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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
18/1992, de 28.05.1992
Data do Parecer: 
28-05-1992
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
DOENÇA ADQUIRIDA EM SERVIÇO
DOENÇA AGRAVADA EM SERVIÇO
Conclusões: 
Não é enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doença adquirida ou agravada em serviço como oficial de tiro, expondo o militar a permanencias frequentes e prolongadas em carreiras de tiro.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da
Defesa Nacional,
Excelência:

1

A fim de ser submetido a parecer deste Conselho Consultivo, nos termos do artigo 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-se Vossa Excelência determinar o envio à Procuradoria-Geral da República do processo respeitante ao Capitão de Artª (...).

Cumpre emiti-lo.

2

2.1. Precedendo requerimento do interessado, datado de 8 de Abril de 1980, no qual se referia uma situação de deficiência auditiva, foi oportunamente instaurado processo de averiguações por doença, apurando-se o seguinte:


- Incorporado em 16/1/68, ingressou no quadro especial de oficiais (QEO) em 11/1/72;

- Quando do seu ingresso no QEO foi submetido à JHI/HMP, após ter sido observado nos serviços de cirurgia, oftalmologia, otorrino e neuropsiquiatria, tendo sido Julgado apto para todo o serviço militar (decisão homologada por despacho de 23/10/71);

- Em 1972 desempenhou as funções de auxiliar do Oficial do Tiro, coadjuvando-o na execução de tiro de armas pesadas;

- No desempenho das suas funções frequentava muitas vezes a carreira de tiro no CIMSM de Tavira, onde o volume de tiro era considerável em função das várias tabelas, quer para as armas ligeiras, quer para as pesadas, nestas incluídos os canhões sem recuo;

- A partir de 1974 começou a manifestar queixas otológicas (hipoacúsia e zumbidos);

- No período de Agosto de 1975 a Setembro de 1976 desempenhou no então RA Beja as funções de Oficial de Tiro onde, devido a reduzido número de linhas, ficava sujeito a longas sessões da carreira de tiro;

- Em 16/12/80 foi presente à JHI/HMP, que o Julgou incapaz do serviço activo com 20% de desvalorização por labirintopatia traumática com hipoacúsia e zumbidos (decisão homologada por despacho de 19/1/81);

- A CPIP da Direcção do Serviço de Saúde foi de parecer que "o motivo pelo qual a JHI julgou o militar incapaz do serviço activo com 20% de desvalorização deve ser considerada como adquirida em serviço" (parecer nº 14/81, de 12/1/81, homologado por despacho de 26/1/81).

2.2. Considerando que a situação causadora da sua incapacidade se "pode enquadrar na previsão legal do nº 4 do artigo 2º com referência ao nº2 do artigo lº do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, por constituir uma actividade militar com risco agravado, em conformidade com a actual orientação da P.G.R.", o Capitão Centenico requereu, em 5 de Novembro de 1990:

- "Que seja considerado DFA";

- "Que seja presente à JHI para avaliação da sua actual situação clínica, por a sua diminuição de audição (hipoacúsia bilateral) ter aumentado".

Na sequência deste requerimento:

- Foi submetido, em 1/10/91, a nova inspecção pela JHI/HMP, que o considerou incapaz de todo o serviço militar com uma desvalorização de 30%, por labirintopatia traumática bilateral (decisão homologada por despacho de 7/1/92);

- A CPIP/DSS, após considerar "inquestionável ter havido traumatismo sonoro que lhe provocou a doença de que é portador atendendo às suas funções de instrutor de tiro "com permanências frequentes e prolongadas na carreira de tiro", foi de parecer que "a doença pela qual a JHI julgou este militar incapaz de todo o serviço militar com 30% de desvalorização deve ser considerada como adquirida em serviço e por motivo do seu desempenho" (parecer nº 280/91, de 19/12/91, homologado por despacho de 24/1/92);

- O processo em causa foi presente, para a definição do nexo causal doença/serviço, ao Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal do Estado-Maior do Exército, onde foi elaborado, pelo Consultor Jurídico, o parecer nº 47/92, de 18/2/92, que concluiu por propor a homologação do parecer da CPIP/DSS e a posterior remessa do processo ao MDN;

- Antes de assim concluir, o referido parecer ponderaria: "Quanto à pretensão de ser qualificado DFA, embora não se verifique o risco agravado equiparável ao serviço de campanha, o certo é que a competência para a requerida qualificação está cometida a Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, após o parecer do Corpo Consultivo da P.G.R.".

3

O nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 considera deficiente das forças armadas o cidadão que:

"No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho:

- quando em resultado de acidente ocorrido:

- em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

- na manutenção da ordem pública;

- na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

- no exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

- vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

- apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

- incapaz do serviço activo; ou

- incapaz de todo o serviço militar"

Por seu lado, o nº 4 do artigo 2º estabelece:

"O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, "seja identificável" com o espírito desta lei (cfr. rectificação publicada no Diário da República, de 26 de Junho de 1976, 2º Suplemento).

4

1 - Excluídas as hipóteses de aplicação directa do nº2 artigo 1º do citado Decreto-Lei nº 43/76, há que ponderar se a matéria fáctica relatada pode ser valorada como consubstanciando uma actividade a que é inerente um risco agravado, idónea para a equiparação a qualquer uma das situações contempladas no nº 4 do artigo 2º.

Este corpo consultivo vem uniformemente entendendo que só devem considerar-se abrangidos pelo nº 4 do artigo 2º os casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha e equivalentes. E o espírito da lei, como se diz no parecer nº 35/77, "aponta para a especial consideração devida aos que têm de enfrentar situações que põem em causa a própria vida ou integridade física para além dos limites de risco inerentes ao exercício normal da função" ou, conforme se escreveu no parecer nº 56/76, espírito que é, sem dúvida, o reconhecimento do direito à reparação que assiste aos que se sacrificam pela Pátria, sendo certo que a dignificação deste sacrifício passa pela não inflação das situações enquadráveis no Decreto-Lei nº 43/76.


Igualmente se tem ponderado que o risco agravado, superior ao risco genérico da actividade militar, é incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender-se em sede de objectividade.

2 - Este Conselho Consultivo teve já oportunidade de apreciar acidentes ocorridos em carreiras de tiro, tendo firmado doutrina no sentido de que os mesmos não configuram, em regra, situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo lº, ambos do Decreto-Lei nº 43/76 (1) .

Pondera-se, com efeito, que o tiro realizado nesses locais especialmente adequados e apetrechados, rodeados de requisitos de segurança, não expõe os instruendos a risco superior ao do comum da actividade militar.

Reconhece-se que esses exercícios de tiro, como qualquer outra actividade própria da rotina da função militar, só excepcionalmente dão lugar a acidentes.

3 - No caso em apreço trata-se, de uma doença adquirida em serviço e por motivo do seu desempenho, com a particularidade de o seu portador ter exercido funções de instrutor de tiro, com permanências frequentes e prolongadas em carreiras de tiro.


Convirá, neste contexto, recordar a posição tomada por este Conselho Consultivo em situações de doença adquirida em serviço (2) . Assim, entre outros:

- No parecer nº 209/77 de 17/11/77, concluiu-se:

"Não é enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doenças adquiridas ou agravadas por virtude da prestação de serviço nos submarinos, em condições normais";

- o parecer nº 64/78, de 20/4/78, extraiu a seguinte conclusão: "a instrução de 'gases e fumos' e o trabalho em gabinete com mostruário de filtros e máscaras anti-gás saturados iniciado em 1944, determinante de intoxicação lenta e do "leucopenia crónica", não configura uma actividade de risco agravado necessário...";

- o parecer nº 70/79, de 17/5/79, concluiu: "A produção ou o agravamento de doença por efeito de desempenho de serviço militar em más condições climatéricas ou devido a intempéries não preenche os requisitos de que depende a qualificação como deficiente das forças armadas...";

5

Face à matéria de facto recolhida nos autos, e que deixámos recenseada (cfr. ponto 2.), e tendo presente o quadro legal e o conjunto de considerações acabadas de desenvolver, importa determinar se a doença adquirida pelo requerente, em serviço, o foi em condições de risco agravado, equiparável ao das situações de campanha ou equivalentes.

No citado parecer nº 47/92 do Consultor Jurídico entendeu-se, como vimos, que, no caso em apreço, não se verifica risco agravado equiparável ao serviço de campanha.

Afigura-se-nos correcto este entendimento.

5.1. Aceitando, embora, a dureza e dificuldade da actividade desenvolvida pelo interessado enquanto oficial de tiro, daí não resulta, necessariamente, que corresponda a uma situação de risco agravado.

Fundamentalmente, estamos perante consequências de uma actividade militar normal, sem o carácter de excepcionalidade que a lei exige.

5.2. Ponderou-se no parecer nº 122/76 (3)

"Toda a actividade militar comporta, pelos fins que prossegue e pelos meios que emprega, um risco específico que pode ir, por vezes, até ao sacrifício da própria vida. Mas esse é um risco próprio da função militar, inerente ao desenvolvimento do respectivo serviço.

Excede, naturalmente, os limites dos riscos comuns aos demais cidadãos ou de outras actividades profissionais, mas para os militares não deixa de, em princípio, considerar-se um risco generalizado dentro da instituição.

Mas a qualificação de deficiente exige um risco agravado, isto é, um risco que em alguma medida se possa acrescentar àquele que decorre da actividade militar normal.

Esse acréscimo de risco deve ser avaliado face ao condicionalismo de cada caso, pelas circunstâncias determinantes e envolventes de natureza excepcionalmente perigosa mesmo no âmbito da vida militar, de grau equivalente ao das actividades operacionais expressamente contempladas no aludido preceito".

E mais adiante acrescenta-se no mesmo parecer:

"Aliás, a importância e o carácter excepcional dos benefícios que acompanham a qualificação de deficiente exigem correspondentemente uma conduta também relevante e de risco excepcional, não se compadecendo com os perigos normais e próprios do exercício do dever funcional simples. Para estes prevê a lei outras reparações e remédios, tais como a reforma extraordinária ou a pensão por invalidez... "

5.3. Considerações que este corpo consultivo tem sucessivamente reiterado, citando-se do já referido parecer nº 70/79:

"Com efeito, o tratamento privilegiado de que beneficiam os deficientes das forças armadas tem como pressuposto situações de serviço caracterizadas por uma perigosidade anormal e superior, em grau, à que decorre do comum da actividade militar, que não se compadece com a ponderação de factores de índole subjectiva, específicos e de valoração sempre incerta, pois é sabido que o risco, a ser avaliado em função destes factores, sempre seria fonte de eventuais injustiças e disparidades de valoração, dada a impossibilidade de estabelecer um critério válido para medir ou ponderar, uniformemente, os efeitos agravativos das diferentes condições de serviço decorrentes das particulares características pessoais do militar chamado a desempenhar as funções próprias das actividades que lhe competem estatutariamente."

Em suma: o estado de saúde do requerente, gerador da sua incapacidade para o serviço militar, não decorre de especiais condições de agravação do risco a que foi exposto no exercício das suas funções militares, tomadas estas em sentido objectivo, ou seja, caracterizadas por um conjunto de circunstâncias que excederam sensivelmente o risco normal da actividade militar (4) .

Conclusão:

6

Em face do exposto, conclui-se:

Não é enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doença adquirida ou agravada em serviço por virtude da prestação de serviço como oficial de tiro, expondo o militar a permanências frequentes e prolongadas em carreiras de tiro.




(1) Cfr., entre outros os pareceres nºs 99 78/76 e 99/76 (ambos de 30/7/76), 207/76 (de 13/1/77), 102/77 (de 7/12/77), 162/77 e 179/77 (ambos de 27/10/77), 220/77 e 243/77 (ambos de 2/12/77), 103/89 (de 25/1/90) e 46/90 (de 27/9/90).
(2) Recorde-se que no seu requerimento de 5/11/90 o interessado invoca a "actual orientação da PGR".
(3) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 267, pág. 40.
(4) Cfr. citado parecer nº 70/79.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
Divulgação
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