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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
44/1989, de 11.05.1989
Data do Parecer: 
11-05-1989
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
LOURENÇO MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
NEXO DE CAUSALIDADE
Conclusões: 
1 - O exercicio de instrução de salto em paraquedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadravel no n 4 do artigo 2, referido ao n 2 do artigo 1, ambos do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - A qualificação como deficiente das Forças Armadas para alem de exigir, no dominio da materia de facto - estranho a competencia deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado, importa a verificação de um grau minimo de incapacidade geral de ganho de 30%;
3 - A percentagem minima de incapacidade referida na conclusão precedente e aplicavel aos acidentes anteriores a entrada em vigor do Decreto-Lei n 43/76, a menos que se trate de qualificação automatica;
4 - Do acidente de que foi vitima o 1 Cabo Paraquedista n (...), (...) resultou uma incapacidade de 19%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional
Excelência:

1

(...), 1º Cabo Pára-quedista Nº (...), na situação de disponibilidade, requereu a revisão do processo por acidente de que foi vítima, ocorrido na ex-colónia da Guiné, alegando agravamento das lesões sofridas.

Vem o processo à Procuradoria-Geral para emissão do parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

Cumpre emiti-lo.



2.

2.1 -Da consulta do auto de averiguações oportunamente instaurado, extraem-se, com interesse, os seguintes factos:

-no dia 24 de Setembro de 1970, pelas 17.45 horas, o requerente participou numa sessão programada (exercício instrutória) de saltos de paraquedas, realizada na zona da Base Aérea nº 12, na ex-colónia da Guine;

-após a descida, o contacto com o solo deu-se por forma violenta, queixando-se, desde logo, de fortes dores no joelho direito;

-assistido medicamente, constatou-se do acidente não ter resultado aleijão, deformidade ou incapacidade total para o serviço, mas advieram-lhe 64 dias de incapacidade parcial para o mesmo;

-considerado curado, e sem culpa no acidente, a doença foi tida como adquirida no exercício das funções e o processo arquivado, por despacho de 30.11.71, do Comandante da Unidade.

2.2 - Por solicitação do ex-1º Cabo Pára-quedista (...), foi deferida a revisão do processo, em 23.06.86(1).


Alega dois aspectos novos:

-que o acidente teve lugar em consequência da intensidade do vento que se fazia sentir na altura e o fez cair desamparadamente no solo;

-que embora tivesse sido considerado curado, as lesões sofridas no joelho direito e ligamentos têm-se agravado progressivamente.

Reaberta a averiguação veio a apurar-se mais o seguinte:

-o acidente ficou a dever-se a "fortes rajadas de vento que se faziam sentir momentaneamente", variando de intensidade e direcção;

-para além das lesões no joelho o sinistrado sofrera lesões no pulso direito, o que se confirmou por prova testemunhal e pelas sequelas deixadas, observáveis por exames radiológicos;

-como consequência directa do acidente resultou para o sinistrado "rigidez articular da mão direita, na flexão-extensão” e "lesão dos ligamentos intra-articulares, sem bloqueio, do joelho direito".

A Junta de Saúde da Força Aérea, reunida em 21.05.87, emitiu o parecer seguinte:

"Incapaz de todo o serviço. Apto para o trabalho e angariar meios de subsistência com um coeficiente de desvalorização de 0,19 (2), ao abrigo da TNIATDP. Não carece de acompanhante".

Este parecer foi "confirmado", por despacho de 28.05.87, do Subchefe do Estado-Maior da Força Aérea.

3


Importa conhecer o direito aplicável.

Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria 114/79, de 12 de Março.

Dispõe o nº 2 do seu artigo 1º:

"2.É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação a causa publica; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar".

E acrescenta-se no artigo 2º, nº 1, alínea b):

“1.Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:

a)( ... )
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:

“2.0 "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

"3.As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde, ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.


“4. "0 exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; engloba aqueles casos especiais, ai não previstos que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º2 Suplemento, de 26.06.76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".


4

0 grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das forças armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.

Nem sempre assim aconteceu porquanto na vigência de diplomas anteriores, com idênticos objectivos, não se encontrava estabelecido tal limite mínimo.

Como se afirmou em anteriores pareceres, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das forças armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vitimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais". E observou-se também que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das forças armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio , que não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma” (3). Ressalvam-se, porém, as situações de qualificação automática – artigo 18º, nº 1 do Decreto-Lei nº 43/76.

Confirmando tal interpretação, no nº 4 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, afirma-se expressamente que nos casos de revisão do processo, "a apreciação será feita pela nova definição de DFA, constante do artigo 1º e complementado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro", salientando-se, em concreto, a "verificação de incapacidade da percentagem atribuída".

Deste modo, o grau de incapacidade de 19%, atribuído ao requerente torna legalmente inviável a qualificação desejada.

Não obstante, e à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, sempre se abordará, ainda que sumariamente, a questão da qualificação do acidente que se encontra na base da pretensão do requerente.

5

Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, o Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, “pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, import-ando sujeição a um risco que excedendo significativamente que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas”.

"Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (4).

Como se tem referido, com alguma insistência, a este Conselho não cabe apreciar a prova colhida e emitir um juízo de causalidade entre o salto em paraquedas concreto e o acidente sofrido pelo requerente, nem tão-pouco com as lesões determinantes da incapacidade ou do agravamento desta.

Sem embargo de se reconhecer que o risco ine-rente ao salto em paraquedas de uma aeronave surge agravado relativamente ao comum das actividades castrenses, em termos de permitir a sua equiparação abstracta a qualquer das outras actividades directamente contempladas na lei (5).

Na generalidade dos casos, os acidentes vêm descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observadas as regras técnicas e de segurança, ausência da culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes (fortes rajadas de vento, dificuldades na abertura do paraquedas ou "enganche" noutros). Estes factores aparecem de tal modo ligados ao processo causal normal, típico, que não podem ser considerados imprevistos ou ocasionais (6).

No caso em apreço, o acidente deu-se sem culpa do sinistrado ou de outrem, observando-se as regras técnicas e de segurança, e terá sido motivado, em principio, pela alteração das condições atmosféricas, traduzidas em momentâneas rajadas de vento, variáveis em intensidade e direcção (7).

6


Do exposto se conclui:

1º -0 exercício de instrução de salto em para-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2º -A qualificação como deficiente das Forças Armadas para além de exigir, no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado, importa a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;


3º -A percentagem mínima de incapacidade re-ferida na conclusão precedente é aplicável aos acidentes anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, a menos que se trate de qualificação automática;

4º -Do acidente de que foi vitima o 1º Cabo Pára-quedista Nº (...), (...) resultou uma incapacidade de 19%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.





1) - No requerimento, datado de 13.05.86, dá-se conta de pedido anterior idêntico, de 27.07.80, indeferido, do qual se recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo o recurso ficado deserto, por carência de alegações.
Não se pediu, concretamente, a qualificação como deficiente das Forças Armadas, o que só veio a fazer-se em requerimento dirigido ao Ministro da Defesa Nacional, em 28.03.89, confirmando as declarações de fls. 26v. do auto.
(2) -0 grau de desvalorização de 19% já era o indicado pelo Medico Ortopedista (Relatório Médico nº 1403/86, de 2.01.87) e pelos peritos médicos que procederam ao "exame de sanidade", em 22.01.87.
(3) - Parecer nº 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, I Série, nº 244, de 23.10.78, pág. 6 414, cujos termos foram retomados, mais recentemente, nos pareceres nº 113/87, de 28.04.88, não publicado, e nº 153/88, de 2.02.89, aguardando homologação.
Cfr. ainda os pareceres nºs 207/77, de 27.10.77 e 207/77, de 3.11.77 e 51/87, de 17.06.87, todos homologados e o último publicado no Diário da República, I Série, nº 219, de 23.04.87, pág. 11 559, nos quais se versou a matéria deste limite mínimo de incapacidade.
(4) - Dos pareceres nºs 55/87, de 29 de Julho de 1987, e 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também o Parecer nº 10/89, de 12-04-89.
(5) - Cfr. Parecer nº 33/86, de 29.07.87, homologado, e outros aí citados, v.g., Pareceres nºs 4/80, de 7.02.80, 86/81, de 11.o6.81, 147/81, de 22.10.81, 219/81, de 4.03.82, 42/82, de 1.04.82 e 6/86, de 27.02.86, não publicados.
(6) - Cfr., Parecer nº 5/88, de 11.03.88.
(7) - 0 testemunho do então Comandante da Companhia é claro (pág. 52/53), acrescentando que houve outros casos de acidente durante a mesma sessão de instrução programada.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2.
PORT 162/76 DE 1976/03/24 N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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