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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
7/1988, de 13.10.1988
Data do Parecer: 
13-10-1988
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
ASSIDUÍDADE
PROCESSO DISCIPLINAR
ABANDONO DE LUGAR
DEMISSÃO
APOSENTAÇÃO COMPULSIVA
NULIDADE
DEFESA DO ARGUIDO
DILIGÊNCIA
AUDIÊNCIA DO ARGUIDO
PROVA TESTEMUNHAL
NOTIFICAÇÃO
INDEFERIMENTO
Conclusões: 
1 - O processo por falta de assiduidade so e processo especial quando for desconhecido o paradeiro do arguido, pois, não acontecendo essa hipotese, a tramitação a seguir sera a do processo disciplinar comum;
2 - A falta de assiduidade constitui violação do dever geral previsto no artigo 3, ns 4, alinea g) e 11, punivel, desde que se deixe de comparecer ao serviço cinco dias seguidos ou dez interpolados sem justificação, nos termos do artigo 26, n 2, alinea h), ambos do Estatuto Disciplinar dos Funcionarios e Agentes da Administração Central, Regional e Local, com a pena de aposentação compulsiva ou de demissão;
3 - E a entidade competente para aplicar a pena que pertence a analise axiologica do concreto caso, de modo a, ponderando a luz dos criterios estabelecidos no artigo 28 do citado Estatuto Disciplinar, optar pela aplicação de uma ou de outra pela, sem prejuizo de a aposentação compulsiva so ser de aplicar desde que verificado o condicionalismo exigido pelo Estatuto da Aposentação;
4 - Tendo sido requerida a realização de uma diligencia, o instrutor pode recusa-la, em despacho fundamentado, quando a entender manifestamente impertinente e desnecessaria;
5 - O instrutor pode recusar a inquirição de testemunhas quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido;
6 - O despacho que recuse a diligencia ou a inquirição de testemunha deve ser notificado ao arguido para que este possa interpor recurso hierarquico;
7 - Fora das situações referidas nas conclusões 5 e 6, constituem nulidade insuprivel a omissão de diligencias essenciais para a descoberta da verdade e a falta de inquirição de testemunhas oferecidas pelo arguido, o que implica, no caso concreto, a anulação de todo o processo disciplinar apos a apresentação da defesa pela arguida.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DA ALIMENTAÇÃO,

EXCELÊNCIA:





1 - À escriturária-dactilógrafa (...), do Instituto da Vinha e do Vinho, com base numa informação dos serviços, foi instaurado processo disciplinar por falta de assiduidade.

No seu relatório final, o instrutor concluiu: "Nesta situação a arguida infringe o dever previsto na alínea g) do nº4 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, cuja pena está contida na alínea h) do nº2 do artigo 26º do mesmo Estatuto. Proponho portanto a V. Exa. que lhe seja aplicada a pena de demissão".

Examinando o processo, um adjunto de Vossa Excelência suscitou algumas questões das quais importa salientar:


- o processo em causa deve observar a tramitação do processo comum prevista nos artigos 45º e segs., "como parece ter acontecido, e bem, apesar da carta do instrutor de fls. 5 ser de algum modo ambígua quanto a este aspecto";

- os factos que integram a infracção disciplinar seriam antes os estipulados na alínea h) do nº2 do artigo 26º, sendo a pena aplicável a do nº1 do mesmo artigo 26º do Estatuto.

0 referido Adjunto sugeria a intervenção da Auditoria Jurídica, o que foi aceite.

A Auditoria Jurídica sustentou, e no que importa:

"4 - Consideramos que o presente processo disciplinar por falta de assiduidade está expressamente previsto na Secção III da Subsecção IV do artigo 71º e 72º do Estatuto Disciplinar. Sendo certo, que atento o nº1 do artigo 72º e o facto de, no caso concreto, ser conhecido o paradeiro da arguida leva apenas a ter em conta, para além das disposições do processo disciplinar comum o constante do nº3 do artigo 72º que estabelece, que mostrando-se que a falta de assiduidade, em face da prova produzida, constitui infracção disciplinar o arguido será demitido.

5 - Sendo conhecido o paradeiro da arguida foi-lhe enviada a nota de culpa, por carta registada com aviso de recepção (fls. 20 e 24), apresentando esta a sua defesa (fls. 22, 23 e 24) em tempo oportuno na qual:

6 - Vem requerer a audição de duas testemunhas e diligências complementares, nomeadamente uma prova pericial que consistiria na sua apresentação a uma junta médica para confirmar o teor dos relatórios médicos anexos ao processo. Ora,

7 - Sendo certo que no presente processo disciplinar não está em causa o período por falta ao serviço coberto por atestados médicos, nem consequentemente o seu teor, pode o Senhor Instrutor conforme dispõe o nº3 do artigo 61º recusar esta diligência, bastando para tal que exare despacho fundamentado justificativo da sua atitude.

No entanto,

8 - Não pode, sob pena de falta de audiência da arguida (nº1 do artigo 42º do E.D.), deixar de ouvir as testemunhas indicadas conforme dispõe o nº1 do artigo 6lº.

9 - Compulsado o processo constata-se que não foram ouvidas as testemunhas indicadas nem foi exarado despacho fundamentado justificando a não aceitação da prova pericial, requerida a fls. 23 V.. Assim,

10 - 0 Processo encontra-se ferido de nulidade insuprível por falta de audiência da arguida como se dispõe no nº1 do artigo 42º do E.D.:

11 - Termos em que:

- Devem ser ouvidas as testemunhas indicadas pela arguida (artigo 64º e nº1 do artigo 61º do E.D.);

- Deve ser efectuada a diligência requerida como prova pericial ou exarado o despacho fundamentado da não aceitação de tal diligência (in fine no nº3 do artigo 61º) e,

- -Deve ser elaborado novo Relatório Final apreciando a globalidade da prova recolhida".

Pronunciando-se sobre a informação da Auditoria Jurídica, o mesmo Adjunto de Vossa Excelência notou, como matéria nova, a referência à nulidade, a divergência com a sua posição quanto à forma do processo disciplinar a adoptar e a omissão sobre o enquadramento jurídico dos factos e da pena aplicável, pelo que, face à divergência e à omissão, propôs que fosse solicitado o parecer da Procuradoria-Geral da República, proposta que mereceu a concordância de Vossa Excelência.

Cumpre, por isso, emiti-lo.

2 - Convém clarificar, desde já, o objecto da consulta.

Poder-se-ia tentar resumi-lo a dois itens:

a) a forma do processo;

b) o enquadramento jurídico dos factos.

Há, no entanto, um terceiro aspecto, o da nulidade do próprio processo disciplinar aflorado na informação da Auditoria Jurídica.

Mesmo que se quisesse que ele não estava englobado no pedido do parecer porque não questionado, permita-se que, prudencialmente, e dentro dos limites estatutários de defesa da legalidade, se consagrem as reflexões que se afigurarem adequadas.

3 - Numa informação de 28-8-87 do Chefe de Repartição do Pessoal do Instituto da Vinha e do Vinho, referia-se que a escriturária-dactilógrafa (...), a partir de 10-7-87 teria entrado "numa situação de faltas injustificadas passíveis de processo por falta de assiduidade previsto no artigo 71º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local".

0 Presidente do referido Instituto ordenou a instauração de processo disciplinar por falta de assiduidade.

Depois de instruir documentalmente o processo, o instrutor enviou à arguida a nota de culpa, acusando-a, nomeadamente, de ter completado até 10-11-87, “cento e cinquenta dias de faltas sem justificação, o que constitui infracção disciplinar cuja pena está prevista na alínea "h)" do número dois do artigo vigésimo sexto do estatuto...”.

Respondeu a arguida, afirmando que tem faltado ao serviço por motivo inteiramente justificado, requerendo, por isso, a aplicação do nº2 do artigo 71º do Estatuto Disciplinar, e invocando circunstâncias dirimentes e atenuantes da culpa.

Ofereceu ainda prova testemunhal - três testemunhas -, prova documental, e requereu prova pericial: a sua apresentação a uma Junta Médica especializada.

o instrutor juntou documentação relativa à doença da arguida, e elaborou, de seguida, o seu relatório final, onde se lê:

“...........................................................

Apresentou a sua defesa escrita composta de 3 folhas e 4 apensos, onde alega por diversas vezes a sua situação de doença. Esta situação não é contestada nem posta em causa por estes serviços ........................................

...........................................................

Analisado o processo individual da Arguida e a correspondência recebida neste Instituto, verifica-se que não deu entrada até esta data algum requerimento desta funcionária, a solicitar tal licença por doença, pelo que a mesma se encontra em situação de faltas injustificadas desde 10 de Junho deste ano.

............................................................

Houve portanto uma falta grave por parte da arguida ao não enviar mensalmente os requerimentos que lhe foram solicitados. não podemos atribuir esta falta ao seu estado de saúde pois o mesmo vem-se mantendo desde Setembro de 1981 e até à data de 9 de Junho de 1987 a sua situação estava legalizada com o envio atempado da documentação necessária à justificação da sua ausência.

............................................................

Esta matéria era imprescindível para a valorização adequada das questões; é momento de as analisar pela ordem antes indicada.



4 - Sobre o processo por "falta de assiduidade" dispõe o artigo 72º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, inserido na secção "Processo por falta de assiduidade":

“1 - O auto por falta de assiduidade servirá de base a processo disciplinar, que seguirá os trâmites previstos neste Estatuto, com as especialidades previstas no presente artigo.

2 - Sendo desconhecido o paradeiro do arguido no termo do prazo da notificação por aviso publicado no DR, será logo remetido o processo à entidade competente para decidir, sendo proferida a decisão sem mais trâmites.

3 - Mostrando-se que a falta de assiduidade, em face da prova produzida, constitui infracção disciplinar, o arguido será demitido.

4 - A demissão será notificada ao arguido, por aviso, se continuar a ser desconhecido o seu paradeiro [...].

5 - Vindo a ser conhecido o paradeiro do arguido, ser-lhe-á notificada a decisão [...].

Substituindo as figuras jurídicas de "falta de assiduidade" e de "abandono do lugar", dos Estatutos anteriores, o actual Estatuto ao criar esta nova figura, não foi particularmente feliz, deixando pairar alguma confusão sobre o processo disciplinar adequado face a uma falta de assiduidade.


Escreve JOÃO ALFAIA (1):

“a) Em regra - seguirá os trâmites do estatuto (isto é, a tramitação do processo comum) (nº1 do artigo 72º) pelo que, em nossa opinião, não se justifica que tal processo seja qualificado de especial (-);

b) Quando for desconhecido o paradeiro do arguido - então, estaremos de facto perante um processo especial (de carácter abreviado) pois, nos termos do prazo da notificação por aviso, publicado no Diário da República, será logo o processo remetido à entidade competente para decidir, sendo proferida a decisão sem mais trâmites (nº2 do artigo 72º)”.

Esta temática está estudada no Parecer nº 143/85 (2):

"0 processo por falta de assiduidade só é efectivamente um processo especial quando for desconhecido o paradeiro do arguido, pois, não acontecendo essa hipótese, a tramitação a seguir será a do processo disciplinar comum, consoante é claro o nº1 do preceito, devendo, assim, entender-se o nº3 como referenciado ao nº2 e correspondente pressuposto de paradeiro desconhecido e não tomado autonomamente,...”.

Compulsando o processo, verifica-se que ele comungou da disciplina do processo disciplinar comum, desenhando-se com nitidez as suas quatro fases: a introdutória ou preliminar, a instrutória, a da defesa, e a decisória (3).

Assim, apresenta-se correcta a forma do processo utilizada face à infracção disciplinar em causa: falta de assiduidade de um funcionário com paradeiro conhecido.


5 - Relativamente ao enquadramento jurídico dos factos, afigura-se que a posição oferecida pelo Instrutor está correcta ainda que se pudesse acompanhar a informação do Adjunto de Vossa Excelência, defendendo que uma referência ao nº1 do artigo 26º do Estatuto daria uma visão global e imediata da dimensão jurídica da infracção equacionada.

Apurou-se que a arguida faltara injustificadamente ao serviço mais de cinco dias seguidos.

Segundo o artigo 3º, nº4 do Estatuto constitui um dos deveres gerais dos funcionários e agentes, o dever de assiduidade (alínea g)) que o nº11 do mesmo artigo traduz no dever de comparecer regular e continuamente ao serviço.

A violação deste dever é punida disciplinarmente, interessando à economia do parecer a violação que assuma a dimensão de "falta de assiduidade".

A "falta de assiduidade" é constituída por um certo número de faltas injustificadas, cinco em dias seguidos ou dez em dias interpolados (4).


0 enquadramento da sanção disciplinar para a falta de assiduidade não é isento de dificuldades face às disposições aparentemente antagónicas do novo Estatuto.

Um é o já transcrito nº3 do artigo 72º: “Mostrando-se que a falta de assiduidade, em face da prova produzida, constituiu infracção disciplinar, o arguido será demitido".

Outra o artigo 26º que dispõe:

"1 - As penas de aposentação compulsiva e de demissão serão aplicáveis em geral às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional.

2 - As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente:

............................................................

h) Dentro do mesmo ano civil derem 5 faltas seguidas ou 10 interpoladas sem justificação.

............................................................

A superação desta aparente contradição está feita no Parecer nº 143/85:

"Quer o estatuto aprovado pelo Decreto-Lei 32 659, de 9-2-43, quer o que lhe sucedeu, aprovado Decreto-Lei 191-D/79, de 25-6, contemplavam, como forma de processo disciplinar especial, o processo por abandono de lugar e por falta de assiduidade (artigos 64º e segs. do texto de 1943 e 71º e segs. do diploma de 1979, este utilizando a disjuntiva "ou" em vez de copulativa “e”), distinguindo, por conseguinte, as duas figuras. (x)


"Enquanto - para esses diplomas - a falta de assiduidade se tipicizava por uma ausência consistente na prática de 30 dias de faltas interpoladas sem justificação dentro do mesmo ano civil, o abandono de lugar resultava da falta de comparência ao serviço com a intenção de não regressar.

"Como salientava MARCELLO CAETANO, neste caso existe a intenção de não regressar ao serviço, ou seja de não continuar a exercer as funções, o que então se provava por declaração pública seguida de cinco dias de falta sem justificação ou se presumia pela falta sem justificação durante 30 dias úteis seguidos.

Deste modo, na ausência existe o animus revertendi, no abandono do lugar, o propósito de deixar de exercer a função (xx).

"Sendo desconhecido o paradeiro do arguido, o processo era enviado, de acordo com o artigo 74º, nº 2, do estatuto de 1979, à entidade competente para decidir, sendo o arguido exonerado ou rescindindo-se o seu contrato, provando-se o abandono de lugar, ou aplicada a pena de inactividade, no caso de não se provar o abandono de lugar (nºs 3 e 4 do artigo 74º).

"Conclui-se do exposto que a dois comportamentos diferentes tipicizados correspondiam procedimentos especiais, desde que desconhecido o paradeiro do arguido, e penas aplicáveis também distintas, mais grave a aplicável se provado o abandono de lugar.

"No estatuto actual acabou-se com este último processo, mas, em contrapartida, passou a exigir-se o levantamento de auto ao fim de cinco dias seguidos de falta de comparência sem justificação, sem prejuízo de se admitir que esta venha posteriormente a ser feita, relevando para fins disciplinares (cfr. os artigos 71º, nº2, e 72º, nº3, a contrario sensu) (xxx).

"Sempre, porém, se faz depender a aplicação da pena de demissão do desconhecimento do actual paradeiro do arguido, pressupondo-se, nomeadamente, a sua não audição prévia e reconhecendo-se-lhe, por isso mesmo, a oportunidade de mais tarde impugnar a demissão ou requerer a reabertura do processo.

"4.3 Assim, não ocorre, na realidade, um confronto directo entre a alínea h) do nº2 do artigo 26º e o nº3 do artigo 72º do Estatuto Disciplinar.

"Sucede que à falta de assiduidade, tal como caracterizada passou a estar no nº1 do artigo 7lº, corresponde a pena de demissão no caso de se desconhecer o paradeiro do arguido - e sem prejuízo de oportuna impugnação -, dado se presumir o propósito de não continuar no desempenho do cargo.

“No entanto, se essa intenção não for de imediato detectada mediante a intenção de não regressar às funções, a pena a aplicar poderá ser a de demissão ou a de aposentação compulsiva, no quadro daquele artigo 26º.

............................................................

"Conhecem-se, a propósito, as dificuldades e as imprecisões técnicas que o novo estatuto disciplinar comporta.


"No que à aposentação compulsiva e à demissão diz respeito, o estatuto de 1979 representou, em contraste com o de 1943, um salto qualitativo, que pode ser saudado nos seguintes termos:

"No actual estatuto [tratava-se do de 1979] a atipicidade das faltas graves desapareceu e a pena de aposentação compulsiva e de demissão só pode ser aplicada nos casos descritos taxativamente nos nºs 2 e 4 do artigo 25º, podendo ainda a pena de aposentação compulsiva ser aplicada nos casos descritos no nº3, embora aqui a descrição esteja carregada de valorações", acrescentando-se que, à luz desse estatuto, estava garantida a tipicidade das faltas que podem desencadear as penas mais graves: de inactividade, aposentação compulsiva e demissão (IV)”.

"Como noutro local se escreveu: "Os artigos 24º e 25º do estatuto de 1979, ao suprimirem os advérbios exemplificativos 'designadamente' e 'nomeadamente' existentes nos artigos paralelos do estatuto de 1943, permitiram a interpretação de que se teria pretendido a construção de verdadeiros tipos, taxativos e fechados, quanto às infracções originadoras das penas mais graves: inactividade, aposentação compulsiva e demissão, ou sejam, precisamente, aquelas em que deve haver maiores garantias de legalidade e de defesa (v)”.

"No entanto, no estatuto vigente reaparecem esses advérbios (artigos 25º e 26º), "sem nenhuma explicação preambular ou qualquer razão lógica aparente que justifique tal regressiva diminuição de garantias" (VI), o que, desde logo, permite uma ampla latitude de movimentação por parte de quem aplica a pena, balizada a área de incidência por vagos parâmetros axiológicos: as penas em causa, diz-nos o nº1 do artigo 26º, são aplicáveis, em geral, às infracções inviabilizadoras da manutenção da relação funcional.

"A falta de assiduidade pode, assim o vimos, representar uma inviabilização desse tipo.

"Se o nº3 do artigo 26º prevê a aplicação da pena de aposentação compulsiva a casos de "comprovada incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções e se o nº4 estabelece um elenco de situações a que a actuação dos funcionários e agentes se pode reconduzir, "nomeadamente" penalizadas só com a demissão, o nº2 prevê um outro elenco passível de uma ou outra daquelas penas.

"Com a condicionante do nº5, em todo o caso, a aposentação compulsiva só será aplicada se verificado o condicionalismo exigido pelo EA (cfr. os artigos 37º, nº2, e 42º, nº2), pois, de outro modo, a pena será a de demissão.

"Se perante um quadro de facto subsumível à referida alínea h) do nº2 do artigo 26º pode corresponder a aplicação da pena de aposentação compulsiva ou a de demissão, na valoração a empreender por parte do superior hierárquico ou julgador disciplinar haverá que atentar no enunciado no artigo 28º. "Na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos 22º a 27º, à natureza do serviço, à categoria do funcionário ou agente, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a favor do arguido".

"É, por conseguinte, a estes parâmetros que o julgador terá de se circunscrever, sem esquecer, como é evidente, a limitação contida no nº5 do artigo 26º (VII)”.

Com esta propositada tão longa transcrição pretendeu-se evidenciar que as referências legais do relatório final estão correctas.

0 mesmo se diga para a proposta de pena; segundo o nº1 do artigo 65º do Estatuto, o instrutor no seu relatório final deve propor a pena que entender justa.

Esta proposta, no entanto, pode não ser aceite pela entidade competente para proferir a decisão final.

É à entidade titular do poder sancionador, como se viu na transcrição feita do Parecer nº 143/85, que compete ajuizar da pena a aplicar, naturalmente com a margem de discricionariedade inerente ao respectivo juízo do valor.

No presente caso, competirá a Vossa Excelência a opção entre a pena de demissão e a da aposentação compulsiva, sendo que hoje é difícil apontar a gravidade relativa de cada uma delas.

6 - Resta apreciar o problema da "nulidade" suscitado pela Auditoria Jurídica.


Dispõe o artigo 42º do Estatuto:

"1 - É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte da omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.

2 - As restantes nulidades consideram-se supridas se não forem reclamadas pelo arguido até à decisão final.

3 - Do despacho que indefira o requerimento de quaisquer diligências probatórias cabe recurso hierárquico para o membro do Governo ou órgão executivo, a interpor no prazo de 5 dias.

..........................................................”.

De acordo com o artigo 36º do Estatuto, não há formas rígidas e solenes em processo disciplinar (5).

Contudo, não podem omitir-se as diligências essenciais para a descoberta da verdade; acresce que a faculdade de defesa do arguido sempre foi considerada essencial, estando hoje erigida em princípio constitucional: "Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa" – nº3 do artigo 269º da Constituição.

6.1 - Requerendo-se a efectividade de diligências que se reputam essenciais para a descoberta da verdade, caberá ao instrutor tomar posição em despacho fundamentado.


Assim, dispõe o nº3 do artigo 61º do Estatuto:

"Com a resposta deve o arguido apresentar o rol de testemunhas e juntar documentos, requerendo também quaisquer diligências, que podem ser recusadas em despacho fundamentado, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias" - (sublinhado agora).

0 despacho fundamentado que indefira a diligência deve ser notificado ao arguido que terá o prazo de cinco dias a contar da notificação para o impugnar.

Este recurso sobe imediatamente, nos próprios autos, considerando-se procedente se, no prazo de dez dias, não for proferida decisão que expressamente lhe negue provimento – nº4 do artigo 42º do Estatuto.

A arguida requereu que fosse presente a uma Junta Médica.

Esta diligência pericial não foi objecto de uma tomada de posição expressa pelo instrutor, ainda que se possa concluir que no relatório final constam as razões da sua atitude: não estaria em causa a doença da arguida, mas apenas o facto de mensalmente deixar de enviar os requerimentos que lhe foram solicitados.

Não caberá ao intérprete posicionar-se face à atitude assumida pelo instrutor, mas assinalar que o indeferimento de tal diligência devia ter sido notificado à arguida para lhe permitir o assumir da reacção que considerasse adequada, ao abrigo do disposto no transcrito nº3 do artigo 42º do Estatuto.

E a omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade constitui nulidade insuprível.


6.2 - A "falta de audiência do arguido" constitui também uma nulidade insuprível.

A compreensão integral desta expressão exige o apelo a referências constitucionalmente adquiridas de audiência e defesa do visado em processo disciplinar.

A simples audição não responderá às exigências de defesa ampla do arguido (6); por isso a Jurisprudência vem integrando este conceito com realidades várias (7):

- não prorrogação injustificada do prazo para a defesa do arguido - Acórdão do STA de 28-7-77, in Acórdãos Doutrinais (A.D.), nº 194, pág. 132;

- concessão de prazo insuficiente para a defesa - Acórdão do STA de 26-7-73, in Acórdãos Doutrinais nº 143, pág. 1533;

- ausência de formalidades essenciais à acusação e à defesa - Acórdãos do STA de 30-7-67, in Acórdãos Doutrinais, nº 71, pág. 1595;

- negação ao direito de defesa ampla - Acórdão do STA, de 18-10-68, in Acórdãos Doutrinais, nº 88, pág. 507.

- falta de inquirição de testemunhas oferecidas pelo arguido - Acórdão do STA, Pleno, de 16-4-70, in Acórdãos Doutrinais nº 103, pág. 1090, que constitui jurisprudência corrente.

A arguida arrolou três testemunhas para prova de factos relacionados com a sua doença.

Quiçá o instrutor dispensou a sua audição por considera, suficientemente provados os factos alegados pela arguida, tudo isto nos termos do disposto no nº5 do artigo 1º do Estatuto: "0 instrutor poderá recusar a inquirição das testemunhas, quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido".

Integralmente assegurada a defesa da arguida com a prova já produzida, não se justificará a produção de actos inúteis.

Seja ; porém o instrutor deveria tê-lo afirmado em despacho, a notificar a arguida, possibilitando lhe a sua reacção.

Só assim se lhe ofereciam as garantias constitucionais de defesa.

Por tudo isto, aceita-se a posição da Auditoria Jurídica: o processo está ferido de nulidade insuprível, nos termos do artigo 42º do Estatuto.

Esta nulidade acarreta a anulação de todo o processo disciplinar a partir do momento em que se esperava que o instrutor proferisse os referidos despachos, ou seja, a seguir à apresentação da defesa pela arguida (8).


7 - Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

0 processo por falta de assiduidade só é um processo especial quando for desconhecido o paradeiro do arguido, pois, não acontecendo essa hipótese, a tramitação a seguir será a do processo disciplinar comum;


2ª - A falta de assiduidade constitui violação do dever geral previsto no artigo 3º, nºs 4, alínea g) e 11, punível, desde que se deixe de comparecer ao serviço cinco dias seguidos ou dez interpolados sem justificação, nos termos do artigo 26º, nº2, alínea h), ambos do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, com a pena de aposentação compulsiva ou de demissão;

3ª - E à entidade competente para aplicar a pena que pertence a análise axiológica do concreto caso, de modo a, ponderando-o à luz dos critérios estabelecidos no artigo 28º do citado Estatuto Disciplinar, optar pela aplicação de uma ou outra pena, sem prejuízo de a aposentação compulsiva só ser de aplicar desde que verificado o condicionalismo exigido pelo Estatuto da Aposentação;

4ª - Tendo sido requerida a realização de uma diligência, o instrutor pode recusá-la, em despacho fundamentado, quando a entender manifestamente impertinente e desnecessária;

5ª - 0 instrutor pode recusar a inquirição de testemunhas quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido;

6ª - 0 despacho que recuse a diligência ou a inquirição de testemunha deve ser notificado ao arguido para que este possa interpor recurso hierárquico;

7ª - Fora das situações referidas nas conclusões 5ª e 6ª, constituem nulidade insuprível a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade e a falta de inquirição de testemunhas oferecidas pelo arguido, o que implica, no caso concreto, a anulação de todo o processo disciplinar após a apresentação da defesa pela arguida.






(1) -"Conceitos Fundamentais do regime Jurídico do Funcionalismo Público", I, Coimbra, 1985, pág. 701; cfr., do mesmo modo, LEAL HENRIQUES, “Procedimento Disciplinar", Coimbra, 1984, pág.126.
(2) - Publicado no "Diário da República, II Série, de 31-3-1987, e no “Boletim do Ministério da Justiça , nº 364, pág. 371.
(3) - Cfr. LEAL HENRIQUES, ob. cit., pág. 83.
(4) - Cfr. JOÃO ALFAIA, ob. cit., pág. 699.
(x) -"Relativamente ao Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, aprovado pelo Decreto-Lei nº 46 982, de 27-4-66, cfr. os artigos 408º e segs.”.
(xx) - MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", 9ª ed. (reimp.), t. II, Coimbra, 1980, pp. 811 e 812, e "Do Poder Disciplinar no Direito Administrativo Português", Coimbra, 1932, pp. 62 e 64”.
(xxx) – “Cfr. ARNALDO AUGUSTO ALVES, "Estatuto Disciplinar" [...] Anotado, Coimbra, s. d., p. 62”.
(IV)-"ANTÓNIO ESTEVES FERMIANO RATO, "Reflexões sobre o Estatuto Disciplinar [...]”, in Direito Administrativo, ano 2º, nº7 (1981), pp. 88 e 89”.
(V)-“JOÃO CASTRO NEVES, "0 Novo Estatuto Disciplinar (1984) - Algumas questões", in Revista do Ministério Público, ano 5º, vol. 20, pp. 10 e 11".
(VI)-“Id., ibid.”.
(VII) - "Tradicionalmente, a pena de demissão é a mais grave e para a manutenção desse critério aponta a escala constante do artigo 11º, nº1. Observa-se, no entanto, que a aplicação da pena de demissão em lugar da de aposentação compulsiva, imposta por este nº5 do artigo 26º, e o texto do nº11 do artigo 13º, que anula parcialmente o efeito mais grave da demissão (a separação definitiva do serviço público, com impossibilidade de o retomar), abalam o habitual entendimento (cfr., neste sentido, o referido estudo de CASTRO NEVES, in Revista ..., cit., nº21, pp. 34 e 35)”.
(5) - Cfr., já, MARCELLO CAETANO, "Do Poder Disciplinar", Coimbra, 1932, pág. 175.
(6) - Cfr. MARCELLO CAETANO, ob. cit., pág. 175.
(7) - Ver LEAL HENRIQUES, ob. cit., pág. 92.
(8) - Cfr. o Parecer nº 52/87, de 5 de Novembro de 1987, ainda não homologado.
Anotações
Legislação: 
EDF84 ART3 N4 ART26 N2 H ART36 ART42 ART65 N1 ART72 N3.
Jurisprudência: 
AC STA DE 1977/07/28 IN AD 194 PAG132.
AC STA DE 1973/07/26 IN AD 143 PAG1533.
AC STA DE 1968/10/18 IN AD 88 PAG507.
AC STA DE 1967/07/30 IN AD 71 PAG1595.
AC STATP DE 1970/04/16 IN AD 103 PAG1090.
Referências Complementares: 
DIR ADM * FUNÇÃO PUBL * DISC FUNC.
Divulgação
Número: 
DR014
Data: 
17-01-1989
Página: 
530
Pareceres Associados
Parecer(es): 
8 + 2 =
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