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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
24/1990, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
NEXO DE CAUSALIDADE
Conclusões: 
1 - A actividade de fotografar ou filmar exercicios de fogos reais, incluindo rebentamento de engenhos explosivos, que obrigasse o militar a situar-se perto do local dos rebentamentos, e um tipo de actividade com risco agravado enquadravel no n 4 do artigo 2, referido no n 2 do artigo 1, ambos do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - Para que se possa qualificar como deficiente das forças armadas o militar autor de actos subsimiveis nos diversos itens do n 2 do artigo 1 do Decreto-Lei n 43/76, e necessario que exista um duplo nexo causal, concedido em termos de causalidade adequada, entre o acto (situação) de risco agravado e o acidente e entre este ultimo e a incapacidade, esta ultima fixada em um minimo de 30%;
3 - A situação de que se diz vitima o 1 cabo NM (...) (...) poderia ter ocorrido em circunstancias subsumiveis ao quadro descrito na conclusão 1, pelo que, se se demonstrar o duplo nexo causal e a incapacidade referidos na conclusão 2, devera o mesmo ser qualificado deficiente das forças armadas, no quadro do 4 item do n 2 do artigo 1 do Decreto-Lei n 43/76.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO
MINISTRO DA DEFESA NACIONAL,

EXCELÊNCIA:



1 -


(...), ex-1º cabo NM (...), na situação de incapaz de todo o serviço militar, considerando-se abrangido pelos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, veio requerer a revisão do seu processo, ao abrigo dos nºs 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, e nº 1 da Portaria nº 114/79, de 12 de Março, "a fim de ser presente a nova JHI e de que o seu acidente e a consequente desvalorização que lhe vier a ser atribuída seja considerada em condições de que resultaram necessariamente risco agravado, equiparado a serviço de Campanha, e lhe seja reconhecida a qualificação de DFA".
Vossa Excelência dignou-se solicitar parecer nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

Cumpre, assim, emiti-lo.

2 -


No processo por acidente em serviço, elaborado após o seu requerimento de Abril de 1979, e que acompanha o pedido de parecer, extraem-se, com interesse, os seguintes elementos relativos à situação do requerente:
"1º. O 1º cabo nº (...) - (...), com a especialidade de operador de fotografia e cinema, em 28 de Jun 64, foi colocado na E.P.I..
"2º. As suas actividades, na E.P.I. constavam de fazer a cobertura fotográfica e cinematográfica de aspectos de pormenor de instruções com tiro real, nomeadamente granadas, pistolas metralhadoras, espingardas automáticas, metralhadoras, morteiros e canhões sem recuo.
"3º. Fazia parte de um pelotão que se destinava a exercícios de demonstração em emboscadas e golpes de mão, a apresentar a diversos cursos e a entidades nacionais e estrangeiras de visita à E.P.I., em cujos exercícios eram sempre utilizados rebentamentos de petardos e outros.
..................................................................................................................................

"5º. No ano de 1965, durante a instrução de lançamento de granadas, os rebentamentos afectaram-lhe a audição, o que o levou a frequentar a consulta externa de Otorrino do H.M.P. .
"6º. Passado à disponibilidade, não se encontrava curado das lesões auditivas que sofreu.
"7º. Como essas lesões se tenham agravado, requereu para que a doença seja considerada em serviço.

"Na investigação apurou-se:
".................................................................................................................................
"Segundo - O médico de Otorrino refere que exerceu a profissão de bate-chapa durante vários anos e depois de ter passado à disponibilidade (fls.36).
..................................................................................................................................

"Terceiro -Durante a prestação do serviço militar, na E.P.I., fazia a cobertura fotográfica e cinematográfica, em pormenor, durante a instrução com tiro real, em que se verificaram rebentamentos de vários materiais explosivos (...).
"Quarto -Em 1965, durante a instrução com lançamento de granadas, os rebentamentos afectaram-lhe a audição (...).
"Quinto -O clínico de Otorrino refere que é impossível relacionar as suas queixas com o acidente que diz ter sofrido (...).
No entanto, as testemunhas declararam que consideram a surdez do 1º cabo (...) como resultante desses rebentamentos que, aliás, afectavam todo o pessoal desse Pelotão (...).
.............................................................................................................................................


Conclusões:

1 -A doença deve ser considerada como adquirida no serviço e por causa do mesmo.

2 -Não houve culpa do próprio ou de outrem.

3-O 1º cabo (...) não se encontra curado, apresentando surdez de percepção bilateral acentuada".
Por despacho de 7 de Abril de 1983, do Comandante da RML, concordava-se com uma informação da chefia do Serviço de Justiça do Quartel General da Região Militar de Lisboa em que se opinava:
"a) O acidente e a doença (surdez de percepção bilateral acentuada) devem ser considerados resultantes do exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho.
b) Os autos devem ser enviados à Rep. de Medicina/DSS/EME, a fim de que o 1º cabo (...), seja presente a uma JHI, que avalie o grau de desvalorização que possui, dando-se conhecimento às entidades interessadas.

“4.O acidente que originou a doença de que sofre o referido militar, ocorreu em circunstâncias contempladas pelo parecer nº 148/76, de 18NOV76 da PGR, segundo o qual o risco ocorrido pelo sinistrado comporta uma situação de perigo equiparável ao serviço de campanha".
Presente à JHI/HMP, em 11 de Outubro de 1983, foi-lhe fixada uma desvalorização de 15%.

Em 17 de Janeiro de 1984, foi homologado o parecer da CDIP/DSS, que considerou a doença "pela qual a JHI julgou este militar incapaz de todo o serviço em 15% de desvalorização, deve ser considerada como adquirida em serviço".
O processo foi, assim, arquivado, sendo reaberto com o requerimento a que se fez referência em 1..
Este requerimento foi instruído com uma declaração da Caixa Geral de Aposentações, informando que por despacho de 10 de Março de 1988, "foi homologado o Parecer da Junta Médica da CGA a que o ex 1º cabo do Exército - (...) - foi submetido em 88/02/23, e que alterou o coeficiente de desvalorização para 53,2%".
O novo pedido do requerente foi objecto de estudo no Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal do Ministério da Defesa Nacional, escrevendo-se nomeadamente:

"6 - Da audição das testemunhas não se retira qualquer elemento concreto, apenas alusões a muitos tiros e rebentamentos que eram feitos na instrução, a qual seria fotografada pelo 1º cabo (...), mas não é apontada nenhuma situação que faça supor ter sido o referido 1º cabo sujeito a qualquer risco agravado, ou até que estivesse presente no Pelotão que fazia as demonstrações, a não ser para efectuar coberturas fotográficas.

"7 - ..................................................................................................................................
"A CPIP/DSS, em manifesto benefício de dúvida, pois a clínica de Otorrino não relaciona peremptoriamente a falta de audição com serviço militar, ou com a profissão civil de bate-chapas, considera a doença como adquirida em serviço.
..............................................................................................................................".

"8 - Nestes termos julgo que o processo deve ser enviado a Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, Entidade competente para o despachar, com o parecer de ser indeferido por não se ter verificado qualquer risco na execução das suas funções militares".
Esta informação mereceu apoio do Director do Serviço de Pessoal do Ministério da Defesa Nacional que emitiu o seguinte parecer: "Indeferir, por não se ter verificado risco agravado na execução das suas funções militares ...".
Este parecer mereceu a concordância do Ajudante-General e do Chefe do Estado-Maior do Exército, que enviou o processo para o Ministério da Defesa Nacional.
É, nesta sequência, e neste enquadramento fáctico, que o processo é enviado a esta Procuradoria-Geral da República.
Que dizer?

3


Estabelece o Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro:

Artigo 1º
Definição de deficiente das forças armadas.
1. ......................................................................................................................
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores:
Vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada . ....................................
3. ......................................................................................................................

Artigo 2º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1º
1. ..........................................................................................................................
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente Decreto-Lei.
2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar ....
3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar ...................
4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei" (1 .


4


Excluídas as hipóteses de aplicação directa do nº 2 do artigo 1º do citado Decreto-Lei nº 43/76, há que ponderar se a matéria de facto relatada pode ser valorada como consubstanciando uma actividade a que é inerente um risco agravado, idónea para a equiparação a qualquer das situações contempladas no nº 4 do artigo 2º.

Este corpo consultivo vem uniformemente entendendo que só devem considerar-se abrangidos pelo nº 4 do artigo 2º os casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha e equivalentes. E o espírito da lei, como se diz no parecer nº 35/77, "aponta para a especial consideração devida aos que têm de enfrentar situações que põem em causa a própria vida ou integridade física para além dos limites de risco inerente ao exercício normal de funções", ou, conforme se escreveu no parecer nº 56/76, espírito que é, sem dúvida, o reconhecimento do direito à reparação que assiste aos que se sacrificam pela Pátria, sendo certo que a dignificação deste sacrifício passa pela não inflação das situações enquadráveis no Decreto-Lei nº 43/76 (2 .

Igualmente se tem ponderado que o risco agravado, superior ao risco genérico da actividade militar, é incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender-se em sede de objectividade, que resulta da própria natureza da actividade desenvolvida.


5


Por outro lado, o nº 2 do citado artigo 1º do diploma em causa aponta, entre os requisitos da qualificação como deficiente das forças armadas, que a diminuição da capacidade geral de ganho resulte de acidente ocorrido nessas circunstâncias de risco, o que implica, desde logo, uma relação de causalidade adequada entre essa situação de risco agravado e o acidente.

Mais propriamente, entre o acto (acontecimento, situação) de risco agravado e o acidente (lesão ou doença), e entre este e a incapacidade, deve existir um duplo nexo causal; não basta que o acidente ocorra no lugar e no tempo da prática do acto mas que entre um e outro, como entre o acidente e a lesão, exista uma relação de causalidade, concebida em termos de causalidade adequada; só cabem na previsão do diploma os acidentes que resultem, em termos objectivos, de causalidade adequada, da perigosidade de tais situações (3 .

6


Tendo em conta todo o exposto, três são as questões a apreciar.
6.1. A primeira é a de saber se o requerente desenvolveu actividade a que é inerente um risco agravado, portanto, idónea para a equiparação pretendida.

O Conselho Consultivo tem entendido sem divergências qualificar como actividade militar com risco agravado, equiparável nomeadamente à situação tipificada no primeiro item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, a realização de exercícios e actividades militares que impliquem a utilização de fogos reais ou o rebentamento de explosivos, incluindo granadas (4 .

E, se neste contexto, o risco agravado derivará, em regra, da forte possibilidade de o militar vir a ser atingido por estilhaços, não pode ser esquecido que o "sopro" e o "som" dos rebentamentos são em si mesmos potenciadores de situações altamente gravosos para a integridade física e a saúde de quem os tenha de suportar.

Assim, a actividade militar em que se teria acidentado o 1º cabo (...) - fotografar ou filmar exercícios de fogos reais e de rebentamento de explosivos, incluindo morteiros ou granadas - implicava ou podia implicar um risco superior ao que promana do comum da acção castrense, dado exigir uma vivência próxima de situações altamente perigosas para a vida e a integridade física sobretudo quando essa acção obrigar o militar a situar-se perto do local de rebentamento desses engenhos.
Trata-se, portanto, e em princípio, de uma actividade de risco agravado.
6.2. A segunda questão a apreciar é a do duplo nexo de casualidade, nos termos já apontados.
Para qualificar como deficiente das forças armada o 1º cabo (...), necessário será demonstrar que a explosão de rebentamentos de engenhos explosivos decurso da sua actividade militar foi a causa da sua deficiência auditiva, e que esta deficiência auditiva adquirida naquelas condições é, por seu turno, a causa da incapacidade (5 .
Mas não cabe a este corpo consultivo a fixação de nexo de causalidade que deve ser apurado no domínio da matéria de facto.

6.3. Finalmente, o requerente só poderá ser considerado deficiente das forças armadas, se for dado como provado que a sua desvalorização atinge uma desvalorização igual ou superior a 30%, desvalorização a estabelecer pelas competentes instâncias militares, através do exame pela J.H.I., como, aliás, o 1º cabo (...) solicitou.


Conclusão:


7 -


Pelo exposto, formulamos as seguintes conclusões:

1ª. A actividade de fotografar ou filmar exercícios e fogos reais, incluindo rebentamento de engenhos explosivos, que obrigasse o militar a situar-se perto do local dos rebentamentos, é um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido no nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª. Para que se possa qualificar como deficiente das forças armadas o militar autor de actos subsumíveis nos diversos itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, é necessário que exista um duplo nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre o acto (situação) de risco agravado e o acidente e entre este último e a incapacidade, esta última fixada em um mínimo de 30%.

3ª. A situação de que se diz vítima o 1º cabo NM (...), (...) poderia ter ocorrido em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão 1ª, pelo que, se se demonstrar o duplo nexo causal e a incapacidade referidos na conclusão 2ª, deverá o mesmo ser qualificado deficiente das forças armadas, no quadro do 4º item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.


________________________________________

(1 Redacção rectificada no Diário da República, I, 2º Supl., de 26-6-76

(2 Cfr., entre outros, os pareceres nºs 152/77, 6/78, 188/78, 220/78, 13/79, 79/80 e 75/85, deste corpo consultivo, respectivamente, de 28/7/77, 26/1/78, 2/11/78, 16/11/78, 1/1/79, 10/7/80 e 25/7/85.

(3 Neste sentido, cfr., entre outros, os pareceres nºs 13/79, de 1-2-79, 95/81, de 22-10-81, 80/82, de 9-6-82, 7/83, de 10-2-83 e 7/85, de 22-7-85, deste corpo consultivo.

(4 No mesmo sentido, os pareceres nº 52/76, de 21 de Julho de 1976, Diário da República, II Série, de 21 de Setembro de 1976, e nº 56/76, de 9 de Dezembro de 1976, nº 68/76, de 9 de Agosto de 1976, nº 15/77, de 27 de Julho de 1977, nº 185/78, de 2 de Novembro de 1978, nº 264/78, de 4 de Janeiro de 1979, nº 1/79, de 24 de Janeiro de 1979, nº 29/81, de 26 de Março de 1981, nº 150/81, de 3 de Dezembro de 1981, nº 15/84, de 9 de Março de 1984, nº 26/84, de 23 de Maio de 1984, nº 33/85, de 2 de Maio de 1985, nº 55/85, de 4 de Julho de 1985, nº 21/87, de 24 de Abril de 1987, 37/89, de 12 de Outubro de 1989, nº 106/89, de 8 de Março de 1990, os três primeiros no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 272, pág. 33, nº 265, pág. 49, e nº 274, pág. 19, os doze restantes inéditos.

(5 Cfr. os Pareceres nºs 76/85, já citado, 33/86, de 29/7/87, e 40/88, de 30/9/88.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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