reportava-se - e este constitui um elemento de considerável permanência - ao vencimento de ministro.

No Decreto-Lei nº 26115, o artigo 20º referia o limite em relação ao funcionário de mais elevada categoria, não podendo nenhum funcionário do Estado, "corpo ou corporação administrativa", receber pelo exercício de funções públicas importância superior à fixada para a mais elevada categoria ([24]).

O Decreto-Lei nº 49410, por sua vez, estabelecia limites remuneratórios para a função pública nos termos definidos no respectivo artigo 8º, ao dispor que os servidores do Estado não podiam receber pelo exercício, de cargos públicos pagos pelo Orçamento Geral do Estado, ainda que em regime de acumulação, importância total superior ao ordenado correspondente à letra A, acrescido de 25%. Neste limite não eram consideradas uma série de remunerações enumeradas no nº 2 do artigo 8º - funções inspectivas, trabalho extraordinário, participação em multas, ajudas de custo, subsídios de campo, viagem e residência, abonos para falhas, prémios para sugestões, abono de família, despesas de representação e outros que constituíssem simples compensação de despesas feitas por motivo de serviço ([25]).

O Decreto-Lei nº 110-A/89, de 14 de Maio, condicionou por sua vez o limite remuneratório na função pública ao vencimento de ministro. O artigo 26º, com efeito, determinava no nº 1 que pelo exercício de cargos ou funções públicas, ainda que em regime de acumulação, incluindo inerências, não poderiam ser percebidas remunerações superiores ao vencimento de Ministro, enquanto o nº 2 excluía do limite estabelecido uma série de compensações e abonos na mesma linha do que a este respeito constava do diploma de 1969.

2. Dos diplomas que continham normas fixando limites, máximos de vencimentos mediante a determinação de um escalão superior uniforme, os Decretos-Leis nºs 26155 e 110-A/81 apresentavam uma inspiração e propósito declarados ([26])

A justificação para o estabelecimento de um limite máximo dos vencimentos do funcionalismo radicava-se em exigências da "moral pública" ([27]) ou na invocação de “objectivos de moralização da função pública pela correcção de desigualdades sectoriais”, que explicariam a necessidade de adoptar dispositivos inovadores em matéria de limites remuneratórios.

A fixação de limites máximos, mesmo em situações de acumulação, para as remunerações da função pública, mantém-se actualmente, quer através de uma disposição de ordem geral, quer de regimes específicos prevendo particularmente para categorias determinadas.


A Lei nº 102/88, de 25 de Agosto, com efeito, veio estabelecer que pelo exercício, ainda que em regime de acumulação, de quaisquer cargos ou funções públicas, com excepção do Presidente da Assembleia da República, não podem, a qualquer título, ser percebidas remunerações ilíquidas superiores a 75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República (artigo 3º, nº 1) ([28]) revogando, deste modo, o que se dispunha no artigo 26º, nº 1 do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio ([29]) ([30]).

A justificação para o estabelecimento de um limite remuneratório (tanto para as situações em que alguma acumulação seja legalmente permitida, como para os casos de um único vencimento), encontrar-se-á, hoje, necessariamente, na linha da continuidade de afirmação de princípios de moralização das retribuições pelo exercício de funções públicas, e na garantia e manutenção de uma gradualidade do leque retributivo em função da hierarquia material das diversas funções.

Na consideração do princípio do respeito, manutenção e adequação do sistema retributivo a uma certa hierarquização material de funções se compreende um elemento essencial da fundamentação da Proposta de Lei nº 64/V de que resultou a Lei nº 102/88 ([31]) assumindo a finalidade de evitar distorções de regimes remuneratórios traduzidas na circunstância de titulares de órgãos tutelados auferirem remunerações superiores aos titulares dos correspondentes órgãos tutelares.

A circunstância - eventual - da verificação de algum desvio a estes princípios geralmente aceites - v.g. parcial congelamento ou suspensão dos vencimentos de referência - não afecta a validade sua e a razão justificadora que deles decorre, mas, diversamente, reafirma-a enquanto tal desvio possa demonstrar e provocar, materialmente, alguma disfunção ou entorse no sistema.

De todo o modo, porém, pode afirmar-se seguramente que o estabelecimento de um limite, como o constante do artigo 11º, nº 1, da Lei nº 2/92, não constitui, no domínio dos princípios, uma intervenção pontual ou de excepção, mas integra uma certa tradição de mais de meio século do sistema retributivo da função pública.

V

1. A norma do artigo 11º, nº 1, da Lei nº 2/92, considerada por si mesma e abstraindo, por ora, de considerações necessárias na análise da respectiva compatibilidade com normas ou princípios de ordem fundamental (plano de constitucionalidade), pode ser entendida de diversos modos quando se apreciam os limites temporais de eficácia.

Partindo do princípio de que as leis só dispõem para o futuro – princípio inscrito no artigo 12º do Código Civil e com validade geral -, não está contudo, vedado, em termos absolutos, a eficácia retroactiva das leis ([32]). Tal efeito tem, porém, de resultar da própria norma, directa e expressamente, ou como resultado da exacta determinação do sentido e alcance com que deva ser considerada.

Todavia, em termos de precisão conceitual, a eficácia para o passado de uma norma pode ser ainda considerada como “retroactividade autêntica”, quando os seus efeitos se produzem ex tunc, a partir de um determinado momento temporal localizado no passado; ou retroactividade ‘aparente’ ou “inautêntica”, quando os efeitos se produzem apenas ex tunc, para o futuro, mas atingindo direitos, situações ou relações jurídicas nascidas e desenvolvidas no passado e ainda existentes ([33])

2. Contendo a análise nesta dimensão temporal, a referida norma da lei de orçamento é susceptível de ser considerada segundo dois modos de entendimento.

Não referindo expressamente os limites temporais de validade, poder-se-ia entender com vocação de aplicabilidade apenas às situações futuras (em sentido não apenas temporal, mas também substancial e material), constituídas após à entrada em vigor. Neste sentido, não tocaria em situações, direitos, ou relações jurídicas actuais, já constituídas, mas apenas disciplinaria as situações totalmente novas, integralmente constituídas após a respectiva entrada em vigor.

Mas, um outro entendimento é igualmente possível.

O limite estabelecido na referida norma aplicar-se-á em relação ao universo pessoal incluído no âmbito da previsão que contêm desde o momento do início de vigência, abrangendo todas as situações e relações funcionais existentes nesse momento; aplicar-se-á ex nunc, incidindo sobre a componente remuneratória de todas as relações funcionais previstas, independentemente do momento temporal da génese de tais relações, atingindo, pois, as relações jurídicas nascidas e desenvolvidas no passado e ainda existentes.

Neste plano de interpretação, a norma aponta, seguramente, no sentido da sua aplicabilidade imediata, ex nunc, abrangendo imediatamente todas as situações existentes, nascidas e desenvolvidas no passado.

Dois elementos são decisivos na determinação deste sentido: de ordem histórica e de feição sistemática.

A proposta de Lei nº 14/VI (Orçamento do Estado para 1992) ([34]) não contemplava esta matéria, resultando o preceito de propostas aditadas no seio da comissão especializada. Não contêm os relatos disponíveis indicação dos motivos; é, porém, legítimo pensar que estivessem presentes preocupações marcadas pela ideia tradicional da hierarquização material de remunerações perante casos existentes traduzindo distorções ao princípio. A reposição da pureza do princípio exigiria a aplicação imediata da solução normativa proposta.

Este critério ou fundamento fica saliente, também, pela inserção sistemática da norma numa lei de orçamento.

Não constituindo, como se referiu, matéria orçamental, mas que, ainda assim, releva indirectamente de consequências financeiras no plano da execução orçamental, a inserção na lei orçamento não colheria qualquer justificação ou sentido for a da aplicabilidade imediata a todas as situações e relações existentes enquadráveis na respectiva previsão.

VI

1. A liberdade de conformação do conteúdo da lei no exercício da competência constitucionalmente definida dos órgãos do Estado com funções legislativas, tem apenas como limite vinculante, no plano da ordenação material, o respeito pelas normas e princípios constitucionais com suficiente densidade normativa (artº 3º, nº 3 da Constituição).

A apreciação da conformidade constitucional das normas legais com conteúdo susceptível de afectar situações passadas, ou de tocar em efeitos futuros de factos, situações ou relações jurídicas constituídas no passado e ainda subsistentes, suscita problemas com especificidade própria.

Não estando vedada (salvo nos casos previstos nos artigos 18º, nº 3, e 29º da Constituição) a atribuição de eficácia retroactiva (autêntica ou aparente), a análise da compatibilidade constitucional de normas retroactivas tem de se mover apenas no limite de princípios gerais com "conteúdo normativo mínimo" ([35]) susceptível de fundamentar pretensões individuais dos cidadãos.

O princípio do Estado de direito encontra-se expressamente consagrado no artigo 2º da Constituição. Deve ser entendido como princípio politicamente conformador, que explicita "as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte" ([36]).

Segundo GOMES CANOTILHO ([37]) o princípio do Estado de direito, como conceito constitucionalmente caracterizado, concretiza-se através da consideração de outros princípios como seus elementos constitutivos (os princípios da legalidade da administração, de segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, da proporcionalidade e da protecção jurídica e das garantias processuais).

Em termos jurídico-constitucionais, a abordagem da retroactividade dos actos legislativos, fora da existência de norma que determine a inconstitucionalidade da lei retroactiva, deve partir da consideração dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, que implicam "como elemento objectivo a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas", e "como elemento jurídico-subjectivo dos cidadãos, a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas" ([38]).

Porém, a consideração dos princípios da segurança jurídica e da protecção de confiança não pode situar-se numa referência abstracta, desprovida de um mínimo conteúdo normativo; “apenas na qualidade de princípios densificadores do princípio do Estado de Direito” ([39]) podem servir de pressuposto material à proibição da retroactividade das leis.

Nesta orientação, um princípio insuficientemente positivado como o princípio de ‘garantia dos direitos adquiridos’, não pode valer, abstractamente, como critério de conformação constitucional, mas apenas enquanto articulado no processo de concretização com o princípio de protecção da confiança ínsita no Estado de Direito, tendo em conta a estrutura concreta das normas constantes do acto legislativo sob apreciação de compatibilidade constitucional.


2. A jurisprudência constitucional tem apreciado a compatibilidade constitucional de leis retroactivas (retroactividade autêntica ou aparente) articulando o princípio da confiança com o princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2º da Constituição.

No princípio do Estado de direito democrático está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, que implica um mínimo de certeza e de segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas.

Alguma norma que, "por sua natureza, obviar de forma intolerável, arbitrária e demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de Direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica" ([40]).

Na verdade, "o cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas". "Deve poder confiar em que a sua actuação seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes. Esta confiança é violada sempre que o legislador ligue a situações de facto constituídas e desenvolvidas no passado consequências jurídicas mais desfavoráveis do que aquelas com que o atingido podia e devia contar" ([41]).

Procedimento legislativo que altere acentuada e patentemente o conteúdo de tais situações, afecta de forma intolerável a confiança dos cidadãos, e afronta o princípio do Estado de Direito democrático.

A lei fundamental exclui, pois, a retroactividade das leis, quer quando se trate de uma verdadeira lei de efeitos retroactivos, quer apenas de uma lei de efeitos retrospectivos (que atribui efeitos jurídicos futuros a situações constituídas no passado e subsistentes), por apelo ao princípio da confiança inerente à própria ideia do Estado de direito, quando se esteja perante uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos ([42]).

Deste modo, à luz daquele princípio, não será intolerável ou inadmissível algum efeito que aos olhos do cidadão se há-de ter como verosímil ou mesmo como possível, e com o qual, consequentemente, de uma forma razoável e avisada se poderia ou deveria contar.

A total imprevisibilidade de uma medida legislativa e a natureza manifestamente arbitrária ou opressiva dos efeitos retroactivos ou retrospectivos constituem, segundo a jurisprudência constitucional, violação demasiado acentuada do princípio da confiança.

“O princípio da não retroactividade, estabelecido no artigo 12º do Código Civil – ‘a lei só dispõe para o futuro’ -, não é específico do direito civil, valendo, sim, tanto no direito privado como no direito público. Mas a não retroactividade da lei não está consagrada como princípio constitucional : a Constituição apenas consagra este princípio, expressamente, em matéria penal (artigo 29º) e quanto às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (nº 3 do artigo 18º)”.

"Para além disso (...) deve considerar-se inconstitucional a norma retroactiva que viola de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas e a comunidade têm obrigação (e também o direito) de respeitar na ordem jurídica que as rege; por outras palavras, há inconstitucionalidade da norma retroactiva quando se estiver em presença de uma retroactividade arbitrária ou opressiva que envolva uma violação demasiado acentuada daquela confiança” ([43]).

Na concretização do princípio da confiança ínsita no princípio do Estado e direito democrático, através do processo necessário à transformação do princípio vago e abstracto em “norma de decisão” ([44]) adequada à solução de hipóteses concretas de leis retroactivas, tem a jurisprudência constitucional formulado, de modo constante, um mínimo conteúdo normativo nos termos expostos ([45]).


VII

1. Presentes os elementos recenseados, na medida bastante à metodologia seguida e à economia do parecer, é momento de ensaiar a aproximação à questão concreta formulada.

A norma do artigo 11º, nº 1, da Lei nº 2/92 impõe um 'tecto' remuneratório aos "funcionários que exercem funções em órgãos de soberania", aos "membros dos respectivos gabinetes", bem como aos "funcionários dos grupos parlamentares"; nesta referência se integram os funcionários que prestam serviço na Assembleia da República, incluindo os membros dos gabinetes do Presidente da Assembleia da República e dos grupos parlamentares.

A apreciação da compatibilidade da norma com a Constituição e seus princípios far-se-á, assim, apenas enquanto estiver em causa a situação concreta e a especificidade estatutária e remuneratória deste pessoal.

Não sem que se deixem sublinhadas as dificuldades que suscita e a prudência necessária ao operar, nesta matéria, com princípios gerais e com conceitos relativamente indeterminados.

2. Pressuposta na consulta está a possibilidade de produção actual de efeitos da norma referida sobre as componentes remuneratórias, em termos de determinar, por aplicação imediata, a redução das remunerações efectivas de alguns elementos do pessoal da Assembleia da República.

A garantia da irredutibilidade dos vencimentos da função pública não tem, autonomamente, directa protecção constitucional, nem se estrutura, a se, com a dimensão de um princípio constitucional.

A função pública rege-se, contudo, segundo uma arquitectura normativa clara e segura, desde a definição das condições de ingresso, acesso, direito à carreira, responsabilidade funcional e disciplinar e escalas remuneratórias, integrando um estatuto funcional típico. A relação de emprego público, nesse complexo próprio de direitos, regalias, deveres e responsabilidades, distingue-se da relação de emprego comum típica das relações laborais privadas.

Os direitos e expectativas próprios de tal relação jurídica, claramente definidos na lei e integrando o respectivo estatuto, conformam uma relação de confiança essencial na manutenção dos elementos desse estatuto ([46]).

A componente remuneratória própria e caracterizadora de cada categoria integra um elemento fundamental do respectivo estatuto e, nessa medida, a confiança essencial na manutenção do estatuto típico da relação funcional compreende a integralidade e a não redutibilidade remuneratória.

A garantia da integralidade remuneratória resulta, porém, não de qualquer autónomo princípio de irredutibilidade (inscrito ao nível fundamental), ou mesmo de protecção de 'direitos adquiridos' - como se referiu, um princípio vago, abstracto, sem suficiente densidade normativa -, mas da circunstância de uma modificação estatutária, com semelhante conteúdo, traduzir uma violação intolerável, inadmissível e demasiado acentuada do princípio da confiança ínsito na ideia do Estado de Direito democrático ([47]).

A afirmação de semelhante conteúdo normativo da dimensão fundamental do princípio da confiança não pode, ainda assim, ser aceite sem precisão de sentido.

Circunstâncias excepcionais, de relevante interesse geral, podem exigir e impor a adequação da referida garantia, em termos de conformidade constitucional, com a produção de efeitos restritivos em situações particulares (v.g. grave crise geral, deflação).

Necessário será, porém, que qualquer quebra de direitos, ou algum retrocesso, se opere no respeito de princípios essenciais, como os princípios da proporcionalidade e da igualdade de sacrifícios.

3. Situando a análise no plano constitucional de protecção da confiança contra violações inadmissíveis, porque intoleráveis ou demasiadamente acentuadas, e com as quais, razoavelmente, se não poderia nem deveria contar, a eventual afectação da globalidade das componentes remuneratórias do pessoal da Assembleia da República, em consequência de aplicação do artigo 11º, nº 1 da Lei nº 2/92, não permite formular um juízo seguro no sentido da violação daquele princípio.

Na verdade, numa perspectiva imediata, não se poderá afirmar que o estabelecimento de um ‘tecto’ remuneratório indexado à remuneração-base do primeiro-ministro seja inesperado, do ponto em que se se apresente, segundo a normalidade das coisas, fora de toda a possibilidade razoável de previsão. Existindo tradição na fixação de limites superiores de remuneração na função pública referidos a cargos ministeriais, e tendo presente uma certa noção de hierarquização material necessária como justificação do estabelecimento de tais limites, não será avisado concluir que não se podia nem devia contar com semelhante limitação.

Não é neste plano que opera, porém, o juízo relevante de ponderação.

Este relevará da análise do quadro remuneratório do referido pessoal, da função relativa dos seus elementos componentes, e do respectivo relacionamento com o próprio estatuto, perante a assinalada concretização constitucional do conteúdo normativo do princípio da confiança.

Como se salientou, o quadro remuneratório do pessoal da Assembleia da República comporta, como núcleo estatutário essencial, o vencimento que a cada categoria couber, segundo o regime vigente em geral para a função pública ([48]).

Este núcleo, subjectivizado em cada funcionário, assume uma dimensão estatutária fundamental inerente à respectiva categoria e à natureza da relação de emprego público; o direito que confere e a expectativa quanto à sua integralidade e intocabilidade estão claramente no âmbito do conteúdo normativo constitucional do princípio de confiança. A redução normativa deste elemento estatutário revelar-se-ia salvo circunstâncias excepcionais, intolerável, violando em medida demasiado acentuada e inadmissível aquele princípio.

Juízo tão seguro não é, porém, admissível quando estejam em causa outros elementos, cuja concretização material depende de definições de modelos organizatórios, por natureza não imutáveis.

Como se salientou, as compensações previstas no regime definido no artigo 52º da LOAR, são estabelecidas em função de uma determinada concretização do regime especial de trabalho, mas apenas isso.

Dependendo do modelo organizatório definido, e sendo função desse modelo e das suas exigências específicas, não se podem considerar como subjectivizadas em termos imutáveis, de modo que alguma alteração imposta possa ser considerada imprevista, intolerável, ou violando de maneira acentuada, inadmissível e opressiva o princípio da confiança ínsita no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2º da Constituição.

Deste modo, e enquanto apenas afectando as componentes remuneratórias suplementares fixadas na concretização do disposto no artigo 52º do LOAR, a norma do artigo 11º, nº 1, da Lei nº 2/92 não pode ser considerada como portadora de disciplina que afecte aquele princípio.

VIII

1. Há, porém, que analisar a questão colocada sob outro âmbito, situado ainda no plano da conformidade com a Constituição.

Estabelecendo o artigo 3º da Lei nº 102/88 um limite geral quando às remunerações máximas de quaisquer cargos ou funções públicas, a determinação posterior de outro limite, não geral, situado em degrau inferior ([49]) mas apenas aplicável ao universo pessoal delimitado de funcionários (como é o caso da previsão pessoal do artigo 11º, nºs 1 e 2 da Lei nº 2/92), ao impor uma diferenciação de tratamento, pode ser confrontada com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nº 1 da Constituição.

A igualdade imposta pela Constituição não é, porém, mera igualação absoluta, mas a proibição da diferenciação injustificada.

O conteúdo constitucional da própria igualdade exige o tratamento igual de situações materialmente iguais, mas também, o tratamento diferenciado de situações materialmente diversas. Ponto é que qualquer diferenciação de tratamento ou de regulamentação seja motivada e justificada por razões materiais adequadas à diversidade de situações. A densificação do conceito de igualdade, como princípio imposto ao legislador, reconduz-se afinal à proibição de arbítrio ([50]).

Nesta perspectiva de enquadramento da questão, poder-se-á afirmar que não se encontra justificação material suficiente, razoável, não arbitrária, para a diferença de regimes estabelecidos no artigo 3º da Lei nº 102/88 e no artigo 11º da Lei nº 2/92.

"A diferença quanto aos ‘tectos’ de vencimentos na função pública, em geral e para determinadas categorias de funcionários, não encontra, no plano dos limites em que o legislador se há-de mover, justificação material razoável, susceptível de suportar tratamento legislativo diverso. Não constitui, pois, uma discriminação portadora de justificação objectiva, razoável ou não arbitrária.

Faltando justificação material razoável, a diferença revela-se arbitrária e inadmissível, no quadro da imposição constitucional do princípio consagrado no artigo 13º, nº 1 da Constituição.

2. A consideração do vício que inquina a norma do artigo 11º da Lei nº 2/92, por violação do princípio da igualdade inscrito no artigo 13º da Constituição, não significa, de todo o modo, que a Administração não deva aplicá-la imediatamente, com todas as consequências que produzir.

Sendo a declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral da competência do Tribunal Constitucional, a Administração deve obediência à norma enquanto tal vício não for declarado ([51]).


Conclusão:

IX

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª - A norma do artigo 11º, nºs 1 e 2, da Lei nº 2/92, de 9 de Março (Orçamento de Estado pela 1992), que estabelece um limite remuneratório máximo – o vencimento-base do primeiro ministro – para os funcionários que exercem funções em órgãos de soberania, membros dos respectivos gabinetes, funcionários dos grupos parlamentares e das entidades e organismos que funcionam junto dos órgãos de soberania, aplica-se imediatamente a todas as situações e relações anteriormente constituídas e existentes no momento em que entrou em vigor;


2ª - A referida norma, aplicando-se imediatamente, nos termos da conclusão anterior, a todas as situações e relações existentes, pode determinar a produção de efeitos retrospectivos desfavoráveis (retroactividade aparente ou inautêntica), enquanto provoque a redução para o limite máximo estabelecido de remunerações globais superiores anteriormente auferidas;

3ª - A retroactividade das leis (ou a produção de efeitos retrospectivos), embora não excluída directamente pela Constituição fora das hipóteses previstas nos artigos 18º, nº 3, e 29º, pode, todavia, afectar o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição;

4ª - A lei retroactiva, ou que produza efeitos quanto a situações ou relações constituídas no passado e ainda subsistentes no momento em que entre em vigor, viola o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito quando a produção de tais efeitos se revele opressiva, intolerável e inadmissível, por afectar em medida acentuada a confiança que os cidadãos tem o direito de depositar na continuidade das relações constituídas e seus efeitos;

5ª - O pessoal da Assembleia da República tem regime especial de trabalho, segundo o disposto no artigo 52º da Lei nº 77/88, de 1 de Julho (LOAR), que pode compreender, nomeadamente, horário especial de trabalho, regime de trabalho extraordinário, prestação de serviço por turnos e remuneração suplementar;

6ª - A remuneração do pessoal da Assembleia da República compreende, segundo o princípio contido no artigo 53º da LOAR, a remuneração estatutária, que corresponder à respectiva categoria de acordo com o regime remuneratório geral da função pública, e os complementos que, em concreto, sejam determinados pelo regime de trabalho que for fixado em execução do disposto no artigo 52º da LOAR;

7ª - O suplementos ou componentes remuneratórios, determinados em função do regime concreto de trabalho, não são imutáveis e subjectivizados definitivamente, dependendo das necessidades e exigências do regime de trabalho estabelecido;

8ª - A aplicação do disposto no artigo 11º, nº 1 da Lei nº 2/92, de 9 de Março, ao pessoal da Assembleia da República, na medida em que, eventualmente, afecte apenas os componentes remuneratórios determinados em função do regime de trabalho concretamente fixado, não viola de maneira inadmissível o princípio da confiança ínsita no Estado de Direito;

9ª - Porém, a norma do artigo 11º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março, ao estabelecer um limite de remunerações diversa do fixado no artigo 3º da Lei nº 102/88, de 25 de Agosto, cria uma diferença de tratamento entre os funcionários em geral e os funcionários abrangidos no universo pessoal e funcional que delimita, sem justificação material razoável, violando, nessa medida, o princípio da igualdade inscrito no artigo 13º da Constituição;

10º - Sendo a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de qualquer norma, da competência do Tribunal Constitucional, a Administração deve obediência no disposto no artigo 11º, nºs 1 e 2 da Lei nº 2/92 enquanto o Tribunal Constitucional não declarar esta norma inconstitucional.



[1] Publicada no Suplemento à I Série-A, do Diário da República, nº 57, de 9 de Março, distribuído no dia 24 de Março.
[2] Cfr., v.g., CARDOSO DA COSTA, Sobre as autorizações legislativas da lei do orçamento, Separata do "Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra" - "Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J. TEIXEIRA RIBEIRO, 1982, pág. 19 e segs., e ANTÓNIO LOBO XAVIER, Enquadramento Orçamental em Portugal. Alguns Problemas, in "Revista de Direito e Economia, ano IX, pág. 242 e segs.

[3] Cfr., o Parecer deste Conselho nº 160/88, votado na sessão de 9 de Março de 1989, que por momentos se acompanha.

[4] Cfr., Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª ed., 1º vol., 1984, pág. 472

[5] Cfr., Os poderes orçamentais da Assembleia da República, in "Boletim de Ciências Económicas", Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXDX, 1987, pág. 172.

[6] Cfr., loc. Cit. na nota (2), pág. 243.

[7] Cfr., os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 48/84, 461/87 e 180/88, publicados no Diário da República, II Série, de 10 de Julho de 1984, I Série, de 15 de Janeiro de 1988, e II Série, de 10 de Dezembro de 1988, respectivamente.

[8] Cfr., v.g. o Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 303/90, de 21 de Novembro de 1990, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Dezembro de 1990.

[9] A norma do artigo 53º LOAR, que suscitava algumas questões de interpretação, foi analisada no Parecer deste Conselho nº 30/89, de 24 de Maio de 1989.

[10] Cfr. conclusão 1ª do parecer citado na nota anterior.

[11] Gratificações a atribuir ao assessor jurídico designado coordenador de Assessoria Jurídica ( artigo 25º, nº 3), e ao coordenador do Gabinete de Estudos Parlamentares (artigo 26º, nº 4).

[12] Anterior Lei Orgânica da Assembleia da República, alterada pelas Leis nº 88/77, de 26 de Dezembro; 27/89, de 5 de Setembro; 5/83, de 27 de Julho e 11/85, de 20 de Junho.

[13] Cfr. Pareceres nºs 38/86, de 5 de Junho de 1986, e 109/88, de 29 de Março de 1989, publicado no Diário da República, II Série, nº 124, de 31 de Maio de 1989.

[14] Cfr. Parecer nº 109/88, citado na nota anterior.

[15] Dificuldades sentidas no parecer nº 38/86 e às quais as respectivas conclusões pretenderam responder.

[16] Cfr., v.g., os elementos referidos no Parecer nº 38/86, cit., e documentação solicitada ao Gabinete do Presidente da Assembleia da República.

[17] Cfr. acta nº 10 do Conselho Administrativo, de 25 de Janeiro de 1978.

[18] Cfr. Parecer nº 38/86, que transcreve parte da acta nº 6/II, de 7 de Maio de 1981, do Conselho Administrativo.

[19] Das actas consta que a remuneração corresponde a "seis vencimentos anuais" a pagar duodécimos. É manifesto lapso; não se trata, de facto, de seis vencimentos anuais a pagar em duodécimos ao longo de cada ano, mas de seis vencimentos mensais a pagar em doze prestações ao longo do ano, o que, em termos práticos, significa uma remuneração suplementar correspondente a 50% do vencimento mensal. Cfr. Parecer cit. nº 38/86, nota (13).

[20] No regime anterior - recorde-se - o pessoal auxiliar tinha direito à remuneração suplementar de 1/3 do respectivo vencimento e às horas extraordinárias efectivamente prestadas, a partir das 20 horas "nos termos dos artigos 12º, nº 2, alínea a), e 15º, nº2, do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio".
Transcreve-se da acta da reunião do Conselho Administrativo de 2 de Julho de 1981:
"1. REGIME GERAL:
1.1 Ao pessoal que presta serviço à Assembleia da República em regime permanente, quer do quadro, requisitado, contratado ou adido, será abonada uma remuneração suplementar correspondente a seis vencimentos anuais a pagar em duodécimos.
"2. REGIME DE OPÇÃO:
"2.1 O pessoal auxiliar do quadro da Assembleia da República poderá optar, mediante declaração escrita, a apresentar na Divisão dos Serviços Financeiros, entre 1 e 10 de Janeiro de cada ano, pelo regime especial seguinte:
a) abono de uma remuneração suplementar correspondente a quatro vencimentos anuais, a pagar em duodécimos;
b) o pessoal auxiliar terá ainda direito ao pagamento até ao limite de 60% da remuneração principal das horas extraordinárias efectivamente prestadas for a do horário habitual e por causa do funcionamento do Plenário, Comissões, Conselhos e quaisquer outros órgãos ou serviços a partir das 20 horas, ou aos sábados, domingos e feriados;
c) as remunerações a abonar nos termos das alíneas a) e b) não poderão ser acumuladas com quaisquer proventos ou abonos acessórios recebidos para além da remuneração principal, com excepção do abono de família, gratificações por serviços especiais, ajudas de custo ou compensações de despesas feitas por motivo de serviço, e diuturnidades".

[21] Cfr., extracto da deliberação.

[22] A aplicação da fórmula aprovada em 1988 traduz uma percentagem de 58,3% sobre o vencimento mensal, aumentada para 77% segundo a fórmula aprovada em 1989.

[23] Cfr., o Parecer deste Conselho nº 2/86, de 6 de Abril de 1986, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 365, págs. 171 e segs., desig. Pág. 190-191, cuja exposição, neste ponto, se acompanha.

[24] Para outras funções (director e administrador de estabelecimentos do Estado v.g.), o artigo 27º estabelecia como limite o vencimento de ministro. A Lei nº 2105, de 6 de Julho de 1960, revogou o artigo 27º do diploma, mantendo, todavia, a fixação de um limite, então referido à remuneração atribuída aos Ministros de Estado.

[25] Cfr., sobre o limite estabelecido neste diploma e a sua justificação, o Parecer deste Conselho nº 70/84, de 6 de Dezembro de 1984, publicado no Diário da República, II Série de 23 de Maio de 1985.

[26] Cfr. Parecer nº 2/86, citado na nota (14).

[27] Preâmbulo do Decreto-Lei nº 26155.

[28] O artigo 1º da Lei nº 102/88, deu nova redacção aos artigos 1º e 2º da Lei nº 26/84 de 31 de Julho.
Os trabalhos preparatórios da Lei nº 102/88 constam do Diário da Assembleia da República, II Série de 11 de Junho e de 22 de Julho de 1988, e I Série, de 24 de Junho e de 22 de Julho de 1988.

[29] Cfr. Parecer deste Conselho nº 64/91, de 5 de Dezembro de 1991.

[30] Estabelecendo como referência do limite o vencimento base do Primeiro Ministro quanto às consequências de aplicação da Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro, o disposto no artigo 1º, nº 2 da Lei nº 63/90, de 26 de Dezembro.

[31] Cfr. Diário da Assembleia da República, II Série de 11 de Junho de 1988.

[32] Salvo quanto a leis penais retroactivas ou quanto às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (artigo 29º e 18º, nº 3, da Constituição).

[33] Cfr. v.g. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, 1991, pág. 382.

[34] Publicada no Diário da Assembleia da República, II Série, A, nº 13, 3º Suplemento, 21 de Janeiro de 1992.
Cfr., a Acta da Reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano, de 20 de Fevereiro de 1992, in Diário da Assembleia da República, II Série, C, nº 15, 4º Suplemento, de 21 de Fevereiro de 1992, pág. 244 (278).

[35] Cfr. GOMES CANOTILHO, op. cit., págs. 176 e segs., e pág. 373.

[36] Cfr. ibidem, pág 178.

[37] Cfr. ibidem, págs. 375 e segs.

[38] Cfr. ibidem, págs. 378-379.

[39] Cfr. ibidem, pág. 380.

[40] Cfr., v.g. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 303/90, cit. na nota (8).

[41] Cfr. Ac. Tribunal Constitucional nº 17/84.

[42] Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional nº 50/88, de 3 de Março de 1988, publicado no Diário da República, II Série, nº 188, de 16 de Agosto de 1988.
A concretização do princípio da confiança em norma de decisão com semelhante conteúdo essencial, encontra-se já na jurisprudência da Comissão Constitucional - Cfr. v.g. Parecer nº 14/82, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 19, pág. 195.

[43] Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/88, de 9 de novembro de 1988, publicado no Diário da República, II Série, nº 35, de 11 de Fevereiro de 1989.

[44] Cfr. GOMES CANOTILHO, ob. Cit., pág. 382.

[45] Cfr. entre outras espécies, os acórdãos nºs. 313/89, de 9 de Março de 1989, no Diário da República, II Série, nº 136, de 16 de Junho de 1989; nº 10/84, de 1 de Fevereiro de 1984, nº Diário da República, II Série, nº 103, de 4 de Maio de 1984; nº 66/84, de 3 de Julho de 1984, no Diário da República, II Série, nº 184, de 9 de Agosto de 1984; nº 23/83, de 22 de Novembro de 1983, no Diário da República, II Série, nº 27, de 1 de Fevereiro de 1984; nº 11/83, de 12 de Outubro de 1983, nº 154/86, de 6 de Maio de 1986, no Diário da República, I Série nº 133, de 12 de Junho de 1986 e 93/84, de 31 de Julho de 1984, no Diário da República, I Série, nº 266, de 16 de Novembro de 1984.

[46] Cfr., Acórdãos do Tribunal Constitucional, nº 154/86, cit. na nota anterior.

[47] No que diz respeito à possibilidade de diminuição dos vencimentos dos funcionários, cfr. divergentemente, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 759 e ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, I vol.., 1980, pág. 366.
Cfr., v.g., o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 313/89, citado na nota (46).

[48] A remuneração-base é a que é determinada em função de cada categoria, devendo participar do princípio da equidade interna para salvaguardar a relação do proporcionalidade entre as responsabilidades de cada cargo e as correspondentes remunerações, e garantir a harmonia remuneratória entre os cargos no âmbito da Administração - artigo 14º, nº 2, 15º, nº 1, alínea a), e 17º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho.

[49] Existe, na verdade, uma diferença assinalável, em termos materiais, entre o limite previsto no artigo 3º da Lei nº 102/88 e o vencimento-base do primeiro ministro - diferença resultante da inclusão no cálculo do limite previsto naquela norma do montante de despesas de representação.

[50] Cfr. desenvolvidamente, o parecer deste Conselho nº 116/88, de 21/Março/1991. Cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 358/86, Processo nº 15/86, de 16 de Dezembro de 1986, "Diário da República", II Série, nº 85, de 11 de Abril de 1987, págs 4653 e s., onde se escreveu: "o princípio da igualdade não exige o tratamento igual de todas as situações, mas sim o tratamento igual de situações (substancialmente) iguais", nº 44/84, Procº 90/83, de 22 de Maio de 1984, págs. 6156 e ss.; nº 433/87, Procº 224/86, de 4 de Novembro de 1987, "Diário", citado, nº 36, de 12 de Fevereiro de 1988, págs. 1357 e ss.; nº 34/86, Procº nº 157/84, de 18 de Fevereiro de 1986, "Diário", nº 109, de 13 de Maio de 1986, pág. 4570; nº 126/84, Processo nº 48/84, de 12 de Dezembro de 1984, "Diário", nº 58, de 11 de Março de 1985, págs. 2303 e s..
Cfr., também, os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 142/85, Procº 75/83, de 30 de Julho de 1985, "Diário da República", II Série, 206, de 7 de Setembro de 1985, págs. 8369 e ss., nº 309/85, Procº nº 194/84, de 11 de Dezembro de 1985, "Diário" citado, nº 84, págs. 3432 e ss.; nº 80/86, Procº nº 148/84, de 11 de Março de 1986, "Diário", nº 131, de 9 de Junho de 1986, págs. 1366 e ss.; nº 327/86, Procº nº 105/84, de 26 de Novembro de 1986, "Diário", nº 39, de 16 de Fevereiro de 1987, págs. 1973 e ss.; nº 425/87, Procº nº 262/86, de 4 de Novembro de 1987, "Diário", nº 3, de 5 de Janeiro de 1988, págs. 96 e ss.; nº 12/88, Procº 178/85, de 12 de Janeiro de 1988, "Diário", nº 25, de 30 de Janeiro de 1988, págs. 335 e ss.

[51] Cfr., o Parecer deste Conselho nº 90/83, de 12 de Maio de 1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 352, pág. 245. Esta posição constitui doutrina uniforme desta instância consultiva.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART2 ART13 ART18 N3 ART29.
CCIV66 ART12.
L 2/92 DE 1992/03/09 ART11.
L 77/88 DE 1988/07/01 ART52 ART53.
L 32/77 DE 1977/05/25 ART21.
D 11849 DE 1926/07/06.
L 102/88 DE 1988/08/25 ART3 N1.
DL 26115 DE 1955/11/23 ART20.
DL 49410 DE 1969/11/24 ART8.
DL 110-A/81 DE 1981/05/14 ART26.
Jurisprudência: 
AC TC 17/84.
AC TC 48/84.
AC TC 154/86.
AC TC 461/87.
AC TC 50/88.
AC TC 180/88.
AC TC 259/88. AC TC 303/90.
Referências Complementares: 
DIR ADM * FUNÇÃO PUBL / DIR CONST * DIR FUND.
Divulgação
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