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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
49/1991, de 12.03.1992
Data do Parecer: 
12-03-1992
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Saúde
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
SEGREDO PROFISSIONAL
SEGREDO MEDICO
ACESSO
FICHA CLINICA
PROCESSO CLINICO
DOSSIER MEDICO
REQUISIÇÃO
ESCUSA DE DEFERIMENTO
QUEBRA DO SEGREDO PROFISSIONAL
RECUSA DE ENTREGA DE DOCUMENTO
APREENSÃO DE DOCUMENTO
INQUERITO
COMPETENCIA
AUTORIDADE JURIDICA
ORGÃO DE POLICIA CRIMINAL
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
CODIGO DEONTOLOGICO
MEDICO
CONFLITO DE DEVERES
DOENTOLOGIA MEDICA
DEVER DE COLABORAÇÃO COM OS TRIBUNAIS
TRIBUNAL
DIREITO A COADJUVAÇÃO DAS AUTORIDADES
Conclusões: 
1 - No ambito dos acidentes de viação, o legislador impõe aos estabelecimentos hospitalares, dependentes ou não de organismos do Estado, o dever de participar a admissão dos individuos sinistrados e o de fornecer acerca do acidente todas as informações que lhes for possivel prestar (artigo 56, n 6, do Codigo da Estrada);
2 - Os estabelecimentos hospitalares são obrigados a fornecer aos tribunais de trabalho todos os esclarecimentos e documentos que lhes sejam requisitados relativos a observações e tratamentos feitos a sinistrados ou por qualquer modo relacionados com o acidente (artigo 36 do Decreto n 360/71, de 21 de Agosto);
3 - Fora dos casos referidos nas conclusões 1 e 2, as autoridades judiciarias e os orgãos de policia criminal podem requisitar, no ambito de uma investigação criminal, o envio de elementos do processo clinico de um doente, na posse de estabelecimentos dependentes do Ministerio da Saude;
4 - A requisição referida na conclusão anterior pressupõe, por parte da entidade requisitante, um previo juizo da necessidade dos elementos clinicos para a investigação em curso;
5 - As autoridades judiciarias e os orgãos de policia criminal devem comunicar a entidade hospitalar competente informações que habilitem a formulação de um juizo de ponderação dos valores e interesses em presença, fornecendo-lhe os elementos julgados necessarios para esse fim;
6 - A entidade hospitalar satisfara ou não a requisição recebida, consoante tenha concluido, face ao peso relativo das representações valorativas em confronto, pela prevalencia do dever de colaboração com a justiça ou do dever de sigilo;
7 - Na segunda hipotese, se a requisição referida na conclusão 3 tiver sido decidida: a) Por um orgão de policia criminal, a autoridade judiciaria ordena a apresentação ou remessa dos elementos do processo clinico, nos termos do artigo 182, n 1, do Codigo de Processo Penal; b) Por uma autoridade judiciaria, observar-se-a, desde logo, o disposto nos ns 2 e 3 do artigo 135 do Codigo de Processo Penal;
8 - No ambito hospitalar, a entidade competente referida nas conclusões 5 a 8 e o director do hospital (artigos 3 e 8 do Decreto Regulamentar n 3/88, de 22 de Janeiro).
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR MINISTRO DA SAÚDE,

EXCELÊNCIA:



1



Considerando a necessidade de os serviços darem uma resposta rápida às solicitações recebidas das entidades competentes para a investigação criminal, a Administração Regional de Saúde de Lisboa emitiu a Circular Normativa nº 120/DAJ, de 27 de Março de 1991, determinando:

Os pedidos dos elementos constantes das fichas clínicas dos utentes, ou de outros elementos de idêntica natureza contidos nos respectivos processos clínicos, assim como de relatórios síntese sobre a correspondente história clínica dos mesmos, feitos pelos órgãos da polícia criminal serão prontamente satisfeitos, tanto pelos serviços centrais da ARS, como pelos Centros de Saúde, no caso de tal solicitação lhes ser feita directamente;

São órgãos de polícia criminal todas as entidades, nomeadamente a Polícia Judiciária, a Polícia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana, a Guarda Fiscal ou a Inspecção Económica, a quem caiba levar a cabo actos de instrução de processos de natureza criminal, por delegação de competência do Ministério Público nos termos do artigo 270º, nº 1, do Código de Processo Penal;

Esta determinação foi deliberada com base no entendimento de que a investigação criminal levada a cabo pelo Ministério Público visa a consecução de um interesse público susceptível de se integrar no conceito de justa causa para a revelação do segredo profissional, nos termos previstos pelo artigo 1849 do Código Penal.

Considerando que, após a emissão da referida Circular, se suscitaram dúvidas, e que a determinação das entidades com competência para proceder à requisição de informações e elementos dos processos clínicos deve ser rigorosa, tornando-se necessário ainda definir com precisão a articulação entre a imposição de colaboração com os órgãos de investigação criminal, a competência para proceder a actos de inquérito e de instrução e a necessidade de salvaguardar o segredo profissional dos médicos, para que se proceda à caracterização das situações em que os serviços devem enviar os elementos solicitados e constantes dos arquivos clínicos, dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer deste corpo consultivo, especificando que, em concreto, se encontram em questão os seguintes aspectos:

Quais os requisitos exigidos para que os órgãos de polícia criminal possam ter acesso aos arquivos clínicos existentes nos estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde?

Quais as entidades competentes para responder às solicitações dos órgãos de polícia criminal?".



2



2.1. Propondo uma definição de segredo, LITTRIÉ refere que é "ce qui doit être tenu secret", “une confidence", "le silence, la discrétion sur une chose confiée"; para ROBERT, trata-se de um "ensemble de connaissances, d'information, qui doivent être réservées à quelques uns", de uma "confidence", do "silence sur une chose qui a été confiée ou que l'on a apprise" ( 1 )

Na linguagem comum, segundo ponderam S. MALANNINO - L. BEVILACQUA, o significado de segredo é intuitivo:

"é segreto tutto cib che una persona vuol nascondere al pubblico o a determinate persone" (2) .

Para MANZINI, o segredo é " un limite posto, de una volontà giuridicamente competente, alla conoscibilità di un fatto, di un atto o di una cosa, per modo che questisiano attualmente destinati a rimanere occulti per ogni persona diversa da quelle che legittimamente li conoscono, ovvere per coloro ai quali non vengano palesati da chi ha il potere giuridico di estendere o di togliere detto limite, o da forze volontarie o involontarie indipendenti dalla volontà di chi ha la giuridica disponibilità del segreto" (3) .

Por seu turno, ANTOLISEI refere o carácter de "relazione che intercorre tra la conoscenza di cose e fatti ed un determinato soggetto", evidenciando um duplo aspecto: "dal punto di vista passivo, essa importa l'obbligo per i non autorizzati di non procurarsi, divulgare o utilizare le notizie relative a certi soggetti; dal punto di vista attivo il segreto dá luogo ad un potere, spettante ad altre persona di escludere i terzi da quella conoscenza, dalla sua comunicazione ad altri e dal suo sfruttamento" (4) .

BASILEU GARCIA acentua que segredo é o informe atinente a um acontecimento que não deve, pela sua natureza ou por efeito de manifestação de vontade do depositante, ser transmitido a outras pessoas (5) , enquanto ANTÓNIO DE SOUSA MADEIRA PINTO considera que segredo é a reserva de qualquer facto não publicamente conhecido de que, por qualquer modo, nos inteiramos e que, no interesse de determinadas pessoas, não devemos transmitir a terceiros (6) .

Para LUÍS OSÓRIO, segredos devem considerar-se os factos não publicamente conhecidos e referentes à causa ou ao cliente e que este tem interesse em que não sejam conhecidos (7) .

Ao segredo anda ligada a ideia de coisa oculta, íntima, conhecida apenas de uma ou dum círculo limitado de pessoas, ou até de nenhuma; é o que não está divulgado publicamente (8)
Segredo é a confidência feita por uma pessoa a outra, na convicção ou sob compromisso de esta a não revelar (9) .

Na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura define-se segredo como o facto ou notícia de que se teve conhecimento e se deve conservar oculto.


2.2. 0 segredo profissional era, no antigo direito, confinado ao segredo de confissão, alargando-se posteriormente a diversas profissões.

Por segredo profissional - escreveu FERNANDO ELOY (10) - entende-se, na generalidade, a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão.

Ponderou-se, a propósito, no parecer nº 110/56 (11) :

"0 exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam a satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica.

"Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância colectiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis actividades, um alto interesse público.

"Daí que a violação da obrigação a que ficam adstritos certos agentes profissionais de não revelarem factos confidenciais conhecidos através da sua actividade funcional - obrigação que informa o conceito do segredo profissional - seja punível não só disciplinarmente mas também criminalmente"

Sintetizando: segredo profissional é a proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou que foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional (12) .


2.3. Reconhece a doutrina que o segredo profissional é correlativo indispensável de todas as profissões que assentam numa relação de confiança: "nem o médico, nem o advogado, nem o padre poderiam cumprir a sua missão se as confidências que lhes são feitas não forem asseguradas por um segredo ..." (13) .

JEAN CONSTAN esclarece que o segredo não comporta apenas as "confidências" que o doente fez ao médico sob- o selo do segredo mas que se estende a todas as constatações que o médico pode efectuar no exercício da sua profissão, isto é, tudo o que ele pôde ver, ouvir, compreender ou deduzir mesmo no exercício da sua profissão, segundo a velha fórmula do juramento: Aegrorum arcana visa, audita, intellecta eliminet nemo (14) .

0 segredo é uma condição necessária da confiança dos doentes; é importante que todo o ser humano necessitado de socorro saiba que pode dirigir-se ao médico sem risco de ser traído (15) (16) .

A doutrina faz, na verdade, entroncar o segredo médico na ideia de confidência: e não se trata aqui de qualquer confidência, mas de uma confidência necessária, ia que o doente não tem escolha, pois tem de revelar ao médico coisas que, noutras circunstâncias, guardaria no fundo de si próprio (17) .


2.4. A encerrar esta abordagem, uma última nota interessará registar, pondo em destaque a relativização do segredo médico em razão das circunstâncias actuais.

Foi nos finais do Séc. XIX que se afirmou a formulação mais rígida do segredo, mas já então alguns autores assinalavam a desproporção que por vezes existe entre os interesses que fundamentam a manutenção do segredo e os que fundamentam a sua revelação (18) .

Esta ideia de relativização, ditada pelo modo como a medicina é hoje exercida, em que o segredo vem perdendo eficácia pela necessidade de o partilhar face a uma medicina que se colectiviza, técnica e financeiramente, é assinalada no citado parecer nº 111/83, ponderando que a constituição de uma medicina de grupo e a formação de equipas médicas modificaram profundamente as condições de exercício do acto médico: o segredo médico não é mais detido pelo único médico que examinou o doente - ele tornou-se colectivo e é partilhado entre todos os membros do grupo, salvo se o doente der instruções particulares (19) .

No mesmo sentido, JOSÉ NARCISO CUNHA RODRIGUES ponderou que as recentes condições provocadas pelo desenvolvimento e pela complexidade da vida social e, sobretudo, os problemas sanitários trazidos pelo aparecimento de novas doenças ou agravados pela agudização de fluxos migratórios levaram os Estados a adoptar políticas de saúde e de justiça que produziram uma relativização do segredo médico, qualquer que seja o fundamento em que este dominantemente se apoiava - o interesse público ou a intimidade da vida privada (20) .



3



3.1. 0 segredo médico é, de todos, o que suscita as questões mais complexas e delicadas, como desde logo se compreende face ao plano axiológico em que se situam, onde se imbricam valores essenciais como a vida, a saúde, a intimidade da vida privada, a liberdade individual, a dignidade da pessoa humana, que poderão conflituar com outros princípios também valiosos, a demandar uma solução que passa pela tentativa de realizar o máximo de concordância prática entre princípios e valores, "sem a qual se porá em causa a própria possibilidade de vida em sociedade".

É geralmente reconhecido que o segredo médico apresenta um quadro frequentemente ambíguo, cujos contornos apenas podem ser convenientemente definidos quando analisado o tratamento jurídico-criminal dado à hipótese de violação do segredo.

Permita-se, pois, um breve excurso pelos sistemas comparados, todos eles mais ou menos tributários de uma certa concepção sobre a razão de ser do segredo, que vai radicar na ideia de confidência (21) .


3.2. Na Bélgica e no Luxemburgo, a tutela penal do segredo médico faz-se no âmbito geral da protecção do segredo profissional. São criminalmente punidos todos os que, sendo depositários, por estado ou profissão, de segredos,os revelem, fora dos casos em que a lei os obriga, ou são chamados a cooperar com a administração da justiça.

Na Holanda, a punição faz-se também no âmbito do segredo profissional mas, no que se refere ao dever de cooperação com a justiça, a concepção não é de "segredo absoluto", sendo confiada ao médico uma ponderação sobre o valor relativo dos interesses em jogo.

0 direito alemão prevê a violação do segredo e admite a recusa de colaboração com a justiça embora imponha ao médico o dever de informar em certos casos e obriga-o a depor, obtido o consentimento expresso do doente.

Na Dinamarca, o segredo cede quando a lei estabelece o dever de informar. No que respeita à cooperação com a administração da justiça, a lei diz que a obrigação de depor não é oponível contra a vontade do paciente. Contudo, o tribunal pode obrigar o médico a falar, se isso tiver uma relevância decisiva para o processo ou se assim o justificar a importância para a parte ou para a sociedade.

A ética médica torna obrigatório para os médicos ingleses o respeito pelo segredo profissional. Mas o manual de ética contempla uma substancial lista de excepções, em que se incluem o consentimento do doente, o interesse do doente quando aquele consentimento não seja medicamente possível, os casos em que o dever do médico face à sociedade seja superior ao da sua relação com o doente, as experimentações clínicas aceites por um comité de ética e a existência de razões jurídicas. A posição do médico relativamente ao dever de cooperação com a justiça é ambígua quando comparada com as normas que regem os sistemas continentais. Com efeito, o tribunal pode impor ao médico a revelação de factos sigilosos, cabendo a este a faculdade de convencer o tribunal de que a revelação não é necessária. Se o médico não conseguir convencer o tribunal, pode ainda falar ou calar-se, arriscando-se, neste caso, a ser preso por ofensa ao tribunal ou aos magistrados. ("contempt of court"). Note-se que, na prática, e contrariamente ao que sucede, por exemplo, com jornalistas, não são conhecidos casos de detenção de médicos.

Na Suíça, a revelação do segredo torna-se lícita quando haja consentimento do doente ou autorização de autoridade competente, sendo admitido o dever de cooperação com a administração da justiça.

0 regime vigente na Áustria exclui a ilicitude da violação do segredo quando a revelação se Justificar por um interesse público ou privado legítimo.

As situações de exclusão de ilicitude por violação do segredo médico ou de revelação obrigatória revestem-se, na Espanha, de um considerável alcance que vai do relevo que as leia penais atribuem à ponderação das circunstâncias até ao número de casos de denúncia obrigatória que inclui, em geral, a hipótese de crimes públicos quando conhecidos no exercício de profissões médicas.

Na França, a concepção é aparentemente de segredo absoluto. Aparentemente porque não só é vasto o número de excepções como a própria relação entre o dever de guardar segredo e de informar é, nos casos de administração da justiça, paradoxal, ficando um pouco ao critério dos tribunais. Uma hipótese em que a jurisprudência tem aceitado a obrigação de informar é a do direito de defesa e do exercício do princípio do contraditório. De resto, o número e significado das excepções relativiza, de algum modo, também na França, o conceito de segredo: os médicos têm a faculdade de denunciar a prática de abortos clandestinos, podem, com o consentimento do ofendido, denunciar casos de violação ou atentado ao pudor, estando igualmente excluída a ilicitude quando informem as autoridades médicas ou administrativas de sevícias ou privações sobre menores de quinze anos de que tenham tido conhecimento no exercício das suas funções. No essencial, o dever de cooperação com a justiça resume-se aos casos de doenças de denúncia obrigatória e àqueles em que, como vimos, estão em causa direitos fundamentais, como o de defesa.

0 direito italiano prevê uma significativa lista de casos em que o médico é obrigado a revelar os factos e, quanto ao dever de cooperação com a administração da justiça, admite o direito de recusa, salvo quando a autoridade judiciária imponha, motivadamente, o depoimento, por exigências do processo penal.



4



0 ordenamento jurídico português demanda, como é óbvio, um exame mais detalhado.

No entanto, o exame que vai seguir-se tem em conta alguns referenciais delimitadores da consulta, tal como Vossa Excelência a formulou.

Trata-se, com efeito:do acesso a processos clínicos ou, mais especificamente, do envio de elementos deles constantes;por parte dos estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde;no âmbito de uma investigação criminal e a solicitação das entidades que a realizam (22) .

Abordaremos, sucessivamente, os planos deontológico, penal e processual penal.


4.1. É sabido que se discute o valor jurídico do Código Deontológico (23) .

Como quer que seja - escreve CUNHA RODRIGUES (24) não pode olvidar-se que as normas deontológicas, para além da sua irrecusável eficácia interna, podem ser utilizadas na concretização de cláusulas gerais e como critérios de avaliação da ilicitude e da culpa, o que é importante numa matéria que apela frequentemente à subjectividade e às circunstâncias (25) .

0 actual Código (26) . que ao segredo profissional dedica todo o capítulo V, compreendendo os artigos 67º a 80º, inspirou-se em concepções rigoristas de segredo, o que poderá ter contribuído para que se encontre, em certos pontos, em contradição com disposições de natureza legal.


4.1.1. 0 segredo profissional impõe-se a todos os médicos e constitui matéria de interesse moral e social (artigo 67º).

Sobre o âmbito do segredo, o artigo 68º prescreve que "abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico no exercício do seu mister ou por causa dele, e compreende especialmente:

a) Os factos revelados directamente pelo doente, por outrem a seu pedido ou terceiro com quem tenha contactado durante a prestação de cuidados ou por causa dela;

b) Os factos apercebidos pelo médico, provenientes ou não da observação clínica do doente ou de terceiros;

c) Os factos comunicados por outro médico obrigado, quanto aos mesmos, a segredo profissional".


4.1.2. Significativamente, o Código impõe regras de conduta a não médicos e indica formas de resolução de litígios, como resulta do artigo 69º:

“1. Os directores, chefes de serviços e médicos assistentes dos doentes estão obrigados, singular e colectivamente, a guardar segredo profissional quanto às informações clínicas que, constituindo objecto de segredo profissional, constem do processo individual do doente organizado por quaisquer entidades colectivas de saúde, públicas ou privadas.

2. Compete às pessoas referidas no número anterior a identificação dos elementos dos respectivos processos clínicos que, não estando abrangidos pelo segredo profissional, podem ser comunicados a entidades, mesmo hierárquicas, estranhas à instituição médica, que os hajam solicitado.

3. É vedado às administrações das entidades colectivas de saúde, públicas ou privadas, bem como a quaisquer superiores hierárquicos dos médicos referidos nos dois números anteriores, desde que estranhos à instituição médica, tomar conhecimento ou solicitar informações clínicas que se integrem no âmbito do segredo profissional.

4. Qualquer litígio suscitado entre médicos e as entidades não-médicas referidas nos dois números anteriores em que seja invocado segredo profissional, ,é decidido sem recurso e com exclusão de qualquer tribunal, quer de instância quer de recurso, pelo Presidente do Tribunal da Relação da área do local onde o conflito -surgir, depois de ouvida a Ordem dos Médicos e o respectivo Procurador da República.

5. A guarda, o arquivo e a superintendência nos processos clínicos dos doentes organizados pelas entidades colectivas de saúde competem sempre aos médicos referidos nos dois primeiros números, quando se encontrem nos competentes serviços ou, fora deste caso, ao médico ou médicos que integrarem a respectiva administração".


4.1.3. As cláusulas de escusa do segredo estão previstas no artigo 70º:

a) 0 consentimento do doente ou seu representante quando a revelação não prejudique terceiras pessoas com interesse na manutenção do segredo;

b) 0 que for absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do Médico e do doente, não podendo em qualquer destes casos o Médico revelar mais do que o necessário e sem prévia consulta ao Presidente da Ordem".

No respeitante à comparência em tribunal, dispõe o artigo 73º:

“1. 0 Médico que nessa qualidade seja devidamente intimado como testemunha ou perito, deverá comparecer no tribunal, mas não poderá prestar declarações ou produzir depoimento sobre matéria de segredo profissional.

2. Quando um Médico alegue segredo profissional para não prestar esclarecimentos pedidos por entidade pública, pode solicitar à Ordem dos Médicos declaração que ateste a natureza inviolável do segredo em causa".


4.1.4. A íntima conexão com o tema de consulta justifica uma última referência ao artigo 77º:

1. 0 Médico, seja qual for o Estatuto a que se submeta a sua acção profissional, tem o direito e o dever de registar cuidadosamente os resultados que considere relevantes das observações clínicas dos doentes a seu cargo, conservando-a a ao abrigo de qualquer indiscrição, de acordo com as normas do segredo profissional.

2. A ficha clínica do doente, que constitui a memória escrita do Médico, pertence a este e não àqueles, sem prejuízo do disposto nos artigos 69º e 80º.

3. Os exames complementares de diagnóstico e terapêutica, que constituem a parte objectiva do processo do doente, poderão ser-lhe facultados quando este os solicite, aceitando-se no entanto que o material a fornecer seja constituído por cópias correspondentes aos elementos constantes do Processo Clínico",

e ao artigo 80º:

"1. Quando o Médico cesse a sua actividade profissional, as suas fichas devem ser transmitidas ao Médico que lhe suceda, salvaguardada a vontade dos doentes interessados e garantido o segredo profissional.

2. Na falta de Médico que lhe suceda, deve o facto ser comunicado à Secção Regional competente da Ordem dos Médicos por quem receber o espólio do consultório ou pelos Médicos que tenham conhecimento da situação, a qual determinará o destino a dar-lhes".

Como se verá, muitas destas normas deontológicas afastam-se do regime legal em matéria penal e processual penal.


4.2. 0 Código Penal de 1886 punia "todos aqueles que, exercendo qualquer profissão, que requeira título, e sendo em razão dela depositários de segredos que lhes confiarem, revelarem os que ao seu conhecimento vierem no exercício do seu ministério" (artigo 290º, § 1º).

E o artigo 217º, nº 1, do Código de Processo Penal de 1929 isentava da obrigação de depor e de prestar declarações os médicos "sobre os factos que lhes tenham sido confiados ou de que tenham conhecimento, no exercício das suas funções ou profissão".

Por seu turno, o artigo 92º do mesmo Código estabelecia:

"Todos os juizes e magistrados do Ministério Público poderão requisitar directamente de quaisquer secretarias, repartições, funcionários ou autoridades e seus agentes quaisquer esclarecimentos, documentos ou diligências indispensáveis para qualquer processo e que sejam da sua competência. Quando os actos requisitados forem urgentes, preferem a qualquer outro serviço".


4.3. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 32171, de 29 de Julho de 1942, veio disciplinar o segredo médico, contendo disposições de natureza penal e processual penal.

Dispunha o artigo 7º:

"0 médico que revelar em prejuízo de outrem e sem justa causa segredo que vier ao seu conhecimento em razão da sua profissão será condenado em prisão até seis meses.

§1º. Há justa causa quando a revelação se torne necessária para salvaguardar interesses manifestamente superiores.

Em especial verifica-se a justa causa:

lº. Quando a revelação à autoridade seja imposta por lei, como nos casos dos nºs 1º e 3º do artigo 4º;

2º. Quando haja suspeita de qualquer crime público.

§2º. 0 médico não poderá recusar-se a depor em processo penal nos casos indicados no parágrafo anterior, a não ser que a pessoa assistida possa incorrer em responsabilidade penal.

§3º. Pelo crime de revelação profissional só se procederá mediante acusação do ofendido"

Estabelecia, por seu turno, o artigo 26º:

"0 arrolamento, busca e diligências similares -em locais onde o médico exerça a profissão ou em dependências desses locais, devem ser presididos pelo juiz ou por outra autoridade que os tenha ordenado, ou seu substituto legal.

§1º. A autoridade que presidir à diligência convocará, para assistir a ela, o presidente do conselho regional da Ordem nas comarcas onde existir tal conselho, o qual poderá delegar em quaisquer dos outros vogais; e, nas restantes comarcas, o presidente da delegação provincial respectiva, que poderá delegar em qualquer inscrito.

§2º. Não podem ser apreendidas as fichas dos doentes, correspondência, papéis ou outros objectos que envolvam segredo profissional, salvo quando se trate de facto criminoso, hipótese em que a apreensão se fará, mas na medida em que tais coisas interessem à prova daquele facto.

§3º. A simples imposição de selos não fica dependente da convocação de qualquer das entidades referidas no § 1º”.

Em breve parêntesis permita-se recordar alguns passos significativos extraídos de pareceres emitidos pouco tempo após a publicação do referido Decreto-Lei nº 32171.


4.3.1. Escreveu-se no parecer nº 648, de 24 de Junho de 1943:

"0 segredo profissional não é, assim, protegido em razão de um interesse puramente particular ou mesmo de classe , quando estreitamente considerado, mas sim em virtude de um interesse geral ou público, pela susceptibilidade de poder respeitar, ou por respeitar, com efeito, à totalidade dos ofendidos.

"Mas este interesse público cede, ou deve ceder, naturalmente, perante outro interesse público mais forte, e é por isso que hoje, por toda a parte, se entende que a obrigação do segredo profissional não deve ser mantida quando razões superiores àquelas que determinaram a sua criação imponham a revelação dos factos conhecidos durante as relações profissionais.

"0 sistema de lei portuguesa está, quanto aos médicos, de acordo com estes princípios".


4.3.2. Reportando-se especificamente ao transcrito artigo 7º, o parecer nº 28/52 (27) ponderou:

"0 nosso legislador não se limitou a definir justa causa de revelação, como sendo a que se impõe como necessária para salvaguardar interesses manifestamente superiores; o seu cuidado foi ao ponto de, em aplicação destes princípios, apontar casos de justa causa, fazendo-o em termos que, nítida e indiscutivelmente, impõem tal enumeração como exemplificativa.

"Os mais variados fina político-sociais podem impor a salvaguarda de interesses manifestamente superiores àquele que ditou- o segredo profissional e, em tais casos, o dever de calar é sobreposto pelo dever de falar.

"Sendo o Direito uma ciência de fins, bem se compreende que, colocados no plano teleológico ou valorativo, o jurista e o legislador façam as suas construções em harmonia com a hierarquia dos valores legalmente protegidos, intensificando a protecção em relação aos valores ou interesses manifestamente superiores"


4.3.3. A posição destes dois pareceres foi confirmada pelo parecer nº 12/59, votado no Conselho Superior do Ministério Público de 7 de Julho de 1959, onde, além do mais, se formularam as seguintes conclusões:

"IV. 0 dever de calar e o dever de falar, regulados no artigo 7º do Decreto-Lei nº 32171, referem-se às provas pessoais - testemunhal e por declarações - por parte dos médicos.

V. 0 artigo 26º, §2º, do Decreto-Lei nº 32171, regulando provas materiais, permite a apreensão de fichas dos doentes, correspondência, papéis e outros objectos quando se trate de facto criminoso e na medida em que tais coisas interessam à prova daquele facto, hipótese em que as conveniências do segredo profissional cedem perante as necessidades da justiça penal.

VI. Ainda no âmbito das provas materiais e no seguimento do princípio do dever de cooperação na investigação e repressão dos factos criminosos, o artigo 92º do Código de Processo Penal permite a requisição directa de esclarecimentos, documentos ou de diligências a quaisquer secretarias, repartições, funcionário ou autoridades e seus agentes.

VII. Assim, na medida em que se torna necessária a qualquer processo penal, pode requisitar-se cópia total ou parcial de fichas de doentes, correspondência, papéis e livros de registo existentes nas clínicas e serviços públicos hospitalares, serviços médico-sociais, etc." (28) .


4.4. Entretanto, foi publicado o Estatuto da Ordem dos Médicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 40651, de 21 de Junho de 1956.

Dos normativos atinentes ao segredo profissional abrangido pela secção IV do cap. IV -, que os ulteriores Códigos Deontológicos recolheriam na sua essência, aludiremos ao artigo 91º, que enumera as seguintes causas escusatórias:

“1º . As determinações da lei em contrário;

2º. 0 consentimento do doente ou seu representante, quando não prejudique terceiras pessoas que tenham interesse e parte no segredo;

3º. 0 que for absolutamente necessário à defesa da dignidade, direito e interesses morais do médico e do doente, não podendo em qualquer destes casos o médico revelar o que seja objecto de segredo profissional sem prévia consulta ao presidente da Ordem",

e ao artigo 95º, sobre comparência em juízo:

" 0 médico devidamente intimado como testemunha em processo que envolva um seu cliente deverá comparecer no tribunal, mas não poderá prestar declarações sobre matéria de segredo profissional.

§ único. 0 médico não pode recusar-se a prestar declarações sobre factos relativos ao seu cliente desde que não constituam matéria de segredo profissional".


4.5. Não obstante o quadro legal se apresentar mais claro, a área em que nos movemos, implicando a cada passo a necessidade de valorar e hierarquizar os interesses em jogo, continuava a suscitar dificuldades de execução e de harmonização - entre o segredo médico e o dever de cooperação com a justiça -, determinando uma intervenção legislativa, enveredando-se por cometer a uma entidade em princípio estranha a ponderação dos interesses em jogo, atribuindo-se-lhe competência para resolver, em definitivo, quaisquer conflitos que pudessem surgir.


4.5.1.Dispôs, na verdade, o Decreto-Lei nº 47749, de 6 de Junho de 1967:

"Artigo único.

1 . Cabe aos presidentes das relações decidir, sem recurso, na área da sua jurisdição, depois de ouvida a Ordem dos Médicos e o respectivo procurador da República, as questões emergentes do segredo profissional médico e sua revelação, suscitadas entre médicos, estabelecimentos hospitalares ou quaisquer serviços de saúde, por um lado, e as autoridades judiciais ou policiais e serviços administrativos de qualquer Ministério, por outro, com ressalva das que envolvam matéria pertinente às forças armadas.

2. Para o efeito do disposto no número anterior é competente o presidente da relação em cuja área de jurisdição for denegado o consentimento de revelação do segredo, escusada a prestação de declarações com fundamento no segredo, ou recusada a remessa dos elementos solicitados" (29) .


4.5.2. Como resulta claramente deste nº 2, o dever de colaboração podia analisar-se ou compreender três vertentes:

- (denegação do consentimento de) revelação do segredo médico;

- (escusa da) prestação de declarações;

- (recusa da) remessa dos elementos solicitados.

- 0 mecanismo criado visava, como refere o nº 1, a composição de conflitos suscitados entre:

- médicos, estabelecimentos hospitalares ou quaisquer serviços de saúde, por um lado, e

- as autoridades judiciais ou policiais e serviços administrativos de qualquer Ministério, por outro.


4.6. Após a publicação do referido Estatuto da Ordem dos Médicos (30) , nomeadamente face aos seus artigos 91º e 95º, questionou-se sobre a vigência do citado artigo 7º -do Decreto-Lei nº 32171.


4.6.1. Assim, enquanto CORREIA DAS NEVES sustentava a não revogação (31) , e JOÃO ALCIDES DE ALMEIDA e FRANCISCO JOSÉ DE MIRANDA DUARTE (32) defendiam tese oposta, EDUARDO CORREIA pronunciava-se em termos mais cautelosos:

"É duvidoso que tenha sido intenção do Est. revogar o disposto no §1º do artigo 7º do Decreto-Lei 32171, estreitando os limites de admissibilidade de rompimento do segredo que este preceito fixava. Poderá mesmo defender-se que a doutrina deste preceito continua em vigor, tendo sido recebida na cláusula em branco ínsita no nº 1 do artigo 91º. De qualquer forma, a ideia de que o dever de segredo profissional deve ceder perante a defesa de interesses manifestamente superiores ( ... ) - ideia que de resto aflora no nº 3 do artigo 91º - merece continuar a deter plena validade" (33) .


4.6.2. Neste contexto, o parecer nº 111/83 ponderaria:

"Estaria, assim, consagrado entre nós um verdadeiro direito de necessidade objectivo relativamente ao segredo profissional do médico, na linha da vocação social do direito que se opõe a uma concepção puramente individualista, e que conduz a sacrificar os interesses menos valiosos para salvar interesses mais valiosos.

Mas não é fácil escalonar ou hierarquizar os interesses ou valores, ainda que se deva exigir uma profunda e sensível desproporção entre a importância dos bens jurídicos em colisão como pressuposto do direito de necessidade.

Compreender-se-á, por isso, que mesmo após o Decreto-Lei nº 31171 e o referido Estatuto da Ordem dos Médicos, a harmonização dos interesses em jogo não ficasse resolvida e fosse necessária a intervenção legislativa" (traduzida no Decreto-Lei nº 47749).

Deste mesmo parecer interessará ainda algumas conclusões:

"1ª. A nossa legislação recolhe um conceito lato de segredo médico: todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico em razão e no exercício do seu mister estão por ele cobertos;

2ª. 0 segredo profissional não é protegido apenas em razão de um interesse puramente particular ou mesmo de classe, mas também em virtude de um interesse geral ou público;

3ª. Este interesse público cede, naturalmente, perante outro interesse público mais forte, e, por isso, a obrigação do segredo profissional não deve ser mantida quando razões superiores àquelas que determinaram a sua criação imponham a revelação dos factos conhecidos durante as relações profissionais;

4ª. Do disposto nos artigos 7º do Decreto-Lei nº 32171, de 29 de Junho de 1942, e 90º e segs. do velho Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 40651, de 21 de Junho de 1956, e 185º do Código Penal, deduz-se que entre nós estão consagrados os princípios referidos nas duas conclusões anteriores, traduzidos na afirmação de um verdadeiro direito de necessidade objectivo relativamente ao segredo profissional do médico, que conduz a sacrificar os interesses menos valiosos aos interesses mais valiosos".



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0 artigo 7º do Decreto-Lei nº 32171 viria ser expressamente revogado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, diploma preambular do Código Penal (34) .


5.1. 0 Código Penal não regula especificamente a violação do segredo profissional médico, antes a integra na incriminação geral da violação do segredo profissional, punindo o artigo 184º, com prisão até 1 ano e multa até 120 dias:

"Quem, sem justa causa e sem consentimento de quem de direito, revelar ou se aproveitar de um segredo de que tenha conhecimento em razão do seu estado., ofício, emprego, profissão ou arte, se essa revelação ou aproveitamento puder causar prejuízo ao Estado ou a terceiros" (35) .

Segundo FIGUEIREDO DIAS - SINDE MONTEIRO (36) / não é punível a revelação de todos os factos de que o médico tenha conhecimento em razão e no exercício da sua actividade profissional, mas apenas os que constituam segredo, como tais se devendo considerar os factos que são apenas "conhecidos de um círculo restrito de pessoas e cujo conhecimento por um círculo mais amplo pode contrariar, sob qualquer perspectiva razoável, um interesse particular ou mesmo público (maxime, no caso que aqui releva, o interesse comunitário na discrição dos médicos)".

0 elemento mais importante de justificação de uma quebra do dever de segredo será o consentimento do paciente.

Mas não é o único, pois o artigo 185º estabelece:

"0 facto previsto no artigo anterior não será punível se for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim" (37) .


5.2. Como se disse (cfr. nota 34), o diploma preambular do Código de Processo Penal revogou expressamente o Decreto-Lei nº 47749, dispondo, porém, no artigo 135º:

“1 . Os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre -os factos abrangidos por aquele segredo.

2. Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

3. 0 tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185º do Código Penal. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

4. 0 disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso.

5. Nos casos previstos nos nºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável".


5.2.1. Prevê o nº 1 a faculdade de escusa de depor sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional.

No caso de haver dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa - e a primeira hipótese que ocorrerá é tratar-se de factos não abrangidos pelo segredo profissional -, a autoridade judiciária procederá às averiguações necessárias (nº 2) (38)

Realizadas as diligências, a autoridade judiciária, se concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena (se for o juiz) ou requer seja ordenada (se for o Ministério Público) a prestação do depoimento (nº 2).

Quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185º do Código Penal, pode decidir-se da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, sendo competente para essa decisão o tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou o plenário das secções criminais no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça (nº 3).

A decisão da autoridade judiciária (nº 2) ou do tribunal (nº 3) é precedida da audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa (nº 5) - no caso, a Ordem dos Médicos.


5.2.2. Como assinala MAIA GONÇALVES, o regime previsto neste artigo inspirou-se manifestamente no que os Decretos-Leis nºs 47749 e 48587 estabeleciam para segredos médico e dos farmacêuticos, respectivamente, ponderando a seu respeito:

"0 sistema agora estabelecido é simples: as entidades referidas no nº 1 podem escusar-se a depor sobre factos cobertos pelo segredo profissional, mediante a invocação deste segredo. A autoridade judiciária perante a qual o depoimento deve ser prestado procede a averiguações sumárias. Se após estas, concluir pela manifesta inviabilidade da escusa, ordena o depoimento, que não pode ser recusado. Se concluir pela viabilidade da escusa, prescinde do depoimento ou requer ao tribunal superior que o ordene, usando para isso do processo aqui regulado. 0 tribunal superior decidirá, e, evidentemente, na decisão a tomar terá que usar de muito critério e moderação, atentos os interesses muito ponderosos que nestes casos estão jogo, de um lado em e de outro (exigências da administração da justiça, do segredo médico, bancário, etc.). Estes interesses foram até aflorados na Lei de autorização legislativa, a qual, no artigo 2º, al. 33) determinou que se acautelassem especialmente as condições restritivas em que a quebra pode ter lugar" (39)


5.2.3. Ainda a propósito deste artigo 135º, interessa sobremaneira conhecer as reflexões produzidas por CUNHA RODRIGUES:

"0 dever de depor em processo penal, contrariando embora o artigo 73º do Código Deontológico, denota a preocupação de fixar um ponto de equilíbrio de interesses.

Com efeito, o Código de Processo Penal (artigo 135º) constrói o incidente em duas fases, a primeira das quais se destina a averiguar, em caso de dúvida, da legitimidade da escusa apresentada pelo médico. A averiguação recai sobre elementos de índole formal, nomeadamente sobre a conexão entre a fonte de conhecimento e o acto médico.

Se a autoridade judiciária concluir pela ilegitimidade da escusa, o que acontecerá no caso de se haver comprovado que não se está perante um caso de segredo médico, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação de depoimento. Se, diferentemente, averiguar que é procedente a arguição de segredo,- a prestação de testemunho só pode ser ordenada por tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado. Neste caso, o tribunal decide que se quebre o segredo médico, se se verificaram os pressupostos referidos no artigo 185º do Código Penal.

Este artigo 185º é, convém recordar, o que define as causas de exclusão de ilicitude, em caso de violação do segredo.

Assistimos, chegados aqui, ao fechar de um círculo. Para ordenar o depoimento, o tribunal superior vai aplicar exactamente os mesmos critérios que cabia ao médico utilizar se optasse pelo depoimento voluntário.

0 que leva a concluir que, em rigor, o artigo 185º do Código Penal, no que respeita ao dever de cooperação com a administração da justiça, funciona como algo mais que uma mera cláusula de exclusão. Conjugado com o artigo 135º do Código de Processo Penal, concretiza um verdadeiro dever positivo que incumbe ao médico, realizada a Ponderação de valores e interesses a que atrás aludimos.

Este regime está imbuído da prudência exigida pela ponderação do conjunto de interesses e pelo referencial ético que deve inspirar a decisão. Os ingredientes apresentados à consciência do magistrado e do médico são os mesmos. Sobre um e outro, precipitam-se, no momento de decidir ou de optar, razões que são, ao mesmo tempo, de ordenamento jurídico e de deontologia médica" (sublinhados nossos) (40)


5.3. Conexo com o artigo 135º, deparamos com o regime das apreensões plasmado no artigo 182º:

“1. As pessoas indicadas nos artigos 135º e 136º apresentam à autoridade judiciária, quando esta ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou segredo de Estado.

2. Se a recusa se fundar em segredo profissional, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 135º, nº 2.

3. Se a recusa se fundar em segredo de Estado, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 137º, nº 2".

Recorde-se (cfr. ponto 4.3.) que o Decreto-Lei nº 32171 previa, no artigo 26º, a busca em locais onde o médico exercesse a profissão e a apreensão das fichas dos doentes, preceito que foi expressamente revogado pelo diploma preambular do Código de Processo Penal (cfr. artigo 2º, nº 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 78/87).

Da leitura do transcrito artigo 182º ressaltam desde logo, algumas notas que interessará registar:

- assim como o artigo 135º só prevê que o incidente da escusa de depor se suscite perante a autoridade judiciária, também o nº 1 do preceito ora em análise apenas prevê que o incidente da recusa de entrega de documentos ou objectos seja suscitado perante a autoridade judiciária;

- ao limitar a sua previsão aos documentos ou quaisquer objectos que "devam ser apreendidos", opera uma remissão para o disposto no artigo 178º, que nos diz quais são os objectos susceptíveis de apreensão;

- a recusa de apresentação dos documentos ou objectos há-de revestir a forma escrita.



6



Produzidas ligeiras considerações sobre segredo profissional, em geral, e médico, em especial, conhecido o anterior e actual quadro normativo que disciplina o segredo médico, nos planos deontológico, penal e processual penal, é chegada a oportunidade de nos aproximarmos mais especificamente do tema da consulta a qual, recorde-se, se prende com o acesso a processos clínicos em arquivo ou na posse de estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde, por parte das entidades que procedem à investigação criminal.

Interessará, neste momento, clarificar e precisar alguns aspectos da questão.


6.1. No sistema do novo Código de Processo Penal, o inquérito constitui a fase vestibular normal tendente à preparação da decisão de acusação ou não acusação; a sua direcção compete ao Ministério Público, assistido por órgãos de polícia criminal, para o efeito colocados sob a sua directa orientação e dependência funcional (artigos 55º e 263º).

Os actos de inquérito são, em regra, delegáveis nos órgãos de polícia criminal, enunciando o nº 2 do artigo 270º os actos que, excepcionalmente, não podem ser delegados.

Aos órgãos de polícia criminal compete coadjuvar as autoridades judiciárias com vista à realização das finalidades do processo e, em especial, mesmo por iniciativa própria, colher notícias dos crimes e impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova (artigo 55º).

Para efeitos do disposto no Código de Processo Penal consideram-se:

- Autoridade judiciária: o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência;

- Órgãos de polícia criminal: todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código (artigo 1º, nº 1, alíneas b) e c)).

A importância prática destes conceitos ressalta de inúmeros preceitos do Código.

No que ora nos interessa, cumpre recordar que tanto o artigo 135º, como o 182º se referem expressamente à autoridade judiciária (cfr. pontos 5.2.1. e 5.3.).

Sendo assim, deverá concluir-se que a competência assinalada naqueles preceitos no tocante aos incidentes da escusa de depor e da recusa de entrega de documentos pertence à autoridade judiciária.


6.1.1. Mas se é este o entendimento que temos por correcto no âmbito dos aludidos incidentes, pensa-se que ele não pode conduzir a negar a competência dos órgãos de polícia criminal para, no âmbito de uma investigação criminal, solicitarem ou requisitarem o envio de elementos do processo clínico de um doente, em poder de estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde.

Requisição que pressupõe, por parte da entidade requisitante - autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal - um prévio juízo da necessidade desses elementos para a investigação em curso e, por outro lado, há-de possibilitar a formulação de um juízo de ponderação dos valores e interesses em presença, por parte das entidades médicas.

Para tanto, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal deverá comunicar os elementos que, em seu critério, se revelem de algum modo úteis para essa ponderação, fornecendo às entidades médicas os parâmetros julgados necessários para esse efeito; só assim as entidades médicas poderão empreender a busca do interesse prevalente ou dominante, reflectindo sobre o peso relativo das representações valorativas em confronto.

Desde logo, é fundamental a indicação do fim a que se destinam os elementos clínicos.

Mas não só.

Outras informações poderão revelar-se úteis para o juízo de valor, como sejam, entre outras:

- natureza e gravidade da infracção;

- qualidade do paciente: arguido ou vítima;

- se foi ou não apresentada queixa pelo paciente;

- se os factos são ou não do domínio público, etc.

Recebidas as informações e feita a necessária ponderação dos valores em presença, a entidade hospitalar satisfará ou não a requisição, consoante tenha julgado prevalente o dever de colaboração com a justiça ou o dever de sigilo.

Na hipótese de a entidade hospitalar não satisfazer a requisição, interessa distinguir consoante a mesma tenha sido decidida por um órgão de polícia criminal ou por uma autoridade judiciária.

No primeiro caso, a autoridade judiciária ordenará então a apresentação ou remessa dos elementos clínicos, seguindo-se o procedimento previsto no artigo 182º do Código de Processo Penal, como adiante melhor se verá (cfr. pontos 7.4.l., 7.4.2. e 7.4.3.).

Se a requisição tiver sido decidida por uma autoridade judiciária, parece dever concluir-se que não -se justificará, então, nomeadamente por razões de economia processual, haver ainda lugar à observância do disposto no nº 1 do citado artigo 182º, considerando-se logo "aberto" o incidente da recusa de entrega ou de envio de documentos, e passando-se de imediato para o campo de aplicação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 135º do mesmo Código de Processo penal.


6.2. A consulta respeita apenas a “ estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde".

No sector da saúde distingue-se entre órgãos, serviços e estabelecimentos que integram a rede oficial e os que integram o sector privado (cfr., por exemplo, o Decreto-Lei nº 254/82, de 29 de Junho); ou seja, distingue-se entre o sector público ou oficial e o sector privado da saúde.

Também o Decreto-Lei nº 373/79, de 8 de Setembro, fala em médicos dos serviços públicos, e o preâmbulo do Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro, alude a hospitais públicos (41)

Para utilizarmos a terminologia do Código de Processo Penal, a consulta vem, assim, limitada aos estabelecimentos oficiais de saúde (cfr. artigo 177º, nº 4).



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7.1. 0 acesso aos dossiers médicos hospitalares suscita problemas de vária ordem e de grande melindre e complexidade (42)

0 médico tem o direito e o dever de registar os resultados que considere relevantes das observações clínicas dos doentes, constituindo a ficha clínica do doente a memória escrita do médico; os exames complementares de diagnóstico e terapêutica constituem a parte objectiva do processo clínico do doente (artigo 77º do Código Deontológico).

Quando um doente é observado num hospital, confia-se, em princípio, não a um médico determinado mas a um conjunto de médicos e outros profissionais de saúde que aí trabalhem.

Do dossier hospitalar constarão notas, observações, registos de médicos e de pessoal não médico (43); como facilmente se compreende, nele figurarão elementos cobertos pelo segredo e outros não (44) .

Poucos são os sistemas jurídicos que contêm regras precisas sobre os documentos que devem integrar o dossier médico, seu conteúdo e extensão, modalidades da sua conservação, transmissão (45) .

0 artigo 69º do Código Deontológico providencia, de algum modo, sobre a organização, guarda, arquivo e superintendência dos processos clínicos (cfr. ponto 4.l.) (46) .

Porém, a presente consulta respeita apenas ao acesso a Processos clínicos ou, mais especificamente, ao envio de elementos contidos-nesses Processos, no âmbito da investigação criminal, a solicitação da entidade competente.


7.2. A Constituição da República prescreve, no artigo 205º, nº 3, que "no exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades".

Este princípio geral de cooperação entre os tribunais e as restantes autoridades tinha, aliás, expressão nas anteriores Constituições (cfr. artigos 62º da Constituição de 1911, e 122º da de 1933)

Por seu turno, o artigo 9º, nº 2, do Código de Processo Penal estabelece:

"No exercício da sua função, os tribunais e demais autoridades judiciárias têm direito a ser coadjuvados por todas as outras autoridades; a colaboração solicitada prefere a qualquer outro serviço" (sublinhados nossos).


7.2.1. É com este dever de coadjuvação que costuma ser relacionado o dever de segredo profissional, procurando-se captar o peso relativo das representações valorativas em conflito, na busca do interesse prevalente ou dominante.

Recordem-se, a propósito, os citados pareceres nºs 6/48, 28/52, 12/59 e 28/86 (47) .

É deste último o seguinte passo:

"A administração da justiça visa, entre outras coisas, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Trata-se, manifestamente, de um interesse superior da comunidade, que transcende os interesses particulares dos cidadãos e que com eles, por isso, se não confunde. Logo, não pode a realização desse interesse superior ser inviabilizada, a nível infra-constitucional, através de uma multiplicação indiscriminada de situações e de casos em que seja lícito negar a colaboração com a justiça".

E no parecer nº 12/59, após se salientar que a investigação penal é dominada pelo princípio da descoberta da verdade material, compreendendo tanto as provas pessoais como as provas materiais, considerou-se que o segredo profissional tem de ceder perante as necessidades mais elevadas da justiça penal (48) .


7.3. Reconhecendo a complexidade do tema e as dificuldades que se podem suscitar, o legislador editou providências legislativas específicas, em domínios que se revelam de grande interesse para a presente consulta.

Dispõe, na verdade, o artigo 56º, nº 6, do Código da Estrada:

"Os directores dos hospitais ou estabelecimentos similares, dependentes ou não de organismos do Estado, onde se recolham ou recebam tratamento quaisquer vítimas de acidentes de trânsito participarão à autoridade administrativa do concelho ou bairro, dentro do mais curto prazo, a admissão dos indivíduos sinistrados, fornecendo acerca dos acidentes todas as informações que lhes for possível prestar".

E o artigo 36º do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto (Regulamento da lei dos acidentes de trabalho), estabelece:

"As entidades responsáveis, os estabelecimentos hospitalares, os serviços competentes da previdência social e os médicos são obrigados a fornecer aos tribunais de trabalho todos os esclarecimentos e documentos que lhes sejam requisitados relativos a observações e tratamentos feitos a sinistrados ou por qualquer outro modo relacionados com o acidente" (49)

A míngua de melhores elementos de interpretação, parece que o intérprete poderá conceber estas medidas legislativas como traduzindo uma presunção legal de consentimento do paciente, ou entendê-las como afloração ou precipitação do princípio geral de colaboração.


7.4. Mas no que ora interessa, importa sobremaneira recordar e sublinhar que as dificuldades de harmonização entre o segredo médico e o dever de cooperação com a administração da justiça foram enfrentadas por via legislativa através do Decreto-Lei nº 47749 (cfr. pontos 4.5., 4.5.l., e 4.5.2.).

0 novo Código de Processo Penal procedeu à revogação deste diploma, mas consagrou um regime que nele reconhecidamente se inspirou- (50) .

Oportunamente procedemos à interpretação dos artigos 135º e 182º do Código de Processo Penal, e sua conjugação com o disposto nos artigos 184º e 185º do Código Penal.

Ora, fora dos casos em que há lei expressa (cfr. ponto 7.3.), pensa-se que esse quadro legal fornece a solução para a questão fundamental que nos ocupa (51) .

Questão que só surge, compreensivelmente, em relação a elementos cobertos pelo segredo, sendo certo que de um dossier hospitalar constam elementos que o segredo não cobre (cfr. ponto 7.l.).


7.4.1. Na verdade, da conjugação do artigo 182º do Código de Processo Penal com o artigo 185º do Código Penal resulta, em nosso entender, um dever positivo de cooperação com a administração da justiça penal , para satisfação das necessidades da descoberta da verdade, no reconhecimento de que em processo penal está em causa a culpabilidade de um suspeito e, portanto, a liberdade individual.

Assim, ordenada pela autoridade judiciária, no exercício das suas funções, a apresentação ou remessa de elementos do processo clínico de um doente, à entidade hospitalar deve dar satisfação ao assim ordenado (52) .

Movendo-nos no âmbito dos estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde e tratando-se, assim, de funcionários públicos na acepção do artigo 437º do Código Penal, poderia pensar-se que lhes assistiria sempre e só o dever de acatar e satisfazer aquela ordem (53)

Propendemos, porém, para diferente entendimento.

Afigura-se, com efeito, que o destinatário da "ordem" poderá recusar-se, alegando, por escrito, segredo profissional, nos termos do nº 1 do artigo 182º.

Processar-se-á, então, o incidente da recusa de entrega ou de envio de documentos alegadamente cobertos pelo segredo profissional, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 135º, por força da remissão operada pelo nº 2 do artigo 182º (54) : a autoridade judiciária averiguará da legitimidade da recusa, ordenando, ou requerendo ao tribunal que ordene, a apresentação ou o envio dos documentos se concluir pela ilegitimidade da recusa (55) .


7.4.2. Embora o nº 2 do artigo 182º remeta apenas para o nº 2 do artigo 135º, pensa-se que não pode deixar de entender-se esta remissão como abrangendo também o nº 3 do mesmo artigo 135º.

A não se entender assim, significaria que, no âmbito do artigo 182º, se aceitaria apenas a primeira fase do incidente, tal como é construído pelo artigo 135º (cfr. pontos 5.2.2. e 5.2.3.).

Ou seja: se a autoridade judiciária concluísse pela legitimidade da recusa, não se passaria ao procedimento contemplado no nº 3 do artigo 135º para essa situação!

Seria o impasse, a paralisia do sistema.

Sendo assim, parece dever entender-se ter havido lapso na remissão, a qual deveria fazer expressa referência também ao nº 3.

A menos que se vejam os nºs 2 e 3 do artigo 135º como um bloco, um conjunto unitário, intercedendo entre eles uma ligação intrínseca e indissociável, de molde a entender-se que a remissão para o nº 2 também abrange necessária e tacitamente, o nº 3.

Como quer que seja, o que aqui importa salientar é que há lugar à observância do disposto no nº 3 do artigo 135º, se a autoridade judiciária concluir pela legitimidade da recusa, nos termos do artigo 182º.


7.4.3. Neste contexto interessará ainda registar, com o devido destaque, que "em qualquer caso, tanto as autoridades, judiciárias ou outras, como os serviços médicos, devem velar por que os elementos clínicos sejam solicitados, fornecidos e utilizados sem desvio do fim a que se destinam e com o máximo de preservação do sigilo. Se o documento é requisitado para prova de um crime, não poderá, sem mais, ser utilizado para diferente finalidade; se, para resolver determinada questão jurídica se exige apenas conhecer o tempo de incapacidade para o trabalho, não deverá constar dos elementos fornecidos o tipo de moléstia ou enfermidade de que sofre a pessoa" (56)



8



Importa, por último, abordar a questão de saber quais as "entidades competentes para responder às solicitações".

A resposta a tal questão releva, sobretudo, do âmbito da orgânica hospitalar.


8.1. 0 Decreto-Lei nº 16/87, de 9 de Janeiro, aprovou a Lei Orgânica Hospitalar, revogando o Decreto-Lei nº 129/77, de 2 de Abril.

Mediante Resolução da Assembleia da República nº 5/87 (57) foi, porém, recusada a ratificação do Decreto-Lei nº 16/87 e repristinadas as normas legais por ele revogadas.

Posteriormente, o Decreto-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro, aprovou a lei de gestão hospitalar, revogando do mesmo passo o Decreto-Lei nº 129/77 (58) .

Nos termos do artigo 20º, nº 1, "o regulamento dos órgãos dos hospitais constará de decreto regulamentar e nele se fixará o conjunto dos órgãos que devem existir nos hospitais, a sua designação, composição e competência, a responsabilidade e remunerações dos respectivos titulares e as matérias que poderão constar do regulamento interno de cada hospital".


8.2. Em cumprimento do disposto neste artigo 20º, foi publicado o Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro, que introduziu alterações substanciais no domínio dos órgãos e do funcionamento global do hospital, bem como quanto à estrutura dos serviços (59) .


8.2.1. Segundo o artigo 1º:

"1. 0 hospital compreende os seguintes órgãos:

a) De administração:

Conselho de Administração;

Presidente do conselho de administração ou director;

b) De direcção técnica:

Director clínico;

Enfermeiro director de serviço de enfermagem;

c) De apoio técnico:

Conselho técnico;

Comissão médica;

Comissão de enfermagem;

Comissão de farmácia e terapêutica;

d) De participação e consulta:

Conselho geral.

2. As competências genéricas dos órgãos são definidas no artigo 2º:

"1. Aos órgãos de administração compete planear, dirigir, coordenar e controlar o funcionamento do hospital, bem como promover a criação de estruturas orgânicas adequadas e a sua constante actualização.

2. Aos órgãos de direcção técnica compete orientar os serviços ou grupos de serviços do hospital, visando garantir uma actuação técnica e deontologicamente correcta e obter dos meios disponíveis o máximo de resultados, em qualidade e em quantidade.

3. Aos órgãos de apoio técnico cabe coadjuvar os órgãos de administração e direcção técnica, pronunciando-se por sua iniciativa ou a pedido daqueles órgãos sobre as matérias que forem da sua competência.

4. Ao conselho geral compete acompanhar a actividade do hospital, avaliando-a e formulando as recomendações necessárias para a sua melhoria.


8.2.2. 0 conselho de administração - órgão responsável pela definição dos princípios fundamentais que devem enformar a organização e funcionamento do hospital, pelo acompanhamento da sua execução e pela respectiva avaliação periódica (artigo 4º, nº 1) - é composto pelos:

a) Presidente, que é o director do hospital;

b) Administrador-delegado;

c) Director clínico;

d) Enfermeiro director de serviço de enfermagem (artigo 3º, nº 1).

Cabe ao director coordenar e dirigir actividades do hospital, competindo-lhe em especial:

a) Propor ao Ministro da Saúde a nomeação ou exoneração dos outros membros do conselho de administração;

b) Fazer cumprir as disposições legais e regulamentares aplicáveis;

c) Representar o hospital em juízo e fora dele (artigo 8º, nºs 1 e 2).


8.2.3. Compete ao director clínico do hospital coordenar toda a assistência prestada aos doentes, assegurar o funcionamento harmónico dos serviços de assistência, garantir a correcção e prontidão dos cuidados de saúde prestados pelo hospital e, em especial, dirigir a acção médica, cabendo-lhe, nomeadamente, "decidir as dúvidas que lhe sejam presentes sobre deontologia médica pelos médicos do hospital," (artigo 13º, nºs 1 e 3, alínea e».

A comissão médica compete " apreciar os aspectos do exercício da medicina hospitalar que envolvam princípios de deontologia médica" (artigo 20º, alínea d», e ao director de serviço hospitalar compete "planear e dirigir toda a actividade do respectivo serviço de acção médica" e, em especial, “garantir a organização e constante actualização dos processos clínicos e a aplicação dos programas de controle de qualidade e de produtividade" (artigo 29º, nºs 2 e 3, alínea f».


8.3. Não obstante as competências que se deixam assinaladas ao director clínico, à comissão médica e ao director de serviço hospitalar, pensa-se que a entidade competente, para o caso que nos ocupa, será o director do hospital.


8.3.1. Na verdade, a ele cabe coordenar e dirigir as actividades do hospital, ele é o presidente do conselho de administração, em cujas competências se insere o planeamento, direcção, coordenação e controlo do funcionamento do hospital.

A ele compete, também, fazer cumprir as disposições legais e regulamentares aplicáveis, e representar o hospital.

Compreende-se, assim, que seja ele, director do hospital, a entidade competente a quem a autoridade judiciária se deve dirigir, cumprindo-lhe responder às suas "solicitações".


8.3.2. E se esta é a solução que parece decorrer do quadro legal que define as competências dos órgãos de gestão hospitalar, ela está expressamente consagrada no citado artigo 56º, nº 6, do Código da Estrada - que fala, precisamente, em "directores dos hospitais ..." (cfr. ponto 7.3.) - e, bem assim, no artigo 177º, nº 4, do Código de Processo Penal, ao estabelecer:

"Tratando-se de busca em estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior é feito ao presidente do conselho directivo ou de gestão do estabelecimento, ou a quem legalmente o substituir".

Ora, como vimos, o director do hospital é o presidente do conselho de administração (artigo 3º, nº 1, alínea a), do Decreto Regulamentar nº 3/88).


CONCLUSÃO:


9



Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª. No âmbito dos acidentes de viação, o legislador impõe aos estabelecimentos hospitalares, dependentes ou não de organismos do Estado, o dever de participar a admissão dos indivíduos sinistrados e o de fornecer acerca do acidente todas as informações que lhes for possível prestar (artigo 56º, nº 6, do Código da Estrada);

2ª. Os estabelecimentos hospitalares são obrigados a fornecer aos tribunais de trabalho todos os esclarecimentos e documentos que lhes sejam requisitados relativos a observações e tratamentos feitos a sinistrados ou por qualquer modo relacionados com o acidente (artigo 36º do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto);

3ª. Fora dos casos referidos nas conclusões 1ª. e 2ª., as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal podem requisitar, no âmbito de uma investigação criminal, o envio de elementos do processo clínico de um doente, na posse de estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde;

4ª. A requisição referida na conclusão anterior pressupõe, por parte da entidade requisitante, um prévio juízo da necessidade dos elementos clínicos para a investigação em curso;

5ª. As autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal devem comunicar à entidade hospitalar competente informações que habilitem à formulação de um juízo de ponderação dos valores e interesses em presença, fornecendo-lhe os elementos julgados necessários para esse fim;

6ª. A entidade hospitalar satisfará ou não a requisição recebida, consoante tenha concluído, face ao peso relativo das representações valorativas em confronto, pela prevalência do dever de colaboração com a justiça ou do dever de sigilo;

7ª. Na segunda hipótese, se a requisição referida na conclusão 3ª tiver sido decidida:

a) Por um órgão de polícia criminal, a autoridade judiciária ordena a apresentação ou remessa dos elementos do processo clínico, nos termos do artigo 182º, nº 1, do Código de Processo Penal;

b) Por uma autoridade judiciária, observar-se-à, desde logo, o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal;

8ª. No âmbito hospitalar, a entidade competente referida nas conclusões 5ª a 8ª é o director do hospital (artigos 3º e 8º do Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro).










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(1) Citados por DOMINIQUE THOUVENIN, "Le secret médical et l’information du malade", Presses Universitaires de Lyon, 1982, pág. 78, a qual salienta que a palavra vem do latim secretum e que o adjectivo vem de secretus, particípio passado do verbo secerno que significa "séparer, mettre à part".
(2) "Il segreto professionale nell'esercizio delle ati sanitarie", edizioni Cedam-Padova, 1983, pág. 26.
(3) "Trattato di Diritto Penal” vol. IV, pág. 199.
(4) "Manuale di Diritto Penale, parte speciale", vol. I, Giuffré, Milano, 1977, pág. 183.
(5) "Violação do Segredo", Revista Forense, vol. CXXXI, Ano XLVII, fasc. 568, pág. 348.
(6) "0 Segredo Profissional", Revista da Ordem dos Advogados, Ano 19, 1º trim., 1959, pág. 38.
(7) Notas ao Código Penal Português, artigo 289º.
(8) CORREIA DAS NEVES, "Violação do Sigilo Médico e Exercício Ilegal da Medicina” Estudo de Direito Criminal, 1963, pág. 15.
(9) Revista de Justiça, Ano 5, pág. 162.
(10) "Da inviolabilidade das correspondências e do sigilo profissional dos funcionários telégrafo-postais", em "0 Direito", ano LXXXVI, 1954, pág. 81.
(11) Publicado no B.M.J., nº 67, pág. 294.
(12) Cfr. parecer nº 270/78, no "Diário da República", II Série, nº 164, de 18/7/79, e no B.M.J., nº 290, pág. 167.
(13) EMILE GARCON, "Code Pénal annoté", 378.
Cfr., também, parecer nº 111/83, de 21/7/83, e LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS "0 Código Penal Português de 1982", vol. 2, 1986, anotação ao artigo 184º, págs. 278-279.
(14) "La protection du secret médical en droit pénal comparé", Rapports Generaux au V Congrés International de Droit Comparé, 4-9, Aout 1958, vol. II, pág. 842.
(15) "Le Secret Professionnel des Médecins", Ordre National des Médecins", Masson, págs. 3-4.
(16) Para a tradição médica ocidental o segredo médico encontra a sua expressão no juramento de HIPÓCRATES:
"Les choses que je verrai ou que j'entendrai dire dans l'exercise de mon art, ou lors de mes fonctions dans le commerce des hommes, et qui ne devront pas être divulguées, je les tairai, les regardant comme des secrets inviolables",
ou, noutros termos:
"Que personne ne divulgue les secrets des malades, ni ce qu'il a vu, entendu ou compris" (extraído de PAUL MONZEIN, "Réflexions sur le secret médical", Recueil Dalloz Sirey, Ano 1984, Chronique-II, pág. 9).
(17) Em breve nota dir-se-á que esta ideia de confidência necessária serve para fundamentar a tese segundo a qual o segredo médico se destina a proteger os interesses sociais que resultam da relação médico-doente, em oposição à tese que põe o acento tónico no interesse particular do doente e no valor da intimidade da vida privada.
(18) J. HONORAT, "Vers une relativisation du secret médical", La Semaine Juridique, Juris-Classeur Périodique, I - Doctrine (1979), 2936.
(19) 0 parecer cita, a propósito, FRANK MODERNE, "Le secret Médical devant les juridictions administratives et fiscales”, Revista de "Droit Administratif”, "L'Actualité Juridique", ano 29, 1973, pág. 413, e C. FLECHEAUX, "La Semaine Juridique", 3 de Fevereiro de 1982, 19721.
(20) Comunicação sobre Segredo Médico, apresentada nas Primeiras Jornadas Nacionais de Ética em Psiquiatria - Porto, 5 e 6 de Dezembro de 1991.
(21) Neste excurso acompanharemos textualmente a referida comunicação de CUNHA RODRIGUES, que recolheu informação, sobretudo, em RAYMOND SREVENS e BRUNO BULTHE, "Le médecin témoin ou expert devant les juridictions et les droits de l'homme", in "Il Medico e i Diritti de Il'Uomo", Milão, 1984, págs. 218 e segs.
(22) Adiante se clarificarão melhor estas três proposições.
(23) Reportado ao Código Deontológico publicado na Revista da Ordem dos Médicos nº 6, de Junho de 1981, o parecer nº 99/82, publicado no "Diário da República", II Série, de 27/7/82 e no BMJ, nº 321, pág. 193, concluiu tratar-se de um conjunto de normas regulamentares, que necessita de aprovação pelo Governo e de publicação no Diário da República para que tenha existência jurídica.
(24) Loc. cit.
(25) Neste sentido, também FIGUEIREDO DIAS - SINDE NONTEIRO, "Responsabilidade Médica em Portugal", BMJ, nº 332, págs. 24-25. .
(26) Publicado na Revista da Ordem dos Médicos nº 3/85-Março.
(27) Publicado no "Diário do Governo", II Série, nº 177, de 28/7/52, e no BMJ, nº 35, pág. 46.
(28) Não publicado.
(29) 0 Decreto-Lei nº 48547, de 27/8/68, instituiu processo idêntico para o segredo profissional dos farmacêuticos (cfr. artigo 28º). Recorde-se, pelo seu significado, a forma de resolução de litígios prevista no artigo 69º, nº 4, do Código Deontológico (cfr. ponto 4.1.2.).
(30) 0 artigo 29 do Decreto-Lei nº 282/77, de 5 de Julho, revogou expressamente o Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 40651, aprovando novo Estatuto, cujo artigo 13º, alínea c), se limita a prescrever ser dever dos médicos guardar segredo profissional (cfr., também, artigo 104º).
(31) Ob. e loc . cits., pág. 25.
(32) Legislação Médica Anotada, I, Exercício da Medicina, Edições Ática, 1973, págs. 65-66.
(33) "Direito Criminal", II, Coimbra, 1971, pág. 110.
(34) Cfr. artigo 6º, nº 2.
Por seu turno, o artigo 26º do mesmo Decreto-Lei nº 32171 viria a ser expressamente revogado pelo artigo 2º, nº 2, alínea c), do diploma que aprovou o novo Código de Processo Penal - Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro (refira-se, desde já, que a mesma alínea c) abrange também na revogação o citado Decreto-Lei nº 47749).
(35) Se o médico for funcionário público, rege o artigo 433º.
Cfr., também, os artigos 182º e 434º (violação do segredo de correspondência e de telecomunicações), 343º (violação do segredo de Estado) e 419º (revelação de segredo de justiça), todos do Código Penal, e 11º, nº 1, alínea a) , e 289º da Lei nº 30/84, de 5 de Setembro, e 6º e 7º do Decreto-Lei nº 223/85, de 4 de Julho (violação do sigilo de matérias classificadas na disponibilidade dos Serviços de Informação).
(36) Ob. e loc. cits., págs. 65-66.
(37) Como referem FIGUEIREDO DIAS - SINDE MONTEIRO (ob. loc. cits. , pág. 66, nota 126), este preceito restringe os pressupostos gerais de justificação do conflito de deveres (artigo 36º), na medida em que estes se bastariam com que o dever conflituante com o dever de segredo fosse de valor igual.
No mesmo sentido, M. MAIA GONÇALVES, "Código Penal Português", 1984, pág. 301, o parecer nº 28/86, votado na sessão do Conselho Consultivo de 14/1/88, e CUNHA RODRIGUES, loc. cit.
(38) Retenha-se que a lei apenas prevê que o incidente da escusa de depor seja suscitado perante autoridade judiciária: o juiz,. o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência (cfr. artigo lº, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal).
(39) "Código de Processo Penal Anotado", 4ª edição, 1991, pág. 230, e "Meios de Prova", Jornadas de Direito Processual Penal/0 Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1989, pág. 200, onde também sublinha a significativa alteração em relação ao direito anterior, traduzida na generalizacio da possibilidade de quebra do segredo profissional.
Cfr., também, JOSÉ DA COSTA PIMENTA, "Código de Processo Penal Anotado", 20 edição, págs. 408-409.'
Refira-se que a solução contida neste artigo 135º foi objecto de severas críticas por parte de ALFREDO GASPAR, "0 Segredo Profissional do Advogado e o Projecto do Código de Processo Penal", e JORGE WEAMNS, "Os Jornalistas perante o segredo de justiça e o sigilo profissional", in Revista do Ministério Público, Jornadas de Processo Penal, 2, Cadernos, págs. 161-167 e 169-173, respectivamente.
(40) Loc. cit.
(41) Os médicos que exercem a sua actividade nos serviços públicos gozam de um duplo estatuto, reconduzível às duas vertentes em que desenvolvem essa actividade: a de médico e a de funcionário público.
Para maiores desenvolvimentos sobre este ponto, vejam-se o citado parecer nº 111/83, e FIGUEIREDO DIAS - SINDE MONTEIRO, ob. e loc. cits., pág. 28 (aqui se distingue entre responsabilidade disciplinar profissional, a que estão sujeitos todos os médicos e responsabilidade disciplinar administrativa, a que estão sujeitos os médicos integrados em serviços públicos).
Repare-se que estes autores falam aqui em serviços públicos, e mais adiante em hospitais públicos (págs. 45 e ss.).
(42) Problemas que se prendem, nomeadamente, com aspectos como a determinação das pessoas que têm direito de acesso em caso de morte do doente, transmissão, conservação, extensão, conteúdo, etc.
Vejam-se, a propósito: FIGUEIREDO DIAS - SINDE MONTEIRO, ob. e loc. cits., pág. 42; Le Secret Professionnel des Médecins, Ordre Nacional des Médecins, 1980, maxime, págs. 39, 43 e 44; S. MALANNIO-L. BEVILACQUA, ob. e loc. cita., pág. 91; DOMINIQUE THOUVENIN. ob. e loc. cita., págs. 171, 181 e 189 e "Le Secret Médical - Information du malade", Droit Médical et Hospitalier, sous la direction de JEAN-MARIE AUBY, LITER, 1987, 33-20, págs.
1-26; LUCIEN RAPP "La Semaine Juridique, Juris-Classeur Périodique, I - Jurisprudence (1983) 1943 e "Le regime penal de la communication du dossier médical", Revue de Science Críminelle et de Droit Pénal Comparé, nº 1, Janeiro/Março 1982, Sirey, págs. 753-764; LUIS MARTINEZ-CALCERRADA e JOSÉ MARIA MARTINEZ-CALCERRADA, "Derecho Medico", vol. I, "Derecho Medico General y Especial págs. 82-87.
(43) "Quand un seul médecin ou un petit groupe de cliniciens étaient responsables des soins du malade, le dossier médical individuel étaít relativement peu important. Maintenant il est vital" (frase de G.0. BARNETT citada pelo Dr. P. LECLERCQ, "Ordinateurs et droit du malade au respect du secret médical", "Vie Privée et Droits de l’Homme" (Bruxelas, 30 de Setembro a 3 de Outubro de 1970), pág. 218.
Numa unidade hospitalar, entram em contacto com o doente, médicos, seus colaboradores, enfermeiros, estudantes de medicina, etc. (“Le Secret Profissionnel des Médecins", cit, pág. 42).
(44) DOMINIQUE THOUVENIN, ob. e loc. cits., pág. 171, f ala, nomeadamente, na direcção, na profissão, no número da Segurança Social.
(45) Uma das excepções à regra será o Quebec, como se refere na anotação de LUCIEN RAPP, em "La Semaine Juridique", Juris-Classeus Périodique, I - Jurisprudence (1983) 1943.
(46) Os artigos 69º, nºs 2 e 5, e 77º, nº 3, ambos do Código Deontológico, referem-se expressamente a processo clínico do doente e, bem assim, o artigo 29º, nº 3, alínea f), do citado Decreto Regulamentar nº 3/88.
(47) Cfr., também, os pareceres nºs 33/59 (no "Diário do Governo", nº 203, de 31/8/59, e no BMJ, nº 91, pág. 381), 204/78 (no "Diário da República", nº 47, de 24/2/78, e no BMJ, nº 286, pág. 156), 174/79 (no "Diário da República” nº 88, de 15/4/80, e no BMJ, nº 297 pág. 116/87 e 19/88, não publicados.
(48) Sobre este aspecto das provas reais, no domínio das relações entre a protecção do segredo e aquisição das provas, veja-se VITORIO GREVI, citado no parecer nº 28/86.
(49) Sobre esta norma, veja-se o citado parecer nº 116/87.
Cfr., também, o artigo 18º do Estatuto dos Tribunais de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 41745, de 21/7/58.
(50) Anote-se que a parte final do nº 2 do artigo único do Decreto-Lei nº 47749 falava expressamente na "remessa dos elementos solicitados"; o actual artigo 182º refere-se, genericamente, à "apresentação" de documentos ou objectos.
(51) Em anotação ao artigo 182º, JOSÉ DA COSTA PIMENTA, ob. e loc. cits., pág. 471, escreve que "a doutrina constante do presente artigo torna claro que qualquer outra legislação cede perante as necessidades da descoberta da verdade. Assim, por exemplo, as instituições de crédito não podem invocar, no confronto de ordem recebida de autoridade judiciária, o segredo bancário regulado pelo Decreto-Lei nº 2/78, de 9 de Janeiro".
(52) Como oportunamente se disse (cfr. ponto 6.1.l.), antes de se suscitar o incidente previsto no artigo 182º, tanto as autoridades judiciárias como os órgãos de polícia criminal podem solicitar ou requisitar os elementos clínicos julgados necessários a uma investigação criminal em curso.
(53) Cfr. artigo 431º do Código Penal.
(54) Se bem se pensa, este artigo 182º do Código de Processo Penal, parece enfermar, ao menos aparentemente, de dois lapsos de remissão (cfr., também, ponto 7.4.2.).
Com efeito, a remissão do nº 1 compreende-se melhor quando operada para o artigo 137º, e não 136º (neste sentido COSTA PIMENTA, ob. e loc. cits., pág. 470), e a do nº 3, para o nº 3 do artigo 137º (e não nº 2).
(55) 0 artigo 399º do Código de Processo Penal consagra o princípio da recorribilidade das decisões judiciais.
Sobre este ponto, podem ver-se JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES, "Recursos", in Jornadas de Direito Processual Penal, 0 Novo
Código Penal”, Coimbra, 1988, págs. 408-411, e SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, -Recursos em Processo Penal", Lisboa, 1988, págs. 25 e segs.
(56) CUNHA RODRIGUES, loc. cit., que, a propósito, cita o assento do Supremo Tribunal de Justiça relativo ao conteúdo dos atestados médicos, publicado no "Diário da República”, I-A Série, de 25/5/91.
Para o direito francês, escreve-se a págs. 44 de "Le Secret Professionnel des Médecins", Ordre National des Médecins:
"Aucune perquisition ne peut être effectuée dana un service hospitalier en vertu des dispositions du Code de Procédure Pénale, sans que le chef du service ou son représentant soit présent, s'assure que toutes les précautions sont prises pour le respect du secret, et que les pièces medicales saisies soient strictement et exclusivement celles qui se rapportent à 1'enguête judiciaire dont il s'aqit" (Circular da Direcção dos Hospitais nº 1796 de 20/4/73 e artigos 96º e 81º do Código de Processo Penal).
(57) Publicada no "Diário da República I Série, nº 41, de 18/2/87.
(58) 0 Decreto-Lei nº 202/89, de 22 de Junho, alterou o artigo 3º do Decreto-Lei nº 19/88.
(59) 0 Decreto Regulamentar nº 7/89, de 4 de Março, deu nova redacção ao artigo 28º do Decreto Regulamentar nº 3/88, e aos artigos 7º, 9º, 12º e 14º foi dada nova redacção pelo Decreto Regulamentar nº 14/90, de 6 de Junho.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART205 N3.
CPP29 ART92 ART217 N1.
CPP87 ART9 N2 ART135 ART177 N4 ART182 ART184 ART185 ART270 N2.
CPP886 ART290 PARUNICO.
CE54 ART56 N6.
CP82 ART184 ART185 ART433.
DL 32171 DE 1942/07/29 ART7 ART26.
DL 40651 DE 1956/06/21 ART91 ART95.
DL 47749 DE 1967/06/06 ARTUNICO.
D 360/71 DE 1971/08/21 ART36.
DL 400/82 DE 1982/09/23 ART6 N2.
Referências Complementares: 
DIR CONST * ORG PODER POL / DIR CRIM / DIR PROC PENAL.*****
* CONT DESC
DIREITO A COADJUVAÇÃO DAS AUTORIDADES.
ESTABELECIMENTO OFICIAL DE SAUDE.
HOSPITAL.
DIRECTOR CLINICO.
COMISSÃO MEDICA.
ACIDENTE DE VIAÇÃO.
ACIDENTE DE TRABALHO.
DIRECTOR DO HOSPITAL.
Divulgação
Número: 
DR064
Data: 
16-03-1995
Página: 
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